Matrimônio e Família Nos Santos Padres, Nos Concílios Particulares e Nas Coleções Canônicas

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srozante.blogspot.com.br http://srozante.blogspot.com.br/2014/02/matrimonioefamilianossantospadres.html Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos Concílios Particulares e nas Coleções Canônicas (Parte I) À propósito do Sínodo dos Bispos que ocorrerá em outubro, sobre a Família, trago um estudo do Pe. Aurelio Fernández sobre a indissolubilidade do Matrimônio. É também uma contestação às várias inverdades, que, com esse novo Sínodo pedido pelo Papa Francisco, estão aparecendo. Vamos à ele, então. http://egosumquisum.bloog.pl/ INTRODUÇÃO O teólogo e também o crente em Cristo tem que estar familiarizado com a interrelação que existe entre a Sagrada Escritura e a Tradição. Conforme a doutrina católica que recolhe a Constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II, "a Tradição e a Escritura constituem o depósito sagrado da Palavra de Deus, confiado a Igreja" (DV 10). Por isso, se dá entre ambas uma mútua e íntima relação: "A Tradição e a Escritura estão estreitamente unidas e compenetradas: emanam da mesma fonte, se unem em um mesma coisa, tendem ao mesmo fim" (DV 9). Neste Capítulo expõese a doutrina da Tradição, cuja voz mais autorizada, segundo afirma o Concílio, é o ensinamento dos Padres: "As palavras dos Santos Padres atestam a presença viva dessa Tradição, cujas riquezas vão passando à prática e à vida da Igreja que crê e reza" (DV 8). Deste modo, pela interpretação dos Padres, além de aperfeiçoar o ensinamento da fé católica da instituição familiar segundo os planos de Deus, alcançase a veracidade da exegese dos textos bíblicos. De fato, um dos serviços mais qualificados que os Santos Padres fizeram à Igreja, foi a interpretação da Sagrada Escritura: "Os Padres são primeiro e essencialmente comentadores da Sagrada Escritura: divinorum librorum tractatores (Santo Agostinho)... seus méritos para uma melhor compreensão dos Livros Sagrados são incalculáveis. Eles permanecem para nós verdadeiros mestres, e podese dizer superiores, sob tantos aspectos, aos exegetas do Medievo e da Idade Moderna por "uma espécie de suave intuição das coisas celestiais, por uma admirável penetração do espírito, graças às quais vão mais adiante no aprofundamento da palavra divina" (Pio XII). A doutrina da Tradição se exporá brevemente, pois não é fácil resumir a riqueza de dados que oferece a história no campo da Teologia, assim como no âmbito do Direito Canônico. A brevidade da documentação

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Tradução ao português do cap. V do libro LA MORAL DE LA PERSONA Y LA FAMILIA-tomo II DE Aurelio Fernandez, por el blog srozante.blogspot.com

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17/10/2015 Sensus Naturalis: Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos Concílios Particulares e nas Coleções Canônicas (Parte I)

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Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos ConcíliosParticulares e nas Coleções Canônicas (Parte I)

À propósito do Sínodo dos Bispos que ocorrerá em outubro, sobre a Família, trago um estudo do Pe.Aurelio Fernández sobre a indissolubilidade do Matrimônio. É também uma contestação às váriasinverdades, que, com esse novo Sínodo pedido pelo Papa Francisco, estão aparecendo. Vamos à ele,então.

http://ego­sum­qui­sum.bloog.pl/

INTRODUÇÃO

O teólogo ­ e também o crente em Cristo ­ tem que estar familiarizado com a inter­relação que existeentre a Sagrada Escritura e a Tradição. Conforme a doutrina católica que recolhe a Constituição DeiVerbum do Concílio Vaticano II, "a Tradição e a Escritura constituem o depósito sagrado da Palavra deDeus, confiado a Igreja" (DV 10). Por isso, se dá entre ambas uma mútua e íntima relação: "A Tradição e aEscritura estão estreitamente unidas e compenetradas: emanam da mesma fonte, se unem em um mesmacoisa, tendem ao mesmo fim" (DV 9).

Neste Capítulo expõe­se a doutrina da Tradição, cuja voz mais autorizada, segundo afirma o Concílio, éo ensinamento dos Padres: "As palavras dos Santos Padres atestam a presença viva dessa Tradição, cujasriquezas vão passando à prática e à vida da Igreja que crê e reza" (DV 8). Deste modo, pela interpretaçãodos Padres, além de aperfeiçoar o ensinamento da fé católica da instituição familiar segundo os planos deDeus, alcança­se a veracidade da exegese dos textos bíblicos. De fato, um dos serviços mais qualificadosque os Santos Padres fizeram à Igreja, foi a interpretação da Sagrada Escritura:

"Os Padres são primeiro e essencialmente comentadores da Sagrada Escritura: divinorum librorumtractatores (Santo Agostinho)... seus méritos para uma melhor compreensão dos Livros Sagrados sãoincalculáveis. Eles permanecem para nós verdadeiros mestres, e pode­se dizer superiores, sob tantosaspectos, aos exegetas do Medievo e da Idade Moderna por "uma espécie de suave intuição das coisascelestiais, por uma admirável penetração do espírito, graças às quais vão mais adiante no aprofundamentoda palavra divina" (Pio XII).

A doutrina da Tradição se exporá brevemente, pois não é fácil resumir a riqueza de dados que oferece ahistória no campo da Teologia, assim como no âmbito do Direito Canônico. A brevidade da documentação

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que aqui aportamos, está garantida pela abundante bibliografia que existe sobre o tema. De fato, osestudos sobre a história do Matrimônio e da Família nos primeiros séculos da Igreja são muito numerosos. Aqui oferecemos somente os testemunhos que contemplam mais proximamente a situação atual deambas as instituições, com o fim de iluminar as dificuldades e ofertar uma ajuda as aspirações de nossotempo.

Neste Capítulo aportam­se os dados mais destacados em torno à unidade e indissolubilidade doMatrimônio. Também aponta­se brevemente o caráter sacramental, e expõe algumas considerações dosPadres sobre a finalidade do Matrimônio. As questões relacionadas com a função procriadora e outrasexigências éticas na Família se tratam nos Capítulos respectivos.

Convém adiantar que na história do Cristianismo não se repete a crônica da corrupção tão considerávelà que esteve submetido o Matrimônio no Antigo Testamento. Ao contrário, a doutrina de Jesus Cristo e dosApóstolos deu lugar a que o Matrimônio monogâmico e indissolúvel se institucionalizasse nos povos que seconverteram à fé, até o ponto de que as irregularidades que aqui citamos, são verdadeiras exceções à leigeral que se impôs pela ação dos cristãos.

Esta reforma profunda do Matrimônio e da Família, afetou o conjunto da geografia pagã, não só daGrécia e de Roma, mas também daqueles outros ambientes culturais onde se estendeu o Cristianismo,quais são, por exemplo, os países do Oriente, América e África na medida em que foram evangelizados.Daí que a extensão do divórcio e certa prosmicuidade nas relações homem­mulher, que caracterizamamplos setores da cultura ocidental de nosso tempo, significa um lamentável retrocesso a épocas quepareciam já definitivamente superadas.

I. O MATRIMÔNIO NO ENSINAMENTO DOS SANTOS PADRES

Os Santos Padres, bem a nível de ensinamento catequético, ou no âmbito da exegese aos textosbíblicos, transmitem uma doutrina abundante sobre a natureza do Matrimônio. Frente a legislação e à práxissocial da época, na que o divórcio tinha plena vigência, reconhecida pelas legislações, primeiro da Grécia eRoma, e mais tarde pelas leis dos povos germanos, os Padres defendem a unidade e indissolubilidade dainstituição familiar tal como ensina a Escritura; se bem que dão algumas vacilações doutrinais, e seoutorgam exceções na vida pastoral.

No entanto, em conjunto, cabe extrair uma doutrina ética bastante elaborada sobre as questõesprincipais que interessam ao Matrimônio e à Família. Mas, com o fim de fazer uma interpretação próximaaos textos, será preciso fixar alguns critérios de interpretação.

1. Princípios metodológicos para a reta interpretação dos textos patrísticos

Dado que dão­se explicações diversas sobre os textos da literatura patrística, impõe­se uma questãoprévia de hermenêutica para a reta compreensão dos mesmos. É preciso formular algumas normasmetodológicas que orientem a exegese das afirmações dos Padres. Neste aspecto, destacam­se osestudos de Henri Crouzel e de Tomás Rincón.

a) Os textos divorcistas do direito civil, mesmo dos Imperadores cristãos, não cabe admiti­los comodoutrina assumida pela Hierarquia

­ Quem mantêm que a Igreja primitiva foi permissiva em torno ao divórcio, com a possibilidade decontrair um novo Matrimônio, argumentam sobre esse suposto: "Os cristãos não podiam fazer aquilo que odireito civil não permitia". Contudo, esse princípio assumido de modo acrítico silencia um fatoincontrovertido: o de que os cristãos deste período mantiveram atitudes de condenação contra opermissivismo do Estado. Os testemunhos dos Padres são numerosos. À esse respeito convém alegar anorma formulada no século IV por São Jerônimo, mas vivida já desde o início do Cristianismo: "Uma coisasão as leis de César, e outra a lei de Cristo; uma coisa é a lei de Papiniano, e outra a de Paulo...".

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D'Ercole fornece numerosos testemunhos de oposição a ordem jurídica estabelecida. Por conseguinte,esses dados dão valor ao princípio invocado, ou seja, que os cristãos seguissem a práxis do Império.

­ Também esses autores reforçam sua tese no fato de que não existia uma legislação cristã sobre oMatrimônio, pelo que, em sua opinião, o vigente juridicamente era o Direito Romano que permitia o divórcio,ao qual deviam também submeter­se os cidadãos romanos convertidos ao Cristianismo. Estaargumentação supõe que os primeiros cristãos identificavam "legalidade" com "moralidade". Mas as Atasdos Mártires provam claramente o contrário. É evidente que houve exceções, pois sabe­se que algunscasais cristãos se acomodaram por conveniência à lei civil divorcista. Mas estes casos eram submetidos agraves penitências quando intentavam reconciliar­se com a Igreja.

­ Esses mesmos autores insistem em que ainda os Imperadores cristãos emitiram leis que permitiram odivórcio. Esta normativa divorcista do Império à partir do século IV necessita alguma precisão. É certo queinclusive as leis emitidas depois da conversão dos Imperadores eram divorcistas. Mas o motivo era quelegislavam não só para os católicos, mas para todo o Império. A atitude cultural da época, assim como assituações sociais nas que se estendeu o Cristianismo, condicionaram a ação legislativa dos Imperadorescristãos. Eles não podiam mudar bruscamente o direito matrimonial romano, sem deixar de produzir umasubversão de toda ordem social.

Mas, quando o Cristianismo se converteu na religião oficial, a atitude dos crentes era tão crítica, que sepretendeu exigir a práxis cristã sobre a indissolubilidade, mesmo aos não batizados, pois concebia­se adoutrina de Gênesis 2, 24 como um plano geral da Criação, pelo que a norma anti­divorcista devia obrigartambém aos pagãos. Esta aspiração não se obteve até o século X ­ em concreto, à partir de Carlos Magno ­, quando a Igreja assumiu o controle legal sobre o Matrimônio, e desbancou a influência do poder civil.Desde então, o Direito Canônico regulou o Matrimônio entre os batizados, e orientou a legislação civil sobreo mesmo.

Em concreto, resulta evidente que, se bem não existia "uma legislação cristã", os crentes tinhamconsciência de que não lhes era permitido o que garantia o Direito Romano vigente. Ademais, o DireitoRomano "não obrigava a casar­se novamente, mas permitia". Pelo que os cristãos da época adotaram amesma disposição que a que se assume em nosso tempo, nas nações em que se permite o divórcio:podem­se "separar" juridicamente, mas recusam contrair novas núpcias.

Os primeiros cristãos tinham consciência que eles constituiam uma porção separada dos costumes daépoca. Daqui deriva o nome de "paróquia" (colônia estrangeira): eles consideravam­se uma colôniaapartada dos costumes pagãos de um povo, no meio do qual viviam. Disso dá testemunho o Discurso aDiogneto:

"Os cristãos, habitando as cidades gregas ou bárbaras, segundo a sorte que a cada um cabe, dãomostras de um teor de peculiar conduta, admirável, e, por confissão de todos, surpreendente... Obedecemas leis estabelecidas, mas com sua vida sobrepassam as leis."

b) Rito civil e Rito religioso na administração do Matrimônio

Aqueles que se recusam a interpretar a literatura antiga em chave divorcista, tratam de argumentar àpartir do fato de que a celebração do Matrimônio cristão não disponha de rito próprio. Pelo que, concluem, oMatrimônio entre os crentes era um Matrimônio puramente civil. Este era, em conseqüência, afirmam, o quecontemplam os Padres.

Mas tal interpretação dos testemunhos patrísticos carece também de fundamento, se com ele quer­selegitimar o divórcio, pois, se bem é certo que nos primeiros séculos não se conhece uma liturgia católicadistinta para a celebração dos Matrimônios entre batizados, existiu uma oração cristã que acompanhava acelebração.

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"Os meios judeu­cristãos conservaram evidentemente a liturgia doméstica do matrimônio judeu: oraçõesimprovisadas pelos pais dos esposos e bençãos nupciais recitadas ao longo da alimentação de bodas. Paraa redação do contrato matrimonial, era normal recorrer à um membro do clero... Com tal ocasião, a famíliacristã podia convidar o presbítero ou o Bispo, a pronunciar uma pregação pelos esposos. Assim, os meiosjudeu­cristãos puderam de modo natural adotar esses usos... No Ocidente não conhecia­se cerimônialitúrgica alguma da que dependesse a validez eclesial do Matrimônio dos fiéis... Mas na Igreja da Áfricanota­se a presença do Bispo para assistir a leitura das "tabulae nupciales."

Não obstante, é certo que fora das particularidades, os dados que possuímos sobre a celebração doMatrimônio cristão são escassos. Mas a constatação de que os batizados mantiveram a práxis de celebrarentre si os Matrimônios conforme os usos da época, não quer dizer que seus ritos tivessem proximidadealguma com o matrimônio civil atual, tal como celebra­se depois da Revolução Francesa. O matrimônio noâmbito cultural antigo era sempre um ato religioso, e neles invocava­se a ação protetora dos deuses. Peloque os cristãos não podiam menos de suprimir essas práticas de culto às divindades pagãs. Daí que, desdeo começo, junto às cerimônias "laicas" de seu tempo, adicionaram as invocações à Cristo.Consequentemente, sem ser um rito tipicamente cristão, o Matrimônio entre os crentes adotou, em todo omundo, um ambiente cristão ao ritmo de "uma lenta e progressiva liturgização".

Por conseguinte, os Padres em seus escritos não contemplam o "matrimônio civil", mas a "união emCristo", e à ela aplicam a doutrina do Novo Testamento do Matrimônio cristão.

c) Distingüir entre "separação" e "divórcio"

Porque a terminologia não está, todavia, suficientemente fixada, é preciso distingüir claramente entre"separação" dos cônjuges, e divórcio, ou seja, separação com possibilidade de iniciar novo matrimônio.

Quando os Padres falam de ruptura do Matrimônio, não entendem conforme o Direito Romano, a saber,com a possibilidade de contrair um novo matrimônio, mas expressam a simples separação dos esposos.Alguns autores querem descobrir nos textos patrísticos que falam de "separação" no conceito romano dedivórcio, com possibilidade de contrair novas núpcias. É certo que abundam os textos patrísticos queafirmam que, em caso de adultério, "rompe­se" o Matrimônio; ou também que os cônjuges se "desligam".Contudo, estas expressões nos escritos dos Padres não têm um sentido técnico, mas significam que,efetivamente, não cabe Matrimônio "entre três", pelo que o adultério "rompe" o Matrimônio. Daqui apermissão do cônjuge inocente de que pode "separar­se", mas sem a possibilidade de "unir­se" em novasnúpcias.

Por conseguinte, estes textos não empregam o termo "ruptura" in sensu stricto. Inclusive juristas comoTertuliano, quando em seus escritos usam esses termos, não o fazem em sentido teológico ou jurídico, masvulgar. Daqui que, esses mesmo autores ­ se se excetua o Ambrosiaster ­ em outros textos, inclusive namesma página, negam que o adúltero ou a parte abandonada possam contrair novo matrimônio.

"Ver nos termos "ruptura" ou "dissolução" do Matrimônio, à causa do adultério, a permissão de um novomatrimônio, é imaginar que os Padres o usam em sentido técnico, segundo o sentido do Direito Romano...É, pois, um anacronismo projetar sobre os textos antigos o sentido técnico que tem hoje, e que não seencontra nos textos jurídicos anteriores à Justiniano."

d) Aspecto moral, doutrina teológica e dimensão jurídica do divórcio

Para julgar a doutrina dos Padres, é preciso ter em vista este triplo aspecto que afeta a instituiçãomatrimonial. Ao menos nos esposos cristãos, o divórcio encerra sempre uma dimensão ética porque seviola um valor moral. Daqui que incida na consciência dos cônjuges. Ao mesmo tempo refere umadimensão jurídica, porquanto regula direitos e deveres dos contraentes. E ambas dimensões derivam darealidade teológica do Matrimônio.

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Pois bem, quando nos encontramos com um testemunho patrístico que mostra­se tolerante com odivórcio, é indispensável julgar se o ensinamento dos Padres refere­se ao aspecto teológico (porquantohesitaria na doutrina), ou considera tão somente a dimensão jurídica ao não exigir o cumprimento danorma, ou se atende o aspecto moral, ante o qual o hierarca assume uma atitude de perdão.

No primeiro caso, estaríamos diante de um estado de erro doutrinal; no segundo, trataria­se de umasituação de jure ou de fato, ou seja, de tolerância; e a terceira refletisse a atitude de acolhimento, a saber,de perdão. Como faz notar T. Rincón, é preciso sobretudo distingüir nos textos dos Padres as situações detolerância, que consentem no divórcio para evitar males maiores ­ quaestio de facto ­, daqueles casos emque mantêm a doutrina e tratam de que cumpram a norma ­ quaestio de jure ­. Aquela seria "uma atitudepastoral frente à uma situação já criada, mas não querida, nem permitida pela Igreja".

e) Os textos obscuros hão de ser interpretados segundo os testemunhos mais explícitos, "sed non contra"

Este critério hermenêutico tão elementar deve aplicar­se rigorosamente à nosso tema. É claro que naabundante literatura patrística ­ em ocasiões tão pouco sistemáticas ­ podem­se citar textos que, na puraliteralidade, cabe interpretá­los ao menos como duvidosos em relação a indissolubilidade do Matrimônio.Agora, estes textos obscuros devem ser interpretados à luz do ensinamento expressado pelo autor namesma obra, ou em outros escritos. Se resulta que sua doutrina é contrária à do texto duvidoso, serápreciso interpretá­lo à luz dos testemunhos mais explícitos do autor sobre o mesmo tema.

f) Rigor científico no uso dos textos

Outras vezes os testemunhos que se alegam são textos recortados, que se citam fora do contexto emque estão escritos. Nestes casos, não só se prescinde desta elementar regra hermenêutica, mas falseia­seo testemunho mesmo aduzido.

Dão­se outros critérios insuficientes para enfrentar­se com a literatura patrística, tais como adotar umapostura prévia que faça dizer aos textos o que não se contêm neles; formular conclusões gratuitas que nãopermite deduzi­las dos testemunhos citados; abusar de "hipóteses de trabalho" que são adiantadas, semque logo se aduzam provas ao efeito; apelar continuamente ao "argumento do silêncio", quando, em geral,cabe aduzir abundantes testemunhos que negam tais silêncios; a preferência por alegar testemunhosobscuros e silenciar os claros; a insuficiência das análises históricas, etc.

Henri Crouzel advoga pelo estudo rigoroso dos Padres com estas palavras:

"Não há, pois, que forçar a interpretação de numerosos testemunhos legados pelos Padres, fazendo­lhes passar por umas peneiras interpretativas que em realidade estão em contradição com os dadoshistóricos. O único método aceitável é o que estuda os textos segundo o que verdadeiramente dizem,utilizando os meios da filologia e da crítica textual, e sobretudo, tendo em conta os contextos, o imediato ouo mais amplo da obra a que pertence a passagem, o que proporciona todo o conjunto da obra do autor, ouda época em que este escreve. Para levar à cabo este trabalho não basta com boas intenções. O desejo deprovar uma tese, embora seja com o fim de aliviar a situação de tantos divorciados que contraíramsegundas núpcias, não conduz mais que falsear a história."

2. Unidade do Matrimônio

Os Padres, apoiados nos dados bíblicos, em especial de Gênesis 2, 24 e da interpretação levada à cabopor Jesus (Mc 10, 2­­12 e par.) assim como da doutrina dos Apóstolos (1 Cor 7, 10­­11), sublinham em todomomento a natureza monogâmica do Matrimônio. Aqui transcrevemos alguns testemunhos que destacampor sua rotundez e grafismo:

a) CLEMENTE ALEXANDRINO (> 216) formula esta clara definição: "Matrimônio é a primeira sociedadepela que, segundo a lei, se une um homem e uma mulher para viver juntos, e educar os filhos". Essa

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unidade é reclamada pelo Alexandrino com modelos tomados inclusive de animais: "alguns dos quais, porexemplo, as pombas... e outras feras se unem em casal, o qual faz que sejam mais austeros que osmesmos humanos". Por isso o homem há de esforçar­se para viver com sua própria mulher. O paradigma éa relação Cristo­Igreja: Cristo se manifesta como o Esposo único da Igreja.

A decisão de Deus sobre o casal humano é o que confirma a Igreja, baseada no exemplo de Cristo, seuúnico Esposo. Clemente Alexandrino se esforça em mostrar que a Igreja não afirma do Matrimônio maisque o que ensina Cristo, porque Ele é seu Esposo. "Por isso, cada um de nós tem liberdade para casar­sesegundo a lei, com aquela mulher que eleja: me refiro ao primeiro Matrimônio."

O Alexandrino comenta a poligamia permitida no Antigo Testamento: "tomar uma segunda mulher,escreve, não estava proibido pela lei". A razão de tal permissão aos Patriarcas foi "porque era necessáriofomentar a descendência e multiplicar­se; não por concessão às paixões do homem".

b) HIPÓLITO DE ROMA (215) repete a mesma sentença referente ao costume de apresentar novoscandidatos possivelmente para ser batizados. A primeira lição da catequese cristã aos esposos, versavasobre a unidade matrimonial: aos casados "se lhes há de ensinar que o marido viva contente com suamulher, e a mulher com seu marido". O que está solteiro, que ou bem "tome mulher ­ segundo consta a lei ­,ou que fique solteiro".

c) TERTULIANO (155­220) recorre ao casal Adão e Eva para legitimar o Matrimônio monogâmico: Deusinstituiu o Matrimônio para propagar a espécie, mas o homem "só pode ter uma mulher", assim como "Adãofoi o único marido de Eva, e esta única mulher de Adão: uma mulher, uma costela".

Em relação à poligamia, Tertuliano lamenta seu início com Lamek; recrimina as desordens a queconduziu, pois provocou o Dilúvio, e coloca como modelo o caso de Noé e sua família, que constituíamMatrimônios monogâmicos.

d) MINÚCIO FÉLIX (II­III s.) se expressa com um grafismo semelhante e com esta contundência: aohomem solteiro só se lhes oferecem duas opções: "ter uma mulher ou nenhuma".

3. Indissolubilidade do Matrimônio

Essa unidade do Matrimônio é a que induz os Padres a defender a indissolubilidade do casal enquantoviva um dos cônjuges. Ante a dificuldade de aportar tanto dado como caberia, adiantamos alguns dostestemunhos mais antigos e explícitos que dão conta do pensamento do Padres sobre a doutrina de JesusCristo sobre a indissolubilidade do Matrimônio.

a) "O PASTOR" DE HERMAS (141­155). Já no começo da literatura cristã, o Pastor propõe a doutrinaque é como eco imediato dos ensinamentos do Novo Testamento. O testemunho é de grande importância,pois, além da sua proximidade com as fontes, expõe com claridade a doutrina sobre a indissolubilidade doMatrimônio. O ensinamento é resposta a umas perguntas muito concretas que tocam "in recto" nosso tema:

"Perdão, mas quero fazer­te umas perguntas". Essas são as três que propõe:

"Se alguém tem mulher fiel no Senhor e a surpreende em adultério, peca o homem que convive comela?". Essa é a resposta: "Enquanto ignora, não peca; mas se o homem sabe o pecado dela e a mulher nãose arrepende, mas persevera em sua fornicação, se neste caso convive com ela, faz­se réu de seu pecadoe participa da fornicação".

A segunda pergunta é demandada pela resposta anterior: "E o que há de fazer o marido se ela persisteem seu pecado?". Responde: "Repudia­a e viva só, porque se depois de repudiá­la se casar com outra,também ele comete adultério".

Contudo, se ela se converte, o marido deve aceitá­la; do contrário, seria culpável. E a razão é que

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perdura o Matrimônio; por isso não pode casar­se o cônjuge fiel: "Assim, pois, pela possibilidade depenitência da mulher, não deve casar­se o homem".

O diálogo conclui com esta afirmação: "Isto vale tanto para a mulher quanto para o homem, pois tambémo homem pode cometer adultério".

Deste modo, um testemunho tão antigo da fé de qual era a doutrina cristã sobre a indissolubilidade doMatrimônio nos primeiros tempos da Igreja.

b) ORÍGENES é contundente: cita as palavras de São Paulo (1 Cor 7, 10­­11) e conclui:

"O princípio é que uma vez que se levou à cabo o vínculo, não pode romper­se. Certamente, pode dar­se muitos motivos pelos que se rompa o vínculo, por exemplo, que a mulher seja adúltera... Então que seseparem, mas neste caso não foi quebrado o vínculo, pelo que não é possível voltar a casar­se. Queperseverem assim, ou que juntem­se novamente."

c) TERTULIANO escreve:

"Vejamos o que é motivo ante Deus para saber o que significa adultério: Matrimônio é a união de dois,levada à cabo por Deus para formar uma só carne, e aos dois unidos em uma carne os abençôou. Oadultério é, em realidade, o contrário: é introduzir um terceiro no meio dos dois, de forma que já não sepossa dizer "esta é carne de minha carne, e ossos de meus ossos"... Portanto, quem não repudia oadultério, adultera ele mesmo."

Para nosso tema, a conclusão que cabe deduzir destes testemunhos é a seguinte: no caso de que umadas partes cometeu adultério, o marido ­ ou a esposa ­ inocente não pode casar­se, e deve estar à esperade que a parte infiel se arrependa para iniciar novamente a vida em comum. A razão é que o Matrimônioperdura e não pode romper­se em vida dos cônjuges, mesmo no caso de que o cônjuge inocente dê oconseguinte repúdio à parte culpável de adultério.

Estes testemunhos são de excepcional importância. Especialmente destaca o do Pastor, dada aautoridade deste escrito nos primeiros séculos, já que, desde o século XI, é citado tanto pela Tradição daIgreja latina, como pelos Padres orientais. Não é, pois, estranho que essa doutrina seja considerada como oparadigma do que havia de ser no futuro a Tradição cristã em seu conjunto.

Não é deste lugar aportar uma antologia de textos à respeito. Não obstante, se esclarecerá com ostestemunhos que seguidamente oferecemos acerca da interpretação das "cláusulas de exceção" doEvangelho de Mateus. As recopilamos em dois parágrafos: o ensinamento dos Padres e as normasjurídicas que se recolhem nas Coleções Canônicas. O primeiro situa­se no âmbito da doutrina, o outroregula a práxis na vida cristã na Igreja. Assim se conjugam e complementam teologia e direito.

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Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos ConcíliosParticulares e nas Coleções Canônicas (Parte II)

II. INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS DE EVANGELHO DE SÃO MATEUS. ENSINAMENTO DOSPADRES

Dado que a maior objeção contra a indissolubilidade no Novo Testamento parte dos incisos doEvangelho de São Mateus, trazemos aqui a exegese que deles fazem os Padres. Existem bons e amplosestudos sobre o tema. Pelo que não trata­se de aportar todos os textos ao caso, mas de oferecer umestudo sintético do problema. Por exigências de método, distingüimos uma série de parágrafos queresumem esta ampla doutrina, que abarcam um período tão extenso da história da Igreja:

1. Compreensão dos "incisos"

Os Padres entenderam que os incisos de Mateus referem­se ao caso de adultério, e compreenderamque no texto se fala da possibilidade de contrair um segundo Matrimônio. Daqui a atenção que prestam aotexto das cláusulas de Mt 5, 32 e 19, 9, que poderiam supôr uma exceção. Encontramos no Capítulo IVque, assim como o denominado "privilégio paulino" (1 Cor 7, 12­­16) não mereceu a atenção dos Padres,não ocorreu o mesmo com estes "incisos". Os comentários são numerosos e extensos, e neles assumemessas cláusulas em seu aspecto mais conflitivo.

Em conseqüência, a solução que dão ao caso merece ser considerada, não só pelo valor magisterial deque tem a interpretação da Escritura por parte dos Padres, mas também porque oferecem a doutrina sobreum tema não fácil, qual é a compreensão do ensinamento de São Mateus, que provoca uma série dequestões que persistem até nossos dias.

2. Alguns testemunhos mais significativos dos três primeiros séculos

A leitura dos Padres de Mt 19, 9 ­ que, de fato, parece que não contemplam o texto tal como hoje lemoscom a expressão "e se casa com outra" ­ é, em geral, de oposição à que, em caso de repúdio, Jesusautorize a nenhuma das partes a contrair um novo Matrimônio. Vimos as afirmações de Hermas, mas aquiamontoam­se os textos, até o ponto de que pode falar de unanimidade. Temos aqui alguns testemunhosmais antigos, mais representativos e plásticos. Depois desta época, sobretudo com Santo Agostinho, adoutrina patrística é unânime e compacta em negar a possibilidade de novas núpcias aos já casados.

É o caso, como vimos, do Pastor de Hermas, mas que repete­se nos demais autores desta primeiraépoca. Assim, por exemplo:

a) JUSTINO (> 163), depois das citações de Mateus, comenta: "Por isso, para nosso Mestre, sãopecadores os que contraem duplo Matrimônio conforme a lei humana".

b) ATENÁGORAS (> 177) parece contrapôr as leis divorcistas do Império, frente a nova lei doMatrimônio único, tal como declara São Mateus: "Cada um de nós tem por mulher a que tomou conforme às

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leis que por nós foram estabelecidas".

c) LACTÂNCIO (> 320) reprova os pagãos que, ao permitir o divórcio, facilitam o adultério, o qual vaicontra a natureza, posto que a lei divina "uniu dois em um só corpo".

d) CLEMENTE ALEXANDRINO (> 216) escreve: "A Escritura aconselha casar­se, mas proíbe romper aunião dos esposos. A lei diz assim:

"Não abandonarás tua mulher, exceto em caso de adultério". Mas a lei considera adultério o fato de quese case um dos dois que se separaram. A Escritura acrescenta: o que se une a mulher despedida cometeadultério, mas também se considera que comete adultério o que despede a sua mulher, e a obriga a unir­seà outro. Por conseguinte, não só é culpável o que a despede, mas também o que a acolhe, pois deste modolhe oferece a ocasião de pecar, já que, se não a acolhesse, a esposa infiel voltaria para seu marido."

A firmeza do Alexandrino contra os encratitas é contundente: lhes mostra os textos do Senhor e dePaulo, "e afirma que as segundas núpcias que se seguem à separação em nada se distingüem doadultério".

e) ORÍGENES (> 254), com o fundo das cláusulas de Mateus, não mostra dúvida alguma. Recolhe aspalavras de São Paulo, "não ordeno eu, mas o Senhor", e escreve:

"Isto é o principal: o vínculo que se uniu não deve desfazer­se... Sim, pois ela se separa, que não secase ou que volte com seu marido, e assim mesmo que o marido volte com sua mulher."

Em outro texto, em comentário explícito à Mateus, Orígenes sentencia com esta claridade:

"De modo como a esposa, enquanto viva seu primeiro marido, é adúltera, embora aparentemente estejaunida a um homem, de igual modo não contrai Matrimônio o homem que se une à mulher repudiada, pois,segundo a resposta do Senhor, esse tal comete adultério."

Crouzel, que dedicou uma monografia ao tema em Orígenes, comenta: "Orígenes vê nos incisos deMateus a separação, mas não o divórcio". E acrescenta que o Alexandrino contempla só o caso do homeminocente e não se apresenta a possibilidade de que a mulher se separe do marido, quando este leva umaconduta improcedente. Mas a solução de Orígenes neste caso seria afirmativa se tem­se em conta que falada igualdade do homem e da mulher em outros temas relacionados com o Matrimônio, como são o debitumconiugale e a fidelidade.

f) TERTULIANO (> 240). Tertuliano é tão hostil à poligamia, que nega as segundas núpcias. O africano,ainda católico, contempla em sua obra De Patientia, que será um motivo de praticar esta virtude a esperade voltar a encontrar­se aqueles Matrimônios que se separaram, e que mantiveram sem unir­se em outromatrimônio. Pois bem, o cônjuge inocente praticará a paciência na espera; pelo contrário, ao adúltero lheservirá para converter­se. O texto supõe que ainda a parte inocente não pode casar­se, pois, conforme oensinamento de São Mateus, tal união daria lugar à um novo adultério.

Em sua obra Adversus Martionem, interpretado de modo tão diverso pelos comentaristas, escreve:

"Jesus Cristo abertamente proíbe o divórcio, enquanto que Moisés o permite... Em verdade, Cristoproibiu o divórcio de forma condicionada: no caso de que alguém despeça sua mulher para casar­se comoutra... Quem se casa com uma mulher que foi ilicitamente repudiada... é adúltero. Subsiste o Matrimônioque não foi justamente dissolvido; e, dado que subsiste, levar à cabo outro matrimônio é adultério."

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g) CIPRIANO (> 258), com citação expressa das palavras de São Paulo (1 Cor 7, 10­11) e com a vistaposta nos incisos de Mateus, sintetiza à Quirino o ensinamento cristão sobre o Matrimônio com estasentença: "Que a mulher não deve separar­se do marido ou, se se separa, não pode casar­se".

Este testemunho é de interesse, porquanto Cipriano não fala como teólogo nem faz exegese, masensina como um pastor da Igreja que recorda os fiéis o estilo de vida moral que impõe­se à conduta doscristãos. Precisamente esta obra, Os testemunhos, situa­se nesse gênero literário, pois responde àspetições do escritor Quirino, que lhe pede conselho acerca da instrução na fé cristã. Por isso, como afirmaDenner, se tivesse alguma exceção da regra geral, Cipriano deveria manifestar à Quirino, à quem trata detransmitir uma formação completa do Cristianismo. Por sua parte, a brevidade do testemunho de Ciprianotalvez se deva, como também aponta Denner, à que a doutrina já havia sido tratada extensamente por seu"mestre" Tertuliano e, como tal, era aceita pelos fiéis de sua Igreja.

À partir do século IV, os testemunhos são ainda mais contundentes. Por via de exemplo elegemos doisautores: um da Igreja do Oriente, São João Crisóstomo e Santo Ambrósio, como representante doOcidente. Ambos repetem a frase de São Mateus sem conceder possibilidade alguma às chamadas"cláusulas de exceção".

h) AMBRÓSIO (> 397), no mesmo contexto, adverte:

"Deixas tua mulher e pensas que te és lícito porque a lei humana não o proíbe. Mas proíbe a divina...Ouça, pois, a lei divina que diz: "o que Deus uniu, não o separe o homem"."

i) CRISÓSTOMO (> 407), em oposição àqueles que invocavam as leis do Império, replica:

"Não me proponha as leis exteriores que permitem dar a carta de repúdio. Tu não serás julgado por elas,mas pela que Deus te deu... o que Deus uniu, não separe o homem."

3. Unanimidade ou divergência nos primeiros séculos?

Aqui recolhemos alguns textos mais representativos, e todos eles favoráveis à indissolubilidade à partirdo ensinamento de São Mateus. Mas faz­se imprescindível formular a seguinte pergunta: cabe falar deunanimidade na doutrina patrística?

O Pe. Henri Crouzel, que tantos estudos dedicou ao tema, repete insistentemente que as diversasinvestigações levadas à cabo por ele, lhe permitem afirmar que "até o século III, os autores gregos e latinossão unânimes em condenar, e em conseqüência, em negar a autorização do divórcio: Hermas, Justino,Atenágoras, Teófilo de Antioquia, Tertuliano, Cipriano, Novaciano, Clemente Alexandrino e Orígenes sãounânimes em afirmar essa doutrina". À partir dessa investigação, o Pe. Crouzel repete, se cabe com maiorcerteza, esta convicção.

Não obstante, nem todos os teólogos leram os Padres sob esse prisma. De fato, nos últimos anosalguns autores se esforçaram por descobrir nos escritos patrísticos antes de Nicéia, uma posturacompreensiva, e em ocasiões permissiva, de um segundo matrimônio em caso de adultério, motivadaespecialmente pelos parênteses de Mateus. É o caso, por exemplo, do canonista norte­americano, católicode rito oriental, Víctor J. Pospishil; de dois autores franceses: o teólogo Pe. J. Moingt e o patrólogo M.Pierre Nautin; e do teólogo italiano Giovanni Cereti.

E J. Pospishil é um canonista de rito oriental, que tem à vista mais os cânones da Igreja do Oriente queos documentos da Igreja latina, se bem que seus argumentos fundamentais os deduz dos textos duvidososde alguns Padres do Ocidente. À modo de tese, Pospishil escreve:

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"A maioria dos Padres e escritores eclesiásticos permitem o matrimônio dos separados que convivem demodo adúltero em favor da parte inocente."

H. Crouzel criticou seriamente tanto a análise dos textos sobre os que se fundamenta, como asconclusões que Pospishil pretende deduzir de seu estudo.

O teólogo Pe. J. Moingt publica no ano de 1968 um artigo no que defende a mesma tese de Pospishil.Nesse artigo, afirma: "Até o século IV e V, todos os Padres que, de modo explícito, propõem o caso deadultério, exceto Jerônimo e Agostinho, que são os únicos que proíbem aos esposos separados o direito devoltar a casar­se". Apesar da amplitude do artigo, Moingt apenas cita mais bibliografia que o art. Adultère doDTC, as breves páginas que ao tema dedica o R. Bonsirven, e as citações esporádicas que se encontramno livro de Dupont.

Como era de esperar, também o Pe. Crouzel respondeu de modo contundente à este trabalho, do queafirma que "está viciado de apriorismo", dado que Moingt, sempre que encontra um texto no que os Padresfalam de separação, "ele o entende que permite o novo matrimônio do inocente; mas não é assim". Crouzelmostra com numerosos documentos, a falta de consistência da tese Pe. Moingt.

O patrólogo Nautin propõe que os Bispos reunidos no Concílio de Arles no ano 314, interpretaram otexto de São Mateus como se Cristo tivesse autorizado um novo matrimônio em caso de adultério. Esteartigo foi contestado por H. Crouzel, que mostra que a leitura que faz Nautin não é correta.

Esse mesmo ano, Nautin mostra as conseqüências de suas teses em outro artigo, no que intenta provarque a Igreja do Ocidente, ao menos depois de Tertuliano, seguiu essa mesma práxis. Também esse artigofoi contestado por Crouzel, o qual afirma que Nautin fez uma leitura interessada dos Padres, e que ostextos aduzidos não garantem as conclusões que ele oferece.

Posteriormente, o teólogo Giovanni Cereti publica uma extensa monografia na que quer mostrar que aIgreja antiga, até São Jerônimo e Santo Agostinho, admitiu o segundo matrimônio dos divorciados, commotivo de adultério, e por isso pretende que a Igreja atual assuma a mesma disposição.

Também neste caso, este livro teve a correspondente réplica de Crouzel, que abunda em razões muitoconvincentes desde o ponto de vista exegético, ao mesmo tempo que mostra novos dados de como sedevem interpretar os textos aduzidos por Cereti.

Esses autores, em geral, aportam uma leitura distinta, e em todo momento destacam os textospatrísticos mais duvidosos. Não obstante, não cabe silenciar suas razões e argumentos. O fato mesmo deseu estudo testifica, ao menos, que nos encontramos ante um tema no que não cabe apresentar uma tesecom total e absoluta rotundez, sem fissura alguma, embora seja com o nobre desejo apologético dedefender a doutrina atual da Igreja. Pelo contrário, a verdade demanda em toda ocasião que se faça com origor do que foi realmente o ensinamento dos Padres. Pois, de fato, dão­se textos duvidosos e, ao menosum autor, o Ambrosiaster, defende a possibilidade de um novo matrimônio do marido em caso de adultérioda esposa.

As exceções ­ se há ­ haverá de explicá­las: em ocasiões trata­se de que os Padres da Igreja foramlentamente descobrindo a verdadeira doutrina; algumas vezes estamos ante aplicações à um caso originale concreto ao que deram uma solução fácil, oposta à verdadeira doutrina que professavam; em outras trata­se de "claudicações" dos pastores, e não faltam casos nos que cabe interpretá­los como verdadeiros "erros"dos Padres ou dos Pastores: também o erro tem história. Não obstante, tais interpretações equivocadashão de ser compreendidas, pois a história mostra que os "erros" foram a ocasião para aprofundar a

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verdade. No presente caso, os erros ajudam a descobrir os poderes especiais que tem a hierarquia e dosquais a Igreja vai tomando consciência com o tempo.

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Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos ConcíliosParticulares e nas Coleções Canônicas (Parte III)

Aviso: Voltarei à esse estudo depois da Grande e Santa Quaresma, pois quero postar textos e artigoscondizentes com esse período de reflexão e de conversão, tão importante para nós católicos. Desde já,agradeço a compreensão.

4. Textos que exigem algum esclarecimento

Os textos mais explícitos que se aduzem como prova de que a doutrina dos Padres não foi homogêneaem negar toda possibilidade de divórcio, são os seguintes, que corresponde à Santo Epifânio e à outros trêsPadres de especial autoridade: São Basílio, Santo Agostinho e São Leão Magno (do que trataremos nocapítulo seguinte). Além da doutrina do Ambrosiaster, cujo erro é incontestável.

a) SANTO EPIFÂNIO (> 367). O Bispo de Constância de Salamina, contra as heresias de seu tempo quedesprezavam o Matrimônio, defende sua dignidade, e, à partir de Ef 5, 32, fala do "sagrado Matrimônio queé digno de honra".

Mas é na práxis pastoral onde mostra sua benignidade naqueles casos em que, por falta de formação ede sensibilidade, alguns cristãos ­ "propter imbecillitatem" ­ são incapazes de entender todas as exigênciasdo Matrimônio monogâmico e indissolúvel. Epifânio contempla o caso em que um marido, separado de suamulher, se une à outra. Condena com energia a situação daqueles que convivem com duas mulheres: nãocabe desculpá­los de verdadeira bigamia, de modo que são condenados. Mas, no caso em que um maridose separe de sua verdadeira esposa e se une à outra, tal situação em si é reprovável, embora a Igreja otolere em razão de sua "imbecilidade".

Aqueles que encontram­se nessa situação são especialmente desculpados, se em outros aspectos desua vida levam uma existência religiosa. Não deixa de surpreender tal benignidade pastoral. Só assituações sociais da época pode explicar tal exceção.

b) SÃO BASÍLIO (> 379). O primeiro testemunho aduzido são as cartas de São Basílio,dirigidas àAnfíloco, Bispo de Icônio, escritas nos anos 314­315. Há nestas cartas, enviadas ao longo de dois anos,detalhes que se prestam à interpretação que não são deste lugar. Mas o decisivo é que mais tarde oscanonistas bizantinos converteram em cânones o conteúdo destas cartas, os quais, por sua vez, deramlugar ao cânon 87 do Concílio Quinissexto.

Em consulta à São Basílio, o Bispo Anfíloco lhe propõe a questão acerca de como se deve atuar com osque, separados de sua esposa, se uniram à outra com quem convivem: o quê fazer na práxis penitencial?

Em relação com o nosso tema, a resposta de São Basílio contém essas quatro afirmaçõesfundamentais:

Primeiro, que "pela lógica do pensamento", o adultério tem de ser julgado o mesmo do homem e damulher, "embora o costume não o entenda assim". Chama a atenção o fato de que na Capadócia segue­seum costume distinto para o caso de adultério do homem e da mulher.

Segundo, a mulher nunca deve abandonar seu marido:

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"O costume manda às mulheres conservar seus maridos, tanto adúlteros como vivendo na fornicação...a acusação alcançará a que abandonou seu marido qualquer que fosse a causa que tenha deixado oMatrimônio... Portanto, a que abandonou é adúltera, se está com outro homem."

Terceiro, o mesmo juízo merece o homem que repudia sua mulher, assim como a nova "esposa" comquem coabita; ambos vivem em concubinato:

"Mas se o homem abandona sua mulher e fica com outra, também ele é adúltero, porque a faz adulterar;e a que habita com ele é adúltera."

Quarto, no entanto, no caso de que o abandonado seja o marido, este merece certa consideração, omesmo que a mulher com quem convive de modo adulterino:

"Mas o que foi abandonado é digno de desculpa (synnostós), e a que habita com ele não é condenada."

Esta doutrina se recolhe, de modo mais direto, em dois cânones: o 9 e o 26. O cânon 9 diz assim:

"Não sei se se pode denominar adúltera a mulher que vive com o marido abandonado. A que abandonaé adúltera, se convive com outro homem. O que é abandonado por sua mulher é desculpado, e a que vivecom ele não é condenada."

Esse ensinamento se repete no cânon 35, que acrescenta uma nota de interesse: este tal participa dacomunhão eclesial:

"Se a esposa o deixou sem razão, o esposo é digno de desculpa, e ela de castigo. A desculpa(synnostós) se concederá ao marido para que possa comungar com a Igreja."

A doutrina de São Basílio parece clara. Depois de condenar as segundas núpcias aos cônjugesseparados, desculpa ao marido injustamente abandonado por sua mulher. Se logo junta­se com outra,ambos devem ser desculpados, e (ao menos) ele não está fora da comunhão eclesial.

É evidente que tal caso equivale ao reconhecimento de fato de um certo divórcio. Não obstante, estaafirmação repetida por alguns deve ser matizada:

Primeiro, porque em nenhum caso se legitima um novo Matrimônio, e menos ainda se afirma que oesposo abandonado pode voltar a casar. Simplesmente se reconhece um fato e se "desculpa". Tampoucoconsta que o novo casal está unido por um novo vínculo matrimonial. Mais ainda, suposto que estivessemcasados, não se afirma que o segundo matrimônio seja reconhecido pela Igreja como tal. De fato, Basílionão denomina a mulher como "esposa", mas "a que habita com ele".

Segundo, porque a hipótese de que São Basílio fala de uma coabitação em concubinato se confirmacom o prescrito no cânon 26, onde também insiste em que se separem e, em caso de que não sejapossível, se consinta para evitar males maiores:

"A fornicação não é o Matrimônio, nem sequer o começo de um Matrimônio. Assim que, se é possívelseparar aqueles que se uniram na fornicação, será o melhor. Mas, se de todas as formas eles preferem acoabitação, que paguem primeiro a pena da fornicação, e depois pode deixá­los em paz por temor à que seproduza algo pior."

Terceiro, porque no âmbito teórico, São Basílio mantêm a doutrina clara:

"A resposta do Senhor sobre se está permitido abandonar a vida conjugal, sem que seja o motivo apornéia, se aplica por igual aos homens e às mulheres" (cânon 9).

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Esta mesma doutrina expressa São Basílio em uma obra fundamental, qual é Moralia, onde se manifestamuito rígido a respeito à simples separação. Mas, se por desgraça esta chega a realizar­se, "nem ao maridoé lícito desposa­se com outra, nem tampouco a mulher separada de seu verdadeiro marido pode contrairnovas núpcias."

Quarto, porque a questão que se consulta não é um tema teórico, mas prático: se relaciona com adisciplina eclesiástica e, mais em concreto, se refere à práxis penitencial: que conduta seguir com essesmatrimônios adulterinos? Devem ser aceitados à penitência pública reservada à essa classe de pecados? Aresposta de São Basílio é que o homem abandonado por sua mulher e unido à outra é desculpável, demodo que pode manter sua comunhão eclesial.

Em conseqüência, não estamos diante de um tema doutrinal, mas de práxis pastoral. Mas é evidenteque esta norma pastoral permissiva deve ser avaliada: ao menos teve vigência na comunidade deCapadócia. Parece que a hierarquia de Cesaréia era indulgente com a situação do marido abandonado pelaesposa e que convivia com outra.

c) SANTO AGOSTINHO (> 430). Outro testemunho aduzido é Santo Agostinho. Ninguém duvida dacontundência com que o Bispo de Hipona defende a impossibilidade de romper o vínculo na uniãoesponsalícia dos cristãos, e inclusive nos matrimônios entre pagãos.

Mas cita­se um testemunho que encerra certa dúvida sobre a práxis pastoral com os "divorciados".Encontra­se na obra De fide et operibus, um escrito também pastoral, que, concretamente, tem à vista asdificuldades que criam os matrimônios dos separados. Este é o texto:

"Não é fácil deduzir das palavras divinas se a quem está permitido repudiar a esposa adúltera, é ou nãoadúltero se se casa com outra. Na minha opinião, este peca, mas de forma digna de perdão."

O contexto pode ajudar a dar alguma luz. Santo Agostinho trata de responder a questão se cabe receberao Batismo à uma pessoa que vive em concubinato, e Santo Agostinho, que havia mantido uma oposiçãointransigente no tratado De coniugiis adulterinis sobre este mesmo tema, aqui mostra suas dúvidas acercade se deve ou não ser rechaçado. Como escreve Crouzel: "Santo Agostinho... parece ceder aqui à umasolução benevolente".

d) Sentido destas "exceções pastorais"

As respostas que cabe dar à estes casos são as seguintes:

Em primeiro lugar, nos encontramos com alguns textos de difícil exegese. Mas, se estes eminentespastores autorizam uma situação irregular nos três casos aduzidos, se trataria de uma concessão pastoral,que em nada obscurece a doutrina que se esclareceu ao longo da vida da Igreja. Na verdade, frente àenorme quantidade de testemunhos que caberia aportar em confirmação da indissolubilidade doMatrimônio, essas exceções apenas representam nada frente ao conjunto da literatura patrística sobre otema.

Não obstante, é preciso avaliar esses testemunhos, posto que, se essa é realmente a solução fornecidapara tais casos, trata­se de resoluções dadas por três verdadeiros mestres da doutrina cristã. Além disso,São Leão Magno ­ que estudamos no capítulo seguinte ­ foi Papa, o que eleva a autoridade de seuMagistério. Parece que é conseqüente avaliar estas "dispensas", pois caberia considerá­las como um fiocondutor para descobrir até onde chega a autoridade da Igreja na ordem de dispôr o que corresponde aoMatrimônio, instituição natural e Sacramento, tal como se estuda no próximo capítulo.

No entanto, a tese fundamental dos Padres em favor da indissolubilidade do Matrimônio é permanente.Além disso, as investigações de Denner, Oggioni, Bonsirven, Crouzel, Rincón, etc. são muito respeitadas e,de fato, com poucas exceções, seus trabalhos orientaram a investigação posterior no sentido marcado por

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eles. Por outra parte, deve­se enfatizar que os testemunhos duvidosos são ­ ademais de escassos ­ambígüos e questionáveis. Não há dúvida que a doutrina dos Padres se avalia não por textos esporádicos,mas pelo ensinamento explícito e acumulativo do "consensus Patrum".

Ainda quando se fornecem outros casos, também duvidosos e menos conhecidos, tampouco cabeavaliar em igualdade à todos os outros testemunhos, pois na história da doutrina patrística há autores quebrilham por sua própria inteligência, e figuram outros que apenas se sobressaltaram em seu ensinamento.Não é, pois, legítimo identificar com a doutrina comum o ensinamento particular, nem igualar a autoridadedas figuras mais egrégias da patrística, como São Basílio e Santo Agostinho, com autores de segundaordem.

Como final dessa análise, vale o juízo de Crouzel: "Deve­se assinalar que três casos de indulgência nãoimplicam nenhum reconhecimento da validez do segundo matrimônio, mas somente a vontade de não urgira doutrina até as últimas conseqüências". Ou, como escreve T. Rincón: "Trata­se de um caso de tolerânciapara evitar maiores males".

Não obstante, à partir do século IV, sobretudo depois de Santo Agostinho, a homogeneidade da doutrinapatrística se universaliza. Desde essa época, a Igreja tem já consciência muito explícita da indissolubilidadedo Matrimônio, de modo que os Pastores mostram­se mais rigorosos em exigir aos crentes que sejam fiéisao compromisso dado. Esta convicção destaca tanto à nível de catequese, como de reflexão teológica.

Excetua­se, como afirmado, o caso de Ambrosiaster, o qual afirma sem bases que em caso de adultérioda mulher, ao marido está permitido a separação matrimonial com a possibilidade de celebrar novasnúpcias. O tão citado texto é o seguinte:

"Em caso de adultério, o marido pode abandonar a mulher e casar­se com outra. Não é assim com amulher, pois o inferior não pode em absoluto usar da mesma lei que o superior... O homem é cabeça damulher."

Qualquer intenção de interpretar em outro sentido este texto está condenado ao fracasso. OAmbrosiaster expressa com claridade o que quis escrever. Os únicos atenuantes podem vir do fato de quenão manifesta seu juízo com ocasião de interpretar as cláusulas de Mateus, mas o comentário à São Paulo,que não oferece dúvida alguma acerca da indissolubilidade do Matrimônio. Possivelmente com essaexplicação, o autor desconhecido fazia mais compreensível a doutrina sobre o "privilégio paulino", queestava quase esquecido e que ele traz à superfície. Como escreve Crouzel:

"O Ambrosiaster é o único autor eclesiástico dos cincos primeiros séculos que autoriza um novomatrimônio, tanto no caso de uma separação por adultério, como pelo privilégio paulino. E este autor élatino, dado bastante paradoxo, já que o Oriente e o Ocidente vão tomar mais tarde normas inversas àpropósito dos novos matrimônios."

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5. A indissolubilidade do Matrimônio na práxis da Igreja nos cinco primeiros séculos Mas o que com caráter geral ­ se é que não foi em comum ­ se mantêm à nível de ensinamento teórico,não tive a mesma aplicação no terreno pastoral. Pois, ademais dos casos mencionados, consta que algunspastores, na prática pastoral, se mostraram condescendentes em situações singulares e permitiram umsegundo matrimônio ao cônjuge inocente que havia sido abandonado. Os dois testemunhos aduzidos ­ nocaso de que essa seja sua verdadeira interpretação ­ são uma prova disso. Mas ademais tem­se constânciapor este testemunho explícito de Orígenes:

"Em oposição à Escritura, alguns chefes da Igreja consentiram em um novo matrimônio à uma mulhercujo marido ainda vive. Permitiram apesar do que está escrito: "A mulher está ligada ao marido que aindavive, e se considera adúltera à aquela mulher que se entrega à outro marido quando ainda viva o primeiro.Não obstante, estes pastores atuaram assim não por motivos vãos, posto que tal autorização foi permitidapara evitar mares maiores, contrariamente à lei das Escrituras"."

Orígenes neste texto constata, segundo seu saber, um fato que se dava realmente nas comunidades deseu tempo. Por conseguinte, parece que nos primeiros séculos alguns pastores permitiram um segundomatrimônio à algumas mulheres inocentes e abandonadas por seus maridos.

Não obstante, sem negar esses fatos e apoiados na literalidade do texto, convêm adicionar duasqualificações:

Primeira: o Alexandrino disse expressamente que tal fato se opõe à Escritura. E é sabido a autoridadeque Orígenes concede em todo momento à palavra revelada escrita. Por conseguinte, Orígenes no âmbitodoutrinal condena essa prática dos pastores.

Segunda: ao mesmo tempo manifesta certa compreensão com essa prática, ao menos não a condenacom a severidade que caberia esperar. Esse dado responde ao caráter conciliador que em todo momentomanifesta esse eminente teólogo, ao modo como em ocasiões lamenta que os pastores reconciliaramalguns pecadores sem antes submetê­los à penitência pública, mas nesta ocasião se abstêm de condená­los.

Em todo caso, Orígenes não cede na doutrina, posto que ademais de afirmar expressamente que talpermissão "se opõe à Escritura", ao final do capítulo adiciona que a segunda união de tal mulher é legítima!,de modo que vive em irregularidade grave, pois "é adúltera, embora aparentemente esteja unida à umhomem".

Esta posição de Orígenes, de defender a doutrina e não ser severo com as claudicações de algunspastores, caberia referi­la à outros setores da Igreja nos primeiros séculos. Como escreve Munier:

"A Igreja antiga admitiu certas causas legítimas de separação... Mas em qualquer caso os Padresdemandam a volta do adúltero e recomendam seriamente à parte inocente que não pode casar­seenquanto viva o outro cônjuge, não só por respeito à lei da indissolubilidade, ensinada na SagradaEscritura, mas também por fidelidade ao ideal da monogamia... A lei da indissolubilidade foi entendida naIgreja antiga de maneira muito estrita. Os Padres aludem aos textos escriturísticos que a proclamam. Eles

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declaram que, ainda em caso de separação por infidelidade, o fato mesmo de voltar à se casar é umatentado à essa lei. No entanto, os atentados à lei da indissolubilidade são julgados e sancionados de mododiverso. Assim alguns chefes da Igreja, mais inclinados à indulgência, se abstêm de pronunciar as sançõescanônicas... Isto não quer dizer que eles sacrifiquem os princípios aprovando expressamente osmatrimônios em questão, mas que buscam o mal menor e tratam de evitar as situações desastrosas que seseguiriam."

Possivelmente esses casos de permissividade ante certas situações graves, que alguns pastoresjulgavam "mal menor", é o que levou a que certos sínodos particulares e algumas coleções canônicasacolhessem essas práxis. Deste modo, essas normas pastorais passaram às Coleções Canônicas. Mas istonos remete ao segundo tema antes enunciado, ou seja, a tratar da separação e o divórcio na legislaçãoparticular da Igreja no primeiro milênio, que se expõe no Apartado III.

6. Doutrina dos Padres sobre a sacramentalidade do Matrimônio cristão

Neste tema se dividem os autores: alguns descobrem a afirmação da sacramentalidade desde cedo,desde o começo da literatura cristã. Outros, pelo contrário, apenas se encontram rastro algum para explicara sacramentalidade do Matrimônio na Patrística.

Sem mediar na disputa e menos ainda pretender buscar uma linha média, as análises de ambasaportações fazem pensar que talvez as divergências se situam mais na metodologia que nas afirmaçõesfundamentais. É evidente que a teologia sacramental é muita tardia. Inclusive a fixação em sete osSacramentos se estabelece de modo definitivo no século XII. Por conseguinte, tratar de encontrar nosPadres, de maneira expressa e elaborada, a afirmação sacramental da união dos esposos cristãos é umintento vão e, se se faz, é seguro que se violentam os textos.

Não obstante, ao modo como desde os primeiros séculos os "sete Sacramentos" ocupam um lugar deprivilégio, de maneira semelhante, o Matrimônio entre os batizados, se bem não menciona de modoexpresso como "Sacramento" no sentido em que esse termo adquire na teologia posterior, se ocupa umaatenção especial e se louva de forma que obriga a concluir que os Padres encontram na união dos espososcristãos uma presença qualificada de Jesus, o qual põe na pista de descobrir a raiz sacramental doMatrimônio como fonte de tal dignidade.

A história do Sacramento do Matrimônio na teologia escolástica é sobretudo a história de sua lentaadmissão à dignidade de sinal verdadeiramente eficaz da graça.

Pois bem, parece que esse processo começa com o início da literatura cristã. Aqui estão os dados maisrelevantes:

É freqüente que os escritos dos Padres relacionem o matrimônio dos convertidos com sua nova situaçãona Igreja. Aqui estão os testemunhos mais primitivos:

­ SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA, em carta à outro hierarca, São Policarpo, recolhe o texto de Ef 5, 25e prescreve:

"À respeito dos que se casam, esposos e esposas, convêm que celebrem seu enlace com conhecimentodo Bispo, afim de que o casamento seja conforme o Senhor (katà Kyrion) e não só por desejo (kat'ipithymíam). Que tudo se faça para honra de Deus."

­ CLEMENTE ALEXANDRINO introduz o termo "agiástai" (santificar) no Matrimônio que se realiza emCristo:

"O Matrimônio é santificado quando se realiza conforme ao Logos (kata lógon), se o casal se submete àDeus e o vínculo se leva à cabo com coração sincero na seguridade da fé, que purificou a consciência

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culpável dos cristãos, os quais lavou seus corpos na água pura e comunicam na esperança."

Parece que em seu tempo, sem que possa se falar de um rito exclusivamente cristão, o sacerdoteimpunha as mãos sobre os esposos. Em todo caso, o Alexandrino destaca a santidade do Matrimôniocristão.

­ TERTULIANO parece que argumenta sempre sobre o modelo de "Sacramento", entendido como"sinal": Adão e Eva são figuras de Cristo e da Igreja. Por sua vez, a imagem de Cristo­Igreja configura oMatrimônio entre os batizados. Cristo restaurou a pureza original do Matrimônio monogâmico, que se iniciano Paraíso.

Em um texto muito citado, parece que Tertuliano menciona a existência de um rito especial noMatrimônio cristão. E se não fosse assim, os termos que usa e os efeitos que produz situam o Matrimôniona órbita que a teologia medieval denomina "Sacramento". O escritor africano faz este elogio da uniãoesponsal entre os batizados:

"Como descreverei a felicidade desse Matrimônio que a Igreja une, que a entrega confirma, que abenção sela, que os anjos proclamam, e ao que Deus Pai tem celebrado?... Porque verdadeiramente sãodois em uma só carne, e onde há uma só carne deve haver um só espírito... Ao contemplar esses lares,Cristo se alegra, e envia­lhes Sua paz; onde estão dois ali está também Ele, e onde Ele está não podehaver nada mal."

­ SÃO CIPRIANO, apesar de suas alusões ao Matrimônio são sempre muito de passagem, cita Ef 5, 31­32 e escreve que a relação Cristo­Igreja é a figura do Matrimônio cristão. Por isso anima à que os doisconfessem sua fé no momento do martírio.

Caberia aportar mais textos patrísticos que manifestam a grandeza religiosa do Matrimônio cristão, mas,como dissemos mais acima, não é fácil demonstrar a sacralidade do Matrimônio nos testemunhos dosPadres pela razão de que a teologia sacramentária estava ainda sem elaborar. Por este motivo, a ComissãoTeológica Internacional não quis definir sobre este tema.

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Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos ConcíliosParticulares e nas Coleções Canônicas (Parte V)

7. A essência do Matrimônio cristão

Os Padres de certo modo já tratam da questão que surgirá vivamente na Idade Média acerca do queconstitui o que um homem e uma mulher se unam em Matrimônio. Os Padres respondem sem equívoco: aessência do Matrimônio é o pacto de entrega mútua. É evidente que este tema está ainda sem elaborar,mas se expressam de forma que termos como "foedus", "pactum", "vinculum", "societas", "pactio", etc. serepetem continuamente. Aqui estão alguns textos:

­ SÃO JERÔNIMO previne a mulher contra o adultério com a menção de que tem um contrato com seumarido, contrato que assumiu com Deus: ela está, pois, obrigada a ser fiel "pelo pacto nupcial".

­ SANTO AMBRÓSIO resolve o tema com o recurso à filologia:

"O nome de coniungium adquire seu pleno sentido quando se unem em Matrimônio. Este não se leva àcabo pela união dos corpos, mas pelo pacto conjugal."

­ SÃO BASÍLIO recorda aos maridos que devem amar suas mulheres, pois convieram em estreitovínculo de vida em comum. Tal vínculo é um jugo imposto pela benção nupcial.

­ SÃO JOÃO CRISÓSTOMO formula já um princípio que, com diversas mudanças terminológicas, serepetirá ao longo da Idade Média: não é o coito, mas a vontade de contrato que faz o Matrimônio. Pelo queeste não se rompe pela separação dos esposos, pois, embora cheguem à separar­se, o pacto continua.

­ SANTO AGOSTINHO repetirá de múltiplas formas:

"Ainda levada ao termo a separação entre os esposos, não se acaba o vínculo nupcial, pois continuamsendo cônjuges, embora estejam separados. Por isso comete adultério quem se une à qualquer um dosseparados, seja com a mulher ou com o homem."

Outro este outro texto tão gráfico:

"O vínculo conjugal de tal modo permanece entre os esposos, que não pode romper­se nem pelaseparação nem pela união com outro. Pertence como sinal de crime, mais que como sinal de fidelidade."

É claro que para os Padres, quando assinalam com tal vigor a existência do vínculo, sua firmeza não éresultado só da palavra dada, mas do compromisso cristão de entrega mútua. A saber, "a palavra dada"adquire irrevocabilidade em virtude de que o pacto fez­se ante Deus. Aqui está ao menos insinuado ofundamento da doutrina acerca da indissolubilidade do Matrimônio­Sacramento. O ensinamento dos Padressupera o conceito de pacto do direito romano: o pacto não é já a simples "affectio maritalis", mas a vontadede permanecer como esposos, que, segundo o plano inicial de Deus ratificado por Cristo, é constituir dosdois cônjuges uma só carne.

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A característica fundamental do Matrimônio cristão é a sacramentalidade; se se considera desde o pontode vista jurídico, isso lhe dá uma perfeição, uma firmeza e uma obrigatoriedade ao pacto inicial contraído. Ocaráter especialíssimo do Matrimônio canônico consiste na união inseparável entre sacramento e contrato,do qual deriva como conseqüência imediata a indissolubilidade mais absoluta do vínculo.

Os testemunhos aduzidos ratificam esta afirmação da Comissão Teológica Internacional:

"Nas Igrejas do Ocidente se produziu o encontro entre a visão cristã do Matrimônio e o Direito Romano.Daqui surgiu uma pergunta: "Qual é o elemento constitutivo do Matrimônio desde o ponto de vista jurídico?".Esta pergunta foi resolvida de que o consentimento dos esposos foi considerado como o único elementoconstitutivo. Assim foi como, até o tempo do Concílio de Trento, os Matrimônios clandestinos foramconsiderados válidos."

É evidente que esta doutrina não se encontra elaborada nos escritos dos Padres. Mas é claro que areferência cristã, que no parágrafo anterior dizíamos que orientava para a idéia sacramental do Matrimônioentre os batizados, dá essa vínculo uma estabilidade vitalícia. Os Padres pensam assim e estabelecem afundamentação doutrinal da teologia posterior.

8. A finalidade do Matrimônio

Recolhemos tão somente o ensinamento da primeira tradição. Primeiro, porque a doutrinal é ocasional,não sistematizada, com o qual os testemunhos indicam a espontaneidade com que se viviam as exigênciaséticas em torno ao Matrimônio no primeiro e segundo século. Segundo, porque mais tarde os testemunhossão já numerosos e explícitos, e deles nos ocuparemos no Capítulo VIII, no que se explica a moralidadedas relações conjugais entre os esposos.

Nesta época não se menciona a teoria acerca dos "bens" nem dos "fins", que formulará claramenteSanto Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Mas de modo expresso falam e propõem finalidades diversas àunião conjugal. Ao menos, duas: o Matrimônio desde de sua origem foi estabelecido por Deus para evitar asolidão do homem (e, como é lógico, também da mulher) e com o fim de "encher a terra". Essa duplafinalidade ­ de amor mútuo e procriador ­, assinalada expressamente nos textos bíblicos, corre pelaspáginas dos escritos dos Padres.

O modelo cristão de convivência entre a esposa e o marido está expresso nos escritos de Inácio deAntioquia, com palavras que evocam os conselhos de São Paulo:

"Recomenda às minhas irmãs que amem ao Senhor e que se contentem com seus maridos, na carne eno espírito. Igualmente, prega à meus irmãos, em nome de Jesus Cristo, que amem suas esposas como oSenhor ama a Igreja."

A imagem se repete nos demais autores deste período. Sobre o tema, destaca em primeiro lugarOrígenes, que faz um reconto das mulheres que se sobressaem no Antigo Testamento, às que devem imitaras mulheres cristãs.

Não obstante, ainda reconhecida a igualdade entre o homem e a mulher como faz São Paulo, contudose destaca a submissão da esposa ao marido. São Clemente propõe este ensinamento:

"Mandas às vossas mulheres que cumpram todos seus deveres em consciência impecável, reverente epura, amado do modo devido seus maridos, e as ensinas a trabalhar religiosamente, fiéis à regra dasubmissão em tudo o que se relacione à sua casa, guardando toda temperança."

Outro tema muito presente nos escritos patrísticos é a condenação do adultério. O dever de fidelidadeconjugal pode­se romper tanto por parte do homem como da mulher. Neste sentido foi assimilada a doutrina

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neo­testamentária. Assim, por exemplo, Aristides, no reconto dos preceitos que guardam os cristãos,enumera a fidelidade: "se abstêm de toda união ilegítima e de toda impureza". São Justino considera oadultério como uma "iniqüidade". Atenágoras, com as palavras de Jesus, recorda que também pode haver"complacência de adultério" desejando uma mulher "no coração". O Discurso à Diogneto expressa comfrase muito gráfica que contrasta com a corrupção da época: "os cristãos colocam à mesa (os bens) emcomum, mas não os leitos" (não compartilham a mesma mulher).

Paralelamente com a condenação do adultério, os Padres expõem com elogio o valor da pureza e davirgindade. O tema sai do nosso tema, mas é preciso destacar que, frente à corrupção do mundo pagão, aprimeira literatura cristã descobre o valor da sexualidade humana, orienta acerca de seu reto uso, prescrevea virtude da pureza e exalta a virgindade. Não obstante, os Padres desta primeira época em nenhummomento desprezam o Matrimônio. Clemente Alexandrino o defende contra os erros de seu tempo. E,quando essa tese seja defendida pelos gnósticos, Santo Irineu contestará aos hereges em sua defesa coma afirmação de que o Matrimônio é obra de Deus.

Assim mesmo abundam os testemunhos acerca dos deveres dos pais para com os filhos. Sãofreqüentes as máximas de estilos sapienciais. E caberia afirmar, se formulamos em termos de pedagogiaatual, que o princípio básico se fixa em educá­los no sentido religioso da vida e no respeito à sua liberdade.Literalmente se expressa assim a Didaqué:

"Não levantarás a mão de teu filho nem de tua filha, mas que desde a juventude lhes ensinará o temorde Deus."

Clemente Romano esta síntese da educação dos filhos e das virtudes que praticarão os pais:

"Reverenciemos o Senhor Jesus, cujo sangue foi derramado por nós; respeitemos aos que nos dirigem;honremos os anciãos; eduquemos aos jovens no temor de Deus e enderecemos ao bem nossas mulheres...Participem nossos filhos da educação em Cristo. Aprendam quanto seja a força da humildade perto deDeus; quanto pode com Ele o amor casto; quão belo e grande é seu temor e como salva todos os quecaminham santamente Nele com mente pura."

Por sua parte, os filhos devem ser carinhosos, terão de reverenciar e obedecer seus pais: "entre nós,afirma Atenágoras, tributamos honra de pais e mães". E de modo expresso recordam outros Padres, taiscomo Aristides e Teófilo Antioqueno.

A finalidade procriadora está muito sublinhada. São Justino, frente ao judeu Trifão, estabelece esteprincípio:

"Nós nos casamos desde o princípio somente pelo fim da geração dos filhos, ou, ao renunciar aoMatrimônio, permanecermos só absolutamente."

O mesmo pensamente, se bem em um contexto ainda mais radical de proibição de segundas núpcias,se expressa Atenágoras:

"Cada um de nós tem por mulher a que tomou conforme às leis que por nós foram estabelecidas, e estacom vistas à procriação dos filhos."

Clemente Alexandrino o expõe em forma de princípio: "O fim do Matrimônio é a procriação". Ou estaoutra fórmula à modo de tese: "O Matrimônio é pelo desejo de procriar" (gámos e paidopoías óresis).Segundo Broudehoux, o ALexandrino, ao propor como fim único do Matrimônio a procriação, situa­se emdependência de duas correntes: a pagã, representada especialmente pelos estóicos e de seuspredecessores, os apologistas. Por isso será preciso esperar Santo Agostinho para encontrar o equilíbrioentre os diversos bens do Matrimônio.

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Daqui a forte condenação do aborto e do infanticídio. A Didaqué sentencia: "Não matarás teu filho noseio da mãe, nem lhe tirarás a vida ao recém nascido". À quem pratica o aborto os denomina "matadores deseu filho".

A Carta do Pseudo­Barnabé contêm o mesmo preceito: "Não matarás teu filho no seio da mãe nem, umavez nascido, lhe tirarás a vida" E condena aos "assassinos de seus filhos pelo aborto, pois são destruidoresda obra de Deus".

São Justino, contra o que era usual em seu tempo, diz que "expôr (abandonar) os filhos recém nascidosé obra de malvados". A Carta à Diogneto contrapõe a conduta dos cristãos e dos pagãos. "Os cristãos secasam como todos, geram filhos, mas não expõem aos que nascem".

Atenágora condena assim estes dois pecados da época: aborto e infanticídio:

"Nós afirmamos que as que intentam o aborto cometem um homicídio e terão de dar conta à Deusdele...Porque não se pode pensar que o que a mulher leva no ventre é um ser vivente e objeto, portanto, daprovidência de Deus, e matar logo ao que já avançou na vida; não expôr o nascido, por crer que expôr osfilhos equivale à matá­los, e tirar a vida ao que foi já criado. Não, nós somos em tudo e sempre iguais eacordes com nós mesmos, pois servimos à razão."

Outros ensinamentos dos Padres em relação com a vida de família e o valor da sexualidade se tratamnos Capítulos respectivos.

17/10/2015 Sensus Naturalis: Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos Concílios Particulares e nas Coleções Canônicas (Parte VI)

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III. A INDISSOLUBILIDADE DO MATRIMÔNIO NOS CONCÍLIOS PARTICULARES E NAS COLEÇÕESCANÔNICAS

À partir do século X, a Igreja assume o poder sobre a regulação do Matrimônio pelo que tanto havialutado contra as legislações civis divorcistas, no princípio, as que regiam no Império e, à partir do século VI,as leis que importa o direito germânico, que também facilitavam o divórcio. Não obstante, o direito da Igrejanos primeiros séculos não está livre de irregularidades. De fato, constata­se que nas Coleções Canônicasencontram­se "alguns textos fortemente imbuídos de mentalidade divorcista que passaram livremente pelaspáginas de importantes e influentes coleções canônicas, até chegar ao mesmo Decreto de Graciano, emmeados do século XII".

1. Normas hermenêuticas

Como no parágrafo anterior, é preciso ter em vista algumas normas de interpretação, similares às quefazíamos à respeito dos escritos dos Padres, dado que também a leitura das normas jurídicas queaparecem ao longo do primeiro milênio da história da Igreja são interpretadas de modo diverso. O fato éque, segundo se faça a leitura e a análise dos textos, se tiram distintas conclusões. Isto não é um dadohipotético, mas uma realidade constatada, pois dele, à partir dos mesmos dados, derivam duas correntesdiferenciadas à hora de julgar com que rigor a Igreja deste amplo período permitiu a separação dosesposos com a possibilidade de contrair novas núpcias dos matrimônios separados.

Por conseguinte, para interpretar corretamente os textos jurídicos da Igreja deste tempo em matériamatrimonial terão de ter à vista os seguintes dados:

a) Em primeiro lugar, há de se ter em conta que o direito matrimonial na Igreja parte da vida mesma à luzda doutrina sobre o Matrimônio no Novo Testamento. Em conseqüência, as vacilações na compreensão, porexemplo, das cláusulas de São Mateus ou do "privilégio paulino", deixam­se sentir na normativa que marcaa conduta a seguir pelos fiéis nesta matéria de algumas Igrejas Particulares muito concretas.

b) Por sua vez, as normas canônicas se emitem em meio de uma legislação divorcista, qual era a doImpério. Como dizíamos mais acima, inclusive os Imperadores cristãos não puderam levar à prática asexigências éticas reveladas sobre o Matrimônio. Tampouco aos Papas foi fácil legislar sobre o tema, dadoque era missão que assumia o poder civil. Só depois de Carlos Magno os Bispos ditaram normas queregulassem a união matrimonial.

c) É preciso adicionar uma nova circunstância: a situação social da época, tão elementar e inculta, nãoera facilmente permeável às exigências éticas que assinalava o Cristianismo em ralação à instituiçãofamiliar. Um ambiente cultural rude e plebeu faz muito difícil que o homem se eleve à alturas éticas: emtempos bárbaros, costumes bárbaros! Á essa situação respondem, por sua vez, as grandes penitências quese impunham aos pecadores, em especial aos adúlteros. Tais castigos só se explicam porquantocorrespondem com a concepção áspera e brutal da existência do homem naquela época.

d) Mais decisivo ainda é distingüir cuidadosamente cada um dos documentos, segundo sua origem,procedência e importância do tema sobre o que se legisla. Não é o mesmo uma norma que emana de umSínodo Particular ­ que em ocasiões foram muito limitados tanto à geografia do lugar em que se celebra,

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como aos problemas muito locais sobre os que dita ­ que uma decisão de um Concílio Universal ou, aomenos, particularmente maior, porque abarca um âmbito eclesial mais extenso e culto.

e) De modo semelhante, se há de julgar de maneira distinta um ditado que aparece em uma ColeçãoCanônica, cuja origem não nos consta o que foi recopilado por motivos mais ou menos conjunturais, queuma norma que passa à Coleções sucessivas e logo se aplica de modo comum em toda a Igreja.

f) Assim mesmo têm­se que distingüir esses dois gêneros de documentos que aparecem no enunciado:Sínodos ou Concílios Particulares e Coleções Canônicas. Aos "Concílios" é preciso dar o valor que merecetal reunião de um grupo mais ou menos numeroso de Bispos. Pode ofuscar o rico sentido que tem o termo"Concílio" quando coloca­se em comparação com os Concílios da Igreja Universal. O mesmo cabe dizerdas Coleções Canônicas, de tão diversa gama, se se intenta compará­las com as normas jurídicas que, àpartir do século XX, se denomina "Código de Direito Canônico", com valor vinculante para a Igreja Universallatina ou o Código de Direito para a Igreja Oriental.

g) Tema de excepcional importância é a exegese dos termos jurídicos. Com efeito, o Matrimônio cristãose celebra em um âmbito cultural muito determinado: no começo, hebreu, logo greco­romano e, mais tarde,no mundo que surge depois da invasão do Ocidente pelos povos germanos. Pois bem, a terminologia comque estes diversos âmbitos culturais expressam a natureza do Matrimônio não é sempre coincidente. Porexemplo, o termo "desponsatio" tem sentido concreto no matrimônio judeu ou germano, pois designava ummomento prévio no tempo à celebração do matrimônio propriamente dito. Pelo contrário, no Direito Romanoequivalia ao contrato formal fechado entre os esposos, pois as cerimônias prévias não pertenciam àessência do Matrimônio. Conseqüentemente, quando os documentos cristãos empregam este termo, ousam no sentido hebreu (desposórios de São José e a Virgem), que não incluía a celebração domatrimônio, mas um ato prévio. Daqui que, dispensar da "desponsatio" não era "romper o vínculo"matrimonial, mas tão só dispensar do compromisso que precedia ao consentimento de mútua entrega.

h) Finalmente, é preciso observar as normas hermenêuticas mais comuns. Em concreto, as seguintes:interpretar o testemunho em seu contexto literal e histórico; atender por igual aos textos que defendem aunião estável que os que permitem a separação; não abusar do "argumento do silêncio", pois nem sempreque se omite um tema, se supõe necessariamente que tal situação era admitida; não projetar sobre adoutrina antiga a temática que hoje preocupa se não se corresponde com a situação real da época, nãouniversalizar as normas singulares, pois como escreveu Aristóteles, "uma andorinha não faz verão". O fatode que um cânon permita que se celebre um segundo matrimônio não quer dizer que tal época olhava comsimpatia o acesso às segundas núpcias dos divorciados e como tal, essa era a prática comum, etc.

17/10/2015 Sensus Naturalis: Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos Concílios Particulares e nas Coleções Canônicas (Parte VII)

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Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos ConcíliosParticulares e nas Coleções Canônicas (Parte VII)

2. Os cânones dos Sínodos ou Concílios Particulares

A história da Igreja na Idade Antiga é pródiga em mencionar diversos Sínodos de Bispos nas distintasprovíncias do Oriente e do Ocidente e com ocasião dos mais variados problemas. De fato, a celebração deum Sínodo uma Igreja Particular significava quase sempre o começo de uma nova prática. Mas aimportância destes Concílios ou Sínodos Particulares é muito desigual: depende em boa medida dos Bisposque tomam parte: não é o mesmo um Concílio presidido por um Prelado, insigne em santidade e ciência,que outro ao que acudem Bispos de escassa cultura e deficiente vida moral. Também depende da época desua celebração e do lugar em que se convoca, segundo o que essas circunstâncias prestem ajuda aotratamento dos temas ou, pelo contrário, os trivializem.

Não obstante, é preciso valorizar a importância que tem tido os Concílios Particulares no primeiromilênio, dado que de alguns saíram normas que mais tarde serviram para a disciplina de toda a Igreja. Emoutras ocasiões, os Sínodos são convocados freqüentemente para aplicar as decisões de um ConcílioUniversal à circunstância concreta de uma região. Daí que, ainda contando com sua particularidade, éconveniente ter à vista sua origem e projeção mais ou menos universal.

Pois bem, o tema do Matrimônio não foi tratado em nenhum dos primeiros Concílios Universais, mas emSínodos Particulares, cuja importância das circunstâncias assinaladas. Aqui recolhemos a doutrina sobre anatureza da instituição matrimonial nos Sínodos do Ocidente. O Oriente cristão seguiu nesta questão outrosrumos, se bem tampouco muito distantes dos que seguiu a Igreja latina antes da separação da Igreja grega.Mas, uma vez consumada a separação, o Oriente se distanciou da prática da Igreja Católica.

a) Concílio de Elvira (300­306)

Este Sínodo, celebrado na cidade granadina de Elvira por volta do ano 305, ao que acudem uma sériede Bispos da província bética, sobressai por seu rigor em torno às questões do Matrimônio. Alguns cânonesrecolhem as penitências que estarão submetidos os que não sejam fiéis às exigências da vida conjugal. Oscânones relativos ao nosso tema são o 8, 9 e 10, que se referem exclusivamente ao Matrimônio dasmulheres separadas.

O cânon 8 contempla o caso de uma mulher que, separada de seu marido, tenta unir­se à outro:

"As mulheres que, sem motivo suficiente abandonam seus maridos e se unem à outro homem, sãoexcluídas da comunhão da Igreja e nem sequer são admitidas ao final da vida."

O cânon 9 refere­se à mulher cristã que se separa do marido adúltero e se casa com outro:

"Uma mulher cristã que abandona seu marido culpável de adultério, se intenta casar­se com outro, temde ser impedida. No caso de que se case, não será admitida à comunhão da Igreja, embora viva aquele àquem abandonou, exceto em caso de grave enfermidade."

O cânon 10 faz referência à mulher que se casa com um homem do que sabe que, sem causa grave ­ou seja, sem que mediasse adultério ­, se separou de sua verdadeira esposa. Tal mulher não será recebida

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na Igreja ao final de sua vida.

Os três cânones do Concílio de Elvira, se excluímos o rigor das penas impostas a quem não cumpre ospreceitos do Senhor, se mantêm na mais clara doutrina neo­testamentária. Os três casos distingüem pelaqualidade da pena, que vai de mais à menos, segundo a gravidade do pecado cometido pela esposaadúltera.

Nestes cânones nada se diz dos homens; mas esse é um caso típico no que não deve recorrer­se ao"argumento do silêncio". Pois o problema do esposo adúltero contempla­se quase pela mesma época noConcílio de Arles.

b) Concílio de Arles (314)

Em 1 de agosto de 314 celebra­se este Concílio na Gália. Dois dentre seus cânones reproduzem acondenação do adultério, mas referente ao homem que intenta casar­se depois do adultério de sua esposa.

O cânon 10 deste Concílio estabelece o seguinte à respeito do marido inocente, mas que a esposa éadúltera:

"Com relação aqueles que surpreendem sua esposa em delito de adultério ­ nós contemplamos o casode fiéis ainda jovens aos que está proibido casar­se ­ se decidiu que, mediante os conselhos possíveis, épreciso animá­los para que não tomem outra mulher, enquanto viva sua esposa, embora esta sejaadúltera."

O cânon 24, que não aparece em todas as Coleções, determina que, ao que queira casar­se em taiscondições, se lhe negue a comunhão eclesial, parece que inclusive na hora da morte:

"Convêm que ­ quanto seja possível ­ não se permita ao varão que contraia matrimônio com outra,vivendo ainda a esposa abandonada. Quem o fizer será privado da comunhão católica."

c) Concílio de Ancira (314)

Aos Concílios de Elvira e Arles, do Ocidente, é preciso citar este outro Sínodo celebrado na Ásia Menorpela mesma época.

Pois bem, as segundas núpcias, vivendo um dos cônjuges, estão tão proscritas no âmbito cristão que oConcílio de Ancira considera bígamos ainda "aqueles que, depois de ter prometida virgindade,menosprezaram sua profissão, e contraíram segundas núpcias".

Em resumo, no começo do século IV, cinqüenta anos depois que Orígenes lamente que alguns pastoresse deixem levar pela misericórdia e autorizem segundas núpcias à homens separados de suas legítimasesposas, diversos Sínodos proíbem e castigam com graves ao cônjuge que intente contrair um novomatrimônio enquanto viva a outra parte, embora a origem da separação em ambos casos seja de adultériode um deles.

d) XI Concílio de Cartago (407)

Esta doutrina foi compartilhada com plena caridade em outros Sínodos. Assim, por exemplo, a Igreja deCartago propõe que se proíba todo matrimônio no caso em que viva o outro cônjuge, pois é prática quederiva da Revelação e dos Padres. Mais ainda, este Concílio de Cartago, celebrado em 13 de junho de 407,demanda que essa prática seja sancionada pelas leis civis:

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"Determina­se que, segundo o Evangelho e a disciplina apostólica, nem o marido abandonado pelamulher, nem a esposa abandonado pelo marido se casam com outro, mas permaneçam assim ou sereconciliem, e se desprezam essa lei, se submetam à penitência. Para levar à termo deve­se pedir que estadecisão a ratifique uma lei imperial."

A literalidade deste cânon encontra­se recolhida em outras Coleções de época posterior. Tal é o caso doConcílio africano de Milevi, celebrado no ano de 416.

e) Concílio de Angers (453)

Esta doutrina não só se ressalta nos Concílios africanos, mas que a indissolubilidade do Matrimônio,com a subseqüente condenação de segundas núpcias em vida de um dos cônjuges, é compartilhada egeneralizada nas outras áreas geográficas do Ocidente. Assim consta, por exemplo, no Concílio de Angers:

"Aqueles que, sob pretexto de matrimônio, se unem à outras mulheres, das que vivam ainda seusmaridos, sejam separados da comunhão."

f) Canones Apostolorum (420­453)

Esta era, pois, a situação no século V. Nesta imediata época posterior, geralmente data­se a coleçãodenominada Cânones Apostólicos, cuja autoridade era reconhecida por toda a Igreja, dado que se lhe davaorigem nos Apóstolos, se bem eram reconhecidas algumas adições posteriores. Pois bem, esta eminenteColeção sentencia taxativamente que, se um leigo deixa a mulher e se casa com outra, deve serexcomungado.

Á partir do século V os documentos se multiplicam, de forma que é doutrina comum em toda Igreja. Nãoobstante, junto à esses testemunhos cabe citar alguns cânones permissivos do divórcio, com possibilidadede contrair novas núpcias.

g) Os "cânones" que aceitam o divórcio

De fato, o desmoronamento do Império influenciou nos costumes e se tem notícia de alguns Sínodos,cujas atas conhecemos por cânones incorporados às Coleções Canônicas, que são mais permissivos; aomenos não castigam com penas tão severas e empregam fórmulas por demais ambígüas. Cita­se à esterespeito o cânon 2 do Concílio de Vannes (entre 461­491), que parece admitir o divórcio no caso deadultério de uma das partes. O Concílio de Agde (506), também nas Gálias, parece que impõe a penasomente no caso de que o marido abandone a mulher sem dar explicação alguma. O I Concílio de Orleáns(533) proíbe o divórcio em caso de que sobrevenha uma enfermidade à esposa; mas isto questiona se opermite em casos mais graves. Ademais, a expressão final faz pensar alguns autores que autoriza odivórcio pelo consentimento mútuo dos esposos.

Fora do Continente, o Sínodo de Hereford (673) não faz menção de penas e, o tom da expressão usadapara proibir novas núpcias, pode­se pensar que é um simples conselho. Finalmente o Concílio de Soissons(744) mantêm a tese da proibição do divórcio, mas a redação do cânon permite perguntar: autoriza omatrimônio no caso de adultério da mulher ou, simplesmente, cita o texto de Mateus?.

Um tema debatido e muito comentado é o caso de duas assembléias sinodais do século VIII: osconcílios de Compiègne e de Verberie. Estes dois textos são claramente laxos em matéria de divórcio.Permitem segundas núpcias em vida de outro cônjuge nos seguintes casos: por consentimento de uma daspartes, se um dos cônjuges decide ingressar em uma ordem religiosa.Assim mesmo, o cônjuge leproso

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pode facultar ao outro a contrair novo matrimônio. Também é lícito o divórcio no caso de impotência domarido ou se o esposo intentas­se levar à cabo o que mais tarde se denominará "impedimento de crime".Pode também voltar à casar­se o marido ­ não a esposa ­ se se vê forçado a emigrar para outras terras oua seguir o senhor feudal, etc.

Que valor tem­se que conceder à dois concílios? Sua história está cheia de obscuridades, tanto emrelação com sua convocatória e desenvolvimento, quanto à origem e autenticidade das atas que seconservam. Garcia y Garcia faz as seguintes perguntas:

"São estes documentos o texto de um verdadeiro Concílio? É isto simplesmente uma memória ou projetode discussão? Existiu realmente um concílio em Verberie, ou se trata de um texto preparado para umaúnica reunião em Compiègne, como indicaria um Códice do século X, recentemente descoberto? São,enfim, documentos seculares ou eclesiásticos? Cada uma dessas interrogantes representa alguma dasdiferentes interpretações que sobre estes escritos emitiram diferentes autores."

A explicação está possivelmente em que a estes sínodos foram convocados por igual os bispos e osdirigentes da comunidade com o fim de colocar em concordância a legislação civil e a canônica. O resultadofoi o triunfo das normas civis frente a legislação eclesiástica. Em conseqüência, dificilmente podem serinvocados os cânones destes concílios como disciplina eclesiástica, embora em boa parte foram aprovadospelos bispos.

Estes testemunhos, em caso de que autorizem um novo matrimônio, não representam o sentir comumda época. Trata­se de exceções, e como exceções à norma geral deve interpretar­se. Pois, em paralelo aestes Sínodos Particulares, cabe citar a imensa maioria restante que mostram fórmulas de máximo rigor eapelam à doutrina do Evangelho e da tradição. Como exemplo, cabe citar XII Concílio de Toledo, celebradono ano 681. O texto passou ao Decreto de Graciano.

Á partir destas datas, volta a dar­se a unanimidade na condenação do divórcio:

"Pelo que se refere aos concílios particulares, constata­se que, desde finais do século VIII, os concíliosse definem por uma postura rigorista nesta matéria. Assim, o Concílio de Friuli de 796, traz uma exposiçãodoutrinalmente razoável de como o marido, depois de repudiar sua mulher por adultério, não pode casar­secom outra enquanto viva a primeira, proibição ainda com maior razão à mulher adúltera. No mesmo sentidose pronuncia o Concílio de reforma celebrado em Paris no ano de 829. As mesmas idéias podem serencontradas no Concílio de Nantes de 895. Á partir destas datas, nenhum Concílio deixa a menor margem,nem resquício para celebrar as segundas núpcias enquanto viva o outro cônjuge."

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Matrimônio e Família nos Santos Padres, nos ConcíliosParticulares e nas Coleções Canônicas (Parte VIII ­ Final)

3. Testemunhos das Coleções Canônicas

Como indica seu mesmo nome, representam uma recopilação de cânones de origem muito diversa, quesuprem a falta de uma regulação universal na Igreja. Os "códigos" jurídicos, tanto no campo civil como noreligioso, são de época muito recente. Os Estados e a Igreja regeram­se ao longo de sua dilatada históriapor normas que surgem dos costumes do povo e que alcançam o estatuto jurídico na medida em que sãoaplicados à vida pela autoridade legítima. Mais tarde, essas normas "escrevem" e se ordenam ate constituircoleções de leis mais ou menos amplas, que algum dia constituirão o "código" civil ou canônico de um povo,com referendo da máxima autoridade civil da nação respectiva ou da Hierarquia da Igreja. Pelo contrário,todas as Coleções Canônicas do primeiro milênio têm por autor à um particular, sem que a autoridadeeclesiástica as referende de modo oficial, embora algumas, como a Gregoriana do século XI ou aDionisíaca, sejam contempladas com simpatia pelos Papas.

Daqui que as distintas Coleções Canônicas que chegaram até nós não gozem do mesmo prestígio nemtem o mesmo valor jurídico. De modo geral, sua importância e autoridade derivam de dois critérios: doprestígio do autor que recopila os cânones e do âmbito geográfico no que exerciam influência. Nestesentido, gozam de maior autoridade as coleções que se aplicam em amplos âmbitos eclesiais, que aquelasque só tem valor em um território delimitado. Assim, a Hispanha era reconhecida universalmente, enquantoque outras coleções, por exemplo, os cânones dos Sínodos que vimos no parágrafo anterior, se aplicavamsó na Igreja Particular que os havia emitido, a não ser que caíssem nas mãos de um recopilador queanexasse alguns deles à uma coleção mais ampla. Adiantamos o juízo de García y García:

"Seria vão intento tratar de encontrar textos de sinal divorcista nas coleções de caráter universal. Mas éfreqüente a afluência de textos divorcistas nas coleções de sinal particular, sobretudo dos penitenciais."

De fato, este gênero de literatura que regula a penitência, situa­se entre a Teologia Moral, o Direito e aPastoral. Tratava­se de especificar as penitências e em ocasiões de tarifá­las, de forma que os pecadores,uma vez cumprida a penitência imposta, se reconciliassem com a Igreja.

As Coleções penitenciais surgem de modo especial nas igrejas céltico­anglo­saxãs, que se caracterizampor ser práticas, ou seja, querem solucionar os problemas concretos dessas comunidades. São, pois, muitoparticulares, em nenhum caso tem em conta o sentir da Igreja universal e em não poucas ocasiõesmostram­se contrárias à disciplina de Roma:

"O particularismo ou afastamento da legislação universal, de inspiração pontifícia, se devia à aversão dapopulação celta para com Roma, condicionada pelo fato de que os missionários romanos nas IlhasBritânicas se ocupavam preferentemente dos saxões, convertidos ao Cristianismo desde o ano de 678."

É lógico que os casos de separação matrimonial e de adultério se repitam nestes Penitenciais. Emocasiões, são "casos imaginários", mas outras vezes se trata de dados reais. Por isso os pastorescontemplam tais circunstâncias e dão a resposta que lhes parece mais oportuna. Esta vem determinadapela competência do próprio do próprio pastor, segundo a responsabilidade ministerial e inclusive conformea altura moral e cristã de que goza ele e a comunidade que dirige.

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As soluções são de índole muito diversa. Alguns parece que admitem a separação por consentimentomútuo, e assim foi interpretado por certos autores atuais. Mas outros afirmam que, em tais casos, se tratade uma simples separação feita de comum acordo, sem possibilidade de contrair novas núpcias. O únicotexto que fala de um segundo matrimônio adverte que é segundo os gregos, mas não é canônico.

Os casos mais freqüentes nos que cabe citar textos que possibilitam segundas núpcias em vida de outrocônjuge são: se se deu adultério, se o marido é abandonado por parte da esposa, quando um dos dois éliberado da catividade, por impotência do varão e por dissolução da condição servil.

Decididamente é que alguns destes cânones não só aparecem nos Penitenciais de autoresdesconhecidos e de aplicação local, mas que, devido ao caráter de recompilação que têm todas ascoleções da época, alguns cânones divorcistas passam à coleções mais autorizadas, como é o caso deRegino de Prüm, Burcardo de Worms, Ivo de Chartres e o Decreto de Graciano, que admitem em suasobras alguns cânones dessas coleções.

Regino de Prüm (840­915) recolhe os cânones de tão duvidosa origem como são os do Concílio deVerberie, anteriormente citado.

Em resumo, Regino é uma coleção mista desde o ponto de vista do divórcio, ou seja, que recolhe porsua vez textos divorcistas e anti­divorcistas, embora prevaleçam muito os primeiros.

É sabido a importância que teve o Decreto de Burcardo de Worms (1023­1025), cujo primeiro objetivo foiservir de legislação na Diocese e que logo é reconhecida por outras Igrejas locais. Pois bem, nestaimportante coleção recorta os limites da possibilidade de divórcio, mas não obstante, também recolhem­sealguns textos divorcistas.

No livro 9 do Decreto de Burcardo há, pelo menos, nove capítulos que proíbem o divórcio nos casos emque habitualmente admitem os textos divorcistas. Em outros (que eram divorcistas) Burcardo introduz umapartícula negativa que diz que o texto queria dizer todo o contrário. Mas entremeado com os capítulosanteriores, alterna em Burcardo uma longa série de textos divorcistas, que procedem dos documentos deCompiègne e de Verberie.

Os casos de divórcio que se recolhem nas coleções de Ivo de Chartres (1040­1115) e de Graciano(1160), são mais escassos e todos eles são citações de cânones anteriores. Mas isto mesmo confirma queum autor pode recolher em sua coleção cânones divorcistas ­ ele atua como simples investigador querecolhe a herança do passado ­, e no entanto sua doutrina é contrária aos cânones que menciona. É ocaso, por exemplo, de Hincmaro de Reims, que se destaca pela defesa da indissolubilidade do Matrimônioe argumenta contra qualquer concessão ao divórcio e, no entanto, em sua coleção aparecem cânones quepermitem o divórcio.

Como se explica que neste período, no que a doutrina negadora de qualquer tipo de divórcio, é jácomum que se repitam cânones que o admitam? A explicação é que nesta época a doutrina vai adiante daprática recolhida nos cânones. Como escreve Cantelar:

"A doutrina comum dos teólogos e canonistas deste período mostra­se tão favorável à indissolubilidadedo Matrimônio ou, acaso, mais favorável que a mesma legislação. Talvez a maior preocupação dos autoresdeste tempo foi precisamente buscar uma explicação que salvaguardasse a indissolubilidade do Matrimôniofrente à realidade de alguns casos de divórcio que a Igreja admitia."

De fato, nestes séculos, cabe mencionar uma série de teólogos e escrituristas que afirmam claramente aindissolubilidade do Matrimônio, que não aceitam o divórcio por causa de adultério e interpretamcorretamente as cláusulas de São Mateus. Por exemplo: Rábano Mauro (776­822), Haligario (> 831),Jonatas (818­843), Pascácio Radberto (790­865), etc.

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Não é, pois, um erro doutrinal que provoca essas hesitações no campo do direito. Pelo contrário, acausa destes cânones divorcistas está já assinalada: o caráter privado e recopilador de tais coleções, quepretendiam somar o maior número possível de cânones, sem criticar sua procedência. Também, como ésabido, a aceitação na sua coleção não supunha a aprovação do conteúdo, como se deixa ver emanotações. Em todo caso, convém destacar que os Papas muito longe de acomodar­se à essas coleçõesprivadas.

CONCLUSÃO

Estes são os dados que aporta a acidentada história da Igreja. Tais fatos transmitem, por sua vez, partedas normas jurídicas que foram julgados, assim como através deles conhecemos a doutrina teológica queos sustenta. Poderia­se deduzir que o divórcio foi sempre um fenômeno mais ou menos freqüente, ao que anorma canônica teve que julgar e que o ofício magisterial viu­se forçado a condenar, apesar dopermissivismo das leis civis.

Em resume, caberia afirmar que a doutrina católica sobre a indissolubilidade do Matrimônio esteve claranos Santos Padres, aparece a exceção em alguns cânones dos Concílios Particulares e a prática divorcistaou anti­divorcista se mescla nas Coleções de cânones de origem mais ou menos localista.

Mas, como dizíamos, para entender esses distintos níveis é preciso ter à vista algumas normas deinterpretação:

­ Em nenhum momento deve­se perder a perspectiva histórica. A Igreja no primeiro milênio sedesenvolve e um âmbito cultural muito pobre, e se desenvolve em áreas geográficas isoladas do centro deRoma. Não só havia escassa comunicação com o Papa, mas inclusive, dentro da mesma região, asDioceses viviam separadas umas das outras. As vantagens que hoje se proclamam em favor da autonomiadas Igrejas Particulares, possivelmente são menores que os benefícios que se seguiram desde que ogrande Papa Gregório VII, nos começos do segundo milênio, decide intervir desde Roma com maisfreqüência e em maior número de assuntos na administração de toda a Igreja. O relativo centralismo dareforma gregoriana acabou, em boa medida, com a arbitrariedade de alguns pastores e poderes civis quepretendiam dirigir à seu capricho aspectos importantes da vida da Igreja. Em concreto, à respeito aoMatrimônio, as vacilações em torno às suas características essenciais não voltaram a repetir­se à nível deMagistério.

­ Se se observam de perto os motivos que se aduzem para contrair novas núpcias são em essência osmesmos que o direito canônico atual assinala como impedimentos, que dirimem um Matrimônio. À vistadisto, é previsível que alguns textos que hoje lemos, as litteram, declarem que tais matrimônios não eramválidos, o qual implicava a permissão de novas núpcias. Mas não sabemos elucidar quando se trata deimpedimentos antecedentes ao matrimônio ou de anomalias que se seguiram a celebração do mesmo. Emtodo caso, não se pode pedir à esses "copiladores" a ciência jurídica que custou séculos investigar com ofim de esclarecer o tema sempre difícil sobre as circunstâncias que fazem impossível a união conjugal, eque, se o matrimônio contrai­se com tais impedimentos, resulta nulo.

­ Algumas decisões sinodais não eram mais que restos da legislação romana, e vimos como a normativada Igreja em todo momento teve que conviver e, na maioria dos casos, fazer­se contrária à legislação civilvigente. Também o direito civil da época estava submetido ao arbítrio dos mais poderosos, que não sãosempre os mais amantes da justiça, mas são partidários para resolver os problemas em favor da própriocircunstância pessoal. É o poder e não a justiça a arma do que goza do domínio sobre os demais. O casode Lotário no tempo do Papa São Leão Magno, que recolhemos no Capítulo seguinte, é paradigmático.

­ Se se analisam de perto, os casos mencionados são quase sempre situações limite, que merecem umestudo especial. É certo que a vida ordinária dos matrimônios cristãos conduzia­se por rotas mais normais.Na antigüidade cristã, o divórcio apresentava­se com menor freqüência que em nossos dias, pois, por pura

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lei da história, as situações anormais eram menos freqüentes que as que apresenta a vida atual. E, quandosurgiam, aos esposos, apesar dos costumes rudes da época, eram mais fáceis aceitá­las. Diante de taiscasos, alguns pastores com muito escassa formação teológica e em ocasiões com deficiente vida moralpessoal atuam segundo as circunstâncias, pressionados muitas vezes por aqueles que suscitavam oproblema, que ordinariamente pertenciam à classe social dominante. Estas decisões, tal como dizíamos,em nenhum caso expõe uma doutrina autorizada, mas trata­se de declarações de oportunidade prática.

Finalmente, a história sempre ensina. Nesta ocasião a lição orienta­se ao presente e ao futuro. Por isso,os debates em torno ao poder da Igreja para dissolver certos matrimônios, faz pensar que nos encontramosdiante de uma matéria que ainda não está suficientemente clara. No Capítulo que segue, teremos ocasiãode ver as hesitações do Magistério em relação a harmonizar a indissolubilidade do vínculo com a prática dedissolver alguns matrimônios que se denominam "naturais". Mas, ainda não é fácil explicar como umMatrimônio, Sacramento, rato e não consumado, pode ser dissolvido pela autoridade do Papa. Há, de fato,razões teológicas e jurídicas que conhecemos, mas é evidente que foi preciso muito tempo para aportá­las,e que ainda ficam obscuridades por esclarecer.

Ademais, como aponta Gaudemet, a última contribuição do final deste amplo período da história foi adistinção, largamente intuída, entre nulidade do matrimônio e dissolução do vínculo. Ao longo do século XII,a distinção entre nulidade ab initio do matrimônio e a dissolução de um Matrimônio validamente contraído jáaparece com claridade. É evidente que esta importante distinção havia evitado não poucas insuficiênciasque denotam escritos de alguns Concílios e Coleções canônicas. Mas as idéias têm seu tempo e a históriaem ocasiões é lenta em formular os princípios que regem as grandes instituições da humanidade.