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Presidente da Republica FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Ministro da Educao PAULO RENATO DE SOUZA Secretria Executiva MARIA HELENA GUIMARES DE CASTRO

CONGRESSO BRASILEIRODE QUALIDADE NA EDUCAOFORMAO PE PROFESSORES

EDUCAO AMBIENTALMarilda Almeida MarfanOrganizadora

Volume 3

Brasilia 2002

PRESIDENTES DO CONGRESSO IARA GLRIA AREIAS PRADO Secretria de Educao Fundamental MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA Chefe de Gabinete COMISSO ORGANIZADORA Coordenadora: Rosngela Maria Siqueira Barreto Renata Costa Cabral Fbio Passarinho de Gusmo Lvia Coelho Paes Barreto Sueli Teixeira Mello COMISSO CIENTFICA Coordenadora: Marilda Almeida Marfan Ana Rosa Abreu Cleyde de Alencar Tormena lean Paraizo Alves Leda Maria Seffrin Lucila Pinsard Vianna Nabiha Gebrim de Souza Stella Maris Lagos OliveiraEdio: Elzira Arantes Projeto Grfico: Alex Furini Editorao: Jos Rodolfo de Seixas

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Congresso Brasileiro de Qualidade na Educao: formao de professores (1. : 2001 : Braslia) Congresso Brasileiro de Qualidade na Educao : formao de professores: educao ambiental. / Marilda Almeida Marfan (Organizadora). Braslia : MEC, SEF, 2002. 152 p.: i l . ; v.3 1. Formao de Professores. 2. Qualidade da Educao. 3. Educao Ambiental. I. Ttulo. II. Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Fundamental. CDU 371.13

Patrocnio: PETROBRAS Apoio: Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia (ANDl)

SUMRIOAPRESENTAOIara Glria Areias Prado

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SIMPSIO 1TRANSVERSALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DIFICULDADES, AVANOS, POSSIBILIDADES Ralph Levinson - Inglaterra Michle Sato - UFMT/MF Walter Ornar Kohan - UnB/DF

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SIMPSIO 2QUESTES AMBIENTAIS E O PAPEL DA ESCOLA Leila Chalub Martins - UnB/DF Jos Manoel Martins - Escola Logos/SP Jaime Tadeu Oliva - USP/SP

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SIMPSIO 3TICA E MEIO AMBIENTE Jos de vila Aguiar Coimbra - USP/SP Paulo Jorge Moraes Figueiredo - Unimep/SP

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SIMPSIO 4FORMAO DE PROFESSOR EM EDUCAO AMBIENTAL: METODOLOGIAS E PROJETOS DE TRABALHO Isabel Cristina de Moura Carvalho - Emater/RS Lucila Pinsard Vianna - SEF/MEC

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PALESTRAOS DIVERSOS OLHARES DA AVALIAO NA EDUCAO AMBIENTAL - FANTASIAS DE UMA AUTORA La Depresbiteris - Senac/SP

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SIMPSIO 5A IMPORTNCIA DO MEIO AMBIENTE NA CONSTRUO DA CIDADANIA Fbio Feldmann - IPSUS/SP Pedro Jacobi - USP/SP Lcia Pinheiro - Projeto Travessia/SP

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SIMPSIO 6POLTICAS PBLICAS E EDUCAO AMBIENTAL Edgar Gonzlez Gaudiano - Mxico Bernardo Kipnis - UnB/DF Lucila Pinsard Vianna - SEF/MEC

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PAINEL 1FORMAO DE PROFESSORES EM EDUCAO AMBIENTAL Luiza Rodrigues - Projeto Mimoso - Cuiab/MT Snia B. Balvedi Zakrzevski - Projeto Erechim/RS Marta ngela Marcondes - Rio Grande da Serra/SP

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PAINEL 2APRESENTAO DE PROJETOS DE TRABALHO EM EDUCAO AMBIENTAL Maria Fernanda Lopes Pimentel - Projeto Vrzea/PA Antnio Fernando S. Guerra - Projeto Educado/SC Andra Imperador Peanha Travassos - Projeto Ip/SP Elizabeth da Conceio Santos - Universidade do Amazonas/AM

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APRESENTAOO Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educao - Formao de Professores, promovido pela Secretaria de Educao Fundamental do Ministrio da Educao (SEF/MEC), foi realizado em Braslia no perodo de 15 a 19 de outubro de 2001. O Congresso tratou, em seus simpsios, palestras, painis, oficinas e atividades paralelas, de uma das principais variveis que interferem na qualidade do ensino e da aprendizagem: a formao continuada dos professores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da rea, tanto nas oito sries do Ensino Fundamental, quanto na Educao Infantil, na Educao de Jovens e Adultos, na Educao Especial, na Educao Indgena e na Educao Ambiental, informaes e conhecimentos relevantes para subsidi-los em sua prtica. Promoveu um balano geral dos principais avanos alcanados nos ltimos anos, com a implantao de polticas pblicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profissional continuado e de formao de professores alfabetizadores, que foram debatidos sob diferentes ticas e pontos de vista. O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, alm das representaes municipais, um significativo nmero de autoridades, especialistas nacionais e internacionais e representantes de organizaes no-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes dos municpios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino as polticas de formao continuada propostas pelo MEC, a saber: o Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado - "Parmetros em Ao" e o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores - PROFA. Ao promover a organizao desta publicao, a SEF faz um resgate de todos os textos apresentados e entregues, em tempo hbil, pelos especialistas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da rea que valorizaram o evento e esto em busca de sua memria, ou que, por diferentes razes, se interessam por reflexes e temas relativos quali-

dade da educao e formao dos professores, tais como: educao para a mudana, transversalidade e interdisciplinaridade, educao escolar indgena, livro d i d t i c o , incluso digital, alfabetizao, organizao dos sistemas de ensino, educao inclusiva, escola reflexiva, enfim, competncia profissional, o desempenho do professor e o sucesso escolar do aluno, entre outros. Como o pblico-alvo muito diversificado, o volume de textos apresentados muito grande, e como os principais eixos temticos podem interessar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Fundamental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educao - Formao de Professores foram organizados em quatro volumes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos Educao Fundamental como um todo, e incluem temas especficos referentes Educao Infantil, Educao de Jovens e Adultos, Poltica do Livro Didtico e Educao Especial; o volume 3 trata da Educao Ambiental; e o volume 4 dedicado Educao Escolar Indgena. Embora incompleta, pela ausncia de alguns textos, e observando que em alguns casos s apresenta os resumos dos participantes, a presente edio reflete a importante contribuio e a competncia de nossos especialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpsios, quanto pelos relatos de experincias contidos nos painis, e incorpora 25 textos apresentados por renomados especialistas internacionais. Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicao so de inteira responsabilidade de seus autores e retratam reflexes e pontos de vista de cada especialista envolvido. Com a presente publicao, a SEF/MEC espera que os resultados do Congresso de Braslia possam ser amplamente divulgados e cheguem ao alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamental, diretores de escolas, institutos de formao de mestres, pesquisadores, universidades, enfim, todos aqueles ligados produo, reproduo, ao consumo e transmisso do conhecimento, paladinos da construo de uma escola de qualidade para todos.

Iara Glria Areias Prado Secretria de Educao Fundamental

EDUCAO AMBIENTAL

SIMPSIO 1

TRANSVERSALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE DIFICULDADES, AVANOS, POSSIBILIDADESRalph Levinson MichleSato Walter Ornar Kohan

Transversalidade e interdisciplinaridade: organizando formas de conhecimento para o alunoRalph LevinsonUniversidade de Londres/Inglaterra

ResumoOs conceitos de transversalidade e interdisciplinaridade so discutidos identificando-se as diferenas tericas entre transferncia e cognio localizada. O progresso social e tecnolgico impulsiona a necessidade de uma forma de colaborao mais bem coordenada entre professores. O presente documento apresenta uma soluo, com base no apoio s habilidades argumentativas do aluno e s necessidades de desenvolvimento profissional afins. necessidades do cliente, a improvisao e as tomadas de deciso exigidas em um cenrio industrial. Entretanto, se nenhum conceito ou habilidade fosse generalizvel, todo o valor do processo educacional seria questionvel. A interdisciplinaridade est associada transversalidade se considerarmos que professores de diferentes disciplinas podem trabalhar em conjunto para viabilizar a aprendizagem de um conceito ou de uma habilidade, ou para desenvolver uma atitude, um atributo ou uma disposio especfica. O fato de que haja pelo menos um entendimento comum entre professores sugere a possibilidade de generalizao. No Reino Unido, certamente, h poucas evidncias empricas que permitam julgar o sucesso de grupos interdisciplinares na promoo da aprendizagem na faixa etria de 11 a 18 anos. Uma vez que o ensino de conhecimentos e habilidades transferveis seria de grande valor material para quem aprende, e que os professores estariam trabalhando em conjunto para trazer sua vasta gama de experincias, entendimentos e habilidades para a sala de aula, como poderia haver qualquer obstculo no caminho de objetivos to valiosos?

IntroduoO termo transversalidade implica uma transferncia de conceitos, habilidades, atitudes ou atributos de um domnio ou contexto para outro. H, portanto, um elemento de generalizao associado a essa transferncia. Assim, o que se aprende em uma rea do currculo poderia ser aplicado ou utilizado em outra rea. Por exemplo, um aluno que tenha adquirido o domnio de habilidades grficas na escola deve necessariamente ser capaz de transferir essas habilidades para a manipulao de dados cientficos, a programao de instrumentos analticos, ou a interpretao de dados geogrficos sobre populaes humanas. Mas a experincia e a prtica mostram que essa simples transferncia de uma habilidade processual no direta. Certa feita, os gerentes de uma grande indstria qumica comentaram comigo, em tom de reclamao, que alguns de seus funcionrios com curso superior e diploma de graduao ou ps-graduao em Qumica Analtica no conseguiam realizar anlises simples exigidas pela empresa. Esses funcionrios precisaram passar por um novo treinamento. O emprego de conhecimentos e habilidades em um ambiente acadmico no envolve a resposta s

Transferncia ou cognio localizada?Grande parte do trabalho sobre a transferncia de habilidades e conceitos est associada teoria dos estgios de Piaget. Piaget descreveu competncias e habilidades em estgios especficos do desenvolvimento cognitivo pedindo a crianas que operacionalizassem tarefas, tais como conservao, que considerava habilidades abstratas, generalizveis. Sem abalar a base te-

SIMPSIO 1Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidades rica do trabalho de Piaget, outros tericos posteriormente demonstraram que, modificando o contexto da tarefa por meio do emprego, por exemplo, de Figuras mais conhecidas ou da noutilizao de um adulto para fazer as perguntas, um nmero bem maior de crianas tinha condies de realizar essas tarefas abstratas com mais sucesso do que se pensava anteriormente. As tarefas comearam a fazer "sentido humano", em vez de serem vistas como remotas ou difceis (Donaldson, 1978). Donaldson encarava os crescentes progressos intelectuais que acompanham o desenvolvimento das crianas como um desencravar progressivo de competncias lgicas latentes. Em outras palavras, as crianas aprimoravam seu pensamento abstrato. Os construtivistas sociais foram ainda mais longe ao questionar a realidade de um "conceito abstrato", sugerindo que as habilidades intelectuais no so descontextualizadas, mas sim culturalmente emolduradas e re-contextualizadas (Walkerdine, 1988;eSolomon, 1989). Assim, 2+2 no so 4 se a operao for realizada em uma mquina fotocopiadora (22 cpias sero produzidas), ou apertando o boto "2" seguidamente em um elevador (voc continuar no 2o andar). O contexto de aprendizagem e o meio cultural constituem o fator crucial na competncia de tarefas, conforme indicam pesquisas no campo do construtivismo social. Os estudos clssicos de Carraher e outros (1991) sobre crianas de rua no Recife demonstraram que essas crianas eram bem mais competentes para solucionar problemas matemticos em situaes de comrcio do que para resolver problemas formais com lpis e papel. Entretanto, esses estudos mostram que a aritmtica praticada na escola mais eficiente nas formas pelas quais os clculos so efetuados. Concluem dizendo que as escolas devem introduzir sistemas formais de matemtica em contextos dirios de "sentido humano". Um estudo sobre adultos solucionando problemas de coeficiente isomrfico em situaes autnticas de compras demonstrou que essas mesmas pessoas nao conseguiam solucionar problemas semelhantes em um cenrio mais formal (Lave, 1988). Ao fornecer explicaes em diferentes contextos para fenmenos baseados em princpios cientficos semelhantes, crianas na faixa etria de 12 a 16 anos no conseguiram apresentar explicaes consistentes (Clough e Driver, 1986). Alunos de 12 e 13 anos no foram capazes de aplicar os conceitos e as habilidades cientficas aprendidas em Cincias a um projeto afim na rea de tecnologia, exceto da forma mais rotineira e algortmica (Levinson, Murphy et al., 1997). Os alunos com bom conhecimento e entendimento dos conceitos cientficos ficaram confusos ao empregar os conceitos em tecnologia. Alunos nessa faixa etria, por exemplo, aprendem que a gua no conduz eletricidade. Entretanto, ao construir um sensor de umidade, os alunos aprendem que a gua fornece uma ponte de condutividade entre os fios na base do sensor. Para os alunos, os conceitos ensinados em cincia e em tecnologia eram aparentemente contraditrios entre si. Ao descrever a relao entre o conhecimento cientfico e o conhecimento para a ao prtica, Layton utilizou um modelo que "envolve a desconstruo e a reconstruo do conhecimento cientfico adquirido, a fim de que se alcance sua articulao com a ao prtica em tarefas tecnolgicas" (Layton, 1993). Outros argumentam que algumas funes cognitivas so generalizveis. A aprendizagem de princpios lgicos, por exemplo, tida como necessria, embora no oferea condies suficientes para o pensamento crtico (Ikuenobe, 2001). A Acelerao Cognitiva por meio de Projeto de Educao Cientfica (Case) vem demonstrando que, para alunos na faixa etria de 12-13 anos, as intervenes no pensamento lgico nas aulas de Cincias tm produzido um aumento das notas de crianas em grupos de controle, quando estas fizeram seus exames nacionais dois anos aps a interveno. Como o aumento das notas ocorreu no apenas em Matemtica e Cincias, mas tambm em Ingls, as habilidades adquiridas parecem ser transferveis (Shayer, 1996). Nem os educadores responsveis pela introduo do Case, nem outros educadores, apresentaram at o momento uma estrutura terica capaz de explicar essas constataes. Entretanto, a teoria da motivao, ela prpria associada ao contexto, tem sido empregada para explicar as diferenas, em termos de sucesso, entre os alunos que apresentaram melhor desempenho

como resultado do Case e aqueles para os quais o projeto no fez diferena (Leo e Galloway, 1996). Outros sugerem que a associao estratgica entre o conhecimento do processo cientfico e o conhecimento conceituai produzir resultados semelhantes queles alcanados pelo Case (Jones e Gott, 1998). Os dois postulados tericos - transferncia cognitiva ou re-localizao/recontextualizao de conhecimento - constituem os paradigmas predominantes e opostos na pesquisa educacional sobre esse fenmeno.

InterdisciplinaridadeA identificao de disciplinas sugere que h alguma distino entre a gama de conceitos e habilidades includos em cada disciplina e uma "diviso fundamental de categorias" (Hirst e Peters, 1970). Estes autores identificam sete reas ou "formas de conhecimento" assim diferenciadas, tais como lgica formal e matemtica, cincias fsicas e esttica. Embora essas formas de conhecimento sejam tidas como independentes entre si, isso no impede que haja inter-relaes. Fatos empiricamente comprovados, por exemplo, podem ser utilizados para justificar um princpio moral. Isso no significa que a melhor maneira de organizar um currculo seja ensinar essas formas de conhecimento separadamente, exatamente porque h inter-relaes entre elas. Uma crtica a essa abordagem feita pela nova sociologia diz que nada h de fundamental na distino entre formas de conhecimento. A pergunta, tratada a partir de uma abordagem do currculo como conhecimento socialmente organizado (Bernstein, 1973), se refere ao motivo pelo qual algumas matrias curriculares tm mais valor e prestgio do que outras, e tambm aos mecanismos que isolam algumas matrias de outras. Na Inglaterra, por exemplo, a Fsica vista como a cincia que corrobora todas as demais reas cientficas: em geral seu ensino separado, no currculo, mas h uma certa fuso das matrias da rea de humanidades. A autoridade em cincias tem um status social pelo qual essa autoridade, emanada de rgos de prestgio, como a Sociedade Real, gradualmente difundida para as escolas, mas no deve ser contaminada por outras matrias. Quanto maior for a possibilidade de que

as fronteiras de uma matria possam ser atravessadas, menor ser seu status. A despeito do status da cincia como matria de prestgio e de seu isolamento de outras reas do currculo, h uma necessidade real de que algumas questes sejam abordadas. Os progressos mais recentes nas reas de biomedicina e biotecnologia indicam a necessidade de que futuros cidados tenham uma compreenso bsica, tanto no nvel pessoal quanto no pblico, das controvrsias decorrentes dessas novas tecnologias e a cincia que as corrobora. Entender as implicaes de um programa de controle gentico, por exemplo, e a possibilidade de ser portador de uma condio gentica hereditria algo que diz respeito no apenas ao indivduo, mas tambm sua famlia e sociedade. A tomada de deciso provavelmente envolver a moralidade privada dos indivduos envolvidos, seus contextos socioeconmicos especficos, seus relacionamentos pessoais e sociais e sua bagagem cultural. Os debates atuais sobre clonagem humana e alimentos geneticamente modificados indicam que as decises polticas para sua aprovao so sensveis opinio pblica. A disseminao de informaes resultantes de testes genticos traz importantes implicaes para a rea de direitos humanos. A formulao de polticas pblicas e a criao de condies para a atribuio democrtica de responsabilidades por essas questes pressupem que os cidados tenham algum controle sobre a cincia subjacente e uma conscientizao da base de valores. Os jovens que abraam profisses nas reas mdicas, do servio social e do ensino precisaro de uma bagagem apropriada que lhes permita lidar com as muitas questes ticas, sociais e legais que iro surgir. Se os alunos, como futuros cidados, precisam lidar com essas questes contemporneas, como e onde elas devem ser ensinadas nas escolas?

Descobertas empricasUm projeto de pesquisa recente (Levinson e Turner, 2001) estudou de que forma o que diz respeito a controvrsias cientficas foi ensinado no currculo. Aps um levantamento quantitativo em larga escala nas escolas da Inglaterra e do

SIMPSIO 1Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidades

Pas de Gales, foram realizadas entrevistas individuais e com grupos, direcionadas ao ensino de controvrsias cientficas, com professores de diferentes matrias, principalmente de Cincias, Ingls e Humanidades. Uma srie de diferenas importantes surgiu: Os professores de Ingls e Humanidades ensinavam temas cientficos controversos a seus alunos pelo menos com a mesma freqncia com que o faziam os professores de Cincias. Os professores de Humanidades e de Ingls sentiam-se muito mais confiantes debatendo e discutindo questes cientficas controversas do que os professores de Cincias, e empregavam uma gama bem mais ampla de estratgias. A maioria dos professores de Cincias entrevistados considerou o ensino da cincia neutro em termos de valor; a maioria dos professores de Humanidades e Ingls concordou com essa avaliao, mas atribuiu alto valor sua prpria abordagem. Os professores de Cincias mostraram-se preocupados com o fato de que a abordagem de questes controversas em outras matrias que no Cincias poderia levar o aluno a assimilar informaes incorretas, tal como a clonagem de seres humanos adultos. Apenas uma das vinte escolas visitadas abordava formalmente o ensino de questes cientficas controversas de forma interdisciplinar. No havia tcnicas de avaliao satisfatrias para a compreenso de controvrsias cientficas. Essas avaliaes eram muito abrangentes e no abordavam aspectos substanciais da cincia associados questo, ou apenas abordavam os fatos e no os valores que eles envolviam. As citaes abaixo exemplificam as diferentes abordagens adotadas por professores de Cincias e Ingls:Quando falamos da tica de qualquer coisa damos uma opinio, em vez de apresentar algo baseado em fatos. Quando voc emite uma opinio, expressa discordncia. Ento, toda a mat-

ria ser tratada da mesma forma que sua opinio, sobre a qual h discordncias pessoais. Assim, o que voc apresenta com base em fatos acaba sendo tratado da mesma forma (professor de Cincias, Escola A).

[...] essas aulas (sobre controvrsias cientficas) so geralmente as melhores. E isso porque as crianas ficam absolutamente eltricas, vivas, e isso realmente as motiva. E voc precisa gerenciar o debate, o que em uma sala de 20-30 alunos requer algum esforo. Mas so ossos do ofcio. Voc ento precisa dirigir o debate, porque voc adquire a amplitude de entendimento de toda a questo (professor de Ingls, Escola J).

Essas observaes foram profundamente representativas das diferenas entre professores de Ingls e de Cincias: os professores de Ingls e Humanidades apreciavam mais o debate e o gerenciamento da sala de aula, enquanto os professores de Cincias se mostraram cautelosos em relao a fatos e opinies confusos. Questes sociais e ticas corriam o risco de ser negligenciadas porque no eram substancialmente avaliadas. Os professores de Ingls lidaram com a controvrsia todo o tempo, e avanos como o Projeto Genoma Humano e Clonagem forneceram material para suas discusses sobre controvrsia. Os professores de Cincias, Ingls e Humanidades podero possuir conhecimentos e habilidades complementares: os professores de Cincias possuem conhecimento e entendimento mais completos do potencial e das possibilidades da rea de cincias e tecnologia, enquanto os professores de Humanidades podem conectar esse conhecimento da cincia ao contexto social e de valor. Mas essas conexes raramente acontecem, como explicou uma vicediretora:Em uma escola como a nossa, com departamentos rgidos, departamentos independentes, com suas prprias matrias, s vezes difcil encontrar lugar para coisas que no constam do currculo... e muitas dessas questes se prestam a abordagens curriculares cruzadas, no verdade? (vice-diretora, Escola E).

Assim, um srio obstculo integrao a compartimentalizao, devido forma pela qual o currculo est organizado na Inglaterra e no Pas de Gales, com os alunos sendo submetidos a exames em diferentes matrias. H, portanto, pouca motivao para que a integrao ocorra. Uma forma de colaborao e coordenao curricular que parece promissora e estava sendo desenvolvida por uma das escolas durante nossa pesquisa o modelo intitulado "dia do colapso", que apresenta as seguintes caractersticas: Grupo de aprendizagem fora do calendrio curricular. Planejamento entre professores de diferentes matrias, particularmente de Ingls, Educao Religiosa e Cincias. Um modelo integrado de ensino. Avaliao por meio de uma matria especfica. Participao igualitria de todos os parceiros da aprendizagem na tomada de decises. Estes pontos dispensam maiores explicaes. Como as matrias curriculares nacionais so rigidamente bloqueadas para fins de cumprimento do calendrio escolar, a forma mais apropriada de reunir grupos de professores a ruptura do calendrio regular. O calendrio formal suspenso por um perodo de tempo - geralmente um dia - para que professores de diferentes matrias possam ensinar seus alunos em conjunto. Para tanto, os professores devem planejar em conjunto, geralmente fora do horrio escolar. Mas a avaliao uma questo crucial. Tanto professores quanto alunos levaro uma matria mais a srio se esta for formalmente avaliada e tiver um status elevado no currculo. A aprendizagem do dia do colapso, portanto, avaliada por meio de uma dessas matrias de status elevado. Na escola que adotou esse esquema, a avaliao foi feita por meio da Educao Religiosa - mas no h razo para que avaliao no seja feita por meio de Cincias, Ingls ou qualquer outra matria. Finalmente, professores de diferentes matrias devem ser parceiros iguais ao decidirem o que deve ser ensinado no curso e como o ensino deve ocorrer. Isso pode ser mais difcil do que se esperava - a pesquisa sugere que os pro-

fessores de Educao Religiosa achavam que deveriam ter maior controle sobre o material, uma vez que este foi avaliado por meio da matria que lecionam. A formao de equipes interdisciplinares, portanto, pode apresentar benefcios substanciais para a aprendizagem e pode tambm produzir um clima escolar positivo, maior satisfao com o trabalho entre professores e pontuaes de desempenho mais altas do que as escolas no-interdisciplinares (Flowers, Mertens et al., 1999). Mais pesquisas so necessrias para que se possa avaliar a eficcia de abordagens interdisciplinares, mas a disposio de professores para atravessar as fronteiras tradicionais das disciplinas, alm do apoio poltico - inclusive uma maior valorizao das oportunidades de avaliao em um trabalho de natureza interdisciplinar - so pr-condies para que esse esquema funcione. Uma abordagem interdisciplinar tambm oferece a oportunidade para que conhecimentos e habilidades sejam re-contextualizados de forma mais efetiva.

ImplicaesO desafio identificado no presente artigo como ensinar os aspectos sociais e ticos da cincia em reas aparentemente distintas. A cincia vista como a tentativa de descrever e entender a natureza, enquanto os procedimentos ticos operam com base em regras que ajudam a distinguir aquilo que deve ser daquilo que no deve ser. Entretanto, a evidncia emprica da cincia pode nos ajudar a tomar decises ticas, conforme dito anteriormente, mas h procedimentos comuns de pensamento tanto no ensino da cincia quanto no ensino da tica/moral. Os argumentos cientficos dominam o cenrio poltico, local ou globalmente, pessoal ou publicamente, em reas como tecnologia gentica, preservao de florestas tropicais, mudanas climticas e sade mundial. Um grupo de cidados em desenvolvimento deve entender a natureza do argumento em diferentes contextos, cientfico ou tico. No argumento cientfico, isso significa a justificativa de uma demanda decorrente dos dados (Osborne, Erduran et al., 2001)(ver figura 1). Um argumento tico pressupe uma formu-

SIMPSIO 1 Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidadesFigura 1

lao lgica do problema tico e um argumento lgico tem uma concluso corroborada por uma declarao de apoio (Beardsley, 1975). Na figura 1, duas evidncias - uma cientfica e outra sociolgica - so empregadas, embora a declarao de apoio e a concluso possam ser contestadas. H paralelos para a localizao das estruturas de argumentos cientficos e ticos, mas tambm em outras reas, tais como histria, matemtica e esttica. O papel do professor explicitar os elos entre os argumentos. Todos os estgios, nesses tipos de argumentos indutivos, esto abertos a questionamento e, empregando-se as estratgias didticas adequadas, geram uma abordagem liderada pela pesquisa. Cursos de desenvolvimento profissional podem apoiar os professores na identificao dos componentes de um argumento, na avaliao da validade das concluses e na localizao de falcias. Acima de tudo, os professores deveriam ser capazes de ensaiar esses argumentos para si prprios. Se, por um lado, h componentes comuns em diferentes reas, por outro, as formas de abordar os argumentos seriam exclusivas do contexto do argumento. No exemplo contencioso da figura 1 podemos ver de que forma um professor de Cin-

cias e um professor de Humanidades podem apoiar uma discusso sobre as dimenses ticas no que se refere escolha do sexo de uma criana. Ambos os professores teriam experincia nos limites e na confiabilidade da evidncia. Idealmente, essa aula deveria envolver uma srie de professores na sala de aula com os alunos, mas, com um planejamento interdisciplinar adequado, no h motivos para que essa abordagem deixe de funcionar com vrios professores com a mesma turma, em aulas diferentes. Os alunos adquiriro experincia para julgar questes contenciosas porque estaro explorando o mesmo argumento em diferentes contextos e, assim, aprendendo os limites da generalizao da tomada de deciso. Novas pesquisas empricas devem ser realizadas sobre essa estrutura interdisciplinar e seu impacto na capacidade racional dos alunos para tomar decises.

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Relaes multifacetadas entre as disciplinasMichle Sato* No mistrio do Sem-Fim, I equilibra-se um planeta. I E, no planeta, um jardim, le, no jardim, um canteiro, I no canteiro, uma violeta, I e, sobre ela, o dia inteiro, I entre o planeta e o Sem-Fim, I a asa de uma borboleta. Ceclia Meireles, "Cano". A necessidade de abrir dilogos entre singular e plural no nova. Herclito (1996:88) j orientava para a "conjuno do todo e do no-todo, do consoante e do dissonante". Paradoxalmente, somos espcies singulares, mas tambm somos [email protected] Temos nossas essncias individuais, marcadas pelas nossas identidades, mas somos gnero humano. Apesar da orientao prsocrtica, a lgica Aristotlica acabou prevalecendo nos paradigmas da modernidade, sob o axioma da diviso entre os problemas "universais e particulares" (McLeish, 2000). A constatao era nica - o mundo tinha diversidade e singularidade, mas as orientaes cartesianas da fragmentao acabaram imperando no mundo da cincia. O mundo, assim, foi testemunha das gran-

Professora e pesquisadora em Educao Ambiental - Instituto de Educao/UFMT E-mail: ' Acatando a recomendao internacional da Rede de Gnero, utilizamos a simbologia "@" para conferir espaos sociais de igualdade, que se distinguem pelas diferenas sexuais entre homens e mulheres.

SIMPSIO 1Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidades des especializaes, que certamente trouxeram suas contribuies e significncias, mas que cada vez mais fragmentava o conhecimento em ilhas isoladas do sistema, em que a condio ontolgica acabou prevalecendo sobre o debate epistemolgico, trazendo muito mais rupturas do que unidade. O estatuto do ser humano perante a Terra trouxe a barbrie ao lado da civilizao. Todavia, vale lembrar que somos protagonistas desta histria humana, e que podemos, inclusive, desafiar leis matemticas e compreender que "um mais um sempre mais que dois".2 Afinal, foi o postulado da prpria Fsica Quntica que nos trouxe o "princpio da incerteza" e da relatividade, embora tambm tenha deixado o legado da viso atomista da realidade. Existe, entretanto, uma certa resistncia fetichista contra a contaminao de uma rea outra, e os limites das fronteiras do conhecimento ainda permanecem fortes, prejudicando o dilogo necessrio para o caminho adiante. Adentrando-nos no Terceiro Milnio, testemunhamos um mundo efervescente de modificaes e conhecimentos que exigem novas ousadias, novas ultrapassagens. Um dos grandes colaboradores dessa revoluo de pensamento talvez repouse no ambientalismo. Ele nasce querendo modificar os modelos perversos de desenvolvimento, por meio das denncias das atrocidades polticas meramente econmicas para um desprendimento mais criativo. Reivindicando um pensamento que fosse alm do legado financeiro e dominador, e que reconhecesse o ser humano integrante da biosfera, o movimento ecolgico nasce no sentido de tentar uma abertura do dilogo entre as ilhas isoladas dos sistemas das reflexes e das aes. A Educao Ambiental, assim, nasce no bojo desse pensamento pulsante e vivo e tenta buscar novas formas de pensar e agir, ancorada em plataformas polticas e existenciais, sem, contudo, negligenciar sua vontade de crescimento epistemolgico e de respeito a todas as formas de vida e a tudo que tem relao com ela. A proposta da Educao Ambiental uma tentativa no de explicar o mundo ou descobrir somente as condies de possibilidades, mas de "reformular nossas experincias no mundo, em contato com o mundo, que precede a todo pensamento sobre o mundo" (Merleau-Ponty, 1947: 4). O ser humano torna-se, assim, somente uma fatalidade no contexto universal, embora em algumas noites, a claridade dos relmpagos mostre a fora incandescente capaz de ousar a civilizao. Necessitamos, assim, buscar estratgias que no se limitem a situaes simplificadas, mas que nos ponham diante da complexidade do mundo. Necessitamos de um conhecimento que "permita que se viva a criatividade humana como a expresso singular de um trao fundamental comum a todos os nveis da natureza" (Prigogine, 1996: 14). Desde a Conferncia de Tbilisi (1977). a Educao Ambiental orientada como uma proposio no-disciplinar, com abandono das tradicionais fragmentaes do conhecimento, mas, sobremaneira, a orientao se encontra na perspectiva interdisciplinar. A maneira como a Educao Ambiental se espalhou pelo mundo foi diversificada e no se limitou educao formal. Isso implica dizer que a Educao Ambiental no contra as especializaes ou reas especficas do conhecimento, mas prope um dilogo aberto nas fronteiras dos diversos saberes, respeitando as diferenas e as contribuies que cada indivduo ou grupo social possa oferecer. Ela no pretende motonivelar as diferenas, nem aplainar as arestas para que a realidade seja mais palatvel ao grupo dominador, mas prope reinvenes e (re)construes constantes, reconhecendo que nem sempre temos avanos, e que as crises geradas fazem parte do nosso caminhar. Avaliar nossas trajetrias, nesse contexto, um aspecto essencial para percebermos nossos erros e acertos. Mais do que se circunscrever na partio binaria do pensamento cartesiano entre "culpado e inocente", preciso alcanar novas construes que permitam encontrar uma nova forma de enxergar a si prprio {identidade), de perceber nossas relaes com @ outr@ (alteridade) e tentar ousar uma sociedade menos autoritria e com menos desigualdades sociais, pois isso certamente refletir na nossa relao com o mundo (oikos).

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Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Sal da terra (EMI).

Inmeras iniciativas foram tomadas no sentido de fortalecer a Educao Ambiental no Brasil, por diversas organizaes, governamentais ou no. Muitas foram experincias bem-sucedidas e com imenso potencial de sustentabilidade. No setor da educao escolarizada, o Ministrio da Educao (MEC) lanou em 1996 os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), com a temtica "meio ambiente" como tema "transversal" que fortaleceria a prxis interdisciplinar. Embora as proposies no fossem to novas, elas geraram dvidas e incertezas, que apareceram aos indivduos como um dos grandes desafios da criatividade humana. Por outro lado, tambm significou ultrapassagem, novas trajetrias- isto significou uma certa rebeldia de esprito e dvidas das supostas "verdades". provvel que, em face dos dilemas sociais e educacionais do Brasil, os PCN tenham sido propostos em carter de emergncia e fz-se mais do que urgente. Mas "agir na urgncia, no significa agir com urgncia" (Perrenoud, 2001: vi). Mesmo aps tantas iniciativas, a Educao Ambiental ainda continua fragilizada e talvez at mal compreendida, sendo muito mais popular em datas comemorativas, mediante campanhas com folders e cartazes e limitada, muitas vezes, coleta seletiva de resduos slidos, sem posturas crticas ao modelo de desenvolvimento perverso que origina o excesso de consumo e estimula as desigualdades sociais. Mas afinal, como vencer essa realidade e permitir uma prxis interdisciplinar por meio dos temas transversais? Norgaard (1998) utiliza uma metfora interessante para explicar a atividade interdisciplinar - ele recorre orquestra como imagem para explicar a importncia da interdisciplinaridade. Se tod@s @s pesquisador@s envo!vid@s numa pesquisa possussem os mesmos entendimentos sobre determinado conhecimento, estaramos tocando um s instrumento e alcanando as mesmas notas musicais. Possuir conhecimentos complementares ou divergentes seria comparvel a uma orquestra, na qual o ato de tocar em conjunto requer partitura mais elaborada e competncia mais considervel. Ainda que numa orquestra @s msic@s no possam escolher as partituras que tocam junt@s ou eleger @ regente, o som da improvisao orquestral pode represen-

tar uma revoluo, na qual a dissonncia pode ser compreendida como parte da transio da modernidade e os conhecimentos se complementam para a interpretao conjunta de uma realidade (Sato, 2000). Moroni (1978) classifica a interdisciplinaridade em teleolgica (atua entre os nveis emprico e pragmtico), normativa (entre os nveis pragmtico e normativo) e orientada (entre os diversos nveis orientados e normativos). Para Sauv (1994), a interdisciplinaridade pode estabelecerse fora dos muros acadmicos e dos espaos formais da educao e ser dividida em cientfica (para a resoluo de problemas cognitivos ou para a produo de conhecimentos); decisiva (para a tomada de decises na resoluo de problemas); criativa (para a produo de um novo objeto tcnico, material ou instrumental); e pedaggica (para favorecer a integrao das aprendizagens e das disciplinas). De acordo com Jantsch (1972), ao buscar a interdisciplinaridade devemos pensar na origem (todas as circunstncias acadmicas que conduzem a uma atividade interdisciplinar), na motivao (todas as necessidades intelectuais e emocionais relacionadas com a ideologia dos atores), e no objetivo, uma vez que a interdisciplinaridade pode levar a uma gama extremamente variada de disciplinas. No dilogo de saberes, duas exigncias so substancialmente importantes: a competncia de cada especialista, cujo domnio epistemolgico e metodolgico possa contribuir para os avanos da construo dos conhecimentos; e o reconhecimento, por parte de cada um@, do carter parcial e relativo da prpria rea (ontolgico), de seu enfoque e de sua compreenso restritiva e parcial (Japiassu, 1976). Alm disso, convm lembrar que, para o desenvolvimento de atividade conjunta, entra em jogo a estrutura do poder. Como a objetividade cientfica no exclui a mente humana, ao remetermos motivao, resgatamos, inevitavelmente, a ideologia e a relao de poder que se estabelece nas caractersticas d@s atrizes e dos atores envolvidas. Para Foucault, as relaes entre grupos ou indivduos trazem o mecanismo de poder, no na mera competitividade ou na defesa dos territrios, mas na presena de um conjunto de aes que induz s outras aes.

SIMPSIO 1Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidades

Num trabalho coletivo, cada sujeito e cada grupo deve tentar viver h u m a n a m e n t e o seu tempo e participar como "cmplice" - uma personagem na histria coletiva, com a penetrao crtica e a capacidade de ser solidri@, m e s m o q u e m u i t a s vezes se sinta solitri@ t a m b m . Para e s s a r e v o l u o de p e n s a m e n t o s , a contrapartida deve surgir de um ser criativo, antagnico ao dogmtico (Almanza et al., 1998). O respeito, a crtica tica mtua e a auto-avaliao so elementos fundamentais na construo desse processo, muitas vezes doloridos, mas validados sob a racionalidade apaixonada da construo de um espao cvico c o m u m . Embora a conservao da biodiversidade seja um discurso muito comum na Educao Ambiental, respeitar as diferenas sociais talvez seja, ainda, um de seus maiores desafios. A temtica ambiental deve permitir a viso global, mas a mediao pedaggica tem por obrigao revelar a subjetividade dos sujeitos. A maneira pela qual o mundo nos subjuga e o esforo com o qual tentamos nos impor ao mundo form a m o drama da vida. A resistncia dos fatos, entretanto, nos convida a transportar a nossa construo ideal para o sonho, e a esperana alimenta nossa crena, mesmo com todos os dissabores (Sato, 2001). O sonho e o pensamento esto estreitamente ligados, sobretudo nos momentos em que as sociedades se sonham a si mesmas. importante, pois, acompanhar esses sonhos, tanto mais que sua negao , em geral, uma constante de todas as ditaduras. Estas no possuem a face brutal que foi a sua, durante toda a modernidade. Elas tomam o aspecto aprazvel e bastante assptico da felicidade tarifada ao menor preo [...] os podres dormem em paz, enquanto ningum pode mais, no sabe mais ou no mais ousa sonhar (Maffesoli, 1995: 11). Talvez ali, onde a racionalidade da modernidade tropea em seus limites, seja possvel criar um novo episdio para a Educao Ambiental. Afinal, estamos comprometid@s com a histria e no podemos mais permanecer prisioneir@s. "Que os acontecimentos por vir nos oprimam ou nos desesperem" (Lyotard, 1948: 17), mas que tambm nos ofeream a possibilidade de guiar-

mos a vida, afastando a violncia e permitindo que a felicidade seja sempre possvel. A prtica interdisciplinar , portanto, um longo desafio do conhecimento. Ela repousa, essencialmente, na capacidade criativa e crtica que @s professor@s possam ter sobre os reais objetivos da educao. O que o professorado aceitar e compreender como metas da Educao Ambiental refletir nas estratgias e na metodologia educativa. Sabemos, pois, que @s professoras so sujeitos imprescindveis para manter ou modificar/ transformar/romper com o modelo tradicional de ensino (transmissivo, enciclopdico e obsoleto) e ignorar ou abordar os problemas que esse modelo gera (Sato et al., 2001). Mas, infelizmente, "quase todas as crticas do sistema escolar so concentradas no mesmo bode expiatrio: a formao de professores, que considerada demasiadamente curta, inadequada, inapta, insuficiente, antiquada" (Perrenoud, 1993: 94). Essa "quase total" responsabilidade conferida formao d@s professor@s em relao prtica pedaggica e q u a l i d a d e do ensino, qual Perrenoud (1993) se refere, reflete a realidade do nosso sistema escolar, que centrado exclusivamente na figura d@ professor@, como se el@ fosse @ nic@ condutor@/mediador@ de todos os processos institucionalizados. Ao mesmo tempo, observamos tambm as polticas governamentais que retiram seu papel do mbito das transformaes sociais, retomando as mquinas do ensino, "retirando a legitimidade d@s professor@s como produtores do saber" (Nvoa, 1995: 8). A necessidade de uma poltica de formao profissional para o setor educativo no um novo reconhecimento. Mas o problema persiste, principalmente em face dos problemas e dos desafios que enfrentamos neste mundo atual. Uma necessidade se impe nesse cenrio: a educao no pode permanecer atrelada a uma sociedade do passado "em que as certezas e os acertos eram paradigmticos e onde a funo docente exercida era p a u t a d a em critrios de verdade e cientificidade" (Fazenda, 1993: XIV). Na concepo de Zakrzevski e Sato (2001), para o exerccio da Educao Ambiental na escola, @ professor@ precisa construir um novo conhecimento profissional. Esse conhecimento precisa ser: Um c o n h e c i m e n t o prtico, epistemologi-

camente diferenciado, mediador entre as teorias e a ao profissional. Um conhecimento integrador e profissionalizado, organizado em torno de problemas relevantes para a prtica profissional e que p r o m o v a em t o r n o d e s s e s p r o b l e m a s a interao e a integrao construtivas entre o saber acadmico, as crenas e os princpios, as teorias implcitas e os guias de ao. Um conhecimento complexo, capaz de reconhecer a complexidade e a singularidade dos processos de ensino-aprendizagem e dos processos de integrao entre os saberes. Um conhecimento tentativo, evolutivo e processual, formulado em diferentes nveis de progressiva complexidade. No existe uma representao esttica e terminal do conhecimento profissional ideal, mas uma hiptese de evoluo dele. No campo da Educao Ambiental, no existe um itinerrio pelo qual tod@s professoras devem passar, seguindo uma trajetria linear, progressiva e ascendente, no processo de construo do conhecim e n t o profissional. Existe u m a e s p c i e d e gradao na construo do conhecimento profissional, que vai de perspectivas mais reducionistas, estticas, acrticas (modelos tradicionais de ensino), at outras coerentes com modelos alternativos (de carter construtivista e investigativo), passando por nveis intermedirios que superam em parte o modelo tradicional, mas apresentam obstculos que precisam ser transpostos. Levamos em considerao a idia de que as concepes d@s docentes, bem como as condutas a elas associadas, evoluem e mudam por meio de processos mais ou menos conscientes de reestruturao e construo de significados baseados na interao e no contraste com outras idias e experincias. Defendemos a idia de que a evoluo das concepes pode ser favorecida ou acelerada por processos de investigao que desafiem os sujeitos a selecionar problemas; a tomar conscincia das idias e condutas prprias; a consider-las como hipteses; a buscar o contraste argumentativo e rigoroso com outros pontos de vista e com dados procedentes da realidade; a tomar decises refletidas sobre as idias a serem mudadas e sobre por que mud-las (Zakrzevski e Sato, 2001).

Soterrado por uma avalanche de informaes, profissionais das mais diversas reas se ressentem de uma formao que venha torn-los capazes de incorporar conhecimentos que lhes possibilitem o aprimoramento de suas prticas. A sobrevivncia de certos profissionais e at a de sua profisso est profundamente vinculada possibilidade de uma formao contnua. Isso tem colocado para os centros formadores e para aqueles que hoje vm discutindo a formao do professor um problema novo: formar o profissional que nunca est formado (Pimenta, 2000: 94). Para que a reflexo possa ter o enraizamento necessrio, contribuindo para a compreenso educacional, preciso garantir certas condies no ambiente de trabalho escolar e nas relaes entre o grupo de formador@s de professor@s. preciso acreditar na coletividade, na "convivibilidade" (Morin: 2000), na tica e na solidariedade capaz de fazer emergir uma comunidade de aprendizagem que contribua com o fenmeno educativo. Precisamos, assim, saber ouvir as inmeras "vozes ainda ausentes" da educao (Pimenta, 2000). Somente nesse caminho que poderemos alcanar uma melodia orquestral, pela qual, mesmo diferenciada em partitura, regente e local, as vozes consigam se manifestar e ser ouvidas, para que seja realmente possvel realizar a interdisciplinaridade. A Educao Ambiental, nesse contexto de um coro entre diversas vozes, deve permitir um conhecimento ancorado em sonhos, que permanea no impulso criativo e crtico das diversas formas de existncia e que, sobremaneira, consiga novas formas de ultrapassagem s violncias vivenciadas pela nossa era. Inserir a Educao Ambiental nas propostas interdisciplinares torn-la diferente. A proposta curricular deve ultrapassar as relaes do tempo e do espao, possibilitando uma comunicao em rede, um dilogo que se abre na perspectiva de romper com fronteiras do conhecimento. Desafia as amarras acadmicas e prope uma nova abertura, capaz de trazer uma dimenso mais ampla. bem provvel que o caminho traado no seja fcil, mas somente aquel@s que guardam a Educao Ambiental em seus coraes estaro dispostos a correr todos os riscos.

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Propor a Educao Ambiental (e no o meio ambiente) nos dilogos da interdisciplinaridade tomar a responsabilidade pedaggica, almejar um planejamento curricular como possibilidade na desejada transformao social. Ancorad@s na concepo de Merleau-Ponty (1971) e Passos e Sato (2001), acreditam que todo currculo deve ser fenomenolgico. Em outras palavras, o currculo escolar, regional, flexvel e adequado a cada realidade, deve se contrapor a qualquer determinao esmiuada, j estabelecida e oferecida como prato-feito, que pulveriza, assimila e aniquila a identidade. Deve rejeitar qualquer coisa que possa ser feita sob nossa alienao, e sem nossa existncia. Se verdade que no h caminho sem o andar, sobretudo verdade que o trajeto no existe sem o transeunte. O trajeto esboa, carrega uma proposta com possibilidades e limites, que s pode ser realizada numa atitude ldico-prtica de imanncia e transcendncia. A primeira nos pe circunstanciados num tempo perspectivado para o futuro, inscrevendo e referenciando nossa existncia materialidade; a segunda nos chama alm de ns, provocando nossa capacidade de ultrapassar fronteiras antes acenadas, reacomodando-a na perspectiva de um caminho pessoal, indito, num percurso que possa oportunizar transp-las. Pr limites s guias provoc-las transgresso (Passos e Sato, 2001). Possivelmente haver eventualidades, dvidas e incertezas. A aceitao de uma nica verdade absoluta j no mais pertence ao legado da Educao Ambiental. Somos abertos a surpreender-nos pelo inesperado, pelo acontecimento, por novas relaes s permitidas pela perspectiva da fronteira, donde se descortina uma outra viso da mesma paisagem. O vento pode ser o mesmo, "mas toca diferentemente em cada folha" (Meireles, 2000). Haver, ento, uma nova paisagem que nos convidar s novas perspectivas, s novas escolhas. E do novo desenho e do comprometimento fidelidade no caminhar, esta viso implicar responsabilidades axiolgicas derivadas do cuidado, do carinho, das conseqncias coletivas, de nossa escolha individual, para com a constelao histrico-cultural que se tece numa totalidade, como natureza culturalizada na natureza-em-mundo.

Assim, a Educao Ambiental inscreve sua trajetria nesse cosmos, contemplando a identidade individual, como sujeito histrico do processo, tecendo redes coletivas n u m espao social de alteridade e no respeito natureza que poder ter influncias na construo de um mundo melhor. A Educao Ambiental, como projeto de vida, pe-nos tambm "o carter irremedivel da t e m p o r a l i d a d e , da durao" (Merleau-Ponty, 1971: 413). No podemos estar abertos a possibilidades infinitas, sem restringi-las n u m ato de liberdade e de risco. Um ato de liberdade implica o sacrifcio do a b a n d o n o das possibilidades infinitas, e a renncia, o descompromisso do sobrevo, provocando a ancoragem, definitivamente consubstanciada, da liberdade, engajada numa direo, que permita se engolfar apaixonada, perdida e arriscadamente na vida (Passos e Sato, 2001).

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Elementos para pensar nas disciplinas e outras formas que nos atravessam*Walter Ornar Kohan'

ResumoNeste trabalho, propomos colocar em questo os dois termos centrais na proposta da mesa: "interdisciplinaridade" e "transversalidade". Com relao ao primeiro, preciso pensar antes no termo "disciplina" que ele contm. Partimos de sua etimologia latina e das anlises feitas pelo filsofo francs Michel Foucault para mostrar os dispositivos que regulam a produo do saber, as relaes de poder e a constituio das subjetividades nas instituies modernas, entre elas a escola. A escola moderna reflete, de forma nunca fiel, uma sociedade na qual a disciplina constitui o eixo na formao do indivduo. Nesse sentido, afirmamos que propostas que do nfase a conceitos como "inter", "multi", "trans" disciplinaridade, e outros afins, no constituem uma ruptura real perante a escola disciplinar. Uma tal mudana exige pensar uma educao no-disciplinar, num contexto atual caracterizado pela transio das sociedades disciplinares s sociedades de controle (Deleuze, 1995). Finalmente, sugerimos uma forma de entender a transversalidade, a partir da categoria de rizoma (Gallo, 1999), como princpio regulador das relaes de poder-saber, numa educao no-disciplinar.

" Texto apresentado na mesa "Transversalidade e interdisciplinaridade: Dificuldades, avanos, possibilidades" no Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educao, MEC, Braslia, out. 2001. "Professor da Universidade de Braslia, investigador do CNPq. E-mail:

SIMPSIO 1Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidades No sou um especialista em Educao Ambiental. Tampouco a transversalidade e a interdisciplinaridade tm sido foco importante de minhas leituras e investigaes. Vocs estaro se perguntando, ento, o que fao aqui, numa mesa que se prope a discutir os avanos, as dificuldades e as perspectivas da Educao Ambiental como tema transversal. uma boa pergunta e eu a fiz a mim mesmo vrias vezes, antes e depois de haver aceitado esse convite, gentilmente feito por ngela Martins, a quem quero agradecer publicamente. Trabalho na rea de Filosofia da Educao e de ensino da Filosofia. Sou somente algum que l filosofia e pensa e atua na educao. Concebo a filosofia como uma prtica, um exerccio do pensar e isso que tratarei de mostrar-lhes nesta manh: algumas idias para pensar nos dois conceitos que se propem a esta mesa: interdisciplinaridade e transversalidade. De todas as maneiras, vocs sabem que na filosofia muitas perguntas se mantm ainda mais vivas depois de algumas tentativas de respond-las. E isso no necessariamente um problema. Portanto, podemos manter nossas dvidas sobre a pertinncia de minha presena nesta mesa e sobre as questes que estarei lhes expondo. Essa explicao inicial no pretende ser uma desculpa, mas sim uma apresentao que lhes d elementos para contextualizar as idias que lhes proporei. No farei uma avaliao do modo pelo qual a Educao Ambiental como tema transversal est sendo trabalhada pelo MEC, ou nas suas escolas. Tampouco farei uma proposta sobre como deveria ser trabalhada. S vou me dedicar a compartilhar com vocs algumas idias sobre transversalidade e interdisciplinaridade de um ponto de vista que entendo ser filosfico. Espero que essas idias contribuam com seu pensamento e sua prtica. Este o principal sentido que outorgo a minha presena nesta mesa. Uma questo inicial que gostaria de apresentar um estado de coisas que no favorece a pensar nesses termos, dado pelo fato de que, pelo menos na ltima dcada, ho se convertido numa variedade de modismos na educao. Esse campo - tal como outros, embora de forma mais acentuada - sofre o contnuo assalto de concepes, programas e idias que aparentemente resolvero, de uma vez e para sempre, os problemas educacionais. De tempo em tempo, alguns conceitos comeam a ser utilizados cada vez mais insistentemente, at se transformarem em lugarcomum de quase todas as propostas educacionais. o caso de conceitos como democracia, dilogo, cidadania, inovao, autonomia. Todos os discursos educacionais se apropriam, em um dado momento, de terminologias como estas. Tornam-se moda. De tanto usar, de tanto acompanhar finalidades educacionais to diferentes, acabam por perder o sentido exato. A partir dessa dificuldade, vamos propor alguns elementos para pensar em transversalidade e interdisciplinaridade.

Disciplina, escola e modernidadeGostaria de comear pela lembrana de duas teses clssicas do socilogo da educao ingls Basil Bernstein, propostas h mais de uma dcada. Bernstein sugere que os sistemas educacionais tm duas caractersticas importantes: de um lado, alm da ideologia dominante, os princpios e as prticas pedaggicas so impressionantemente uniformes. Esta primeira tese no desconhece as diferenas existentes entre os diversos sistemas educacionais, mas destaca sua assustadora semelhana em contextos polticos e sociais diferenciados (1996:234); a segunda tese que o discurso pedaggico no um discurso especfico, isto , se apropria de outros discursos e os reorganiza visando sua transmisso e sua aquisio seletivas; esse discurso no gera os discursos que veicula (1996:259). Em outras palavras: o que se diz em educao no surge da prpria educao, vem de outros contextos, e sofre, em terreno educacional, adequaes e transformaes. O conceito de disciplina parece-nos adequado para exemplificar essas duas teses de Bernstein. Alm das diferenas culturais, sociais e polticas que fazem com que a disciplina adquira uma forma expressiva especfica, sua funo semelhante nos diversos sistemas educacionais. Por outro lado, o discurso educacional sobre a disciplina - ademais, no s o discurso, mas tambm um conjunto de prticas discursivas e no-discursivas disciplinares - resulta de apro-

priao e adequao de algo que surgiu fora desse contexto. Para explicar melhor essa transposio, vamos pedir ajuda etimologia: a palavra disciplina, de origem latina, mantm os dois sentidos originrios: a) saber (quando nos referimos a "disciplinas", tais como Filosofia, Msica ou Ginstica); b) poder (quando dizemos "disciplina militar"). Em latim, embora se trate de uma etimologia discutida, disciplina parece uma forma abreviada do termo discipulina, de denotao educativa, ligada aprendizagem {disci) da criana {puer), num duplo processo de saber-poder: apresentar determinado saber criana e produzir estratgias para manter a criana nesse saber (Hoskin, 1993: 34). Vamos agora filosofia. O que faz um filsofo, qual sua atividade? A atividade filosfica, disse Deleuze, tem a ver com situar problemas e criar conceitos que ajudem a pensar esses problemas. O conceito de disciplina - pelo menos uma forma de entend-lo - foi criado por Michael Foucault nos anos 1970 para responder pergunta "como funcionam as sociedades modernas?", no sentido de "quais so os mecanismos que regulam, o estatuto e o regime que adquirem as relaes entre o saber e o poder nas sociedades modernas?" A partir do sentido comum do termo, retratado na etimologia sugerida, Foucault far um uso especial do conceito e o aplicar em suas anlises das sociedades modernas, s quais chamou de sociedades disciplinares. Esse nome se deve a que essas sociedades esto estruturadas sobre a base de grandes centros de isolamento - a escola, o quartel, a fbrica, o hospital, a cadeia-, unidades fechadas e auto-suficientes, que disciplinam os indivduos. As instituies das sociedades disciplinares - que, segundo Foucault, se desenvolvem ao longo dos sculos XVII a XIX e alcanam seu apogeu no comeo do sculo XX - cobiam dispositivos de governo dos indivduos que as atravessam, no sentido de que nelas sempre h um "outro" que determina o campo de ao prprio (Foucault, 1983: 221), sempre outro que diz o que se pode fazer (por exemplo, na escola, o professor determina o campo de ao do aluno, o diretor o do professor, o inspetor o do diretor etc). Essas instituies so, ao mesmo tempo, formidveis dispositivos de produo de subjetivi-

dade. Os instrumentos principais do poder disciplinar so a vigilncia hierrquica, a sano normativa e o exame (Foucault, 1976: 175-198). Por meio dessas tcnicas de saber-poder cada uma dessas instituies produz mudanas significativas naqueles que por elas passam: de fato, no somos os mesmos quando deixamos a escola, o hospital ou a cadeia, no s pelos efeitos visveis que essas instituies tm sobre ns, pelos conhecimentos que adquirimos numa escola, pelos curativos que so feitos sobre nosso corpo nos hospitais ou pela perda de pigmentao na pele que sofremos nos presdios, seno, sobretudo, porque nelas transformamos a relao que temos com ns mesmos. O caso da escola especialmente interessante, na medida em que se trata de uma instituio interessada explicitamente na "formao" de seus visitantes; ela se prope no s a ensinar conhecimentos, divulgar saberes e capacidades - habilidades e competncias, dir-se-ia hoje -, seno que busca, mais do que nada, formar pessoas, produzir certo tipo de subjetividades. Por um lado, a escola moderna reflete a sociedade disciplinar: se a escola uma instituio na qual "a disciplina constitui o eixo da formao do indivduo" (Noyola, 2000:113) porque se situa numa sociedade com inspiraes disciplinares. Por outro lado, esse reflexo nunca fiel, no sentido em que o poder disciplinar adquire uma forma especfica e determinada na escola em relao a outras instituies. Assim, para entender a escola moderna, temos de olhar dentro e fora dela. Fora, preciso entender o dispositivo social mais complexo, um conjunto heterogneo, uma rede de discursos, instituies, organizaes arquitetnicas, normas, saberes que tm como funo estratgica, na modernidade, a imposio do poder disciplinar (Foucault, 1979: 244). Dentro, preciso compreender a forma especfica que adquire o poder disciplinar nos diferentes dispositivos pedaggicos. Das formas do poder disciplinar, o exame a tcnica educacional mais clara (Hoskin, 1993:35). Nos ltimos anos, diversos estudos tm mostrado essa dimenso (veja, por exemplo, Da Silva, 1994). Para entender o duplo processo de saber-poder da disciplina nas sociedades modernas, necessrio perceber o crescente processo de espe-

SIMPSIO 1Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanos, possibilidades cializao do saber que deu lugar s disciplinas. Cada vez so mais disciplinas, mais especficas, mais fechadas e independentes, que tm por objetivo diversas dimenses do ser humano, para o que fazem falta mais detentores do saber. Basta ver nossas instituies educacionais, com um nico professor para poucos assuntos nos primeiros anos do Ensino Fundamental e uma variedade exponencial de reas especializadas no Ensino Superior. Algo semelhante acontece na educao. Num nvel macro, o Estado afirma sua poltica educacional com base na avaliao da "qualidade" nos diferentes nveis educacionais. Essas avaliaes hierarquizam, dividem, premiam, castigam, fomentam a competncia e a rivalidade entre as diferentes "empresas" educacionais que, pblicas ou privadas, so tratadas com a mesma lgica empresarial. Deleuze tambm afirma que todos os centros de clausura modernos, entre eles a escola, se encontram numa crise generalizada, e as constantes reformas a que so submetidos no fazem seno prolongar sua agonia (Deleuze, 1995:278). No caso da educao, mais do que de reformas se trata de liquidaes (Deleuze, 1995: 274). A liquidao para um regime de maior controle, em que jogam um papel importante os sistemas de avaliao j citados. O controle contnuo, a comunicao instantnea (Internet, TV Escola) em espaos fisicamente menos diferenciados, mais abertos (educao a distncia). Nossa relao com o tempo muda: se nas sociedades de disciplina sempre se comea outra vez em cada unidade, nas sociedades de controle nada nunca acaba, a formao contnua, permanente, inacabada (Deleuze, 1995:280). Nossa relao com o espao tambm muda, os centros de clausura deixam espao a uma formao que vai a todos os lugares onde estamos - o parque, o cinema, a casa. Pode a escola ser um vetor de formas de poder que no afirmem a disciplina e o controle? Pode sobreviver na escola o poder da diferena? Pode a escola produzir subjetividades mais livres, abertas, indeterminadas, imprevistas, imprevisveis? possvel uma escola no-hierrquica em sua forma de organizao poltica, curricular e espacial? Essas perguntas so imensas e no estamos em condies de respond-las. Contudo, uma educao que no discipline e controle requer um regime de saber-poder radicalmente diferente daquele imperante em nossas escolas. Em termos do saber, necessita um novo regime para a produo e a circulao da verdade dos saberes na escola, com uma nova estrutura para disciplinar o saber. Em termos do poder, precisa abolir um dispositivo baseado na vigilncia, na sano e no exame e proporcionar prticas discursivas e no-

Sobre a transversalidadeQuando se trata de reformas educacionais, o que est em jogo o tipo de poder que se afirma por meio dos dispositivos que so postos em jogo nas diversas dimenses, entre eles a estrutura curricular. Nesse caso, as propostas que do nfase a conceitos tais como "interdisciplinaridade", "transversalidade", "multidisciplinaridade" e vrios outros termos afins, parecem construir-se sobre a base de um elemento comum: a afirmao da disciplina. Segundo o modo como se entenda cada um desses conceitos ser possvel chegar a um resultado parcialmente diferente, mas em todos esses casos se afirma uma base comum, a disciplina, que ser integrada, multiplicada, superada, atravessada, mas que de alguma forma permanece presente na unidade que a integra. Parecem formas, enfim, que mantm, ressignificando, dispositivos disciplinares. possvel a institucionalizao de outras formas de poder? possvel uma escola no-disciplinar? Qual o valor de algumas experincias histricas (por exemplo, Summerhill)? A partir dessas experincias, de que outras formas se exerce o poder pedaggico? factvel esperar uma escola que promova formas de exercer o poder menos hierrquicas, autoritrias e discriminatrias que o poder disciplinar? Que formas de poder desejaramos que imperassem nas "nossas" escolas? Faz poucos anos, o filsofo francs Deleuze afirmava que as sociedades disciplinares, aquelas baseadas na disciplina, tm deixado espao s sociedades de controle (1995: 273). Deleuze oferece como exemplo a empresa substituindo a fbrica. As empresas se regulam, entre si e internamente, por uma lgica da competncia e da rivalidade como estmulos ao progresso.

discursivas horizontais, no hegemnicas, proporcionadoras de diferena. Em termos de subjetividade, requer que se deixe de produzir sujeitos dceis, obedientes e fiis consumidores para proporcionar sujeitos imprevisveis, resistentes, que pensam o impensvel. Vamos exemplificar essas idias com o meio ambiente. Os problemas do meio ambiente no so questes de um mbito de saber especfico. uma rea atravessada por saberes - daremos somente alguns exemplos, entre outros - que tradicionalmente chamaramos de geogrficos, biolgicos, fsicos, filosficos, polticos. Como tratar os problemas ambientais? Em termos do saber, como questes complexas, multifacetadas, com diversidade de regime, estatuto e legitimao, cuja verdade no est ligada necessariamente a sua cientificidade; pode ser constituda no interior da escola, pelos sujeitos sabedores que a habitam. Em termos do poder, afirmando relaes transversais, problemticas, mltiplas, tanto entre si quanto com o meio ambiente. Em termos de subjetividade, contribuindo para que alunos e professores problematizem as formas dominantes de relao com o meio ambiente (incluindo a prpria) e os discursos imperantes ao seu redor. Entre ns, Slvio Gallo (1999) props idias interessantes para pensar uma educao transversal, no-disciplinar, a partir da categoria "rizoma", tirada de Deleuze e F. Guattari. A transversalidade aparece nessa proposta como princpio regulador do poder-saber. No caso do poder, afirma relaes coletivas e no-hierrquicas. Em relao ao saber, a matriz de um paradigma rizomtico, sem hierarquias, com fluxos contnuos e mltiplos (Gallo, 1999:32-33). Nesse paradigma, como as inumerveis linhas do rizoma, os saberes se entrelaam de forma complexa a partir de seis princpios (Gallo, 1999: 31-32): 1. conexo (qualquer ponto do rizoma pode estar conectado com qualquer outro); 2. heterogeneidade (as conexes so sempre "outras"); 3. multiplicidade (o rizoma irredutivelmente mltiplo; no pode ser reduzido a uma unidade);

4. ruptura a-significante (o rizoma um territrio sempre sujeito a linhas de fuga, uma cartografia a ser sempre traada, toda vez); 5. cartografia (um rizoma pode ser acessado de infinitos pontos e remeter a vrios outros no seu interior); 6. decalcomania (a novidade no decalcar o mapa, mas colocar o mapa sobre suas cpias, possibilitando novos territrios). Segundo Gallo, "assumir a transversalidade transitar pelo territrio do saber como as sinapses viajam pelos neurnios no nosso crebro, uma viagem aparentemente catica que constri seu(s) sentido(s) medida que desenvolvemos sua equao fractal" (1999: 33). Nesse sentido, afirmar a transversalidade significa valorar o incerto sobre a certeza, a diferena sobre a mesmidade, a multiplicidade sobre a unidade, num sentido poltico e epistemolgico. Creio difcil poder pensar a educao em meio ambiente, suas dificuldades, seus avanos e possibilidades, sem pr em questo os valores que suporta nossa aposta pedaggica. Sentir-me-ei vontade se nesta conversa tiverem encontrado algum elemento que lhes permita pensar esses valores e sua relao com eles.

BibliografiaBERNSTEIN, Basil. A estruturao do discurso pedaggico. Petrpolis: Vozes, 1996. DA SILVA, Tomaz Tadeu. O sujeito da educao. Estudos foucaultianos. Petrpolis, RJ: Vozes, 1994. DELEUZE, Gilles. Conversaciones. Valencia: Pre-textos, 1995. FOUCAULT, Michel. Vigilar y castigar. Mxico: Siglo XXI. 1976. Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal,

1979.The subject and the power. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault. Beyond estructuralism and hermeneutics. Chicago: The University of Chicago Press, 1983. p. 208-26. GALLO, Slvio. Transversalidade e educao: pensando uma educao no-disciplinar. In: ALVES, Nilda; GARCA, Regina (Orgs.). O sentido da escola. Rio de Janeiro, 1999. p. 17-41. HOSKIN, Keith. Foucault a examen. In: BALL, Stephen (Org.). Foucault y Ia educacin. Madrid: Morata, 1993. NOYOLA, Gabriela. Modernidad, disciplina y educacin. Mxico: Universidad Pedaggica Nacional, 2000.

SIMPSIO 2

QUESTES AMBIENTAIS E O PAPEL DA ESCOLALeila Chalub Martins Jos Manoel Martins Jaime Tadeu Oliva

Cuidar, cuidar-se: discutindo questes e o papel da escolaLeita Chalub Martins" Um livro muito instigante, que merece ser lido por todos os educadores, O buraco branco no tempo, escrito por Peter Russel (1997).1 O livro nos leva a ter, cada vez mais, a certeza de que nunca houve, na Terra, outra espcie capaz de modificar o mundo como temos feito. Nunca tanto foi possvel. E nunca tanto correu tanto risco. Estamos vivendo tempos de grandes mudanas, mas no apenas isso. O prprio ritmo das mudanas tem se acelerado crescentemente. Essa acelerao no um padro do sculo passado, mas um padro que percorre toda a histria do planeta. Se ns tentssemos reconstruir a histria da vida no planeta, iramos verificar que foram necessrios bilhes de anos nesse processo e que o homem somente vai surgir muitssimo recentemente. A histria da humanidade, ento, brevssima se comparada a todo processo de evoluo biolgica necessrio ao surgimento do Homo erectus. Uma concluso a que o livro nos leva que onde quer que estejamos indo, estamos indo muito rpido. Para ficarmos com um exemplo, a interligao da humanidade comeou com o surgimento da linguagem, h 50 mil anos, e hoje experimentamos a transmisso da informao na velocidade da luz, constituindo uma teia de comunicao crescente e envolvente capaz de abranger os 6 bilhes de seres humanos do planeta. espantoso como em to curto espao de tempo foi possvel humanidade acumular tanto conhecimento! Com muita habilidade e criatividade, temos investido muito na perspectiva de evitar o sofrimento humano e prolongar a vida. Mas no podemos negar os efeitos colaterais decorrentes: a exploso populacional que experimentamos por si s uma ameaa sobrevivncia coletiva. Alm disso, somos obrigados a investir em maior produo e aumentamos tambm, de modo surpreendente, o consumo. Do consumo excessivo resulta desperdcio e poluio. Uma olhada criteriosa pelo planeta (ver a respeito Brown, 2001) vai nos indicar que, a cada ano, a situao se agrava: alm do crescimento populacional contnuo, o desaparecimento de florestas, a eroso do solo, a pesca se esgotando, nvel do mar subindo, o aquecimento crescente do planeta... A viso crtica desse momento nos permite compreender que no mais basta apenas tentarmos reduzir nosso consumo. Mais que isso, preciso questionar como produzimos o que consumimos. Esse de fato o enfrentamento que precisamos ter nesse momento e, criativamente, buscar uma produo ambientalmente sustentvel, usando matria-prima reciclvel, por exemplo. esse o grande e decisivo momento em que possvel mudar. Temos conscincia da gravidade da situao ambiental e recursos para empreender a mudana. Precisamos, como diz Russel, proceder a uma mudana de conscincia, pois a origem de todos os problemas est no pensamento, em atitudes e valores que confirmam a nossa pretenso de sermos bons manipuladores e controladores do mundo. Mais que isso: temos um enorme apego material, consumimos mais do que precisamos e, com medo de que as coisas no aconteam como queremos, estamos sempre voltados para o futuro, perdendo a experincia do agora. Estar preocupado sempre com o futuro destri nossos relacionamentos: julgamos o outro a partir de sua disposio de aceitar o mundo tal

Educadora e antroploga social, professora da Faculdade de Educao da Universidade de Brasilia. ' H tambm o video com o mesmo nome. produzido pela EMA Vdeo para a televiso - Estao Cincia, da Rede Globo de Televiso -. com a traduo de Lus Eduardo Tavares.

SIMPSIO 2Questes ambientais e o papel da escola como o queremos e, politicamente, o qualificamos de digno ou indigno, de certo ou errado. Jamais aceitamos que o outro seja diferente e em busca da sua paz de esprito. Com medo de que o mundo possa no ser como queremos, somos sempre resistentes s mudanas. Por isso, gastamos em armas os recursos que poderiam assegurar a nossa sobrevivncia coletiva. Estamos sempre resistindo a mudanas com receio de que estas possam colocar em risco nossos interesses. o nosso interesse que subjuga nossa conscincia, e no somos capazes de compreender o risco de destruio iminente. Acumulamos muito conhecimento sobre o mundo em que vivemos, sobre o espao, sobre a estrutura da matria. Mas muito pouco sabemos sobre as nossas mentes. Explorar e desenvolver a mente humana , segundo Russel, o prximo passo da evoluo. Uma evoluo da conscincia, que nada requer de mudana no mundo externo, pois uma mudana de percepo. Implica vencer o aprisionamento do nosso ser interior. com a inspirao e a provocao das idias de Russel que gostaria de construir a aproximao entre o meio ambiente e a escola. O que necessrio, sob o ponto de vista da formao das futuras geraes, para que a humanidade possa dar esse salto, no sentido de expanso da sua conscincia, e promover a mudana de que o mundo precisa para assegurar a continuidade da vida? Com certeza, a resposta a essa questo no pode mais ser no sentido de confirmar a escola como lugar de acesso informao. H muito a escola deixou de ser o meio mais adequado - se que j foi um dia - para que seus alunos possam se apropriar do conhecimento acumulado pela humanidade. Em razo de compreend-la com esse reducionismo que hoje existe um movimento em defesa do direito de se educar dentro de casa, independente da escola, portanto. Gostaria de sugerir uma proposta de Educao Ambiental centrada no cuidar e cuidar-se. Como sabemos, a idia de cuidar remete-nos de cogitar, imaginar, pensar, do latim cogitare. , tambm, antecipar, no sentido de imaginar o vir-a-ser, ou seja, de construir uma utopia. Cuidar pressupe, assim, um entendimento no sentido de identificao do esforo necessrio para se construir o que se imagina, o que se cogita. Da ser usado, por extenso, com o sentido de dar ateno, tratar de. tambm com todo esse sentido que se aplica o cuidar-se. Quando o objeto da ateno, do pensamento, da construo utpica no outro seno ns mesmos: nossos corpos, nossas mentes, nosso eu. Acho interessante partir da idia de cuidar, porque ela nos permite avanar no sentido da complexidade requerida pela educao no mundo atual. Cuidar, como pensar, assim um ato do esprito; pressupe o uso de faculdades criativas; aproxima-se assim do criar. Ora, quando se fala de cuidar, cuidar-se, estamos nos referindo, em ltima instncia, ao que Vida. Vida, nossa vida, qualquer forma de vida, condies para a vida. Falar de vida , muitas vezes, falar de tudo o que precisamos para melhor nos compreender no mundo, e com o mundo, mas no tivemos ainda a oportunidade de aprender. Aqui cabe a compreenso de que se o melhor exemplo do milagre da vida somos ns mesmos, e da permanente surpresa que essa constatao provoca, no se trata de um conhecimento novo, mas de um re-conhecimento. Reconhecer significa voltar ao conhecer; revisitar o conhecido para renov-lo; recomp-lo, integr-lo. Mas de que reconhecimento estamos falando? De todo o conhecimento que, como aprendemos dos povos das nossas florestas, contribui para que possamos nos perceber "um ser uno com a natureza interna de si. Que tudo se desdobra de uma fonte nica que forma uma trama sagrada de relaes, de modo que tudo est ligado a tudo. Homens, rvores, serra, rios so um corpo, com aes interdependentes" (lecup, 1998). Assim, preciso que a escola permita aos seus alunos a experincia de se perceberem como a primeira poro da natureza ao seu alcance. Somos nossos corpos e estes nada so alm de parte da natureza. Partindo dessa vivncia intensa, cabe escola proporcionar aos alunos a sua compreenso de outro nvel de ser: um ser cultural, alm de fsico e biolgico. Os nveis de ser distinguem-se por qualidades pro-

fundas e misteriosas: vida, conscincia e autoconscincia. Os seres humanos so as nicas criaturas que possuem, percebem e apreciam todas essas qualidades, o que lhes d uma responsabilidade especial quanto proteo de todos esses nveis. Alm disso, ou, mais precisamente, integrado a isso, cabe escola permitir que seus alunos aprendam que possvel complementar a anlise racional com a anlise no-racional ou supraracional, por meio da intuio, da percepo, da profunda familiaridade, do respeito e da compaixo. Talvez seja melhor procurarmos compreender a complexidade da Educao Ambiental a partir de um caso concreto. Vamos a ele.2

Uma pedra no caminho ou uma fbrica de sonhos coletivos?Maria do Carmo uma professora do Ensino Fundamental. Leciona em uma escola da periferia de uma grande cidade. Sua escola, como tudo o mais que existia a sua volta, era sistematicamente vandalizada pelas pessoas do lugar, sobretudo por pichadores, desocupados, gente que no se reconhecia naquele espao escolar. Na verdade, o prdio escolar parecia mais um estorvo dinmica de ir e vir da populao local. Tanto assim que sua cerca de alambrado foi cortada em vrios lugares para permitir que as pessoas pudessem "cortar caminho", na sua nsia de chegar mais rpido a algum lugar... Alunos, a escola quase no tinha mais. Uns poucos ainda insistiam na matrcula, embora tambm ajudassem no processo aparentemente inexorvel de destruir aquele espao: cadeiras danificadas, vidros quebrados, portas sem maanetas, quadros destrudos, lixo por todo o lado... Quadro desolador para quem, por obrigao profissional, tinha de estar ali todos os dias, procurando dar sentido a tudo o que aprendera na escola Normal; construindo um processo educativo, educando os alunos... In-

suportvel, porm, era relao que Maria do Carmo mantinha com tudo e com todos: exigncia por parte da direo da escola, intrigas e desavenas com seus colegas, intolerncia e desrespeito por parte dos alunos, pr-adolescentes, indiferena por parte das famlias e da comunidade. Por pouco Maria do Carmo se convenceu de que ter escolhido o magistrio fora um erro. Justo ela que sempre acreditou que se realizaria como educadora, que se sentia vocacionada para a profisso, apesar do salrio, do descaso do poder pblico, das dificuldades inerentes ao processo, apesar de tudo... Maria do Carmo, j cansada e irritada por se sentir impotente diante daquela situao, estava prestes a desistir. Tinha tomado a deciso de "dar suas aulas; quem quisesse aproveitar, que a acompanhasse..." Com tal resoluo, sentou-se prximo ao balco da cantina, enquanto aguardava o horrio de entrar em sala. No pde, ento, deixar de ouvir o seguinte dilogo:- Por que voc vem com uma camisa sobre a camiseta da escola? Voc no fica com calor? - Claro que fico! Mas voc acha que eu vou deixar os outros verem que eu estudo aqui? Deus me livre!

Aquele dilogo incomodou Maria do Carmo: apesar de todo o seu esforo, tambm os alunos sofriam por estar ali; mais que isto, tinham vergonha de serem identificados com aquela escola. Tomou ento uma deciso: cercou-se de muitos alunos e organizou uma "assemblia de estudantes". Queria que todos tivessem a oportunidade de dizer o que sentiam em relao escola, seus professores, seus mtodos. Queria entender um pouco mais o que se passava ali. De posse das reivindicaes dos alunos, suas observaes e reclamaes, organizou um amplo debate com toda a comunidade escolar: professores, servidores, alunos, direo e at mesmo algumas mes que ficavam todos os dias paradas no porto da escola, sem permisso para entrar. Exps, com a ajuda de alguns alunos, tudo o que resultar da assemblia dos estudantes. Momento difcil, pois cada um queria falar da sua

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Embora os nomes e fatos sejam fictcios, o relato baseia-se na histria da Escola Classe 39 de Taguatinga, Distrito Federal.

SIMPSIO 2Questes ambientais e o papel da escola

indignao e de como se considerava isento de qualquer responsabilidade sobre aquela triste realidade. Novos encontros foram ento organizados, de modo que se esgotassem todas as queixas e as pessoas se dispusessem a colaborar na busca de solues para os problemas identificados. De incio, a ateno se concentrou no aspecto fsico do prdio: reposio dos vidros, conserto da cerca, limpeza da rea interna e externa ao prdio, pintura, colocao de quadros e plantas, cuidado do jardim e at a organizao de uma horta escolar. Em seguida, vieram os aspectos relacionados ao fazer em sala de aula. Como levar para a sala de aula aquele processo que comeava a mobilizar com grande entusiasmo toda a comunidade escolar: alunos, professores, servidores, direo e familiares dos alunos? "Uma escola como aquela, que aprendeu uma nova dinmica, no pode ser tradicional no seu fazer pedaggico", todos eram unnimes em dizer. O corpo de professores, apoiado pela direo, foi em busca de sua capacitao para concretizar uma nova proposta pedaggica, comprometida com uma nova qualidade e com a democratizao do acesso e da gesto escolar. Uma lio que Maria do Carmo tirou desse processo foi que bastou um ato seu no sentido de questionar a realidade presente, de ver alm do vidro embaado da indiferena, para encontrar uma quantidade enorme de pessoas afinadas com o seu propsito. Entre os alunos, professores e toda a comunidade escolar, vrias eram as pessoas dispostas a romper com a inrcia da situao anterior e comprometidas na construo do novo projeto pedaggico. Mais que isso, pde perceber tambm o quanto contagiante uma proposta de mudana construda participativamente: mais e mais surgiam colaboradores e adeptos da idia de transformar aquela realidade. Outra lio, porm, no tardou a ser tirada: passado o momento inicial de mobilizao, em que as pessoas manifestam suas insatisfaes e se organizam para agir coletivamente, preciso que se tenha clareza, tambm coletivamente, do que se pretende construir, o que esse novo que se pretende em educao. Ora, todos ns sabemos que educar pressupe antecipar. No exis-

te processo educativo que no seja intencional: quem educa, necessariamente, pretende obter resultados. O que ns, educadores, muitas vezes no temos claro quais so os resultados substantivos que estamos ajudando a gerar. Em um primeiro momento, o antecipar educativo poderia se identificar com o projeto de reconstruo do espao fsico da escola. Este estando resolvido, pode-se pensar a antecipao em termos de engajamento dos demais professores no processo, ou da extenso deste comunidade mais prxima da escola. Mas o antecipar educativo no se esgota a: pode e deve implicar o desejo de ver os alunos bem formados e autnomos para tomar suas decises, contribuindo para a construo do bem comum. No seria isso o exerccio consciente da cidadania de que tanto se fala? Ento, a intencionalidade da educao pressupe planejamento, a conduo competente do processo educativo e a sua avaliao. Os protagonistas da nossa histria compreenderam, portanto, que era necessrio empreender o esforo de construo do plano pedaggico da escola, de modo coerente com o processo j em curso. Um primeiro desnimo se instalou no grupo:- Quem sabe fazer esse tal de plano pedaggico? Seria necessrio chamar um especialista, um tcnico da Secretaria de Educao? Quem, afinal, tem autoridade e competncia para definir o que vamos desenvolver na escola?

O embarao somente durou at que algum dissesse, com voz clara e segura:- Ningum mais do que ns, professores, alunos e comunidade escolar, sabe o que devemos fazer nesta escola. Se desejamos ajudar no processo de formao de adultos com autonomia, como no vamos nos perceber tambm como autnomos para construir o nosso caminho? Temos acesso franco ao conhecimento, nada nos impede de buscar os recursos e