Mau desempenho escolar uma visão atual

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  • ARTIGO DE REVISOARTIGO DE REVISO

    Mau desempenho escolar: uma viso atual Cludia MaChado Siqueira1, Juliana GurGel-Giannetti21 Especialista em Pediatria e Neurologia Peditrica; Ps-graduada em Neurolopsicologia Aplicada Neurologia Infantil pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; Mestranda

    em Sade da Criana e Adolescente da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG; Neurologista Peditrica do Hospital das Clnicas da UFMG e Preceptora da Residncia de Neurologia Peditrica, Belo Horizonte, MG

    2 Ps-Doutorado na Comlumbia University em Nova York; Doutorado, Coordenadora e Preceptora da Residncia de Neurologia Peditrica do Hospital das Clnicas da UFMG; Professora Adjunta de Pediatria, Belo Horizonte, MG

    Trabalho realizado no Departamento de Pediatria

    da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pediatria,

    Belo Horizonte, MG

    Artigo recebido: 04/10/2010Aceito para publicao: 24/10/2010

    Correspondncia para: Cludia Machado Siqueira

    Rua Paracatu, 878/701Barro Preto

    Belo Horizonte - MG CEP: 30180-090

    [email protected]

    Conflito de interesses: No h.

    ResumoEste estudo tem como objetivo uma reviso atualizada sobre o tema de mau desempe-nho escolar para profissionais da rea de sade e educao. Aborda aspectos atuais da educao, de aprendizagem e das principais condies envolvidas em mau desempenho escolar. Apresenta dados atualizados sobre os principais aspectos da neurobiologia, epi-demiologia, etiologia, quadro clnico, comorbidades, diagnstico, interveno precoce e tratamento das principais patologias envolvidas. Trata-se de uma reviso abrangente, no sistemtica da literatura sobre aprendizagem, desempenho escolar, transtorno de aprendizagem (dislexia, discalculia e disgrafia), transtorno de dficit de ateno/hipera-tividade (TDA/H) e transtorno de desenvolvimento de coordenao (TDC). O mau de-sempenho escolar um sintoma frequente em nossas crianas com graves repercusses emocionais, sociais e econmicas. Uma viso atualizada do tema facilita o raciocnio clnico, o diagnstico correto e o tratamento adequado. Unitermos: Aprendizagem; dislexia; ateno; leitura; transtornos de dficit da ateno e do comportamento diruptivo; baixo rendimento escolar.

    summaRyPoor school performance: an updated reviewThis study aims to develop a comprehensive review on the issue of poor school per-formance for professionals in both health and education areas. It discusses current aspects of education, learning and the main conditions involved in underachievement. It also presents updated data on key aspects of neurobiology, epidemiology, etiology, clinical presentation, comorbidities and diagnosis, early intervention and treatment of the major pathologies comprised. It is a comprehensive, non-systematic literatu-re review on learning, school performance, learning disorders (dyslexia, dyscalculia and dysgraphia), attention deficit / hyperactivity disorder (ADHD) and developmental coordination disorder (DCD). Poor school performance is a frequent problem faced by our children, causing serious emotional, social and economic issues. An updated view of the subject facilitates clinical reasoning, accurate diagnosis and appropriate treatment.Keywords: Learning; dyslexia; attention; attention deficit and disruptive behavior disor-ders; reading; underachievement.

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    IntRoduoA educao formal no mundo moderno tem importante valor sociocultural. O bom desempenho escolar indicati-vo de futuro sucesso social.

    Desde o incio do sculo, j havia a preocupao em se entender por qu certas crianas tinham dificuldade em aprender. Nos ltimos anos, o acesso escola tornou-se universal e, consequentemente, as queixas de mau desem-penho escolar e dificuldade em aprender aumentaram nos consultrios mdicos.

    No Brasil, a gratuidade da educao fundamental garantida por lei para crianas de 6 a 14 anos, atravs de instituies pblicas. Desde a ltima dcada, a maioria das crianas brasileiras est matriculada no ensino fundamen-tal. O acesso escola deixou de ser restrito, porm a qua-lidade de educao e a evaso escolar ainda so problemas a serem resolvidos.

    Vrios estudos mostram que em torno de 15% a 20% das crianas no incio da escolarizao apresentam dificul-dade em aprender e, logo, mau desempenho escolar. Essas estimativas podem chegar a 30%-50% se forem analisados os primeiros seis anos de escolaridade1.

    O pediatra o profissional da rea de sade que primei-ro tem contato com as queixas de mau desempenho escolar. Tais queixas devem ser valorizadas e adequadamente avalia-das visando diagnstico e intervenes precoces. O objetivo deste artigo realizar uma reviso sobre o tema e fornecer subsdios que permitam ao pediatra realizar uma aborda-gem inicial de crianas com mau desempenho escolar.

    apRendIzagem do ponto de vIsta neuRobIolgIcoApesar de existirem diversas definies na literatura, to-das elas consideram a aprendizagem um processo que ocorre atravs da integrao de diversas funes do sis-tema nervoso, promovendo melhor adaptao do indiv-duo ao meio. Na aprendizagem ocorre a interao entre o indivduo e o meio atravs da experincia, promovendo mudanas2.

    O meio fornece as informaes que devero ser pro-cessadas pelo indivduo. De forma didtica, a aquisio e o processamento da informao podem ser divididos em partes: entrada (input), processamento e sada (ou-tput). O input ocorre atravs das vias aferentes - viso, audio e somatossensitiva (tato, gustao, olfato), cons-tituindo a percepo sensorial da informao pelo cre-bro. O processamento ocorre em reas corticais percepti-vas (gnsicas) e motoras (prxicas). Este processamento exige integrao de reas corticais e subcorticais, onde a informao organizada, integralizada e armazenada. O output, ou resposta efetora, ocorre pelas vias eferentes motoras2. A motivao e os reforos positivos so fun-damentais na aprendizagem. Quanto mais interessante e importante a informao, mais fcil sua reteno e res-gate quando necessrio.

    Portanto, durante a aprendizagem, o processamento das informaes depende da integrao de diversas habi-lidades, destacando-se as cognitivas atencionais, mnsicas e lingusticas, alm de desenvolvimento emocional e com-portamental1-3.

    A cognio um construto de vrias habilidades que se integram com o objetivo comum de solucionar problemas inditos apresentados pelo meio. Muitos a consideram como principal preditor de capacidade de aprendizagem2,4. Os processos cognitivos superiores envolvidos em orga-nizar e monitorar o pensamento e o comportamento so conhecidos como funes executivas5. H um grande di-namismo e plasticidade na cognio, que deve ser aperfei-oada atravs de treino e mediao adequada (aprendida/ensinada). A inteligncia uma habilidade nata, herdada geneticamente e pouco modulada pelo meio2.

    A ateno e a memria tm papel essencial na aqui-sio de novas habilidades (aprendizagem). atravs da ateno que se filtra as informaes relevantes no meio (ateno seletiva) e se mantm sob foco esta informao desejada (ateno sustentada e focalizada). A memria operacional (ou de trabalho) ocupa a funo de selecionar, analisar, conectar, sintetizar e resgatar as informaes j consolidadas, apreendidas (memria de longo prazo). A memria operacional faz a conexo entre as informaes novas e aquelas j aprendidas6.

    A psicomotricidade uma caracterstica humana que permite a execuo planificada, sequenciada, autorregu-lada de atos motores complexos, mediada pelo lobo pr- frontal. As praxias so consideradas por muitos autores como o produto final da cognio2.

    Ressalta-se ainda que a aprendizagem apresenta pe-culiaridades na infncia, relacionadas especialmente neuroplasticidade e maturao neurolgica (sinaptog-nese e mielinizao). A neuroplasticidade, que muito intensa nas crianas, consiste na capacidade do encfalo em adaptar-se a modificaes, sejam elas novas funes aprendidas ou reaes a leses enceflicas. medida que a criana amadurece, reas e funes perceptivas e motoras se tornam mais funcionais e capacitadas para execuo de habilidades cada vez mais complexas. Portanto, destaca- se que para aprender preciso maturao e integrao de diversas reas cerebrais envolvidas no processo1-3.

    Todos os profissionais envolvidos na educao e na sade infantil devem ter domnio das etapas de desenvol-vimento da criana e suas particularidades. O desenvol-vimento ocorre passo-a-passo atravs da mediao entre criana e indivduo competente, seja outra criana ou adulto. um continuum de aquisies de atos mais simples at o aperfeioamento de funes cada vez mais comple-xas. Um bom exemplo a escrita: inicia-se naturalmente com a garatuja (traar linhas em todos os sentidos), depois so realizados desenhos de figuras geomtricas (crculos, cruz...), at a escrita em caixa alta e cursiva. esperado que

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    uma criana de 5 a 6 anos escreva espelhado, pois est em fase de maturao de reas visoespaciais. J a escrita espe-lhada aps 7 anos pode ter conotao patolgica.

    mau desempenho escolaR (mde)O mau desempenho escolar (MDE) pode ser definido como um rendimento escolar abaixo do esperado para de-terminada idade, habilidades cognitivas e escolaridade2,3.

    O MDE deve ser visto como um sintoma relacionado a vrias etiologias. Ressalta-se ainda que, independentemen-te da etiologia, o MDE resulta em problemas emocionais (baixa autoestima, desmotivao) e preocupao familiar, alm de repercusso em diversas esferas: individuais, fa-miliares, escolares e sociais.

    Diante da criana com MDE, fundamental buscar a causa e, consequentemente, traar o melhor tratamento para cada indivduo. As causas so variadas, destacando- se dois grupos: fatores extrnsecos (ambientais) ou intrn-secos (individuais).

    Neste contexto importante a distino entre dificul-dade escolar (DE) e transtorno de aprendizagem (TA). A DE relaciona-se com problemas de origem pedaggica e/ou sociocultural. No h qualquer envolvimento orgnico. extrnseco ao indivduo. O TA relaciona-se com problemas na aquisio e desenvolvimento de funes cerebrais envol-vidas no ato de aprender, tais como dislexia, discalculia e transtorno da escrita. Alm dos transtornos especficos de aprendizagem, citam-se o transtorno de dficit de ateno/hiperatividade (TDAH) e transtorno de desenvolvimento de coordenao (TDC) como entidades relacionadas ao mau desempenho escolar. Todas essas condies tm base neurobiolgica, ou seja, intrnseca ao indivduo7-9.

    Salienta-se ainda que o MDE pode ter mais de uma causa, sendo uma confluncia de fatores (ex: filhos de mes alcoolistas expostos a lcool durante a gestao em meio sociocultural pouco favorvel).

    dIfIculdade escolaREntre as causas de dificuldade escolar, citam-se fatores pre-dominantemente extrnsecos ao indivduo, sem compro-

    metimento orgnico, tais como: inadequao pedaggica e condies socioculturais desfavorveis ou pouco esti-muladoras. Causas emocionais, geralmente secundrias a fatores ambientais como desmotivao, baixa autoestima e desinteresse, devem ser consideradas.

    Portanto, para uma aprendizagem de sucesso so ne-cessrias vrias habilidades cognitivas associadas a opor-tunidades adequadas. Ambientes enriquecidos de experi-ncias sensoriais so fundamentais, sendo que a privao pode levar a prejuzos10. Ambientes familiares pouco esti-muladores e com pouca interao sociolingustica podem levar a criana ao no desenvolvimento de suas aptides e habilidades. bem estabelecido na literatura que condi-es desfavorveis socioeconmico-culturais influenciam negativamente no desempenho cognitivo e acadmico, ocasionam maior ndice de mau desempenho e insucesso escolar. Este grupo de crianas com vulnerabilidade so-cial considerado de risco para dificuldade escolar (DE) e tambm, por alguns autores, para transtorno de apren-dizagem (TA)11,12.

    O incentivo familiar educao tem papel primordial. Em determinadas culturas, como na oriental, extrema-mente valorizada a educao formal. No Brasil, a etnia oriental apresenta consistentemente os mais altos nveis educacionais em relao a todos os outros grupos tnicos, em todas as faixas de renda, sobretudo na de renda infe-rior. Dados tambm revelam que mes com maior instru-o escolar tm filhos com maior nvel de escolaridade13.

    Existe forte correlao entre boas escolas, disponibili-dade de recursos e progresso escolar. A m qualidade da educao afeta diretamente as crianas mais vulnerveis provenientes de condies socioeconmico-culturais mais precrias. A escola (educao formal) deveria ter o papel de compensar as diferenas, diminuindo a desigualdade social, capacitando esses indivduos.

    Vrios questionamentos so realizados em relao aos mtodos de ensino atuais. O melhor mtodo aquele que proporciona na maioria dos indivduos o aperfeioamento de suas habilidades e o desenvolvimento de suas poten-cialidades. importante salientar que algumas crianas necessitam de estratgias de ensino individualizadas e me-diadas ativamente.

    Um importante problema atual, em alguns grupos so-ciais, so as expectativas pedaggicas acima das capacida-des, habilidades e interesses da criana. Expor a criana a situaes de aprendizagem extremamente difceis ou muito fceis (alm ou aqum da sua capacidade) levam a desin-teresse, desmotivao e distrao. Tal situao tem graves consequncias, acarretando frustrao, fracasso, insucesso, baixa autoestima, alm de estresse familiar e escolar2,11.

    tRanstoRnos especfIcos de apRendIzagem (ta)De acordo com o DSM-IV, o transtorno de aprendizagem (TA) definido como a situao na qual os resultados

    Dificuldades pedaggicas: causas pedaggicas (problemas de ensinagem)e sociais (condies socioculturais desfavorveis e pouco estimuladores)

    Patologiase transtornos associados: 1) transtornos especficos deaprendizagem (Leitura/Escrita/Matemtica); 2) transtorno de dficit de ateno/hiperatividade (TDA/H); 3) transtorno de desenvolvimento de coordenao (TDC); 4) outros transtornos neuropsiquitricos, patologias neurolgicas e condies mdicas

    Tabela 1 Principais causas de mau desempenho escolar que sero abordadas nesta reviso:

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    do indivduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemtica ou expresso es-crita esto substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarizao e nvel de inteligncia. Os problemas de aprendizagem interferem significativamente no rendi-mento escolar e nas atividades de vida diria que exigem habilidades de leitura, matemtica ou escrita9.

    Portanto, considera-se o TA como uma dificuldade cognitiva intrnseca que leva a rendimento acadmico aqum do esperado para potencial intelectual, escolarida-de e motivao11,14. Para a criana ter diagnstico de TA, ela deve apresentar nvel cognitivo normal, ausncia de de-ficincias sensoriais (dficits auditivos e/ou visuais), ajuste emocional e acesso ao ensino adequado. Alguns autores enfatizam que no possvel classificar uma criana como portadora de TA at que se faa, pelo menos, uma tentativa adequada de instruo12,14.

    Os TA acometem 5% a 17% da populao e podem perdurar por toda vida, trazendo prejuzos acadmicos, sociais e emocionais12,15. Os TAs podem ser classificados de acordo com a rea educacional em: transtornos da ma-temtica, da expresso escrita e da leitura9,11.

    No transtorno da matemtica (ou discalculia do desen-volvimento), a capacidade matemtica, individualmente tes-tada, encontra-se abaixo do esperado para idade cronolgi-ca, inteligncia e escolaridade9. Corresponde a 6% dos TAs. Ocorre igualmente em ambos os gneros, diferente dos ou-tros TAs. Algumas situaes especficas podem associar-se a ela como: epilepsia, Sndrome de Turner, TDA/H, sndrome alcolica fetal, fenilcetonria tratada, entre outros11,16,17.

    No transtorno da expresso escrita, a habilidade de escrita, individualmente testada, apresenta-se acentuada-mente abaixo do esperado para idade cronolgica, inteli-gncia e escolaridade9. Corresponde a 8% a 15% dos TAs e compromete todas as reas acadmicas. Pode ser resul-tado de alteraes motoras, de percepo espacial, de lin-guagem, alm de memria e ateno. Pode comprometer a grafia (disgrafia) e/ou a ortografia e produo de texto (disortografia)8,11,15.

    No transtorno de leitura (transtorno especfico de leitura ou dislexia do desenvolvimento), o rendimento de leitura, individualmente testado, inferior, apresen-ta-se acentuadamente abaixo do esperado para idade cronolgica, inteligncia e escolaridade 9. Corresponde a 80% de todos os TAs, sendo, portanto, o mais frequen-te deles1,2,4,8,11,12,15.

    A inabilidade de ler e compreender um dos maiores obstculos aprendizagem, com graves consequncias educacionais, sociais e emocionais. Atravs da leitura, o indivduo extrai conhecimento e significado de caracteres simblicos escritos15. A leitura se desenvolve em etapas: primeiro, a decodificao (associao letra-som); segundo, a fluncia (habilidade de ler palavras e textos automatica-mente) e por ltimo, a compreenso (leitor proficiente)12.

    Inicialmente, o indivduo aprende a ler, e depois l para aprender. Tipicamente, a dislexia apresenta dificuldades nas habilidades de decodificao e soletrao (dficit fo-nolgico), que se reflete nas demais etapas de leitura8,11,12,15.

    A dislexia do desenvolvimento uma condio crnica que se manifesta de forma heterognea em um modelo di-mensional (continuum). Apresenta origem neurobiolgica com forte herana gentica, mas modulado por fatores ambientais. Vrias pesquisas genticas esto em andamen-to, pois a histria familiar considerada o mais importante fator de risco para dislexia. J foram identificados nove re-gies de genoma e seis candidatos a genes, porm no h um nico gene responsvel 12,15.

    mais frequente em meninos na preponderncia de 1,5:1, segundo dados atuais, bem menor que as estimativas histricas12.

    muito comum a associao com TDA/H, taxas que variam entre 25% a 40%11. Torna-se assim inquestionvel a necessidade de avaliar TDA/H como comorbidade em crianas com TA.

    A Tabela 2 resume os principais sinais e sintomas dos TAs. importante salientar que o diagnstico realizado por um conjunto de sintomas, e no por dados isolados.

    tRanstoRno de dfIcIt de ateno/hIpeRatIvIdade (tda/h)O TDA/H uma causa comum de mau desempenho es-colar. O TDA/H, sendo passvel de tratamento especfico e com bons resultados, sempre merece ser investigado 18-20.

    No DSM-IV9, o TDA/H tem como caracterstica essen-cial o padro persistente de desateno e/ou hiperativida-de, mais frequentes e severos em relao aos seus pares. Os sintomas iniciam-se por volta dos 3 a 7 anos, e persiste na adolescncia e vida adulta em mais da metade dos casos.

    Em relao etiologia, o TDA/H apresenta base neu-robiolgica e forte hereditariedade. Evidncias indicam fatores genticos e neurolgicos como as principais cau-sas provveis, reduzindo bastante o papel de fatores pura-mente sociais. Entretanto, ressalta-se que os fatores sociais podem contribuir no desenvolvimento de comorbidades associadas, e no do TDA/H5.

    Recentemente, foram descritos fatores neurolgicos de risco para TDA/H. So eles: complicaes gestacionais ou parto; leses cerebrais adquiridas; toxinas, fumo e lcool na gestao; prematuridade; baixo peso ao nascimento e possivelmente, nveis elevados de fenilalanina em mes com fenilcetonria5.

    Como critrios diagnsticos, o DSM-IV considera que devem estar presentes seis ou mais sintomas de desateno e/ou hiperatividade, com durao mnima de seis meses, incio antes dos 7 anos de idade, em dois contextos dife-rentes, enfatizando o significativo prejuzo acadmico, so-cial e ocupacional. A Tabela 3 descreve os sinais e sintomas de acordo com DSM-IV9.

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    O TDA/H pode ser classificado em trs tipos: predo-minantemente desatento, hiperativo e combinado, confor-me os critrios do DSM-IV9. Existe marcada heterogenei-dade clnica. O sintoma de desateno est presente em todos os subtipos e em todas as faixas etrias. A maioria das crianas e adolescentes apresenta o tipo combinado, porm crianas menores apresentam comportamento mais hiperativo21,22. A literatura descreve que os sintomas de hiperatividade diminuem na adolescncia, mas persis-tindo os sintomas de desateno e impulsividade, o que visto na prtica clnica.

    Polanczki et al23, atravs de uma reviso sistemtica, encontram prevalncia mundial em torno de 5,29%, asso-ciada significativa variabilidade de acordo com critrios diagnsticos utilizados em pases diferentes23. A preva-lncia varia conforme o grupo estudado (amostras clni-cas/populacionais, idades) e principalmente os critrios diagnsticos empregados (Classificao Internacional de Doenas - CID 10, DSM-IV, avaliao neuropsicolgica, entre outros). A prevalncia em meninos maior em pro-pores que variam de 9 a 3:1. Em meninas, a manifesta-o mais frequente o subtipo desatento, sendo frequente o no reconhecimento desta patologia. Em adultos a pre-valncia de 2,9% a 4,4%, sem diferena de gnero5.

    Em relao a prejuzo escolar, as formas desatenta e combinada apresentam maiores comprometimentos5,20-24. Na literatura, associa-se TDA/H a um pior desempenho escolar (tempo menor de estudo, estudos incompletos, ne-cessidade de reforo, repetncias e expulses). Os dados de literatura so alarmantes: at 56% necessitam de mo-nitores acadmicos, 30% a 40% frequentam programas de educao especial, aproximadamente 30% tm histria de repetncia, at 46% tm histria de suspenso escolar e 10% a 35% evadem ou no completam os estudos5,18.

    Vrios trabalhos tambm evidenciam o pior desem-penho acadmico, principalmente em matemtica, no TDA/H tipo desatento. Alm da matemtica, essas crian-as tambm podem apresentar dificuldade de leitura de-vido s deficincias na ateno, memria de trabalho e funes executivas18.

    necessrio amplo conhecimento para realizar o diagnstico diferencial e a identificao de comorbidades, pois vrias condies clnicas mimetizam e acentuam os sintomas de TDA/H. O reconhecimento precoce e corre-to das comorbidades a base do sucesso teraputico. As pesquisas evidenciam alta prevalncia de comorbidades, sendo os mais comuns: transtorno opositivo-desafiador e transtorno de conduta (30% a 50%). Em contrapartida,

    Tabela 2 Sinais principais de TA

    Sinais principais de TA

    Transtorno de leitura ou dislexia do desenvolvimento(Rotta, 2006) 1

    Leitura e escrita, muitas vezes, incompreensveis. No compreenso da leitura

    Dificuldade em identificao de letras. Confuses de letras diferentes, orientaes ou pequenas diferenas na grafia: (p/q -b/d - c/e - u/v - i/j - n/u) ou sons semelhantes ( b/p - d/t )

    Dificuldade em aprender letra-som. Isso leva a inverses de slabas ou palavras (sol/los), substituies de palavras com estrutura semelhante; supresso ou adio de letras ou de slabas (marinha/marina); repetio de slabas ou palavras

    Dificuldade em provas de conscincia fonolgica e imaturidade fonolgica. Dificuldade de identificar e realizar rimas aps 4 anos. Fragmentao incorreta na escrita (pu leina pis cina/ pulei na piscina)

    Confuso em relaes tmporo-espaciais, esquema corporal e lateralidade (no reconhece direito e esquerdo em si prprio aos 6 anos).Escrita em espelho aps 6 ou 7 anos

    Antecedente familiar de transtorno de dficit de ateno/ hiperatividade (TDA/H) e/ou TA

    Transtorno da expresso escrita(Ciasca, 2003)7

    Disgrafia: traado de letra ilegvel, dificuldade para escrever, mistura de letras (maisculas/minsculas, forma/cursiva), traado de letra incompleto, dificuldade visomotora (cpia) e visoespacial. Comum associao com transtorno de desenvolvimento de coordenao (TDC)

    Disortografia: geralmente acompanha a dislexia. So dificuldades lingusticas (fonolgicas e ortogrficas) e de produo de texto

    Transtorno da matemtica ou discalculia do desenvolvimento(Bastos, 2007)16

    Erro na escrita dos nmeros (em espelho), dificuldade com sinais operacionais, dificuldade em montar a conta e na ordenao e espaamento dos nmeros

    Dificuldade para ler nmeros com multidgitos

    Dificuldade em somas simples, memria restrita para fatos numricos bsicos

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    o TDA/H est presente como comorbidade em 25%-40% dos TA11. Outra associao frequente com o transtorno de desenvolvimento de coordenao (TDC), o qual gira em torno de 47% nas crianas com TDA/H. A maior parte das pesquisas sustenta a existncia de dficits no controle motor, principalmente na execuo de sequncias motoras com grande impacto para as atividades de vida diria5,25.

    tRanstoRno de desenvolvImento de cooRdenao (tdc)Desde 1994, classificado pelo DSM-IV como um trans-torno das habilidades motoras9. Na literatura, encontra-se tambm com a nomenclatura de dispraxia1,2,25-27.

    Define-se por marcado comprometimento da coorde-nao motora, sem causas neurolgicas ou sensoriais iden-tificadas, levando a prejuzos acadmicos e nas atividades

    A. Ou (1) ou (2)

    (1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desateno persistiram por pelo menos seis meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nvel de desenvolvimento:

    Desateno:a) frequentemente deixa de prestar ateno a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolar, de trabalho ou outras;

    b) com frequncia tem dificuldades para manter a ateno em tarefas ou atividades ldicas;

    c) com frequncia parece no escutar quando lhe dirigem a palavra;

    d) com frequncia no segue instrues e no termina seus deveres escolares, tarefas domsticas ou deveres profissionais (no devido a comportamento de oposio ou incapacidade de compreender instrues);

    e) com frequncia tem dificuldade para organizar tarefas e atividades;

    f) com frequncia evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforo mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa);

    g) com frequncia perde coisas necessrias para tarefas ou atividades (por exemplo, brinquedos, tarefas escolares, lpis, livros ou outros materiais);

    h) facilmente distrado por estmulos alheios s tarefas;

    i) com frequncia apresenta esquecimento em atividades dirias.

    (2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos seis meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nvel de desenvolvimento:

    Hiperatividade:a) frequentemente agita as mos ou os ps ou se remexe na cadeira;

    b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situaes nas quais se espera que permanea sentado;

    c) frequentemente corre ou escala em demasia, em situaes nas quais isso inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensaes subjetivas de inquietao);

    d) com frequncia tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer;

    e) est frequentemente a mil ou muitas vezes age como se estivesse a todo vapor;

    f) frequentemente fala em demasia.

    Impulsividade:g) frequentemente d respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas;

    h) com frequncia tem dificuldade para aguardar sua vez;

    i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por exemplo, intromete-se em conversas ou brincadeiras)

    B. Alguns sintomas de hiperatividade/impulsividade ou desateno que causaram prejuzo estavam presentes antes dos 7 anos de idade.

    C. Algum prejuzo causado pelos sintomas est presente em dois ou mais contextos (por exemplo, na escola/trabalho e em casa).

    D. Deve haver claras evidncias de prejuzo clinicamente significativo no funcionamento social, acadmico ou ocupacional.

    E. Os sintomas no ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno invasivo do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psictico e no so mais bem explicados por outro transtorno mental (por exemplo, transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo ou um transtorno da personalidade).

    Tabela 3 Critrios diagnsticos do TDAH segundo o DSM-IV9

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    de vida diria. A performance motora dessas crianas significativamente abaixo de sua idade e inteligncia. No deve ser diagnosticado em crianas com QI inferior a 70 ou em patologias mdicas (ex: paralisia cerebral)9. Ocorre em cerca de 6% de crianas de 5 a 11 anos e pode persistir na vida adulta9,24.

    Vrios aspectos motores podem ser acometidos, como habilidade motora fina, funo motora grossa, coordena-o geral e controle durante a execuo de movimento. O impacto percebido principalmente em atividades do dia a dia, como vestir, dar lao no cordo do sapato, usar talhe-res e tesoura, andar de bicicleta, desenhar, copiar e escrever. Algumas crianas apresentam apenas prejuzo acadmico, principalmente na escrita e na organizao espacial.

    Pesquisas recentes mostram que TDC e TDA/H so entidades distintas, mas que geralmente coexistem e apre-sentam sintomas que se sobrepem e se potencializam. frequente a comorbidade com TDA/H e TA (principal-mente envolvendo escrita), alm de transtorno opositivo--desafiador, de conduta, de humor e de ansiedade25,28.

    As dificuldades na execuo motora (praxias) esto associadas baixa autoestima, maior ansiedade (sintomas internalizantes) e dificuldade nas relaes sociais. Estudos recentes revelam que devido ao estilo de vida adotado (se-dentarismo), consequente s suas dificuldades motoras, essas crianas apresentam maior risco para desenvolver obesidade e problemas cardiovasculares25.

    outRas condIes mdIcas e neuRopsIquItRIcasNa literatura mundial est bem estabelecido que certos problemas mdicos influenciam diretamente na capaci-dade de aprender, como desnutrio (principalmente nos primeiros anos de vida), anemia ferropriva, deficincia de zinco, hipotireoidismo, infestao por vermes, deficincias sensoriais (dficits visuais e auditivos), doenas crnicas que levam a absentesmo escolar e/ou problemas emocio-nais - asma, diabetes mellitus tipo 1, anemia falciforme, neurofibromatose tipo 1, sndrome de imunodeficincia adquirida11,27.

    A prematuridade e o baixo peso ao nascimento, mes-mo sem comprometimento neurolgico estabelecido, so considerados fatores de risco para DE e/ou TA. Acredita- se que mais de 33% dos prematuros entre 32 e 35 sema-nas e mais de 25% dos recm-nascidos com peso inferior a 2000 gramas tero problemas escolares27. Riech, em 2008, realizou uma pesquisa no Brasil sobre o impacto do nascimento do pr-termo com baixo peso nas funes neuropsicolgicas de escolares, e encontrou os seguintes resultados: maior comprometimento nas habilidades ttil- cinestsicas, viso-construtivas, viso-motora e memria visual; pior desempenho escolar nas reas de aritmtica e leitura; frequncia maior de transtornos de aprendiza-gem (seis vezes mais que a populao-controle) e transtor-no de dficit de ateno/hiperatividade (trs vezes mais).

    Tais resultados foram piores que os dados da literatura in-ternacional. A autora conclui que as precrias condies socioeconmico-culturais e educacionais potencializam as dificuldades dessas crianas29. Tais dados enfatizam a necessidade de um acompanhamento longitudinal e inter-veno precoce dessas crianas, a fim de minimizar suas dificuldades e permitir sua real integrao social.

    Insultos neurolgicos, dependendo da sua extenso, rea acometida, etiologia e poca (pr, peri e ps-natal), podem levar ao comprometimento de funes cerebrais (sensoriais, lingusticas, cognitivas, motoras) e, conse-quentemente, a maior dificuldade em aprender. So exem-plos: paralisia cerebral, acidente vascular enceflico, infec-es do sistema nervoso central, antecedente de irradiao craniana, entre outras.

    Algumas patologias neurolgicas apresentam certas particularidades em relao aprendizagem, como a epi-lepsia. Vrios fatores esto envolvidos, como o tipo epilep-sia, controle de crises e uso de frmacos antiepilpticos e seus efeitos cognitivos, entre outros.

    A deficincia intelectual (ou retardo/ deficincia men-tal) uma condio comum. Apresenta atraso ou defici-ncias em diversas funes mentais (cognitiva, lingustica, motora e social) em maior e menor grau. A deficincia mental (DM) ocorre mais em meninos e atinge 2% a 3% da populao mundial30. As causas so diversas, e uma proporo considervel dos pacientes permanece sem diagnstico etiolgico e/ou clnico, principalmente nos casos leves. A partir de testes padronizados e individua-lizados, os DMs podem ser classificados de acordo com escore (QI) em: leve (50-70), moderado (35-50), severo (20-35) e profundo (menos de 20). Os casos leves so os mais comuns, e correspondem a 65% a 75% dos casos de DM30. Geralmente esses dficits mais leves s so observa-dos em ambiente escolar, quando expostos alfabetizao. Esses indivduos apresentam capacidade de aprendiza-gem, desde que realizada por mediao ativa competente. Essas crianas so beneficiadas atravs de interveno pre-coce por equipe multidisciplinar e educao de qualidade. Caracteristicamente, apresentam maior dificuldade de transferncia, de generalizao e de estratgias associati-vas da informao31.

    Muitas patologias neuropsiquitricas tambm apresen-tam maior risco de MDE devido ao comprometimento de funes e habilidades necessrias aprendizagem20. Entre elas, encontram-se: TDA/H, transtorno de humor bipolar da infncia, transtorno opositivo-desafiador, transtorno de conduta, transtornos de ansiedade, transtorno obses-sivo-compulsivo, Gilles laTourette, Asperger, entre outros.

    dIagnstIco e InteRveno pRecoceNa maioria dos casos, o primeiro profissional que os pais ou responsveis procuram para auxlio e orientao de MDE o mdico, e frequentemente, o pediatra.

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    A literatura refora que o ideal seria a deteco e inter-veno precoces, independentemente da etiologia do MDE.

    O mdico tem funo fundamental no manejo de MDE, tais como: 1) orientao de pais e responsveis sobre a importncia da educao na vida de suas crianas, prin-cipalmente quelas provenientes de condies sociocultu-rais desfavorveis; 2) ateno ao desenvolvimento neurop-sicomotor (DNPM) e ao biorritmo individual da criana; 3) identificao dos sinais e sintomas precoces dos trans-tornos associados ao MDE; 4) descartar causas extrnsecas (socioculturais e pedaggicas) e causas intrnsecas - emo-cionais, problemas visuais (insuficincia de convergncia e acomodao, erros de refrao), problemas auditivos (otite mdia de repetio, alterao do processamento auditivo, entre outros), dficits sensoriais (visuais e auditivos), ane-mia ferropriva, apneia de sono, hipotireoidismo, entre ou-tros); 5) encaminhar para especialistas quando necessrio (otorrinolaringologia, oftalmologia, neurologia, psiquia-tria, psicopedagogia, fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional); 6) orientar que os transtornos (TA, TDA/H, TDC) so, em sua maioria, condies crnicas que perdu-ram por toda a vida, porm com capacidade de melhora desde que os tratamentos necessrios sejam realizados; 7) desmotivar tratamentos alternativos sem evidncias cientficas; 8) disponibilizar fonte de informao segura e confivel para os responsveis e as crianas. Sabe-se que crianas provenientes de famlias esclarecidas, engajadas ao tratamento, tm melhor prognstico5,32,33.

    Na literatura, os principais sinais e sintomas precoces de transtorno de aprendizagem (TA) so: atraso de lingua-gem oral, dificuldade em nomear e reconto de histrias, vocabulrio restrito, imaturidade fonolgica, dificuldade de reconhecer smbolos (letras e nmeros), dificuldade no esquema corporal e relaes tmporo-espaciais, histria familiar de TDA/H e/ou TA1,8,11,34.

    A literatura orienta que a interveno precoce deve ser iniciada o mais breve possvel, pois mesmo as crianas sem TA se beneficiam das estratgias trabalhadas. Portanto, na presena de sinais sugestivos de TA deve-se orientar a fa-mlia e encaminhar para avaliao especializada e, se ne-cessrio, para interveno precoce.

    A interveno educacional deve ser individualizada de acordo com as necessidades de cada criana. De uma for-ma geral, desenvolvem-se os pontos fracos e reforam as habilidades. Algumas crianas necessitaro de estratgias multidisciplinares para sucesso em suas experincias aca-dmicas; outras, a orientao e as intervenes familiares sero suficientes.

    O diagnstico de dislexia do desenvolvimento rea-lizado por equipe multidisciplinar atravs de uma srie de testes que envolvem leitura, escrita, memria, ateno, alm de habilidades cognitivas, lingusticas e acadmicas. Todas as evidncias convergem para dficit fonolgico sem interferncia em outros domnios cognitivos ou de

    linguagem11,12,14,15. A alfabetizao destas crianas tem maior sucesso pelo mtodo fnico - baseado no princpio alfabti-co, devendo ser explcita a relao letra-som8,12,14,35, 36.

    O tratamento da dislexia do desenvolvimento feito em dois mbitos: remediao e acomodao. A remedia-o busca o treino da decodificao, fluncia de leitura, aquisio de vocabulrio e compreenso. Muitas crian-as no atingiro proficincia de leitura, e nesses casos a acomodao ser necessria. A acomodao inclui tempo extra para leitura (essencial), uso de computadores e gra-vadores, evitar questes de mltipla escolha, testes orais e/ou em salas separadas8,12,14.

    Ressalta-se ainda o cuidado com tratamentos alterna-tivos, que podem ser dispendiosos e no possuem emba-samento cientfico. Em 2009, a Academia Americana de Pediatria enfatizou que, apesar dos problemas visuais inter-ferirem nos processos de aprendizagem, a causa primria dos TA (incluindo a dislexia) no visual.

    No existe evidncia cientfica que justifique o trata-mento com exerccios oculares, terapia comportamental visual ou uso de filtros ou lentes coloridas. Tais tratamen-tos no so endossados e no deveriam ser recomendados.

    Em relao ao TDA/H, o diagnstico fundamental-mente clnico; no existe exame complementar que confir-me seu diagnstico. O tratamento ideal associa farmoco-terapia, educao familiar e orientao aos educadores. consenso na literatura que os psicoestimulantes so a pri-meira escolha para tratamento de TDA/H devido sua efi-ccia, tolerabilidade e segurana, sendo liberado pelo FDA (Food and Drug Administration) para crianas maiores de 6 anos. No Brasil, o metilfenidato o nico psicoestimu-lante disponvel nas formulaes de liberao imediata e prolongada (tecnologia sodas e oros).

    O metilfenidato de liberao prolongada (tecnologia sodas) tem efeito bimodal, projetado para liberar dois pi-cos ao dia, com tempo de ao de seis a oito horas. A tec-nologia Oros projetada para ter uma curva ascendente de concentrao plasmtica de metilfenidato ao longo do dia, com tempo de ao de 10-12 horas. As frmulas de liberao prolongada devem ser administradas pela ma-nh, devido seu tempo de ao prolongado. As frmulas de liberao imediata podem ser usadas de duas a trs ve-zes por dia.

    A posologia dos psicoestimulantes deve ser individu-alizada de acordo com a necessidade, resposta ao trata-mento e surgimento de efeitos colaterais. Os efeitos cola-terais mais frequentes em curto prazo so cefaleia, perda de apetite, reduo de peso, dor abdominal, insnia, irri-tabilidade e sintomas gastrointestinais. A maioria desses efeitos autolimitada, dose-dependente, de mdia inten-sidade e desaparecem com reduo da dose e/ou com uso prolongado. Em longo prazo, os efeitos adversos mais encontrados so alteraes discretas de frequncia card-aca e presso arterial e discreta reduo da estatura final.

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    muito rara a dependncia e o abuso de psicoestimulantes. Na prtica clnica, so comuns os feriados teraputicos suspenso nos fins de semana e nas frias escolares em crianas com maior prejuzo escolar e perda de peso exces-sivo mas tal prtica controversa na literatura5,20,21,37.

    No tratamento de TDA/H, indica-se suspenso da me-dicao aps um ano de melhora dos sintomas, e acompa-nhamento mdico frequente para avaliar retorno da medi-cao, se necessrio5,21,22.

    Os antidepressivos tricclicos apresentam menor efi-ccia teraputica que os psicoestimulantes. Entre os an-tidepressivos tricclicos, o mais utilizado a imipramina, principalmente quando TDA/H est associado a enurese e sintomas de ansiedade. Devido aos seus efeitos cardiotxi-cos, a literatura recomenda realizao de eletrocardiogra-ma antes do incio da medicao e no uso de altas doses. Tem como efeitos colaterais: boca seca, sonolncia, arrit-mias cardacas, hipotenso (ortosttica), reteno urinria e sintomas gastrointestinais.

    Na literatura encontram-se referncias tambm ao uso de clonidina e bupropiona no tratamento de TDA/H. A clonidina tem boa indicao de associao nos casos de re-bote no final efeito do psicoestimulante, distrbio do sono e tiques. Deve ser usada com cautela devido a seus efeitos cardiotxicos, ao hipotensora, risco de hipertenso e hi-peratividade simptica pelo rebote na suspenso abrupta. A bupropiona pode ser usada como alternativa quando houver falha no uso de psicoestimulantes e na presena de sintomas depressivos; tem seu uso limitado pelo risco de desencadear crises epilpticas38.

    Para sucesso teraputico fundamental o diagnstico di-ferencial e identificao de comorbidades como transtorno opositivo-desafiador, transtorno de conduta, transtorno de ansiedade, depresso, transtorno de humor bipolar, tiques, entre outros39. De acordo com a comorbidade encontrada, poder ser necessria a associao de outros medicamen-tos como estabilizadores de humor (ex: ltio, divalproato, valproato de sdio), antidepressivos inibidores seletivos de recaptao de serotonina (fluoxetina, serotonina) ou antip-sicticos (tioridazina, pimozide, risperidona).

    conclusoA infncia um perodo crtico de desenvolvimento de ha-bilidades e conhecimento. A educao na infncia tem pa-pel primordial na integrao do indivduo sociedade. Os profissionais de sade e educao tm que estar habilita-dos a identificar as crianas de risco para dificuldades em aprender, orientar os familiares e, se necessrio, encami-nhar para reabilitao multidisciplinar e buscar um diag-nstico etiolgico. Um fator fundamental a possibilidade de melhora das situaes de desvantagem na aprendiza-gem desde que estratgias oportunas e adequadas sejam executadas precocemente. Tais dificuldades podem ser po-tencialmente compensadas e, at, superadas.

    agRadecImentosAgradecimentos a toda equipe do L.E.T.R.A e da Neurolo-gia Peditrica do Hospital das Clnicas da UFMG.

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