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MINISTRIO DA SADE SECRETARIA DE VIGILNCIA EM SADE DEPARTAMENTO DE ANLISE DE SITUAO EM SADE COORDENAO DE DOENAS E AGRAVOS NO TRANSMISSVEIS

UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE EDUCAO A DISTNCIA

CURSO DE EXTENSO PARA GESTORES DO SUS EM PROMOO DA SADE

Braslia 2010

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Ministrio da SadeMinistro da Sade Jos Gomes Temporo Secretrio de Vigilncia em Sade Gerson de Oliveira Penna Diretor do Departamento de Anlise de Situao da Sade Otaliba Libnio de Morais Neto Coordenadora da Coordenao de Doenas e Agravos no Transmissveis Deborah Carvalho Malta Organizao Adriana Miranda de Castro Cristiane Scolari Gosch Danielle Keylla Alencar Cruz Deborah Carvalho Malta Denise Bomtempo Birche de Carvalho Elisabeth Carmen Duarte Leila Posenato Garcia Otaliba Libnio de Morais Neto

CEAD/UnBDiretor Athail Rangel Pulino Filho Coordenadora do curso Denise Bomtempo Birche de Carvalho Equipe Fernando de Castro Nia Cardoso Leandro Barbosa Rossana Beraldo Sandra Dutra Thiago Lopes de Santos Colaboradoras Ana Paula de Melo Greici Cristhina Justino Revisoras Daniele Rosa Marcela Passos Lyvia dos Santos Justino Editorao e diagramao Carla Clen

Universidade de BrasliaReitor Jos Geraldo de Sousa Junior Vice-reitor Joo Batista de Santos Decano de Extenso Oviromar Flores

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Todos direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica. Tiragem: 1 edio 2010 2.000 exemplares.

C977c

Curso de extenso para gestores do SUS em promoo da sade / Adriana Miranda de Castro ... [et al.] ; organizadores, Cristiane Scolari Gosch ... [et. al.]. Braslia : CEAD/ FUB, 2010. 164 p. ISBN: 978-85-7804-041-3 1. Histrico do paradigma da promoo da Sade. 2. Determinantes Sociais da Sade. 3. Planejamento e avaliao em promoo da sade do SUS. Ministrio da Sade. CDU 614

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AutoresAdriana Miranda de Castro Ana Maria G. Sperandio Cristiane Scolari Gosch Dais Gonalves Rocha Danielle Keylla Alencar Cruz Deborah Carvalho Malta Gergia Maria de Albuquerque Lenira Zancan Mrcia Westphal Otaliba Libnio de Morais Neto Paulo Renato Flores Durn Ronice Franco de S Rosilda Mendes Simone Tetu Moyss Willer Marcondes

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ApresentaoDesde 2006, o Ministrio da Sade tem investido na concretizao da perspectiva ampliada de sade, que define o Sistema nico da Sade (SUS) e est apresentada claramente na Constituio Federal de 1988. Por meio da Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS) e sua integrao com os diversos instrumentos de gesto, a Promoo da Sade assume essa perspectiva e constitui-se como ferramenta importante no planejamento das agendas locais. A necessidade de uma ao que pudesse apoiar a tarefa de planejar e avaliar iniciativas promotoras da sade nas diversas regies desencadeou-se a partir do processo de mobilizao dos gestores estaduais, municipais e do Distrito Federal, da disponibilizao de financiamento e da construo de uma srie de espaos coletivos de reflexo e fortalecimento da perspectiva da Promoo da Sade. A parceria com a Universidade de Braslia (UnB) e com pesquisadores da rea de promoo da sade no Brasil para a realizao do presente curso de extenso para gestores e profissionais do SUS objetiva, justamente, iniciar um processo sistemtico de formao, que coloque em anlise os modos de produo de sade e amplie a organizao de estratgias intersetoriais, integradas e participativas de gesto em sade. Espera-se que os contedos apresentados auxiliem a tarefa e o compromisso cotidiano das equipes de sade, a fim de que se tornem multiplicadoras de conceitos e estratgias da promoo da sade, solidificando a aposta do SUS na melhoria de determinantes sociais da sade para garantir a qualidade de vida de todos ns, cidados brasileiros. Bom curso!

Jos Gomes Temporo Ministro da Sade

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Sumrio

MDULO 1 ................................................................................ 11Promoo da Sade: o histrico do paradigma e a construo da proposta brasileira no SUS ................................................................... 111 Histrico do Paradigma da Promoo da Sade............................................................. 13 2 Promoo da Sade na perspectiva socioambiental e participativa: contribuio das conferncias internacionais ..................................................................................... 16 3 Institucionalizao da Promoo da Sade no SUS ........................................................ 24 3.1 Acmulo conceitual e reconhecimento institucional: a dcada de 1990 .................................................................................................................... 24 3.2 Construo da Poltica Nacional de Promoo da Sade e seus primeiros passos ... 26 REFERNCIAS Mdulo 1................................................................................................... 31

MDULO 2 ................................................................................ 35Determinantes Sociais da Sade e Promoo da Sade: fundamentos e estratgias de gesto do processo de trabalho no SUS ........................... 351 Determinantes Sociais da Sade .................................................................................... 37 2 Fundamentos para a prtica da Promoo da Sade ..................................................... 44 2.1 Equidade .................................................................................................................. 44 2.2 Autonomia ............................................................................................................... 45 2.3 Territrio .................................................................................................................. 46 2.4 Participao social .................................................................................................. 48 2.5 Integralidade ........................................................................................................... 49 2.6 Intersetorialidade .................................................................................................... 51 2.7 Redes sociais............................................................................................................ 52 2.8 Sustentabilidade ...................................................................................................... 53

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3 Processo de trabalho no SUS para produzir sade: o olhar da Promoo da Sade ..... 55 3.1 Instrumentos formais de gesto ............................................................................. 55 3.2 Rede Integrada de Ateno Sade: organizando o processo de trabalho ............ 57 4 As interfaces da Promoo da Sade nas polticas estratgicas do SUS: um convite intersetorialidade das aes locais .............................................................................. 65 REFERNCIAS Mdulo 2................................................................................................... 68

MDULO 3 ................................................................................ 73Planejamento em Promoo da Sade no SUS .......................................... 731 Conhecendo o Planejamento ......................................................................................... 75 1.1 Breve histrico sobre planejamento em sade ...................................................... 76 2 Mtodo de planejamento em sade .............................................................................. 79 3 Passos de planejamento em sade ................................................................................ 80 REFERNCIAS Mdulo 3................................................................................................. 102

ANEXOS ....................................................................................... 105POLTICA NACIONAL DE PROMOO DA SADE ..................................... 105

cones organizadores

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MDULO histrico do paradigma 1 Promoo da Sade: oe a construo da proposta brasileira no SUS

Objetivo: apresentar a construo histrica da promoo da sade como campo da sade coletiva no cenrio internacional e nacional.

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1 Histrico do Paradigma da Promoo da SadeNeste primeiro tpico do curso, comentaremos fatos de alguns perodos da histria, importantes para o entendimento da organizao da sade e da doena como prticas sociais, que esclarecero o papel que a Promoo da Sade exerce hoje, colaborando para a plena realizao dos ideais do Sistema nico de Sade (SUS). A relao entre sade e condies gerais de vida das populaes foi constatada e explicitada na prpria origem da medicina moderna. Especialmente no final do sculo XVIII e na primeira metade do sculo XIX, o processo de urbanizao e industrializao na Europa provocou grandes transformaes sociais: a deteriorao das condies de vida e de trabalho nas cidades se fez acompanhar de um aumento da ocorrncia de epidemias. Os mdicos envolvidos com o intenso movimento social que emergiu nesse perodo, ao relacionarem a doena com o ambiente, articulavam-no tambm s relaes sociais que o produziam. A medicina fundia-se poltica e expandia-se em direo ao espao social, como literalmente expressou Virchow na clebre frase citada por Rosen (1979, p. 80): A medicina uma cincia social e a poltica nada mais do que a medicina em grande escala. As ocorrncias das doenas foram ento associadas s condies de existncia e s formas de vida dos sujeitos, tornando-se efeitos de processos histricos. Esse pensamento identificava-se na poca com a perspectiva anticontagionista, que atribua a doena a um desequilbrio do conjunto de circunstncias que interferem na vida de um sujeito ou de uma populao, constituindo uma predisposio favorvel ao surgimento de doenas. O movimento contagionista, ao contrrio, enfatizava a necessidade de precisar uma causa especfica como origem da doena, o que na poca era considerado conservador e ultrapassado (ACKERKNECHT, 1948). Porm, o movimento contagionista tornou-se de certa forma vitorioso quando ganhou uma qualidade distinta com o surgimento da teoria dos germes (CZERESNIA, 1997). As doenas passaram, ento, a serem compreendidas como a relao entre agente etiolgico, alteraes fisiopatolgicas e um conjunto de sinais e sintomas. A explicao microbiolgica para a causa das enfermidades forneceu medicina a condio de interferir no curso das doenas transmissveis, que eram o principal problema de sade pblica (NUNES, 1998). O doente e o seu ambiente passaram para um plano secundrio e estabeleceu-se uma relao de causa e efeito entre germe e doena. A preocupao principal do mdico tornou-se a doena, e no o paciente (ROSEN, 1979). O conflito entre aqueles que propunham prioritariamente causas e intervenes gerais por exemplo, sobre a fome e a misria e os que buscavam prioritariamente causas e intervenes especficas continuou existindo. Mckeown (1979), por exemplo, demonstrou que a reduo da mortalidade na Inglaterra depois de 1840 foi, em escala muito maior, devida ao desenvolvimento econmico, a uma melhor nutrio e outras mudanas favorveis no nvel de vida do que s intervenes especficas da medicina. No entanto, a poderosa influncia da bacteriologia no desenvolvimento da medicina interferiu para o privilgio de intervenes especficas, individualizadas, de cunho predominantemente biolgico, centradas no hospital, com progressiva especializao e incor13

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porao indiscriminada da tecnologia. Consolidou-se a posio privilegiada da medicina e dos mdicos na definio dos problemas de sade e na escolha das aes necessrias ao controle, tratamento e preveno das doenas (TORRES; CZERESNIA, 2003). O movimento da medicina preventiva surgiu entre o perodo de 1920 e 1950 na Inglaterra, EUA e Canad, em um contexto de crtica medicina curativa. Esse movimento props uma mudana da prtica mdica por meio da reforma no ensino mdico, buscava a formao de profissionais mdicos com uma nova atitude nas relaes com os rgos de ateno sade; ressaltava a responsabilidade dos mdicos com a Promoo da Sade e a preveno de doenas; introduzia a epidemiologia dos fatores de risco e privilegiava a estatstica como critrio cientfico de causalidade (AROUCA, 2003; TORRES, 2002). Segundo Arouca (2003), o discurso da medicina preventiva emergiu em um campo formado por trs vertentes: a higiene, que surgiu no sculo XIX; a discusso dos custos da assistncia mdica e a redefinio das responsabilidades mdicas, que aparece no interior da educao mdica. O termo Promoo da Sade foi utilizado pela primeira vez por Sigerist, historiador da medicina, quando, em 1945, ele definiu quatro funes da medicina: Promoo da Sade, preveno da doena, restaurao do doente e reabilitao (TERRIS, 1996). Era o movimento da medicina preventiva que comeava a surgir entre os perodos de 1920 a 1950, em um contexto de crtica medicina curativa (WESTPHAL, 2006). A base conceitual do movimento da medicina preventiva foi sistematizada no livro de Leavell e Clark, Medicina Preventiva (1976), cuja primeira edio foi publicada em 1958. Esses autores discutem trs conceitos importantes no campo da medicina preventiva: A trade ecolgica, que define o modelo de causalidade das doenas a partir das relaes entre agente, hospedeiro e meio ambiente. O conceito de histria natural das doenas, definido como todas as inter-relaes do agente, do hospedeiro e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras foras que criam o estmulo patolgico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar (pr-patognese), passando pela resposta do homem ao estmulo, at as alteraes que levam a um defeito, invalidez, recuperao ou morte (patognese) (LEAVELL; CLARK, 1976). O conceito de preveno, definido como ao antecipada, baseada no conhecimento da histria natural a fim de tornar improvvel o progresso posterior da doena (LEAVELL; CLARK, 1976). A preveno apresenta-se em trs fases: primria, secundria e terciria. A preveno primria a realizada no perodo de pr-patognese. O conceito de Promoo da Sade aparece como um dos nveis da preveno primria, definido como um conjunto de aes que desenvolveriam uma sade tima. Um segundo nvel da preveno primria seria a proteo especfica, com foco na criao de barreiras que impedissem o contato com agentes contaminados do meio ambiente e exterminassem agen14

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tes patolgicos. A fase da preveno secundria tambm se apresenta em dois nveis: no primeiro, o diagnstico e o tratamento precoce, e no segundo, a limitao da invalidez. Por fim, a preveno terciria, que diz respeito a aes de reabilitao (LEAVELL; CLARK, 1976). No quadro 1, abaixo, voc encontra um esquema para compreender melhor o modelo de interveno em sade desenvolvido por Leavell e Clark. Quadro 1 Esquema da histria natural das doenas segundo Leavell e Clark HISTRIA NATURAL E PREVENO DE DOENASInter-relao entre Morte Defeito, invalidez

AGENTE, SUSCETVEL E AMBIENTE que produzem ESTMULO doenaPerodo de Pr-Patognese

HORIZONTE CLNICO

Sinais e Sintomas

Alteraes de tecidos INTERAO

Recuperao SUSCETVEL - ESTMULO REAO

Perodo de Patognese

PROMOO DE SADE

PROTEO ESPECFICA

DIAGNSTICO PRECOCE E TRATAMENTO LIMITAO DE INCAPACIDADE IMEDIATOPreveno Secundria

REABILITAO

Preveno Primria

Preveno Terciria

NVEIS DE APLICAO DAS MEDIDAS PREVENTIVAS Fonte: Leavel; Clark, 1976

O modelo explicativo e as aes propostas por Leavell e Clark significaram um grande avano na dcada de 1960, uma vez que olhavam a doena numa perspectiva multicausal e processual. Esses autores chamaram a ateno dos profissionais da sade sobre o potencial das aes sobre o ambiente e sobre os estilos de vida na preveno de doenas. Inovaram tambm na proposio de medidas preventivas, incluindo aes educativas, comunicacionais e ambientais s j existentes como as laboratoriais, clnicas e teraputicas como complementao e reforo da estratgia. As aes sugeridas por Leavell e Clark para a Promoo da Sade privilegiavam aes educativas normativas voltadas para sujeitos, famlias e grupos (BUSS, 2003). O iderio da medicina preventiva acabou por produzir uma reduo dos aspectos sociais do processo sade e doena, naturalizando-os ao construir modelos explicativos a-histricos do adoecer humano (AROUCA, 2003). Sem dvida, as aes de Promoo da15

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Sade, apresentadas como componente da preveno primria, esto longe da profunda relao entre sade e sociedade analisada pela medicina social no sculo XIX. No entanto, importante observar que a concepo de Leavell e Clarck, no Brasil, incorporou-se ao discurso da Medicina Comunitria e orientou o estabelecimento de nveis de ateno nos sistemas e servios de sade que vigoram at hoje.

Para entender melhor o modelo de Leavell e Clark voc pode procurar as seguintes referncias: ROUQUAYROL, M. Z. et al. Epidemiologia e Sade. 3. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1988. LEAVELL, H. R.; CLARK, E. G. Medicina Preventiva. So Paulo: McGraw Hill do Brasil, 1976.

2 Promoo da Sade na perspectiva socioambiental e participativa: contribuio das conferncias internacionaisNas dcadas de 1970 e 1980, quase todos os pases do continente europeu e da Amrica do Norte enfrentavam a crise do Estado de Bem-Estar Social, em funo do esgotamento dos recursos dos Estados e da incapacidade de atenderem s necessidades de toda populao, que demandava por benefcios e auxlios. Os perfis demogrficos e de sade desses pases se modificaram, tornando impossvel ao Estado, sozinho, dar conta da assistncia mdica necessria a toda populao, dos salrios aos desempregados e de outros auxlios estabelecidos por lei (WESTPHAL; ZIGLIO, 1999; WESTPHAL, 2007). Ficou mais evidente para as autoridades sanitrias desses pases o reconhecimento da influncia de outras condies determinantes da sade e da qualidade de vida, alm da assistncia sade, quais sejam: as polticas globais, nacionais e locais; as mudanas sociais; as diferenas culturais, tnicas e at religiosas. Nessa direo, a sade e a doena no se refeririam mais ao meio ambiente nem ao sujeito nem ao de um sobre o outro isoladamente, mas a uma complexa rede de interrelaes e interdependncias em que no se poderia precisar uma origem ltima ou uma causalidade linear. dentro dessa lgica da complexidade que, em 1973, Laframboise formulou o modelo de campo de sade, segundo o qual a sade determinada por mltiplas variveis que podem ser agrupadas em quatro categorias denominadas determinantes de sade (CARVALHO, 1996; BUSS et al., 2000; CASTRO, 2003): Determinante biolgico refere-se a toda manifestao relativa sade fsica ou mental que ocorra em decorrncia do organismo individual herana gentica, processo de crescimento e envelhecimento e os diferentes sistemas internos complexos. Ambiente remete aos fatores externos ao corpo humano, que esto alm do controle pessoal como, por exemplo, a qualidade do ar que se respira ou a pureza dos alimentos que se consome.16

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Estilo de vida o conjunto das condies envolvidas nas decises que o sujeito adota no que diz respeito sua prpria sade, estando sob seu controle. So os ditos riscos autocriados, relativos aos hbitos, normas, valores, nvel de escolaridade e conscincia que condicionaro a sade individual. Determinante servio de sade refere-se disponibilidade, quantidade e qualidade de recursos (bens e servios) reservados aos cuidados em sade e da forma como estes so dispostos nas aes de preveno, cura e recuperao do estado de bem-estar. Esse modelo ser a base da reformulao das polticas de sade canadenses, as quais influenciaro mudanas neste setor em vrios outros pases. Em 1974, a divulgao do documento A New Perspective on the Health of Canadians pelo governo canadense inaugura o aparecimento de uma nova forma de definir as prioridades na produo de sade, a partir da adoo do conceito de campo de sade e da constituio Movimento de Promoo Sade no Canad (CARVALHO, 2002; CASTRO, 2003). A motivao central desse documento, mais conhecido como Informe Lalonde (nome do ministro da sade canadense quando da sua elaborao), era econmica, poltica e tcnica, pois se tentava encontrar um caminho para enfrentar o progressivo aumento dos custos com assistncia mdica e os seus resultados pouco eficazes (BUSS et al., 2000). O Informe ps em xeque os investimentos realizados em tecnologia de assistncia sade pelos governos anteriores, a partir dos resultados em termos de melhoria de indicadores de sade. Tambm destacou resultados de investigaes sobre a causalidade do processo sade-doena no seu pas, que revelaram que os estilos de vida e ambiente eram responsveis por 80% das causas das doenas e que no estava havendo investimento no controle dessas causas (ASHTON, 1993; OPAS, 1996; RESTREPO, 2001). Alm disso, o Informe defende que, diante do envelhecimento populacional, queda da morbimortalidade por doenas infecciosas e elevao dos casos de patologias crnico-degenerativas, as intervenes no campo da sade devem visar qualidade de vida de modo que os sujeitos vivam mais e melhor, desfrutando do aumento dos ndices de desenvolvimento socioeconmicos (CARVALHO, 2002). Com esses argumentos, Lalonde questionou, com eloquncia, o papel exclusivo da medicina na resoluo dos problemas de sade, atribuindo ao governo a responsabilidade por outras medidas, tais como o controle de fatores que influenciam o meio ambiente como a poluio do ar, a eliminao dos dejetos humanos, guas servidas e outros. O Informe Lalonde alm de seguir a definio dos determinantes de sade, conforme o esquema abaixo, indicando um entendimento ampliado da sade, prope cinco estratgias para a abordagem dos problemas neste campo, a saber: promoo da sade, regulao, eficincia da ateno sanitria, investigao e estabelecimentos de objetivos.

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Modelo de determinao do processo sade-doena do Relatrio LalondeEstilo de Vida Ambiente Biologia Humana

Doena

Organizao da Ateno Sade

Fonte: Carvalho, 2005.

Apesar de apontar na direo da complexidade da produo social da sade, o Informe Lalonde insere-se na corrente comportamentalista da Promoo da Sade, focalizando principalmente o estilo de vida e priorizando estratgias como: marketing social, educao para a sade e estmulo autoajuda (CARVALHO, 2005). O Relatrio defende que as polticas de sade devem informar, influenciar e assistir os sujeitos e organizaes a responsabilizarem-se pela adoo de atitudes saudveis, as quais reduziram sua exposio aos riscos de adoecimento e de morte (CARVALHO, 2005). Os esforos de produo de novas ferramentas tericas e metodolgicas na sade, que comearam a conquistar legitimidade na publicao do Informe Lalonde, repercutiram mais significativamente a partir da convocao pela Organizao Mundial de Sade (OMS) da I Conferncia Internacional sobre Ateno Primria de Sade realizada em Alma-Ata no ano de 1978. A sade foi pela primeira vez reconhecida como um direito a ser atendido no apenas por meio da melhoria do acesso aos servios de sade, mas tambm por um trabalho de cooperao com os outros setores da sociedade. A sua estratgia bsica, a Ateno Primria Sade, com participao dos usurios no processo, gradativamente, foi demonstrando que a meta estabelecida por seus participantes Sade para todos no ano 2000 depende de mudanas nas relaes de poder entre os que oferecem servios de sade e os que os utilizam, bem como de um investimento nas condies socioambientais e polticas que afetam a sade das populaes. A Conferncia de Alma-Ata recomendou que, para alcanar a meta de Sade para todos at o ano 2000, um conjunto de oito estratgias so essenciais: educao dirigida aos problemas de sade prevalentes e mtodos para sua preveno e controle, fornecimento de alimentos e nutrio adequada, abastecimento de gua e saneamento bsico apropriados, ateno materno-infantil e planejamento familiar, imunizao contra as principais doenas infecciosas, preveno e controle das doenas endmicas, tratamento apropriado de enfermidades comuns e acidentes, e a distribuio de medicamentos essenciais (BUSS et al., 2000). As recomendaes, o objetivo e a centralidade da Ateno Primria Sade na organizao dos servios e sistemas de sade defendidos em Alma-Ata serviram para retomar a18

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perspectiva socioambiental da Promoo da Sade e fortalecer politicamente seus defensores, tanto na OMS quanto nos diferentes pases (CASTRO, 2003). importante destacar que, ainda entre o fim da dcada de 1970 e o incio dos anos 1980, os estudos epidemiolgicos de Ratcliffe e o Relatrio Black reforaram a afirmao de que h uma relao positiva entre iniquidade social e adoecimento, ratificando a importncia do vnculo entre o modo de organizao da sociedade e a sade da populao (CARVALHO, 2005). O termo Promoo da Sade, relacionado com autonomia e emancipao, comeou a ser mais e mais utilizado por profissionais da sade insatisfeitos com as abordagens verticais e normativas, planejadas e implementadas sem a participao dos diferentes atores envolvidos. Alguns desses profissionais foram responsveis pela organizao do Congresso Canadense de Sade Pblica, em 1984, denominado Para alm da assistncia sade. Nesse evento, realizado para avaliar os progressos em termos de sade da populao canadense, aps dez anos da publicao do Informe Lalonde, foram firmados os princpios de uma nova proposta de Promoo da Sade, orientada pela participao social no processo de tomada de deciso sobre as aes de sade, pela sustentabilidade ambiental e por objetivos de busca da equidade, por meio de aes intersetoriais. Ao final desse evento, Leonard Duhl formulou o iderio de Cidades Saudveis como uma utopia a ser alcanada, sendo essa estratgia e os princpios de Promoo da Sade, recm-formulados, adotados e colocados em prtica em muitas cidades canadenses e europeias. (DUHL, 1986; ASHTON, 1993). As conferncias internacionais promovidas pela Organizao Mundial de Sade foram, ao longo de vinte anos, colaborando para que se produzissem reflexes sobre a teoria e a prtica da Promoo da Sade, relacionadas vertente explicativa socioambiental do processo sade-doena, a fim de aprimor-la e contextualiz-la, dando vida e movimento a esse referencial terico orientador, contido nesta rea de conhecimentos e prticas. Segundo Ashton (1993), as iniciativas no campo da Promoo da Sade se orientam, principalmente, pelo interesse em promover a equidade social, pela necessidade de reorientao dos servios de sade e de ampliao da participao comunitria. O autor destaca, ainda, que a Promoo da Sade se guia pela necessidade do desenvolvimento de coalizes entre o setor pblico, setor privado e o voluntariado, que juntos podem desenvolver aes cuja amplitude possa permitir o enfrentamento da multicausalidade do processo sade-doena. Para Restrepo (2001), outra influncia positiva para a construo da Promoo da Sade, nessa perspectiva, foram os resultados dos estudos epidemiolgicos avaliativos realizados sobre a interveno direcionada a minimizar a influncia dos Fatores de Risco de Doenas Coronarianas. Esses estudos foram realizados na cidade de Carlia do Norte, na Finlndia, entre 1970 e 1980, demonstrando como uma estratgia mais ampla, que envolveu aes participativas e polticas, possibilitou o enfretamento de condies e estilos de vida desfavorveis sade e diminuiu a incidncia e as consequncias das doenas na populao. Esse famoso projeto demonstrou a importncia da participao da populao na resoluo dos problemas de sade, da advocacia por polticas pblicas saudveis, relacionadas produo de alimentos, formao cidad das crianas em idade escolar, ao controle do tabagismo, entre outras questes (PUSKA, 1995 apud RESTREPO, 2001).19

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Curso de Extenso para gestores do SUS em Promoo da Sade

O moderno conceito de Promoo da Sade, assim como as novas prticas coerentes com suas bases poltico-ideolgicas, vem se desenvolvendo a partir da realizao da I Conferncia Internacional de Promoo da Sade, em 1986. As discusses iniciais ocorreram nos pases desenvolvidos, especialmente no Canad e nos pases da Europa Ocidental e, mais recentemente, vem sendo acolhida na Amrica Latina e em alguns pases em desenvolvimento de outros continentes, como um movimento que pode colaborar na recuperao do sentido tico da vida e da sade. Foi na I Conferncia Internacional de Promoo da Sade, em 1986, que os profissionais reunidos em Ottawa, no Canad, aprovaram a Carta de Ottawa, documento considerado o mais importante marco conceitual da Promoo da Sade. Essa Carta parte do conceito amplo de sade defendido pela Organizao Mundial da Sade, segundo o qual a sade um estado de bem-estar holstico definido pela composio de aspectos biolgicos, sociais, econmicos, educacionais, culturais e ambientais. O conceito de sade que permeia a Carta de Ottawa acentua que:Para atingir um estado de completo bem-estar fsico, mental e social, um sujeito ou grupo deve ser capaz de identificar e realizar aspiraes, satisfazer necessidades e mudar e se adaptar ao meio. Sade , portanto, vista como recursos para a vida diria, no objetivo da vida. Sade um conceito positivo que enfatiza recursos sociais e pessoais assim como capacidades fsicas. (PROMOCIN DE LA SALUD, 2000, p. 12)

O conceito de Promoo de Sade, que refora a importncia da ao ambiental e da ao poltica, bem como a mudana do estilo de vida, foi muito importante como referncia para o movimento. Promoo de Sade foi conceituada na Conferncia de Ottawa como: processo de capacitao dos sujeitos e coletividades para identificar os fatores e condies determinantes da sade e exercer controle sobre eles, de modo a garantir a melhoria das condies de vida e sade da populao (PROMOCIN DE LA SALUD, 2000, p. 12). Nessa viso positiva do processo, que ressalta o papel das potencialidades individuais e socioculturais para a produo social da sade, a sade deixa de ser um objetivo a ser alcanado, tornando-se um recurso para o desenvolvimento da vida (PILON, 1992). A capacitao das coletividades referida na Carta de Ottawa deveria ser realizada em dois sentidos: (1) mais voltado para a melhoria das condies objetivas de vida, por meio da participao na formulao de polticas pblicas saudveis que lhes permitissem alcanar funcionalidades elementares, tais como alimentar-se, obter abrigo e sade; e (2) um sentido mais subjetivo, relacionado ao alcance de funcionalidades que envolvem o autorrespeito, as habilidades que favorecem a integrao social, a capacidade para participar da vida social e outras. O sentido do processo de capacitao de que fala a Carta de Ottawa, ao que tudo indica, era o de que aes fossem realizadas para motivar os sujeitos e coletividades a refletirem criticamente sobre as condies que interferem na sade, para que possam advogar pelo reconhecimento da sade como um direito e como uma questo muito importante que deve ser levada em considerao nos processos de tomada de deciso governamentais20

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e no governamentais, relacionadas qualidade de vida dos sujeitos e coletividades. Essa capacitao, somada s aes de ampliao de poder e mobilizao da populao de modo geral, pode contribuir, inclusive, para que a sade seja reconhecida como um critrio de governo no processo de tomada de decises sobre desenvolvimento econmico-social. A partir da concepo de sade definida na Carta de Ottawa, firmaram-se compromissos para a implementao da promoo de sade, que extrapolam o setor e exigem parcerias com outros setores do governo e da sociedade. Fazia-se necessrio, portanto, convocar outras foras sociais para participarem desse movimento de ampliao da Promoo da Sade. Era preciso fortalecer a capacidade de convocao do setor sade para mobilizar recursos na direo da produo social da sade e na responsabilizao sobre ela. O projeto da promoo da sade centra-se, ento, na obteno da equidade sanitria, assegurando a igualdade de oportunidades e proporcionando os meios que possibilitem a toda a populao desenvolver ao mximo sua sade potencial (BUSS et al., 2000, p. 173). Vrias conferncias internacionais de Promoo da Sade foram realizadas pela Organizao Mundial de Sade (OMS) nos anos seguintes, resultando em outras declaraes e cartas que sintetizam suas concluses e recomendaes, reforando o referencial terico em construo. A Conferncia de Adelaide, realizada na Austrlia, em 1988, cumpriu seu objetivo de demonstrar o papel das polticas pblicas na resoluo dos problemas de sade. Em 1991, quando ocorreu a Conferncia de Sundsvall, na Sucia, o imprio sovitico j havia comeado a sua decadncia e j vinha se instalando um novo projeto de sociedade em torno do avano neoliberal e globalizao da economia. Essa Conferncia teve o grande papel de colocar o tema ambiente na agenda da sade. O ambientalismo, como um movimento social desencadeado pela ampliao da conscincia em relao aos problemas, desastres e crises ambientais, estava, nesse momento, tornando-se uma nova utopia, passando a mobilizar muitos segmentos da sociedade. Na Conferncia Internacional realizada no Brasil, em 1992, a ECO 92, foi reforada a importncia da construo de ambientes de apoio Promoo da Sade, a necessidade de polticas pblicas saudveis na rea ambiental e, principalmente, o respeito sustentabilidade nos processos de desenvolvimento. Durante a Conferncia de Jacarta, em 1998, na Indonsia, tanto a globalizao da economia como a modernizao tecnolgica, em especial no campo da comunicao, j caminhavam a passos largos, constituindo-se no pice do processo de internacionalizao do mundo capitalista. A ideologia hegemnica, com valores diferentes de outros perodos da histria, d sustentao nova fase do capitalismo e, portanto, economia de mercado global, interferindo na dinmica da vida e do trabalho. Os anos que precederam essa Conferncia foram momentos em que se evidenciaram as diferenas e as reaes globalizao. O mundo se dividiu entre os povos que assumiram a globalizao e a universalizao da cultura, dos direitos, como uma caracterstica da nova fase da humanidade, e aqueles que se rebelaram contra a homogeneizao da cultura. O fundamentalismo, a supervalorizao da diversidade, da cultura, das etnias, do Estado-Nao, enfim, mecanismos de resistncia ao processo de globalizao, deram incio a conflitos21

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entre povos, que at o momento conviviam no mesmo espao geogrfico, com acirramento da xenofobia, do terrorismo e o aumento a violncia. Alm disso, a globalizao, associada ao neoliberalismo, aumentou a riqueza e ao mesmo tempo a disparidade entre ricos e pobres. Nos anos que se aproximavam do sculo XXI, o mundo moderno vivia a crise em funo desse processo de globalizao (ROUANET, 1995; WESTPHAL, 2005, no publicado). Esse progresso aumentava a riqueza no mundo ao mesmo tempo em que intensificava as iniquidades entre os diferentes segmentos da sociedade, em todos os pases do mundo, especialmente nos do hemisfrio Sul. Essa realidade caracterizava mais uma vez o no cumprimento da promessa de igualdade, liberdade, solidariedade e paz da Revoluo Francesa do sculo XVI. Nessa crise, a humanidade estava buscando redirecionar o conhecimento e o desenvolvimento para rediscutir valores e princpios que fizessem frente ao predomnio da intolerncia na convivncia, ao aumento das guerras, ao acirramento das desigualdades econmicas e sociais intra e entre pases e ao desenvolvimento desvinculado das reais necessidades dos povos (ROUANET, 1995; WESTPHAL, 2005, no publicado). Para que a Conferncia de Jacarta obtivesse resultados que permitissem uma aproximao problemtica, definiu-se uma pauta que procurou discutir tais questes envolvendo profissionais de marketing e empresrios do setor privado na tentativa de lidar com a diversidade e ampliar o envolvimento de maior nmero de setores. Inicialmente, a minuta da declarao apresentada aos participantes tinha um contedo neoliberal. Porm, ao longo das discusses, os participantes conseguiram mudar o rumo das discusses e as concluses foram muito importantes para a continuidade da Promoo da Sade, no mesmo direcionamento que havia iniciado em 1986. As concluses foram que, para o desenvolvimento das aes, especialmente as relacionadas s polticas pblicas, seria importante que os profissionais de sade buscassem estabelecer parcerias e alianas para a resoluo dos problemas, a partir da discusso conjunta e de sua causalidade, sem desconsiderar o conflito de interesses e desenvolvendo tcnicas de negociao para a tomada de deciso. A Declarao de Jacarta estabeleceu cinco prioridades para a Promoo da Sade at o sculo XXI, com o intuito de enfrentar o novo tempo com novos conhecimentos e novas estratgias, tais como: 1) promover a responsabilidade social pela sade; 2) aumentar a capacidade da comunidade e o poder dos sujeitos para controlar as aes que pudessem interferir nos determinantes da sade; 3) expandir e consolidar alianas para a sade; 4) aumentar as investigaes para o desenvolvimento da sade e 5) assegurar a infraestrutura para a Promoo da Sade. Na realizao da V Conferncia de Promoo da Sade, ocorrida no Mxico, no ano 2000, observou-se que a maioria dos compromissos assumidos durante as Conferncias anteriores no havia sido cumprida. Uma nova metodologia de trabalho foi adotada privilegiando a discusso com os representantes ministeriais dos pases l representados. Os ministros assinaram a Declarao Presidencial, afirmando reconhecer a contribuio das estratgias de Promoo da Sade para a manuteno das aes de sade em nvel local, nacional e internacional, e comprometendo-se a elaborar Planos Nacionais de Ao para monitorar o progresso da incorporao das estratgias de Promoo da Sade na poltica nacional e local. Os tcnicos presentes rediscutiram os assuntos relacionados s prioridades estabelecidas na reunio ministerial, reafirmando tambm a importncia da Promoo da Sade, da focalizao dos determinantes da sade e da necessidade de se construir um mundo com mais equidade (ANDRADE; BARRETO, 2002; WESTPHAL, 2007).22

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Aps vinte anos da I Conferncia Internacional de Promoo de Sade, realizou-se a VI Conferncia em Bangkok, em 2005. Na ocasio, se discutiu intensamente o tema da globalizao, como ampliadora de desigualdades e conflitos sociais, mas tambm de potencialidades que devem ser valorizadas pelos atores da Promoo da Sade. A revoluo tecnolgica da informao uma dessas potencialidades, que tem possibilitado e ampliado continuamente o acesso e a troca de mensagens com muita rapidez, facilitando a universalizao e o fortalecimento de novos movimentos sociais, como o feminista, o ecolgico, o racial, entre outros, o que facilita e fortalece a advocacia por direitos e por polticas pblicas saudveis e equnimes. Vrias estratgias foram discutidas no sentido de garantir a sustentabilidade ambiental e das aes de Promoo da Sade, sendo que a busca e o estabelecimento de parcerias foram valorizados como importantes componentes, incluindo o setor privado, apesar das contradies que esse tipo de ao encerra. A VI Conferncia de Promoo da Sade, ocorrida em Nairobi, no Kenia, em outubro de 2009, identificou as estratgias-chave e os compromissos necessrios para implementar e desenvolver aes de promoo de sade. Partiu do pressuposto que tanto os pases em desenvolvimento, quanto os desenvolvidos, enfrentam condies de sade que comprometem seu futuro e desenvolvimento econmico. Assim, foram elencadas responsabilidades a serem adotadas urgentemente pelos governos e tomadores de deciso: fortalecer as lideranas, tomar a promoo da sade como poltica transversal, empoderar comunidades e indivduos, fortalecer os processos participativos e construir e aplicar conhecimentos em torno da busca de evidncias da efetividade da promoo da sade. A partir da anlise das sete Conferncias Globais de Promoo da Sade, organizadas pela OMS, v-se que, gradativamente, foram sendo reforados e difundidos conceitos bsicos como a equidade, a participao social e a intersetorialidade, que exigem o fortalecimento da sade pblica em torno do compromisso de sade para todos (WESTPHAL, 2007). Observa-se que os princpios definidos na Carta de Ottawa, aprofundados e atualizados ao longo desses mais de 20 anos, da mesma forma que os princpios do SUS, esto orientando polticas e aes de muitos profissionais, como vocs, envolvidos na rea de Promoo da Sade, apesar da dificuldade em enfrentarem as foras hegemnicas, decorrentes da fragmentao das reas tcnicas e que tm objetivos essencialmente biomdicos, que se opem a elas. A proposta defendida a partir da Conferncia de Ottawa e dos marcos legais do Sistema nico de Sade amplia a responsabilidade do setor sade, colocando-lhe outros campos de ao: 1) a defesa de polticas pblicas saudveis; 2) a articulao para criar ambientes de apoio Promoo da Sade cidades, escolas, ambientes de trabalho, praas, parques ecolgicos e outros; 3) o fortalecimento da ao comunitria; 4) o apoio ao desenvolvimento de habilidades e atitudes, especialmente em relao aos estilos de vida saudveis e 5) a reorientao da gesto dos servios de sade.Voc encontrar as Cartas das Conferncias Internacionais de Promoo da Sade no seguinte endereo eletrnico:

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3 Institucionalizao da Promoo da Sade no SUS3.1 Acmulo conceitual e reconhecimento institucional: a dcada de 1990No Brasil, com o fim da ditadura e o incio do processo de redemocratizao do pas, grupos de sanitaristas progressistas da sade, insatisfeitos com os avanos alcanados com as mudanas propostas pelas correntes preventivistas e influenciados por profissionais que estiveram engajados em aes relacionadas pedagogia problematizadora e aos movimentos populares e socialistas da Amrica Latina, intensificaram a discusso em busca de novos paradigmas para nortear as programaes de sade e educao e procuraram dar uma nova dimenso s polticas pblicas do setor sade, focalizando os determinantes sciohistricos do processo sade-doena (WESTPHAL, 1992). O movimento de renovao da sade pblica, naquele momento, foi denominado Reforma Sanitria Brasileira dos anos de 1980 e teve como consequncia o estabelecimento do SUS, como sistema pblico de sade, adotado pela Constituio Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n. 8.080/1990 e n. 8.142/1990 (BRASIL, 1988). Desde meados da dcada de 1980, vrios acontecimentos que se deram no mbito nacional contriburam para que a Promoo da Sade fosse incorporada como uma nova filosofia e prtica nas polticas de sade. A Reforma Sanitria Brasileira passou a ser amplamente discutida a partir de 1986, logo aps a VIII Conferncia Nacional de Sade, que props para a sociedade brasileira conceitos e objetivos muito semelhantes aos que seriam apresentados mais tarde na I Conferncia Mundial de Promoo da Sade, realizada em Ottawa, no Canad, em novembro do mesmo ano. Em ambos os documentos relatrio e Carta de Ottawa foi definido que a Sade no se reduzia ausncia de doena, mas significava a ateno s necessidades bsicas dos seres humanos, em um ambiente que favorecesse seu crescimento e desenvolvimento. Profissionais da sade envolvidos com o movimento sanitrio, no incio da implementao do SUS, idealmente entendido como articulao intersetorial de polticas pblicas, empenharam-se em estabelecer programas conjuntos com os outros ministrios e outros setores da sociedade. Com o tempo, os esforos para a implementao do SUS restringiram-se a uma luta do setor para a cura das doenas e, nos ltimos tempos, voltados, sobretudo, resoluo do financiamento das aes de sade. Entretanto, se inicialmente a Reforma no concretizou suas propostas, permitiu uma srie de mudanas. Vrios progressos foram feitos na perspectiva do SUS: descentralizaram-se as decises de sade, favorecendo o desenvolvimento de um Movimento Municipalista de Sade liderado pelos Secretrios Municipais de Sade, fortalecendo a participao e controle social da populao nas questes de sade e ampliando conceitos e prticas de sade (WESTPHAL et al., 2004).Sobre os 20 anos de SUS. Visite a Mostra Virtual e baixe o filme no seguinte endereo:

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Outro acontecimento importante deste perodo foi a Conferncia Latino-Americana de Promoo da Sade, promovida pela Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS), realizada na Colmbia, em Bogot. Participaram 550 representantes de 21 pases latino-americanos, entre eles o Brasil, com a inteno de discutir o significado da Promoo da Sade na Amrica Latina e debater princpios, estratgias e compromissos para a melhoria da sade das populaes da regio, com vistas equidade (PROMOCIN DE LA SALUD, 2000). No ano de 1995, o Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS) se reuniu no Congresso dos Secretrios Municipais de Sade das Amricas, em Fortaleza, Cear. A Carta de Fortaleza, elaborada ao final, nos termos que foi redigida, expressou publicamente o interesse da sociedade representativa dos Secretrios Municipais de Sade nas propostas da Promoo da Sade. Mencionaram na Carta as experincias canadenses de Cidades Saudveis, chamando a ateno para o fato de que seria possvel deslocar o foco do sistema de sade da doena para produo da qualidade de vida, priorizando um papel ativo dos sujeitos sociais e que a municipalizao da sade poderia se fortalecer a partir de uma experincia integradora, participativa e criativa buscando a construo de Cidades Saudveis (WESTPHAL et al., 2004). A partir desse momento, vrias propostas de implementao de iniciativas de Cidades Saudveis comearam a ser incentivadas pela Organizao Pan-Americana de Sade e por alguns tcnicos canadenses e colocadas em prtica em vrios estados do pas: Paran, So Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Alagoas e outros, com apoio de importantes segmentos da sociedade, especialmente o CONASEMS. Tambm a realizao do I Frum Brasileiro de Cidades Saudveis, no Cear, em agosto de 1998, foi um apoio a essas iniciativas, chegando mesmo a ser lanada a proposta da Rede Brasileira de Municpios Saudveis (WESTPHAL; MOTTA; BOGUS, 1998). Em 1998, o Ministrio da Sade brasileiro passou por uma reformulao estrutural, sendo as aes de Promoo da Sade, pela primeira vez, oficialmente inseridas na estrutura, alocadas na recm-criada Secretaria de Polticas de Sade (SPS), que possua departamentos correspondentes a reas de formulao, de gesto de polticas e avaliao de polticas de sade. Nesse momento e nesta localizao na estrutura, foi elaborado o Projeto BRA 98/006 Promoo da Sade, um novo modelo de ateno , como resultado da cooperao do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Agncia Brasileira de Cooperao (ABC) e do Ministrio da Sade, que objetivava o desenvolvimento de um modelo de ateno para a populao brasileira sob a perspectiva da Promoo da Sade. O Projeto BRA 98/006 constituiu-se em abertura de um processo que desejava gerar novos modos de produo da sade quanto clnica e s polticas existentes, de maneira que houvesse um deslocamento rumo a enfoques mais: humanizados, intersetoriais, descentralizados, integrais, democrticos e participativos. Para a consecuo do Projeto BRA 98/006, adotou-se, desde a sua elaborao, o conceito de Promoo da Sade conforme definido, desenvolvido e experimentado em nvel internacional. Assim, o marco terico-conceitual eleito privilegiou as linhas de atuao e os princpios norteadores das aes em sade propostos nas Conferncias Internacionais de Promoo da Sade, realizadas a partir dos anos de 1980 e no Plano de Trabalho da Rede de Mega Pases para a Promoo da Sade para o perodo de 1999 a 2004. Os programas criados no pas, consequentemente, tambm se basearam na experincia dos pases ditos desenvolvidos, notadamente do Canad e da Europa.25

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poca, a adoo dos princpios e experincias internacionais como modelo foi a possibilidade de iniciar institucionalmente o debate da Promoo da Sade, abrindo importantes espaos de reflexo, formulao e implementao de programas e projetos voltados para a melhoria da qualidade de vida de sujeitos e coletividades. O perodo da Promoo da Sade na SPS colaborou positivamente para a divulgao e esclarecimento de suas propostas e a articulao de aes de Promoo da Sade com outras polticas e programas de sade, ampliando as oportunidades de seus princpios, valores e estratgias a serem inseridos na formulao dessas polticas e programas, na sua implementao e avaliao. Nesse perodo, faziam parte da SPS as instncias importantes de negociao de pactos entre as esferas de governo com relao sade: Comisso Intergestora Tripartite (CIT), Conselho Nacional de Sade (CNS), Conselho de Secretrios Estaduais de Sade (CONASS), Conselho Nacional de CONASEMS e instncias de participao de associaes profissionais e cientficas, que abriram espao para o esclarecimento do significado da Promoo da Sade e as possibilidades que teriam de colaborar na implantao do SUS. Em 2000, quando muitas experincias e debates haviam sido feitos, foi pela primeira vez elaborado um documento bsico que propunha a criao de uma Poltica Nacional de Promoo da Sade. Esse documento teve o mrito de refletir todo o processo que foi sendo construdo e articulado entre os diversos atores envolvidos com o tema no pas, na ltima dcada (BRASIL, 2002).

3.2 Construo da Poltica Nacional de Promoo da Sade e seus primeiros passosComo a construo do prprio SUS, processo repleto de avanos, estagnaes e impasses, a elaborao e implementao da Poltica Nacional de Promoo da Sade tambm no se fizeram de maneira linear. Entramos nos anos 2000 sem a definio do principal compromisso assumido no Projeto de cooperao internacional por um novo modelo de ateno: a existncia de uma Poltica Nacional. Por outro lado, assim como o mesmo SUS iniciou e reinventou-se no fazer cotidiano das equipes de sade, tambm a Promoo da Sade apareceu e fortaleceu-se no fazer dirio de profissionais de sade, notadamente no mbito do Programa de Agentes Comunitrios de Sade e da Estratgia de Sade da Famlia (PACS/PSF). O PACS/PSF possui grande insero social e territorial e orienta-se pelos princpios de vinculao, corresponsabilizao e integralidade na assistncia sade e, sendo assim, constituiu um caminho fundamental para a implementao de aes de Promoo da Sade no SUS. Mais prximos das diversas realidades do Brasil e recebendo usurios com todo tipo de necessidades em sade, os profissionais do PACS/PSF criaram novas formas de produzir sade, articulando saberes oriundos de diferentes disciplinas e de suas experincias de vida. Atentos e pressionados por uma demanda assistencial crescente em quantidade e custo, os gestores locais de sade tambm viram na Promoo da Sade uma possibilidade de ampliao das oportunidades de produzir sade.26

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Multiplicaram-se experincias, mas foi somente em 2003 que a elaborao da Poltica Nacional de Promoo da Sade foi retomada com vigor. Nesse ano, o Ministrio da Sade teve sua estrutura regimental alterada e a SPS deixou de existir, ficando a cargo da Secretaria Executiva (SE) a coordenao da Promoo da Sade. Entendendo que a construo da Poltica Nacional de Promoo da Sade implicava um processo amplo de discusso com todas as reas do Ministrio da Sade, os gestores locais do SUS, universidades, etc., deu-se incio a um intenso processo de escuta dos diferentes atores sociais envolvidos na conjugao da clnica e da Promoo da Sade. Para tanto, identificaram-se, primeiramente, as aes de Promoo da Sade existentes em vrios municpios e/ou vinculadas s universidades, buscando assegurar a elaborao de um documento que atendesse realidade brasileira. Entre agosto de 2003 e dezembro de 2004, consolida-se a perspectiva de que uma Poltica Nacional de Promoo da Sade seria mais efetiva e capaz de operar de modo real no SUS medida que se fizesse um dispositivo integrador da agenda dos vrios segmentos sanitrios. Assim, embora sua coordenao estivesse em determinado locus institucional, seu processo de gesto deveria envolver as demais reas tcnicas do Ministrio da Sade em uma articulao em rede de gestores-multiplicadores. O acmulo de conhecimento efetivado no perodo e a primeira verso da Poltica Nacional de Promoo da Sade transferiram-se, no final de 2004, com as mudanas na gesto do Ministrio da Sade, para a Coordenao Geral de Doenas e Agravos No Transmissveis (CGDANT), na Secretaria de Vigilncia em Sade (SVS). A CGDANT, dando continuidade construo da Poltica Nacional, empreendeu uma reviso dos documentos ministeriais e de governo a fim de fortalecer o carter integrador e intersetorial do texto da Poltica, com nfase no prprio Plano Nacional de Sade 2004/2007 e nos materiais das reas de meio ambiente, educao, esporte e cidades. Concomitantemente, trabalhou pela ratificao da perspectiva transversal da Promoo da Sade de maneira que o Ministrio da Sade publicou a Portaria n. 1190 GAB/MS, em 14 de julho de 2005, instituindo o Comit Gestor da Poltica Nacional. Ao Comit Gestor, formado por diferentes secretarias e rgos do MS, atribuiu-se: consolidar proposta da Poltica Nacional de Promoo da Sade; coordenar a sua implantao e a articulao com demais setores governamentais e no-governamentais; incentivar Estados e Municpios a elaborarem Polticas de Promoo da Sade; articular e integrar aes de Promoo da Sade no SUS; monitorar e avaliar as estratgias de implementao da Poltica Nacional e seu impacto. No mesmo ano, inicia-se a descentralizao de recursos financeiros para aes de Promoo da Sade, repassando aproximadamente cinco milhes de reais para as capitais do pas. Coordenar a elaborao e implementao da Promoo da Sade a partir da SVS exigiu a produo de conhecimentos e a retomada de marcos da Reforma Sanitria a fim de explicitar as relaes e congruncias dos campos da promoo e da vigilncia em sade, conforme mostra a figura a seguir. Ao mesmo tempo, ratificou a importncia da anlise de situao em sade para o planejamento das iniciativas de Promoo da Sade.27

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Vigilncia de DANT Objeto: monitoramento, preveno e controle de DANT.

Promoo da Sade Objeto: promoo dos modos de vida saudveis.

Aplicao Interpretao Anlise de dados Coleta de dadosIntervenes de preveno e promoo da sade visando interveno com fatores de risco e protetores de DCNT

Alimentao saudvel Atividade fsica Preveno de violncias Preveno do tabagismo

Estratgia: abordagem integrada de fatores de risco e de proteo visando preveno de DANT, baseada em evidncias.

Estratgia: intersetorialidade, participao comunitria e mobilizao visando melhoria da qualidade de vida

Monitoramento e avaliao da efetividade das aes de interveno em fatores de risco e protetores de DANT

Marcos: Estratgia Global para Alimentao, Atividade Fsica e Sade Conveno-Quadro para Controle do Tabagismo Poltica Nacional de Promoo da Sade Poltica Nacional de Reduo da Morbimortalidade por Acidentes e Violncia

Monitoramento e avaliao da efetividade das aes de promoo da sade.

Fonte: Brasil, 2005.

As transies epidemiolgica, demogrfica e nutricional, o agravamento dos efeitos sanitrios dos grandes problemas sociais misria, fome, violncias, destruio ambiental e a interlocuo contnua com organismos internacionais, como o CONASS, o CONASEMS e as diversas instituies de ensino e pesquisa, brasileiras e internacionais, geraram as condies histricas necessrias institucionalizao da Promoo da Sade. Assim, a CIT aprovou, em 30 de maro de 2006, a Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS).Depois de acompanhar o processo histrico de construo da PNPS fundamental que voc leia ou releia o texto da poltica na ntegra.

Leia o anexo no final do mdulo ou visite o seguinte endereo:

Se por meio da Portaria GM n. 687/2006, publicava-se a inteno de reconhecer e operacionalizar a PNPS, com a incluso da Promoo da Sade entre as prioridades e diretrizes do Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gesto (Portaria GM n. 399/2006), ratificava-se o compromisso do SUS com a Poltica e a concordncia entre os princpios e diretrizes de ambos (BRASIL, 2006). No primeiro momento, o compromisso dos gestores vinculou-se elaborao de polticas locais de Promoo da Sade e/ou da incluso do tema nos Planos Estaduais e28

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Municipais de Sade e a investir em aes vinculadas s prticas corporais/atividade fsica, alimentao saudvel e controle do tabagismo (Portaria n. 91, de 10 de janeiro de 2007). A Promoo da Sade era, ento, um marcador para a qualidade da gesto, pois no tinha estabelecido indicadores mensurveis para seu acompanhamento. A partir da aprovao da PNPS e da instalao do seu Comit Gestor (Portaria GAB/SVS n. 23, 18/05/2006), trabalhou-se pela garantia de recursos financeiros para a implementao da Poltica, incluindo, pela primeira vez, a Promoo da Sade como Programa Oramentrio no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 do Ministrio da Sade. Presente no Pacto Pela Vida, includa no oramento do Ministrio da Sade e com o Comit Gestor funcionando sistematicamente, a Poltica de Promoo da Sade realizou, ainda em 2006, seu primeiro Seminrio Nacional, envolvendo 400 pessoas de diversos lugares do pas. O I Seminrio Nacional sobre a Poltica Nacional de Promoo da Sade foi coordenado pelo Comit Gestor e abordou durante dois dias a agenda de prioridades da Promoo da Sade. A PNPS destacou sete reas temticas prioritrias: alimentao saudvel; prticas corporais/atividades fsicas; preveno e controle do tabagismo; reduo da morbimortalidade por uso abusivo de lcool e outras drogas; reduo da morbimortalidade por acidentes de trnsito; preveno da violncia e estmulo cultura de paz; promoo do desenvolvimento sustentvel. Talvez um dos efeitos mais expressivos do I Seminrio tenha sido a reconfigurao do Comit Gestor, que passou a incluir representantes da Secretaria Executiva do Ministrio da Sade e dos gestores estaduais e municipais de sade (Portaria GM/MS n. 1.409, 13 de junho de 2007), e o compromisso de organizar processos de formao para os profissionais e gestores do SUS. Desde 2006, tm sido vrios os desafios e inmeras as iniciativas de fortalecimento da Promoo da Sade no SUS, principalmente quando pensamos nos determinantes sociais da sade e na dificuldade em organizar nossos servios, recursos e prticas tendo como centro o cuidado integral dos sujeitos e coletividades. Desafios que pedem mais de todos ns profissionais, gestores e populao, porque exige que olhemos a longo prazo, articulando aes com a educao e a cultura, por exemplo, e pensemos como reverter a banalizao das epidemias modernas: estresse, depresso, diabetes, hipertenso arterial, violncias, entre outras. Por outro lado, h muito que comemorar! Nesses trs anos, as experincias de vrias equipes de sade comearam a ganhar reconhecimento medida que a Promoo da Sade conquistou um lugar na agenda do SUS.29

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Sobre a construo da Poltica Nacional de Promoo da Sade, sua insero no Pacto Pela Sade, seus avanos e as estratgias de implementao adotadas pelo Ministrio da Sade, acessando:

artigo de MALTA, D. C.; CASTRO, A. M. Avanos e Resultados na Implementao da Poltica oNacional de Promoo da Sade. B. Tc. SENAC: a R. Educ. Prof. RJ, v. 35, n. 2, maio/ago.2009. Disponvel em:

documentos dos Pactos pela Vida em Defesa do SUS e de Gesto e veja seus instrumentos osde planejamento e gesto no seguinte endereo eletrnico:

vdeo do I Seminrio sobre a PNPS em

campanhas para a Promoo das Prticas Corporais/Atividade Fsica no seguinte endereo: as

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REFERNCIAS Mdulo 1AKERMAN, M.; MENDES R.; BOGUS, C. M. possvel avaliar um princpio tico? Cincia e Sade Coletiva, Rio de Janeiro, n. 9, v. 3, p. 605-615, 2004. ANDRADE, LOM; BARRETO, ICDE. A Promoo da Sade e o movimento de Cidades/ Municpios Saudveis: proposta de articulao entre sade e ambiente. In: MINAYO M. C. S.; MIRANDA, A. C. (Org.). Sade e Ambiente Sustentvel: estreitando ns. Rio de Janeiro Abrasco e Ed. Fiocruz, p. 151-198, 2002. AROUCA, S. O dilema preventivista: contribuio para a compreenso e crtica da medicina preventiva. So Paulo; Rio de Janeiro: UNESP; Fiocruz, 2003. ASHTON, J. (Ed.). Ciudades sanas. Espanha: Masson S. A., 1993. BRASIL, Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. ______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispe sobre as condies para a promoo, proteo e recuperao da sade, organizao e o funcionamento dos servios correspondentes e d outras providncias. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 19 set. 1990. ______. Ministrio da Sade. Portaria n. 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto Pela Sade 2006 Consolidao do SUS e Aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Braslia, 2006. ______. Ministrio da Sade. Portaria n. 699, de 30 de maro de 2006. Regulamenta as Diretrizes Operacionais dos Pactos Pela Vida e de Gesto e seus desdobramentos para o processo de gesto do SUS, bem como a transio e monitoramentos dos Pactos, unificando os processos de pactuao de indicadores. Braslia, 2006. ______. Ministrio da Sade. A Vigilncia, o controle e a preveno das doenas crnicas no-transmissveis: DCNT no contexto do Sistema nico de Sade brasileiro. Braslia, Organizao Pan-Americana da Sade, 2005. ______. Ministrio da Sade. Poltica Nacional de Promoo da Sade documento para discusso. Braslia, 2002. ______. Ministrio da Sade. Portaria n. 687 MS/GM, de 30 de maro de 2006. Poltica Nacional de Promoo da Sade. Braslia, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 23 de agosto de 2009. BUSS, P. M. Uma introduo ao conceito de Promoo da Sade. In: Promoo da Sade: conceitos, prticas e reflexes. Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 15-38, 2003.31

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PROMOCIN DE LA SALUD. Una contribucin para el debate entre las escuelas de salud pblica de America Latina y Caribe. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2000. (mimeo) (originais publicados pela Organizao Mundial de Sade). RESTREPO, H. E.; MALAGA, H. (Org.). Promocin de la salud: como construir vida saludable. Bogot: Ed. Medica Internacional, 2001. ROSEN, G. Da polcia mdica a medicina social: ensaios sobre a histria da assistncia mdica. Rio de Janeiro: Graal, 1979. ROUANET, S. P.; FREITAG, B. Conversando com Habermas. Folha de S. Paulo, So Paulo, 30 de abril de 1995, quinto caderno, pgina 3-8, 1995. SANTOS, M. E.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: territrio e sociedade no incio do sculo XXI. Rio de Janeiro; So Paulo: Ed. Record, 2001. TEIXEIRA, C. (Org.) Promoo e Vigilncia da Sade. Salvador: ISC/UFBA, 2001. TERRIS, M. Concepts of Health Promotion: dualities in Public Health theory. In: Health Promotion: an anthology. Washington: PAHO, 1996. WESTPHAL, M. F. Participao popular e as polticas municipais de sade. Tese de livre docncia apresentada Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo, So Paulo, 1992. WESTPHAL, M. F., MOTTA, R. M. M.; BOGUS, C. M. Contribuio para Formao de uma Rede brasileira de Municpios Saudveis. Jornal do Conasems, Braslia, n. especial, ago. 1998. WESTPHAL, M. F.; ZIGLIO, E. Polticas pblicas e investimentos: a intersetorialidade. In: FUNDAO FARIA LIMA CEPAM. O municpio no sculo XXI: cenrios e perspectivas. So Paulo, p. 111-121, 1999. WESTPHAL, M. F. et al. A Promocin de Salud en Brasil. In: ARROYO, H. V. La promocin de la salud en Amrica Latina: modelos, estructuras y vision crtica. 1. ed. Puerto Rico: Universidad de Puerto Rico, 2004. WESTPHAL, M. F. Globalization, Multiculturalism and health: a view from a developing country. Conferncia realizada no Salzburg Seminar, Austria, 2005. ______. Promoo da Sade e preveno de doenas. In: CAMPOS, G. W. et al. Tratado de Sade Coletiva. So Paulo: HUCITEC; Ed. Fiocruz, p. 635-667, 2006. ______. Promoo da Sade e qualidade de vida. In: FERNANDEZ, J. C. A. E.; MENDES, R. Promoo da Sade e gesto local. SO PAULO: Hucitec; CEPEDOC Cidades saudveis, 2007. WHITAKER, F. Rede: uma estrutura alternativa de organizao. Revista Mutaes sociais, Rio de Janeiro: CEDAC, n. 3, 2002.33

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MDULO 2

Determinantes Sociais da Sade e Promoo da Sade: fundamentos e estratgias de gesto do processo de trabalho no SUS

Objetivo: apresentar e discutir os determinantes sociais da sade e analisar os fundamentos da Promoo da Sade para a gesto do processo de trabalho no SUS, apontando a organizao em Redes Integradas de Ateno Sade como arranjo estratgico.

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1 Determinantes Sociais da SadeO processo de produo da sade e do adoecimento tem sido objeto de reflexo e anlise de forma constante na histria da humanidade. Ao longo dos sculos, estabeleceram-se diferentes marcos explicativos para a relao sade/doena, suas causas e consequncias na vida cotidiana de sujeitos e coletividades. Conforme acompanhamos no mdulo 1, a Promoo da Sade alinha-se perspectiva de queo adoecimento e a vida saudvel no dependem unicamente de aspectos fsicos ou genticos, mas so influenciados pelas relaes sociais e econmicas que engendram formas de acesso alimentao, educao, ao trabalho, renda, lazer, e ambiente adequado, entre outros aspectos fundamentais para a sade e a qualidade de vida (CARVALHO; BUSS, 2008, p. 151).

Trata-se, ento, de afirmar que a sade socialmente determinada e que sua produo envolve diferentes campos de responsabilidade e toda ao humana que conforma determinado modo de viver. No Brasil, h mais de 20 anos, o Movimento da Reforma Sanitria tem afirmado que a sade de todos ns efeito de uma srie de fatores. Nossa Constituio Federal (1988) confirma: a sade um direito radicalmente vinculado existncia de polticas econmicas e sociais, que devero assegurar outros direitos fundamentais como, por exemplo, moradia, alimentao, educao e lazer. A Lei n. 8.080/1990 ratifica: cuidar da sade envolve o compromisso de abordar os seus fatores condicionantes e determinantes. Dessa maneira, parece que h uma clara opo em afirmar que, para produzir sade, necessrio ampliar nosso olhar, nossa ateno para ouvir; para a nossa maneira de pensar e agir e analisar os modos de viver dos indivduos e coletividades. Para produzir sade, portanto, fundamental ter claro o conceito de modos de viver. Os modos de viver cada escolha ou omisso, cada soluo ou ausncia de respostas diante das dificuldades cotidianas, cada gesto, palavra, sorriso ou lgrima, enfim, tudo que somos marcado por muitas circunstncias que podem produzir mais ou menos sade ou adoecimento. As circunstncias em que vivemos so os determinantes sociais de nossa sade. Os debates sobre o conceito de determinantes sociais da sade iniciaram-se nos anos de 1970 e 1980, ou seja, so contemporneos do desenvolvimento da Promoo da Sade e compartilhavam com ela o entendimento de que as intervenes curativas e orientadas para o risco de adoecer eram insuficientes para a produo da sade e da qualidade de vida em uma sociedade. Nos ltimos anos, o foco nos determinantes sociais de sade ganhou ainda maior relevncia com a criao, em 2005, pela Organizao Mundial da Sade da Comisso sobre Determinantes Sociais da Sade, com o objetivo de ratificar a importncia dos determinantes sociais na situao de sade da populao e a defesa radical da reduo e/ou extino das iniquidades em sade (CARVALHO; BUSS, 2008). Seguindo essa tendncia e guardando coerncia com o processo de desenvolvimento do Movimento da Reforma Sanitria, o Brasil criou, em 2006, a Comisso Nacional sobre37

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Determinantes Sociais da Sade (CNDSS), composta por 16 lideranas sociais de diversos campos do saber (idem). Aps um amplo trabalho de reviso do conhecimento produzido sobre os determinantes sociais da sade, a CNDSS adotou como modelo para a sua anlise e esquema para a construo de recomendaes de interveno nos diferentes nveis de determinao o esquema explicativo de Dahlgren e Whitehead (1991) (idem). Determinaes do processo sade-doena

Condies socieconmicas, culturais e ambientais

Condies de vida e trabalho

Suporte social e comunitrio

Estilo de vida

Idade, sexo e fatores hereditrios

Fonte: Dahlgren; Whitehead, 1991.

O modelo desenvolvido por Dahlgren e Whitehead (1991) organiza as circunstncias que constroem nosso modo de viver e nosso processo sade-doena em diferentes camadas, reunindo aspectos individuais, sociais e macroestruturais (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). O esquema permite-nos visualizar didaticamente uma srie de partes integrantes de nossas vidas e analisar as relaes estreitas e indissociveis que elas tm. importante lembrar que assim como cada modo de viver uma composio de circunstncias, tambm cada um dos territrios a expresso singular da articulao dos determinantes sociais da sade. Na diviso didtica proposta por Dahlgren e Whitehead (1991), os determinantes sociais esto organizados por nveis de abrangncia em distintas camadas: a mais prxima referindo-se aos aspectos individuais e a mais distante aos macrodeterminantes. Como se pode ver, na base da figura, esto as caractersticas individuais de idade, sexo e fatores genticos que marcam nosso potencial e nossas limitaes para manter a sade ou o adoecer.Na camada imediatamente externa, aparecem o comportamento e os estilos de vida individuais. Esta camada est situada no limiar entre os fatores individuais e os Determinantes Sociais da Sade, j que os comportamentos dependem no apenas de opes feitas pelo livre arbtrio das pessoas, mas tambm de Determinantes Sociais da Sade, como acesso a informaes, propaganda, presso de pares, possibilidades de acesso a alimentos saudveis e espaos de lazer, entre outros. A camada seguinte destaca a influncia das redes comunitrias e de apoio, cuja maior ou menor riqueza expressa o nvel de coeso social que de fundamental38

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importncia para a sade da sociedade como um todo. No prximo nvel, esto representados os fatores relacionados a condies de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e servios essenciais, como sade e educao, indicando que as pessoas em desvantagem social apresentam diferenciais de exposio e de vulnerabilidade aos riscos sade, como consequncia de condies habitacionais inadequadas, exposio a condies mais perigosas ou estressantes de trabalho e acesso menor aos servios. Finalmente, no ltimo nvel, esto situados os macrodeterminantes que possuem grande influncia sobre as demais camadas e esto relacionados s condies econmicas, culturais e ambientais da sociedade, incluindo tambm determinantes supranacionais como o processo de globalizao. (CNDSS, 2008, p. 14) Comisso Nacional de Determinantes Sociais Organizao Pan-Americana de Sade Comisso de Determinantes Sociais da Sade da Organizao Mundial da Sade

De acordo com o Relatrio Final da CNDSS (2008), as estratgias de interveno para a promoo da equidade em sade precisam incidir sobre os diferentes nveis em que Dahlgreen e Whitehead (1991) organizaram os determinantes sociais da sade. Num sentido abrangente, a produo da sade aconteceria pela organizao de um contnuo de aes capazes de transformar positivamente os elementos que constroem os nossos modos de viver desde um nvel de governabilidade mais prximo ao sujeito at aquele mais distante, que corresponde s polticas macroeconmicas, culturais e ambientas estruturantes da sociedade. Assim, os pilares das intervenes sobre os determinantes sociais de sade organizar-se-iam conforme o esquema a seguir: Modelo Adaptado de Dahlgren e WhiteheadIntersetorialidade Participao social

Distais Intermedirios Proximais

Intervenes sobre os DSS baseadas em evidncias e promotoras da equidade em sade.Fonte: Carvalho; Buss, 2008. 39

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Observa-se que o diagrama de Dahlgren e Whitehead (1991) se amplia com a insero dos nveis de interveno sobre os determinantes sociais da sade, remetendo a duas condies imprescindveis para que as aes de Promoo da Sade sejam efetivadas: a participao social e a intersetorialidade. Carvalho e Buss (2008) organizam as intervenes em trs nveis de abrangncia: proximal, intermedirio e distal. No nvel proximal, esto nossas escolhas, hbitos e rede de relaes. Nesse nvel, as intervenes envolvem polticas e estratgias que favoream escolhas saudveis, mudanas de comportamento para reduo dos riscos sade e a criao e/ou fortalecimento de laos de solidariedade e confiana. Assim, realizam-se programas educativos, projetos de comunicao social, aes de ampliao do acesso a escolhas saudveis (alimentao saudvel, espaos pblicos para prtica de atividades fsicas, etc.), construo de espaos coletivos de dilogo e incentivo a organizaes de redes sociais (CARVALHO; BUSS, 2008). No nvel intermedirio, esto as condies de vida e trabalho que partilhamos numa determinada organizao da sociedade. Nesse nvel, as intervenes implicam a formulao e implementao de polticas que melhorem as condies de vida, assegurando acesso gua potvel, saneamento bsico, moradia adequada, ambientes e condies de trabalho apropriadas, servios de sade e de educao de qualidade, e outros. Aqui, exige-se a promoo de aes sinrgicas e integradas dos diversos nveis da administrao pblica (idem). No nvel distal, identificamos as polticas estruturantes de nossa sociedade. Trata-se de intervir para a consolidao de polticas macroeconmicas e de mercado de trabalho, de proteo ambiental e de promoo de uma cultura de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentvel, reduzindo as desigualdades sociais (idem, p. 162). Sabe-se, contudo, que sistematizao acima meramente um recurso didtico. Na realidade de cada territrio e da vida de cada um de ns, todos esses nveis de determinao acontecem e operam ao mesmo tempo e de maneira inseparvel. Sempre somos senhor ou senhora X, que mora no bairro Y de uma metrpole ou de um pequeno municpio rural, trabalha no local Z, vem de uma famlia B ou C, tem mais ou menos amigos, religioso ou ateu, entre um milho de outras possveis circunstncias. com todos os determinantes sociais da sade que chegamos aos servios de sade, sejamos profissionais, usurios ou gestores! , ento, fundamental que as intervenes nos nveis proximal, intermedirio e distal se deem baseadas na intersetorialidade, na participao social e nas evidncias cientficas (idem, 2008). O desafio parece ser o de no perdermos nossa habilidade em olhar na ntegra aquele sujeito e/ou comunidade com os quais trabalhamos, mesmo quando for necessrio reconhecer que intervir sobre as causas das causas de seu adoecimento est fora do alcance direto de nossa ao, plano ou projeto. Alis, a partir da tentativa contnua de no nos prendermos exclusivamente s tarefas e protocolos cotidianos e automticos que poderemos efetivar a Promoo da Sade, uma vez que ela se faz de forma a que articulemos todos os nveis de determinao da sade na anlise da situao em sade, na abordagem das necessidades de sujeitos e comunidades, na proposio de projetos teraputicos singulares e projetos de sade coletiva de um territrio, na busca conjunta de solues com a populao e com outras polticas pblicas.40

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Aplicando os conceitos: o exemplo de Belo Horizonte/MG Belo Horizonte uma cidade planejada que foi inaugurada de 1897 para abrigar 200 mil habitantes em trs setores: a rea urbana, limitada pela Avenida do Contorno; a rea suburbana, com traados e urbanizao bem mais flexveis, para a futura expanso da cidade; e a rea rural, que comporia o cinturo verde da cidade. Hoje, Belo Horizonte ocupa uma rea de 330,9 Km2 e possui cerca de 2,4 milhes de habitantes (BELO HORIZONTE, 2009; TURCI, 2008). Alm disso, mais 33 municpios vizinhos formam com a capital do estado de Minas Gerais a sua Regio Metropolitana, onde vivem em torno de 4,5 milhes de pessoas que tm como referncia sociocultural, econmica e de acesso a polticas pblicas a cidade de Belo Horizonte (TURCI, 2008). Nesse cenrio, o setor sade, desde os anos de 1990, tem buscado a construo de um modelo de ateno sade que pudesse, a partir dos princpios do SUS, produzir sade com equidade. Tal compromisso implicou a necessidade em desenvolver modos de mensurar, analisar e operacionalizar o conceito de equidade. Assim, construiu-se um indicador composto denominado ndice de Vulnerabilidade Sade (IVS), que combina diferentes variveis na inteno de resumir informaes que expressam as desigualdades injustas e evitveis, indicando reas prioritrias para a interveno e facilitando a proposio de aes intersetoriais (BELO HORIZONTE, 2009; TURCI, 2008). Com base em indicadores de base populacional do IBGE, tais como moradia e renda, e indicadores da sade como mortalidade infantil e por doenas cardiovasculares, o IVS mede e classifica o risco de adoecer e morrer (baixo, mdio elevado e muito elevado), produzindo um mapa da vulnerabilidade social da populao (BELO HORIZONTE, 2009; TURCI, 2008). Tal mapa subsidiou a reordenao do sistema de sade em Belo Horizonte, direcionando a implantao da Estratgia de Sade da Famlia e, ao mesmo tempo, comps com os esforos da prefeitura municipal em integrar as polticas sociais para a interveno em reas de maior excluso. A cidade foi dividida em nove Distritos Sanitrios, correlatos s reas administrativas da prefeitura (secretarias de administrao municipal regional) e cada Distrito foi subdividido hierarquicamente conforme a abrangncia dos centros de sade, das equipes de sade da famlia e dos agentes comunitrios de sade (BELO HORIZONTE, 2009).

Distrito Sanitrio / Regio Administrativa

T E R R I T R I O M U N I C P I O

rea de Abrangncia do Centro de Sade

rea de Equipe

T E R R I T R I O M U N I C P I O

E S F

Micro rea (moradias sob responsabilidade dos ACS)

E S F

Moradia

Essa diviso territorial foi associada ao IVS e organiza o processo de planejamento e estruturao da ateno populao. Cada Distrito Sanitrio possui um Grupo de Trabalho de monitoramento do estado de sade do territrio de carter intersetorial que objetiva diagnosticar e acompanhar as aes de vigilncia e ateno sade, produzindo as recomendaes fundamentais para o Plano Municipal, os Planos Distritais e Locais de Sade.

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A sociedade participa do processo de gesto da ateno por intermdio das Comisses Locais de Sade, que funcionam nas unidades de sade, das Comisses Distritais de Sade e do Conselho Municipal de Sade. Alm disso, sujeitos e coletividades podem tomar parte da gesto mais ampla dos recursos da cidade no Oramento Participativo. As Unidades Bsicas de Sade e as equipes de Sade da Famlia buscam equilibrar as aes de promoo e ateno sade e o atendimento a pacientes agudos e crnicos. Em Belo Horizonte, a busca por este equilbrio ganhou a forma do projeto BH-Vida: Sade Integral. Dentro do projeto BH-Vida: Sade Integral, o trabalho centra-se no sujeito usurio e operacionalizado por meio de linhas de cuidado, organizando de forma sistmica os nveis de ateno sade. As linhas de cuidado so pactos que envolvem todos os atores que controlam servios e recursos assistenciais, facilitando o caminhar do usurio no sistema de sade, a garantia da integralidade e o uso adequado e oportuno dos recursos. Convm observar que a rede SUS em Belo Horizonte tem a seguinte composio (BELO HORIZONTE, 2008): Tipo de unidadeUnidades Bsicas de Sade (UBS) Centro de Referncia Secundria - Unidade de Referncia Secundria (URS) e Policlnica Centro de Especialidades Mdicas Centro de Especialidades Odontolgicas Centro de Reabilitao Sagrada Famlia (CREAB) Servio de Reabilitao - URS Padre Eustquio Centro Geral de Reabilitao Centro Sul Centro de Referncia em Sade do Trabalhador - CERSAT Ncleo de Sade do Trabalhador Centro Sul Centro de Treinamento e Referncia em Doenas Infecciosas e Parasitrias Centro de Testagem a Aconselhamento - CTA Centro de Referncia em Sade Mental - CERSAM Centro de Referncia Infanto-juvenil - CERSAMi Centro de Convivncia - CV Centro de Referncia em Sade Mental para Usurio de lcool e Drogas - CERSAM-AD Centro de Referncia em Imunobiolgicos Especiais - CRIE Laboratrios Distritais Laboratrio Central Laboratrio de Bromatologia Laboratrio de Zoonoses Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) Centrais de Esterilizao de Ces e Gatos Unidade Mvel de Castrao (UME) Farmcia Distrital Unidade Pronto-Atendimento - UPA** Unidade de Resgate - SAMU Ncleo de Apoio a Reabilitao - NAR Unidade de Ultrassom Ncleo de Cirurgia Ambulatorial Centro Municipal de Oftalmologia Centro de Esterilizao Hospitais Total

Nmero de unidades prprias145 5 4 3 1 1 1 1 1 1 1 7 1 9 1 1 5 1 1 1 1 2 1 9 7 1 2 1 1 1 8 1 226

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A rede de servios articula-se intrassetorialmente a partir das unidades bsicas de sade, responsveis pela gesto dos projetos teraputicos que sero executados nas linhas de cuidado (MERHY; FRANCO; MAGALHES JR., s.d). Alm do movimento contnuo de reorganizao dos processos de trabalho de produo do cuidado em sade, stricto sensu, a utilizao do ndice de Vulnerabilidade em Sade e da centralidade do territrio envolve a articulao do setor sade aos demais setores de polticas pblicas. Em Belo Horizonte, a construo da intersetorialidade centrou-se na estruturao do programa BH Cidadania, que tem como eixos bsicos: o direito sade, o direito educao, a sociabilidade, a incluso produtiva e a transferncia de renda. O BH Cidadania coordenado pela Secretaria de Coordenao Municipal das Polticas Sociais e integra as aes das secretarias de Assistncia, Abastecimento, Esportes e Direitos de Cidadania, Educao, Sade e Fundao Municipal de Cultura, atuando com foco na famlia. A gesto do BH-Cidadania opera nos mesmos nveis de descentralizao do SUS-BH, existindo um Colegiado Regional e uma Comisso Local. A Coordenao Regional participa da avaliao do nvel poltico, articula as gerncias de polticas e as equipes tcnicas; implementa, monitora e acompanha as aes no mbito regional e local. A Comisso Local avalia as estratgias adotadas, constri e mobiliza a rede local, executa o plano de ao local pactuado, acompanha a populao atendida pelo programa e avalia a implementao do mesmo. A funo do programa organizar de forma sinrgica as aes j existentes nas polticas pblicas municipais, favorecendo a articulao intersetorial e garantindo melhoria do acesso e da qualidade dos servios prestados populao de reas socialmente crticas (BELO HORIZONTE, 2010). Alm disso, o BH-Cidadania articula-se ao Oramento Participativo e ao programa Vila Viva, que realiza intervenes urbanas estruturais para a reduo de parcela do dficit habitacional, a melhoria e recuperao de um estoque de moradias j existentes atravs da re-estruturao fsica e ambiental dos assentamentos, o desenvolvimento social e econmico e a melhoria das condies de vida da populao (BELO HORIZONTE, 2010). Observa-se que os programas e projetos desenvolvidos pelo municpio integram uma rede de aes estratgicas para a melhoria da qualidade de vida e reduo das vulnerabilidades, operando em diferentes nveis de determinao social da sade: do vnculo com sujeitos e coletividades e as estratgias de educao em sade prprios das equipes de sade da famlia interveno de re-estruturao do espao urbano, passando pela ao sinrgica e participativa das polticas sociais. Desenha-se um modelo de orientao das polticas e aes pblicas capaz de intervir em diferentes nveis de determinao (proximal, intermedirio e distal). Nesse sentido, poder-se-ia dizer que o municpio investe na impleme