Materia, Forma e Função - A influencia material no design industrial

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Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção MATÉRIA, FORMA E FUNÇÃO A influência material no design industrial TESE DE DOUTORADO Alexandre Amorim dos Reis Florianópolis, 2003

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tese de doutorado de Alexandre Amorin

Transcript of Materia, Forma e Função - A influencia material no design industrial

  • Universidade Federal de Santa Catarina

    Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo

    MATRIA, FORMA E FUNO A influncia material no design industrial

    TESE DE DOUTORADO

    Alexandre Amorim dos Reis

    Florianpolis, 2003

  • Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Ps-Graduao em

    Engenharia de Produo

    MATRIA, FORMA E FUNO A influncia material no design industrial

    Alexandre Amorim dos Reis

    Tese apresentada ao PPGEP Programa de Ps-graduao em Engenharia de Produo Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor em Engenharia de Produo.

    Orientadora: Profa. Leila Amaral Gontijo - Universidade Federal de Santa Catarina

    Co-orientadora: Profa. Sebastiana Luiza Bragana Lana Universidade do Estado de Minas Gerais

    Florianpolis, 2003

  • 7.05 R375m

    Reis, Alexandre Amorim dos Matria, forma e funo : a influncia material no design industrial / Alexandre Amorim dos Reis Florianpolis, 2003. 335 p.; il.; 21 cm Tese de Doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Ps-graduao em Engenharia de Produo. 1. Design industrial. 2. Matria. 3. Materiais. 4. Forma. 5. Funo.

  • Alexandre Amorim dos Reis

    MATRIA, FORMA E FUNO

    A influncia material no design industrial

    Esta Tese foi julgada e aprovada para a obteno do ttulo de Doutor em Engenharia de Produo do Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Florianpolis, 12 de dezembro de 2003.

    __________________________________ Prof. Edson Pacheco Paladini, Dr.

    Coordenador do Programa

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________ Prof. Leila Amaral Gontijo, Dr.

    (UFSC) Orientadora

    Prof. Sebastiana Luiza Bragana Lana, Dr.

    (UEMG) Co-orientadora

    Prof. Antnio Carlos Vargas SantAnna, Dr.

    (UDESC) Membro

    Prof. Sandra Regina Ramalho e Oliveira, Dr.

    (UDESC) Moderadora

    Prof. Jairo Jos Drummond Cmara, Dr.

    (UEMG) Membro

  • amada Sandra, companheira, linda e amiga fiel que me orienta e ilumina.

    Aos meus idolatrados pais Dulce e Olvio, nicos, insubstituveis e devotados.

    Ao meu precioso e adorado filho Leandro, minha maior celebrao vida.

    Dedico esta tese a eles, que me enobrecem e orgulham.

  • Agradecimentos

    Universidade do Estado de Santa Catarina, por oportunizar meu afastamento para este doutorado, pelo reconhecimento ao que a ela ofereci e

    pela confiana no que ainda oferecerei.

    Universidade Federal de Santa Catarina, em especial ao Programa de Ps-graduao em Engenharia de Produo, pela disponibilidade de

    capacitao concedida.

    Faculdade Energia de Administrao e Negcios, a seus membros e em especial ao amigo Prof. Leocdio Grillo Cuneo, pelo apoio e confiana.

    Ao Departamento de Design da UDESC, aos amigos e companheiros Profs. Walter Dutra da Silveira Neto, Clio Teodorico dos Santos, Gabriela

    Botelho Mager, Silvana Bernardes Rosa, David Omar Nuez Diban, Joo Calligaris Neto, Cludio de So Plcido Brando, Joseane Souza e Edson

    Alves Castanha.

    minha orientadora Prof. Leila Amaral Gontijo, por acreditar, incentivar e disponibilizar-se a meu projeto.

    minha co-orientadora Prof. Sebastiana Luiza Bragana Lana, presente em mais esta fase, com seu brilhantismo que supera distncias.

    Aos demais membros da banca examinadora, agora ainda mais significativos

    em respeito e admirao, Profs. Sandra Regina Ramalho e Oliveira, Antnio Carlos Vargas SantAnna e Jairo Jos Drummond Cmara.

  • Aos meus irmos Olvio, Lcio e Adriano, em suas constantes presenas na vida e pensamentos.

    Mrcia, me de meu filho, e a toda sua famlia, pelo carinho, ateno, amor, educao e exemplo que a ele oferecem.

    Aos amigos sempre felizes, pelos animados e reabilitadores finais de semana,

    Betinha e Mauro Bresolin, Andra e Marcos Fiza, Luli e Cludio Mendona, Snia e Jos Augusto Laus, Marisa e Paulo Matosinho Filho,

    Lena e Edson Makowiecky.

    Aos amigos Maria da Glria e Joo Makowiecky, com gratido por suas dignas e sbias companhias na casa de Sambaqui.

    Ao eterno amigo Romeu Damaso de Oliveira, ainda que de longe, sempre presente, incentivando e trocando idias.

    Ao casal amigo Adriana e Walter Dutra da Silveira Neto, fraternos e fiis, tambm nas horas difceis.

  • No vir longe o dia em que a fsica das partculas nos fale do jogo entre as

    partculas, ou a biologia nos fale do teatro molecular ou a astrofsica do texto

    celestial, ou ainda a qumica da biografia das reaes qumicas. Cada uma destas

    analogias desvela uma ponta do mundo.

    Boaventura de Souza Santos

    A cincia nova um livro to repleto de idias que quase explode pelas costuras.

    Peter Burke

  • Sumrio viii

    Sumrio

    LISTA DE FIGURAS x

    LISTA DE TABELAS xiv

    RESUMO xv

    ABSTRACT xvi

    CAPTULO I

    Introduo: problemtica de base, hipteses, objetivos e metodologia

    01

    1.1. Introduo 01

    1.2. Problemtica de base: a teorizao do design e o estudo dos

    materiais

    05

    1.3. Questes norteatoras e hipteses 18

    1.4. Objetivos 20

    1.4.1. Objetivos gerais 20

    1.4.2. Objetivos especficos 21

    1.5. Metodologia 21

    1.5.1. A aplicao do mtodo no desenvolvimento do trabalho 21

    1.5.2. Coleta de dados 23

    1.5.3. Anlise dos dados 24

    1.6. Referncias bibliogrficas do captulo 26

    CAPTULO II

    A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    29

    2.1. Da cincia arte 31

    2.2. Uma possvel evoluo do pensamento cientfico 47

    2.3. Referncias bibliogrficas do captulo 66

    CAPTULO III

    Matria, materiais, forma e funo: conceitos e definies

    68

    3.1. Matria 68

  • Sumrio ix

    3.2. Materiais 71

    3.3. Forma 75

    3.4. Funo 85

    3.5. Referncias bibliogrficas do captulo 99

    CAPTULO IV

    Mente e matria

    101

    4.1. A evoluo da vida e a evoluo da mente humana 103

    4.2. A interao entre mente e matria 119

    4.3. A matria smbolo 150

    4.4. Referncias bibliogrficas do captulo 186

    CAPTULO V

    As especificidades influentes da matria

    191

    5.1. A potencialidade influente da matria no design industrial 191

    5.2. A influncia material 196

    5.2.1. Matria e forma 198

    5.2.2. Matria e funo 217

    5.3. A nanotecnologia molecular 223

    5.4. Referncias bibliogrficas do captulo 238

    CAPTULO VI

    A produo de Michael Thonet

    241

    6.1. A matria prima de Thonet: madeira 244

    6.2. O marco de Michael Thonet 257

    6.3. Referncias bibliogrficas do captulo 295

    CAPTULO VII

    Discusso de resultados e concluses

    298

    7.1. Discusso de resultados 298

    7.2. Concluses 313

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 322

  • Lista de figuras x

    Lista de figuras

    Fig. III-1 Relao dos materiais com a matria - universo material. 72

    Fig. III-2 Ponta de flecha do paleoltico inferior (ARTE SUREO, s/d.-a).

    76

    Fig. III-3 Inter-relao entre as trs classes de objetos. 77

    Fig. III-4 Expresses artsticas pr-histricas (ARTE SUREO, s/d.-b). 78

    Fig. III-5 Cinco gos esquerda e modelos esquemticos de objetos direita.

    81

    Fig. III-6 Funes de uso (CSILLAG, 1995, p. 65). 87

    Fig. III-7 Funes de estima (CSILLAG, 1995, p. 66). 88

    Fig. III-8 Funes de um cortador de fita adesiva: B=bsica; S=secundria; N=necessria; D=desnecessria; U=uso e E=estima (CSILLAG, 1995, p. 67).

    89

    Fig. III-9 Exemplos de produtos e suas funes: apenas funes primrias esquerda e funes primrias e secundrias direita.

    90

    Fig. III-10 Exemplos de relgios com funes agregadas, calculadora esquerda e barmetro direita.

    90

    Fig. III-11 O famoso saleiro e pimenteiro de Benvenuto Cellini (TIGERTAIL VIRTUAL MUSEUM, 2003).

    92

    Fig. III-12 Classificao das funes segundo Brdek (1994). 93

    Fig. III-13 Modelo de comunicao (MEYER-EPPLER apud BRDEK, 1994, p. 132).

    97

    Fig. IV-1 Causa-efeito (PINKER, 1998, p. 170). 106

    Fig. IV-2 Iluso de Ponzo (STERNBERG, 2000, p. 117). 134

    Fig. IV-3 Placa publicitria do Audi A2, exposta por uma semana, duas semanas e por um ms (ADLAND, 2002).

    167

    Fig. IV-4 Deusa sentada num trono - 5400 5200 a.C (SELEES DO READER'S DIGEST, 1981, p. 11).

    171

    Fig. IV-5 Joseph Beuys, Terremoto, 1981: 80 x 137 3/4 x 193 polegadas. New York (GUGGENHEIM MUSEUM, 2003).

    176

    Fig. IV-6 Joseph Beuys, Dschingis' Grave, 1957. leo e cera sobre carto fixado em madeira compensada: 36.9 x 35.3 cm.. New York (LEGACY PROJECT, THE, 2001).

    177

    Fig. IV-7 Dan Flavin Art minimal Monumento 4 para aquele que foi morto em combate, 1966. Estrutura de lmpadas fluorescentes. Coleo Dia Center for the Arts, New York (PROA, 2002).

    178

  • Lista de figuras xi

    Fig. IV-8 Eva Hesse Repetition Nineteen III, 1968. Fibra de vidro e resina de polister. Yale University Art Gallery, New Haven (ONEROOM, s.d.).

    179

    Fig. IV-9 Eva Hesse Sem ttulo (7 poles), 1970. Fibra de vidro sobre polietileno. (WALKER, 1975, p. 32).

    180

    Fig. IV-10 Richard Serra 9 Rubber belts and neon, 1968. Borracha e lmpadas neon: 190 x 553 x 44 cm. Varese, coleo Giuseppe Panza di Biumo (LUCIE-SMITH, 1986, p. 382-3).

    182

    Fig. IV-11 Anselm Kiefer Sulamit. 1983. leo, acrlico, emulso, goma-laca e palha sobre tela, com xilogravura: 290 x 370cm. The Saatchi Collection, Londres. (WOOD, 1998, p.249).

    184

    Fig. V-1 Expresso semntica nos logotipos de indstrias automobilsticas alems (BAXTER, 1998, p. 189).

    193

    Fig. V-2 Cristal de antimonita ou estibnita [Sb2S3] (KORBEL & NOVK, 2000, p. 39).

    201

    Fig. V-3 Cristais de mimetita [Pb5(AsO4)3Cl] (KORBEL & NOVK, 2000, p. 173).

    202

    Fig. V-4 Diamante [C] de clivagem perfeita e dureza 10 (KORBEL & NOVK, 2000, p. 16).

    204

    Fig. V-5 Cristal de grafite [C] (KORBEL & NOVK,2000, p. 15) 205

    Fig. V-6 Os 14 reticulados de Bravais. 209

    Fig. V-7 Modelos esquemticos das estruturas cristalinas do diamante ( esq.) e do grafite ( dir.) (STEFFEN WEBER, s/d.).

    210

    Fig. V-8 Pirita [FeS2] (KORBEL & NOVK, 2000, p. 42-3). 213

    Fig. V-9 Micrografia eletrnica de varredura do sal puro, cloreto de sdio (BURGESS, 2001).

    214

    Fig. V-10 Especificaes materiais de garrafas para comercializao de produtos.

    219

    Fig. V-11 Variveis de projeto segundo propriedades materiais (NASSEH, 2000).

    221

    Fig. V-12 Quatro formas cristalinas do carbono: diamante, grafite, C60 (Buckyball ou molcula de fulereno) e uma pequena poro de um nanotubo de carbono. (BENOIT, 2001).

    228

    Fig. V-13 Representao esquemtica da molcula C60, buckyball. (ROGMANN, 1995).

    229

    Fig. V-14 Planificao esquemtica de um nanotubo de carbono (DRESSELHAUS & DRESSELHAUS, 1998).

    231

    Fig. V-15 Modelos esquemticos para nanotubos de carbono de parede nica (CINCIA HOJE, s/d.).

    232

  • Lista de figuras xii

    Fig. V-16 Modelo esquemtico para nanocones de carbono de parede nica (VRML GALLERY OF NANO-CONES. 1999).

    233

    Fig. V-17 Modelo esquemtico de nanoengrenagens (NASA, 2002). 234

    Fig. VI-1 Verso publicitria da cadeira n 214 (GEBRDER THONET, 1999, p. 4).

    242

    Fig. VI-2 Micrografia de uma seo transversal de madeira de Pinho (REIS, 1998, p. 75).

    249

    Fig. VI-3 Variaes volumtricas mdias da madeira em razo da umidade (PETRUCCI, 1998, p. 134).

    253

    Fig. VI-4 Deformaes da madeira sofridas pela secagem (PETRUCCI, 1998, p. 135).

    255

    Fig. VI-5 Um dos vrios moldes utilizados por Thonet (GEBRDER THONET, 1999, p. 3).

    259

    Fig. VI-6 Cadeira produzida para o palcio Liechtenstein (GEBRDER THONET, 1985).

    262

    Fig. VI-7 Cadeira n 4 (DE MASI, 1999, p. 32). 263

    Fig. VI-8 Michael Thonet e seus cinco filhos (GEBRDER THONET, 1999, p. 2).

    271

    Fig. VI- 9 O corte das lminas e extrao da peas da autoclave (DE MASI, 1999, p. 34-5).

    272

    Fig. VI-10 Cadeira n 9 (GANTZ, 1996). 274

    Fig. VI-11 A cadeira modelo n 14 (INTERNATIONAL AUCTIONEERS, 2002) e o modelo produzido atualmente, n 214 (GEBRDER THONET, 1999, p. 5).

    275

    Fig. VI-12 A cadeira modelo n 14 desmontada em suas 18 partes (DE MASI, 1999, p. 38).

    277

    Fig. VI-13 Catlogos Gebrder Thonet, o primeiro de 1859 esq., um distribudo na Rssia ao centro, e um de 1888 dir. (DE MASI, 1999, p. 36-7) e (THE MOSCOW WRITERS, 2001).

    278

    Fig. VI-14 A cadeira de balano modelo n 1, a n 10 e a espreguiadeira de balano (DESIGNBOOM, 2001).

    280

    Fig. VI-15 Poltrona n 9. (TAMBINI, 1997, p. 32) e verses 209P e 209 (GEBRDER THONET, 1999, p. 10).

    284

    Fig. VI-16 Caf Museum de Viena (GEBRDER THONET, 1985, p. 13). 285

    Fig. VI-17 Poltrona modelo 247P e instantneo de uma de suas etapas de acabamento (GEBRDER THONET, 1999, p. 15-6).

    286

    Fig. VI-18 Cadeiras desenhadas por Mart Stam: S33, de 1926; S34, de 1929/30 e S43, de 1931 (GEBRDER THONET, 2002b, p. 1-2).

    287

  • Lista de figuras xiii

    Fig. VI-19 Mveis desenhados por Marcel Breuer: mesinhas B9a-d, de 1925/26; cadeira S32, de 1929/30; cadeira S64, de 1926; poltrona S35R, de 1929 e mesa S285, de 1930/31 (GEBRDER THONET, 2002b, p. 2, 5-7).

    289

    Fig. VI-20 Cadeiras S533RF e S533R, de 1927, desenhadas por Mies van der Rhoe (GEBRDER THONET, 2002b, p. 3).

    290

    Fig. VI-21 Exposio de produtos Thonet, lado a lado, produtos dos sculos XIX, XX e XXI (GEBRDER THONET, 2002c, p. 1).

    291

    Fig. VI-22 Produo Thonet em madeira curvada (GEBRDER THONET, 1999, p. 8-9).

    292

    Fig. VI-23 Cadeiras 140, 140F, 140P e 140PF (GEBRDER THONET, 2002d, p. 1).

    293

    Fig. VII-1 O percurso do desenvolvimento de um projeto at sua avaliao.

    311

  • Lista de tabelas xiv

    Lista de tabelas

    Tab. VI-1 Classificao da madeira segundo o teor de umidade (PETRUCCI, 1998).

    252

    Tab. VI-2 Valores percentuais mdios de retrao (PETRUCCI, 1998, p. 136).

    255

    Tab. VI-3 Teores mdios de umidade segundo o ambiente (PETRUCCI, 1998, p. 137).

    255

  • Resumo xv

    Resumo

    Este trabalho, um estudo sobre a influncia que exercem os materiais no campo do design, justifica-se pela reviso bibliogrfica sobre o assunto que identifica o pouco acesso que os designers, de modo geral, possuem ao estudo dos materiais, afirmao comprovada pelas poucas publicaes existentes sobre o tema. O distanciamento entre os conceitos relativos aos estudos sobre a matria tem demonstrado que as principais reas que deles se ocupam, cincias exatas e cincias humanas, possuem interesses distintos, uma trata dos fundamentos fsico-qumicos, a outra especula sobre como as relaes humanas se do com os diversos elementos do universo, baseada, invariavelmente, na cultura humana. O esforo empreendido em design para o aperfeioamento no desenvolvimento de artefatos, quanto interface homem objeto, tem sido, atravs dos tempos, focado nos mais diversos conceitos e raramente ainda que nem sempre de modo adequado despendido na considerao material, elemento fundamental da realidade dos objetos. Procura-se demonstrar que o estudo da matria fundamental e influente, seno de todos, mas de grande parte dos elementos tericos constituintes do design, merecendo teoria prpria e substancial envolvimento acadmico: filosfico, cientfico e tecnolgico. Observa-se que a teoria funcionalista perdeu prestgio pelo seu radicalismo, alm de desconsiderar as funes esttico-formais dos artefatos, ainda que fossem funes primrias em diversos casos. O funcionalismo baseou-se em uma verdade dogmtica, ruindo ao tempo em que se compreende a cincia como falvel, que o cotidiano tambm permeado por certezas e incertezas. Defende-se a pertinncia sobre a considerao da influncia dos materiais na ao do design, fato tambm desconsiderado pelo funcionalismo, influncia esta que opera sobre a forma e funo dos artefatos. As artes plsticas apresentam um maior comprometimento com os materiais. Ainda que as finalidades de uma relao com a matria sejam distintas entre o design e as artes, elas tratam a matria como fundamental no fazer e pensar artstico; existe uma relao verdadeira, inquestionvel e assumida, enquanto no design, apesar da relao com os materiais fundamentar-se em termos tcnico-cientficos, ocorre de modo no essencial, com menor relevncia dentre todos os aspectos que orientam um projeto. Assim como nas artes plsticas, necessrio trazer o universo material para uma considerao mais apropriada ao campo do design. Esta tese demonstra que a investigao material fundamental nas aes e teorizaes do design, objetivando estudar a influncia da matria visando possibilitar o surgimento de mtodos mais factveis para a aplicao de materiais no desenvolvimento de projetos de produtos. Contribui-se, assim, para uma adequada teorizao sobre os materiais no design industrial; aprofundando a compreenso e procurando extrair do estudo da matria e dos materiais reflexes adequadas. Para tanto, transita-se pelo embasamento terico em filosofia das cincias, filosofia esttica, evolucionismo, psicologia cognitiva, engenharia dos materiais e nanotecnologia, demonstrando, por meio de um estudo de caso histrico, a produo de mveis de Michael Thonet, que o respeito s especificidades da matria conduz adequada configurao formal e funcional dos objetos produzidos pelo homem. Palavras chave: design industrial, matria, materiais, forma, funo.

  • Abstract xvi

    Abstract

    This work, a study about the influence exerted by materials in design area that is justified by a bibliographical review about the subject and that is identified the least access that the designers, in general, have in terms of materials study. This statement is confirmed by few publications about this theme. The distance between relative concepts to studies about materia has shown that the main areas occupied by them, exacts and humans science, are totally different, the first one deals with the physicist- chemical foundation and the other one with the relationship between development and establishments of human beings and the Universe. The design effort to improve the artefact development with man interface - object have, trough the time, been focused in many kind of concepts and rarely - as even not always in an appropriate way - spent in the materia consideration, primordial element in objects reality. Trying to show that the materia study is essential and influential, if not at all, the most part of theoretical elements in design, deserving its own theory and substantial academic commitment: philosophic, scientific and technological. Notice that the functionalism theory has lost prestige because of its radicalism; beyond ignore the aesthetical-formal functions of artifacts, even if they are primary functions in so many cases. Functionalism has been based on a dogmatic truth, ruined by the time that science is comprehend as fallible and daily is also permeable of certain and uncertainties. The consideration about the materials influences and its relevancies has been defended in design activities, which was ignored by functionalism as well, such influence that operates in artifacts forms and functions. The plastic arts show a huge commitment with materials. Even if the finality between Arts and Design with materia is different, the arts treat materia as primordial in the artistic process of "thinking" and "doing"; there is a truly relation unquestionable and assumed, meanwhile in design, despite the material relation which is based in technical-scientific terms, it occurs in a no essential way, in a scale of least importance in all aspects that drives a project. As if in plastic arts it is necessary to bring materials universe to an appropriate consideration in design area. This thesis demonstrate that material investigation is primordial in actions and theories of design, to aim for the material investigation as primordial and making the appearance of new methods possible to the appliance of materials in the products development. Cooperating for an appropriate theory about materials in industrial design, making the comprehension deeply and extracting of the materia and materials study an adequate reflection. For it all is moving trough the theoretical fundament in the philosophy of sciences, aesthetical philosophy, evolutionism, cognitive psychology, materials engineering and nanotechnology, demonstrating through a historical case, Michael Thonets furniture production, that the respect with the specificities of materia lead to adequate formal and functional configuration of the objects made by men. Keywords: industrial design, materia, materials, form, function.

  • Captulo I - Introduo 1

    Captulo I Introduo: problemtica de base, hipteses, objetivos e metodologia

    1.1. Introduo

    O estmulo para o desenvolvimento deste trabalho, um estudo que

    contemple o universo material no campo do design, alm da pessoal

    aproximao a esta rea de conhecimento por formao, o pouco acesso

    que os designers, de modo geral, possuem ao estudo dos materiais, fato que

    pode ser comprovado pelas poucas publicaes existentes sobre o tema,

    especificamente direcionadas atividade em design.

    Por outro lado, o distanciamento entre os conceitos relativos aos

    estudos sobre a matria, tem demonstrado que as principais reas que deles

    se ocupam, cincias exatas e cincias humanas, possuem interesses

    distintos. Uma trata das relaes fsico-qumicas dos materiais entre si, a

    outra especula sobre como as relaes humanas se do com os diversos

    elementos do universo, baseada, invariavelmente, na cultura humana.

    A este respeito, a questo no retirar as fronteiras entre as

    disciplinas, mas procurar modificar o que gera as fronteiras. Pascal apud

    Morin (2001, p. 116)1 j formulara a necessidade de ligao por um ponto de

    vista metadisciplinar:

    Uma vez que todas as coisas so causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas esto presas por um elo natural e imperceptvel, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossvel conhecer as partes sem conhecer o

  • Captulo I - Introduo 2

    todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes.

    O esforo empreendido em design para o aperfeioamento do

    desenvolvimento de artefatos no que tange interface homem objeto, tem

    sido, atravs dos tempos, focado nos mais diversos conceitos e raramente

    ainda que nem sempre de modo adequado despendido na considerao da

    matria, elemento fundamental da realidade dos objetos.

    Este trabalho procura demonstrar que o estudo da matria

    fundamental e influente, seno de todos, mas de grande parte dos elementos

    tericos constituintes do design, merecendo teoria prpria e substancial

    envolvimento acadmico: filosfico, cientfico e tecnolgico.

    Para tanto, inicia-se esta tese de doutorado, em seu captulo I, com o

    estabelecimento do problema central, com base bibliogrfica, transitando

    pela teorizao do design, destacando sua natureza, buscando enfatizar seu

    objeto e procurando apresentar o grau de envolvimento sobre o estudo da

    matria em design.

    A partir de ento, so abordados os enfoques analticos da situao

    problema, os conceitos norteadores que do embasamento tese. Esta que

    se substancia com o estabelecimento de questes e hipteses, objetivos e

    metodologia de pesquisa.

    O captulo II a interao entre as cincias para o estudo da matria

    em design, define o objeto de pesquisa, estabelece os limites da investigao

    e como transitar por eles, de acordo com o seu foco central - a importncia

    do universo material para a compreenso e a produo do design. Para

  • Captulo I - Introduo 3

    tanto, considera o design como uma rea de estudo inter-relacionada com

    muitas outras reas do conhecimento, apresenta o campo de ao do design

    como um espectro de reas de conhecimento que vai da cincia arte,

    refletindo sobre como se d a evoluo do pensamento tanto em cincia

    quanto em arte e demonstrando, a partir da reviso de eminentes autores,

    que as fronteiras entre as reas de conhecimento esto ruindo, ao tempo em

    que estas reas buscam uma comunho que lhes capacite a encontrar

    respostas para seus questionamentos.

    Nivelar conceitos o objetivo do captulo III, sob o ttulo matria,

    materiais, forma e funo: conceitos e definies, busca-se esclarecer o

    entendimento e abrangncia pretendidos para substanciar os argumentos

    desta tese, de modo a promover uma adequada compreenso dos elementos

    de base para as exposies subseqentes.

    Mente e matria, as interaes entre o homem, os objetos e, em

    ltima anlise, os materiais de que estes so feitos o tema do captulo IV.

    Por meio de uma extensa reviso bibliogrfica, nos subttulos a evoluo da

    vida e a evoluo da mente humana e a interao entre mente e matria,

    pretende-se comprovar hipteses lanadas, trazendo uma compreenso de

    como o ser humano evoluiu, biologicamente, em um mundo material e como

    desenvolveu, culturalmente, uma mente preparada para lidar com este

    mundo, sendo fundamental para o progresso deste estudo.

    Ao abordar o preparo da mente humana para lidar com eventos fsicos

    e qumicos no cotidiano da sobrevivncia, chega-se aos seus atributos que a

    distingue das mentes de outras espcies, a capacidade de lidar com o

  • Captulo I - Introduo 4

    abstrato, o subjetivo. Tendo assim, o homem, construdo uma civilizao

    baseada, em grande medida, em relaes simblicas. No subttulo a matria

    smbolo recorre-se filosofia-esttica, percorrendo o desenvolvimento

    terico nas artes, para adequadamente compreender que nas mais diversas

    culturas humanas, a simbologia desempenha importante papel nas relaes

    do homem com a matria, seja em uma interao com a natureza, seja no

    desejo que nele pode despertar um objeto de consumo.

    No captulo V, tambm em um esforo transdisciplinar percorrendo

    estudos em reas como a filosofia, a fsica e a qumica, pretende-se

    demonstrar a viabilidade de outras hipteses lanadas, mais precisamente

    ao que diz respeito s especificidades influentes da matria (ttulo). Inicia-

    se por demonstrar a potencialidade influente da matria no design

    industrial, adequadamente substanciado pelo captulo anterior, aqui

    apresenta-se o quo importante a apreciao da matria como elemento

    fundamental de constituio do design, assim como em qualquer elaborao

    intelectual concernente representao dos objetos na interao entre a

    humanidade e o seu mundo. A partir de ento, no subttulo a influncia

    material e suas subdivises a matria e a forma e a matria e a funo,

    lana-se ao estudo da influncia material diretamente sobre o que constitui

    os artefatos industrialmente produzidos, a forma e a funo, trazendo luz

    como a teoria do design pode enriquecer-se ao dotar a atividade de uma

    conscincia mais precisa quanto ao real papel da matria na constituio

    dos objetos. Por fim, o subttulo a nanotecnologia molecular percorre os

    avanos alcanados por esse ramo do conhecimento que, cientificamente,

  • Captulo I - Introduo 5

    vem comprovando o que j se presumia filosoficamente, colaborando na

    corroborao de hipteses.

    Tendo por base, todos estes subsdios, passa-se ento ao estudo de

    um caso histrico, dos mais relevantes ao design industrial, pois que se

    refere aos primrdios da atividade e, ainda assim, com elementos dos mais

    atuais, dada a genialidade de seu protagonista. O captulo VI, a produo

    de Michael Thonet, trata de um dos mais bem sucedidos exemplos da

    expresso que o design industrial desempenha na cultura humana. Tambm

    corroborando hipteses, esta etapa da tese, demonstra como a adequada

    interao entre criador e a matria da qual ser constituda sua criao, so

    fundamentais para o sucesso da ao. Demonstrando que a genialidade,

    tanto no passado quanto no presente, considerada por muitos como um dom

    divino ou artstico, como se queira, , neste caso, uma compreenso exata,

    mesmo que intuitiva, do que fundamental ao seu labor, ainda que este

    fundamento no esteja teorizado.

    Por fim, o captulo VII discute os resultados e conclui a tese, revisando

    as hipteses lanadas, seus objetivos e os elementos de corroborao.

    1.2. Problemtica de base: a teorizao do design e o estudo

    dos materiais

    O design industrial, como rea de atuao e conhecimento, possui sua

    origem em perodo muito recente, a partir da revoluo industrial.

    Entretanto o homem, ainda iniciando sua evoluo como ser inteligente, por

  • Captulo I - Introduo 6

    sua necessidade em interagir com o ambiente, foi levado a utilizar

    ferramentas, a princpio objetos naturais e mais tarde confeccionadas de

    acordo com suas necessidades especficas.

    A este respeito, Sabbatini e Cardoso (2000)2, Dawkins (1989)3 e Pinker

    (1998)4 afirmam que a inteligncia humana o resultado da habilidade do

    homem em manipular e construir objetos, que a linguagem o resultado de

    uma capacidade simblica alcanada com a interao com os objetos.

    importante, ao incio de uma abordagem terica sobre o design,

    considerar a esttica como um dos elementos indispensveis validao do

    prprio design. Contudo, ao se considerar a fundamental importncia da

    qualidade esttica no design, pode-se chegar ao seguinte questionamento: se

    ao design a esttica fundamental, o que o diferencia da arte? Para esta

    questo pertinente esclarecer que a esttica existe tanto em arte quanto em

    design; o que os distingue como o contedo esttico participa em cada um

    deles. Para Mukarvsk (1981)5, quando a funo esttica est presente,

    mas no a principal inteno, o resultado um objeto ou imagem esttico

    como no caso do design; quando a funo esttica a principal inteno, o

    resultado um objeto ou imagem artstico o que, evidentemente, ocorre em

    arte.

    A esttica no condicionalmente ligada ao belo. Esttica filosofia

    acima de tudo, a reflexo sobre a experincia. Contudo, oportuno salientar

    que a esttica encontra terreno frtil em quaisquer atividades criativas. De

    Masi (1999)6 apresenta a histria do grupo Cavendish, de Cambridge,

    formado, dentre outros, por Francis Crick e James Watson, o grupo que

  • Captulo I - Introduo 7

    descobriu a estrutura do DNA. Esse grupo competia com outro grupo de

    colegas que trabalhavam em Londres, e l, sempre que realizavam um

    desenho sobre uma possvel estrutura do DNA, faziam os testes e isso exigia

    alguns dias. O grupo de Cambridge, Crick e Watson, agiu de outra forma.

    Desenharam todas as possveis estruturas do DNA, dezenas e dezenas para

    ento comearem os testes, entretanto deviam escolher por qual estrutura

    comeariam e escolheram a mais bela, comearam por ela e aquela era a

    estrutura correta. O prprio grupo Franklin, que era o grupo de Londres,

    declarou ao ver a estrutura: bonita demais para no ser verdadeira.

    Sendo justificvel validar a esttica como um dos principais elementos

    de formao do design, pois que o design alimenta-se em outras fontes que

    no seja a esttica, como a ergonomia, a cincia dos materiais, as tcnicas

    produtivas, entre outras, devem-se observar outras atribuies que so

    justas ao design durante o desenvolvimento de produtos industriais.

    Uma das vrias atribuies do design direciona para uma certa

    capacitao do seu profissional, por sua formao generalista, em ocupar a

    posio de mediador dos conflitos interdisciplinares existentes nos esforos

    envolvidos na produo industrial. Segundo Thomas Kuhn (1975)7, criador

    do conceito de paradigma (representao de conjuntos de conceitos

    fundamentais que, num dado momento, determinam o carter da descoberta

    cientfica), a transposio de um paradigma pode ser mais facilmente

    superada por algum que esteja margem deste paradigma, ou seja, que

    no esteja completamente envolvido por ele, um no especialista. Assim,

  • Captulo I - Introduo 8

    pode-se tambm justificar a capacidade do designer em propor solues

    criativas em todas as etapas do processo de desenvolvimento de produtos.

    Paralelamente, em meio a todos os que participam do processo

    produtivo industrial, conveniente considerar o designer como um projetista

    do objeto que h de ser produzido e tambm como um planejador desse

    processo projetual.

    O designer dever, segundo Dorfles (1984)8, ao iniciar o processo, ter

    conscincia de suas capacidades e sua tarefa no todo da operao produtiva.

    Parte de seu trabalho analisar sinteticamente as informaes que lhe so

    transmitidas pelos diferentes especialistas, tcnicos, estatsticos,

    mercadlogos e peritos das tcnicas operativas, de modo que possa concluir

    especificaes para o tipo de produto que deva projetar, utilizando, para tal,

    ferramentas metodolgicas adequadas.

    Em razo da complexidade tecnolgica que atualmente envolve a

    produo industrial, impossvel que um designer chegue a possuir noes

    tcnicas e cientficas necessrias para projetar completamente todo e

    qualquer tipo de produto. Em contrapartida, natural que, valendo-se das

    informaes obtidas dos tcnicos e especialistas, possa projetar objetos

    apesar de no ter penetrado totalmente nos seus requisitos cientficos e

    tecnolgicos.

    Destaca-se aqui uma importante observao: em design, a fase inicial

    de um projeto se constitui em pensar o problema, em procurar definir se o

    problema foi colocado com clareza e se esto disponveis os dados suficientes

  • Captulo I - Introduo 9

    para que se alcance, ao final do processo, a satisfao das necessidades do

    pblico a que se dirige o produto.

    O designer industrial, a par das exigncias do pblico e,

    evidentemente, da linguagem por este pblico reconhecvel, habilita-se a

    conceber objetos que efetivamente atendam aos requisitos tcnico-formais

    almejados pelo mercado consumidor. Em design industrial deve ser

    cautelosa a inovao relativamente aos cdigos de comunicao

    estabelecidos nos produtos. Bruscas mudanas dificilmente possibilitariam

    uma comunicao efetiva entre produtor e consumidor, a comunicao

    imprescindvel em design. Novas linguagens podem ser ineficientes ao levar

    ao consumidor mensagens no decodificveis, seja por limites intelectuais,

    culturais ou de outra natureza, no se estabelecendo nenhum tipo de

    interlocuo pretendida.

    Contudo, o designer no dever simplesmente submeter-se s

    vontades do produtor ou do consumidor, mais que isso, deve compreend-

    las e, como premissa, deve ser dotado da capacidade de sintetizar suas reais

    necessidades, tendo de conceituar a forma que satisfazendo aos requisitos

    tcnicos, aos custos e anlise de mercado, possa estabelecer um elemento

    de inovao, preparando o pblico para a aceitao de um novo gnero

    formal que no conhecia.

    De todo modo, o design profundamente orientado para a

    funcionalidade dos objetos, seja qual for o tipo de funo a ser

    desempenhada.

  • Captulo I - Introduo 10

    Deve-se esclarecer que no se pode confundir funcionalidade com

    funcionalismo, o primeiro termo se refere capacidade de um artefato

    cumprir as funes a ele pretendidas, o segundo, relacionado teoria que

    submete a forma funo.

    E com relao ao funcionalismo, em razo da importncia histrica

    desta teoria na fundamentao do design, tendo suas bases estabelecidas

    em perodo contemporneo ao surgimento do design industrial como rea de

    estudo:

    a era da mquina, fase tecnicista que marca sua trajetria no segundo quartel do sculo XX. [...] Louis H. Sullivan (1856-1924) enuncia a famosa frase a forma segue a funo, reafirmando por outras palavras a teoria de William Morris que propunha, antes de tudo, unidade e praticidade do ambiente (RIBEIRO, 1985, p. 75)9.

    Foi na Bauhausi que o design se apropriou do funcionalismo, surgido

    na arquitetura em resistncia s imposies estticas dos romnticos.

    O design industrial esteve marcado pela doutrina do funcionalismo durante vrias dcadas: Form follows function (A forma segue a funo). A tarefa do designer era a de criar respostas, com base nas anlises das necessidades sociais, que apresentassem, acima de tudo, um mximo grau de funcionalidade. Sem dvida, este enfoque foi posto em prtica utilizando um conceito de funo muito limitado: se considerava unicamente a funo prtica ou a tcnica (manejo, ergonomia, construo, execuo). A dimenso das funes dos signos e das funes comunicativas do produto continuaram sendo tabu.

    Esta idia limitada da funo se apia em um evidente mal entendido dos pressupostos de Sullivan. Esta idia, para Sullivan girava tambm em torno de sua dimenso semitica: Cada objeto da natureza possui uma forma, um aspecto exterior, que nos indica seu significado e que o distingue de ns mesmos e do resto dos objetos (Louis H. Sullivan, 1896). Wend Fisher (1971) recordou que para

    i Em 1902, Henry van de Velde criou um curso prtico de artesanato que em 1906 converteu-se na Kunstgewerbeschule (Escola de Artes e Ofcios). Em 1919, por sua fuso com a Escola Superior de Artes Plsticas, nasceu, com Walter Gropius como principal responsvel, a Escola Oficial da Bauhaus de Weimar que acabaria convertendo-se na alma do desenvolvimento posterior do design (BRDEK, op.cit., p. 28)10.

  • Captulo I - Introduo 11

    Sullivan no se tratava simplesmente de satisfazer as necessidades da finalidade dos produtos ou dos edifcios, seno da possibilidade de reconhecimento da vida em sua expresso, da forma da funo fsica tanto quanto da espiritual. Sullivan desejava um acordo e uma concordncia absolutas entre a vida e a forma (BRDEK, 1994, p. 55-6)10.

    A teoria funcionalista perdeu prestgio pelo seu radicalismo alm de

    desconsiderar as funes esttico-formais dos artefatos, ainda que fossem

    funes primrias em diversos casos.

    O determinismo funcionalista, Quarante (1992b, p. 19)11, condenava a

    esttica e, segundo a autora:

    [...] para no sentirem-se culpados da menor infrao s rigorosas regras geomtricas, os tericos do design elevaram categoria de dogma a obedincia ao funcionalismo, o qual se tinha como fundamento do princpio criador.

    O funcionalismo baseou-se em uma verdade dogmtica, ruindo ao

    tempo em que se d a compreenso da cincia como falvel, e o cotidiano

    tambm permeado por certezas e incertezas. A grande contribuio da fsica

    quntica, segundo Penrose (1998)12, foi a de fazer com que a cincia

    aceitasse a idia da imponderabilidade. A fsica quntica ajudou a fazer com

    que o raciocnio nas cincias seja menos polarizado, o indeterminado passa

    a fazer parte da linguagem cientfica e os cientistas passaram a evitar leis e

    princpios rgidos e deterministas.

    A maior contribuio de conhecimento do sculo XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. A maior certeza que nos foi dada a da indestrutibilidade das incertezas, no somente na ao, mas tambm no conhecimento (MORIN, 2001, p.55)1.

  • Captulo I - Introduo 12

    Alm disso, o design como rea de conhecimento um legtimo

    integrante das cincias sociais, e est, por sua natureza, intimamente

    relacionado s questes subjetivas e abstratas que envolvem as interaes

    humanas e os fenmenos sociais. O design est distante da quantificao

    objetiva das cincias exatas e de seus elementos de anlise para a

    proposio de solues a problemas produtivos. certo que o design conta

    com objetividade, principalmente em seus mtodos projetuais e produtivos,

    entretanto, diferencia-se amplamente das engenharias pela abordagem que

    estabelece sobre a subjetividade das idias e da criao.

    As cincias sociais no dispem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as cincias sociais no podem estabelecer leis universais porque os fenmenos sociais so historicamente condicionados e culturalmente determinados; as cincias sociais no podem produzir previses fiveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em funo do conhecimento que sobre ele se adquire; os fenmenos sociais so de natureza subjetiva e, como tal, no se deixam captar pela objetividade do comportamento; as cincias sociais no so objetivas porque o cientista social no pode libertar-se, no ato de observao, dos valores que informam a sua prtica em geral e, portanto, tambm a sua prtica de cientista.

    [...] O comportamento humano, ao contrrio dos fenmenos naturais, no pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas caractersticas exteriores e objetivveis, uma vez que o mesmo ato externo pode corresponder a sentidos de ao muito diferentes. A cincia social ser sempre uma cincia subjetiva e no objetiva como as cincias naturais; tem de compreender os fenmenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem s suas aes, para o que necessrio utilizar mtodos de investigao e mesmo critrios epistemolgicos diferentes dos correntes nas cincias naturais, mtodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista obteno de um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo, explicativo e nomotticoii (SANTOS, 1987, p. 21-2)13.

    ii Segundo Wilhelm Windelband (1848-1915), historiador alemo, o mtodo das cincias que tratam de leis: as cincias da natureza.

  • Captulo I - Introduo 13

    Assim argumentado, Boaventura dos Santos demonstra que as

    cincias sociais no se compatibilizam com os critrios de cientificidade das

    cincias naturais. Por esta razo, fracassam as tentativas de apropriao ou

    formulao de rgidas e deterministas leis e princpios em cincias sociais e,

    por conseguinte, em design.

    Ainda pela identidade do design, Bonsiepe (1997)14 define os artefatosiii

    como objetos que possibilitam aes efetivas onde a interface o objeto

    central do design. A interface permite diferenciar design de engenharia. O

    design ocupa-se dos fenmenos de uso, interessa-se pela eficincia scio-

    cultural. J as engenharias no atuam nos fenmenos de uso, na integrao

    dos artefatos cultura cotidiana, mas sim na eficincia fsica atravs dos

    mtodos das cincias exatas.

    Estes mtodos, os das cincias exatas, envolvem grande parte do

    estudo dos materiais. natural que estes mtodos no sensibilizem os

    estudiosos do design com a intensidade necessria. O fato que uma

    teorizao abrangente e significativa sobre os materiais, especificamente

    para o design, no foi adequadamente explorada.

    A indisponibilidade de teorias prprias tem proporcionado uma srie

    de equvocos, notadamente quando so incorporados contedos de outras

    reas prtica do design. No incomum encontrar, nos currculos de

    design, os temas materiais e processos como disciplina nica, o que por si

    demonstra um certo descaso e a descuidada aglutinao destas disciplinas

    que possuem caractersticas prprias e finalidades distintas.

    iii Neste trabalho define-se artefato por objeto produzido pela ao humana.

  • Captulo I - Introduo 14

    O estudo da matria e dos materiais sobrepe e independe do estudo

    de processos produtivos, a matria existe em suas propriedades e

    especificidades independentemente da possibilidade tecnolgica de

    conformao. A no ser que sobre materiais se pretenda, impropriamente,

    uma compreenso muito superficial e limitada que os faam serem

    submetidos aos processos de produo.

    A este respeito, destacam-se dois pontos de grande relevncia: O

    primeiro ponto que seria adequado entender que o ensino de materiais

    deve estar em compasso com o ensino de processos de fabricao, o que no

    quer dizer que devam, os dois temas, estarem integrados em uma mesma

    disciplina, mas sim conectados em um programa global. E pode-se avanar

    ainda, pela aspirao competncia projetual, que o ensino de materiais

    esteja ligado a outras disciplinas como o estudo das formas, a esttica e a

    prtica de oficina, dentre outras. O segundo ponto refere-se constatao,

    segundo Bonsiepe (1997)14, de que criam-se cursos de design sem contar

    com profissionais capacitados para a docncia de materiais habilitados em

    design, o que sugere a insuficincia, de modo geral, da capacitao dos

    designers na rea de materiais.

    Com relao necessidade de integrar a disciplina de materiais com

    outras na formao fundamental do design, Bonsiepe (1997)14 esclarece que

    os problemas formais nunca surgem em estado puro. Eles esto

    constantemente envolvidos com outros parmetros influenciadores da forma,

    dentre eles os materiais. E complementa a impossibilidade de aglutinar

    disciplinas que apesar de afins, possuem realidades e contedos prprios:

  • Captulo I - Introduo 15

    Nos exerccios formais pode-se estudar a forma colocando em parnteses outros fatores determinantes. [...] Na concepo tradicional da Bauhaus, o curso bsico servia tambm para transmitir experincias com madeira, metais, vidro, argila e similares materiais. Isto hoje est superado. Os materiais e seus processos de transformao, vale dizer, o amplo campo da tecnologia, tm-se diferenciado de tal maneira que hoje impossvel por razes simplesmente prticas transmitir saber manual e tcnico atravs de uma oficina. Trabalho na oficina, numa escola de design, serve hoje exclusivamente para treinar a capacidade de fazer modelos (BONSIEPE, 1997, p. 126)14.

    Ainda com relao ao ensino de materiais, Ezio Manzini (1993)15 relata

    uma tentativa recente de se contar os materiais em que chegou-se a um

    resultado entre cinqenta e setenta mil, nmero que discutvel dado que se

    restringe a formulaes constantes em catlogos de fabricantes, sem

    considerar formulaes especiais. O fato que no se pode contar os

    materiais existentes, pois so muito numerosos, dada a possibilidade de

    combinar diversos componentes em diversas propores.

    Assim sendo, o ultrapassado modo de ensino de materiais, como

    abordado por Bonsiepe, de modo prtico, atravs de ensaios em oficinas

    e/ou com auxlio de tabelas de classes e propriedades, se mostra atualmente

    no apenas ineficaz como tambm impossvel.

    A atual formao acadmica dos designers tem considerado o

    conhecimento relativo s propriedades fsico-qumicas como o fundamental

    conhecimento de interesse em termos de materiais. Esta afirmao se

    alicera na anlise de grades curriculares dos cursos de design e nas

    discusses sobre o assunto, ainda que pouco expressivas em volume nas

    publicaes de anais em congressos, livros e peridicos.

  • Captulo I - Introduo 16

    Mike Baxter, membro do Design Research Centre da Universidade de

    Brunel Inglaterra, autor de uma importante obra didtica em design

    industrial: Projeto de produto guia prtico para o desenvolvimento de

    projetos (1998)16, em seus nove captulos e 34 ferramentas, no dedica um

    nico item ao tema materiais.

    Em Diseo Industrial 1 elementos introductorios (1992a)17, Danielle

    Quarante, professora de Design Industrial e Concepo de Produtos na

    Universidade de Compigne, assim apresenta os componentes estticos do

    produto: fatores harmnicos (proporo/coerncia, ritmo/estrutura,

    mdulo/unidade, sintaxe e ordenao dos elementos); fatores funcionais

    (forma/funo, durao, adaptabilidade, inteligibilidade e economia de meios

    empregados); fatores sociais (valor signo, aparncia, identidade, smbolo,

    modo e grau de comunicao); fatores histricos e tecnolgicos (contexto

    histrico, contexto temporal e gentica tcnica) e fatores culturais (hbito,

    saber, cultura e religio).

    Note-se que Quarante desconsidera os materiais em sua classificao

    dos componentes estticos do produto. A autora parece entender que a

    expresso esttica seja possvel sem a materialidade, o que imprprio, dado

    que a matria fundamental e necessria para o estmulo da percepo

    humana, e sem percepo a considerao esttica simplesmente no existe,

    pois que o processo esttico consiste em perceber, elaborar e expressar,

    segundo Mukarvsk (1981)5, Arnheim (1986)18 e Vzquez (1999)19.

    Em 1983, Herbert Lindinger apud Brdek (1994, p. 55)10, assim

    reuniu, em dez mandamentos, os princpios do Bom Design: 1 - elevada

  • Captulo I - Introduo 17

    utilidade prtica; 2 - segurana suficiente; 3 - longevidade; 4 - adequao

    ergonmica; 5 - independncia tcnica e formal; 6 - relao com o entorno; 7

    - no contaminante do meio ambiente; 8 - visualizao de seu emprego; 9 -

    alto nvel de design e 10 - estmulo sensorial e intelectual.

    Curioso notar que alm do nono mandamento (alto nvel de design)

    por si s no dizer muita coisa, a preocupao ergonmica foi indicada por

    duas vezes (4 - adequao ergonmica e 6 - relao com o entorno) e,

    novamente, a considerao dos materiais foi preterida.

    O designer e terico Bruno Munari, em Das coisas nascem coisas

    (1998)20, apesar do sugestivo ttulo, ao apreciar uma seqncia metodolgica

    para o processo projetual, engloba materiais e tecnologia como etapa comum

    abordada no extremo final dos procedimentos para se alcanar uma soluo

    de projeto, antecedendo apenas as etapas de experimentao, modelo,

    verificao e desenho de construo, depois de concludas as etapas de

    conhecimento do problema, definio do problema, componentes do

    problema, coleta de dados, anlise dos dados e criatividade. E ainda que

    apresente uma considervel srie de estudos de caso, praticamente nada

    discorre a respeito dos materiais nos processos projetuais.

    Diante do exposto, importante salientar que o design no pode deixar

    de considerar apropriadamente os materiais, sob pena de passar ao largo de

    uma discusso de fundamental importncia que consiste no papel da

    matria em sua atuao.

    Poucos escritores, ao longo dos tempos e mesmo recentemente, tm achado de bom tom falar sobre madeira, terra, couro ou pedra. Do

  • Captulo I - Introduo 18

    mesmo modo, as estruturas de metal, borracha, ou fibra tm passado despercebidas. Os materiais eram teis, quando muito, como elementos de um cenrio onde se podia retratar outros acontecimentos.

    [...] Pouco mais vemos do que a espuma superfcie. Reconhecemos que h alguns escritores que escapam a esta nossa amarga constatao. Pelo contrrio, os artistas pintores, ceramistas, escultores tm conseguido, na generalidade, contornar o impasse. Louvaram, sua maneira, os ingredientes, as novas texturas, novas combinaes, ou impasto (tcnica de espalhar os pigmentos, em pintura) (DAGONET In: MANZINI, 1993, p. 9-10)15.

    Deve-se enfatizar que as artes plsticas apresentam um maior

    comprometimento na relao com os materiais. Ainda que as finalidades de

    uma relao com a matria sejam distintas entre o design e as artes. As

    artes plsticas tratam a matria como fundamental no fazer e pensar a arte.

    Existe uma relao verdadeira, inquestionvel e assumida, enquanto no

    design, a relao com os materiais acontece mais profundamente em termos

    tcnico-cientficos, entretanto, de modo no assumido como fundamental e

    at mesmo marginal, relegando-a a segundo plano.

    Assim como nas artes plsticas, necessrio trazer o universo

    material para uma discusso mais apropriada ao campo do design. Como se

    pretende apresentar, a matria tem papel influente no fazer e pensar o

    design. Estudar a influncia da matria pode possibilitar o surgimento de

    mtodos diversos, mais factveis para a aplicao de materiais e para o

    desenvolvimento de projetos de produtos.

    1.3. Questes norteatoras e hipteses

    Com base nos enfoques precedentes, podem ser avanados dois

    grupos de questes norteadoras:

  • Captulo I - Introduo 19

    A. De que modo a matria pode influir na teorizao do design? A matria

    exerce influncia na concepo formal e funcional dos objetos? Como a

    matria poderia influenciar a funcionalidade dos artefatos?

    B. A considerao da matria como fundamento terico caracterizaria uma

    ampliao, ou uma limitao s possibilidades projetuais? Os casos de

    produtos bem sucedidos, desenvolvidos no passado, so resultado do

    acaso, da genialidade de seu idealizador ou da aplicao consciente de

    uma lgica projetual ainda no teorizada?

    A partir da reviso bibliogrfica e da coleta preliminar de dados,

    levantam-se as hipteses, segundo as quais:

    1. O Universo constitui-se de matria e energia, mutuamente ligadas e

    influentes uma da outra. Matria e energia so causas e

    conseqncias entre si e tudo delas dependente, logo, no

    considerar a fundamental influncia da matria na teorizao do

    design ignor-la e, portanto, invalidar qualquer teoria que a ela

    toque.

    2. Todo e qualquer objeto composto de matria, a sua considerao

    fundamento indispensvel concepo tanto formal quanto

    funcional.

    3. Constituda a partir das leis fsico-qumicas, a matria no se exime

    de cumprir estas leis quando aplicada nos objetos. A partir destas

    leis so determinadas as propriedades materiais que proporcionam

  • Captulo I - Introduo 20

    as qualidades necessrias funcionalidade do objeto em que

    aplicada.

    4. O ente matria est alm de qualquer limitao que se possa

    associar aos materiais, estes ltimos sim, limitados ao domnio

    tecnolgico humano, portanto, a considerao sobre a matria

    (ilimitada e fundamento de composio universal) no limita, mas

    amplia e potencializa a fundamentao terica do design e, por sua

    vez, as possibilidades projetuais.

    5. Uma dinmica vlida para o desenvolvimento e funcionamento dos

    objetos naturais, integrantes do meio ambiente em que o homem

    evoluiu e com os quais o homem interage bem, tambm aplicvel

    para a produo de artefatos, ainda que mtodos e procedimentos

    devam ser revisados. Uma lgica projetual adequada mas ainda no

    teorizada pode ser entendida como acaso ou genialidade. A

    produo de Michael Thonet fundamentada em uma adequada

    utilizao material.

    1.4. Objetivos

    1.4.1. Objetivos gerais

    Contribuir para uma adequada teorizao sobre os materiais para o

    design industrial;

  • Captulo I - Introduo 21

    Aprofundar a compreenso que se tem em design sobre a matria,

    procurando extrair do estudo desta e dos materiais, reflexes

    prprias para a ao em design.

    1.4.2. Objetivos especficos

    Abordar estudos a respeito da influncia dos materiais na forma e

    na funo dos objetos;

    Discutir as potencialidades influentes da matria no campo do

    design, enriquecido por contribuies transdisciplinares;

    Demonstrar os benefcios para o design industrial no

    aprofundamento do estudo da matria;

    Apresentar o estudo de caso da produo de Michael Thonet,

    contribuindo para o enriquecimento das bases histricas do design

    com pertinncia a contedos metodolgicos e tcnicos.

    1.5. Metodologia

    1.5.1. A aplicao do mtodo no desenvolvimento do trabalho

    Atualmente constata-se que a cincia no tem evoludo segundo

    roteiros intelectuais previsveis como no passado, reconhecendo-se a

    importncia do mtodo cientfico e a linha de raciocnio adotada no processo

    de pesquisa. No mais existe um modo definido de raciocnio lgico capaz de

  • Captulo I - Introduo 22

    satisfazer o intrincado universo das investigaes cientficas. Em diversos

    nveis de classificao e estgio, a investigao cientfica possui vrias

    caracterizaes segundo sua natureza, forma de abordagem do problema,

    seus objetivos e seus procedimentos tcnicos.

    Esta pesquisa, por sua natureza, caracteriza-se como pesquisa bsica

    que, segundo Freire-Maia (1995)21, se faz com a nica preocupao de

    resolver problemas de conhecimento e a princpio no se justifica pelo seu

    aproveitamento na rea da utilizao prtica, mas que pode vir a ocorrer;

    isto significa que ela no exclui a possibilidade de poder exercer poderosa

    influncia no setor tecnolgico.

    Quanto a forma de abordagem do problema, trata-se de pesquisa

    qualitativa que, segundo Gil (1991)22, considera que h uma relao

    dinmica entre o mundo real e o sujeito, isto , um vnculo indissocivel

    entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que no pode ser

    traduzido em nmeros. Nela, a interpretao dos fenmenos e a atribuio

    de significados so bsicos no processo de pesquisa qualitativa, no

    requerendo o uso de mtodos e tcnicas estatsticas. Ela descritiva e o

    pesquisador tende a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu

    significado so os focos principais de abordagem.

    Do ponto de vista de seus objetivos, uma pesquisa exploratria que,

    ainda para Gil (1991)22, visa proporcionar maior familiaridade com o

    problema com vistas a torn-lo explcito ou a construir hipteses. Envolve

    levantamento bibliogrfico e anlise de exemplos que estimulem a

  • Captulo I - Introduo 23

    compreenso. Assume, em geral, as formas de pesquisas bibliogrficas e

    estudos de caso.

    E quanto aos procedimentos tcnicos pesquisa bibliogrfica

    (elaborada a partir de material j publicado, constitudo principalmente de

    livros, artigos de peridicos e com material disponibilizado na Internet);

    pesquisa documental (elaborada a partir de materiais que no receberam

    tratamento analtico) e estudo de caso (envolvendo o estudo profundo e

    exaustivo de um ou poucos objetos de maneira que se permita o seu amplo e

    detalhado conhecimento).

    1.5.2. Coleta de dados

    Em primeiro momento, se procedeu uma reviso bibliogrfica, com o

    fim de prover uma maior fundamentao para substanciar as especifidades

    influentes da matria e, a partir da, para o balizamento dos argumentos

    propostos.

    Esta primeira etapa se deu, no mbito das publicaes, principalmente

    em torno da filosofia das cincias, esttica, psicologia e design.

    Em segundo momento, aps reviso do referencial terico e adequada

    fundamentao das bases temticas, foi aprofundado o estudo da

    nanotecnologia como fator de corroborao cientfica das argumentaes

    filosficas, em especial no campo esttico, do valor material sobre os

    aspectos formais e funcionais dos objetos em design. Por fim, foram

    levantados dados bibliogrficos e documentais para o estudo de caso da

  • Captulo I - Introduo 24

    produo de Michael Thonet, a fim de situar de modo prtico e objetivo as

    contribuies tericas na atividade do design industrial.

    1.5.3. Anlise dos dados

    Os dados bibliogrficos levantados foram tratados, em busca do

    desenvolvimento terico, objeto deste trabalho, sob os mtodos dedutivo e

    indutivo. Onde, segundo Gil (1999)23; Lakatos & Marconi (1993)24:

    No mtodo dedutivo, proposto pelos racionalistas, Descartes,

    Spinoza, Leibniz, pressupe-se que s a razo capaz de levar ao

    conhecimento. O raciocnio dedutivo tem o objetivo de explicar o

    contedo das premissas. Por intermdio de uma cadeia de

    raciocnio em ordem decrescente de anlise, do geral para o

    particular, chegando a uma concluso. Usa o silogismo, construo

    lgica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira

    logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de

    concluso.

    No mtodo indutivo, proposto pelos empiristas, Bacon, Hobbes,

    Locke, Hume, considera-se que o conhecimento fundamentado na

    experincia, no levando em conta princpios preestabelecidos. No

    raciocnio indutivo a generalizao deriva de observaes de casos

    da realidade concreta. As constataes particulares levam

    elaborao de generalizaes.

  • Captulo I - Introduo 25

    Dado que se trata de uma abordagem terica qualitativa em pesquisa

    bsica, pretendeu-se nesta anlise uma corroborao cientfica e histrica

    das bases tericas exploradas, ainda que no se pretendesse ilustrar sua

    viabilidade e possibilidade aplicativa como mtodo projetual, pois que seria

    uma etapa posterior de pesquisa aplicada.

  • Captulo I - Introduo 26

    1.6. Referncias bibliogrficas do captulo

    1 MORIN, Edgar. A cabea bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 2 SABBATINI, Renato M. E. & CARDOSO, Silvia H. O que nos faz unicamente humanos. In: Revista Crebro e mente. Campinas: UNICAMP, jan-2000. 3 DAWKINS, Richard. The selfish gene. Nova edio. Nova York: Oxford University Press, 1989. 4 PINKER, Steven. Como a mente funciona. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. 5 MUKARVSK, Jan. Escritos sobre Esttica e Semitica da Arte. Lisboa: Editorial Presena, 1981. 6 DE MASI, Domenico. A emoo e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1999. 7 KUHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: The University of Chicago Press, 1975. 8 DORFLES, Gillo. O design industrial e a sua esttica. Lisboa: Presena, 1984. 9 RIBEIRO, Hlcio P. Artes industriais do decorativo rococ ao funcionalismo industrial. So Paulo: Jalovi, 1985. 10 BRDEK, Bernhard E. Historia, teora y prctica del diseo industrial. Barcelona: Ed. Gustavo Gili. 1994.

  • Captulo I - Introduo 27

    11 QUARANTE, Danielle. Diseo Industrial 2: elementos tericos. Barcelona: Ediciones CEAC, 1992b. 12 PENROSE, Roger. O Grande, o Pequeno e a Mente Humana. So Paulo: UNESP, 1998. 13 SANTOS, Boaventura de S. Um discurso sobre as cincias. Porto: Afrontamento, 1987. 14 BONSIEPE, Gui. Design: do material ao digital. Florianpolis: FIESC/IEL, 1997. 15 MANZINI, Ezio. A matria da inveno. Lisboa: Centro Portugus de Design, 1993. 16 BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prtico para o desenvolvimento de novos produtos. So Paulo: Edgard Blcher, 1998. 17 QUARANTE, Danielle. Diseo Industrial 1: elementos introductorios. Barcelona: Ediciones CEAC, 1992a. 18 ARNHEIM, Rudolph. Arte & percepo visual: uma psicologia da viso criadora. So Paulo: Pioneira, 1986. 19 VZQUEZ, Adolfo S. Convite Esttica. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1999. 20 MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. So Paulo: Martins Fontes, 1998. 21 FREIRE-MAIA, Newton. A cincia por dentro. Petrpolis: Editora Vozes, 1995. 22 GIL, Antonio C. Como elaborar projetos de pesquisa. So Paulo: Atlas, 1991.

  • Captulo I - Introduo 28

    23 GIL, Antonio C. Mtodos e tcnicas de pesquisa social. So Paulo: Atlas, 1999. 24 LAKATOS, Eva M.& MARCONI, Marina de A. Fundamentos de metodologia cientfica. So Paulo: Atlas, 1993.

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    29

    Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    Levantando elementos para o estudo da influncia material no campo

    do design, pressupe-se que as pesquisas devam ocorrer em rea e mbito

    prprios, pois de outro modo tal estudo no faria sentido, inviabilizando uma

    possvel contribuio ao campo de conhecimento. Contudo, fixar seus limites

    e apontar os caminhos mais adequados para transitar por ele, levam a uma

    srie de problemas, como a definio do objeto em questo e dos mtodos

    mais apropriados de acordo com a natureza do design.

    Um grande nmero de propostas distintas aos estudos em design

    conduz incerteza das investigaes nessa rea. Entretanto, no se pode

    deixar de considerar inquietantes os argumentos com que se nega a

    legitimidade do design como um ramo do conhecimento e, dentre outros,

    esto os de que o design carece de objeto prprio; que se o tem, dada sua

    natureza eminentemente subjetiva, no possibilita afirmaes objetivas,

    fundadas; que por sua prtica generalista d as costas ao concreto real.

    Em conseqncia, o que se aniquila com tais argumentos a prpria

    interao homem-ambiente, baseada em subjetividades, abstraes e uma

    infindvel srie de imponderveis relaes. Portanto, embora no se

    pretenda responder em definitivo a essa questo, no se poderia iniciar este

    estudo sem antes esclarecer, ainda que temporariamente, o problema central

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    30

    do design e sua existncia, ou seja, como ele transita por suas fontes de

    conhecimento.

    Desde seu surgimento, ainda que impreciso e muito recente, o design

    busca a sua maturidade acadmica atravs da apropriao, nem sempre

    legtima, de contedos tericos alheios a sua natureza. Os primeiros

    exerccios profissionais em design foram praticados por arquitetos, artistas e

    artesos, no que deixem de ser claras as interferncias entre tais

    atividades, mas, a princpio, pela inexistncia de uma formao prpria que

    pudesse atender s demandas advindas com a industrializao ocidental.

    possvel que da, carecendo de um tratamento histrico apropriado, tenha o

    design, em sua gnese, adquirido uma personalidade generalista,

    multifuncional e multidisciplinar, mas que sem dvida encontrou terreno

    frtil para seu desenvolvimento. De qualquer modo, no se pode pensar o

    design de forma diferente. Assim ele comprova sua existncia.

    Por muito tempo, e ainda hoje, muitos profissionais e educadores no

    se contentaram com a personalidade prpria do design, trazendo para si a

    responsabilidade de agregar atividade competncias imprprias, buscando

    aptides que justificassem sua prtica, para ilustrar, transformando-o em

    um apndice das engenharias ou, por outro lado, em uma arte aplicada.

    Entende-se como legtimo atribuir ao design competncias extras alm

    daquelas com que ele claramente se compromete, mas de fundamental

    importncia a compreenso de que o design possui um espao acadmico

    prprio e que, ainda que carente, no precisa ser totalmente construdo,

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    31

    afinal, a construo de novos conhecimentos se baseia, no atual estgio

    cultural humano, em conhecimentos anteriores.

    O design , por natureza, multidisciplinar. impensvel considerar o

    design sem contar com as contribuies da evoluo nas artes, cincias e

    tecnologias. O pensamento e a prtica do design recebem, constantemente,

    suprimentos de outros saberes. No lhe cabe investigar em profundidade a

    esttica, a qumica, a fsica, a biologia e a histria, entre outras, mas possui

    compromisso de legitimao pela transdisciplinaridade que colhe em todas

    estas reas as respostas necessrias e fundamentais para a sua ao e

    existncia.

    Ainda assim, no se pode negar que o design necessita de delimitaes

    em seu espectro de aes. No o caso de demarcar territrio e transformar

    o design em uma rea estanque, mas de juntar conhecimentos de maneira

    sistemtica, organizada, com clareza dessa dependncia mtua entre as

    diversas reas de conhecimento. Esta rea, como foi observado, no precisa

    ser totalmente construda, ela apenas carente de uma teorizao mais

    profunda e especfica, em que esteja patente essa interdependncia com

    outras reas e no necessariamente que precise construir algo totalmente

    novo.

    2.1. Da cincia arte

    Neste ttulo, baseado em autores de expressiva relevncia em suas

    reas, percorre-se de modo abrangente, ainda que superficial, extremos do

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    32

    conhecimento, sobre o qual o pesquisador em design poder coletar

    subsdios para uma maior compreenso da influncia material em seu

    campo.

    Para este fim, recorre-se, em primeiro momento, a Freire-Maiai que,

    em A cincia por dentro (1995)1, discute a filosofia da cincia, procurando

    esclarecer conceitos, integrando a cincia aos demais campos do

    conhecimento, como filosofia e arte, apontando os equvocos sobre conceitos

    cientficos que, indevidamente, sustentam o cientificismoii.

    Para o autor, duas vises fundamentais podem-se lanar sobre a

    cincia: a cincia feita (como ensinada) e a cincia processo (a que est

    sendo desenvolvida). A primeira a acumulao de conhecimentos formais

    dividida por disciplinas. A segunda a que o cientista realiza em duas fases:

    a pesquisa e a divulgao dos resultados. A primeira um pacote e a

    segunda um processo. Ao tempo que a cincia-pesquisa representa o

    inacabado, sempre em ampliao e reviso, a cincia-disciplina, objetivando

    a didtica, , de modo geral, ministrada de forma dogmtica, opondo-se s

    caractersticas de sua fonte. O bom professor dever iluminar a mente dos

    alunos contando-lhes que nem tudo est elucidado, que as explicaes no

    i Newton Freire-Maia professor emrito da UFPR; doutor em cincias naturais pela UFRJ; membro titular da Academia Brasileira de Cincias; presidente de honra e ex-vice presidente da SBPC; ex-cientista da OMS, em Genebra; assessor da mesma agncia da ONU para assuntos de gentica humana; pesquisador 1-A do CNPq; ex-assessor dessa entidade; ex-bolsista da Fundao Rockefeller na Universidade de Michigan; ex-presidente da Sociedade Brasileira de Gentica; membro do conselho editorial de duas revistas nacionais e quatro estrangeiras; autor de cerca de 400 notas, revises, anlises bibliogrficas e trabalhos completos de pesquisa no Brasil e no exterior; autor de cerca de 200 trabalhos de pesquisa publicados no exterior, de 11 livros publicados no Brasil e 2 nos Estados Unidos. ii Atitude segundo a qual os mtodos cientficos devem ser estendidos sem exceo a todos os domnios da vida humana.

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    33

    so absolutamente certas e que as teorias esto em contnuo processo de

    renovao e aperfeioamento.

    Em termos gerais, definir cincia tarefa que nem mesmo os filsofos

    da cincia se propem. Freire-Maia sustenta que esta precauo se deve a

    trs fatores: toda definio tende a ser incompleta (sempre limitante e,

    portanto, excludente); o problema complexo e; dificilmente dois filsofos da

    cincia concordariam em como definir, de modo reduzido, todo o objeto de

    seus estudos. Entretanto, postas de lado as preocupaes epistemolgicas,

    pode-se propor, de modo simplificado, que:

    Cincia um conjunto de descries, interpretaes, teorias, leis, modelos, etc., visando ao conhecimento de uma parcela da realidade, em contnua ampliao e renovao, que resulta da aplicao deliberada de uma metodologia especial (FREIRE-MAIA, 1995, p. 24)1.

    O pensamento de Freire-Maia elucidativo quando afirma que a

    cincia visa a verossimilhana, o que parea ser verdadeiro aos cientistas. A

    noo comum de que a cincia conduz verdade deriva de outra crena, a

    de que os fatos geram a descoberta, e isso incorreto. A pesquisa mais

    elementar parte de uma hiptese, terica, e a mais simples descoberta no

    gerada pelo fato, mas por sua interpretao. Ou seja, hiptese na entrada e

    hiptese na sada. Os fatos da cincia so selecionados, interpretados e

    marcados de teoria. No raro que cientistas posicionem-se com idias

    diferentes sobre os mesmos dados. A teoria aceita por cada um os faz

    apreender os fatos no como so, mas como cada teoria adotada diz que

    deve ser.

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    34

    Quanto ao que se entende por teoria em cincia, se deve ter em mente

    que a descrio do que o cientista observa, um acontecimento ou uma

    relao, a chamada declarao protocolar. As declaraes protocolares so

    as descries de coisas, fenmenos e de relaes entre fenmenos, constam

    de especificaes necessrias, de modo que possam ser repetidas por outros

    cientistas. Assim, as generalizaes resultantes podem ser examinadas a

    partir de novas observaes e, portanto, verificadas ou refutadas. H quem

    ache que esse procedimento seja a regra geral da cincia. Nada mais falso,

    segundo Freire-Maia (1995)1.

    Freire-Maia faz uma distino entre teoria e declarao protocolar,

    negando que a teoria seja uma generalizao elaborada a partir de

    declaraes protocolares. Para ele, uma teoria a tentativa de explicao do

    fenmeno ou de uma srie de fenmenos. A teoria no pode ser verificada

    como as generalizaes obtidas de declaraes protocolares. O mais

    importante que a funo da teoria de explicar e no apenas descrever ou

    generalizar. Teorias so inventadas, saem da imaginao do cientista, no

    so, portanto, uma decorrncia natural dos fatos.

    teoria no cabe prova, enfatiza Freire-Maia. Fatos que contrariem

    predies de uma teoria a refutam. Caso os fatos atendam expectativa

    terica, no a provam, simplesmente no a refutam. Se os fatos refutam a

    teoria, diz-se que a teoria foi falseada pelos fatos; se os fatos no a refutam,

    diz-se que a teoria foi corroborada pelos fatos. Sendo uma teoria falseada

    desejvel que venha a ser reformada ou substituda; sendo corroborada, ser

    aceita at que seja falseada e se nunca vier a ser falseada, no ser provada,

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    35

    mas aceita por tempo indefinido. Um adequado carter preditivo

    fundamental na concepo de uma teoria. Toda vez que a predio der certo

    representar mais uma corroborao que ser adicionada s anteriores.

    Em resumo, na concepo do autor, uma teoria:

    1. deve explicar um fenmeno ou uma srie de fenmenos;

    2. no pode ser verificada;

    3. no emerge dos fatos, uma elaborao intelectual;

    4. deve possuir carter preditivo.

    H cientistas que ainda so empiricistas absolutos, no sentido de que ingenuamente pensam que a observao e a experincia so a fonte do entendimento cientfico e que, por isto, tudo representam em cincia. Acham que elas so fins em si mesmas, enquanto que, na realidade, no passam de meios atravs dos quais o cientista pode elaborar interpretaes, leis, teorias. Essas no brotam diretamente do que visto, mas da cabea do cientista (FREIRE-MAIA, 1995, p. 78)1.

    Seria tarefa fcil colher diretamente dos fatos o conhecimento da

    realidade, porm, esse conhecimento vem das mentes dos que observam.

    Fatos importantes para a elaborao da teoria mendelianaiii j haviam sido

    observados, entretanto, a teoria teve que esperar at que Mendel a

    elaborasse (INSTITUTO BIOLGICO DE SO PAULO SABIO, 2001)2.

    iii O austraco Johann Mendel (1822-1884), que ao tornar-se monge agostiniano adotou o nome Gregor Mendel, desenvolvendo pesquisas com o cultivo de ervilhas, embora seus estudos houvessem sido ignorados durante sua vida, levou a cabo a descoberta de leis da hereditariedade que revolucionariam a biologia e traariam as bases da gentica. Por sete anos, de 1856 a 1863, Mendel cruzou e produziu hbridos de plantas com caractersticas distintas - plantas altas com plantas ans, ervilhas amarelas com ervilhas verdes e assim por diante. Ele observou com surpresa que tais caractersticas no so diludas nem resultam em meio-termo, mas se mantm distintas. Alm da hereditariedade, Mendel se interessou profundamente por botnica, horticultura, geologia, meteorologia e pelo fenmeno das manchas do sol. Deixou contribuies notveis para o estudo dos tornados (INSTITUTO BIOLGICO DE SO PAULO SABIO, op.cit.)2.

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    36

    Portanto, de acordo com Freire-Maia, os fatos conduzem, no mximo, a

    uma descrio. A teoria o que revela ordem onde s havia o caos.

    Encontrar os precursores de grandes teorias fcil, so os cientistas que

    observaram os fatos e que deles fizeram descries, mas que, contudo, no

    souberam arrancar da algo superior, preciso que haja cincia capaz de

    desvelar o que est escondido nos fatos. A natureza recatada, no expe

    seus segredos nos dados colhidos.

    H, nas coisas, um sentido oculto que os cientistas, saltando de erro em erro, podem extrair e interpretar. Esse mistrio est inscrito nas coisas mesmas; nelas se encontra escondido e, por isto, precisa ser des-velado, des-coberto, de-cifrado atravs de teorias que se sucedem. Cada uma carrega a presuno de verdade; o fato de que se sucedem mostra que o pretendido desvelamento estava longe de ter chegado ao fim.

    Ver tudo como isto , ter o conhecimento pleno da verdade , est acima da nossa capacidade. Elaboramos teorias; falseamos umas e corroboramos outras; caminhamos, cheios de esperana, em direo verossimilhana. Mas a verdade nos escapa. O nosso mundo a teoria; o ar que respiramos a teoria; a teoria o nosso po de cada dia (FREIRE-MAIA, 1995, p. 80-81)1.

    O autor cita os clebres Aristarco de Samos, Ptolomeu, Coprnico e

    Galileu; Newton e Einstein; Priestley e Lavoisier; Lamarck e Darwin; Mendel,

    Weimann, de Vries, Goldsmidt, Dobzhansky e Gould para demonstrar que as

    teorias sucedem-se medida que novos cientistas, baseados em seus

    antecessores, esto todos os dias a pensar e repensar, formular e reformular,

    atestando que as teorias mudam e que:

    [...] muitas verdades eram mentiras que o tempo se incumbiu de destruir para que se erguessem novas verdades em seu lugar. Estamos sempre substituindo os mitos de ontem pelos mitos de hoje (FREIRE-MAIA, 1995, p. 81)1.

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

    37

    Neste sentido, Ernst Gombrich, historiador da arte, comentado mais

    adiante, faz uma citao retirada de Ernst Jones, de uma conferncia

    proferida em 1953 na Bristish PsychoAnalytical Society, num ensaio

    clssico chamado: A teoria do simbolismo. Disse ele na ocasio que Jones

    descreveu em uma pgina a histria da arte que ele escrevera em 450

    pginas e se referia ao texto transcrito abaixo:

    Se se tomar a palavra simbolismo em seu sentido mais amplo, parece que o tema abrange quase todo o desenvolvimento da civilizao. Pois o que isso, seno uma srie infindvel de substituies evolutivas, uma incessante reposio de uma idia, interesse, capacidade ou tendncia por outra? V-se que o progresso da mente humana, quando considerado geneticamente, consiste, no (como quase sempre se pensa) de alguns acrscimos vindos de fora, mas dos dois processos seguintes: de um lado, a extenso ou transferncia de interesse e compreenso, de idias mais antigas, mais simples e mais primitivas, etc., para idias mais difceis e complexas, as quais, em certo sentido, so continuaes e simbolizaes das primeiras; e do outro, o constante desvelamento de simbolismos anteriores, o reconhecimento de que eles, embora pensados outrora como literalmente verdadeiros, eram de fato aspectos ou representaes da verdade, os nicos de que nossas mentes - por razes afetivas ou intelectuais eram capazes na poca (JONES apud GOMBRICH, 1999, p. 30)3.

    Basta que se reflita sobre a evoluo, alm das artes, da religio ou da

    prpria cincia para captar a pertinncia desta citao.

    Mantendo o foco no que tange evoluo do conhecimento, existem os

    que acreditam, ainda segundo Freire-Maia, que exista distino entre cincia

    e filosofia, crendo que aquela proporciona conhecimentos seguros e, no

    raro, irretocveis, enquanto a segunda apenas oferece vises do mundo

    sujeitas, em geral, a sofrer descrdito. A teoria da evoluo, o teorema de

    Pitgoras e a lei de Boyle seriam fatos insofismveis, enquanto os tratados

    de So Toms de Aquino e Karl Marx seriam, no mximo, proposies

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

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    antagnicas. Como se observa, h uma descomunal simplificao de

    pensamento nesta crena. A cincia no uma perene fornecedora de

    verdades, ainda que os cientistas saibam que o que encontram a

    verossimilhana. Assim como a filosofia no a sabedoria, mas o amor

    sabedoria (filo-sofia), segundo Pitgoras (apud FREIRE-MAIA, 1995)1 a

    sabedoria s digna dos deuses. Cincia e filosofia se distinguem, no

    entanto, da f religiosa que encontra a certeza com base em critrios que

    transcendem aos da filosofia e da cincia. Muito embora muitos cientistas,

    tambm com elementos sabidamente insatisfatrios, afirmam saber o que, a

    rigor, apenas crem saber.

    Os cientistas s vezes tentam se iludir, achando que as idias filosficas so apenas, na melhor das hipteses, ornamentos ou comentrios parasitas sobre os difceis e objetivos triunfos da cincia, e que eles mesmos esto imunes s confuses s quais os filsofos dedicam suas vidas tentando resolver. Mas no existe cincia livre de filosofia; existe apenas cincia cuja bagagem filosfica embarcada sem passar pela vistoria (DENNETT, 1998, p. 21)4.

    Segundo John Horgan (1998, p. 78)5, editor da revista Scientific

    American, os argumentos dos cticos so devastadores quando usados

    contra a filosofia:

    Se a cincia no pode alcanar a verdade absoluta, que posio deve ser atribuda filosofia, que demonstrou ter muito menos capacidade para resolver os seus problemas? Os prprios filsofos reconhecem a sua situao difcil. Em After philosophy: end or transformation?, publicado em 1987, catorze renomados filsofos refletiam se a sua disciplina tinha futuro. O consenso foi filosfico: talvez sim, talvez no.

    Ainda nesta obra, Horgan entrevista o filsofo ingls Colin McGinn,

    que taxativo ao afirmar que a filosofia no procura verdades provisrias,

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

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    entretanto, grandes questes filosficas continuam, como sempre, sem

    soluo. O que no de surpreender, segundo ele, a filosofia moderna pode

    ser definida como uma tentativa de resolver problemas que esto fora do

    alcance da investigao emprica e cientfica (MCGINN apud HORGAN,

    1998, p. 79)5. Para McGinn, os problemas da filosofia so reais, mas esto

    fora do alcance da capacidade cognitiva humana, podem-se formul-los mas

    no resolv-los.

    Para Freire-Maia, a busca por respostas tem sido a mola mestra para o

    desenvolvimento do conhecimento humano, seja na cincia, filosofia ou

    artes. E a este respeito, j no pode mais ser aceita a idia de que existem

    duas culturas, duas reas de trabalho intelectual, separveis de modo

    estrutural tanto quanto fundamentalmente antagnicas, a artstica e a

    cientfica. A arte se caracterizaria pela livre criatividade e executada por uma

    metodologia prpria. A cincia seria exercida por uma controlada

    criatividade e por outra metodologia. Em termos gerais essa distino pode

    ser vlida, entretanto, as diferenas dentro de cada uma e as semelhanas

    entre as duas indica uma unidade que as une e que deve ser considerada. A

    cincia e a arte so criadoras de forma, de beleza e de idias. De modo geral,

    o cientista utiliza processos mentais semelhantes aos dos artistas, podendo-

    se admitir que o mecanismo de criao nico, a diferena est nas fases

    finais. Alm de tudo, a redao do trabalho cientfico uma tarefa literria,

    pois o discurso lgico possui algo de literrio.

    No se pode mais dizer que a distino entre cincia e arte que a primeira descobre enquanto a segunda apenas inventa. Isso poderia parecer verdade nos velhos tempos, mas est longe de ser

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

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    uma verdade atual. A arte tambm descobre e a cincia tambm inventa (FREIRE-MAIA, 1995, p. 36)1.

    O autor ainda esclarece que a cincia jamais, por motivos tericos

    segundo os limites definidos pela prpria estrutura da cincia, poder

    fornecer um conhecimento fundamental do universo e de tudo que ele

    contm. importante observar que o caos a ordem no descoberta, mesmo

    a ordem assenta-se em um caos que ainda no foi conhecido. Descobrem-se

    ordens superficiais sobre desordens ainda por descobrir, em uma seqncia

    infinita. A cincia a arte de ir caminhando na certeza de que jamais

    chegar s certezas (FREIRE-MAIA, 1995, p. 36)1.

    A prpria fsica, uma ferramenta desenhada para decifrar os enigmas

    da Natureza, demonstra a encarnao desse processo racional de

    descoberta:

    Imagine que o mundo seja algo como uma gigantesca partida de xadrez sendo disputada pelos deuses, e que ns fazemos parte da audincia. No sabemos quais so as regras do jogo; podemos apenas observar seu desenrolar. Em princpio, se observarmos por tempo suficiente, iremos descobrir algumas das regras. As regras do jogo o que chamamos de fsica fundamental (FEYNMAN apud GLEISER, 1997, p. 19)6.

    Contudo, a arte da criao cientfica no desvendada atravs da

    leitura dos trabalhos cientficos. A divulgao cientfica no revela o que se

    esconde nos mecanismos do ato criador. Seria necessrio colocar cientistas e

    artistas a contar sobre suas atividades para que se descubra o ntimo

    parentesco que os liga. Na lgica da inveno, ocorrem muitos fatos que

    fogem totalmente lgica. Na criao cientfica, h uma profunda

  • Captulo II A interao entre as cincias para o estudo da matria em design

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    indeterminao ou incerteza (ROCHA E SILVA apud FREIRE-MAIA, 1995, p.

    37)1.

    A este respeito, em A dana do Universo: dos mitos da criao ao Big

    Bang (1997, p. 254)6, o fsico brasileiro Marcelo Gleiser ao apreciar sobre a

    coragem demandada para a aceitao de mudana em cincia, ilustra que

    quando se deparado com as obras de Galileu, Kepler, Newton, Faraday,

    Maxwell, Boltzmann entre outros que fizeram histria at aqui, fica claro

    que uma das caractersticas mais importantes dos grandes cientistas (e,