MAX WEBER E ASPECTOS DA RACIONALIDADE MODERNA

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ATIVIDADE PARA AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA TEORIA SOCIOLÓGICA (ESD00021) – 1º SEMESTRE/2014 PROFS.: DR. NAPOLEÃO MIRANDA E PROFª DRª. SELENE HERCULANO ALUNO: FELIPE STEVANS SILVA DE SOUZA MAX WEBER E ASPECTOS DA RACIONALIDADE MODERNA Felipe Stevans Silva de Souza 1 1. Considerações iniciais; 2. Max Weber e a sua conjuntura; 3. A burocracia; 4. A Dominação; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas RESUMO Este artigo busca ponderar a relevância e a peculiaridade do legado de Maximilian Karl Emil Weber para a Modernidade, procurando demonstrar algumas idéias centrais contidas nas suas principais obras ao longo de sua vida e por vezes fazendo uma análise comparativa com alguns outros dos principais nomes da Sociologia de sua época. O presente estudo tem como base uma breve releitura do cenário vivido pelo autor, bem como de sua interlocução com Karl Marx sobre o capitalismo e o contraste de sua conjuntura com a do seu contemporâneo, Emile Dürkheim. Ainda, serão comentados alguns aspectos da racionalidade moderna encontrados na teoria weberiana, tais como a formação do ethos do capitalismo, a burocracia, as espécies legítimas de dominação e a análise da sociedade como um conjunto de linhas de ação que contribuem para a formação do tecido social. PALAVRAS-CHAVES: burocracia, ética religiosa, capitalismo, dominação. 1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestrando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). 1

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Este artigo busca ponderar a relevância e a peculiaridade do legado de Maximilian Karl Emil Weber para a Modernidade, procurando demonstrar algumas idéias centrais contidas nas suas principais obras ao longo de sua vida e por vezes fazendo uma análise comparativa com alguns outros dos principais nomes da Sociologia de sua época. O presente estudo tem como base uma breve releitura do cenário vivido pelo autor, bem como de sua interlocução com Karl Marx sobre o capitalismo e o contraste de sua conjuntura com a do seu contemporâneo, Emile Dürkheim. Ainda, serão comentados alguns aspectos da racionalidade moderna encontrados na teoria weberiana, tais como a formação do ethos do capitalismo, a burocracia, as espécies legítimas de dominação e a análise da sociedade como um conjunto de linhas de ação que contribuem para a formação do tecido social.

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ATIVIDADE PARA AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA TEORIA SOCIOLÓGICA (ESD00021) – 1º SEMESTRE/2014

PROFS.: DR. NAPOLEÃO MIRANDA E PROFª DRª. SELENE HERCULANOALUNO: FELIPE STEVANS SILVA DE SOUZA

MAX WEBER E ASPECTOS DA RACIONALIDADE MODERNA

Felipe Stevans Silva de Souza 1

1. Considerações iniciais; 2. Max Weber e a sua conjuntura; 3. A burocracia; 4. A Dominação; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas

RESUMO

Este artigo busca ponderar a relevância e a peculiaridade do legado de Maximilian Karl Emil Weber para a Modernidade, procurando demonstrar algumas idéias centrais contidas nas suas principais obras ao longo de sua vida e por vezes fazendo uma análise comparativa com alguns outros dos principais nomes da Sociologia de sua época. O presente estudo tem como base uma breve releitura do cenário vivido pelo autor, bem como de sua interlocução com Karl Marx sobre o capitalismo e o contraste de sua conjuntura com a do seu contemporâneo, Emile Dürkheim. Ainda, serão comentados alguns aspectos da racionalidade moderna encontrados na teoria weberiana, tais como a formação do ethos do capitalismo, a burocracia, as espécies legítimas de dominação e a análise da sociedade como um conjunto de linhas de ação que contribuem para a formação do tecido social.

PALAVRAS-CHAVES: burocracia, ética religiosa, capitalismo, dominação.

1 - Considerações Iniciais

A Sociologia é a ciência dos indivíduos agindo socialmente. Agir, para

Maximilian Karl Emil Weber, é agir socialmente. A obra “Economia e

Sociedade”, produzida nos anos 20, após sua morte, é um enorme esforço

para responder questões que, alguns anos antes, Karl Marx havia se colocado.

Em síntese tratava-se de qual era a relação entre a economia e os outros

sistemas que compõem a sociedade. Weber é um grande interlocutor de Marx,

1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestrando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

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que morreu pouco menos de 20 anos após seu nascimento. Considerava que o

Marxismo ficava demasiadamente preso a idéia de fenômenos econômicos,

numa situação de causalidade entre estes e os demais fenômenos. Ele não

desconsiderava a relevância da economia em relação aos demais sistemas,

todavia, isto não significa que todas as respostas para as questões do Direito,

das Artes, da Sociologia, da Religião, por exemplo, são encontradas fazendo-

se o percurso linear entre essas áreas e a Economia. Sustentava haver outras

formas que foram sendo originadas junto com o capitalismo (principalmente o

pequeno capitalismo urbano, de produção) que foram moldando os parâmetros

racionais da sociedade. Em suas principais obras, é possível notar alguns

traços que o tornaram peculiarmente um dos grandes nomes, não apenas da

Sociologia como ciência, mas como da própria Modernidade.

2 - Max Weber e a sua conjuntura

Max Weber conseguiu, de forma particularmente sensível, captar as

tendências que convergiam no séc. XX. Talvez a principal delas tenha sido a

idéia de nação como princípio organizador da vida social. Neste sentido, a

Alemanha recém-unificada dá uma peculiaridade fundamental à reflexão

weberiana.

Na sua perspectiva, Weber considerava o capitalismo como o horizonte

histórico da sua época. Ele não pensava haver outro meio de organização (seja

política, seja econômica, religiosa etc.) que viesse a substituir o sistema

capitalista. Partindo então deste paradigma, Weber procurou analisar o

funcionamento interno desta dinâmica. Na obra “Ética Protestante e o Espírito

do Capitalismo”, produzida entre 1904 e 1905 é possível perceber exatamente

esse esforço. Neste livro Weber fornece uma explicação sobre o capitalismo,

suas estruturas e seu surgimento.

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Para o autor, o capitalismo é uma das consequências da racionalização

do mundo, da sociedade. Weber procura demonstrar a preferência educacional

dos católicos por uma formação humanista, enquanto os protestantes preferiam

uma formação mais técnica2. O protestantismo ascético3 teria formado as

condições ideais para o desenvolvimento de um capitalismo moderno. A

sobriedade do homem protestante ocidental – cujas características envolvem

diligência, disciplina, moderação e labor deram origem a uma dinâmica

capitalista estruturada na organização racional do trabalho. Nessa linha, Weber

se propõe a esclarecer os pontos nos quais a concepção de vocação

profissional e uma conduta de vida ascética influenciariam diretamente o estilo

de vida capitalista, demonstrando o nexo entre as concepções religiosas

fundamentais do protestantismo e as premissas que regem a vida econômica

cotidiana:

“A ascese protestante intramundana – para resumir o que foi dito até aqui – agiu dessa forma, com toda a veemência, contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo, especialmente o consumo de luxo. Em compensação, teve o efeito [psicológico] de liberar o enriquecimento dos entraves da ética tradicionalista, rompeu as cadeias que cerceavam a ambição de lucro, não só a legalizá-lo, mas também ao encará-lo (no sentido descrito) com o diretamente querido por Deus.”4

Posteriormente, a ascese fundada na ética protestante se desprega de

sua motivação religiosa e se torna parte integrante, essencial e irrevogável da

cultura (hábitos e costumes) europeia ocidental moderna. O comportamento

laborioso, preciso, pontual, não é mais uma forma de conduta que visa agradar

a Deus – que, em seus desígnios insondáveis, agraciará seu filho com a

salvação – para tornar-se laica, ou seja, não fundamentada em nenhum

aspecto ontológico-metafísico, mas na própria ética intra-mundana. Essa é a

origem da ethos do capitalismo, que transformou práticas capitalísticas

aventureiras em um sistema racional e organizado.

2 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 4 ed. 1985.3 O ascetismo é uma filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, onde se propõe austeridade. Os que se propõe a um estilo de vida austero definem suas prárticas como virtuosas e perseguem o objetivo de adquirir uma grande espiritualidade.4 _______. Op.cit., p. 155.

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Mas há um fator histórico determinante no trabalho do pensador alemão

e ele tem a ver com o cenário do qual sua vida fazia parte. Este fator é a

conjuntura do seu país e como ele enxergava a sua inserção nele e a da

sociedade da qual fazia parte. Pode-se, apenas a título de comparação, fazer

uma análise entre a sua obra e a de outra tradicional fonte da sociologia,

entretanto que na qual não se servia. Emile Dürkheim, não por acaso, pensa

todas as questões da sociedade num registro praticamente oposto ao do

Weber. Eram autores contemporâneos, embora tivessem pouca relação e, por

assim dizer, não possuíam muita afinidade de pensamentos. Dürkheim foi um

pensador social que se caracterizou pela presença de um estado nacional

forte, e que fora um dos primeiros a se formar: a França. Por um lado, para

Dürkheim, a preocupação de seu objeto de estudo era tudo aquilo que

contribuísse para desagregar, desintegrar a sociedade, tendo como referência

uma sociedade já solidamente construída, num cenário em que a nacionalidade

e o estado não eram problema e da qual a sociedade era uma referência muito

concreta. Por outro lado, a perspectiva weberiana se alimenta do caráter

problemático da construção de uma sociedade no interior de um estado

nacional vigoroso, forte. O que para um era natural, para o outro era desafio.

Weber tratava desse desafio claramente demonstrando a condição da

sua inserção na Europa e na sociedade em que vivia. A questão constante era

a das formas de organização da sociedade e da sua unificação política. Weber

era um autor preocupado com um tema que, numa certa medida, era

compartilhado com seu interlocutor, Karl Marx: quais são as possibilidades e as

dificuldades para a constituição de um grande sujeito histórico (ou seja, de

grupos sociais que sejam capazes de atribuir um certo sentido à história e

dirigir a sociedade num certo rumo, de organizá-la em função de um

determinado projeto)? . Para Marx, a resposta viria em forma de organização

de classes na sociedade. Para Weber, não havia de início um grupo social que

estaria em condições de dirigir a sociedade no rumo da constituição de um

estado nacional socialmente forte na Alemanha de seu tempo. Não eram os

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empresários, os proprietários rurais, os trabalhadores. Essa reflexão implica

não em se importar com as grandes estruturas já montadas, mas com as ações

e os agentes dessas ações5.

3 – A burocracia

Como já dito, no caso alemão, a sociedade não está completamente

construída, então é importante saber quem age e que modalidades de ações

estão sendo executadas que indiquem rumos a seguir. Em uma dessas

modalidades de ações e no estudo das formas de legitimação da autoridade

desses agentes, encontra-se uma das teorias da administração: a burocracia.

Ao fim do séc XIX, Max Weber também se dedicou à crítica às

organizações que geriam seus negócios de modo familiar, ou como se diz,

mom and pop6. Acreditava que esse modo de organização informal era incapaz

de fazer o negócio atingir o sucesso porque o poder estava mal colocado7. A

idéia era que os empregados eram fiéis aos seus patrões e não à organização.

Neste sentido, Weber defendia uma organização com estrutura mais formal e

rígida, a qual chamou de burocracia: um cenário despersonificado de

organização que segue uma estrutura formal em que as regras, a autoridade

legitima e as competências são características de uma prática de gestão

5 “[...] o objeto de análise sociológica não pode ser definido como sociedade, ou o grupo social, ou mediante qualquer outro conceito com referência coletiva. No entanto é claro que a Sociologia trata de fenômenos coletivos, cuja existência não ocorreria a Weber negar. O que ele sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é “individualista” quanto ao método. Isso é inteiramente coerente com a posição sempre sustentada por ele, de que no estudo dos fenômenos sociais não se pode presumir a existência já dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrínseco; vale dizer, em termos sociológicos, de um sentido independente daqueles que os indivíduos imprimem às suas ações” (COHN, 1997, p. 25).6 Mom and pop - Um termo coloquial de origem desconhecida para uma pequena empresa, independente, de propriedade da família. Ao contrário de franquias e grandes corporações, que têm várias operações em vários locais, as lojas mom and pop geralmente têm um único local, que muitas vezes ocupa um pequeno espaço físico. A "loja" pode ser qualquer tipo de negócio, tais como a reparação de automóveis, uma garagem, um livraria ou restaurante. "mom and pop" também pode se referir a investidores inexperientes que jogam o mercado casualmente e não dependem de negociação para complementar sua renda de forma significativa.7 WEBER, Max. A burocracia. In: From Max Weber – ensaios de sociologia. Hans Gerth & Wright Mills (orgs.). Rio de Janeiro: Zahar, 1974, pp 229 – 282. (Excertos de Economia e Sociedade).

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apropriadas. Dentro desta visão Weber sustentava que o poder de uma

autoridade superior deve basear-se na posição do indivíduo dentro da

organização, no seu nível de competência profissional e na sua capacidade de

adesão às regras e regulamentos explícitos.

Segundo as palavras do sociólogo contemporâneo, Anthony Guiddens:

“A modernidade se refere aos modos de vida ou organização social que

emergiram na Europa a partir do século XVII e que se tornaram

subsequentemente mais ou menos mundiais em sua influência” (Guiddens,

1991, p.1)

Poder-se-ia extrair das concepções weberianas, que a modernidade é o

produto de processos cumulativos de racionalização que se deram na esfera

econômica, política e cultural. Modernização, neste sentido, significaria,

principalmente o aumento de eficácia, um desempenho mais eficaz dos três

subsistemas da modernidade. Modernizar implicaria em melhorar a eficácia do

sistema tributário, educacional, da saúde, dos transportes, de alimentação. É

trazer a melhora da eficiência da administração pública, das instituições

políticas, dos partidos.

Weber, todavia, sabia que a boa administração, por melhor que seja,

não resolve os problemas políticos, já que a questão política é a capacidade de

colocar os problemas e a de formular programas que levem a sociedade a

formas mais eficientes e inovadoras de solução deles. Assim, uma parte do

pensamento weberiano trabalhava na complexidade do jogo que há entre o

corpo administrativo – que permite fazer a sociedade funcionar e que tem de

ser altamente qualificado – e a questão política, que é a capacidade de não só

dirigir o corpo administrativo, como também o conjunto de programas que irão

guiar a própria sociedade. Pode-se dizer que Weber aposta no pensamento

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político como um dos instrumentos para se chegar às respostas buscadas pela

Modernidade:

“Como se coloca, então, o problema das verdadeiras relações entre a ética e a política? Será certo, como já se afirmou, que não há qualquer relação entre essas duas esferas? Ou seria mais acertado, afirmar, pelo contrário, que a mesma ética é válida para ação política e para qualquer outro gênero de ação? Já se acreditou que exista oposição absoluta entre as duas teses: seria exata uma ou a outra. Cabe, entretanto, indagar se existe uma ética que possa impor, no que se refere ao conteúdo, obrigações idênticas aplicáveis às relações sexuais, comerciais, privadas e públicas, às relações de um homem com sua esposa, sua quitandeira, seu filho, seu concorrente, seu amigo e seu inimigo. Pode-se, realmente, acreditar que as exigências éticas permanecem indiferentes ao fato de que toda política utiliza como instrumento específico a força, por trás da qual se perfila a violência?”8

O autor faz ainda uma importante reflexão, na medida em que, neste

caso, a burocracia sempre corre um risco de se converter numa entidade que,

em vez de seguir orientações externas, ela se autonomiza e, de alguma

maneira, petrifica a sociedade nos seus regulamentos e procedimentos de

rotina.

Segundo Weber, o cerne das disfunções da burocracia é político e não

social. Entre encontrar a solução de um problema e seguir uma norma, o

burocrata geralmente escolhe por seguir a norma, o que, por vezes, acaba por

desvirtuar a burocracia, tornando-a morosa em seus procedimentos,

demonstrando-se excessivamente formais e resistentes às mudanças. O apego

exagerado às normas distanciaria o comportamento burocrático dos fins

organizacionais trazendo, por fim, a ineficiência. Como consequência, surgiriam

o conservantismo e o tecnicismo.

Entre todas as disfunções, a mais notória é o fato de as normas e os

regulamentos deixarem de ser ferramentas de trabalho para ser o objetivo do

trabalho, ou seja, o servilismo às normas, de início idealizado como meio,

8 WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix.1998.

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transforma-se em um fim em si mesma. Mesmo com a ascensão da burocracia,

e de sua importância para a modernidade, Weber percebeu haver algumas

fragilidades no modelo, pois o indivíduo que trabalha dentro de uma

organização teria que abrir mão daquilo que deseja para seguir regras e

imposições, o que torna o trabalho bastante complexo e ineficiente. É um

problema tão notório e caracterizador do modelo burocrático que o senso

comum cuidou de batizá-lo com o próprio nome de burocracia9.

Para Weber, mais importante que o funcionamento eficiente por parte da

administração, era a direção, ou seja, a orientação da conduta promovida pelo

agente e que seja capaz de formular objetivos. Por isso, ele formula uma teoria

da ação, um programa de trabalho pensado como uma atividade orientada para

um objetivo que dá sentido para a ação.

A importância social dessa teoria está na atenção voltada para a ação

praticada por agentes que procuram determinados objetivos ou metas. Em

outras palavras, pode-se concluir que esta é uma forma de pensar a sociologia

não de forma descritiva, de simples descobertas dos fenômenos sociais, mas

sim no sentido de acompanhar as linhas que vão sendo percorridas e

construídas pelos agentes ao longo do exercício de suas ações. Cada ação

isoladamente envolve uma intenção de tais agentes um buscar um

determinado objetivo individual. Essa é uma idéia diferente da articulação dos

indivíduos em prol de um determinado objetivo comum. As múltiplas linhas de

ação, que são percorridos por um incontável número de agentes, formam, de

maneira extremamente complexa, o chamado tecido social. Esse tecido é o

resultado justamente dos roteiros percorridos por diversos agentes que não

9 “Excesso de formalidade, despersonalização, inflexibilidade, rigidez, lentidão, autoritarismo, baixo desempenho e ineficiência é a própria burocracia no sentido do senso comum. Analisando as disfunções práticas da burocracia faz-se perceber que em sua aplicabilidade alguns pontos são passíveis de questionamentos e estudos. A sociedade, porém, observa e realça as imperfeições da burocracia, podendo deduzir que a palavra "burocracia" reduziu-se para as massas populacionais, em suas disfunções, transformando-se na própria burocracia” (CARVALHO, 2010).

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estão fazendo cada qual mais do que buscar as suas metas as quais se

cruzam de um sem número de maneiras.

Assim, nessa linha, a investigação weberiana é feita no sentido de tentar

estabelecer relações entre ações que se orientam de uma certa maneira e

outras que se orientam de forma diferente, para saber se elas se cruzam de

algum modo e se são significativas umas para as outras. O exemplo clássico

disto é modo como Weber analisa a relação que se estabelece num certo

momento histórico entre o modo como determinadas populações européias

orientam a sua ação religiosa e o modo como elas orientam a sua ação

econômica. A maneira muito peculiar como determinadas correntes do

protestantismo levavam os homens a procurar indícios da sua salvação após a

morte se articulava de forma relevante com o modo pelo qual esses mesmos

homens se comportavam ou se orientavam e conduziam a sua ação na área

econômica. A idéia central é a de que havendo uma insegurança fundamental

sobre se haverá ou não a salvação após a morte, o indivíduo é levado a

orientar a sua conduta numa área em que os resultados são palpáveis – como

é a área econômica – fazendo-o crer que, quanto melhor se rende naquilo que

só depende dele, mais plausível será a idéia de que este é um sujeito fadado a

obter o sucesso.

Portanto, é formada uma teia de relações, um jogo intrincado em que um

sem número de fios vão sendo tecidos e, eventualmente por um ou outro

significado que um tenha para o outro, vão se constituindo. Weber acompanha

a sociedade que se move como o faz a aranha pela sua teia. Múltiplos agentes,

cada um buscando seus objetivos, gerarão resultados que escapam às

intenções de cada outro, mas ao mesmo tempo não deixam de ser importantes

e ganharem consistência social ao longo do tempo. Neste conjunto de ações,

Weber nunca deixou de citar o mercado com uma posição protagonista.

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As ações econômicas de mercado envolvem, portanto, a figura de

agentes econômicos que perseguem de maneira sistemática determinados

resultados e, se haverá ou não o equilíbrio entre o conjunto destas ações –

como por exemplo no caso dos preços –, a resposta se dará pelo modo como

se cruzam as diversas linhas de ação adotadas pelos diversos agentes

racionais em função da informação que eles possuem sobre o que é relevante

para a sua ação no mercado10.

4 – A Dominação

A leitura weberiana, como já mencionado anteriormente, assume uma

questão fundamental, qual seja, a preocupação com o que pode responder

pela continuidade de relações da sociedade11. As diferenças na capacidade

de se apropriar daquilo que é valorizado12 não criam sociedade, mas sim uma

enorme instabilidade, conflitos e tensões. Neste sentido, para Weber, é preciso

que a pura apropriação se transforme no que chama de dominação13:

“A "dominação", como conceito mais geral e sem referência a algum conteúdo concreto, é um dos elementos mais importantes da ação social. Sem dúvida, nem toda ação social apresenta uma estrutura que implica dominação. Mas, na maioria de suas formas, a dominação desempenha um papel considerável, mesmo naquelas em que não se supõe isto à primeira vista. (...) Todas as áreas da ação social, sem exceção, mostram-se profundamente influenciadas por complexos de dominação. Num número extraordinariamente grande de casos, a dominação e a forma como ela é exercida

10 Sobre esta questão, é interessante a compreensão do conceito de “afinidades eletivas”, muito bem abordado por João de Paula Antônio.11 Diferentemente de seu contemporâneo Emile Dürkheim, como já discutido anteriormente. O autor francês preocupava-se com os sinais de desagregação da sociedade, tendo uma percepção muito aguda deste tipo de problema. Ele era ambientado numa sociedade bem constituída e estável e, neste sentido fazia uma crítica à Karl Marx no sentido de discordar do caráter definitivo da dimensão econômica sobre as demais e que determina a forma da sociedade, pois por si só, a ação econômica não constrói vínculos, instituições, mas está envolvida em apetites, buscas, preferências e está afetada pela idéia de escassez (numa premissa de que sempre faltará para alguém). Neste sentido, sustentava haver a necessidade de orientações que a própria sociedade ofereça, de caráter moral – entendido aqui no sentido de serem em conjunto – que façam com que os homens persistam tornando possível a convivência. A contraposição à Weber está justamente na desconsideração deste último em relação à existência de uma sociedade já dada e consistente.12 Essa apropriação diferenciada no interior de qualquer grupo humano não ocorre apenas com bens materiais como também de bens simbólicos, como o prestígio, por exemplo. 13 WEBER, Max. Os três tipos puros da dominação legítima, in, WEBER. Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo, Editora Ática.

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são o que faz nascer, de uma ação social amorfa, uma relação associativa racional, e noutros casos,em que não ocorre isto, são, não obstante, a estrutura da dominação e seu desenvolvimento que moldam a ação social e, sobretudo, constituem o primeiro impulso, a determinar, inequivocamente, sua orientação para um "objetivo”.”14

A dominação, sem dúvidas, é uma forma de exercício do poder. Mas ela

se configura como a capacidade de manter a iniciativa das ações e torná-la

aceitáveis para os demais. Ela envolve continuidade no tempo. Não é um ato

isolado, um exercício puro e simples de poder – por isso, não se confunde com

violência. A dominação é um exercício que acontece de forma persistente,

diferenciando-se de uma simples agregação de atos de violência. Deve ser

aceito e aceitável. Deve-se traduzir em certas orientações de conduta que

sejam consideradas aceitáveis também para aqueles que não se beneficiam

diretamente. Aqueles que são mais pacientes que agentes devem ter as ações

dominantes como corretas porque são legítimas. Em síntese, a ação deve ter

uma justificativa, e ela deve ser aceitável:

“Por "dominação" compreenderemos, então, aqui, uma situação de fato, em que uma vontade manifesta ("mandado") do"dominador" ou dos "dominadores" quer influenciar as ações de outras pessoas (do "dominado" ou dos "dominados"), e de fato as influência de tal modo que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações C'obediência").”15

A partir desta constatação Weber discorreu sobre os tipos legítimos de

dominação. Weber procura definir algumas características básicas de vários

fundamentos de legitimidade da dominação. Ela pode depender diretamente de

uma constelação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de

vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode também

depender de mero “costume”, do hábito cego de um comportamento

inveterado. Ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, na mera inclinação

pessoal do súdito. Não obstante, a dominação que repousasse apenas nesses

fundamentos seria relativamente instável. Nas relações entre dominantes e

14 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 2009. Vol 2, pg. 18715 _________. Op.cit., p. 191.

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dominados, por outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em

bases jurídicas, nas quais se funda a sua “legitimidade”, e o abalo dessa

crença na legitimidade costuma acarretar conseqüências de grande alcance.

Em forma totalmente pura, as “bases de legitimidade” da dominação são três16,

cada uma das quais se acha entrelaçada – no tipo puro - com uma estrutura

sociológica fundamentalmente diversa do quadro e dos meios administrativos.

Em todas as nominadas formas de dominação é necessário que haja a

aceitação. Não se pode pensar a sociedade a não ser em termos da

continuidade de certas relações entre os homens em nome do caráter legítimo

que eles atribuem às orientações de conduta que saem de um núcleo, que

nada mais é do que a área de condução ou liderança daquela sociedade (como

já dito, não no sentido de coerção pura e simples, mas em relação à indicação

de caminhos). Assim, sem o caráter sempre problemático da legitimidade, não

se pode falar em sociedade.

Logicamente, dependendo do fundamento dessa legitimidade que os

homens dão à aceitação das ordens, normas etc., elas podem ser mudadas de

acordo como as circunstâncias se mostram naquele momento. A morte de um

líder carismático, por exemplo, pode ser uma dessas causas de mudança. A

sucessão, portanto, se não preparada e feita nos moldes de uma continuidade

16 A dominação legal fundamenta-se no respeito a um estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Já a dominação tradicional funciona em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. Isso se dá, de fato, através do “reconhecimento” de um estatuto como “válido desde sempre” (por “sabedoria”). Por outro lado, fora das normas tradicionais, a vontade do senhor somente se acha fixada pelos limites que em cada caso lhe põe o sentimento de eqüidade, ou seja, de forma sumamente elástica. Por fim, a dominação carismática se origina em virtude de devoção, afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam constituem aqui a fonte da devoção pessoal. Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo.

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que respeite estritamente os critérios da legitimidade da liderança anterior,

pode acarretar o fim da aceitação da dominação (utilização do carisma17).

Em síntese, a obra weberiana mostra que, sem a persistência de uma

determinada forma de dominação, não há como se sustentar a estrutura social.

Ela não é outra coisa senão a aceitação, como legítima, por um grande número

de dominados das orientações de conduta que são formuladas por um

pequeno número de figuras e imposições de sujeitos ou grupos dominantes. A

todo tempo há uma disputa por aquilo que será o conjunto de diretrizes válidas

no interior de uma sociedade.

5 - Considerações finais

Pode-se considerar surpreendente a extensa produção e a influência

para o mundo moderno deste autor, vítima de uma morte precoce aos 56 anos

(no ano de 1920) causada por uma pneumonia, considerando-se ainda o fato

de que, por quase cinco anos (1898-1902), não tenha realizado atividades de

ensino ou científicas18.

É notável uma característica de Weber que, embora tenha sido um

relevante pensador dos grandes processos históricos, é ainda mais efetivo na

habilidade de analisar conjunturas, processos dinâmicos que ocorrem

localizadamente numa escala menor. Max Weber conseguiu identificar e

examinar com clareza as linhas de força que se movem constantemente em

situações de contextos turbulentos, como processos rápidos de mudança da

sociedade, processos revolucionários etc.

17 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 2009. Vol 2.18 _______. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Weber > Acesso em: 27 jun 2014> Acesso em: 27 jun 2014.

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Se, para os demais autores, a sociedade deve ser pensada como

estrutura, organização muito bem montada, para Weber a sociedade é

fundamentalmente uma espécie de “campo de forças”. É uma entidade

dinâmica que gera persistentemente problemas e tensões que põem em xeque

sua continuidade e a análise social é fundamentalmente aquela que consegue

captar os desafios e as dificuldades dessa continuidade.

6. Referências bibliográficas

CARVALHO, Débora. In: As disfunções da burocracia transformam-se

na própria ''burocracia''. Belo Horizonte, 24 abr. 2010. Disponível em: <

http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/as-

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