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B&SD Ltda., fev 2002 p.1 Normas e certificações: Padrões para Responsabilidade Social de Empresas Beat Grüninger e Fabiana Ikeda de Oliveira * Empresas, comunidades e indivíduos ainda estão aprendendo a viver no mundo da globalização, da transformação tecnológica e das transições políticas. A privatização do setor público, a liberalização do mercado e a comunicação on-line resultaram na transferência massiva de bens e poder ao setor empresarial. O papel das empresas mudou significativamente. Normas e certificações na área da Responsabilidade Social Empresarial vêm sendo desenvolvidas para que empresas possam responder a desafios como ampliação de responsabilidades, exigência de transparência, perenidade em longo prazo e concorrência acirrada, trazidos pela nova realidade em que vivemos. Introdução Este texto tem como objetivo fornecer aos leitores informações sobre normas e certificações da área da responsabilidade social de empresas, seu desenvolvimento e aplicação. Dentro de um contexto mais amplo de padronização, pretende-se estabelecer vínculos com a gestão estratégica da responsabilidade social de empresas. A primeira parte descreve alguns conceitos utilizados, bem como a importância da padronização. A segunda parte trata com maior profundidade a SA8000 (Social Accountability 8000) e a AA1000 (AccountAbility 1000), atualmente considerados os dois principais modelos padronizados de responsabilidade social empresarial. No anexo, descrevemos alguns exemplos de normas e certificações, divididos em quatro áreas principais: qualidade, meio ambiente, saúde e segurança e sustentabilidade. * Beat Grüninger, Bacharel em Filosofia pela Universidade de Zurique, Suíça, com pós- graduação em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela ETH Zurique. Treinado como auditor social AA1000 pela SGS/EQ Management/Forum for the Future, Londres, e membro associado do ISEA, Institute of Social and Ethical Accountability e ISBEE – International Society of Business, Economics and Ethics. Conselheiro da GRI – Global Reporting Initiative – para indicadores relacionados ao desenvolvimento social de comunidades. Sócio-fundador da B&SD Desenvolvimento Econômico e Social Ltda. Fabiana Ikeda de Oliveira, Bacharel em Administração de Empresas pela EAESP/FGV. Treinada como Auditora Social SA8000 pela SAI – Social Accountability International. Conselheira da GRI – Global Reporting Initiative – para revisão de indicadores econômicos, sociais e ambientais integrados. Gerente de projetos de Responsabilidade Social Empresarial da B&SD Desenvolvimento Econômico e Social Ltda.

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Normas e certificações: Padrões para Responsabilidade Social de Empresas Beat Grüninger e Fabiana Ikeda de Oliveira* Empresas, comunidades e indivíduos ainda estão aprendendo a viver no mundo da globalização, da transformação tecnológica e das transições políticas. A privatização do setor público, a liberalização do mercado e a comunicação on-line resultaram na transferência massiva de bens e poder ao setor empresarial. O papel das empresas mudou significativamente. Normas e certificações na área da Responsabilidade Social Empresarial vêm sendo desenvolvidas para que empresas possam responder a desafios como ampliação de responsabilidades, exigência de transparência, perenidade em longo prazo e concorrência acirrada, trazidos pela nova realidade em que vivemos. Introdução Este texto tem como objetivo fornecer aos leitores informações sobre normas e certificações da área da responsabilidade social de empresas, seu desenvolvimento e aplicação. Dentro de um contexto mais amplo de padronização, pretende-se estabelecer vínculos com a gestão estratégica da responsabilidade social de empresas. A primeira parte descreve alguns conceitos utilizados, bem como a importância da padronização. A segunda parte trata com maior profundidade a SA8000 (Social Accountability 8000) e a AA1000 (AccountAbility 1000), atualmente considerados os dois principais modelos padronizados de responsabilidade social empresarial. No anexo, descrevemos alguns exemplos de normas e certificações, divididos em quatro áreas principais: qualidade, meio ambiente, saúde e segurança e sustentabilidade. *Beat Grüninger, Bacharel em Filosofia pela Universidade de Zurique, Suíça, com pós-graduação em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela ETH Zurique. Treinado como auditor social AA1000 pela SGS/EQ Management/Forum for the Future, Londres, e membro associado do ISEA, Institute of Social and Ethical Accountability e ISBEE – International Society of Business, Economics and Ethics. Conselheiro da GRI – Global Reporting Initiative – para indicadores relacionados ao desenvolvimento social de comunidades. Sócio-fundador da B&SD Desenvolvimento Econômico e Social Ltda. Fabiana Ikeda de Oliveira, Bacharel em Administração de Empresas pela EAESP/FGV. Treinada como Auditora Social SA8000 pela SAI – Social Accountability International. Conselheira da GRI – Global Reporting Initiative – para revisão de indicadores econômicos, sociais e ambientais integrados. Gerente de projetos de Responsabilidade Social Empresarial da B&SD Desenvolvimento Econômico e Social Ltda.

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Contexto e conceitos utilizados Normas e certificações são padrões, isto é, conjuntos amplamente aceitos de procedimentos, práticas e/ou especificações. As certificações diferem-se de normas basicamente pela conferência de atestados de conformidade a um conjunto de regras seguido por determinada organização, após a realização de sua verificação e auditoria por uma terceira parte ou órgão certificador. Na área da responsabilidade social, as normas e certificações vêm atender a uma demanda crescente por transparência e prestação de contas, fundamentais para qualquer processo de gestão socialmente responsável. A importância de normas e padrões está principalmente na definição e concordância de termos e procedimentos, o que permite uma certa comparabilidade da empresa com o restante do mercado. Outras vantagens trazidas pela padronização são: Consistência de procedimentos; Desenvolvimento de sistemas de gerenciamento para garantir

cumprimento e auditoria; Claras definições para divulgação pública de informações auditadas; Mecanismos de melhoria contínua; Incentivo ao mercado para o “jogo limpo”.

A SA8000 e a AA1000 foram escolhidas para integrar este texto dentre uma variedade de padrões existentes que cobrem aspectos de sustentabilidade, como mostra o quadro abaixo: Nome do padrão Foco do padrão Grupo Foco SA8000 (Social Accountability, SAI)

Condições de trabalho Todas as empresas

AA1000 (Accountability, ISEA)

Diálogo com stakeholders Organizações com ou sem fins lucrativos

Forest Stewardship Council FSC

Meio ambiente, comunidades locais

Empreendimentos agroflorestais

Marine Stewardship Council MSC

Meio ambiente, animais Pesca

ISO-Norms (9000, 14000, etc.)

Qualidade, meio ambiente Todas as empresas

Global Reporting Initiative GRI

Qualidade em relatórios de sustentabilidade

Todas as empresas

Tabela 1: Padrões globais com critérios sociais Mais informações sobre padrões existentes podem ser encontradas no anexo.

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Normas e certificações estão inseridas num contexto de gerenciamento estratégico da responsabilidade social empresarial que, tendo como base a transparência, valores éticos e diálogo, considera todas as partes envolvidas ou impactadas pela empresa e visa a melhoria das relações com estas partes. A figura 1 demonstra como as normas e certificações são integradas num modelo de gestão da responsabilidade social empresarial, com base no triângulo da sustentabilidade. Cada lado deste triângulo representa um aspecto de sustentabilidade: ambiental, social e econômico. A sustentabilidade econômica, sendo a base do triângulo, representa a base da organização. Apresentamos para cada lado uma certificação que apóia o desenvolvimento da organização frente ao aspecto social, ambiental e econômico. A figura demonstra, neste caso, a convivência e complementaridade de várias certificações e normas. Figura 1: Complementaridade de normas e certificações na gestão integrada A norma de processo AA1000 pode ser vista em combinação com o GRI como o “coração” do triângulo, por englobarem o gerenciamento com todos os stakeholders e estabelecerem metas nos três lados do triângulo. A SA8000 é uma certificação em sentido mais restrito. Por ser muitas vezes definida como “norma de responsabilidade social”, gera uma expectativa além de seu foco de relações com os trabalhadores. A seguir, apresentamos primeiramente a SA8000, seguida pelo escopo mais amplo da norma AA1000 que é, de forma mais justificada, padrão de gerenciamento da responsabilidade social empresarial.

Certificação Ambiental: ISO 14000

Certificação Social: SA8000

Auditoria Financeira

AA1000 + GRI

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SA8000 A SA8000 – Social Accountability 8000 – foi desenvolvida para garantir determinados direitos de trabalhadores inseridos no cenário global, onde empresas formam individualmente potências muitas vezes presentes em todos os continentes, tanto através do uso de fornecedores locais quanto através da implantação de estruturas fabris próprias em diferentes países. A informação em tempo real que atravessa fronteiras graças ao desenvolvimento das novas tecnologias fez com que consumidores de países europeus e norte-americanos se conscientizassem sobre a realidade que se esconde por trás de cada produto que compram. Pesquisas indicam que até 67% dos consumidores europeus pautam suas compras por critérios éticos e ecológicos (Ogilvy & Mather, 1996). No Brasil o movimento ainda não alcança números impressionantes. Pesquisa encomendada pelo Instituto Ethos aponta que 16% dos consumidores prestigiaram empresas consideradas socialmente responsáveis comprando seus produtos ou falando bem delas para outras pessoas (Indicator Opinião Pública, 2001). De qualquer forma, no cenário internacional existe cada vez mais a cobrança para que empresas demonstrem sua forma de trabalho em relação a fornecedores. As responsabilidades das empresas se ampliam, tanto quanto os riscos para sua imagem. Para citar um exemplo clássico, já em 1995, a empresa Nike pôde sentir os efeitos e o poder da cobrança por uma postura socialmente responsável. Uma denúncia de trabalho infantil na fabricação de suas bolas de futebol no Paquistão fez o valor de suas ações despencarem 50%, o que só foi recuperado após 18 meses. A resposta mais comum das empresas para prevenir este tipo de situação foi a implantação de códigos de conduta. Tais códigos determinam o que é permitido ou não no ambiente de trabalho, sendo mais ou menos abrangentes conforme a empresa. Esta saída não se mostrou totalmente eficiente uma vez que em muitos casos as regras não são facilmente entendíveis, transparentes e principalmente auditáveis por uma terceira parte, o que garantiria a sua aplicabilidade. Refletindo sobre este cenário, um grupo de representantes de empresas, sindicatos de trabalhadores e ONGs de direitos humanos, reunidos pela CEP - Council on Economics Priorities, iniciaram uma discussão para a busca de uma saída para a situação. A discussão acabou resultando na elaboração da norma de certificação da responsabilidade social SA8000. Lançada em outubro de 1997 pela CEPAA - Council on Economics Priorities Accreditation Agency (braço certificador da CEP), atualmente chamada SAI – Social Accountability International, organização não-governamental norte-americana, SA8000 é o primeiro padrão global de certificação de um aspecto da responsabilidade social de empresas. Tem como foco a garantia dos direitos

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dos trabalhadores envolvidos em processos produtivos, promovendo a padronização em todos os setores de negócios e em todos os países. Atualmente a SAI possui o papel de promover e estimular a implementação da norma no mundo todo, além de credenciar organizações qualificadas para verificação de conformidade (atualmente 7). Funcionamento Tendo como referência os padrões de gerenciamento da qualidade ISO9000 e o padrão de gerenciamento ambiental ISO14001, a SA8000 segue a estrutura que enfatiza a importância de sistemas de gestão para melhoria contínua. A norma é composta por 9 requisitos que têm como base as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças. A certificação cobra ainda o cumprimento de leis locais. Os requisitos que devem ser seguidos pela empresa são: Trabalho infantil: não é permitido. Trabalho infantil é aquele executado

por pessoa menor de 15 anos (ou a idade mínima estabelecida pelas leis locais, o que for mais restrito). Caso a empresa que estiver buscando a certificação tenha em seus quadros menores de 15 anos, ela não deve demiti-las. Deve nesse caso desenvolver e apresentar um plano de trabalho em que esteja assegurado que a criança não se submeta a trabalhos danosos à sua saúde e deve ainda ser garantida a sua educação. Isto evita que as crianças despedidas se submetam a trabalhos ainda mais penosos (já que geralmente estão inseridas num ciclo de pobreza e o trabalho é a única forma de sobrevivência);

Trabalho forçado: não é permitido. É caracterizado trabalho forçado

aquele em que o trabalhador não recebe remuneração em troca de seu esforço. Não é permitida a retenção de documentos pela empresa nem a realização de depósitos por parte dos empregados;

Saúde e segurança: devem ser asseguradas. Manutenção de um

ambiente de trabalho saudável, foco na prevenção de acidentes, manutenção de máquinas, utilização de equipamentos de segurança e treinamentos regulares devem constar em um sistema de gerenciamento de saúde e segurança da empresa.

Liberdade de associação e negociação coletiva: devem ser garantidas.

Os trabalhadores não devem necessariamente associar-se mas devem ter o direito ao diálogo com a empresa. A comunicação direta deve ser estimulada.

Discriminação: não é permitida. Especialmente nos casos de

contratação, remuneração, acesso a treinamento, promoção ou

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encerramento de contrato com base em raça, classe social, etnia, sexo, orientação sexual, religião, deficiência, associação a sindicato ou afiliação política.

Práticas disciplinares: não são permitidas. Punições físicas ou mentais,

coerção física e abuso verbal, pagamento de multas por não cumprimento de metas são todas práticas não permitidas.

Horário de trabalho: não deve ultrapassar 48 horas semanais, além de

12 horas-extras semanais. Pelo menos um dia de descanso deve ser providenciado num período de 7 dias. No caso do Brasil, a legislação é mais restrita, portanto é a que deve ser aplicada (44 horas semanais).

Remuneração: deve ser suficiente para cobrir custos de moradia,

vestuário, alimentação, além de uma renda extra. A empresa deve ainda assegurar que não sejam realizados contratos por trabalho executado ou esquemas de falsa aprendizagem para evitar o cumprimento de obrigações impostas por lei.

Sistemas de gestão: deve existir um sistema de gestão que garanta a

efetividade do cumprimento de todos os requisitos da norma, através de documentação, implementação, manutenção, comunicação e monitoramento da empresa em relação às questões abordadas na norma, num processo de melhoria contínua.

Além da conformidade em relação a estes requisitos, existem características primordiais que devem ser apresentadas pela empresa a ser certificada: comprometimento da alta administração; enfoque na prevenção e não na reação; conformidade com regras, códigos e leis locais; sistema para ações corretivas; participação dos funcionários; enfoque na melhoria contínua e busca de fornecedores éticos. O tempo e custo para certificação variam conforme o tamanho da empresa e a sua situação frente aos requisitos. Vale lembrar que os gastos não envolvem somente a certificação em si mas também os processos e correções necessárias para que a empresa alcance a certificação. Principais benefícios da SA8000 Dentre os benefícios oferecidos pela SA8000, destacam-se: a melhoria do relacionamento organizacional interno através da demonstração da preocupação com o trabalhador e do estabelecimento de condições adequadas de saúde e segurança; mais informação e portanto maior confiabilidade aos compradores; melhor gerenciamento da cadeia produtiva; segurança para a empresa e para seus investidores; além da consolidação de imagem e da reputação da empresa como socialmente responsável.

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Pontos controversos da SA8000 O enfoque na melhoria contínua define a certificação como um processo. De fato, a certificação tem a duração de 3 anos, com visitas semestrais durante este período. Dessa maneira, a empresa que consegue certificar-se pode não atender a todos os pontos da norma. Dependendo do rigor do auditor, ele poderá classificar a não-conformidade como “menor”, nome dado àquela não considerada grave e que não impede a certificação; ou não-conformidade “maior”, que impede a certificação. No caso de uma não-conformidade “menor”, deverá ser apresentado um plano de trabalho para melhoria deste ponto, que por sua vez deverá apresentar progresso nas visitas semestrais posteriores. A opinião do auditor frente a diferentes situações é crucial na certificação SA8000. Aliada à complexidade das questões tratadas pela norma, a possibilidade de parcialidade pode figurar entre um dos pontos mais sensíveis da SA8000. A busca por fornecedores éticos é outra principal dificuldade da norma na visão das empresas. Isto porque a idéia de se montar cadeias de suprimento socialmente responsáveis (pelo menos em relação aos direitos dos trabalhadores) pode figurar quase como utópica em empresas de grande porte onde existam centenas de fornecedores. A solução para este caso parece ainda não ser clara. Porém, deve existir estímulo por parte das empresas certificadas para que seus fornecedores também se engajem na obtenção da certificação SA8000. Outro fator que impede as empresas de aderirem à certificação é o custo incorrido de certificação, que envolve não somente a contratação de uma certificadora, mas também a implantação de sistemas de gestão e ações corretivas necessárias. Nesse sentido, a empresa que já possui certificação de qualidade de processos, produtos e serviços, tem mais facilidade para a obtenção da SA8000, pois os sistemas de gestão exigidos pelas normas podem ser integrados e existe ainda internamente a familiaridade com o processo. Qual o futuro da SA8000? O grande desafio para SA8000 é conseguir a abrangência global pretendida. A resposta aos seus pontos controversos apresentados aqui pode ser o primeiro passo para alcançar tal desafio, e já vem ocorrendo num processo gradual de amadurecimento. Este processo pode ser importante para a construção de uma norma sólida, entendível e aplicável. Vale ainda lembrar que a SA8000 abrange somente uma parte do universo da responsabilidade social empresarial, a que trata da questão interna e em relação aos trabalhadores. De maneira geral, este deveria ser o primeiro passo

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dado pela empresa que procura a responsabilidade social, pois a mudança real é algo que deve partir de dentro para fora da empresa. A empresa socialmente responsável que aderir à certificação provavelmente não encontrará grandes dificuldades no alcance dos requisitos da norma. A própria natureza da empresa socialmente responsável, de internalização de valores que pautam sua prática de negócios, faz com que a certificação se torne apenas a sistematização e a constatação de sua condição e não um objetivo difícil de ser alcançado.

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AA1000: a responsabilidade social no gerenciamento da empresa Nos últimos anos, presenciamos o crescente envolvimento de empresas em ações de responsabilidade social. O relatório social anual e o balanço social são as principais formas encontradas pelas empresas para prestar contas ao público sobre sua atuação social. Ao contrário do relatório financeiro, o relatório social não possui uma fórmula definida ou padronizada. Por um lado, a indefinição é reflexo natural e saudável dos primeiros passos do desenvolvimento de uma nova agenda empresarial. Por outro, acaba trazendo o desentendimento e até mesmo a desconfiança do público. Muitas vezes, as empresas não sabem como incluir aspectos éticos e sociais em seu gerenciamento, o que torna ainda mais difícil medir e mostrar com profundidade os resultados desta performance. Com o objetivo de fornecer uma ferramenta prática para guiar organizações no gerenciamento e na comunicação da responsabilidade social, o AA1000 (AccountAbility 1000) foi desenvolvido. Lançado em novembro de 1999, em versão ainda não definitiva, o AA1000 tem o desafio de ser o primeiro padrão internacional de gerenciamento da responsabilidade social. A versão preliminar foi baseada em projetos pilotos de várias empresas que realizavam seu planejamento estratégico e gerenciamento visando uma política de responsabilidade ética e social. O ISEA - Institute of Social and Ethical Accountability – é uma organização não-governamental sediada em Londres, Reino Unido, que tem como missão promover e dar suporte às organizações na implementação de sistemas de gestão éticos e sociais. Em sua primeira experiência neste sentido, o ISEA prestou assessoria e reuniu os vários casos organizacionais que resultaram no AA1000. Hoje, a organização possui um papel fundamental no aprimoramento e divulgação do padrão: é ela quem monitora a formação de seus gestores, além de promover e regulamentar o AA1000. O AA1000 foi desenvolvido tendo o conceito da responsabilidade social, de conhecimento e inclusão da opinião e necessidades de partes interessadas ou impactadas em seu negócio na tomada de decisão, como princípio e base. Busca ainda viabilizar a sustentabilidade econômica, social e ambiental da organização. O processo A organização empresarial, não-lucrativa ou governamental que adota o AA1000 deve seguir um processo contínuo de ciclos de atividades (veja figura 2), que teêm como principais passos a definição ou redefinição de valores, desenvolvimento de metas de performance ética e social e avaliação e

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comunicação do desempenho em relação às metas desenvolvidas. O primeiro passo é o estabelecimento de um estudo de escopo (“scoping study”), que define os limites de processo e não é repetido no ciclo de auditoria regular: é um passo introdutório e único. Figura 2: Exemplo de ciclo de atividades dentro do processo AA1000 Fazem parte da norma oito princípios de qualidade especificados abaixo, agrupados por área de referência: Escopo e natureza do processo:

- Completude - Materialidade - Regularidade e oportunidade

Significado da informação: - Garantia de qualidade dos dados - Acessibilidade - Qualidade da informação

Gestão de processo contínuo:

- Integração de sistemas - Melhoria contínua

O próprio processo segue um ciclo de atividades definido, agrupadas nos cinco elementos do processo AA1000:

Avaliar performance ética e social atual

Identificar os stakeholders

Iniciar primeiro ciclo de auditoria

Consultar stakeholders

CCoonnccoorrddaarr ssoobbrreeiinnddiiccaaddoorreess ee

oobbjjeettiivvooss

Processo demelhoria

VVeerriiffiiccaaççããoo eexxtteerrnnaa

CCoommuunniiccaarr rreessuullttaaddoo

RReevviissaarr eessccooppoo

MMeeddiirrppeerrffoorrmmaannccee

Identificar assuntos

“Scoping”

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1. Planejamento (Planning) 2. Contabilidade social (Accounting) 3. Auditoria e relatoório social (Auditing and Reporting) 4. Integração dos sistemas (Embedding) 5. Diálogo com stakeholders (Stakeholder Dialogue)

Os elementos 4 e 5 são os fundamentos de todo o processo (veja figura 3). O elemento da inclusão dos stakeholders é uma característica que difere o processo AA1000 de todos os outros sistemas de gestão e de qualidade. Isto quer dizer que a organização deve utilizar sua liderança para possibilitar e ampliar seu diálogo com funcionários, clientes, fornecedores, comunidades, governo, representantes do meio ambiente, acionistas, entre outros. As opiniões e necessidades de cada stakeholder devem integrar o processo, guiando a formação de metas organizacionais em relação a cada parte interessada e de indicadores de performance para avaliação destas metas.

Figura 3: Elementos básicos do processo É, portanto, justamente esse processo de sistematização do envolvimento de stakeholders que legitima a empresa como sendo socialmente responsável, tornando as informações, levadas a público pela organização, mais confiáveis. O processo ainda possibilita o melhor gerenciamento de riscos potenciais em relação a cada stakeholder, além de fazer com que a organização estabeleça um melhor relacionamento com os diferentes públicos.

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Assim, a melhoria na performance de sustentabilidade da organização traduzida em aumento da confiança, compromisso, lealdade e produtividade, ocorre na medida em que ela exercita e sistematiza o diálogo com stakeholders em relação aos impactos sociais, econômicos e ambientais que as atividades da organização trazem e podem trazer. Padrão ou certificação? O AA1000, apesar de ser um padrão, não é uma certificação social em sentido restrito. Ele não dita os níveis de performance que uma organização deve alcançar, nem verifica conformidades segundo um ideal. O fato de o AA1000 não representar um “atestado” ao final do processo pode ser considerado um dos principais fatores que dificultam o seu entendimento e a sua adesão por parte das organizações. Optou-se pela não certificação principalmente porque o estabelecimento de metas específicas de responsabilidade social para cada organização em relação a cada stakeholder varia muito de caso para caso e, portanto, fica difícil a padronização. Por enquanto, o papel do AA1000 está mais focado na promoção da aprendizagem contínua da organização. ËÉ claro que, através da exigência para alcançar melhores práticas em relação a cada stakeholder, o padrão AA1000 apóia a introdução e implementação de outras normas e/ou certificações dentro do gerenciamento da organização. Hoje, nos exemplos das empresas que aplicam o modelo AA1000, encontramos uma forte tendência de aderir aos critérios doa Global Reporting Initiative e, nos casos do Brasil, de estabelecer o preenchimento dos Indicadores Ethos como parte essencial do processo. Idealmente, o processo AA1000 leva a organização à implementação de certificações para todos os aspectos da sustentabilidade (veja figura 1). Estabelecimento e sistematização de diálogo Se por um lado o estabelecimento e sistematização do diálogo entre organização e seus stakeholders é considerado fundamental pelo AA1000,; por outro, é um tópico ainda não completamente desenvolvido pelo padrão, -- isto é, não existem procedimentos claramente estabelecidos e sistematizados pelo AA1000 para o diálogo. Esta é uma questão que levanta dúvidas e dificuldades para as organizações que já adotaram o AA1000 como padrão para seu gerenciamento social e ético, mas espera-se que, com o tempo, a troca de experiências que o ISEA promove entre seus membros e a revisão e contínua melhoria proposta pela norma possam equilibrar esta situação.

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Principais custos e benefícios para as empresas Os principais custos com o processo são aqueles relacionados com: o tempo de gerenciamento, que varia conforme o tamanho e complexidade da organização e que deve estar, junto com as responsabilidades pelo andamento do processo, diluído em todos os níveis da empresa; capital e recursos gastos no suporte para alcançar a melhoria das metas estabelecidas; custos com verificação, auditoria e elaboraçãofeitura de relatórios e sistemas de comunicação com stakeholders. O principal benefício trazido pelo AA1000 às organizações é o próprio estabelecimento de um sistema de gerenciamento de sua responsabilidade social e ética, o que pode gerar, entre outras conseqüências: Prática “real” do conceito de responsabilidade social; Imagem positiva e um melhor relacionamento com todos os públicos; Capacidade de medir sucesso e benefícios por parâmetros mais

abrangentes (social, ambiental e econômico); Transformação de sua abordagem de “compliance” para a de

sustentabilidade; Visão geral do que está acontecendo na organização e

conseqüentemente possibilitar o gerenciamento pró-ativo de riscos potenciais;

Melhores parâmetros para tomada de decisão; Melhoria contínua graças ao feedback do stakeholder, que identifica

pontos para melhoria e estabelece metas com indicadores que possam medir performance e progresso.

Adaptabilidade e aperfeiçoamento contínuo A adaptabilidade do AA1000 fica evidente nos exemplos de empresas que já aplicam o padrão. No mundo todo, organizações de setores bastante diversos, como Shell International, British Telecom e The Body Shop International plc. utilizam métodos do AA1000 em seus sistemas de gestão, medição e comunicação da performance ética e social. No Brasil, especificamente, já existe um grupo de empresas envolvidas na aplicação do padrão (também de setores bastante diversos): SESI-SC, CEMIG-MG, Samarco Mineração – ES e Souza Cruz – RJ. Recentemente, o ISEA, num esforço de aperfeiçoamento contínuo, estabeleceu uma fase de consulta de stakeholders para revisão da norma e apresentação de novos elementos para a nova versão (AA1000 S – AA1000 Series). Entre os novos elementos figuram: desenvolvimento de práticas para aprendizagem e inovação organizacional; desenvolvimento de métodos efetivos para comunicação com stakeholders; implementação de sistemas de gerenciamento que monitoram e aprendem com resultados organizacionais e engajamento de stakeholders; alcançar confiança, respeito e cooperação

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pública através de relatórios e processos de verificação transparentes; utilizar processos de governança para gerenciar risco para otimizar performance. Referências bibliográficas AccountAbility 1000 (AA1000) Framework: Standard, Guidelines and Professional Qualification, Exposure Draft, Institute of Social and Ethical Accountability, 1999 AccountAbility Quarterly - Making Stakeholders engagement work: the AA1000 Series, Third and Fourth Quarters, 2001 MCINTOSH, LEIPZIGER, JONES E COLEMAN: Corporate Citizenship – Successful Strategies for Responsible Companies –– Financial Times Pitman Publishing, 1998 WHEELER, David e SILLANPAA, Maria: The Stakeholder Corporation –– Pitman Publishing, 1997 ZADEK, Simon, PRUZAN, Peter e EVANS, Richard: Building Corporate Accountability, Earthscan, 1999 Websites SAI – Social Accountability International – www.sa8000.org ISEA – Institute of Social and Ethical Accountability – www.accountability.org.uk GRI - Global Reporting Initiative – www.globalreporting.org

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Anexo Neste anexo descrevemos alguns exemplos de normas e certificações, divididos em quatro áreas principais: qualidade, meio ambiente, saúde e segurança e sustentabilidade. QUALIDADE ISO: ISO9001, 9002, 9003 Os padrões ISO - International Standard Organization – são focados em desenvolvimento e certificação de sistemas de gerenciamento. Incorporam processos de execução de políticas, planejamento, implementação e operação, auditoria, ações preventivas e corretivas e revisão com foco geral na melhoria contínua. A comunicação é elemento-chave para os padrões ISO. Existe pouca ênfase no diálogo com stakeholders. MEIO AMBIENTE EMAS EMAS (European Eco-Management and Audit Scheme) é um padrão dirigido às indústrias. O registro é local. Foca políticas, programas e sistemas de gerenciamento ambientais. É voluntário mas requer validação independente e relatórios públicos. Encoraja a empresa a estabelecer equilíbrio entre negócios e responsabilidade pública. ISO14000 Parte da série ISO, a ISO14001 possui foco específico em aspectos ambientais. Está alinhada e é complementar aos padrões ISO9000. SAÚDE E SEGURANÇA OHSAS 18001 OHSAS 18001 (Organizational Health and Safety Assessment Series) trata das questões de saúde e segurança ocupacional. Tem suporte de organizações padronizadoras internacionais e requer um sistema completo de gerenciamento de risco em áreas industriais. HCS HCS (Humane Cosmetic Standard) é resultado de uma coalizão de grupos protetores de animais. Tem por objetivo reduzir o número de animais utilizados em testes cosméticos. O padrão descreve processos para definir e envolver a política empresarial, monitoramento da performance e verificação independente de sistemas de monitoramento. O processo de relato é limitado. Empresas que seguem os requisitos podem estampar um selo nos produtos.

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SUSTENTABILIDADE (inclui aspectos sociais, ambientais e econômicos) FSC O padrão FSC (Forest Stewardship Council) é um padrão de certificação com requerimentos definidos para planejamento, definição de objetivos e meios para alcance destes objetivos. O FSC tem foco no impacto ambiental do gerenciamento florestal, mas inclui também o impacto em comunidades locais e trabalhadores e a viabilidade econômica do uso florestal. Monitora toda a cadeia produtiva e enfatiza a documentação e rastreabilidade. MSC O MSC (Marine Stewardship Council) é um padrão de certificação para a pesca sustentável. Como o FSC, o MSC é um produto da colaboração de organizações de proteção ambiental, como WWF, e representantes do setor privado. AA1000 O AA1000 (AccountAbility 1000) é um padrão certificável da responsabilidade social, focado em assegurar a qualidade da contabilidade, auditoria e relato da responsabilidade social e ética. Seu processo é orientado pelo engajamento de stakeholders através de diálogo com a empresa para melhoria contínua. É baseado em transparência e performance. O padrão foi desenvolvido pelo ISEA - Institute of Social and Ethical Accountability - de Londres. GRI O guia para relatórios de sustentabilidade da GRI (Global Reporting Initiative) foi desenvolvido através do diálogo multi-stakeholder. O GRI foca no relato e não é certificável. O GRI tem como objetivo cobrir um amplo conjunto de aspectos sociais e éticos, bem como aspectos ambientais e econômicos. SA8000 A SA8000 (Social Accountability 8000) da SAI – Social Accontability International - é um padrão de responsabilidade social e prestação de contas, com foco em condições de trabalho. Baseia-se em normas internacionais como as convenções da OIT, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança. Inclui definição de políticas, monitoramento de atividades e resultados, verificação de conformidade, comunicação de procedimentos e desenvolvimento de sistemas de gerenciamento. A SA8000 foi desenvolvida e é objeto de um processo de melhoria contínua, construído em consenso pelo diálogo com stakeholders. Não inclui o engajamento de stakeholders como parte essencial do processo de responsabilidade social e prestação de contas.