Material Didático Para Alunos Surdos - a Literatura Infantil Em Libras

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491 Revista Eletrônica de Educação, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experiência. ISSN 1982-7199. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. _________________________________________________________________________________ BASSO, Sabrina Pereira Soares; CAPELLINI, Vera Lúcia Messias Fialho. Material didático para alunos surdos: a literatura infantil em LIBRAS. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 491-512, nov. 2012. Disponível em http://www.reveduc.ufscar.br. MATERIAL DIDÁTICO PARA ALUNOS SURDOS: A LITERATURA INFANTIL EM LIBRAS Sabrina Pereira Soares Basso 1 ; Vera Lúcia Messias Fialho Capellini 2 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Bauru, Brasil Resumo A leitura de histórias é fundamental para o início do letramento das crianças, fazendo parte dos objetivos para toda a Educação Infantil. A roda da história ou sua contação é momento importante e de grande auxílio no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, inclusive da criança com deficiência. Buscando a acessibilidade comunicacional é que neste trabalho estabeleceu- se por objetivo tornar acessível, em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), a obra O Penuginha, de Luiz Vitor Martinello. Para viabilizar seu alcance foi considerado pertinente o desenvolvimento de estudo descritivo, seguindo a metodologia de pesquisa qualitativa, para o levantamento na literatura, sobre como ocorre a aprendizagem da língua portuguesa pelos alunos surdos. Este estudo resultou em DVD com a gravação de vídeos, com a tradução do livro em LIBRAS e sua narração em Português. Logo, esta pesquisa se faz relevante, pois o paradigma do século XXI é a inclusão de todas as pessoas nos diferentes cenários, e a escola é um dos primeiros lugares em que a eliminação de barreiras torna-se essencial. Palavras-chave: Acessibilidade; Surdez; Literatura infantil. DIDACTIC MATERIAL FOR DEAF STUDENTS: CHILDREN'S LITERATURE IN LIBRAS Abstract The storytelling is central to the early literacy of children, part of the objectives for the entire kindergarten. The story circle or storytelling is important and helpful in cognitive and emotional development of children, including the ones with disabilities. Seeking communicational accessibility, the aim of this work is 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, UNESP, Bauru. E- mail: [email protected] 2 Mestrado (2001) e Doutorado (2004) em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é Professora do Depto de Educação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da FC/UNESP- Bauru. E-mail: [email protected]

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    Revista Eletrnica de Educao, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experincia. ISSN 1982-7199. Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, Brasil.

    _________________________________________________________________________________ BASSO, Sabrina Pereira Soares; CAPELLINI, Vera Lcia Messias Fialho. Material didtico para alunos surdos: a literatura infantil em LIBRAS. Revista Eletrnica de Educao. So Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 491-512, nov. 2012. Disponvel em http://www.reveduc.ufscar.br.

    MATERIAL DIDTICO PARA ALUNOS SURDOS: A LITERATURA INFANTIL

    EM LIBRAS

    Sabrina Pereira Soares Basso1; Vera Lcia Messias Fialho Capellini2

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho UNESP/Bauru, Brasil

    Resumo A leitura de histrias fundamental para o incio do letramento das crianas, fazendo parte dos objetivos para toda a Educao Infantil. A roda da histria ou sua contao momento importante e de grande auxlio no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianas, inclusive da criana com deficincia. Buscando a acessibilidade comunicacional que neste trabalho estabeleceu-se por objetivo tornar acessvel, em Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS), a obra O Penuginha, de Luiz Vitor Martinello. Para viabilizar seu alcance foi considerado pertinente o desenvolvimento de estudo descritivo, seguindo a metodologia de pesquisa qualitativa, para o levantamento na literatura, sobre como ocorre a aprendizagem da lngua portuguesa pelos alunos surdos. Este estudo resultou em DVD com a gravao de vdeos, com a traduo do livro em LIBRAS e sua narrao em Portugus. Logo, esta pesquisa se faz relevante, pois o paradigma do sculo XXI a incluso de todas as pessoas nos diferentes cenrios, e a escola um dos primeiros lugares em que a eliminao de barreiras torna-se essencial. Palavras-chave: Acessibilidade; Surdez; Literatura infantil. DIDACTIC MATERIAL FOR DEAF STUDENTS: CHILDREN'S LITERATURE

    IN LIBRAS Abstract The storytelling is central to the early literacy of children, part of the objectives for the entire kindergarten. The story circle or storytelling is important and helpful in cognitive and emotional development of children, including the ones with disabilities. Seeking communicational accessibility, the aim of this work is

    1 Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia, UNESP, Bauru. E-mail: [email protected] 2 Mestrado (2001) e Doutorado (2004) em Educao Especial pela Universidade Federal de So Carlos. Atualmente Professora do Depto de Educao e do Programa de Ps-graduao em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da FC/UNESP- Bauru. E-mail: [email protected]

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    Revista Eletrnica de Educao, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experincia. ISSN 1982-7199. Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, Brasil.

    _________________________________________________________________________________ BASSO, Sabrina Pereira Soares; CAPELLINI, Vera Lcia Messias Fialho. Material didtico para alunos surdos: a literatura infantil em LIBRAS. Revista Eletrnica de Educao. So Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 491-512, nov. 2012. Disponvel em http://www.reveduc.ufscar.br.

    to make the book "O Penuginha" by Luiz Vitor Martinello available in LIBRAS (Brazilian Sign Language). To facilitate the achievement of this objective, it was considered appropriate to develop a descriptive study following the methodology of qualitative research, to search for literature on how learning takes place in the Portuguese language by deaf students. This study resulted in a DVD with video recordings, the translation of the book "O Penuginha" in LIBRAS and the narration of the book in Portuguese. Therefore, this research is relevant because the paradigm of the twenty first century is the inclusion of all people in different scenarios and the school is one of the first places where the removal of barriers is essential. Keywords: Accessibility; Deafness, Children's literature. MATERIAL DIDTICO PARA ALUNOS SURDOS: A LITERATURA INFANTIL

    EM LIBRAS Introduo

    Pensando em aspectos da Educao Inclusiva na atualidade, dois princpios so bsicos para se refletir sobre as questes relativas ao acesso e permanncia, com sucesso, de pessoas com deficincias sensoriais, intelectuais e fsicas, com altas habilidades e/ou transtornos globais do desenvolvimento no ensino brasileiro: o de universalizao e o de democratizao. Esses princpios encontram-se nas leis do pas, especificamente na conveno sobre os direitos das pessoas com deficincia (BRASIL, 2009a), que trouxe novo paradigma para a educao no Brasil.

    A universalizao e a democratizao das oportunidades precisam ser pensadas de forma real, sem protecionismos, nem atos paternalistas, mas respeitando, de fato, as diferenas. No se trata de facilitar as condies de acesso educao, sade e moradia, mas de oferecer condies de igualdade. Pensar dessa forma acreditar no potencial e na capacidade de aprender e produzir conhecimentos, de pessoas com diferentes formas de se relacionar com o mundo e com o saber; admitir, concretamente, a existncia do princpio da universalizao.

    Oferecer condies de igualdade questo complexa, entretanto, quando se trata de refletir sobre a ampliao das garantias legais e reais de acesso das pessoas com deficincia escola comum, de forma justa e democrtica, preciso, ainda, superar grande abismo criado historicamente no imaginrio coletivo da populao em geral e, mais precisamente, no meio acadmico, que possui significativos receio e resistncia incluso dessas pessoas nesse espao restrito a um grupo privilegiado do pas.

    Neste sentido, a universidade possui papel relevante na busca da reconstruo desse imaginrio, numa perspectiva mais crtica e pautada em outros princpios como o da democratizao das oportunidades e

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    possibilidades de superao das dificuldades. possvel enxergar-se um sujeito pleno de potenciais e possibilidades de romper com as limitaes para superar esse paradigma fatdico e excludente.

    Neste caso, a Universidade e as demais Instituies de Ensino Superior precisam aprender, com a convivncia, por meio de um processo interativo, a trabalhar com a deficincia. No se concebe mais reconhecer o direito igualdade de oportunidades, apenas criando alternativas pedaggicas adequadas e distintas que equiparem as condies de pessoas que no se encontram em condies de deficincia com as que as apresentam. A permanncia, com sucesso, do aluno na escola implica a possibilidade de usufruir dos equipamentos e condies necessrias equiparao das condies oferecidas aos demais alunos.

    Neste cenrio, h um currculo da escola brasileira, cujos documentos oficiais, tais como Referencial Curricular Nacional, para a Educao Infantil (RCNei), e Parmetros Curriculares Nacionais - Lngua Portuguesa (PCN), para o Ensino Fundamental, destacam a importncia da Roda da histria, ou seja, um momento para que o professor leia histrias aos seus alunos. Alm disso, a leitura de histrias um dos aspectos fundamentais para o incio do letramento das crianas, constituindo-se em um dos objetivos para toda a Educao Infantil.

    tambm o trabalho com leitura e interpretao de histrias que contribui para o desenvolvimento cognitivo e biopsicossocial, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem, j que as crianas passam a vivenciar os contedos atitudinais discutindo/discernindo as regras do mundo dos adultos, aprendendo a agir adequadamente s exigncias sociais cotidianas de cada grupo em que elas se inserem.

    Como se pode inferir, a roda da histria ou sua contao momento importante e de grande auxlio no desenvolvimento, inclusive da criana com necessidades especiais.

    Surge, ento, um questionamento inquietante: se a roda de histria importante para o desenvolvimento cognitivo e emocional de toda criana, como proporcionar o momento de contao para o aluno surdo?

    Nessa perspectiva, estabeleceu-se como objetivo construir um material didtico para alunos surdos em processo de alfabetizao, mediante a traduo para Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) do livro O Penuginha, de Luiz Vitor Martinello (1985). Assim, esta pesquisa faz-se relevante, pois o paradigma do sculo XXI a incluso de todas as pessoas nos diferentes grupos sociais, e a escola um dos primeiros lugares em que a eliminao de barreiras torna-se essencial (MENDES, 2006).

    Acrescenta-se, ainda, que, de um lado, a universidade como instituio de pesquisa e reflexo deve ser um espao para viabilizar alternativas, propiciando incluso escolar com responsabilidade para todos os alunos que apresentam algum tipo de deficincia. Por outro lado, tambm deve garantir a acessibilidade desses alunos eliminao de barreiras nos aspectos

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    Revista Eletrnica de Educao, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experincia. ISSN 1982-7199. Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, Brasil.

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    atitudinal, comunicacional, arquitetnico, instrumental, metodolgico e programtico.

    Dentre os nveis de acessibilidade mencionados, o comunicacional destaca-se como um dos mais importantes no processo educacional do aluno com surdez. Por esses motivos, dentre outros, neste trabalho enfocam-se tpicos do processo de ensino-aprendizagem da lngua portuguesa para alunos das sries iniciais do ensino fundamental.

    Outro aspecto a se considerar na elaborao deste estudo o fato de a literatura sobre deficincia/incluso diferenciar o aluno com deficincia auditiva do surdo: o que apresenta deficincia auditiva corresponde quele que tem perda leve ou moderada de audio, enquanto o surdo, quele com perda severa e profunda. Neste trabalho, opta-se por utilizar a terminologia aluno surdo, referindo-se tanto ao aluno com deficincia auditiva quanto ao aluno surdo propriamente dito, sem entrar no mrito do debate conceitual.

    Por que o aluno surdo?

    Antes de qualquer discusso, necessrio esclarecer quem, neste trabalho, foi considerado como aluno deficiente auditivo/surdo e por que razo esse aluno foi o foco.

    O Decreto n 3.298/1999 (BRASIL, 1999), no artigo 4, segundo pargrafo, considera: II - deficincia auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequncias de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz.

    De acordo com Martins e Giroto (2004, p. 2), as alteraes auditivas podem ser classificadas, baseando-se na poca do acometimento, instalao da alterao, localizao e grau de comprometimento. Logo, no h um tipo apenas de deficiente auditivo, e esse ponto deve ser levado em considerao quando da educao desse aluno (TORRES, MAZZONI e MELLO, 2007).

    A comunidade surda esclarece que por no se tratar necessariamente de uma perda, mas de uma diferena, que muitos surdos, especialmente os congnitos, no tm a sensao de perda auditiva (SALLES, FAUSTICH e CARVALHO, 2004, p. 37).

    Assim, o material didtico confeccionado foi pensado para abarcar o aluno surdo, pois faz uso da linguagem de sinais e tambm da narrao, permitindo que a acuidade auditiva, ainda presente, seja utilizada. Alm disso, sendo a histria tambm narrada, esse material torna-se acessvel para alunos cegos. Voltou-se, no entanto, o foco do trabalho para o aluno surdo, porque:

    Infelizmente, grande parte dos alunos surdos, frequentadores de classe inclusiva, no ensino regular, no tem acesso aos conhecimentos valorizados culturalmente pela escola, pelo fato de no terem se apropriado de um sistema lingustico, seja

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    este auditivo-verbal ou gesto-visual, no caso de uma lngua de sinais (MARTINS e GIROTO, 2011, p. 3).

    Ainda, Salles, Faustich e Carvalho (2004, p. 57) destacam que o

    fracasso escolar dos alunos surdos resultado de uma srie de fatores que tm em comum o fato de o surdo ser condicionado a superar a deficincia, buscando tornar-se igual.

    Aliado a isso, salienta-se o fato de os alunos surdos serem tardiamente ensinados a utilizar a Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para se comunicarem, pois, na maioria dos casos, nascem em uma famlia de ouvintes que no conhecem a LIBRAS e, ao diagnosticar a surdez da criana, param at mesmo de conversar com ela, no estimulando a leitura labial e o fortalecimento dos laos familiares (DORZIAT, 1999).

    E, ainda,

    [...] pode-se verificar que o uso de uma lngua, mesmo que na modalidade viso-espacial, confere ao indivduo o acesso a todos os recursos que a linguagem pode proporcionar, isto , a organizao do pensamento, a capacidade de lidar com coisas e fatos mesmo distncia, a habilidade de abstrair e manusear smbolos e finalmente de se comunicar com outras pessoas, estabelecendo uma vida social e poltica sem restries (BANDINI, OLIVEIRA e SOUZA, 2006, p. 52).

    Logo, optou-se pela construo do material didtico utilizando

    LIBRAS no s por ser acessvel ao aluno que tem o domnio dessa lngua, mas tambm para auxiliar queles que esto aprendendo a LIBRAS.

    Ainda, preciso esclarecer que h trs tendncias na educao do surdo: educao oral, comunicao total e utilizao das lnguas nacionais de sinais (DORZIAT, 1999; PEREIRA, 2005; BANDINI, OLIVEIRA e SOUZA, 2006). Para melhor compreenso, Martins e Giroto (2011, p. 8-9) explicitam as ideias centrais de cada uma dessas tendncias terico-filosficas:

    O Oralismo, que defende o uso exclusivo da lngua oral na interao surdos/ouvintes, enfatiza a importncia do uso de habilidades auditivas como pr-requisitos para o desenvolvimento da linguagem, pois seus precursores propem um trabalho intensivo de estimulao auditiva, o qual deve iniciar-se o mais cedo possvel na vida da criana surda. A abordagem da Comunicao Total, que apresenta como proposta a valorizao dos mais variados recursos que podem facilitar o acesso do surdo linguagem oral e escrita, prope prticas bimodais/simultneas, das quais fazem parte sinais e fala, possibilitando ao surdo o acesso mais fcil s modalidades oral e escrita da lngua majoritria. [...] a filosofia de educao bilngue tem proposto o acesso da criana a duas lnguas: a de sinais e a oficial do pas, neste

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    Revista Eletrnica de Educao, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experincia. ISSN 1982-7199. Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, Brasil.

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    caso na modalidade escrita. Contrria filosofia da Comunicao Total, nesta viso, ambas as lnguas no podem ser usadas simultaneamente pelo fato de possurem estruturas diferentes. Seus proponentes concebem os sinais como a lngua natural dos surdos (MOURA, 1993), sendo que estes so considerados como pertencentes, na maioria dos casos, a uma comunidade distinta daquela a que pertencem os ouvintes.

    No sero discutidas as vantagens e desvantagens dessas

    tendncias, pois demandam anos de observaes de cada uma dessas metodologias, bem como de estudos tericos mais aprofundados. Entretanto, Salles, Faustich e Carvalho (2004) e Pereira (2005) optam pela educao bilngue, sendo a lngua de sinais a lngua materna do aluno surdo. Por serem obras publicadas em parceria com o Ministrio da Educao e a Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, respectivamente, optou-se por seguir a mesma concepo na confeco do material elaborado. Que acessibilidade?

    Um dos primeiros conceitos essenciais pesquisa foi o de acessibilidade, pois se pretendeu abordar a importncia do acesso a materiais didticos na aprendizagem do aluno surdo.

    A acessibilidade definida como possibilidade e condies de alcance para utilizao, com segurana e autonomia, dos espaos, mobilirio e equipamentos urbanos, das edificaes, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicao por pessoas portadoras de deficincia ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 1994; 1998a).

    Entretanto, a acessibilidade no deve ser vista apenas em uma dimenso. De acordo com Sassaki (2005, p. 22-23), h seis dimenses de acessibilidade: arquitetnica, comunicacional, metodolgica, instrumental, programtica e atitudinal. O foco desta pesquisa foram as acessibilidades comunicacional e instrumental, ou seja:

    Acessibilidade comunicacional, sem barreiras na comunicao interpessoal (face a face, lngua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual, etc.), na comunicao escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila, etc., incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa viso, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicao virtual (acessibilidade digital). Acessibilidade instrumental, sem barreiras nos instrumentos e utenslios de estudo (lpis, caneta, transferidor, rgua, teclado de computador, materiais pedaggicos), de atividades da vida diria (tecnologia assistiva para comunicar-se, fazer a higiene pessoal, vestir, comer, andar, tomar banho, etc.) e de lazer,

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    esporte e recreao (dispositivos que atendam s limitaes sensoriais, fsicas e mentais, etc.).

    O material produzido trabalhou com esses dois tipos de

    acessibilidade por focarem atos ou instrumentos presentes na sala de aula, ou seja, a comunicao do professor com o aluno surdo e os materiais didticos e paradidticos utilizados.

    Logo, proporcionar a acessibilidade dos alunos com necessidades educacionais especiais um dos modos de promover sua incluso escolar. Essa incluso faz-se necessria, pois:

    O ser humano um ser de necessidades, que s so satisfeitas socialmente nas relaes que as determinam. O sujeito um sujeito produzido em uma prtica social. No h nada que no seja produto das interaes entre indivduos, grupos e classes. Ou seja, toda essncia subjetiva deve ser considerada como a interao entre sujeitos e objetos externos e internos, numa permanente inter-relao dialtica (ALVES, 2003, p. 4).

    Ao proporcionar ao aluno surdo acessibilidade comunicacional e

    instrumental, possibilita-se o acesso a uma cultura que, em muitos casos, estranha a ele, justamente por no poder, devido deficincia auditiva, compartilhar de uma sociedade baseada na viso e na audio.

    Entretanto, equivocado pensar que os surdos no possam se comunicar ou no possuam uma lngua, uma vez que a comunidade surda possui seu modo de se comunicar: a lngua de sinais.

    As lnguas de sinais so consideradas lnguas naturais e, consequentemente, compartilham uma srie de caractersticas que lhes atribui carter especfico e as distingue dos demais sistemas de comunicao. As lnguas de sinais so, portanto, consideradas pela lingustica como lnguas naturais, ou como um sistema lingustico legtimo e no como um problema de surdo ou como uma patologia da linguagem (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 30).

    No entanto, como destacam Torres, Mazzoni e Mello (2007), no

    so todos os alunos surdos que tiveram acesso a LIBRAS e puderam apreend-la; muitas vezes, somente quando chegam escola que a aprendero. Logo, a educao do aluno surdo deve ser uma educao bilngue, ou seja, em LIBRAS, sua lngua materna, e em Portugus, a lngua da sociedade em que esse aluno est inserido.

    Recomenda-se que a educao dos surdos seja efetivada em lngua de sinais, independentemente dos espaos em que o processo se desenvolva. Assim, paralelamente s disciplinas

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    _________________________________________________________________________________ BASSO, Sabrina Pereira Soares; CAPELLINI, Vera Lcia Messias Fialho. Material didtico para alunos surdos: a literatura infantil em LIBRAS. Revista Eletrnica de Educao. So Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 491-512, nov. 2012. Disponvel em http://www.reveduc.ufscar.br.

    curriculares, faz-se necessrio o ensino de lngua portuguesa como segunda lngua, com a utilizao de materiais e mtodos especficos no atendimento s necessidades educacionais do surdo. Nesse processo, cabe ainda considerar que os surdos se inserem na cultura nacional, o que implica que o ensino da lngua portuguesa deve contemplar temas que contribuem para a afirmao e ampliao das referncias culturais que os identificam como cidados brasileiros (SALLES, FAUSTICH e CARVALHO, 2004, p. 47).

    O Decreto n 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005),

    ressalta que a lngua portuguesa a segunda lngua do aluno surdo e que o ensino dessa modalidade escrita, enquanto segunda lngua, deve ser includo como disciplina curricular nos cursos de formao de professores para educao infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

    O letramento , portanto, condio e ponto de partida na aquisio da lngua oral pelo surdo, o que remete ao processo psicolingustico da alfabetizao e explicitao e construo das referncias culturais da comunidade letrada. Essa tarefa , porm, menos rdua se a modalidade escrita da lngua oral adquirida como L2, sendo a lngua de sinais adquirida como L1, cabendo desenvolver estratgias de ensino que levem em considerao a situao psicossocial do surdo, em particular sua condio multicultural (SALLES, FAUSTICH e CARVALHO, 2004, p. 77-78).

    Cabe destacar a importncia da LIBRAS para que o aluno surdo

    tenha acesso cultura escolar, cultura essa baseada na modalidade escrita do Portugus. Ora, para que esse aluno constitua-se como sujeito, de acordo com Vigotski (1997) e Alves (2003), necessrio que ele tenha acesso comunicao utilizada pela sociedade em que est inserido.

    Ao se deparar com essas discusses, construiu-se, ento, um material que utilizasse a LIBRAS e a lngua portuguesa escrita para auxiliar na educao bilngue.

    A importncia da roda de histria

    A sala de aula dos anos iniciais do ensino fundamental deve

    estimular o gosto pela escrita e pela leitura. Para tanto, os professores fixam cartazes nas paredes com o alfabeto, cantigas de rodas e parlendas, sempre muito coloridos e com vrias imagens, tornando o ambiente alegre e agradvel.

    Em muitos casos, observa-se a presena dos cantinhos, ou seja, locais preparados para determinadas atividades da rotina da classe. Um dos cantinhos o da leitura, cujo espao deve dispor, nos ciclos iniciais, de um acervo de classe com livros e outros materiais de leitura (BRASIL, 1997, p. 43). Logo, o livro de histrias infantis torna-se o protagonista desse espao.

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    Alm do cantinho da leitura, importante que o professor conte histrias para seus alunos. Para Bettlelheim (2007, p. 80), mediante as histrias infantis que a criana passa a entender o mundo dos adultos, pois as histrias trazem informaes que falam a ambas as partes da personalidade nascente da criana, a racional e a emocional.

    Abramovich (1995, p. 16) refora esse ponto de vista, ressaltando que ouvir histrias importante para a formao de qualquer criana, pois escut-las o incio da aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor ter um caminho absolutamente infinito de descobertas e de compreenso do mundo.

    J Carvalho (2009, p. 14) afirma que com a literatura infantil e a contao de histrias em sala de aula, a criana estabelece referenciais importantes ao seu desenvolvimento cognitivo e emocional, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem.

    Em relao aos documentos oficiais, o RCNei sugere que a roda da histria seja atividade permanente na rotina do educando, por responder s necessidades bsicas de cuidados, aprendizagem e de prazer para as crianas, cujos contedos necessitam de uma constncia (BRASIL, 1998b, p. 55).

    Alm disso, a leitura de histrias fundamental para o incio do letramento das crianas, sendo um dos objetivos para toda a Educao Infantil, como destaca o terceiro volume do RCNei. Este documento tambm ressalta que:

    [...] alm da conversa constante, o canto, a msica e a escuta de histrias tambm propiciam o desenvolvimento da oralidade. A leitura pelo professor de textos escritos, em voz alta, em situaes que permitem a ateno e a escuta das crianas, seja na sala, no parque debaixo de uma rvore, antes de dormir, numa atividade especfica para tal fim, etc., fornece s crianas um repertrio rico em oralidade e em sua relao com a escrita (BRASIL, 1998b, p. 135).

    Essas concepes so reforadas nos anos iniciais do Ensino

    Fundamental pelos PCN de Lngua Portuguesa, quando prescrevem:

    Na escola, uma prtica de leitura intensa necessria por muitas razes. Ela pode: ampliar a viso de mundo e inserir o leitor na cultura letrada; estimular o desejo de outras leituras; possibilitar a vivncia de emoes, o exerccio da fantasia e da imaginao; permitir a compreenso do funcionamento comunicativo da escrita: escreve-se para ser lido; expandir o conhecimento a respeito da prpria leitura; aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares condio para a leitura fluente e para a produo de textos; possibilitar produes orais, escritas e em outras linguagens;

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    Revista Eletrnica de Educao, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experincia. ISSN 1982-7199. Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, Brasil.

    _________________________________________________________________________________ BASSO, Sabrina Pereira Soares; CAPELLINI, Vera Lcia Messias Fialho. Material didtico para alunos surdos: a literatura infantil em LIBRAS. Revista Eletrnica de Educao. So Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 491-512, nov. 2012. Disponvel em http://www.reveduc.ufscar.br.

    informar como escrever e sugerir sobre o que escrever; possibilitar ao leitor compreender a relao que existe entre a fala e a escrita; favorecer a estabilizao de formas ortogrficas. Uma prtica intensa de leitura na escola , sobretudo, necessria, porque ler ensina a ler e a escrever (BRASIL, 1997, p. 47).

    Bandini, Oliveira e Souza (2006, p. 55-56) demonstram que a

    contao de histrias tambm auxilia na aquisio da escrita pelas crianas surdas:

    [...] mesmo crianas surdas quando expostas a uma lngua e a material letrado tm comportamentos de futuros leitores. Este fato sugere que investimentos em programas de Educao Infantil dentro de uma perspectiva escolar, voltada para o contato com material letrado, podem ser efetivos em auxiliar crianas surdas usurias de LIBRAS a verem-se como futuros leitores e escritores, e facilitar o processo de aquisio de leitura e escrita, mesmo quando elas so provenientes de classes sociais mais baixas, filhas de pais semialfabetizados.

    Ou seja, no importa se a crianas surda ou ouvinte, a contao de histrias um dos fatores fundamentais em sua educao e estimula a leitura e a escrita.

    A alfabetizao de crianas surdas

    Diversas so as teorias que explicam como a criana aprende a

    escrever e vrios so os mtodos que podem ser utilizados. Entretanto, nos artigos disponveis em sites como Scielo e Portal de Peridicos da CAPES, so utilizados apenas os estudos de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky para explicar a alfabetizao do aluno surdo. Por essa razo, neste trabalho destacam-se as explicaes dessa estudiosa da alfabetizao e letramento, j que o foco no apresentar o melhor mtodo, e sim o que vem sendo abordado na literatura existente sobre a alfabetizao dos alunos surdos.

    O aluno ouvinte, em processo de alfabetizao, baseia-se no som das palavras para poder escrev-las. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1985), a criana passa por etapas durante o processo de aquisio da escrita, sendo caracterizados quatro grandes nveis: pr-silbico, silbico, silbico- alfabtico e alfabtico.

    Segundo essas autoras, no nvel pr-silbico, observa-se a presena de produes grficas em que no existe correspondncia entre grafia e som. A criana no demonstra preocupao em diferenciar critrios para sua produo, construindo a partir de traos idnticos garatujas ou grafismos primitivos. nessa fase, tambm, que ela utiliza muitas letras para simbolizar objetos grandes, e poucas para pequenos.

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    _________________________________________________________________________________ BASSO, Sabrina Pereira Soares; CAPELLINI, Vera Lcia Messias Fialho. Material didtico para alunos surdos: a literatura infantil em LIBRAS. Revista Eletrnica de Educao. So Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 491-512, nov. 2012. Disponvel em http://www.reveduc.ufscar.br.

    O nvel silbico caracteriza-se por a criana representar graficamente a linguagem oral; ela comea a relacionar o que escreve com as slabas das palavras faladas que deseja representar. Entretanto, com seu conhecimento prvio, s vezes precrio sobre o material escrito, utiliza-se de letras que podem no representar os respectivos sons.

    J no nvel silbico-alfabtico, a criana percebe que existe uma representao grfica correspondente a cada som, ou seja, percebe a relao entre grafema e fonema.

    Por ltimo, a criana chega ao nvel alfabtico, em que estabelece mais firmemente sua percepo sobre a relao entre grafia e som.

    Simes (2000) tambm refora esse aspecto: ela j consegue aceitar que a slaba composta de letras, que devem ser representadas distintamente, e se torna capaz de perceber outras caractersticas da comunicao grfica, tais como diferenas entre letras, slabas, palavras e frases.

    J o aluno surdo no ter a palavra falada para se apoiar. De acordo com Lacerda (2000), Salles, Faustich e Carvalho (2004), Dizeu e Caporali (2005), Pereira (2005), Bandini, Oliveira e Souza (2006), Peixoto (2006) e Arajo e Lacerda (2008), o aluno surdo tambm se desenvolver nesses quatro grandes nveis, porm, ele se apoiar na linguagem de sinais.

    Considerando-se que a lngua de sinais preenche as mesmas funes que as lnguas orais desempenham para os ouvintes, ela que vai propiciar aos surdos a constituio de conhecimento de mundo e da lngua que vai ser usada na escrita, tornando possvel a eles entender o significado do que lem, deixando de ser meros decodificadores da escrita (PEREIRA, 2005, p. 27). [...] as crianas surdas vivenciam um processo de (re) construo da escrita que, em muitos aspectos, semelhante ao que vivido pela criana ouvinte; ou seja, caminham de uma perspectiva inicial mais subjetiva, na qual a escrita no representa o nome das coisas e sim as prprias coisas, evoluindo para uma compreenso de escrita como representao da linguagem (PEIXOTO, 2006, p. 211).

    Aliado a esses estudos, o Governo Federal sancionou a Lei

    Federal n 10.436, de 24 de abril de 2002, em que reconhecido o Estatuto da Lngua Brasileira de Sinais como lngua oficial da comunidade surda, com implicao para sua divulgao e ensino, para o acesso bilngue informao em ambientes institucionais e para a capacitao de profissionais que trabalham com os surdos (SALLES, FAUSTICH e CARVALHO, 2004, p. 62). Alm disso, necessrio que a escola compreenda que o aluno surdo tem um aprendizado diferenciado do aluno ouvinte:

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    [...] alfabetizao de crianas surdas enquanto processo s faz sentido se acontece na Lngua de Sinais Brasileira (LSB), a lngua que deve ser usada na escola para aquisio da lngua, para aprender atravs dessa lngua e para aprender sobre a lngua (QUADROS, 2000, p. 55).

    Logo, cabe escola possibilitar o acesso a LIBRAS e a materiais

    didticos que se utilizem da lngua de sinais para que o aluno surdo tambm possa se desenvolver como o aluno ouvinte.

    Por muito tempo, a escola ignorou as especificidades dos alunos surdos e insistiu em trabalhar com eles da mesma forma que com os ouvintes. [...] Embora a oralidade no seja condio indispensvel para a leitura e a escrita, esperado que a criana ouvinte se apoie em suas habilidades orais para construir suas hipteses sobre a leitura e a escrita; a criana surda vai usar, na construo de suas hipteses sobre a leitura e a escrita, suas habilidades visuais. A criana surda v palavras no papel e constri visualmente suas hipteses sobre a escrita. Neste processo ela pode, assim como a criana ouvinte que soletra enquanto l, fazer uso do alfabeto digital (PEREIRA, 2005, p. 23).

    A importncia do acesso de crianas surdas, em fase de

    alfabetizao, a livros de histrias traduzidos para LIBRAS foi estudada por Bandini, Oliveira e Souza (2006). Essas autoras acompanharam sete crianas surdas, com idade entre seis e sete anos, trabalhando com a traduo de histrias infantis clssicas, tais como Os Trs Porquinhos e Chapeuzinho Vermelho, e avaliando essas crianas no incio e ao final do trabalho de contao de histrias.

    Ao final do estudo, elas demonstraram que, alm de a aquisio da escrita em crianas surdas e ouvintes ser semelhante, o contato com o material escrito, no caso as histrias, de extrema importncia para a aquisio de leitura e escrita, ressaltando a necessidade de, cada vez mais, os materiais voltados para alfabetizao de alunos surdos serem traduzidos em LIBRAS.

    Ao se referir educao de surdos na Sucia, Svartholm (2003) destaca a importncia de se ler para as crianas surdas, desde a idade pr-escolar. Pode-se contar uma histria em Lngua de Sinais e mostrar a escrita e as imagens para que as crianas relacionem o contedo com o escrito, ainda que no sejam capazes de ler sozinhas. Quando comeam a ler, as crianas leem o texto junto com seus professores e explicam seus contedos na Lngua de Sinais. Tambm Tovar (2000), linguista colombiano e pesquisador na rea da surdez, enfatiza a importncia de se possibilitar condies para que a criana surda tenha conscincia da utilidade e do prazer da lngua

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    escrita. [...] Para o mesmo autor, a leitura a principal fonte de informao para a criana surda adquirir a linguagem escrita. A nfase deve estar em ler, no em ensinar a ler (PEREIRA, 2005, p. 28).

    Entretanto, o acesso no deve ser facilitado apenas para histrias

    escritas em lngua portuguesa e traduzidas para a LIBRAS, mas tambm para histrias produzidas por surdos e para surdos.

    Duas chaves preciosas desse processo [de alfabetizao] so o relato de histrias e a produo de literatura infantil em sinais. [...] A produo de contadores de histrias espontneas e de contos que passam de gerao em gerao so exemplos de literatura em sinais que precisam fazer parte do processo de alfabetizao de crianas surdas (QUADROS, 2000, p. 58).

    Portanto, quando foi pensada a confeco do material didtico

    apresentado, o foco foi a alfabetizao. Como destacado anteriormente, de extrema importncia que os alunos surdos tenham acesso s histrias infantis em LIBRAS, sem deixar de lado a palavra escrita, para que o aluno se alfabetize em Lngua Portuguesa tambm.

    Metodologia

    Para viabilizar o alcance do objetivo proposto neste trabalho construir um material didtico para alunos surdos em fase de alfabetizao foi considerado pertinente o desenvolvimento de um estudo descritivo, seguindo a metodologia de pesquisa qualitativa, para o levantamento na literatura sobre como ocorre a aprendizagem da lngua portuguesa pelos alunos surdos.

    Trivinos, citado por Beuren (2003, p. 81), esclarece que o estudo descritivo exige da parte do pesquisador uma delimitao precisa de tcnicas, mtodos, modelos e teorias que orientam a coleta e a interpretao de dados, cujo objetivo conferir validade cientfica pesquisa.

    Para Gil (1999, p. 44), as pesquisas descritivas tm como objetivo primordial a descrio das caractersticas de determinada populao ou fenmeno ou o estabelecimento de relaes entre variveis.

    Aps o estudo na literatura sobre a alfabetizao de alunos surdos e a viabilidade de se utilizar a contao de histrias em LIBRAS para auxiliar na alfabetizao, foi confeccionado um DVD.

    Desenvolvimento do produto

    Antes da descrio sobre como o DVD foi elaborado, necessrio relatar todos os percalos para a escolha do livro.

    Livros traduzidos para a Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) no so novidade editorial, apesar de no serem amplamente divulgados. As

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    editoras Arara Azul e Ciranda Cultural j possuem, entre suas publicaes, livros voltados criana surda. A editora Arara Azul optou por traduzir os clssicos mundiais, como Peter Pan, Dom Quixote. Aladim e, mais recentemente, clssicos brasileiros, Iracema de Jos de Alencar, A cartomante e O Alienista, entre outras obras de Machado de Assis.

    J a editora Ciranda Cultural criou suas prprias histrias, publicadas em uma srie de dez livros denominada Ciranda da Diversidade. Essas obras esto disponveis tanto na verso impressa quanto em CD, abrangendo traduo em LIBRAS e narrao da histria.

    Todavia, devido experincia pessoal sobre contao de histrias para crianas que esto sendo alfabetizadas, questionou-se por que no havia a traduo de livros de autores brasileiros que se dedicam a escrever para crianas, tais como Ruth Rocha, Tatiana Belinky e Ziraldo. Alm disso, quando foi analisada a lista dos acervos complementares enviados s escolas pblicas, deparou-se com o fato de que so esses os autores citados e recomendados (BRASIL, 2009).

    Pensou-se, ento, em tornar acessvel em LIBRAS o CD Mil Pssaros, do selo Palavra Cantada e os livros de Ruth Rocha, narrados pela prpria autora, que se encontram nesse mesmo CD. Entrou-se em contato com a editora Moderna, para que pudesse informar quais os procedimentos legais em relao aos direitos autorais, j que seriam utilizados os textos e as imagens publicados por essa editora. Contudo, a autora no autorizou a utilizao de nenhuma de suas histrias.

    Frente a essa negativa, o segundo autor a ser procurado foi Ziraldo, devido sua coleo Corpim, em que diversas partes do corpo humano ganham vida e expem seus sentimentos. Foi realizado contato inicial com a editora Melhoramentos, responsvel pela publicao dos livros do referido autor; esta comunicou que s poderiam ser utilizadas partes das histrias e no as histrias como um todo.

    Foi, ento, que surgiu o nome do autor bauruense, Luiz Vitor Martinello (1985), amplamente lido nas escolas municipais da cidade de Bauru. Este autor foi contatado via e-mail e, prontamente, respondeu que seus dois livros infanto-juvenis, O Penuginha e O sapato que sabia andar, estavam disponveis para traduo. Optou-se por traduzir apenas O Penuginha, por ser um livro mais adequado para a faixa etria qual o material se destina. Porm, pretende-se, em futuro breve, traduzir tambm O sapato que sabia andar.

    O material confeccionado foi baseado no modelo realizado pelas editoras Arara Azul e Ciranda Cultural, a saber: a pgina do livro, com ilustrao, e a histria escrita, com o intrprete traduzindo a histria (Figura 1).

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    Figura 1 Livro em CD-ROM da editora Arara Azul

    Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

    Aps definido o livro, a segunda etapa foi encontrar um intrprete

    de LIBRAS, para auxiliar em sua traduo. Esta foi realizada por uma profissional com experincia de tradues em igrejas, cmaras municipais e eventos oficiais, que aceitou participar do projeto e ser filmada, realizando a traduo, conforme consta da aprovao pelo Comit de tica da Universidade, assim como a participao de um pedagogo para a elaborao dos vdeos.

    Discutiu-se com a intrprete qual a melhor maneira de realizar essa traduo. Chegou-se a consenso de que o modo como foi feito pelas editoras citadas no alcanaria o objetivo maior, ou seja, auxiliar na alfabetizao, pois o aluno deter-se-ia mais na imagem do que nos sinais e em sua relao com o texto. Optou-se pelo foco na intrprete, ou seja, apenas na imagem dela, com o texto como legenda e a narrao, sendo que as ilustraes seriam mostradas no vdeo, de acordo com o desenrolar da histria, ocupando toda a tela, no dividindo o espao e a ateno do aluno com a imagem da intrprete.

    Para que a confeco do material possa ser mais bem compreendida, a seguir, est descrita detalhadamente cada uma das etapas.

    1) Escaneamento das ilustraes

    Cada uma das ilustraes, totalizando treze imagens, foi escaneada separadamente, utilizando impressora multifuncional HP Photosmart C4200 series. Em seguida, foram editadas, utilizando-se o programa Microsoft Office Picture Manager, recortando as margens e melhorando sua resoluo para que as ilustraes se tornassem o mais visvel possvel.

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    2) Adaptao da histria

    Como discutido anteriormente, a LIBRAS uma lngua natural, logo, quando realizada a traduo do Portugus para LIBRAS, so necessrias adaptaes.

    A primeira etapa dessa adaptao foi a criao de sinais para as personagens principais. Foram criados sinais para Penuginha, Pedro Ivo e Marlia.

    Alm disso, foram necessrias adaptaes da obra para que a traduo tivesse sentido e fluncia. Por exemplo:

    Texto em portugus: Curtia noites de insnia, tecendo com Marlia idlios amorosos: ela, deitando-se na relva, dentes alvos, se rindo para ele.

    Texto em LIBRAS: Ficar Pedro Ivo noite sonhar acordar junto Marlia deitad@ grama sorrir bonito.

    Ressalta-se novamente que so duas lnguas distintas, por isso a traduo no foi exata, tendo que ser realizada de modo que a histria tivesse sentido. 3) Gravao do vdeo

    Os vdeos foram gravados tendo a traduo da intrprete e a narrao em separado. A imagem da intrprete foi gravada com fundo verde, utilizando a filmadora Samsung SMX F53BN. O fundo verde foi empregado por duas razes: a primeira, para destacar os sinais feitos pela intrprete, que usa roupa preta para se diferenciar do fundo da filmagem (Figura 2); a segunda, para que as ilustraes do livro pudessem ser inseridas, posteriormente, por intermdio da tcnica de croma key.

    Figura 2 Imagem da gravao da intrprete com fundo verde

    Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

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    Quando da gravao das imagens, vrios vdeos foram gravados, pois, a cada erro ou interferncia externa, parava-se a filmagem e iniciava-se nova. Durante a gravao, esta autora narrava a histria para que a intrprete pudesse realizar os sinais. Nos momentos da histria em que as ilustraes foram inseridas, a intrprete parava de fazer os sinais por cinco segundos e depois a retomava do ponto em que havia parado. Terminada a gravao, os vdeos foram reunidos, de modo que a histria tivesse sequncia lgica e para que se mantivessem os espaos das imagens.

    4) Narrao

    A narrao foi gravada em estdio profissional e, enquanto ela foi gravada, a preocupao foi para que fala e vdeo coincidissem de forma precisa.

    Assim como na gravao da histria em LIBRAS, durante a gravao da narrao, quando do aparecimento das imagens, parava-se de narrar por cinco segundos, retomando a sequncia da histria, facilitando o momento de conciliar narrao e vdeo.

    Por se tratarem de duas lnguas, em vrios momentos, traduo e narrao no foram exatamente coincidentes, sendo que ora a fala foi maior, ora foi a traduo em LIBRAS. Entretanto, esses desencontros no so prejudiciais ao material, muito pelo contrrio, auxiliam professores e alunos ouvintes a compreenderem a diferena entre essas duas lnguas.

    5) Edio do material

    A edio do material, com a traduo de O Penuginha gravada em DVD, para veiculao tanto em computadores quanto em aparelho de DVD, conectados ao aparelho de televiso, foi dividida em quatro momentos:

    a) unio dos vrios vdeos gravados: para que a histria tivesse continuidade, cada vdeo foi recortado de modo que o final de um fosse o comeo de outro;

    b) insero da narrao: depois de os vdeos formarem uma nica histria, a narrao foi adicionada de forma que a traduo em LIBRAS e a narrao coincidissem o mximo possvel;

    c) insero das ilustraes: tanto durante a gravao do vdeo quanto da narrao, foram deixados espaos para que as imagens fossem inseridas. Esta insero foi facilitada pela presena do tecido verde ao fundo da cena em que figurava a intrprete;

    c) colocao das legendas: cada legenda teve que ser escrita em separado, o que demandou muito tempo, pois ela refletia o que estava sendo narrado. Alm disso, foi necessrio decidir qual tamanho de letra e que cor seriam mais adequadas. Optou-se pelo tamanho 40 e pela cor branca. Outra questo foi se o texto seria escrito todo em letra maiscula ou se seriam usadas letras maisculas e minsculas. Para no alterar o texto criado por

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    Martinello (1985), foi feita a escolha por redigir a legenda exatamente como est na obra.

    Todo este trabalho de edio foi auxiliado por um pedagogo, utilizando o programa Adobe Premiere CS5 e, para a gravao do DVD, o programa Adobe Encore CS5.

    Apresentao e discusso dos resultados

    O material didtico buscou a incluso do aluno surdo, pois, como

    j apresentado anteriormente, por meio da aquisio da leitura e da escrita da lngua portuguesa, ele poder compreender melhor a sociedade em que est inserido, podendo dela participar como cidado ativo.

    Reafirma-se que incluso no tema novo. De acordo com Mendes (2006), h mais de trinta anos ela discutida, primeiramente como integrao escolar e, depois, como incluso. Entretanto, ainda no se efetivou como deveria.

    Neste sentido, quando a incluso de alunos com necessidades especiais, as dificuldades tornam-se maiores, pois, como destacado por Pereira (2005, p. 23), a escola insiste em trabalhar como se as classes fossem homogneas, e cada aluno no apresentasse determinadas particularidades. Aliada a isso, h a falta generalizada tanto de recursos humanos e materiais, quanto didticos.

    Portanto, cabe Universidade pblica, sustentada pelo trip ensino-pesquisa-extenso, utilizar-se da pesquisa e da extenso como um dos modos para tentar suprir essa falta generalizada de recursos, produzindo materiais didticos. Quando foi pensada a confeco desse material, o foco foi proporcionar ao professor um recurso que pudesse auxili-lo em sala de aula.

    bvio que somente o material no suficiente para que a aula seja totalmente acessvel; necessria tambm a formao de profissionais qualificados. Porm, como a lei que determina que a LIBRAS faa parte do currculo da formao de professores recente (2002), ainda no se tem profissionais formados por esse novo currculo ocupando o cargo de professor de educao infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

    Logo, a disponibilizao de materiais didticos gratuitos, que possam auxiliar os professores em sala de aula, por enquanto, a medida possvel. Destaca-se que no se pode contentar somente com materiais didticos acessveis, sendo necessrio melhorar a formao de professores. Esta uma luta em que a universidade no est sozinha, pois a Comunidade Surda uma comunidade unida e que luta por seus direitos; prova disso a presena do intrprete em salas de aula em escolas pblicas brasileiras (BRASIL, 2005).

    Em relao ao material didtico, Torres, Mazzoni e Mello (2007, p. 383) ressaltam que, nos ambientes educacionais, mais especificamente, a escola, onde o conhecimento disseminado, podendo ser divulgado, por meio de diversos contedos, entre eles o recurso audiovisual.

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    Ento, o material foi construdo dentro de uma perspectiva bilngue por tudo o que j foi discutido, ou seja, trata-se do modo mais adequado, at o momento, para a alfabetizao em Lngua Portuguesa de alunos surdos.

    Nessa perspectiva, alm de formao inicial e continuada, e de materiais didticos audiovisuais voltados para a alfabetizao dos alunos surdos, necessrio que as metodologias presentes em sala de aula tambm se modifiquem. Essa reviso das questes metodolgicas deve ser feita levando-se em considerao que o aluno surdo no aprende como o aluno ouvinte. Consideraes finais

    Ao longo deste trabalho foi possvel entrar minimamente em contato com questes como acessibilidade, surdez, alfabetizao de alunos surdos e importncia das histrias infantis no processo de ensino-aprendizagem desses alunos.

    A preocupao maior foi construir um material didtico que pudesse auxili-los em seu processo de alfabetizao e, para isso, procurou-se explicitar como a alfabetizao de alunos surdos acontece. No entanto, este assunto no se esgota em uma produo acadmica.

    Produzir um material didtico que abrangesse a acessibilidade em sua dimenso comunicacional no foi algo simples e rpido, muito pelo contrrio: alm da demora em se obter respostas das editoras, h a questo de filmagem da intrprete, da narrao, da edio do vdeo e da formatao das imagens. Toda a confeco do material demorou semanas, empregando-se mais de quatro horas por dia.

    Como desejar, ento, que o professor da rede pblica de ensino produza um material didtico que possa auxiliar seu aluno, se ele conta com poucas horas para preparar suas aulas?!

    Sob essa tica, refora-se que se faz necessrio a universidade se aproximar da escola para viabilizar, em parceria com os professores, materiais que atendam s suas necessidades pedaggico-didticas. Entretanto, essa no funo exclusiva da universidade, uma vez que o poder pblico tanto por intermdio das Secretarias de Educao Estaduais e Municipais, quanto e, principalmente, por meio do Ministrio da Educao o maior responsvel por garantir a acessibilidade para todos os alunos com necessidades especiais que esto presentes em salas regulares de ensino.

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    Revista Eletrnica de Educao, v. 6, n. 2, nov. 2012. Relatos de Experincia. ISSN 1982-7199. Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal de So Carlos, Brasil.

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    Enviado em: 25/04/2012

    Aceito em: 20/06/2012