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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - FACULDADE DE EDUCAO DEPARTAMENTO DE EDUCAO I Disc. - EDC 283: CURRCULO Profa. Maria Roseli Gomes Brito de S

CURRCULO: CONCEPES, CAMPO DE ESTUDO E RELAES Para comear O estudo do currculo escolar torna-se um imperativo para qualquer educador/a na atualidade, quando todos/as que participam da educao escolar, seja qual for o vnculo estabelecido, so convocados/as de alguma forma a participar da discusso sobre o currculo, uma vez que o mesmo vai dar subsdios para os percursos formativos dos estudantes que esto em nossas escolas. A escola considerada aqui como um espao por excelncia dedicado promoo e ao acompanhamento dos percursos formativos das pessoas a ela confiadas pela sociedade para esse fim, embora se reconhea serem mltiplos os espaos de aprendizagem em que os sujeitos sociais transitam e nos quais vo reunindo referncias fundamentais para sua compreenso de mundo. no cotidiano da escola que as aprendizagens se desenvolvem. E o currculo o meio pelo qual se d o acesso aos saberes selecionados e organizados de acordo com os propsitos da sociedade, com as orientaes oficiais e com as intenes da escola para desenvolver essas aprendizagens. Vamos comear nossa incurso no campo de estudos do currculo por especulaes acerca de diversas definies do termo currculo, procurando situ-las no espao/tempo em que foram veiculadas, a fim de perceber os diversos enfoques e direcionamentos dados historicamente aos estudos e prticas curriculares. Discutiremos algumas relaes fundamentais no currculo e os mbitos em que se do as escolhas que definem um currculo e sustentam a idia do mesmo como um recorte intencional. 1- O que mesmo o Currculo? Encontramos em muitos textos, referncias ao carter polissmico do termo currculo. Sem dvida, so muitos os sentidos atribudos a esse

termo, que passou a ser utilizado em muitas partes do mundo a partir do Sculo XX para se referir a aspectos fundamentais do planejamento e organizao da atuao pedaggica nas instituies escolares. Os sentidos to variados atribudos ao currculo esto relacionados a determinadas formas de pensar a funo social da escola. Levantamos da bibliografia sobre o histrico do currculo algumas definies que podero mostrar alguns desses sentidos: 1. Srie estruturada de resultados buscados na aprendizagem 2. Conjunto de estratgias para preparar o jovem para a vida adulta 3. Todas as experincias que os estudantes desenvolvem sob tutela da escola 4. Ambiente fornecido ao estudante para experienciar a vida mesma 5. Conjunto de matrias 6. Seleo de conhecimentos extrados de uma cultura mais ampla 7. Modo pelo qual a cultura representada e reproduzida no cotidiano das instituies escolares 8. Artefato social e cultural 9. Arena poltica, rea contestada 10. Terreno de produo e criao simblica, cultural Uma primeira leitura dessas definies pode no dizer muita coisa, porm, uma breve anlise como a que realizamos aqui pode revelar sentidos diferenciados, presentes em discursos construdos com diferentes intenes ou em diferentes momentos histricos. Assim, podemos perceber nas duas primeiras definies uma idia de currculo como instrumento de controle, de regulao das aprendizagens. Ademais, a concepo de aprendizagem que se encontra implcita na segunda definio aquela que desconsidera a histria que os sujeitos do currculo1 constroem em outros espaos fora da escola. Poderamos fazer uma analogia dessa concepo com a educao bancria denunciada por Paulo Freire (1987) em sua proposta de uma Pedagogia do Oprimido: as mentes seriam um mero depositrio de contedos, acomodados em compartimentos que se abririam medida que fosse necessrio lembrar desse ou daquele contedo. O currculo que se apia em tal concepo1

Sujeitos do currculo: O acontecer do currculo envolve os sujeitos que possibilitam sua realizao, considerados aqui como os sujeitos do currculo. Esses sujeitos so, especialmente os estudantes, ou alunos, ou aprendentes, enfim, aqueles que se encontram em processo de formao; tambm so sujeitos do currculo os professores, ou ensinantes e demais profissionais envolvidos na dinmica curricular.

certamente privilegiar os resultados, os quais, para serem alcanados, dependem do estabelecimento de um aparato tcnico bastante eficiente. Observem que as duas definies seguintes mudam a direo: do controle externo para a ao dos sujeitos do currculo. a experincia dos estudantes que conta, nessa concepo de currculo. Mas ser que essa experincia, por si s, garantiria o aporte de conhecimentos necessrios para a formao pretendida? Essa uma discusso que ganhou muito espao na literatura educacional brasileira, notadamente nos anos 1980, quando muitas obras veicularam debates mostrando as diferenas entre a funo da escola requerida pelos adeptos do movimento pedaggico denominado de Escola Nova (que certamente adotaria concepo semelhante a essas duas aqui analisadas) e a funo para os que consideravam fundamental privilegiar o contedo historicamente produzido pela humanidade, como forma de promover a cidadania. A definio de currculo como conjunto de matrias por demais difundida, a ponto de habitar o imaginrio pedaggico de forma indiscriminada. Essa definio no pode ser descartada, pois o currculo no prescinde do conhecimento, porm a idia de matria est demarcada pela lgica disciplinar conferida historicamente aos currculos. Lgica essa inspirada no modo de produo de conhecimentos cientficos institudo na modernidade. Assim como a cincia constituda demarca seus objetos, os decompe em unidades independentes, a fim de obter melhores resultados de anlise, os contedos curriculares so demarcados a partir de unidades mnimas, a fim de serem melhor assimilados por aqueles que os recebem. A matria seria a unidade didtica em que se constitui o conhecimento a ser veiculado pelo currculo. Notaram que as quatro ltimas definies acrescentam elementos como a cultura, a produo simblica, os embates de diferentes significados que so conferidos por diferentes sujeitos e diferentes esferas de poder? Notaram que a stima definio traz a idia de uma cultura externa que representada e reproduzida no cotidiano da escola? E que as demais mostram outra perspectiva, a de produo de significados? Essas so poucas das diversas definies formuladas e publicadas e das numerosas idias de currculo que habitam o imaginrio social. Se fssemos levantar aqui entre ns, definies possveis de currculo, certamente teramos muitas e com sentidos diferentes, de acordo com nossa insero no mundo do currculo, seja como estudante, seja como profissional. Concorda?

1.1 Currculo: fenmeno/processo Como vimos, so muitos os sentidos atribudos ao currculo e vamos discuti-los muito ao longo de nossos estudos. No pensem que vamos ter uma definio nica, mas queremos registrar alguns aspectos importantes: o currculo aqui considerado tanto em sua dimenso de fenmeno passvel de ser estudado como na dimenso de processo que se concretiza no espao concreto da escola. O acontecer do currculo envolve os sujeitos que possibilitam sua realizao, considerados aqui como os sujeitos do currculo. Para estudar o currculo, poderamos tom-lo como um fenmeno e falar sobre ele na forma de um objeto de estudos, mas queremos nos sentir tambm sujeitos desse currculo, em seu processo de constituio histrica, da porque o consideramos aqui como fenmeno/processo, usando uma expresso formulada pela Professora Teresinha Fres Burnham (1998) em uma de suas publicaes. O prprio termo currculo, em sua etimologia, traz uma dimenso longitudinal, d essa idia de percurso, de processo, como vem mostrar Macedo (2007), fazendo referncia ao estudioso portugus Jos Pacheco: [...] o lexema currculo, proveniente do timo latino currere, significa caminho, jornada, trajetria, percurso a seguir e encerra, por isso, duas idias principais: uma de seqncia ordenada, outra de noo de totalidade de estudos. (MACEDO, 2007, p. 22). Com essa citao, reafirma-se o carter processual do currculo. Tal aspecto ser permanentemente enfatizado em nossos estudos nesta disciplina. A observao da pluralidade de vises possveis a respeito do fenmeno/processo currculo tem como pressuposta a complexidade da prpria realidade e, mais especificamente, da realidade educacional em seu caminhar histrico. Podemos, assim, identificar um campo de estudos e uma prtica curricular diferenciada de acordo com os sentidos e os propsitos estipulados para tal, como vimos acima. Vamos, ento, ampliar nossos estudos, indagando sobre a existncia desse campo de estudos e como o mesmo se constituiu historicamente.

Referncias FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987. FRES BURNHAM, Teresinha. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: trs referncias polmicas para a compreenso do currculo escolar. In: BARBOSA, Joaquim. G. (Org.). Reflexes em torno da abordagem multirreferencial. So Carlos: Ed. da UFSCar, 1998. p. 36 55. MACEDO, Roberto Sidnei. Currculo: campo, conceito e pesquisa. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007. MOREIRA, Antnio Flvio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da(orgs). Currculo, Cultura e Sociedade. 3 ed. So Paulo: Cortez, 1999. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo s teorias do currculo. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 2003. Consulte os sites: No site: http://www.anped.org.br/ voc encontra resumos e artigos completos apresentados nas reunies anuais da Associao Nacional de Pesquisadores em Educao desde 2001. Procure pelo GT (grupo de trabalho) 12, destinado ao tema Currculo. A revista Brasileira de educao tambm disponibiliza textos de associados Anped. Veja: http://www.anped.org.br/revistabrasileiradeeducao Visite tambm bibliotecas virtuais, como a Prossiga: http://www.bibliotecavirtual.prossiga.br/bvtematicas

CURRCULO: CONCEPES, CAMPO DE ESTUDO E RELAES 2- Existe uma teoria de Currculo? Aspectos histricos da constituio do campo Alguns estudiosos brasileiros vm se dedicando a estudar a constituio histrica do campo de estudos do currculo, a exemplo dos professores Antnio Flavio Barbosa Moreira (1990); Jos Alberto Pedra (1997); Roberto Sidnei Macedo (2007); Tomaz Tadeu da Silva (2003), entre outros. Para eles, j existe um campo de estudos constitudo sobre o currculo, o qual tem incio com os estudos desenvolvidos no incio do Sculo XX nos Estados Unidos. Mas, vocs podero perguntar: ento, no havia currculo antes disso? Bem apropriada seria a questo, mas paramos para explicitar um ponto crucial: falamos de estudos de currculo e no propriamente da prtica curricular; no da prtica curricular como a conhecemos agora. Certamente, desde que as pessoas, h milhares de anos, comearam a instituir espaos especficos para socializar, de forma sistemtica, os conhecimentos considerados necessrios aprendizagem daqueles que participavam do convvio social, foram estabelecidas aquelas que aqui consideramos como as operaes de currculo, quais sejam: a seleo, a organizao e a veiculao desses conhecimentos. Seno, o que diramos da organizao dos contedos educativos em reas de conhecimento distintas, agrupadas em forma de trivium (gramtica, retrica e filosofia) e de quatrivium (aritmtica, geometria, astronomia e msica), desde a antiguidade? O professor Silvio Gallo (2004) identifica, j na Grcia clssica, preocupaes com agrupamentos de conhecimentos por rea de conhecimento, o que viria a ser, segundo sua interpretao, os primrdios da organizao disciplinar como conhecemos hoje. Porm, ainda que houvesse a preocupao em traar metas educativas e organizar os contedos necessrios para atingi-las, no havia um projeto nacional com pretenses de universalizar os percursos formativos e conferir a uma nica instituio a escola a responsabilidade de promover essa universalizao. Mesmo com o advento da escola burguesa e sua consolidao atrelada Revoluo industrial do Sculo XVIII, no se tinha a idia de currculo que temos hoje. Embora possamos levantar aqui muitas

evidncias da realizao das operaes de currculo ao longo da histria da educao em todo o mundo, a preocupao com uma definio de currculos nacionais e a sistematizao de estudos para orientar a prtica estabelecida s viria a se manifestar, segundo os estudiosos citados, nos Estados Unidos, no Sculo XX. Segundo Moreira e Silva (1999), desde o final do sculo XIX, um significativo nmero de educadores comeou a se preocupar com os processos de racionalizap, sistematizao e controle da escola e do currculo. Segundo os citados autores: [...] o propsito mais amplo desses especialistas parece ter sido planejar cientificamente as atividades pedaggicas e control-las de modo a evitar que o comportamento e o pensamento do aluno se desviassem de metas e padres pr-definidos. (MOREIRA e SILVA, 1999, p. 9). Vale lembrar que os Estados Unidos, nesse momento enfocado, tinham a economia dominada pelo capital industrial, o que veio a exigir uma produo mais organizada e mais agressiva e a adoo de um cunho mais cientfico para essa produo, orientados pelos princpios da administrao cientfica formulados por F. Taylor. A escola passou a ser mais valorizada pelo seu papel de subsidiar a formao dos contingentes humanos necessrios produo e disseminao da cincia. Dessa forma, alguns princpios da administrao cientfica das fbricas foram adotados tambm no desenvolvimento dos processos pedaggicos. Ainda segundo Moreira e Silva (1999), o sucesso na vida profissional passou a requerer evidncias de mrito na trajetria escolar. Ou seja, novas credenciais, alm do esforo e da ambio, tornaram-se necessrias para se chegar ao topo. (p. 10). O currculo passou a ser considerado como o instrumento por excelncia do controle social que se pretendia estabelecer. Os mesmos autores alertam que nessa poca enfocada, nos Estados Unidos, embora houvesse um propsito nacional de consolidar o poderio econmico que se iniciava, no havia um campo monoltico de estudos de currculo. Pelo menos duas tendncias bem distintas emergem das polticas pblicas educacionais de ento:a-

uma voltada para a construo cientfica de um currculo que desenvolvesse os aspectos da personalidade adulta desejveis

sociedade de ento, defendida primordialmente por Bobbit (lembram-se das primeiras definies de currculo apresentadas no contedo anterior?); b- uma empenhada na elaborao de um currculo que valorizasse os interesses dos alunos e permitisse aos mesmos experienciar as atividades educativas como sendo parte da prpria vida, como defendiam Dewey e Kilpatrick (tambm essa tendncia pode ser identificada nas definies, no ?). Essas duas vises de currculo conviveram (ou convivem, talvez) tanto na formulao de teorizaes como nas prticas curriculares efetivas, no s na educao estadunidense como na educao brasileira. Embora o professor Antnio Flavio Moreira (1990), em seus estudos sobre a constituio do campo curricular no Brasil observe que no houve uma transposio pura e simples de concepes de currculo e de prticas curriculares, no difcil identificar ressonncias das proposies democrticas e pedagogicamente assentadas no escolanovismo de Dewey, nas obras do educador Anisio Teixeira. Da mesma forma, podemos perceber ressonncias das orientaes de Bobbit na poltica educacional brasileira, aps os acordos MEC-USAID realizados nas dcadas de 1950 e 1960. Afinal, no nesse perodo que podemos identificar um trao tecnicista nas orientaes curriculares oficiais? Mas, voltando a nossa questo central: existe uma teoria de currculo? 2.1 Campo teoria discurso Poderamos dizer, com base nos autores referenciados, que existe um campo de estudos em currculo, o qual, segundo Macedo (2007) preciso ser conhecido como elemento formativo e de empoderamento poltico. Utilizando-se da concepo de campo de Bourdieu, esse autor afirma: Autorizamo-nos a dizer que o currculo tem um campo historicamente construdo, onde se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreenses mediadoras. H uma alteridade histrica que caracteriza este campo. (MACEDO, 2007, p. 22). No nos parece difcil entender essa formulao aps a breve incurso histrica que fizemos nos estudos de currculo, concorda? Mas

dizer que existe um campo de estudos o mesmo que dizer que existe uma teoria de currculo? O professor Tomaz Tadeu da Silva (2003) vem nos ajudar a pensar sobre isso. O referido autor nos traz uma questo muito significativa sobre a posio de uma teoria frente realidade: A teoria descobre o real? Suas formulaes rumo a uma resposta, assumidamente apoiadas na corrente de pensamento denominada ps-estruturalismo2, podem ser consideradas, no mnimo, inquietantes: contrapondo-se noo instituda de que uma teoria seria a representao de realidade que a precede, o que nos levaria a crer que o currculo, na condio de objeto, precederia a teoria, considera ser impossvel separar a descrio simblica (teoria) de seus efeitos de realidade. Para Silva, uma teoria no se limita a descobrir, descrever, explicar a realidade; ao descrever um objeto a teoria, de certo modo, inventa-o. Evidencia-se assim uma viso indistinta dos elementos sujeito e objeto no processo de conhecimento e uma nova concepo para esse processo de criao terica, que se basearia na discursividade inerente ao sujeito da linguagem: a de discurso. O discurso, nessa perspectiva, descobre seu prprio objeto, o qual, por sua vez, inseparvel da trama que o descreve. Um discurso sobre currculo descreveria uma noo particular de currculo. Dessa forma, no haveria a teoria de currculo, mas discursos particulares (mesmo que se mantenha o termo teoria) construdos sobre esse ou aquele tema. Relativiza-se, com esse discurso sobre o discurso, o poder de uma teoria e mostra-se o carter particular das diferentes formulaes tericas construdas sobre currculo ao longo da histria da educao. Esse mesmo autor vem mostrar que os primeiros discursos (teorias) sobre currculo acima referidos tinham carter mais formalista e enfatizavam aspectos tcnicos referentes: ao ensino-aprendizagem; didtica; ao planejamento e organizao; aos objetivos e avaliao; enfim, eficincia dos processos educativos. (Lembram-se das definies de Bobbit?) Outros discursos de carter mais crtico passaram a questionar aqueles que se perguntavam sobre que conhecimentos ensinar; sobre a melhor forma de faz-lo, centrando suas preocupaes nos aspectos2

Ps-estruturalismo corrente de pensamento que surge como uma resposta filosfica especfica contra a sistematicidade e a pretenso cientfica do estruturalismo, que pretendia se transformar em um megaparadigma para as cincias sociais. Defende o descentramento das estruturas, confere diferentes direes anlise (desconstri o real), mas preserva os elementos centrais da crtica que o estruturalismo faz ao sujeito humanista. Nos estudos de currculo essa corrente

tcnicos que pudessem assegurar percursos formativos mais facilmente controlveis. 2.2 Enfoques crticos sobre currculo O conceito de currculo que privilegia o planejamento, a seleo, a hierarquizao e a organizao de conhecimentos especficos ou a definio de programas passou a ser sistematicamente questionado no incio da dcada de 1970. Por que nessa poca? Poderamos identificar a confluncia de vrios fatores: a- a proliferao de movimentos mundiais de contestao poltica com denncias ao capitalismo, s desigualdades sociais advindas desse regime econmico, assim como questionamentos aos mtodos ento adotados pelo socialismo; b- a conseqente produo terica inspirada ou mesmo nascida nesses movimentos; c- a mobilizao de educadores em torno da funo social do currculo. Teramos muitos outros fatores, mas os citados j so suficientes para entender a emergncia dos chamados estudos crticos de currculo. Silva (2003) quem mais uma vez vem nos trazer elementos para os estudos sobre a constituio do campo de estudos em currculo. Segundo esse autor, os estudos crticos no se limitam a perguntar o qu? do currculo, mas perguntam por qu?: Por que esse conhecimento e no outro? Que interesses fazem com que esse conhecimento esteja no currculo? Animados pelas denncias formuladas acerca do carter reprodutivista da educao, iniciadas com Althusser (1983), passando por Bourdieu e Passeron (1982) e Baudelot e Establet (1976), na Frana, assim como no interacionismo simblico, que via com outros olhos as trocas simblicas realizadas pelos indivduos nas diversas prticas sociais, estudiosos de currculo se organizaram em seus posicionamentos crticos. Dois fortes movimentos podem ser identificados na dcada de 1970 em torno do currculo:a-

o movimento deflagrado por professores de universidades americanas e canadenses, a exemplo de Michael Apple, Henri Giroux, William Pinar, aos quais viria a se agregar Peter MacLaren e muitos outros. Pelo seu propsito de reconceitualizar o currculo,

b-

introduzindo categorias crticas como: poder, ideologia, reproduo cultural e social, classe social, relaes sociais de produo, conscientizao, emancipao e libertao, resistncia. Esse movimento teve grande repercusso mundial e sua ressonncia se fez sentir fortemente no Brasil. Os estudos sociolgicos que vieram a configurar a corrente conhecida como Nova Sociologia da Educao, os quais referenciam-se basicamente no neomarxismo, na fenomenologia e no interacionismo simblico e conferem grande importncia anlise dos processos de interao em sala de aula, como mostram os textos veiculados pela obra pioneira intitulada Conhecimento e Controle, editada por Michael Young na Inglaterra nos anos 1970. (MOREIRA, 1990).

Segundo Moreira, a Nova Sociologia da Educao considera que a anlise dos processos de acesso e distribuio da educao no pode prescindir da anlise da forma e contedo do currculo, para que se constitua em acervo necessrio ao professor para o conhecimento dos pressupostos ticos e epistemolgicos de sua prtica. Partindo do pressuposto de que o conhecimento socialmente produzido e por conseqncia, estratificado nas instncias de produo, distribuio e seleo, o processo de seleo de conhecimentos curriculares considerado como definidor do fracasso ou do sucesso na escola. Da porque a grande preocupao de Young em seus estudos iniciais reside na forma como o conhecimento chega escola e ao aluno, criticando a distncia que se verifica entre o conhecimento acadmico e o conhecimento trabalhado pelo professor em sala de aula, bem como as fronteiras arbitrrias entre as disciplinas do currculo. (MOREIRA, 1990). Esses dois movimentos tinham a mesma compreenso de que nenhuma teoria neutra e sim implicada em relaes de poder. Mais uma vez vale chamar ateno que esses estudos no se constituem em um bloco monoltico, mas apresentam diversas nuances, de acordo com a insero terico-ideolgica e o histrico de estudos de cada autor. 2.3 Desenvolvimento dos estudos crticos no Brasil E no Brasil, como se desenvolveram os estudos crticos de currculo? Se nos anos 1970 os estudos de currculo no Brasil tiveram uma forte influncia americana, nos anos 1980 viriam a incorporar novos elementos

crticos includos no discurso pedaggico, notadamente aps os grandes questionamentos acerca do carter reprodutivista da educao aludidos acima. Tais estudos foram bem acolhidos e acrescidos de outros questionamentos, como a crtica orientao liberal, com traos do escolanovismo, que estaria esvaziando a educao escolar do contedo sistematizado necessrio emancipao poltica, o que viria a propor uma pedagogia crtico-social dos contedos. (SAVIANI, 1988, 1992). Os educadores brasileiros se mobilizaram em grandes reunies de estudos e debates em torno de uma atuao pautada no apenas no aspecto tcnico, mas tambm no poltico, observando o carter ideolgico da educao e a necessidade de fortalecer a escola pblica. Moreira identifica, entre as diversas tendncias e orientaes para o campo do currculo, a proposta emancipatria de Paulo Freire, pautada na ideologia do nacionalismo, que fazia frente forte influncia tecnicista americana, mas constata a predominncia dessa ltima aps o golpe de estado brasileiro de 1964. Observa, contudo, o autor, assim como o fez em relao s obras de Dalila Sperb e Lina Traldi (influenciadas basicamente pelos autores americanos sobre os quais incidia a crtica aqui apresentada), que os estudos brasileiros no representavam meras transposies do modelo americano, por apresentarem certas singularidades que foram configurando o que o autor denomina de pensamento curricular brasileiro. Constata ainda Moreira o reaparecimento de anlises crticas de questes curriculares e pedaggicas, aps a poltica de descompresso adotada no governo do presidente Geisel, configurando depois uma tendncia crtica que permearia toda a dcada posterior. No bojo das discusses nacionais e internacionais sobre a funo social da escola, discutia-se muito nas universidades brasileiras, com o respaldo dos referenciais dos estudos sociolgicos autodenominados Nova Sociologia da Educao, a funo social do currculo. A problematizao do currculo escolar adotada como foco central das anlises da Nova Sociologia da Educao fornece elementos essenciais para o trabalho do professor em sala de aula e para os estudiosos do currculo de maneira geral. Ao colocar em questo o prprio processo pelo qual um determinado tipo de conhecimento passa a ser considerado como digno de ser transmitido pela escola evidencia a funo social do currculo, que deixa de ser um dado natural, inquestionvel, para mostrar-se como instncia vinculada estratificao do conhecimento produzido na sociedade. Tambm os chamados reconceitualistas trouxeram muita contribuio para os estudos crticos em currculo no Brasil. Com Giroux (1986) e sua

proposta de construir as bases para uma pedagogia radical, aprendemos a rejeitar os princpios positivistas e acrticos que respaldam a produo cientfica hegemnica e vislumbramos possibilidades de superar o imobilismo suscitado pelos estudos que denunciavam o carter reprodutivista da educao. Estudamos os mecanismos de controle social embutidos nos processos curriculares, o "currculo oculto", procurando enfoc-los em termos das trocas simblicas que se estabelecem em sala de aula e no como instrumento de poder unilateral. Ao privilegiar o aspecto cultural das relaes escolares, Giroux alertava os educadores para a importncia de se compreender que as interaes sociais so mediadas por diferenas de classe e diferenas culturais, o que leva a resistncias. As resistncias do aluno, em relao s escolhas curriculares alheias a seus interesses so consideradas como fatores fundamentais para as mudanas necessrias educao escolar. O professor comprometido com a transformao de sua prtica, portanto, ter que compreender essa dinmica dos processos interativos que permeiam o currculo escolar e fazer suas prprias escolhas. Apple, por sua vez, em sua primeira obra traduzida no Brasil, intitulada Ideologia e Currculo e publicada em 1979, evidenciava o carter poltico da educao escolar, rejeitando a tese da neutralidade do conhecimento e estabelecendo, em princpio, as relaes entre educao e estrutura econmica e entre conhecimento e poder. A escola era apresentada como instncia de preservao e distribuio da hegemonia, produzindo formas de conscincia que permitem a manuteno do controle social, atravs da seleo e estratificao do conhecimento veiculado pelo currculo. A linguagem tcnica utilizada pelos organizadores do currculo representaria um eficaz mecanismo de controle. Esse estudo de Apple foi posteriormente ampliado, na inteno de mostrar como os diferentes grupos sociais resistem s formas de dominao e poder tanto coletiva quanto individualmente. Educao e Poder o ttulo da obra do autor, editada no Brasil em 1989, na qual explora a relao dialtica entre o processo produtivo e a esfera cultural. A partir da descrio de seu prprio processo de descoberta da possibilidade de ao e reao dentro da escola, critica os "reprodutivistas" que vem a escola como "caixa preta" onde so introduzidos conhecimentos que levam os alunos, indistintamente, a aceitarem a ideologia dominante e conclui que a escola ao mesmo tempo uma instituio econmica e cultural. Da a necessidade de estudar no s a reproduo da diviso social do trabalho que a escola realiza, mas tambm e principalmente, a cultura vivida em seu interior e construda por aqueles que nela interagem.

Para Apple (1989), a cultura comporta duas dimenses: a cultura vivida e a cultura mercantilizada, cabendo escola no s a distribuio, mas tambm a produo de cultura, bem como de conhecimentos tcnicos. No bojo das discusses sobre as novas formas de controle tcnico impostas pelo capital com o advento da chamada "terceira revoluo industrial", o autor ento insiste em privilegiar as esferas cultural e poltica em suas anlises, mostrando que no h uma determinao linear da esfera econmica sobre as mesmas. Dessa forma, o conhecimento tcnico que utilizado como forma de controle no local de trabalho passvel de transformao em face de conflitos culturais, de classe e de gnero, sendo que esses mesmos processos de resistncia, mediao e transformao se do tambm na escola. 2.4 Outros elementos agregados aos estudos de currculo Para Moreira e Silva (1995, 1999) o currculo deixou de ser uma rea meramente tcnica, voltada para questes relativas a procedimentos, tcnicas, mtodos e j se construiu, nessa itinerncia de estudos, uma tradio crtica do currculo, guiada por questes sociolgicas, polticas, epistemolgicas. Grandes divulgadores do referencial conhecido como multiculturalismo, que se inspira notadamente nos estudos de Peter Mclaren (1997), esses autores consideram o currculo um artefato social e cultural, envolto em relaes de poder, pelas quais transmite vises sociais particulares e interessadas ao mesmo tempo em que produz identidades individuais e sociais. Mais do que uma instncia de reproduo, o currculo seria um campo cultural de construo e produo de significaes, como indica Silva (1997). Agregam-se, como se v, novos elementos e novas nfases so dadas aos estudos, como: identidade/alteridade/ diferena, subjetividade, significao e discurso, diversidade cultural, diferenas de gnero e etnia, multiculturalismo. Persistem, porm os questionamentos quanto aos processos de seleo e organizao dos conhecimentos curriculares, considerando as relaes de cultura e poder subjacentes a esses processos e os diferentes significados atribudos ao currculo pelos sujeitos que nele interagem, o que torna o currculo um campo de embate constante de significaes. Verifica-se nesses estudos, uma grande preocupao com as conexes entre saber, identidade e poder.

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CURRCULO: CONCEPES, CAMPO DE ESTUDO E RELAES 3- Currculo e suas relaes 3.1 Currculo e conhecimento A relao entre currculo e conhecimento fica estabelecida com a prpria instituio do currculo. Se foi dito que a escola tem a funo de socializar saberes a fim de subsidiar a formao dos sujeitos que nela interagem, pressupe-se o conhecimento como elemento central do currculo. Porm, queremos explicitar como se d essa relao, trazendo mais um elemento que se coloca na mediao desse processo de conhecimento, que o trabalho. Para tratar desse contedo, nada mais adequado que aproveitar as formulaes da professora Teresinha Fres Burnham (1989) sobre a relao entre currculo, conhecimento e trabalho e a explicitao da idia de currculo como processo. Dado o completo atendimento dos propsitos deste estudo pelo aludido texto, pedimos licena para apresent-lo na ntegra: Currculo Escolar e a Construo do Saber Teresinha Fres Burnham O termo currculo tem sido usado com muitos significados. Neste artigo queremos discutir currculo como um processo social de responsabilidade que se realiza no espao concreto escola, cuja funo dar aquele que aprende acesso histria da humanidade e, ao mesmo tempo, lhe proporcionar um lastro de conhecimento necessrio sua insero como sujeito nesta mesma histria. Isto quer dizer que todo o contedo do currculo escolar tem uma origem e passa por um processo de transformao ao longo do tempo - isto , tem uma histria que, em ltima anlise, a prpria histria do conhecimento humano. Conhecimento este que resulta de um longo processo de relao do homem com a natureza e com os outros homens, que gradualmente se transforma de relaes naturais no questionadas em interesse de compreender melhor o mundo; da passagem do nvel do senso comum para o das investigaes, que, sistematizadas e legitimadas, passam a ser as bases de novas

investigaes que se transformam, por sua vez, em novos conhecimentos sistematizados. Aprender a histria da humanidade, porm, no significa apenas uma retrospectiva histrica do conhecimento humano: mais do que isso, o currculo escolar tem a funo de formar cidados crticos, produtivos, que participem responsavelmente da transformao de sua sociedade. Para tanto, necessrio que o currculo tome como ponto de partida a vida concreta dos sujeitos que aprendem suas experincias, seu saber no nvel do senso comum. Nesta perspectiva, o principio educativo fundamental para a organizao do currculo o trabalho - aqui entendido como o processo atravs do qual o homem transforma a natureza ao tempo em que reconstri continuamente a si mesmo (a sua humanidade) e a realidade histrico-social que integra. imprescindvel compreender que a formao do cidado, tomada na sua dimenso coletiva no se realiza se no for tomada como elemento concreto do currculo a construo do conhecimento do sujeito, considerado em sua individualidade. Esta construo se realiza atravs de um processo em que este sujeito, interagindo com o objeto a ser aprendido, utiliza-se de conhecimentos anteriores, reconhece neste objeto elementos conhecidos, explora caractersticas que ainda no conhece e, gradualmente reconstri este objeto no seu pensamento ou o expressa sob forma de ato, muitas vezes chegando mesmo a transform-lo. Desta forma, o sujeito constri esquemas de pensamento ou de ao em relao quele objeto, que, integrados a outros esquemas j construdos, vo formando novas estruturas mentais ou transformando aquelas j existentes. No nvel da produo social do conhecimento, estruturas semelhantes so coletivamente construdas por sujeitos solidrios ou em contraposio sob forma de conceitos que, definidos e estruturados so colocados disposio da humanidade para novamente serem reconstrudos... por novos sujeitos da histria. (FRES BURNHAM, T. 1989). Nessa perspectiva, o conhecimento considerado como processo scio-histrico que, ao ser trabalhado no currculo, engendra um processo de (des)construo/(re)construo que , em si, um processo de trabalho. A concepo de currculo que contempla essa relao entre currculo, trabalho e conhecimento foi assim formulada pela autora em outro texto: O currculo um substrato que torna o indivduo capaz de construir seus esquemas de referncia para a leitura

de mundo e sua prxis como elemento produtivo da sociedade, na medida em que gradualmente exerce a prtica da cidadania enquanto se insere na histria da humanidade e no mundo do trabalho. (FRES BURNHAM, 1989). Essa insero, como nos ensinam os estudos anteriormente realizados, no se d automaticamente, mas no embate de relaes de poder que sustentam as prticas curriculares. 3.2 Currculo e poder Como vimos, os estudos crticos do currculo introduziram a categoria poder como elemento central para tratar do conhecimento e como de resto de toda a prtica curricular, por meio da constatao de que a educao e o currculo esto profundamente implicados em relaes de poder, ou seja, em relaes nas quais indivduos ou grupos encontram-se submetidos vontade de outros. Segundo Moreira e Silva (1999), na viso crtica o poder se manifesta atravs das linhas divisrias que separam os diferentes grupos sociais em termos de classe, etnia, gnero etc. essas divises tanto do origem quanto so resultantes de relaes de poder. Trazendo para o currculo, poderamos dizer, com esses autores, que o conhecimento corporificado no currculo tanto o resultado de relaes de poder quanto seu constituidor (p. 29). Isso quer dizer que o poder se manifesta tanto em sua forma oficial, veiculando o conhecimento considerado vlido pelas instncias de poder constitudas quanto nas instncias de contestao. Conclui-se assim que o aspecto contestado no demonstrao de que o poder no existe, mas apenas de que o poder no se realiza exatamente conforme suas intenes. (p. 29). O poder no se manifesta de forma cristalina, facilmente identificvel, o que requer anlises cuidadosas por parte de quem pretende ver o currculo de forma crtica. So questes prementes para esse mister, segundo os mesmos Moreira e Silva (1999, p. 29-30): - que foras fazem com que o currculo oficial seja hegemnico e

- que foras fazem com que esse currculo aja para produzir identidades sociais que ajudam a prolongar as relaes de poder existentes? Para complementar suas formulaes, os autores esclarecem que: Essas foras vo desde o poder dos grupos e classes dominantes corporificados no Estado uma fonte central de poder em uma educao estatalmente controlada quanto nos inmeros atos cotidianos nas escolas e salas de aula que so expresses sutis e complexas de importantes relaes de poder. Alertam ainda os autores quanto importncia de no identificar o poder simplesmente com pessoas ou atos legais, o que poderia levar a negligenciar as relaes de poder inscritas nas rotinas e rituais institucionais cotidianos. Olhem a a dimenso do cotidiano nas relaes de poder! Essa dimenso pode ser melhor pensada por meio dos estudos de Michel Foucault, os quais nos fazem pensar que, muito maior que uma suposta fora dos poderes institudos (que em muitos momentos cerceiam nossa ao), a fora dos micro poderes que a sociedade nos ensinou a cultivar, atravs de prticas capilares, invisveis, disciplinares, que vo forjando nossos regimes de verdade e que se manifestam sempre que nossos corpos vislumbram ameaas de sarem de seu enquadramento original. Podemos encontra tambm algum respaldo para essa reflexo em Popkewitz (1997), quando faz relao entre as reformas educacionais e o poder, considerando as relaes existentes entre estrutura, histria e epistemologia e buscando o entendimento da forma como o poder se relaciona com o conhecimento, permitindo a expresso de desejos pessoais, vontades, necessidades fsicas e interesses cognitivos. Considera esse autor que o estudo das prticas de reforma do ensino contemporneo implica a colocao de fatos especficos do ensino dentro de uma formao histrica que pressupe relaes entre poder e conhecimento, ao tempo em que observa que os relatrios das mudanas efetuadas normalmente no analisam as argumentaes e prticas como parte de processos histricos, nem a forma como as percepes, atitudes e crenas so construdas socialmente e citadas em meios culturais especficos.

3.3 Currculo e cultura No centro das diversas definies de currculo, sejam elas crticas ou no crticas, est a idia de que o currculo seria uma forma institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade. Essa viso mais ampla da cultura em relao escola e ao currculo, porm, passvel de diferentes interpretaes. Segundo Moreira e Silva (1999), na tradio crtica: a cultura no vista como um conjunto inerte e esttico de valores e conhecimentos a serem transmitidos de forma no-problemtica a uma nova gerao, nem ela existe de forma unitria e homognea. Em vez disso, o currculo e a educao esto profundamente envolvidos em uma poltica cultural, o que significa que so tanto campos de produo ativa de cultura quanto campos contestados. (p. 26). O currculo seria ento um terreno de produo e criao simblica, cultural e, juntamente com a escola, partes integrantes e ativas de um processo de produo e criao de sentidos, de significaes, de sujeitos. (p. 27). Seriam, portanto, terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepes de vida social, aquilo pelo qual se luta e no aquilo que recebemos. (p. 27). A idia de cultura aqui mostrada relaciona-se diretamente com as relaes de poder acima descritas. Segundo Moreira e Silva (1999, p. 27): Em uma sociedade dividida, a cultura o terreno por excelncia onde se d a luta pela manuteno ou superao das divises sociais. O currculo educacional, por sua vez, o terreno privilegiado de manifestaes desse conflito. O currculo, ento, no visto, tal como na viso tradicional, como um local de transmisso de uma cultura incontestada e unitria, mas como um campo em que se tentar impor tanto a definio particular de cultura da classe ou grupo dominante quanto o contedo dessa cultura.

Nessa perspectiva de relao entre currculo e cultura aqui apresentada, podemos concluir com os mesmos autores que: [...] o currculo no o veculo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criar e produzir cultura O currculo seria, em suma, [...] um terreno de produo e de poltica cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matria-prima de criao, recriao e, sobretudo, de contestao e transgresso. (p. 28). Essa perspectiva da cultura posta no plural, contrariamente perspectiva mais formalista de uma cultura monoltica, que age somente de cima para baixo, ser mais detalhadamente explorada no contedo destinado cultura escolar. 3.4 Currculo e formao Falamos anteriormente que o currculo tem a funo de subsidiar os percursos formativos dos sujeitos do currculo. Veja que no falamos que o currculo forma ou deforma, como preferem alguns. Reafirmamos que a escola um dos espaos de aprendizagem com os quais convivemos ao longo de nossas vidas e o currculo, como processo por meio do qual a escola d acesso a conhecimentos produzidos pela humanidade, passa a ser o substrato para a construo de conhecimentos na escola, ou seja, uma das instncias sociais responsveis para que a pessoa se torne o que . Muitas vezes a formao definida como algo que se produz na forma de uma finalidade tcnica, de uma meta traada para padronizar os percursos formativos. Sem dvida, todo processo educativo tem uma intencionalidade, cada proposta curricular e cada dinmica curricular traduzem uma resposta de uma dada sociedade em funo da formalizao dos processos educativos para os sujeitos que a compem, mas j vimos at aqui que, por mais que sejam prescritas orientaes e formas de padronizao de percursos, o currculo, em seu desenvolvimento, envolve contestaes, envolve produo de novos significados por parte dos sujeitos da educao. Essa possibilidade reconhecida de produo, no s de reproduo, traz um novo sentido para o currculo e para sua funo na construo dos percursos formativos, sentido que desconfia da idia de padronizao de um perfil de formao nico, de um ideal humano de pessoa, a partir do qual seriam definidas as caractersticas da formao em massa, sem

considerar as especificidades culturais, sociais e as singularidades de cada sujeito da educao. A trama da formao, portanto, no pode ser definida a priori para todos os sujeitos da educao indiscriminadamente. Uma das aes mais importantes dos profissionais da educao que atuam na escola em seu ofcio de acompanhar, coordenar em muitos momentos esses processos de formao perceber como cada estudante vai realizando seus percursos de aprendizagens e, nesse processo, articulando as diversas referncias possibilitadas pelo currculo e por diversos outros espaos nos quais convivem para construrem suas existncias de estudantes/futuros profissionais/pessoas contemporneas de seu tempo. Se prestamos ateno a essas itinerncias3 singulares poderemos perceber a impossibilidade de instituir identidades modelares a partir das quais se estabeleceriam os processos de formao. Nesses processos, os estudantes vo realizando suas interpretaes singulares e atualizando suas possibilidades de compreenso de mundo na itinerncia do currculo. Na dinmica curricular, portanto, os saberes se constrem pela articulao de referncias tericas disponibilizadas pelo currculo com referncias outras construdas nos diversos espaos de aprendizagem vividos pelos sujeitos do currculo (estudantes, professores, famlia, espaos de atuao). Os saberes curriculares so (re) construdos no s por meio dos contedos acessados em sala de aula, mas a partir do desenvolvimento de mtodos prprios de articulao das referncias s quais cada sujeito da educao tem acesso ao longo de seu percurso de escolarizao, em espaos diversos de aprendizagem.

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Itinerncias esse termo aqui utilizado para se aproximar mais da formulao de uma concepo de currculo que contemple o movimento complexo de diferentes instncias que o configuram, numa perspectiva mais longitudinal (embora no diacronicamente previsvel e fechada), tendo como cerne a errncia histrica. S (2004) inspira-se em Macedo e sua crtica concepo de currculo que pretende gerenciar mentes e prescrever itinerrios a serem inscritos em trajetrias escolares cientificamente controlveis, a qual orientou o pensamento e as prticas curriculares da escolarizao ocidental, principalmente a americana. Macedo procura construir uma concepo de currculo que busque coletivizar/cultivar a dialogicidade na incerteza, no conflito, na possibilidade. Utilizando-se da metfora da crislida, evoca a condio de possibilidades da existncia do ser, que em sua facticidade desenvolve a errncia e no uma trajetria linearmente traada. Ver S, Maria Roseli G. B. de. Itinerncias em Currculo. In: ________. Hermenutica de um Currculo: o Curso de Pedagogia da UFBA. Tese. Doutorado em Educao da FACED/UFBA, 2004.

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Contedo 4: Niveis de seleo dos saberes curriculares Preocupando-se com os processos por meio dos quais o currculo se transforma em prtica pedaggica contextualizada, Gimeno Sacristn (2000) estabelece quatro nveis em que se distribuem as decises sobre currculo, ao analisar o esquema da distribuio de competncias no sistema educativo espanhol. O esquema compreende as instncias do Estado, as comunidades autnomas, as escolas e professores. Essas instncias de determinao escolar do currculo atuariam com desigual poder de influncia real e de ordenao explicita sobre diferentes mbitos do currculo: os contedos, a metodologia, a avaliao, a organizao e a inovao. Embora identifique na instncia poltico-administrativa, qual seja no currculo prescrito o primeiro nvel de definio do currculo, o autor considera que o currculo prescrito pode manifestar-se como facilitador e orientador do professorado no sentido no apenas de indicar caminhos para a construo curricular, mas tambm como apoio profissional, fornecendo orientaes metodolgicas, que no supe prescrio obrigatria em si mesma. Acredita que, por mais intervencionismo que se queira exercer nas decises curriculares, nunca se pode incidir diretamente sobre a prtica pedaggica, pois os nveis de concretizao curricular abrem possibilidades para a autonomia. Tambm Goodson (1995) faz essa distino entre instncias em que o currculo se concretiza. Estudando a relao entre currculo e histria numa viso construcionista social, Goodson distingue, a partir de Jackson, dois momentos no currculo, o da definio pr-ativa e o da realizao interativa. Cita Greene, que contrape noo dominante de currculo como uma estrutura de conhecimento socialmente apresentado, externo ao conhecedor, a ser por ele dominado, a que tem o currculo como uma possibilidades que o discente tem como pessoa existente, sobretudo interessada em dar sentido ao mundo em que de fato vive (p. 18). Goodson declara que se concentra, nesse estudo, na confeco do currculo em nvel pr-ativo, para entender os interesses e influncias atuantes nesse nvel, embora considere que a definio pr-ativa pode estabelecer parmetros para a ao e negociao interativa no ambiente da sala de aula e da prpria escola. Apressa-se em advertir que no h um vnculo direto ou facilmente perceptvel entre a fase pr-ativa e a interativa; ocasionalmente a fase interativa pode subverter ou transcender

a pr-ativa, mas [...] a construo pr-ativa pode estabelecer parmetros importantes e significativos para a execuo interativa em sala de aula. (p. 24). E arremata afirmando que o currculo construdo em diferentes reas e nveis, entretanto imprescindvel a distino entre currculo escrito e currculo como atividade de sala de aula. Entre os estudos brasileiros que enfocam as diferentes abrangncias ou os diferentes nveis de seleo dos contedos curriculares, destaca-se o estudo de Jos Alberto Pedra (2001), que concebe o currculo como artefato cultural e procura levantar os nveis de seleo do contedo. Para ele, o currculo um recorte intencional, que antes de ser entendido como uma questo tcnica deve ser percebido como uma modalidade de reinterpretao histrica de prticas e saberes que circulam no espao social. Por trazer a marca cultural, o currculo abriga as concepes de vida social e as relaes sociais que animam a cultura, no entanto, nele esto contidos mais que contedos que constituem as disciplinas. Essa noo de currculo como um recorte intencional vem reforar a discusso bastante recorrente neste nosso estudo sobre as relaes de poder presentes nas operaes de currculo.

Uma aproximao do prximo contedo: Essas formulaes so importantes para a configurao da compreenso de currculo como processo, como possibilidade de interaes, de confrontos, de negociaes, de produo, enfim; neste curso, especialmente, so importantes para entendermos melhor como funcionam aquelas operaes de currculo: a seleo, a organizao, a veiculao e a construo dos saberes curriculares desde o nvel jurdico, de formulao do documentos curriculares oficiais, que so geridos pelo Estado, passando pelo nvel institucional, qual seja, pelas escolas, espaos em que efetivamente se concretiza a dinmica curricular, at o nvel intra/interpessoal, no qual cada sujeito da educao, individual e coletivamente, constri conhecimentos veiculados pelo currculo. Esse entendimento ser fundamental para a discusso que faremos com as referncias do prximo tema sobre da gesto do currculo na/pela escola. Indicao de bibliografias e sites

Para ampliar os estudos do Contedo 4, leia: GIMENO SACRISTN, J. O currculo: uma reflexo sobre a prtica. 3 ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000. GOODSON, lvor F. Currculo: Teoria e Histria. Traduo Attlio Brunetta. Petrpolis: Vozes, 1995. PEDRA, Jos Alberto. Currculo, Conhecimento e suas representaes. 5 ed. Campinas, SP: Papirus, 1997. (Coleo Prxis).

TEMA 2- O CURRCULO E A GESTO DA/NA ESCOLA Chamada Introdutria Depois de estudarmos os contedos do Tema 01, certamente alguns estranhamentos iniciais sobre a relao entre gesto e currculo tenham se desvanecido, mas vamos continuar falando sobre essa relao, dessa vez, de dentro da escola. isso mesmo, se falamos anteriormente de estudos de currculo, de relaes de currculo, ainda que considerando a escola como espao privilegiado de desenvolvimento das prticas curriculares, agora vamos entrar na escola e procurar entender o currculo em seu acontecer cotidiano e qual o papel efetivo da gesto escolar na gesto do currculo e do conhecimento veiculado, abordando as intervenes pedaggicas e o planejamento curricular, responsabilidade precpua da dimenso pedaggica da gesto escolar. Contedo 1: A cultura da/na escola Como vimos ao estudar o Tema 01, a escola e o currculo so espaos no s de transmisso, como de construo de culturas. Mesmo reconhecendo na escola um espao de construo de culturas, no podemos abstrair que a mesma impe lentamente, mas de maneira tenaz, certos modos de conduta, pensamento e relaes prprios de uma instituio que se reproduz a si mesma, independentemente das mudanas radicais que acontecem ao redor. Ao interpretar os fatores que intervm na vida escolar como culturas, Prez Gmez ressalta o carter sistmico e vivo dos elementos que influem na determinao dos intercmbios de significados e nas condutas dentro da instituio escolar, assim como a natureza tcita, imperceptvel e pertinaz dos influxos e elementos que configuram a cultura cotidiana. Vamos seguir um pouco com as formulaes desse autor, para explorar mais essa relao to importante entre escola/currculo e culturas. Para a UNESCO, A cultura o conjunto de conhecimentos e de valores que no objeto de nenhum ensino especfico e que, no entanto, todos os membros de uma comunidade conhecem. (PEREZ GOMEZ, 2001, p. 13)

Cada pessoa possui razes culturais ligadas herana, memria tnica, constitudas por estruturas, funes e smbolos, transmitidas de gerao em gerao por longos e sutis processos de socializao. bvio tambm que cada indivduo, antes de poder decidir sua prpria proposta de vida, se encontra imerso na imanncia de sua comunidade, nas coordenadas que configuram o pensar, o sentir e o agir legtimo em seu grupo humano. Mas cada vez se torna mais evidente que a herana social que cada indivduo recebe, desde seus primeiros momentos de desenvolvimento, j no se encontra constituda primordial nem prioritariamente por sua cultura local. Os influxos locais, ainda importantes, se encontram substancialmente mediatizados pelos interesses, expectativas, smbolos e modelos de vida que se transmitem por vrios meios, notadamente atravs dos meios telemticos. Parece evidente que o contexto cultural que tanto potencia como restringe as possibilidades de desenvolvimento do indivduo humano mudou substancialmente de forma acelerada nas ltimas dcadas para mostrar sua natureza flexvel, complexa, incerta, plural e diversificada. As razes locais da cultura que definiram o cenrio prximo em que cada indivduo incorporava a herana social e que lhe proporcionavam tanto a plataforma de lanamento como o horizonte de expectativas, perderam no apenas sua supremacia como tambm sua prpria e original identidade, atuando, em todo caso, ao mesmo tempo e de forma mediatizada com os poderosos instrumentos de comunicao social. Com isso, parece que o indivduo das sociedades do fim do Sculo XX ampliou de maneira assombrosa seus horizontes, seus recursos e suas expectativas culturais custa, inevitavelmente, de perder sua segurana. Por outro lado, o conceito de cultura, apesar da fora recuperada como recurso explicativo das interaes humanas, no pode ser entendido sem se identificar as estreitas relaes que mantm com o marco poltico, econmico e social no qual gerado e com o qual interage. Se os produtos simblicos das interaes humanas de um grupo social isto , o conjunto de significados expectativas e comportamentos se enrazam e sobrevivem porque manifestam um certo grau de funcionalidade para se desenvolver nas condies sociais e econmicas do meio. A relativa autonomia da produo simblica, a qual constitui o conceito de cultura, permite uma anlise mais flexvel, dinmica e diversificada para compreender a pluralidade e a complexidade do comportamento humano. Existem importantes razes para no provocar uma separao radical entre a cultura, a poltica e a economia. Os fenmenos culturais no podem ser considerados, de maneira idealista, como entidades isoladas; para

entend-los, preciso situ-los dentro do conflito das relaes sociais nas quais adquirem significao. Cultura e poder no fazem parte de diferentes jogos lingsticos, mas constituem um casamento indissolvel na vida cotidiana. O tecido de significados que orientam a interpretao e a ao dos sujeitos se configura tanto em funo das exigncias sociais, econmicas e polticas como das resistncias e alternativas que se geram e se aceitam como possveis, no mundo imaginrio dos indivduos e da coletividade. sugestivo, neste sentido, o pensamento de Geertz: O homem um animal suspenso em redes de significados que ele mesmo ajudou a tecer. (Geertz, 1973 apud PEREZ GOMEZ, 2001, p. 15). A cultura como tecido [rede] de significados, expectativas e comportamentos, discrepantes ou convergentes, que um grupo humano compartilha, requer, ao mesmo tempo, tomar conscincia do carter flexvel e plstico do seu contedo. As produes simblicas no podem ser entendidas como as produes materiais. As relaes mecnicas entre elementos confundem mais que esclarecem a verdadeira natureza das interaes humanas. Educao entendida aqui como um complexo processo de enculturao [processo pelo qual a pessoa adquire os usos, as crenas, as tradies etc, da sociedade em que vive]. Que volta sobre si mesmo, reflexivamente, para entender suas origens, sentido e feitos no desenvolvimento individual e coletivo. Por isso imprescindvel entender os mecanismos explcitos e tcitos de intercmbio cultural de significados para compreender e estimular os processos de reflexo educativa. Do que foi dito at aqui, cabe-nos registrar dois aspectos do conceito de cultura trazido por Perez Gomez: - o carter sistmico e intert-relacionado dos elementos simblicos que constituem a rede de significados compartilhados, de modo que se evitem as interpretaes unilaterais e reducionistas; - sua natureza implcita, o carter tcito, supostamente, da maioria de seus contedos. As culturas funcionam como padres de intercmbio precisamente porque formam uma coerente rede de significados compartilhados que os indivduos, em geral, no questionam e que so admitidas como marcos teis e presentes nos processos de comunicao. Os significados se objetivam em comportamentos, em artefatos e em rituais que formam a pele do contexto institucional e que so assumidos como imprescindveis e inquestionveis por seu carter prvio interveno dos agentes.

Cabe-nos igualmente apreender os conceitos de cultura e escola formulados por esse mesmo autor: Cultura: conjunto de significados, expectativas, e comportamentos compartilhados por um determinado grupo social, o qual facilita e ordena, limita e potencia os intercmbios sociais, as produes simblicas e materiais e as realizaes individuais e coletivas dentro de um marco espacial e temporal determinado. A cultura , portanto, o resultado da construo social, contingente s condies materiais, sociais e espirituais que dominam um espao e um tempo. Expressa-se em significados, valores, sentimentos, costumes, rituais, instituies e objetos, sentimentos (materiais e simblicos) que circundam a vida individual e coletiva da comunidade. Como conseqncia de seu carter contingente, parcial e provisrio, ela no um algoritmo matemtico que se cumpre indefectivelmente. Deve ser considerado sempre como um texto ambguo, que necessrio interpretar indefinidamente. Por isso, viver uma cultura e dela participar supe reinterpret-la, reproduzi-la, assim como transformla. A cultura potencia tanto quanto limita, abre ao mesmo tempo que restringe o horizonte de imaginao e prtica dos que a vivem. Por outro lado, a natureza de cada cultura determina as possibilidades de criao e desenvolvimento interno, de evoluo ou estancamento, de autonomia ou dependncia individual. Escola: espao ecolgico de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade especfica, que a distingue de outras instituies e instncias de socializao e lhe confere sua prpria identidade e sua relativa autonomia, a mediao reflexiva daqueles influxos plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas geraes, para facilitar seu desenvolvimento educativo. O responsvel definitivo da natureza, do sentido e da consistncia do que os alunos e as alunas aprendem em sua vida escolar este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se produz na escola, entre as propostas da cultura crtica, alojada nas disciplinas cientficas, artsticas e filosficas; as determinaes da cultura acadmica, refletida nas definies que constituem o currculo; os influxos da cultura social, constituda pelos valores hegemnicos do cenrio social; as presses do cotidiano da cultura institucional, presente nos papis, nas normas, nas rotinas, e nos ritos prprios da escola como instituio especfica; e as caractersticas da cultura experiencial, adquirida individualmente pelo aluno atravs da experincia dos intercmbios espontneos de seu meio. No podemos esquecer que a instituio escolar um espao em que se inter relacionam essas esferas culturais, cada uma com sua rede de

significados e constituindo uma rede de significados e de expectativas na qual transitam os sujeitos em formao, precisamente no perodo mais ativo da construo de seus significados e de sua identidade. A funo educativa da escola oferecer aos sujeitos em formao a possibilidade de detectar e entender o valor e o sentido dos influxos explcitos ou latentes, que est recebendo em seu desenvolvimento, como conseqncia de sua participao na complexa vida cultural de sua comunidade. As diferentes culturas que se cruzam na escola so atingidas pelas ressonncias da complexa vida contempornea, por isso requer a compreenso de influxos sutis, onipresentes e invisveis, porque fazem parte do cotidiano. A cultura da escola At aqui, estudamos aspectos da cultura na escola, de como o espao escolar um espao de distribuio e produo de cultura, mas importante que se traga baila que o cumprimento dessa funo no se d de maneira homognea em todas as escolas. Cada escola, a partir de elementos variados como o espao-tempo em que se desenvolvem seus processos; a comunidade em que est inserida; os modos de gesto; as formas de socializao estabelecidas entre os sujeitos do currculo e muitos outros elementos, configura uma cultura prpria. Alguns estudos denominam essa especificidade de cultura organizacional e aqui certamente vai influir sobremaneira a gesto escolar. Como a gesto possibilita a circulao de culturas? Como trabalha com a diversidade cultural? Como essa diversidade considerada no desenvolvimento das prticas curriculares? Uma aproximao do prximo contedo: Quando estudamos o Contedo 2 do primeiro tema, sobre os estudos crticos do currculo, foi dada a informao de que foram agregados a esses estudos, novos elementos e novas nfases, como: identidade/alteridade/ diferena, subjetividade, significao e discurso, diversidade cultural, diferenas de gnero e etnia, multiculturalismo. Esses estudos nos permitem perceber os embates que se estabelecem na escola e no currculo por conta da diversidade de identidades, de subjetividades, de discursos existentes no espao escolar. Todos esses elementos se

manifestam no acontecer cotidiano da escola, da porque vamos nos deter um pouco no estudo do cotidiano, para tentar entender sua dinmica e seu significado nos estudos de currculo e gesto. Indicao de bibliografias e sites Para ampliar os estudos do Contedo 2, leia: DAYRELL, Juarez (Org). Mltiplos olhares sobre educao e cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG,1996. FORQUIN, J-C. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemolgicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1993. MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crtico. Prefcio de Paulo Freire. Apresentao de Moacir Gadotti. Traduo de Bebel Orofino Schaefer. So Paulo: Cortez, 1997. PERZ GOMZ, Angel. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ArtMed, 2005. Consulte os sites: http://www.curriculosemfronteiras.org http://revistaescola.abril.com.br/multimidia http://vivenciapedagogica.com.br/txtoseducacaodiversidade

Contedo 2: Currculo e cotidiano Para falar do cotidiano como uma categoria de estudos, vamos nos valer inicialmente de Michel Certeau, cujas formulaes sero acrescidas das de outros autores que trazem contribuies igualmente significativas para nossos estudos desse contedo. Certeau justifica seus estudos sobre o cotidiano, declarando que as maneiras de fazer cotidianas devem deixar de aparecer como pano de fundo noturno da atividade social, ou seja, devem ter uma centralidade nos estudos sociais e comea por trazer duas noes que sero de extrema importncia para nosso entendimento da gesto do currculo: as noes de lugar e espao.

Lugar: uma ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relaes de coexistncia. A se acha, portanto excluda a possibilidade para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. [...] Um lugar portanto uma configurao instantnea de posies. Implica uma indicao de estabilidade. Espao: o efeito produzido pelas operaes que orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais. O espao estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto , quando percebida na ambigidade de uma efetuao, mudada em, um termo que depende de mltiplas convenes, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e modificado pelas transformaes devidas a proximidades sucessivas. Diversamente do lugar, no tem, portanto nem a univocidade nem a estabilidade de um prprio. Em suma, o espao um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo transformada em espao pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura o espao produzido pela prtica do lugar constitudo por um sistema de signos um escrito. Poderamos dizer aqui: a escola e o currculo passam a ser espaos medida em que a interagem pessoas, saberes, pensares, sentires diversos. Aprendemos a analisar a escola atravs de sua histria documentada, oficial, ou mesmo atravs dos estudiosos crticos a essa verso, mas a tendncia da maioria desses enfoques homogeneizar as caractersticas de todas as escolas, tornando os partcipes das relaes que a se estabelecem, seres abstratos e passivos, observados luz dessa configurao homognea. Ocorre que cada espao escolar tem sua histria e existncia no documentada, a qual lhe confere forma material, vida, de acordo com Ezpeleta e Rockwell (1989). Estudar as relaes que se estabelecem no cotidiano da escola, comea pelo questionamento dos mecanismos de distribuio / construo do conhecimento ou do acesso que se d (ou no), via currculo, histria da humanidade, proporcionando ao aluno "um lastro de conhecimento necessrio sua insero como sujeito nessa mesma histria" (Lembra-se do que estudamos sobre a construo do saber e o currculo, com Fres Burnham?). Sobre o cotidiano tambm fala Agnes Heller (1989) que o considera uma instncia em que o indivduo coloca "em funcionamento "todos os seus sentidos, as suas capacidades intelectuais, habilidades manipulativas, sentimentos, paixes, ideologias, num processo heterogneo, sem

ordenao prvia, mas nem por isso fora da histria, uma vez que esse mesmo indivduo " sempre, simultaneamente, ser particular e ser genrico" (p. 20). Essas caractersticas conferem ao cotidiano a propriedade de ser manipulvel ao mesmo tempo em que impe mudanas dinmica social, produo humano-genrica e a cada sujeito singular, elevando-o condio de sujeito histrico. Segundo Sonia Penin (1989), o entendimento da singularidade do cotidiano escolar, de onde "emergem as grandes decises e os instantes dramticos de deciso e de ao" (p. 16), poder indicar pistas para adoo de medidas que possam transforma-lo. Para reforar essa idia, diz essa autora: [...] o cotidiano, sendo conhecido, pode fornecer informaes a gestes institucionais democrticas que queiram tomar medidas adequadas para facilitar o trabalho ao nvel cotidiano das escolas e melhorar a qualidade do ensino a realizado. (PENIN, 1989, p. 161). Aqui nos encontramos com uma discusso que remete atuao da gesto escolar no cotidiano da escola e do currculo, concorda? Vamos ento falar um pouco sobre isso. A gesto do currculo no cotidiano da/na sala de aula Sabemos que h todo um processo de regulao das prticas curriculares, mas as possibilidades apontadas por esses processos de regulao so concretizadas no cotidiano da escola, no fazer concreto dos sujeitos que vivem e fazem a escola. (Lembra-se do que falamos no Contedo 4 do Tema 1?) A escola tem assim uma intencionalidade, que a de intervir nos processos de aprendizagem. Sua funo social eminentemente pedaggica, qual seja, a de conduzir os percurso de aprendizagem desde a seleo dos conhecimentos que foram/so produzidos pela humanidade at o acompanhamento efetivo dos processos de construo de conhecimentos por cada sujeito da educao. Consideramos que essas pessoas trazem consigo uma forma prpria de acessar e de significar esses saberes, uma vez que esto imersas em relaes culturais construdas individual e coletivamente nos diversos

espaos de aprendizagem em que transitam e nos quais vo reunindo referncias fundamentais para sua compreenso de mundo. Espaos de aprendizagem partimos do entendimento de que existam espaos mltiplos para construo de aprendizagens dos sujeitos em uma sociedade. S (2004) baseia-se em formulaes de Fres Burnham para trabalhar esse conceito. A partir da pergunta provocadora: Que loci scio-culturais se apresentam como espaos que articulam, intencionalmente, atividades de trabalho (produo material de bens e servios) e processos de aprendizagem (produo imaterial de subjetividades e conhecimentos)?, observa-se que, mesmo no atual contexto das tecnologias de informao e comunicao, os indivduos e coletivos sociais, em sua grande maioria, continuam a aprender em espaos scio-culturais bastante tradicionais: a famlia, a escola, a igreja e o local de trabalho no perdem o status de espaos mais educativos da sociedade. Segundo Fres Burnham (conforme S, 2004), no se trata de considerar unicamente os locais singulares, geogrficos de aprendizagem, mas tambm as redes locais que as pessoas tecem intra e intersubjetivamente. As pessoas convivem muito proximamente (no tempo e no espao) nos ambientes da escola, do lar, do parque de lazer, do terreiro de candombl, do shoping center... Nesses lugares entram em contato com diferentes formas de conhecer e organizar o conhecimento; expem-se e interagem com diferentes referenciais de leitura da realidade. Neste nosso estudo, consideramos a multiplicidade dos espaos de aprendizagem nos quais convivem os sujeitos do currculo. Ver S, Maria Roseli G. B. de. Itinerncias em Currculo. In: ________. Hermenutica de um Currculo: o Curso de Pedagogia da UFBA. Tese. Doutorado em Educao da FACED/UFBA, 2004. So inmeros os espaos possveis para se aprender o mundo: a famlia, a igreja, a comunidade, o trabalho, as rodas de amigos, os clubes, as associaes, os meios de comunicao, enfim, todos os espaos em que seja possvel interagir, socializar saberes, confrontar idias, realizar trocas simblicas de toda a ordem; porm, h um espao cuja responsabilidade social a de organizar esses saberes com a inteno precpua de possibilitar que cada pessoa de uma dada sociedade, sem desconsiderar os prprios significados e expectativas diante da vida, se constituam como sujeitos daquela sociedade, de acordo com as

expectativas sociais e culturais estipuladas para todos que a convivem. Esse espao a escola. Assim, a escola um espao por excelncia dedicado promoo e ao acompanhamento dos percursos formativos das pessoas a ela confiadas pela sociedade para esse fim. Esse espao de aprendizagens tem uma dinmica, conferida pelas relaes estabelecidas pelos sujeitos que a convivem. Isso forma a cultura da escola, cultura que constituda pelos significados que cada pessoa d a sua realidade, os modos de se relacionar com o mundo e com as pessoas. O gestor no pode perder de vista que o gestor de uma instituio pedaggica. Naturalmente caber a gesto desde os aspectos legais, burocrticos, organizacionais, administrativos, de pessoas, como tambm e principalmente dos conhecimentos construdos na dinmica curricular. Indicao de bibliografias e sites Para ampliar os estudos do Contedo 2, leia: CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: 1. Artes de fazer. Traduo de Ephraim Ferreira Alves. 2 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1994. EZPELETA, Justa e ROCKWELL, Elsie. Pesquisa Participante. So Paulo: Cortez, 1989. GIMENO SACRISTN, J.; PEREZ GMES, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a Histria. 3 ed. So Paulo: Paz e Terra, 1989 PENIN, Snia. Cotidiano e Escola. A obra em construo. So Paulo: Cortez, 1989. PERZ GOMZ, Angel. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ArtMed, 2005. Consulte os sites: http://www.anped.org.br/ http://www.bibliotecavirtual.prossiga.br/bvtematicas http://www.gestaoeducacional.com.br

http://vivenciapedagogica.com.br/txtoseducacaodiversidade http://www.portacurtas.com.br/filme

- Contedo 3: A gesto do conhecimento e as intervenes pedaggicas no currculo Comeamos aqui pela identificao de um grande desafio: como gerir os percursos formativos, as aprendizagens necessrias aos sujeitos da educao, sem negar as subjetividades, as possibilidades individuais de interpretao do mundo? J tratamos aqui da concepo de currculo como um espao produtivo no qual so atribudos significados e construdas identidades sociais; ou como um campo de tenses, dados os mltiplos significados atribudos realidade do currculo pelos seus diferentes sujeitos. A gesto do conhecimento no currculo vai exigir: Um sujeito ativo na construo do objeto do conhecimento. O abandono de posturas etnocntricas O questionamento de relaes de poder O respeito e a promoo de diferenas Alguns aspectos devero ser observados nesse mbito da gesto: A capacidade cognitiva dos alunos Os dispositivos de comunicao desenvolvidos Desenvolvimento de capacidades para a resoluo de problemas As caractersticas culturais da comunidade onde est inserida e escola Embora muitas vezes paream distantes da lida da gesto escolar, esses aspectos so fundamentais para essa mesma gesto, uma vez que representam a atividade-fim da instituio escolar. Lembra-se das formulaes sobre a funo social da escola e do currculo apresentadas no Tema 1? O que acontece muito frequentemente, porm, que, nas atividades de gesto, o fato administrativo apresenta-se como substantivo e o fato pedaggico apenas contingente. Mas nunca demais lembrar que: A administrao sempre da educao, que lhe determina o substrato terico e a direo da prtica. A administrao condio para, ou seja, uma atividade-meio.

A ordenao das necessidades do trabalho pedaggico que vai estabelecer os padres da administrao. Nessa concepo aqui esboada, caberia gesto escolar: Assegurar permanentemente a existncia de condies para que os processos de ensinar e aprender se realizem; Dirigir o esforo coletivo dos professores, orientando-o para o fim comum, ou seja, o domnio do saber escolar pelos alunos. Comprometer-se com o trabalho pedaggico da instituio que dirige, consciente da necessidade de recuperar a funo social e a identidade prpria da escola, tendo em mente que: educar responsavelmente convencer-se da necessidade de realizar a humanidade de todos. Nesse ponto de nosso estudo, retomamos a questo inicial, que se refere diversidade de possibilidades de aprendizagem, aspecto fundamental para a gesto e certamente um grande desafio. A diversidade na gesto do conhecimento curricular Os diferentes tempos e ritmos individuais para desconstruir e reconstruir os conhecimentos veiculados pelo currculo podem ser identificados cotidianamente nas escolas. Para nos ajudar em nossas aes pedaggicas ante essa diversidade, h estudos sobre a questo das diferenas no mbito da psicologia, da antropologia, da sociologia, da filosofia. O discurso das diferenas chegou escola por meio da Psicologia, abordando as diferenas individuais. A psicologia desenvolveu estudos sobre as diferenas em diversos mbitos, mas os estudos sobre a capacidade intelectiva certamente deram subsdios para o estabelecimentos de tcnicas e instrumentos de ensino e de avaliao de desempenho que usamos hoje. As diferenas, nessa perspectiva, so estudadas para serem sanadas. O chamado otimismo pedaggico acredita ser possvel, por meio de mtodos e tcnicas pedaggicas adequadas, igualar as pessoas, desde que se igualem as oportunidades. Em todos os tempos, sempre foram definidas imagens ideais para as pessoas de uma dada sociedade e definidas as maneiras ideais de formlas. Tratando-se da escola e do currculo, estabelece-se uma identidade de aluno exemplar e a partir da, define-se o trabalho pedaggico a ser desenvolvido. Tais mecanismos levam a escola a transformar as desigualdades sociais e culturais em desigualdades de resultados escolares.

Hoje, em nossa prtica pedaggica, enfrentamos o desafio de compatibilizar duas metas: a compreenso da diversidade e a busca do que universal no ser humano. Segundo Marta Kolh de Oliveira, a escola uma instituio social na qual o funcionamento cognitivo dos sujeitos parte essencial da atividade principal da prpria instituio. A escola supe, promove, desenvolve, avalia, julga, o desempenho intelectual dos alunos. Emergem a, claramente, diferenas entre indivduos e entre grupos: alm das diferenas individuais, presentes em qualquer situao social, h as diferenas culturais, particularmente relevantes numa sociedade complexa e plural onde a distncia entre as classes sociais to marcante e onde h enorme diversidade de grupos culturais. A falta de compatibilidade entre o que pretendido pela escola e o que desejvel, ou possvel, para seus alunos, acirrada pelo processo de democratizao do acesso de diferentes grupos escola, fonte indiscutvel de fracasso escolar. Como superar o fracasso escolar? Marli Andr nos lembra, em texto publicado no livro: Erro e fracasso na escola:alternativas tericas e prticas, a argumentao de Perrenoud de que toda situao didtica proposta ou imposta de maneira uniforme a todos os alunos ser fatalmente inadequada para um grupo deles. Para alguns, fcil demais; para outros, difcil demais. Mesmo que a situao esteja adequada ao nvel de desenvolvimento cognitivo dos alunos, ela pode parecer sem sentido para uns, sem valor ou sem interesse para outros, a ponto de no engendrar nenhuma atividade intelectual notvel e, portanto, no promover a construo de conhecimentos novos. Da a importncia do conhecimento diferenciado. (p. 116). Para Perrenoud, diferenciar o ensino organizar as interaes e atividades de modo que cada aluno se defronte constantemente com situaes didticas que lhe sejam as mais fecundas. Pode-se atingir as mesmas competncias por caminhos diversos. Diferenciao no sinnimo de individualizao do ensino, o acompanhamento dos percursos que individualizado. Assim, as intervenes no devem generalizar, sempre, a partir da referncia de um erro de um dos alunos, por exemplo. A interveno, nesse caso, pode e deve ser individualizada, para no dispersar a turma. O ensino diferenciado valorizar as atividades de grupo, a construo de identidades coletivas. Procurando considerar a diferena e trabalhar com a mesma, a perspectiva histrico-cultural defendida por Marta Kolh valoriza o papel da interveno pedaggica no desenvolvimento psicolgico.

Detalhando a interveno pedaggica Para dar continuidade discusso sobre a gesto do conhecimento curricular, vamos nos valer de algumas formulaes de Csar Coll (1996) sobre intervenes pedaggicas numa viso construtivista e psicopedaggica. Coll defende a ajuda pedaggica no currculo e identifica nesse mecanismo, dois sentidos: ajuda, porque o verdadeiro artfice do processo de aprendizagem o aluno, de quem depende, em ltima instncia, a construo do conhecimento; como tambm, uma ajuda porque tem como finalidade sintonizar com o processo de construo do conhecimento do aluno e incidir sobre ele, orientando-o na direo que as intenes educacionais assinalam e utilizando para isto todos os meios disponveis. Para esse autor toda proposta curricular tributria de uma determinada maneira de entender os processos de aprendizagem, sendo que concepes distintas da aprendizagem escolar do lugar a propostas curriculares diferenciadas. As concepes de aprendizagem e de interveno pedaggica seriam importantes para formular propostas curriculares e devem estar articuladas, no entrar em contradio, embora seja equivocado pensar que a interveno depende diretamente da aprendizagem esperada. O autor pretende neste texto, mostrar alguns dos mecanismos suscetveis de configurar uma concepo construtivista da interveno pedaggica, devidamente articulada com uma concepo construtivista da aprendizagem escolar, como referncia para desenvolvimento de propostas curriculares. Quais so os critrios que devem guiar a interveno pedaggica? Aqui, fica evidente a dificuldade do professor na elaborao de propostas pedaggicas que situam na atividade auto-estruturante do aluno o ponto de partida da construo do conhecimento e, portanto, da aprendizagem significativa. O autor levanta duas questes bsicas: a) Uma referente aos mecanismos psicolgicos subjacentes ao processo de construo, modificao, diversificao, coordenao e enriquecimento progressivo dos esquemas de conhecimento dos alunos promovidos pela interveno pedaggica. b) Outra que se refere aos mecanismos mediante os quais conseguese ajustar esta interveno atividade mental construtiva do aluno. Esta uma questo prvia anterior.

Esses mecanismos situam-se no mbito interpessoal e remetem para a interao entre professor e aluno. Interao pedaggica professor aluno e aprimoramento da ajuda

Esse seria, para Coll, um aspecto menos enfatizado nos estudos que as interaes nas relaes familiares. Alguns estudos mostram que os adultos que conseguem promover mais progressos quando suas intervenes no decurso da interao so contingentes aos progressos e dificuldades que as crianas experimentam na realizao da tarefa. Alerta o autor para o risco de se estabelecer, numa proposta curricular, a regra da contingncia, mas buscar interrogar que situaes interativas possibilitam maior ou menor grau de contingncia. E detalha essa noo: O adulto e a criana implicados na execuo de uma tarefa ou desenvolvimento de uma atividade tm, cada um de sua parte, uma definio da situao representam para si, de uma determinada maneira, a situao e as aes a desenvolver. A definio intrasubjetiva provavelmente diferente para ambos. Para estabelecimento da comunicao, necessria a intersubjetividade os dois compartilhando, ainda que parcialmente, da definio da situao, sabendo que a compartilham. Quando no se d a comunicao, necessrio se fazer uma negociao, que levar a nova definio intersubjetiva de situao. Embora participem ativamente da situao, o papel dos dois assimtrico: a mudana intrasubjetiva para o adulto temporal, visa comunicao; j a mudana intrasubjetiva para a criana permanente, pois resultante de uma ao educativa do adulto, que tenta arrast-lo para sua definio. Ao tratar mais especificamente das intervenes pedaggicas no currculo escolar, Csar Coll alerta que as propostas curriculares no devem prescrever um mtodo de ensino determinado, mas proporcionar critrios de ajuste da ajuda pedaggica e exemplific-los mediante propostas concretas de atividades de ensino/aprendizagem sob determinados pressupostos. Aqui, caberiam algumas indagaes sobre a atuao docente na sala de aula e sobre a gesto do conhecimento na escola: Seria uma fantasia ultrapassar, no apenas como proposta terica, mas no dia-a-dia da sala de aula, uma hierarquia que sempre tem se sobreposto s propostas mais criativas e inovadoras? Seria absurdo

considerar as referncias trazidas pelos alunos to relevantes como as referncias das cincias traduzidas nos contedos curriculares?

Indicao de bibliografias e sites Para ampliar os estudos do Contedo 2, leia: COLL, Csar. Psicologia e currculo: uma aproximao psicopedaggica elaborao do currculo escolar. Traduo Cludia Scilling. So Paulo: tica, 1996. COSTA, Marisa Vorraber. (Org). O currculo nos limiares do contemporneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. DAYRELL, Juarez (Org). Mltiplos olhares sobre educao e cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG,1996. GIMENO SACRISTN, J.; PEREZ GMES, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. Consulte os sites http://www.gestaoeducacional.com.br http://vivenciapedagogica.com.br/txtoseducacaodiversidade http://www.portacurtas.com.br/filme

Contedo 4. A gesto escolar e o planejamento curricular Comeamos pela noo de que o planejamento uma ao que se constri no repensar permanente da prtica. Haveria, portanto, uma diferena entre os conceitos de planejamento e de plano. Enquanto o planejamento pode ser considerado como: um processo permanente de reflexo terico-prtica sobre a organizao e direcionamento da prtica pedaggica, realizado a partir de situaes reais, historicamente construdas, o plano : um documento formal escrito;

a apresentao sistematizada e justificada das decises tomadas no planejamento. Para falar mais especificamente sobre o planejamento curricular, podemos retomar a distino feita por Goodson entre o momento de definio pr-ativa e o de realizao interativa. Esse momento de definio resultaria de uma situao de planejamento, mas se traduziria em aes registradas e sistematizadas em forma de planos (ou projetos). As aes planejadas e registradas no plano se concretizariam no acontecer do currculo, situao permanente de planejamento e de ao, concretizados em planos... No planejamento curricular devem ser observados: - Os princpios norteadores da ao educativa baseados nas demandas da realidade e definidos no Projeto Pedaggico da instituio ou curso; - As orientaes oficiais (LDB, Diretrizes curriculares, PCN, RCNEI, Regimento escolar e outros); - Os pressupostos terico-metodolgicos de cada rea do conhecimento para orientar a seleo de contedos. O planejamento curricular pode ser objetivado em dois documentos fundamentais para a gesto escolar, o Projeto Pedaggico e a Proposta curricular. Muitas vezes, bom que se diga, essas duas instncias so registradas em um nico documento. Projeto Pedaggico/Proposta curricular O Projeto Pedaggico pode ser entendido como um instrumento de balizamento, uma orientao para as aes pedaggicas de uma instituio ou curso. Sendo um balizamento, o Projeto Pedaggico institui as diretrizes, as linhas gerais para a proposta curricular como um elemento norteador / sinalizador das aes pedaggicas e curriculares, incluindo a elaborao de proposta curricular. A Proposta curricular representa um detalhamento especfico das aes e contedos curriculares. Exige-se, hoje, que os currculos sejam renovados periodicamente e proponham percursos alternativos de formao, para que o estudante, de acordo com seu ritmo e preferncia, possa aprender a aprender, reinterpretar o que aprende, desenvolvendo uma viso crtica e habilidades de gesto, levando em conta que sua atuao futura se dar tanto no campo profissional como no campo do exerccio da cidadania. Faz-se necessrio, no planejamento curricular, levantar algumas questes bsicas:

Que noes so fundamentais para a formao dos sujeitos da educao com os quais uma determinada proposta pedaggica/curricular est lidando? Em que reas de conhecimento/campos de atuao buscar elementos para construir tais noes? De que forma cada rea de conhecimento/campo de atuao poder fornecer tais elementos? Como essas reas de conhecimento/campos de atuao podero se articular no currculo? O que cabe aos profissionais docentes em seus espaos/processos de atuao? A formulao dessas noes se justifica em tempos de centralidade das discusses sobre currculo e sobre a construo de projetos pedaggicos e propostas curriculares. Mas, por que essa exigncia de elaborao de projetos pedaggicos em todos os nveis de ensino, hoje? um movimento interno s instituies, movido pela prpria necessidade de organizar suas aes a partir de um processo mais reflexivo ou uma resposta a exigncias oficiais? E, mais: que novas configuraes vem tomando o planejamento pedaggico, no momento atual? A CONSTRUO DO PROJETO PEDAGGICO 4 Maria Roseli Gomes Brito de S5 Nesta nossa conversa, em atendimento solicitao feita pela coordenao deste Seminrio, tratarei do processo de construo do Projeto Pedaggico, em seus aspectos mais operacionais. Para tanto, organizei minha fala em torno das seguintes questes: 1. Por que o Projeto Pedaggico tem se constitudo numa das discusse