MAX WEBER E ASPECTOS DA RACIONALIDADE MODERNA
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ATIVIDADE PARA AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA TEORIA SOCIOLÓGICA (ESD00021) – 1º SEMESTRE/2014
PROFS.: DR. NAPOLEÃO MIRANDA E PROFª DRª. SELENE HERCULANOALUNO: FELIPE STEVANS SILVA DE SOUZA
MAX WEBER E ASPECTOS DA RACIONALIDADE MODERNA
Felipe Stevans Silva de Souza 1
1. Considerações iniciais; 2. Max Weber e a sua conjuntura; 3. A burocracia; 4. A Dominação; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas
RESUMO
Este artigo busca ponderar a relevância e a peculiaridade do legado de Maximilian Karl Emil Weber para a Modernidade, procurando demonstrar algumas idéias centrais contidas nas suas principais obras ao longo de sua vida e por vezes fazendo uma análise comparativa com alguns outros dos principais nomes da Sociologia de sua época. O presente estudo tem como base uma breve releitura do cenário vivido pelo autor, bem como de sua interlocução com Karl Marx sobre o capitalismo e o contraste de sua conjuntura com a do seu contemporâneo, Emile Dürkheim. Ainda, serão comentados alguns aspectos da racionalidade moderna encontrados na teoria weberiana, tais como a formação do ethos do capitalismo, a burocracia, as espécies legítimas de dominação e a análise da sociedade como um conjunto de linhas de ação que contribuem para a formação do tecido social.
PALAVRAS-CHAVES: burocracia, ética religiosa, capitalismo, dominação.
1 - Considerações Iniciais
A Sociologia é a ciência dos indivíduos agindo socialmente. Agir, para
Maximilian Karl Emil Weber, é agir socialmente. A obra “Economia e
Sociedade”, produzida nos anos 20, após sua morte, é um enorme esforço
para responder questões que, alguns anos antes, Karl Marx havia se colocado.
Em síntese tratava-se de qual era a relação entre a economia e os outros
sistemas que compõem a sociedade. Weber é um grande interlocutor de Marx,
1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestrando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
1
que morreu pouco menos de 20 anos após seu nascimento. Considerava que o
Marxismo ficava demasiadamente preso a idéia de fenômenos econômicos,
numa situação de causalidade entre estes e os demais fenômenos. Ele não
desconsiderava a relevância da economia em relação aos demais sistemas,
todavia, isto não significa que todas as respostas para as questões do Direito,
das Artes, da Sociologia, da Religião, por exemplo, são encontradas fazendo-
se o percurso linear entre essas áreas e a Economia. Sustentava haver outras
formas que foram sendo originadas junto com o capitalismo (principalmente o
pequeno capitalismo urbano, de produção) que foram moldando os parâmetros
racionais da sociedade. Em suas principais obras, é possível notar alguns
traços que o tornaram peculiarmente um dos grandes nomes, não apenas da
Sociologia como ciência, mas como da própria Modernidade.
2 - Max Weber e a sua conjuntura
Max Weber conseguiu, de forma particularmente sensível, captar as
tendências que convergiam no séc. XX. Talvez a principal delas tenha sido a
idéia de nação como princípio organizador da vida social. Neste sentido, a
Alemanha recém-unificada dá uma peculiaridade fundamental à reflexão
weberiana.
Na sua perspectiva, Weber considerava o capitalismo como o horizonte
histórico da sua época. Ele não pensava haver outro meio de organização (seja
política, seja econômica, religiosa etc.) que viesse a substituir o sistema
capitalista. Partindo então deste paradigma, Weber procurou analisar o
funcionamento interno desta dinâmica. Na obra “Ética Protestante e o Espírito
do Capitalismo”, produzida entre 1904 e 1905 é possível perceber exatamente
esse esforço. Neste livro Weber fornece uma explicação sobre o capitalismo,
suas estruturas e seu surgimento.
2
Para o autor, o capitalismo é uma das consequências da racionalização
do mundo, da sociedade. Weber procura demonstrar a preferência educacional
dos católicos por uma formação humanista, enquanto os protestantes preferiam
uma formação mais técnica2. O protestantismo ascético3 teria formado as
condições ideais para o desenvolvimento de um capitalismo moderno. A
sobriedade do homem protestante ocidental – cujas características envolvem
diligência, disciplina, moderação e labor deram origem a uma dinâmica
capitalista estruturada na organização racional do trabalho. Nessa linha, Weber
se propõe a esclarecer os pontos nos quais a concepção de vocação
profissional e uma conduta de vida ascética influenciariam diretamente o estilo
de vida capitalista, demonstrando o nexo entre as concepções religiosas
fundamentais do protestantismo e as premissas que regem a vida econômica
cotidiana:
“A ascese protestante intramundana – para resumir o que foi dito até aqui – agiu dessa forma, com toda a veemência, contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo, especialmente o consumo de luxo. Em compensação, teve o efeito [psicológico] de liberar o enriquecimento dos entraves da ética tradicionalista, rompeu as cadeias que cerceavam a ambição de lucro, não só a legalizá-lo, mas também ao encará-lo (no sentido descrito) com o diretamente querido por Deus.”4
Posteriormente, a ascese fundada na ética protestante se desprega de
sua motivação religiosa e se torna parte integrante, essencial e irrevogável da
cultura (hábitos e costumes) europeia ocidental moderna. O comportamento
laborioso, preciso, pontual, não é mais uma forma de conduta que visa agradar
a Deus – que, em seus desígnios insondáveis, agraciará seu filho com a
salvação – para tornar-se laica, ou seja, não fundamentada em nenhum
aspecto ontológico-metafísico, mas na própria ética intra-mundana. Essa é a
origem da ethos do capitalismo, que transformou práticas capitalísticas
aventureiras em um sistema racional e organizado.
2 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 4 ed. 1985.3 O ascetismo é uma filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, onde se propõe austeridade. Os que se propõe a um estilo de vida austero definem suas prárticas como virtuosas e perseguem o objetivo de adquirir uma grande espiritualidade.4 _______. Op.cit., p. 155.
3
Mas há um fator histórico determinante no trabalho do pensador alemão
e ele tem a ver com o cenário do qual sua vida fazia parte. Este fator é a
conjuntura do seu país e como ele enxergava a sua inserção nele e a da
sociedade da qual fazia parte. Pode-se, apenas a título de comparação, fazer
uma análise entre a sua obra e a de outra tradicional fonte da sociologia,
entretanto que na qual não se servia. Emile Dürkheim, não por acaso, pensa
todas as questões da sociedade num registro praticamente oposto ao do
Weber. Eram autores contemporâneos, embora tivessem pouca relação e, por
assim dizer, não possuíam muita afinidade de pensamentos. Dürkheim foi um
pensador social que se caracterizou pela presença de um estado nacional
forte, e que fora um dos primeiros a se formar: a França. Por um lado, para
Dürkheim, a preocupação de seu objeto de estudo era tudo aquilo que
contribuísse para desagregar, desintegrar a sociedade, tendo como referência
uma sociedade já solidamente construída, num cenário em que a nacionalidade
e o estado não eram problema e da qual a sociedade era uma referência muito
concreta. Por outro lado, a perspectiva weberiana se alimenta do caráter
problemático da construção de uma sociedade no interior de um estado
nacional vigoroso, forte. O que para um era natural, para o outro era desafio.
Weber tratava desse desafio claramente demonstrando a condição da
sua inserção na Europa e na sociedade em que vivia. A questão constante era
a das formas de organização da sociedade e da sua unificação política. Weber
era um autor preocupado com um tema que, numa certa medida, era
compartilhado com seu interlocutor, Karl Marx: quais são as possibilidades e as
dificuldades para a constituição de um grande sujeito histórico (ou seja, de
grupos sociais que sejam capazes de atribuir um certo sentido à história e
dirigir a sociedade num certo rumo, de organizá-la em função de um
determinado projeto)? . Para Marx, a resposta viria em forma de organização
de classes na sociedade. Para Weber, não havia de início um grupo social que
estaria em condições de dirigir a sociedade no rumo da constituição de um
estado nacional socialmente forte na Alemanha de seu tempo. Não eram os
4
empresários, os proprietários rurais, os trabalhadores. Essa reflexão implica
não em se importar com as grandes estruturas já montadas, mas com as ações
e os agentes dessas ações5.
3 – A burocracia
Como já dito, no caso alemão, a sociedade não está completamente
construída, então é importante saber quem age e que modalidades de ações
estão sendo executadas que indiquem rumos a seguir. Em uma dessas
modalidades de ações e no estudo das formas de legitimação da autoridade
desses agentes, encontra-se uma das teorias da administração: a burocracia.
Ao fim do séc XIX, Max Weber também se dedicou à crítica às
organizações que geriam seus negócios de modo familiar, ou como se diz,
mom and pop6. Acreditava que esse modo de organização informal era incapaz
de fazer o negócio atingir o sucesso porque o poder estava mal colocado7. A
idéia era que os empregados eram fiéis aos seus patrões e não à organização.
Neste sentido, Weber defendia uma organização com estrutura mais formal e
rígida, a qual chamou de burocracia: um cenário despersonificado de
organização que segue uma estrutura formal em que as regras, a autoridade
legitima e as competências são características de uma prática de gestão
5 “[...] o objeto de análise sociológica não pode ser definido como sociedade, ou o grupo social, ou mediante qualquer outro conceito com referência coletiva. No entanto é claro que a Sociologia trata de fenômenos coletivos, cuja existência não ocorreria a Weber negar. O que ele sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é “individualista” quanto ao método. Isso é inteiramente coerente com a posição sempre sustentada por ele, de que no estudo dos fenômenos sociais não se pode presumir a existência já dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrínseco; vale dizer, em termos sociológicos, de um sentido independente daqueles que os indivíduos imprimem às suas ações” (COHN, 1997, p. 25).6 Mom and pop - Um termo coloquial de origem desconhecida para uma pequena empresa, independente, de propriedade da família. Ao contrário de franquias e grandes corporações, que têm várias operações em vários locais, as lojas mom and pop geralmente têm um único local, que muitas vezes ocupa um pequeno espaço físico. A "loja" pode ser qualquer tipo de negócio, tais como a reparação de automóveis, uma garagem, um livraria ou restaurante. "mom and pop" também pode se referir a investidores inexperientes que jogam o mercado casualmente e não dependem de negociação para complementar sua renda de forma significativa.7 WEBER, Max. A burocracia. In: From Max Weber – ensaios de sociologia. Hans Gerth & Wright Mills (orgs.). Rio de Janeiro: Zahar, 1974, pp 229 – 282. (Excertos de Economia e Sociedade).
5
apropriadas. Dentro desta visão Weber sustentava que o poder de uma
autoridade superior deve basear-se na posição do indivíduo dentro da
organização, no seu nível de competência profissional e na sua capacidade de
adesão às regras e regulamentos explícitos.
Segundo as palavras do sociólogo contemporâneo, Anthony Guiddens:
“A modernidade se refere aos modos de vida ou organização social que
emergiram na Europa a partir do século XVII e que se tornaram
subsequentemente mais ou menos mundiais em sua influência” (Guiddens,
1991, p.1)
Poder-se-ia extrair das concepções weberianas, que a modernidade é o
produto de processos cumulativos de racionalização que se deram na esfera
econômica, política e cultural. Modernização, neste sentido, significaria,
principalmente o aumento de eficácia, um desempenho mais eficaz dos três
subsistemas da modernidade. Modernizar implicaria em melhorar a eficácia do
sistema tributário, educacional, da saúde, dos transportes, de alimentação. É
trazer a melhora da eficiência da administração pública, das instituições
políticas, dos partidos.
Weber, todavia, sabia que a boa administração, por melhor que seja,
não resolve os problemas políticos, já que a questão política é a capacidade de
colocar os problemas e a de formular programas que levem a sociedade a
formas mais eficientes e inovadoras de solução deles. Assim, uma parte do
pensamento weberiano trabalhava na complexidade do jogo que há entre o
corpo administrativo – que permite fazer a sociedade funcionar e que tem de
ser altamente qualificado – e a questão política, que é a capacidade de não só
dirigir o corpo administrativo, como também o conjunto de programas que irão
guiar a própria sociedade. Pode-se dizer que Weber aposta no pensamento
6
político como um dos instrumentos para se chegar às respostas buscadas pela
Modernidade:
“Como se coloca, então, o problema das verdadeiras relações entre a ética e a política? Será certo, como já se afirmou, que não há qualquer relação entre essas duas esferas? Ou seria mais acertado, afirmar, pelo contrário, que a mesma ética é válida para ação política e para qualquer outro gênero de ação? Já se acreditou que exista oposição absoluta entre as duas teses: seria exata uma ou a outra. Cabe, entretanto, indagar se existe uma ética que possa impor, no que se refere ao conteúdo, obrigações idênticas aplicáveis às relações sexuais, comerciais, privadas e públicas, às relações de um homem com sua esposa, sua quitandeira, seu filho, seu concorrente, seu amigo e seu inimigo. Pode-se, realmente, acreditar que as exigências éticas permanecem indiferentes ao fato de que toda política utiliza como instrumento específico a força, por trás da qual se perfila a violência?”8
O autor faz ainda uma importante reflexão, na medida em que, neste
caso, a burocracia sempre corre um risco de se converter numa entidade que,
em vez de seguir orientações externas, ela se autonomiza e, de alguma
maneira, petrifica a sociedade nos seus regulamentos e procedimentos de
rotina.
Segundo Weber, o cerne das disfunções da burocracia é político e não
social. Entre encontrar a solução de um problema e seguir uma norma, o
burocrata geralmente escolhe por seguir a norma, o que, por vezes, acaba por
desvirtuar a burocracia, tornando-a morosa em seus procedimentos,
demonstrando-se excessivamente formais e resistentes às mudanças. O apego
exagerado às normas distanciaria o comportamento burocrático dos fins
organizacionais trazendo, por fim, a ineficiência. Como consequência, surgiriam
o conservantismo e o tecnicismo.
Entre todas as disfunções, a mais notória é o fato de as normas e os
regulamentos deixarem de ser ferramentas de trabalho para ser o objetivo do
trabalho, ou seja, o servilismo às normas, de início idealizado como meio,
8 WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix.1998.
7
transforma-se em um fim em si mesma. Mesmo com a ascensão da burocracia,
e de sua importância para a modernidade, Weber percebeu haver algumas
fragilidades no modelo, pois o indivíduo que trabalha dentro de uma
organização teria que abrir mão daquilo que deseja para seguir regras e
imposições, o que torna o trabalho bastante complexo e ineficiente. É um
problema tão notório e caracterizador do modelo burocrático que o senso
comum cuidou de batizá-lo com o próprio nome de burocracia9.
Para Weber, mais importante que o funcionamento eficiente por parte da
administração, era a direção, ou seja, a orientação da conduta promovida pelo
agente e que seja capaz de formular objetivos. Por isso, ele formula uma teoria
da ação, um programa de trabalho pensado como uma atividade orientada para
um objetivo que dá sentido para a ação.
A importância social dessa teoria está na atenção voltada para a ação
praticada por agentes que procuram determinados objetivos ou metas. Em
outras palavras, pode-se concluir que esta é uma forma de pensar a sociologia
não de forma descritiva, de simples descobertas dos fenômenos sociais, mas
sim no sentido de acompanhar as linhas que vão sendo percorridas e
construídas pelos agentes ao longo do exercício de suas ações. Cada ação
isoladamente envolve uma intenção de tais agentes um buscar um
determinado objetivo individual. Essa é uma idéia diferente da articulação dos
indivíduos em prol de um determinado objetivo comum. As múltiplas linhas de
ação, que são percorridos por um incontável número de agentes, formam, de
maneira extremamente complexa, o chamado tecido social. Esse tecido é o
resultado justamente dos roteiros percorridos por diversos agentes que não
9 “Excesso de formalidade, despersonalização, inflexibilidade, rigidez, lentidão, autoritarismo, baixo desempenho e ineficiência é a própria burocracia no sentido do senso comum. Analisando as disfunções práticas da burocracia faz-se perceber que em sua aplicabilidade alguns pontos são passíveis de questionamentos e estudos. A sociedade, porém, observa e realça as imperfeições da burocracia, podendo deduzir que a palavra "burocracia" reduziu-se para as massas populacionais, em suas disfunções, transformando-se na própria burocracia” (CARVALHO, 2010).
8
estão fazendo cada qual mais do que buscar as suas metas as quais se
cruzam de um sem número de maneiras.
Assim, nessa linha, a investigação weberiana é feita no sentido de tentar
estabelecer relações entre ações que se orientam de uma certa maneira e
outras que se orientam de forma diferente, para saber se elas se cruzam de
algum modo e se são significativas umas para as outras. O exemplo clássico
disto é modo como Weber analisa a relação que se estabelece num certo
momento histórico entre o modo como determinadas populações européias
orientam a sua ação religiosa e o modo como elas orientam a sua ação
econômica. A maneira muito peculiar como determinadas correntes do
protestantismo levavam os homens a procurar indícios da sua salvação após a
morte se articulava de forma relevante com o modo pelo qual esses mesmos
homens se comportavam ou se orientavam e conduziam a sua ação na área
econômica. A idéia central é a de que havendo uma insegurança fundamental
sobre se haverá ou não a salvação após a morte, o indivíduo é levado a
orientar a sua conduta numa área em que os resultados são palpáveis – como
é a área econômica – fazendo-o crer que, quanto melhor se rende naquilo que
só depende dele, mais plausível será a idéia de que este é um sujeito fadado a
obter o sucesso.
Portanto, é formada uma teia de relações, um jogo intrincado em que um
sem número de fios vão sendo tecidos e, eventualmente por um ou outro
significado que um tenha para o outro, vão se constituindo. Weber acompanha
a sociedade que se move como o faz a aranha pela sua teia. Múltiplos agentes,
cada um buscando seus objetivos, gerarão resultados que escapam às
intenções de cada outro, mas ao mesmo tempo não deixam de ser importantes
e ganharem consistência social ao longo do tempo. Neste conjunto de ações,
Weber nunca deixou de citar o mercado com uma posição protagonista.
9
As ações econômicas de mercado envolvem, portanto, a figura de
agentes econômicos que perseguem de maneira sistemática determinados
resultados e, se haverá ou não o equilíbrio entre o conjunto destas ações –
como por exemplo no caso dos preços –, a resposta se dará pelo modo como
se cruzam as diversas linhas de ação adotadas pelos diversos agentes
racionais em função da informação que eles possuem sobre o que é relevante
para a sua ação no mercado10.
4 – A Dominação
A leitura weberiana, como já mencionado anteriormente, assume uma
questão fundamental, qual seja, a preocupação com o que pode responder
pela continuidade de relações da sociedade11. As diferenças na capacidade
de se apropriar daquilo que é valorizado12 não criam sociedade, mas sim uma
enorme instabilidade, conflitos e tensões. Neste sentido, para Weber, é preciso
que a pura apropriação se transforme no que chama de dominação13:
“A "dominação", como conceito mais geral e sem referência a algum conteúdo concreto, é um dos elementos mais importantes da ação social. Sem dúvida, nem toda ação social apresenta uma estrutura que implica dominação. Mas, na maioria de suas formas, a dominação desempenha um papel considerável, mesmo naquelas em que não se supõe isto à primeira vista. (...) Todas as áreas da ação social, sem exceção, mostram-se profundamente influenciadas por complexos de dominação. Num número extraordinariamente grande de casos, a dominação e a forma como ela é exercida
10 Sobre esta questão, é interessante a compreensão do conceito de “afinidades eletivas”, muito bem abordado por João de Paula Antônio.11 Diferentemente de seu contemporâneo Emile Dürkheim, como já discutido anteriormente. O autor francês preocupava-se com os sinais de desagregação da sociedade, tendo uma percepção muito aguda deste tipo de problema. Ele era ambientado numa sociedade bem constituída e estável e, neste sentido fazia uma crítica à Karl Marx no sentido de discordar do caráter definitivo da dimensão econômica sobre as demais e que determina a forma da sociedade, pois por si só, a ação econômica não constrói vínculos, instituições, mas está envolvida em apetites, buscas, preferências e está afetada pela idéia de escassez (numa premissa de que sempre faltará para alguém). Neste sentido, sustentava haver a necessidade de orientações que a própria sociedade ofereça, de caráter moral – entendido aqui no sentido de serem em conjunto – que façam com que os homens persistam tornando possível a convivência. A contraposição à Weber está justamente na desconsideração deste último em relação à existência de uma sociedade já dada e consistente.12 Essa apropriação diferenciada no interior de qualquer grupo humano não ocorre apenas com bens materiais como também de bens simbólicos, como o prestígio, por exemplo. 13 WEBER, Max. Os três tipos puros da dominação legítima, in, WEBER. Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo, Editora Ática.
10
são o que faz nascer, de uma ação social amorfa, uma relação associativa racional, e noutros casos,em que não ocorre isto, são, não obstante, a estrutura da dominação e seu desenvolvimento que moldam a ação social e, sobretudo, constituem o primeiro impulso, a determinar, inequivocamente, sua orientação para um "objetivo”.”14
A dominação, sem dúvidas, é uma forma de exercício do poder. Mas ela
se configura como a capacidade de manter a iniciativa das ações e torná-la
aceitáveis para os demais. Ela envolve continuidade no tempo. Não é um ato
isolado, um exercício puro e simples de poder – por isso, não se confunde com
violência. A dominação é um exercício que acontece de forma persistente,
diferenciando-se de uma simples agregação de atos de violência. Deve ser
aceito e aceitável. Deve-se traduzir em certas orientações de conduta que
sejam consideradas aceitáveis também para aqueles que não se beneficiam
diretamente. Aqueles que são mais pacientes que agentes devem ter as ações
dominantes como corretas porque são legítimas. Em síntese, a ação deve ter
uma justificativa, e ela deve ser aceitável:
“Por "dominação" compreenderemos, então, aqui, uma situação de fato, em que uma vontade manifesta ("mandado") do"dominador" ou dos "dominadores" quer influenciar as ações de outras pessoas (do "dominado" ou dos "dominados"), e de fato as influência de tal modo que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações C'obediência").”15
A partir desta constatação Weber discorreu sobre os tipos legítimos de
dominação. Weber procura definir algumas características básicas de vários
fundamentos de legitimidade da dominação. Ela pode depender diretamente de
uma constelação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de
vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode também
depender de mero “costume”, do hábito cego de um comportamento
inveterado. Ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, na mera inclinação
pessoal do súdito. Não obstante, a dominação que repousasse apenas nesses
fundamentos seria relativamente instável. Nas relações entre dominantes e
14 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 2009. Vol 2, pg. 18715 _________. Op.cit., p. 191.
11
dominados, por outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em
bases jurídicas, nas quais se funda a sua “legitimidade”, e o abalo dessa
crença na legitimidade costuma acarretar conseqüências de grande alcance.
Em forma totalmente pura, as “bases de legitimidade” da dominação são três16,
cada uma das quais se acha entrelaçada – no tipo puro - com uma estrutura
sociológica fundamentalmente diversa do quadro e dos meios administrativos.
Em todas as nominadas formas de dominação é necessário que haja a
aceitação. Não se pode pensar a sociedade a não ser em termos da
continuidade de certas relações entre os homens em nome do caráter legítimo
que eles atribuem às orientações de conduta que saem de um núcleo, que
nada mais é do que a área de condução ou liderança daquela sociedade (como
já dito, não no sentido de coerção pura e simples, mas em relação à indicação
de caminhos). Assim, sem o caráter sempre problemático da legitimidade, não
se pode falar em sociedade.
Logicamente, dependendo do fundamento dessa legitimidade que os
homens dão à aceitação das ordens, normas etc., elas podem ser mudadas de
acordo como as circunstâncias se mostram naquele momento. A morte de um
líder carismático, por exemplo, pode ser uma dessas causas de mudança. A
sucessão, portanto, se não preparada e feita nos moldes de uma continuidade
16 A dominação legal fundamenta-se no respeito a um estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Já a dominação tradicional funciona em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. Isso se dá, de fato, através do “reconhecimento” de um estatuto como “válido desde sempre” (por “sabedoria”). Por outro lado, fora das normas tradicionais, a vontade do senhor somente se acha fixada pelos limites que em cada caso lhe põe o sentimento de eqüidade, ou seja, de forma sumamente elástica. Por fim, a dominação carismática se origina em virtude de devoção, afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam constituem aqui a fonte da devoção pessoal. Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo.
12
que respeite estritamente os critérios da legitimidade da liderança anterior,
pode acarretar o fim da aceitação da dominação (utilização do carisma17).
Em síntese, a obra weberiana mostra que, sem a persistência de uma
determinada forma de dominação, não há como se sustentar a estrutura social.
Ela não é outra coisa senão a aceitação, como legítima, por um grande número
de dominados das orientações de conduta que são formuladas por um
pequeno número de figuras e imposições de sujeitos ou grupos dominantes. A
todo tempo há uma disputa por aquilo que será o conjunto de diretrizes válidas
no interior de uma sociedade.
5 - Considerações finais
Pode-se considerar surpreendente a extensa produção e a influência
para o mundo moderno deste autor, vítima de uma morte precoce aos 56 anos
(no ano de 1920) causada por uma pneumonia, considerando-se ainda o fato
de que, por quase cinco anos (1898-1902), não tenha realizado atividades de
ensino ou científicas18.
É notável uma característica de Weber que, embora tenha sido um
relevante pensador dos grandes processos históricos, é ainda mais efetivo na
habilidade de analisar conjunturas, processos dinâmicos que ocorrem
localizadamente numa escala menor. Max Weber conseguiu identificar e
examinar com clareza as linhas de força que se movem constantemente em
situações de contextos turbulentos, como processos rápidos de mudança da
sociedade, processos revolucionários etc.
17 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 2009. Vol 2.18 _______. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Weber > Acesso em: 27 jun 2014> Acesso em: 27 jun 2014.
13
Se, para os demais autores, a sociedade deve ser pensada como
estrutura, organização muito bem montada, para Weber a sociedade é
fundamentalmente uma espécie de “campo de forças”. É uma entidade
dinâmica que gera persistentemente problemas e tensões que põem em xeque
sua continuidade e a análise social é fundamentalmente aquela que consegue
captar os desafios e as dificuldades dessa continuidade.
6. Referências bibliográficas
CARVALHO, Débora. In: As disfunções da burocracia transformam-se
na própria ''burocracia''. Belo Horizonte, 24 abr. 2010. Disponível em: <
http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/as-
disfuncoes-da-burocracia-transformam-se-na-propria-burocracia/44412/
> Acesso em: 27 jun. 2014.
COHN, Gabriel (org). Max Weber. 6. ed. São Paulo: Ática, 1997.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo:
Editora UNESP, 1991. Tradução de Raul Fiker.
MAX WEBER. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia
Foundation, 2014. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?
title=Max_Weber&oldid=39858651>. Acesso em: 27 jun. 2014.
PAULA, João Antônio de. Afinidades eletivas e pensamento econômico:
1870-1914. Kriterion, Belo Horizonte , v. 46, n. 111, June 2005 .
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0100-512X2005000100006&lng=en&nrm=iso>.
access on 31 jul. 2014.
WEBER, Max. A burocracia. In: From Max Weber – ensaios de
sociologia. Hans Gerth & Wright Mills (orgs.). Rio de Janeiro: Zahar,
1974.
14
_______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo:
Livraria Pioneira. 4 ed, 1985.
_______. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 2009. Vol 2,
_______. Os três tipos puros da dominação legítima, in, WEBER.
Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo, Editora Ática.
_______. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora
Cultrix.1998
15