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Presidente da República Fernando Henrique Cardoso

Ministro de Estado da Educação e do Desporto Paulo Renato Souza

Secretária Executiva (interina) Gilda Figueiredo Portugal Gouvea

Secretária de Educação Fundamental Iara Glória Areias Prado

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CADERNOS EDUCAÇÃO BÁSICA

SÉRIE

Atualidades 'Pedagógicas

Volume 10

Buscando uma melhor qualidade para nossas escolas

Sylvia Schmelkes

Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental

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© 1994, Ministério da Educação e do Desporto

Autora Sylvia Schmelkes

Ilustração capa Riva Berstein

Tradução Luz Maria Goytisolo Pires da Silva Joaquim Ozório da Silva

Impressão: Gráfica Valci

Revisores: Heliane Morais Nascimento Nilce Macedo Morgado

ORGANIZAÇÃO E EDIÇÃO • Célio da Cunha • Nabiha Gebrim de Souza • Solange Maria de Fátima Gomes Paiva Castro • Anna Maria Lamberti • Maria Maura Mattos

Ficha Catalográfíca

B823b Schmelkes, Sylvia. Buscando uma melhor qualidade para nossas escolas Brasília: MEC/SEF, 1994.

100p

1: Política da Educação. 2. Qualidade da Educação. 1. Título

CDV: 37.014

Esta publicação foi realizada dentro do acordo MEC/UNESCO

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CADERNOS EDUCAÇÃO BÁSICA

SÉRIE

Atualidades Pedagógicas

Volume 10

Buscando uma melhor qualidade para nossas escolas

Sylvia Schmelkes

MEC / UNESCO

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Organização dos Estados Americanos - OEA

Secretário Geral João Clemente Baena Soares

Secretário Geral Adjunto Christopher R. Thomas

Diretor do Departamento de Assuntos Culturais a cargo da Secretaria Executiva para Educação, Ciência e Cultura

Juan Carlos Torchia-Estrada

Departamento de Assuntos Educacionais

Diretor Getúlio P. Carvalho

Chefe de Programação Jorge D. Garcia

Coordenador Regional do Projeto Multinacional de Educação Básica - PRODEBAS Leonel Zuniga A/.

Coordenadora Regional do Projeto Multinacional de Educação para o Trabalho - PMET Beatrice Edwards

Coordenador Regional do Projeto Multinacional de Educação Média e Superior - PROMESUP Antônio Octávio Cintra

Coordenador Regional de Sistemas de Informação e Publicações - SIP Carlos E Paldao

Coordenador Regional de Projetos Especiais Arturo Garzôn

Esta publicação integra a coleção INTERAMER da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. As idéias, afirmações e opiniões expressas não são necessariamente as da OEA nem de seus Estados-Membros. A responsabilidade das mesmas compete a seus autores. Correspondências devem ser dirigidas ao Centro Editorial, La Educación, Departamento de Assuntos Educacionais, 1889 "F" Street, N. W., 2o

Piso, Washington, D.C, 20006, U.S.A.

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SUMÁRIO

Apresentação

Prólogo ....................................................................................................... 11

Introdução.................................................................................................. 13

Capítulo I A qualidade educativa orienta-se para fora ............................................. 17

Capítulo II A qualidade começa com o reconhecimento de que existem problemas... 27

Capítulo III A qualidade no centro escolar e em seu contexto .................................... 37

Capítulo IV A qualidade está no processo .................................................................. 41

Capítulo V A qualidade depende de todos os que participam do processo................. 45

Capítulo VI A qualidade exige liderança.................................................................... 53

Capítulo VII A qualidade leva ao aprimoramento contínuo das pessoas envolvidas .... 61

Capítulo VIII O planejamento e a avaliação para atingir a qualidade ............................ 71

Capítulo IX A qualidade necessita de participação da comunidade ............................ 81

Capítulo X Algumas implicações da qualidade ......................................................... 93

Conclusão A qualidade é um assunto sobre o qual se deve prestar contas................. 99

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APRESENTAÇÃO

Melhorar a qualidade da educação básica constitui o grande desafio lançado pelo Plano Decenal de Educação para Todos. Mas, o que entender por melhoria da qualidade? Como obter indicadores seguros sobre os resultados das políticas que estão sendo postas em prática? Como compatibilizar uma política de combate à repetência com a indispensável elevação dos padrões de qualidade? Essas são apenas algumas questões que têm preocupado o Ministério da Educação e do Desporto, tendo em vista a necessidade de alcançar maior clareza e precisão no entendimento público do conceito de qualidade.

Muitas críticas têm sido veiculadas sobre a qualidade da educação básica. como se a escola fosse a única responsável por todos os problemas sociais e econômicos que o país enfrenta. E, quase sempre, são críticas formuladas a partir de uma visão parcial da questão, deixando de considerar aspectos e dimensões importantes do conceito de qualidade implícito nas metas do Plano Decenal.

Ao surgir a oportunidade de publicar, no Brasil, o livro da educadora mexicana Sylvia Schmelkes "Buscando uma Melhor Qualidade para nossas Escolas", editado pela OEA, o Ministério da Educação e do Desporto não teve dúvidas em providenciar uma edição da obra em língua portuguesa, com o objetivo de acrescentar, ao debate que se instalou no Brasil sobre a qualidade da educação básica, uma contribuição importante e atual.

O trabalho de Sylvia Schmelkes. partindo de alguns pressupostos da filosofia da qualidade total, que tem sido objeto de amplas discussões e iniciativas no âmbito dos setores produtivos, indica caminhos e metodologias para melhorar a qualidade da educação básica, mediante um novo posicionamento da escola como comunidade educativa, envolvendo os professores, os dirigentes, a família e a comunidade, com vistas à tarefa maior dos sistemas educativos, que é "a de formar seres humanos de qualidade".

A virtude essencial desse trabalho é a de que ele, embora considerando os pressupostos básicos da qualidade total, aplica-os ao contexto da especificidade da escola, que é uma instituição educativa, que deverá sempre ter o objetivo de formar

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cidadãos conscientes e críticos, tendo em vista a necessidade tanto maior quanto mais avançam a ciência e a tecnologia capazes de. simultaneamente, trabalharem a harmonia entre a arte e a técnica.

Célio da Cunha Diretor do Departamento de Políticas Educacionais

DPE/SEF/MEC

Em 1992, como parte das atividades que o México realiza no Projeto Multinacional de Educação Média e Superior - PROMESUP, sob os auspícios do Programa Regional de Desenvolvimento Educacional - PREDE. foi publicado o livro "Desenvolvimento social e educação. Buscando uma melhor qualidade para nossas escolas". O volume apresentava os resultados de um estudo realizado pela investigadora Sylvia Schmelkes, no âmbito de atividades ligadas ao "Desenvolvimento Institucional de Pessoal Diretivo e das Inovações Curriculares em Centros de Formação e Aperfeiçoamento Docente para a Educação Média e Superior", realizado pela Direção Geral de Educação Tecnológica Agropecuária da Secretaria de Educação Pública daquele país. Foi uma edição limitada, com a finalidade de salientar diferentes aspectos conceituais e operacionais sobre o assunto. A publicação teve uma acolhida tão favorável, que a tiragem inicial se esgotou. Paralelamente, a Direção do Departamento de Assuntos Educacionais da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos começou a receber pedidos provenientes de vários países da região, que desejavam conhecer o trabalho. A razão é simples: o tema da "qualidade em educação" interessa a todos os graus e modalidades educativas formais ou não formais, não somente no plano regional, mas também internacional. Em vista disto, o Departamento de Assuntos Educacionais tem a satisfação de apresentar ao público de idioma hispânico esta segunda edição revisada, para responder ao interesse despertado.

No âmbito do desen volvimento organizacional, principalmente dentro do contexto empresarial, o tratamento dos vínculos entre educação e qualidade foram destacados pelos profissionais e acadêmicos que propuseram alternativas para a modernização dos modelos gerenciais. As propostas formuladas neste campo puseram em relevo diversas estratégias vinculadas ao conceito de qualidade total, destacando, com freqüência, a necessidade de entender o aprimoramento da qualidade dos processos produtivos como uma tarefa de conteúdo educativo.

As propostas características das novas formas de gerência dos sistemas produtivos têm importantes implicações na forma de pensar e executar os serviços

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públicos. É possível constatar que, à luz destas propostas, surgiram divagas iniciativas para repensar ou "reinventar" a ação governamental. No entanto, é possível observai também que, em determinados setores do serviço público, existe uma significativa ausência de reflexão sobre as implicações dos novos modelos gerenciais e, em particular, dos conceitos associados com a chamada qualidade total.

A carência assinalada é especialmente significativa no campo educacional, já que. em diversos foro, foi identificada, reiteradamente, a necessidade de aprimorar a qualidade da educação. Sem dúvida alguma, o trabalho de Sylvia Schmelkes revela um esforço abrangente para resolver esta carência. Pressupõe, por conseguinte, um enfoque renovado da reflexão sobre a teoria e a prática do fortalecimento da qualidade dos serviços educativos.

Faz-se necessário destacar, em particular, que esta nova obra de Sylvia Schmelkes estabelece nexos significativos entre componentes centrais do conceito de qualidade total e diversos aspectos da gestão dos processos educativos no contexto escolar. Seu conteúdo explora-os com cuidado e relaciona-os com aspectos tais como o enfoque na solução de problemas específicos, a participação comunitária e o trabalho em equipe, a estruturação dos serviços em torno das necessidades, interesses e demandas dos beneficiários, o desenvolvimento da liderança e a sustentação dos esforços de aprimoramento contínuo dos processos e resultados da aprendizagem.

É possível prever que, em virtude de sua forma de apresentação e estruturação, o conteúdo deste trabalho mostrará um notável potencial didático que. com certeza, será de especial utilidade para professores e diretores de instituições educacionais, sobretudo, ainda que não de forma excludente, dentro do nivel da educação básica. O texto foi revisado e a ele foram acrescentadas algumas mudanças, tendo-se em conta o público de nossa região. Para diferenciá-lo da primeira edição, após consulta à autora, adotamos o titulo do presente volume.

Com certeza, esta nova contribuição da Secretaria de Educação Pública do México e de Sylvia Schmelkes será significativa no apoio aos esforços de aprimoramento da qualidade, efetuados pelas instituições educativas dos Estados Membros da OEA.

Antônio O. Cintra Coordenador Regional do PROMESUP

Leonel Zúniga Coordenador Regional do PRODEBAS

Washington D.e. EE.UU. 1994

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PRÓLOGO

O Programa Regional de Desenvolvimento Educacional - PREDE. da Organização dos Estados Americanos, conta, para o sexênio 1990-1995, com três projetos multinacionais, um dos quais e o Projeto Multinacional de Educação Média e Superior - PROMESUP, do qual participam 13 instituições de 11 países da Região.

A função mais importante do PROMESUP diz respeito à realização de estudos e pesquisas, gestão e avaliação de instituições de ensino superior e à formação e habilitação de docentes para o serviço dos outros níveis do sistema educativo, centralizando-se ambas as tarefas, em quatro áreas: I. Gestão e Avaliação Institucional de Universidades; 2. Formação e Aperfeiçoamento de Diretores para a Educação Básica e Média; 3. Tecnologia e Educação à Distância; 4. Educação Superior e Desenvolvimento Amazônico.

Em cada área participam, pelo menos, três países e existe uma coordenação geral, cujo trabalho é articular e organizar ações e diminuir a possibilidade de criar compartimentos estanques dentro do Projeto.

Dentro do contexto anterior, ficou estabelecido o Projeto "Desenvolvimento Institucional do Pessoal da Direção e das Inovações Curriculares em Centros de Formação e Aperfeiçoamento Docente para a Educação Média e Superior". Sua execução foi recomendada à Direção Geral de Educação Tecnológica Agropecuária da Secretaria de Educação Pública do México, cujo objetivo é contribuir para o aprimoramento da função diretiva em instituições de educação básica, média e superior, a fim de aperfeiçoar e tornar mais eficiente seu desenvolvimento institucional e ter um melhor impacto na solução dos grandes desafios, sobretudo o ambiental.

Dentro da linha de inovações curriculares para a formação de dirigentes foi elaborado este estudo, intitulado "Buscando melhor qualidade nas nossas escolas", onde a autora analisa o problema da educação na nossa Região, caracterizando uma situação na qual se atingiu um importante crescimento quantitativo, ao ampliar-se a cobertura dos sistemas educativos, mas às expensas da diminuição de sua eficiência. qualidade e eqüidade.

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Em decorrência disso, a preocupação com a qualidade é um dos sinais dos tempos, principalmente a qualidade que se refere ao ser humano. E a missão da educação é justamente essa: criar seres humanos de qualidade.

A Dra. Schmelkes, partindo da convicção de que o grande salto em busca da qualidade somente pode ser dado nas próprias escolas, pelas pessoas que nelas trabalham, com base nas relações que estabeleçam entre si, com os estudantes e com a comunidade à qual oferecem seus serviços, e que, portanto, as medidas políticas educativas, concebidas de forma centralizada, já não bastam, propõe uma maneira de tornar melhores nossas escolas, baseando-se na filosofia da qualidade total, que revolucionou a qualidade da produção e dos serviços de empresas e organizações no mundo inteiro.

O grande valor deste livro está. justamente, na simplicidade com que são expostas as novas formas de organização e gestão das ações educativas, não como receitas ou panacéias, mas como possibilidades reais de atingir, em todas e em cada uma das escolas, a qualidade educacional desejada por todos e tao necessária em um mundo competitivo como o atual.

Assim diz a autora: "este texto é um convite a conhecermos a forma pela qual isto pode se tornar possível".

M.C.Juan E. Grajeda Gómez Coordenador do PROMESUP no México

Direção Geral de Educação Tecnológica e Agropecuária - DGETA Subsecretária de Educação e Investigação Tecnológica - SEIT

Secretaria de Educação Pública - SEP México, 1992

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INTRODUÇÃO

COMO ENTENDER A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

Este livro destina-se aos responsáveis pela qualidade da educação nas nossas escolas de educação básica: os diretores e os professores.

Partimos da convicção de que o grande salto para frente, na qualidade da educação básica, somente poderá vir das próprias escolas. Sem negar a necessidade de reformas profundas no sistema educacional global, a verdadeira mudança de nossa educação, a mudança qualitativa, e assunto de cada escola, das pessoas que nela trabalham e das relações que elas estabeleçam entre si, com os alunos e com a comunidade à qual servem.

A preocupação com a qualidade é, talvez, o que melhor caracteriza nossos tempos. A qualidade de vida é uma aspiração legítima de todo ser humano. Isto depende, primordialmente, da qualidade do nosso dia-a-dia e, em última análise, da qualidade dos seres humanos. A riqueza de uma nação depende de sua gente. E a função da educação é criar seres humanos de qualidade.

O sistema educacional nos nossos países progrediu, de forma considerável, na sua capacidade de ampliar a cobertura do sistema, de assegurar a oferta de escolas, aulas e professores. Com isto. aumentou a matrícula, diminuiu o analfabetismo, aumentou a média de escolaridade da população da América Latina.

No entanto, isso foi alcançado sem os correspondentes progressos no terreno dos conteúdos aprendidos na escola e com grandes desigualdades entre países e entre regiões no interior dos países. A crise dos anos 80. com a conseqüente diminuição real dos recursos destinados à educação, provocou uma dinâmica, na qual, ainda que quantitativamente o sistema educacional se mantenha e inclusive cresça, qualitativamente a educação se deteriora. Sc esse processo continuar, o sistema educacional estará longe de cumprir sua tarefa: a de formar seres humanos de qualidade.

Estes resultados levaram a colocar a necessidade de analisar o problema de outro modo. Não é possível continuar trabalhando na mesma perspectiva, se

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queremos combater o problema da qualidade deficiente da educação em nossas escolas. Um trabalho elaborado em conjunto pela Comissão Econômica para América Latina - CEPAL e a United Nations Education, Science and Culture Organization - UNESCO assinala o seguinte, sobre o assunto:

Chegamos ao término de um processo educacional, pelo qual foram obtidos abundantes progressos quantitativos, às custas de menosprezar a eficiência, a qualidade e a eqüidade. Passar deste sistema a outro que privilegie a qualidade e sua efetiva difusão a todos os níveis da sociedade, bem como as sinergias entre os diferentes processos de difusão e de geração do conhecimento, e entre eles a economia, constitui a grande tarefa da América Latina para o próximo decênio.1

A qualidade que estamos buscando como resultado da educação básica deve ser entendida claramente como a capacidade de proporcionar aos alunos o domínio dos códigos culturais básicos, as habilidades para a participação democrática e cidadã, o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas e de continuar aprendendo, e a formação de valores e atitudes que estejam de acordo com uma sociedade que deseja uma vida de qualidade para todos os seus habitantes. Tal como ficou estabelecido na Declaração Mundial de Educação para Todos, subscrita por nossos países:

Toda pessoa - criança, jovem ou adulto - deverá poder contar com possibilidades educativas, a fim de satisfazer suas necessidades de aprendizagem básica. Estas necessidades abrangem tanto as ferramentas essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problcmas),como os próprios conteúdos da aprendizagem básica (conhecimentos teóricos e práticos, valores e atitudes) necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas capacidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, aprimorar a qualidade de suas vidas, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo...2

Não podemos pretender alcançar o que foi dito acima, exclusivamente através de medidas de política educativa, concebidas de forma centralizada, padronizadas e uniformes para todas as escolas. A história do desenvolvimento e

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expansão da educação primária, nas últimas décadas, demonstrou que estas medidas, apesar de darem impulso ao crescimento do sistema, não são capazes de assegurar a qualidade de forma equitativa, nas diversas escolas do país. A educação verdadeira é a que acontece dentro de cada sala de aula, em cada centro de estudos. Sua qualidade depende da qualidade das relações que se estabelecem entre as pessoas que ali trabalham, com os alunos e com a comunidade imediata à qual servem. Por isso, a qualidade da educação somente poderá melhorar, de forma real, na medida em que, a partir de cada centro de estudos, sejam geradas, de maneira participativa e compartilhada, as condições que "cada" centro de estudos necessita para alcançar resultados de qualidade na educação, proporcionada a "cada grupo de alunos", nas condições específicas da comunidade concreta à qual presta serviços.

Este texto pretende servir de introdução a essa possibilidade. Para fazê-lo, pede emprestadas as noções fundamentais da filosofia da qualidade total, que já demonstrou sua capacidade de revolucionar a qualidade da produção e dos serviços de empresas e organizações, que as adotaram em nível mundial. Procuraremos aqui adaptar algumas dessas idéias à vida escolar.

Para fazê-lo, consideramos a escola - o centro - escolar como uma organização prestadora de serviços: neste caso, do serviço educacional básico. Sabemos que a escola não está isolada, que depende de um sistema educacional mais amplo, e que, deste sistema, recolhe recursos e apoios, mas também limitações. No entanto, partimos da convicção de que o desejo de melhorar está presente em todo ser humano, e que é este desejo de melhorar que constitui o impulso fundamental e central de todo processo de aprimoramento qualitativo. Acreditamos, portanto, que é muito o que se pode fazer, a partir do próprio centro escolar, para melhorar, significativamente, a qualidade do que fazemos e do que alcançamos em educação. Compartilhamos as idéias, contidas no já citado documento da CEPAL-UNESCO, de que as mudanças institucionais são prioritárias, e que é necessário descobrir e experimentar novas formas de organização e de gestão das ações educativas.

O que foi dito acima exige, fundamentalmente, uma convicção e vontade de mudar. Não se trata, segundo nos indica a filosofia da qualidade total, de realizar grandes mudanças, mas apenas pequenas melhorias em todas as áreas, em todos os processos, com a participação inteligente do diretor, de todos os professores e dos outros agentes que participam do processo, para a satisfação dos beneficiários da

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ação educativa. Necessitamos acreditar, com Granados Chapa, que a falta de qualidade é um problema social:

A falta de qualidade, a qualidade insuficiente, é um problema social. Sua prática quotidiana gera um consumidor, ou seja. uma pessoa, ou seja. um cidadão desconfiado ou submisso. A falta de qualidade engendra a falta de qualidade. Contém um potencial subversivo, de verdadeira dissolução social, já que propicia o cinismo e a frustração coletiva, a simulação de todos contra todos. 3

E exige, em contrapartida, a convicção de que a luta contra este problema social depende de nós, na medida em que sejamos capazes de iniciar e participar ativamente de um processo dinâmico, sustentado e sistemático.

... para melhorar as organizações, para desenvolver as pessoas que trabalham nelas e para propiciar uma melhor qualidade de vida para toda a sociedade.4

Este texto é um convite para conhecermos a forma pela qual isto pode se tornar possível.

N O T A S

I.- CEPAL-UNESCO. Educación y conocimiento: Eje de la transformación productiva con equidad. Santiago: CEPAL-UNESCO, 1992.

2.- Artigo 1o. da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. "Satisfação das Necessidades de Aprendizagem Básica". Jomtien, Março de 1990.

3.- CHAPA Miguel Angel Granados. Memórias dei II Congreso Internacional de Calidad Total. México, FlJNDAMECA, 1991.

4.- ESCALANTE, Joaquin Peòn. Memórias del II Congreso Nacional de Calidad Total. México: FUNDAMECA, 1991.

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CAPITULO I A QUALIDADE

EDUCATIVA ORIENTA-SE PARA FORA

Os objetivos da educação

A atividade educativa não teria sentido se não fosse por seus objetivos com relação à sociedade na qual está inserida. É o objetivo externo da educação que dá significado a toda instituição que educa.

Esta afirmação pode parecer evidente. No entanto, no funcionamento quotidiano das escolas isto é de uma obviedade que parece ser esquecida. Desta forma, em certas ocasiões, damos mais importância aos objetivos voltados para dentro da educação que aos objetivos voltados para fora. Assim, torna-se mais importante organizar as atividades, de tal forma que os alunos sejam capazes de passar em um exame, de cumprir os requisitos que são exigidos para alcançar o grau ou a série seguinte, de atender às normas e regulamentos da escola, que é o verdadeiro sentido de tudo o que se afirmou. Perdendo-o de vista, muitas vezes acontece que educamos mais para a escola do que para a vida: que servimos melhor ao aparelho educacional do que à sociedade de forma mais ampla.

Esta não é a intenção do currículo, nem da organização escolar. Na origem de todo programa educacional, de toda estrutura educativa, está a preocupação em alcançar a função social que se outorga ao sistema de educação e, portanto, a cada escola.

No entanto, às vezes é difícil definir o que se espera da educação. De fato, é complexo identificar que tipo de contribuição se pode pedir à escola. Ao longo da história da educação, pediram-se muitas coisas, talvez ate demais, ao sistema educacional. Muitas delas terminam por ficar afastadas das suas funções especificas. Outras, na maioria das vezes, não dependem exclusivamente dos sistemas educacionais, mas de muitos outros fatores, apesar de que a escola tenha nelas um papel claro. Outras, ao contrário, são realmente próprias da escola.

Por exemplo, dos sistemas educacionais esperavam-se contribuições significativas, relacionadas com objetivos tais como:

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Criar uma identidade nacional. Melhorar o bem-estar da população e sua qualidade de vida. Propiciar a mobilidade social. Melhorar as oportunidades de emprego de seus egressos. Aumentar a renda daqueles que passam por suas aulas. Formar cidadãos democráticos. Ampliar a cultura universal. Proporcionar aos alunos uma formação sobre os valores próprios de um membro ativo e comprometido com a sociedade em que vive. Formar pessoas críticas e criativas. Formar seres humanos capazes de enfrentar e resolver problemas. Formar pessoas aptas a prosseguirem em seus estudos.

Neste mesmo sentido, mas visto sob uma perspectiva crítica da função reprodutora e legitimadora da escola, foram atribuídas a ela, entre outras, as capacidades de:

Inculcar a ideologia dominante (e, deste modo. assegurar a reprodução das relações de produção). Selecionar os que poderão prosseguir seu caminho dentro do sistema educativo, chegando a fazer parte da classe dominante, e os que deverão passar às fileiras dos dominados. Alcançar a legitimação das diferenças sociais numa sociedade determinada, através do argumento do "sucesso" educativo. Fornecer a capacitação, exigida pelo aparelho produtivo, à mão-de-obra que ele necessita para gerar riquezas.

Foram feitas pesquisas que demonstram que todos os pontos anteriores, tanto da primeira como da segunda lista, com efeito, representam resultados que se podem atribuir ao sistema educacional. Assim, é um fato histórico que os Estados-nação fortaleceram-se após a universalização de seus sistemas educacionais. Também é certo que aqueles que possuem maiores níveis de educação têm um maior bem-estar e melhores salários. A expansão dos sistemas educacionais permitiu, em determinadas sociedades e durante períodos históricos também determinados, que os filhos mais educados que seus pais tenham melhores posições e melhores níveis de bem-estar geral (mobilidade social entre gerações). Mesmo com muitas exceções, é possível encontrar-se alguma associação entre sociedades

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mais democráticas e sociedades cuja população tem uma média de escolaridade maior.

Da mesma forma, há muitos estudos que demonstram a existência de diversos mecanismos que permitem a seleção social dos estudantes, de acordo com sua classe social de origem. Existem análises sobre a forma pela qual a escola gera e exige um saber e uma expressão lingüística distante e diferente do saber e da expressão lingüística das classes populares, e como, ao assim procederem, obstaculizam a passagem pelo sistema educacional dos indivíduos com estes conhecimentos e estas linguagens. Está amplamente documentada a forma como, em termos gerais, os recursos educativos são distribuídos em função da riqueza ou pobreza preexistentes, e sobre como os sistemas educacionais, desta forma, não somente refletem mas também reforçam as diferenças entre os setores e camadas sociais.

E o que acontece é que a educação é um fato social que tem, por definição. todos estes resultados. O que também é certo, e muitas vezes é esquecido nas análises que se realizam sobre os mesmos, é que a escola não é a única responsável. Mais ainda: poderíamos dizer que, dado um conjunto de limitações de caráter orgânico e estrutural, a escola dificilmente poderia alcançar algo diferente. Desta maneira, se o sistema educacional encontra-se inserido numa realidade histórico-temporal determinada, na qual o emprego não cresce no mesmo ritmo que a formação educativa em seus diferentes níveis, não se poderá exigir da escola que melhore as oportunidades de emprego, ou que melhore, conseqüentemente, os salários dos seus egressos. Da mesma forma se. no sistema político mais amplo, as expressões e os anseios de democracia são reprimidos e atropelados e se restringe a participação cidadã, dificilmente poder-se-á pedir à escola que produza cidadãos democráticos. Outro exemplo próprio do sistema educacional: se os critérios de distribuição de recursos às diferentes escolas do sistema obedecem mais a critérios de caráter político que a uma intenção de justiça na distribuição de oportunidades, dificilmente poderá o sistema educacional tornar eqüitativo o acesso de seus egressos aos benefícios do desenvolvimento social.

Talvez a pergunta esteja mal formulada. É injusto pedir exclusivamente ao sistema educativo que cumpra com tudo o que a sociedade exige dele. Mas seria também absurdo limitar a função da escola ao que acontece dentro das suas paredes.

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A pergunta sobre a qualidade da educação deve transformar-se em uma pergunta sistêmica: Como o sistema educacional está contribuindo para alcançar este conjunto de objetivos? E o movimento em busca de melhor qualidade na educação deveria partir da pergunta de como ela pode contribuir melhor.

Definidas estas premissas fundamentais, poderíamos então formular, como válida, a seguinte afirmação: não se pode atribuir à educação a capacidade de transformar a sociedade à qual pertence. No entanto, não é possível conceber o desenvolvimento das condições de vida de amplos setores da população, se estes setores não superarem sua condição de exclusão do saber universal e das habilidades básicas, que permitirão sua participação qualitativa nos processos de transformação das realidades que os afetam, quotidiana e socialmente, ou seja. de suas condições de vida. Desta forma, a educação é o ingrediente sem o qual um processo de desenvolvimento não tem a qualidade necessária para transformar os indivíduos em agentes ativos na sua própria transformação e na do seu ambiente social, cultural e político.

Resumindo, o objetivo externo da atividade educativa e, portanto, como dissemos no princípio, o que dá sentido à mesma, é o de contribuir para o aprimoramento da qualidade de vida - atual e futura - dos educandos e. desta forma, para a qualidade dos processos de desenvolvimento da sociedade.

Os beneficiários da educação

Talvez a premissa fundamental da filosofia da qualidade total seja a de direcionar os processos para a satisfação dos beneficiários. Tendo em vista que as publicações sobre qualidade total procedem da administração de empresas e organizações que produzem bens e serviços, neles fala-se da satisfação do cliente. Em educação, preferimos falar de beneficiários.

No caso de uma empresa, a definição do beneficiário (ou do cliente) é um assunto relativamente simples: trata-se da pessoa que consome o produto ou recebe o serviço que a empresa ou organização oferece no mercado. No caso da educação, a situação é um pouco mais complexa. Vejamos.

O principal beneficiário da educação é. sem dúvida alguma, o aluno. Ele é o receptor - e um receptor ativo e participante de todo o esforço educativo e. claro, de

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todo impulso para aprimorar a qualidade da educação. É o aluno quem melhorará qualitativamente, como resultado da melhoria dos processos educativos. O aluno é, portanto, o beneficiário imediato da educação. E, assim sendo, é o beneficiário mais importante.

No entanto, este aluno necessita, por definição, de dois tipos de serviços vindos da escola. Necessita dos serviços que tornem possível que ele se desenvolva como pessoa, aprenda de acordo com suas capacidades, aumente seu potencial. fortaleça sua auto-estima, manifeste os valores adquiridos na vida quotidiana. demonstrando a si próprio sua capacidade crítica e criativa. Mas precisa, também. que estes serviços venham a ser úteis - e qualitativamente úteis - para sua vida adulta. Portanto, o aluno é o beneficiário principal da atividade educativa, tanto no imediato, como no mediato. Devido a isto, a educação não pode ser reduzida ao que sirva ao aluno para a etapa do processo de desenvolvimento pessoal pela qual está passando, mas deve, também, oferecer os elementos, que farão com que ele se desenvolva, de forma adequada, em um mundo que é do futuro e que devemos poder prever.

Mas os pais de familia também são beneficiários do trabalho da escola. São eles que tem a tutela sobre os filhos menores de idade; que decidem enviar seus filhos à escola e, quando há opções, a uma escola determinada; os pais de família contribuem, de diversas maneiras e com diferente intensidade, para que o processo educativo renda os frutos que eles esperam da escola. Deles depende, em grande parte, que os alunos compareçam à escola, que cheguem pontualmente, que tenham tudo o que necessitam para poderem aprender, que recebam o apoio extra-escolar indispensável para que se atinjam, adequadamente, os objetivos educativos. De outro lado. são os pais de família os que exercem controle sobre a escola e que, em determinadas ocasiões, exigem das autoridades o seu funcionamento adequado. E, talvez, o mais importante seja o fato de que os pais de família compartilhem com a escola a função formadora das crianças. Portanto, os pais de família também são beneficiários da atividade educativa.

Visto de outra perspectiva, os alunos sao o produto do processo educativo. Ao longo de sua passagem pela escola,- o aluno vai se educando, para se transformar em um egresso que participará, de maneira ativa, em outro centro de estudos de nivel subseqüente, no mercado de trabalho, na sociedade de forma mais ampla. Desta maneira, beneficiárias do contexto educativo são as escolas de nivel mais alto. que recebem nossos egressos. São beneficiários os centros de trabalho

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que lhes dão emprego. E a comunidade, na qual o aluno desempenhará um papel social e político. E, em termos mais amplos, é a sociedade a beneficiária do sistema educativo. A partir deste ponto de vista, é necessário levar-se em conta que os resultados qualitativos do nosso trabalho não terminam quando o aluno deixa nosso centro de estudos. Muitos deles serão vistos, justamente, após este momento e durante muito tempo depois. Com efeito, não é que nossos alunos "deixem" a escola, mas sim que "ingressam" na sociedade, para a qual foram formados. A qualidade da inserção na sociedade é um dos objetivos principais do nosso trabalho.

Se um processo de aprimoramento da qualidade caracteriza-se por colocar, no centro, o beneficiário, quando falamos de educação temos que colocar no centro todos os beneficiários anteriormente citados.

Resumindo são beneficiários da ação da escola: o aluno de hoje o mesmo aluno no dia de amanhã a escola que o recebe como egresso a pessoa ou organização que lhe dá emprego a comunidade na qual o aluno vive a sociedade na qual terá seu desempenho social, econômico, cultural e político.

Um processo de aprimoramento da qualidade da escola deve dedicar-se a satisfazer, cada vez melhor, estes beneficiários.

Até agora, falamos dos beneficiários externos da organização, neste caso. da escola. Referimo-nos aos que se beneficiam com os serviços educativos que a escola oferece. Mas é importante levar em conta que toda organização tem também beneficiários internos. No caso de uma escola, o exemplo mais claro do beneficiário interno é o professor da série seguinte, que receberá os alunos da série anterior. Este professor também, será beneficiado por uma educação de qualidade ou prejudicado por sua ausência. Outra das noções básicas da filosofia da qualidade total é que, em relação a estes beneficiários internos, devemos aplicar os mesmos princípios que se aplicam aos externos. Em outras palavras, suas necessidades e expectativas, também, são um aspecto central dos esforços por aprimorar a qualidade dentro da sala de aula.

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Numa fábrica, se um departamento de produção envia peças defeituosas ao departamento responsável pela fase seguinte da produção de um artigo será difícil produzir com qualidade, já que seria muito oneroso. Por isso, um dos princípios importantes da filosofia da qualidade total é o de reduzir a zero o envio de peças defeituosas ao departamento seguinte. Da mesma maneira, insiste-se em que a solução de problemas desta natureza, não está em identificar estas peças defeituosas e devolvê-las a seu lugar de origem, mas sim em evitar produzi-las. Um movimento de qualidade total em uma empresa estaria dedicado a eliminar as causas que levam à produção de peças defeituosas.

Em educação, não falamos de peças. Falamos de pessoas - os alunos. -Estas pessoas são afetadas, de forma especial, quando não atendemos às causas de seu atraso escolar. Em muitas ocasiões, os efeitos provocados por permitirmos esse atraso têm conseqüências que perduram ao longo de toda a vida. Na escola, a solução que, muitas vezes, damos ao atraso escolar é a de tornar a começar: reprovamos o aluno. Sabemos que, se o aluno não aprendeu, não pode satisfazer às necessidades da série seguinte. Concentramos muito menos nossos esforços em evitar o atraso e em combater as causas que o provocam. E, para não incomodar o beneficiário interno - o professor da próxima serie - prejudicamos o aluno, que representa nosso beneficiário imediato e a razão de ser da atividade escolar.

Com isto não estamos dizendo que é necessário eliminar a reprovação. O que queremos deixar claro é que, sob qualquer ponto de vista, é mais conveniente atacar as causas que levam, a posteriori, à reprovação. Como afirma, com toda clareza, a filosofia da qualidade total: é muito menos oneroso prevenir do que corrigir. Na educação, esta correção implica nada menos do que tornar a começar, o que acarreta enormes custos econômicos, sociais e afetivos. É conveniente recordar que o efeito de um problema não é sentido por quem o criou, mas por quem o recebe.

A importância dos beneficiários

O beneficiário de uma empresa ou de uma organização, como a escola, é todo aquele que avalia a qualidade de nossos serviços. E ele deve ser o interlocutor privilegiado de toda organização. Isto por um dos três motivos seguintes:

a) porquê se quem avalia tem opções e sua avaliação é negativa, ele abandonará nosso serviço. Assim, os pais poderão decidir enviar seus

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filhos a uma outra escola. As escolas de níveis subseqüentes poderão recusar nossos egressos. Os empregadores preferirão dar emprego aos egressos de escolas de melhor qualidade. A sociedade terminará por marginalizar os que terminem ou que abandonem definitivamente nossos cursos;

b) porquê se quem avalia não tem opções, mas tem direitos e expectativas sobre a qualidade do nosso serviço, terá também o direito de exigir de nós, por diferentes meios, que cumpramos essas expectativas. Sem dúvida, quando isto acontece, gera-se uma pressão - benéfica, a longo prazo - sobre o aprimoramento da qualidade educativa. A curto prazo, no entanto, gera tensões e conflitos, que dificultam e obstaculizam um movimento em busca de uma melhor qualidade;

e) porque se quem avalia não tem opções, e mesmo tendo direitos, não tem claras suas expectativas, se conformará com um serviço medíocre ou simplesmente o recusará (o aluno evadir-se-á). Infelizmente, isto é o que acontece com muitas das nossas escolas. Os pais de família, muitas vezes, têm poucos esclarecimentos sobre o que a escola deve oferecer, porque eles mesmos não foram escolarizados. As escolas de ensino médio têm a obrigação de receber os egressos da primária, mesmo que venham mal preparados. As conseqüências sociais deste fato ou de que nosso serviço seja recusado, como é óbvio, são nefastas. Gera-se um círculo vicioso de ausência de qualidade, que nos lembra a citação de Miguel Ángel Granados Chapa, na introdução.

Assim sendo, um movimento em busca de melhor qualidade educativa deve partir do propósito de satisfazer o beneficiário - o que avalia a qualidade do serviço que oferecemos. Para alcançar esse objetivo, é necessário conhecer melhor suas necessidades, suas expectativas, suas preocupações, suas insatisfações com relação ao serviço que estamos oferecendo. Da mesma forma, é preciso que o beneficiário conheça e participe do que estamos tentando realizar, para melhorar a qualidade.

Agora, é necessário reconhecer que a qualidade não é algo absoluto nem estático. As concepções sobre a qualidade mudam com o tempo; e quem avalia a qualidade tenderá sempre a ser cada vez mais exigente. Por isso. um movimento em busca da qualidade é isto: um movimento em espiral ascendente. Uma vez iniciado, a única coisa que pode fazer é alcançar mais qualidade.

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Por outro lado, é conveniente levar em conta que a qualidade tem muitas escalas, não uma só. Assim sendo, o julgamento sobre a qualidade da educação que oferecemos nunca será único. Não nos é estranho que uma escola seja qualificada como boa no setor acadêmico, mas deficiente na formação de valores. Ou como excelente na atividade esportiva, mas deficiente na formação acadêmica. O beneficiário terá várias escalas de julgamento. Trata-se de safisfazê-lo em todas elas. Por isso. falamos de qualidade total.

Os beneficiários e o centro escolar

Tudo isso implica que o centro escolar se preocupe, principalmente, com as solicitações de seus beneficiários, de tal forma que possa dar prioridade, através de ações, à satisfação das mesmas.

A escola, devido à sua função principal, deve dar prioridade à aprendizagem. E ao que o aluno realmente aprende, na sua passagem pela escola. podem reduzir-se as solicitações e as expectativas de todos os beneficiários da nossa lista. Assim, a escola deve perguntar-se, principalmente, o quê e como devem aprender os alunos.

Para fazê-lo, terá que levar em conta vários elementos. Um deles, muito importante, é o currículo oficial. Todo centro escolar tem que alcançar os objetivos que estão plasmados nos planos e programas de estudo. Somente assim teremos a possibilidade de assegurar que o que oferecemos nas escolas de todo o país é equivalente e, só assim, teremos as bases para esperar a eqüidade como resultado do nosso sistema educativo.

Mas o currículo oficial deve representar somente um ponto de partida. O diálogo com os beneficiários - todos eles, - juntamente com a descoberta daquilo em que falhamos como escola, poderá levar-nos a definir, com muito mais clareza, o que priorizar, o que acrescentar, e, principalmente, como proceder para que todos os nossos alunos atinjam esta aprendizagem efetiva . Este diálogo deve ser permanente e deve envolver todo o pessoal da escola, como veremos nos capítulos seguintes.

Resumindo as idéias fundamentais deste capítulo: A escola não pode transformar a sociedade, mas pode contribuir para que a transformação seja de qualidade, que se centre na qualidade das pessoas e que conduza a uma melhor qualidade de vida.

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Para melhorar a qualidade da educação que oferecemos na nossa escola é importante que nos proponhamos a satisfazer as necessidades e expectativas de nossos beneficiários. Beneficiário é todo aquele que avalia a qualidade de nosso serviço. Os principais beneficiários no contexto de uma escola são: os alunos (o que são hoje e o que serão amanhã), os pais de família, os níveis educativos subseqüentes, os empregadores, a comunidade e a sociedade de forma mais ampla. O professor da série imediatamente superior é um beneficiário do trabalho do professor da série inferior porque recebe seus alunos. No entanto, para levar em conta, tanto suas exigências como as de seus alunos, o esforço deve centrar-se em evitar o atraso escolar e não em selecionar adequadamente os alunos que serão reprovados. A escola deve definir seu processo de aprimoramento da qualidade dando prioridade ao que os alunos realmente aprendem. Nisto estão sintetizadas as exigências dos diversos beneficiários da escola.

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CAPITULO II

A QUALIDADE COMEÇA COM O RECONHECIMENTO DE QUE EXISTEM PROBLEMAS

Introdução

Não se pode iniciar um movimento em busca da qualidade se não se reconhece que existem problemas. Todo impulso para melhorar a qualidade de um produto ou de um serviço começa por este passo. A complacência é o pior inimigo da qualidade.

No entanto, reconhecer que existem problemas não é o suficiente. Faz-se necessário assumir a decisão de que chegou o momento de fazer alguma coisa a respeito. Tomada esta decisão, segue-se um conjunto de passos. Se a decisão é de uma pessoa ou de um grupo de pessoas é necessário convencer as outras. Nenhum processo de aprimoramento real da qualidade pode ter lugar sem a participação ativa e absoluta de todos os que trabalham na organização.

É necessário, em conjunto, decidir empreender alguma coisa para resolver o problema. Esta é uma decisão mais precisa do que a anterior. A anterior é vaga, manifesta uma inconformidade. Esta implica que já se tenha uma solução, pelo menos hipotética, para enfrentar algum problema.

Mas aqui. novamente, a decisão é insuficiente. É necessário que exista um compromisso com o que se empreende. E, novamente, o compromisso deve ser de todos.

Isto é fácil de dizer, mas é talvez um dos passos mais difíceis de empreender em um processo de aprimoramento da qualidade porque o compromisso implica naquilo que os teóricos da qualidade chamaram de mudança cultural. Em outras palavras, trata-se de fortalecer valores compartilhados, de vive-los no dia-a-dia e de renová-los grupalmente.

Estes valores, no fundo, partem de uma convicção básica: vale a pena fazer as coisas o melhor que se pode e cada vez melhor. Fazer bem as coisas humaniza as pessoas, que passam a encontrar sentido em seu trabalho.

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Fazer as coisas cada vez melhor exige constância. Um dos inimigos principais dos movimentos de qualidade é justamente a falta de constância. Este é um valor necessário e também difícil de atingir. Isso deve-se, fundamentalmente, a que os movimentos de aprimoramento da qualidade são processos de longo prazo. Seus resultados são alcançados em anos, não em meses. Mas também deve-se ao fato de que o processo de aprimoramento da qualidade é, por definição, permanente: lento e gradual, mas permanente.

Agora, quando se trata de uma organização, ninguém pode empreender um compromisso desta natureza de forma isolada. E necessário que o trabalho seja de todos; que o objetivo central não seja o beneficio pessoal, mas sim o aprimoramento da organização, para que ela possa cumprir melhor seu objetivo externo. Isso significa, em muitas ocasiões, uma mudança radical em nossa forma de nos relacionarmos.

Por último, um compromisso desta natureza exige uma liderança. É necessário que o diretor da escola aprenda a exercer essa liderança que é uma liderança de apoio e solidariedade - e também que os mestres aprendam a aceitá-la e a enriquecê-la.

Os problemas são resolvidos na fonte

Em um movimento em busca da qualidade não se trata de consertar o que está errado. Trata-se de resolver os problemas, atacando suas causas. Em outras palavras, trata-se de eliminar tudo aquilo que provoca a existência do problema.

Muitas vezes, confundimos os sintomas dos problemas com suas causas. Geralmente, a primeira resposta a um problema nao é a causa fundamental. Assim sendo, tendemos a explicar o absenteísmo e a falta de aprendizagem na escola como sintomas de falta de interesse ou de apoio dos pais de família. No entanto, poucas vezes pensamos no que nós fizemos para nos aproximarmos deles, para conhecer seus anseios e pedir-lhes apoio. O atraso escolar é. para muitos de nós. resultado de que as crianças não aprendem, não se aplicam, são débeis mentais. Não nos conscientizamos do fato de que nós, como professores, pouco fazemos para entender os problemas que esses alunos têm e para atendê-los de uma forma pessoal para evitar que se atrasem.

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Um movimento em busca da qualidade começa com os problemas que estão mais próximos de nós. É conveniente classificá-los entre os que sao de nossa própria responsabilidade e os que sao da responsabilidade de outros, dando prioridade aos nossos próprios problemas.

Os problemas de uma escola

Cada escola é única. A escola típica não existe. A escola é definida por aqueles que nela trabalham, os alunos aos quais serve, a comunidade em que está inserida e as interações entre todo esse contexto. Por isso, é muito difícil falar dos problemas que afetam a qualidade nas escolas em termos gerais.

No entanto, existem alguns problemas que afetam a qualidade da aprendizagem e que estão presentes em muitas das escolas que conhecemos. Vamos mencioná-los aqui, não para dizer que elas, com certeza, também existem na escola em que você, leitor, trabalha, mas com a intenção de despertar inquietações sobre o tipo de problemas que podem afetar a qualidade.

O problema da falta de matrícula

Este problema está na base da qualidade educativa, porque se a escola não é capaz de atrair toda sua clientela, não existem sequer condições para que haja um processo educativo escolar. No entanto, nem todas as escolas indagam-se sobre o grau de cobertura que estão alcançando na comunidade à qual supostamente servem. E um número menor ainda, tenta conhecer as causas dessa falta de matrícula.

O problema da evasão

Nos países da America Latina, a evasão é um problema grave. Uma porcentagem importante de alunos abandona as aulas antes de terminar a escola primária. Muitos destes alunos abandonam-na quando já estão em idade de trabalhar. Na maior parte dos casos, esta idade, que deveria corresponder aos últimos graus da escola primária, é alcançada quando os alunos ainda estão em graus inferiores, pois as crianças que deixam a escola, geralmente já foram reprovadas. Assim, como no caso da falta de matrícula, a evasão significa ausência de contato com o processo de ensino. A presença deste problema significa falta de condições para que se possa falar de qualidade.

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O problema da reprovação

Já mencionamos o fato de que a reprovação é, em muitos casos, a causa da evasão. Mas também é necessário advertir que a reprovação é uma conseqüência de um problema mais profundo. Ela é conseqüência do atraso escolar progressivo que o aluno vai experimentando ao longo de todo o ano letivo. Por isso. a pergunta sobre a reprovação deve converter-se em uma indagação sobre o atraso escolar dentro da sala de aula e sobre suas causas quotidianas.

O problema da falta de aprendizagem

O problema da falta de aprendizagem é a manifestação mais tangível da falta de qualidade educativa. Está presente, de maneira endêmica, nos nossos sistemas educacionais, a ponto de, segundo demonstram vários estudos recentes. muitos de nossos formandos de primária não chegarem a adquirir sequer o nível de alfabetização funcional, muito menos a capacidade de expor e solucionar problemas, de compreender o funcionamento da sociedade, de entender alguns fenômenos naturais. Na raiz dos fenômenos da falta de aprendizagem encontram-se, em muitos casos, as características do contexto no qual trabalhamos. Em situações de pobreza, com situações de nutrição e saúde precárias, às vezes é difícil manter um esforço consistente para alcançar os objetivos da aprendizagem. No entanto, e sem deixar de reconhecer que estamos falando de um problema real, também vem sendo demonstrado, cada vez com maior clareza, que uma boa parte de suas causas encontra-se nos processos de ensino que têm lugar dentro das salas de aula. Ficou demonstrado, por exemplo, que, em situações contextuais semelhantes quanto à pobreza, um bom professor é capaz de atingir excelentes resultados de aprendizagem, enquanto que um mau mestre não consegue que seus alunos aprendam. Assim, o problema da falta de aprendizagem converte-se em um problema de ensino deficiente ou inadequado.

O problema da equidade

A meta de toda escola de nivel básico é alcançar os objetivos de aprendizagem com todos os alunos. No entanto, sabemos que poucas escolas o alcançam. E, em algumas, a quantidade de alunos que permanecem abaixo dos níveis satisfatórios de aprendizagem, é excessiva. O fato de que haja muitos alunos que não alcançam os objetivos de aprendizagem, ou de que a diferença qualitativa entre os que os alcançam e os que não o fazem seja muito grande, denota a existência de um problema de condução do processo de ensino, que se traduz em

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privilegiar os alunos capazes de atender e seguir o ritmo do professor e em ignorar ou desatender os que demonstram dificuldades para fazê-lo. Na perspectiva da filosofia da qualidade, estas diferenças são inadmissíveis. Atacar o desvio (a diferença), a partir desta formulação, é mais importante do que melhorar a média (que, como todos sabemos, muitas vezes esconde enormes diferenças).

O ambiente no qual ocorre a aprendizagem

Para que um processo de aprendizagem real ocorra, sem muitos tropeços, é necessário contar com um ambiente que o propicie. O ruído excessivo, a falta de iluminação ou ventilação, a forma como estão arrumadas as carteiras, a falta de limpeza, tudo isto são obstáculos para a aprendizagem. Grande parte desses problemas tem soluções muito mais simples do que os enumerados anteriormente.

A falta de disciplina

É muito comum que os professores assinalem como ura dos problemas fundamentais a indisciplina de seus alunos. É conveniente ressaltar que, geralmente, há falta de disciplina em um grupo de alunos quando ocorre uma das duas situações abaixo ou a combinação de ambas: a) quando a escola, como organização, não tem disciplina - quando não existem regulamentos, ou quando existem, não são cumpridos; quando o funcionamento escolar é errático; quando as sanções são aplicadas de forma subjetiva ou arbitrária; e b) quando não está ocorrendo um processo de aprendizagem. As crianças, em geral, ficam felizes quando aprendem. Sua curiosidade e sua capacidade de assombro são enormes. Aborrecem-se quando não estão aprendendo. E quando se aborrecem, aparece a indisciplina. Ambas as causas apontam a presença de outros problemas que devem ser analisados e solucionados para resolver pela raiz o problema da indisciplina.

O tempo real de ensino

Alguns dos problemas anteriores são gerados pelo simples fato de que o tempo destinado ao ensino efetivo não é nem o necessário para que a aprendizagem se efetue, nem sequer o que oficialmente está estipulado. As ausências ou os atrasos dos professores, tempo destinado por eles a outras atividades dentro da escola, o uso do tempo na sala de aula para impor disciplina, limpar a sala, corrigir tarefas. etc, reduzem-no notavelmente. O tempo dedicado ao ensino é o espaço destinado à aprendizagem. Se este tempo e reduzido, é de esperar-se que também a

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aprendizagem se veja reduzida. Quando o tempo de ensino limitado converte-se em rotina, às vezes e difícil, inclusive, percebê-lo como problema e, portanto, é impossível imaginar soluções.

Os recursos para o ensino

Muitas das escolas, nas quais nossos alunos estudam, possuem recursos limitados. Em alguns países, a sala mobiliada e o quadro negro são os únicos recursos disponíveis. Outras escolas, em algumas regiões, nem sequer com isso contam. Outras são mais afortunadas e possuem livros de texto para todos os alunos. Em outras, ainda mais privilegiadas, existem bibliotecas e materiais didáticos adicionais. Os recursos para o ensino sao essenciais para propiciar estratégias diferentes de aprendizagem, que agilizam e tornam atraente o processo e despertam a participação e a criatividade dos alunos. Nesta perspectiva, a falta de recursos é um problema. Apesar de que o ideal seja que todas as escolas tenham material didático adequado, distribuído pela estrutura central do sistema, é necessário reconhecer que estes recursos podem ser gerados na própria comunidade na qual se trabalha, com a participação de professores, alunos e pais de família. A ausência de diversificação das estratégias de aprendizagem, devido ao uso pouco diversificado de recursos para a mesma, é um problema que merece ser analisado na sua realidade específica.

As relações com a comunidade

É considerado praticamente natural nas nossas escolas que elas se isolem da comunidade na qual trabalham. As reuniões com os pais de família reduzem-se ao mínimo estipulado nos regulamentos. Solicita-se a participação deles quando é necessário algum apoio material ou financeiro, mas raramente sua assistência nos processos de aprendizagem de seus filhos. O corpo docente, em geral, pouco conhece os problemas da comunidade na qual trabalha e menos ainda os problemas específicos das famílias de seus alunos. Existe uma tendência de colocar a culpa dos problemas de aprendizagem no professor, mas poucas vezes tentamos nos aproximar deles para entender melhor esses problemas e para solicitar sua colaboração. E, no entanto, as experiências das escolas que se propõem a interagir de maneira mais próxima com a comunidade e com os pais de família demonstram que, quando isto ocorre, os alunos aprendem muito mais e os beneficiários ficam mais satisfeitos. Assim, este é um aspecto que merece ser analisado na sua realidade específica.

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As relações entre o pessoal da escola

Quando o pessoal de uma escola trabalha em equipe, apoia-se mutuamente, planeja e avalia, de forma compartilhada, a qualidade de seus resultados e notoriamente superior à de outras escolas. Ao contrário, quando cada professor limita sua responsabilidade ao cumprimento dos objetivos que lhe foram especificamente recomendados, quer dizer, o ensino do grupo a seu cargo, perde-se esse potencial de dinamismo, que permite visualizar os problemas desde diversos ângulos, equacioná-los e tentar alcançar coletivamente as soluções. Pior ainda. quando existe competição e rivalidade entre os docentes, quem sofre sao os alunos. porque passam a aprender menos. A forma como se relaciona os membros da equipe escolar e o entendimento das causas destes fenômenos sao aspectos que merecem ser analisados profundamente. A equipe de docentes, junto com o diretor. é o dínamo de um projeto de qualidade. Não havendo equipe, não há movimento possível em busca da qualidade.

Estes são alguns dos problemas que se encontram normalmente nas escolas de nossos países. Nem todos eles estão presentes em todas as escolas, nem são os únicos que incidem sobre os estabelecimentos escolares. Cabe a cada escola identificar seus próprios problemas e analisar suas causas. Um movimento em busca da qualidade começa quando um problema e priorizado, quando identificam-se suas causas e a equipe mobiliza-se, para atacar estas causas na sua raiz.

A informação é necessária para a solução de um problema

Em um movimento em busca da qualidade, não se pode trabalhar a partir de intuições. Embora estas intuições - de que alguma coisa está errada, de que existe um problema - possam representar um ponto de partida legítimo, é necessário contar com a solidez da informação, se realmente queremos resolver os problemas a fundo.

Em geral, a informação proporcionada pela escola é para o uso das autoridades do sistema educativo. Raramente e a escola que processa a informação que entrega ao inspetor ou à repartição municipal ou distrital. Podemos inclusive dizer que esta informação, gerada pela escola, também não é usada pelo inspetor, mas é encaminhada para as repartições centrais do sistema educacional, onde ó utilizada para fazer os grandes agregados estatísticos sobre o progresso dos sistemas educativos nacionais.

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A informação que a escola entrega aos níveis hierárquicos superiores pode ser útil para conhecer melhor seus problemas. Mas. definitivamente, não é suficiente. A escola necessita gerar, para seu próprio consumo, informações de caráter mais qualitativo. Deve saber como encontram-se os níveis de aprendizagem dos alunos e como eles evoluem. É importante conhecer as causas da falta de matrícula e do absenteísmo escolar. Embora seja interessante conhecer a magnitude da evasão, é mais importante conversar com as famílias daqueles que abandonam as aulas e conhecer as causas. A escola deve procurar conhecer seus professores e identificar os problemas que impedem que dediquem o tempo necessário ao ensino. A escola deve também contar com informações sobre a forma como os professores planejam suas aulas, a maneira como ministram-nas, sobre o grau de participação que obtêm de seus alunos, sobre suas tentativas em dar uma atenção especial aos alunos que a necessitam. Esta é a informação que a escola precisa, que somente ela poderá processar, para solucionar os problemas que a própria informação detecta.

Quando se identifica um problema, é necessário conseguir informação sobre o mesmo, para quantificá-lo e dimensioná-lo. Mas também é necessário obter elementos da realidade para compreendê-lo, quer dizer, para conhecer suas causas e a importância de cada uma delas. Quando a equipe da escola consegue definir que algumas dessas causas podem ser atacadas na raiz. e decide empreender uma ação nesse sentido, necessita informação para ver se o objetivo está sendo alcançado. E, uma vez alcançado, é necessário que mantenha constância na informação sobre este aspecto, de maneira que seja capaz de evitar a recorrência das causas que foram identificadas previamente e se conseguiu combater. Isto significa que diretores e professores devem estar de acordo sobre como monitorar seu desempenho e devem desenvolver seus próprios indicadores de qualidade na educação em sua escola. Lembremo-nos de que melhoramos os procedimentos prioritariamente para melhorar a aprendizagem efetiva de todos os alunos. Esta deve transformar-se no indicador mais importante da eficácia das medidas adotadas.

Este processo é que permitirá continuar o ciclo da qualidade, porque, uma vez resolvido um problema, alcançam-se novos padrões de funcionamento e operação. Mas estes padrões devem ser alcançados somente para serem rompidos novamente, estabelecendo as medidas que permitam superá-los outra vez.

Resumindo as idéias fundamentais deste capítulo: O princípio de um movimento em busca da qualidade é o reconhecimento de que existem problemas.

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A qualidade implica resolver os problemas na sua raiz, por isso é necessário encontrar suas causas e combatê-las. Combater os problemas detectados é tarefa de todos. Implica viver novos valores de trabalho em equipe, de aceitação da liderança, de constância e congruência. Implica, em poucas palavras, uma nova cultura na organização escolar. Existem problemas que são comuns a muitas escolas. A falta de matrícula, a evasão, a reprovação, a falta de aprendizagem, a falta de eqüidade. Em outro nível, encontramos o ambiente da aprendizagem deficiente, a indisciplina, a escassez do tempo destinado ao ensino, a pouca relação entre a escola e a comunidade, a fragilidade nas relações entre as pessoas que trabalham na escola. Cada escola deve analisar seus problemas e suas causas. Para isso, necessita informação. A escola deve ser entendida, tanto como geradora de informação, quanto - e principalmente - como usuária da mesma. Uma vez solucionado um problema, consegue-se fixar padrões de qualidade maiores que os anteriores no funcionamento da escola. É importante cuidar para que se mantenham. Mas é mais importante propor-se a elevá-los ainda mais.

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CAPITULO III

A QUALIDADE NO CENTRO ESCOLAR E EM SEU CONTEXTO

O enfoque predominante no planejamento educacional, quando este é realizado a partir de uma estrutura central e a solução dos problemas da educação baseia-se em uma proposta, é aplicar estratégias uniformes de desenvolvimento educacional que proporcionem um serviço escolar padronizado. Embora seja importante e necessário planejar, em nível central, cometem-se dois equívocos ao fazê-lo, desta forma:

a) por um lado, supõe-se que todas as escolas no âmbito de ação do planejador são similares, e que todas elas se parecem a uma escola urbana, de organização completa, com um professor por grau, com um diretor profissional e com recursos suficientes para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem.

Não é assim. A realidade das escolas em nossos países é extremamente heterogênea. A escola típica não existe. As escolas de ensino unitário são abundantes nas áreas rurais de todos os países da América Latina. Ainda mais, muitas delas são incompletas. Em geral, as escolas rurais e periféricas apresentam algum nível de realidade multigrau. Estas escolas não têm diretor profissional, a pessoa que tem a função de diretor tem uma classe sob sua responsabilidade e não dispõe de tempo adicional para se dedicar às funções de gestão da escola. Os professores nas escolas pobres são, em geral, menos estáveis que nas escolas de zonas mais privilegiadas. Além disso, estes professores quase sempre vivem fora da comunidade na qual trabalham. Por outro lado, as escolas são dotadas de recursos, tanto físicos como didáticos, desiguais. Como é evidente, as políticas uniformes têm resultados diferentes em escolas diferentes;

b) por outro lado, a partir do planejamento central supõe-se que a demanda educacional - que o interesse e o desejo de que os filhos compareçam - está dada. e está dada de maneira idêntica em todas as escolas. Basta assegurar a oferta - fundar a escola, proporcionar as aulas, nomear os professores - para que as crianças compareçam. Infelizmente, este pressuposto, nos nossos países, também é falso.

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Muitas das nossas escolas funcionam em regiões nas quais os pais necessitam do trabalho de seus filhos durante vários dias do ano. Em muitos dos contextos onde funcionam nossas escolas existem problemas graves de nutrição e saúde, que provocam a ausência de muitos alunos. Os pais não proporcionam apoio igual na aprendizagem de seus filhos numa região na qual eles próprios foram escolarizados e numa outra em que são analfabetos. Portanto, uma mesma política educacional, uniforme para todas as escolas do pais. não pode esperar resultados também uniformes em realidades tão diversas.

Como agravante, em geral o que acontece nos nossos países é que as condições da escola tendem a ser mais pobres e deficientes justamente naqueles lugares onde a demanda se encontra frente a situações de vida mais difíceis. Desta forma, as condições da oferta somam-se às condições da demanda, para explicar porquê as políticas educacionais uniformes não produzem resultados uniformes.

Daí a importância de que o movimento em busca da qualidade da educação tenha seu pivô no próprio centro de estudos. É somente aí que se podem conhecer as interrelações que ocorrem entre a escola e os alunos, entre a escola e a comunidade, de tal forma que seja possível enfrentar as causas que estão impedindo alcançar os resultados esperados pelas políticas de desenvolvimento educativo. Estas políticas devem ser diversificadas. Devem poder ser adaptadas ao contexto local, devem ser flexíveis e devem abrir espaços para uma participação ativa dos atores da qualidade educativa, que são os próprios professores. Em nível do centro de estudos, deve existir uma margem de manobra suficiente para gestionar, a partir dai. o aprimoramento da qualidade. É a partir do centro de estudos que se pode chegar a uma relação com a comunidade. E é a partir daí que se pode pretender satisfazer suas necessidades.

As diferenças entre as escolas que ensinam com qualidade e as que não o fazem não se explicam pela presença ou ausência de um só fator, nem sequer pela presença ou ausência de um conjunto deles, mas sim pela interação entre os fatores que têm a ver com a qualidade da aprendizagem. Os responsáveis pela geração de um tipo de interação ou outro, entre estes fatores, são as pessoas: o diretor e os professores, nas suas relações com os alunos e com a comunidade. Por isso, o pessoal da escola, o diretor e seus professores devem estar no centro de toda

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disposição que vise melhorar a qualidade da educação. Somente assim é que pode surgir a possibilidade de uma educação básica de qualidade para todos.

Mas assim como o planejador engana-se quando pensa que a demanda pela educação está dada, e que basta assegurar a oferta educacional para que as crianças compareçam à escola, assim nós também nos equivocamos, a nível de centro de estudos, quando pensamos que é suficiente que a escola abra suas portas e funcione normalmente. É necessário que o pessoal da escola esteja ativa e continuamente atento aos problemas e necessidades da demanda.

O que acabamos de dizer não se refere somente àquilo que nos permite entender as razões familiares e comunitárias pelas quais o aluno se ausenta, chega tarde, abandona a escola, não aprende. Tem a ver também com o que ensinamos na escola. O currículo oficial supõe que sua importância é uniforme, que toda a população do país estará igualmente motivada a alcançar os objetivos de aprendizagem que propõe. Isto nem sempre é assim. Todos já escutamos histórias de como os pais resistem ao ensino de determinados conteúdos do currículo ou à forma como são ensinados. É necessário que nos aproximemos dos pais e compreendamos suas razões. Da mesma forma, os pais de família podem ter certas expectativas sobre a educação de seus filhos que não estão contidas no currículo oficial, ou. pelo menos, na forma como estamos acostumados a ensiná-las. Um exemplo disso é a formação ética. Os pais. em geral, querem que seus filhos tenham uma formação ética. A escola, tradicionalmente, faz muito pouco neste sentido. Estar atentos ás necessidades de nossos beneficiários significa conhecer e compreender estas expectativas, para satisfazê-las.

Desta forma, o primeiro desafio na busca de qualidade, a partir do centro de estudos e em relação ao contexto específico na qual está inserido, é o de conseguir adaptar a escola às condições de vida reais das famílias, a fim de fazê-la cultural e economicamente mais acessível e atraente. Mas não é possivel ficar só aí. Portanto, o segundo desafio na busca da qualidade neste sentido é fazer do contexto - da comunidade e dos pais de família - um interlocutor mais claramente exigente dos seus direitos sobre a educação de seus filhos, mas também cada vez mais comprometido, corresponsavclmente, com esta busca da qualidade.

Resumindo as idéias fundamentais deste capitulo: A qualidade depende das pessoas que trabalham na escola, porque elas é que podem adaptar as medidas de política uniforme aos

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contextos específicos. E também porque elas é que são capazes de esboçar estratégias e soluções para alcançar a qualidade nas condições específicas da demanda e com os recursos disponíveis para fazê-lo. A qualidade educativa significa estar atentos aos problemas da demanda, da demanda específica da escola na qual se trabalha. Isto significa, primeiramente, conhecer e compreender suas exigências e necessidades. E, em segundo lugar, implica estabelecer com os beneficiários imediatos um diálogo fecundo e permanente que os faça. ao mesmo tempo, mais exigentes e mais corresponsáveis na busca de qualidade das aprendizagens de seus filhos. O salto qualitativo na educação será dado quando o pessoal de cada estabelecimento escolar, de cada centro de estudos, for capaz de interagir adequadamente com sua comunidade.

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CAPITULO IV

A QUALIDADE ESTÁ NO PROCESSO

O aprimoramento da qualidade é um processo que nunca termina

Já dissemos que a qualidade é um conceito relativo e dinâmico. Não se pode defini-la em termos absolutos. E sempre e possível procurar mais qualidade.

Um movimento de busca da qualidade é, por este motivo, um processo que, uma vez iniciado, nunca termina. Não existem os tais "níveis aceitáveis" de qualidade. Sempre temos que estar insatisfeitos com os níveis de qualidade alcançados, porque sempre será possível melhorá-los. O aprimoramento alcança níveis mais elevados a cada problema resolvido.

É uma realidade constatada (que em administração se chama de Lei de Parkinson) que uma organização, uma vez construída sua estrutura, inicia seu declínio. Alguns chamam a esta lei de "entropia", que é o termo que denota a tendência para a morte de todo organismo. Sendo assim, deve existir um esforço contínuo de aprimoramento, inclusive para manter a organização no nível em que se encontra. O esforço deve ser redobrado, se o que se pretende é superar esse nível.

Esta é a razão pela qual a falta de constância no propósito de melhorar a qualidade é o que os teóricos da qualidade total chamam de "enfermidade paralisante". A constância é necessária tanto porque se trata de um processo gradual e lento, cujos resultados só sao visíveis a longo prazo, como pelo fato de que. uma vez alcançados maiores padrões de qualidade, devemos buscar os problemas que impedem que alcancemos padrões ainda superiores. É óbvio, mas convém dizê-lo: não existe nenhum progresso quando se continua fazendo a mesma coisa. Os japoneses levam isso a extremos, assinalando que não deve passar um só dia sem que se tenha feito alguma melhoria em algum lugar da organização.

A constância é tao importante que não tem sentido iniciar um processo de busca de qualidade se uma proporção importante do pessoal que trabalha numa escola nao tem intenção de permanecer nela por mais de um ou dois anos. Tendo em vista que a liderança e primordial em todo processo de aprimoramento da qualidade total, esta exigência e duplamente válida para o diretor da escola. Se o

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diretor não está disposto a permanecer no seu posto durante pelo menos dois ou. melhor ainda, três anos, não tem sentido iniciar um processo de aprimoramento da qualidade. Em contrapartida, se é assim, e decide fazê-lo, deixará em andamento na escola um processo que dificilmente poderá ser revertido.

A qualidade está no processo

A qualidade é um processo constante e permanente, porque é total e, como tal, está presente em todas as partes do contexto educativo. O objetivo de todo movimento para o aprimoramento da qualidade é melhorar os resultados de aprendizagem de todas as crianças. Mas este é o resultado almejado. O processo é que produz esses resultados. E o que um movimento em busca da qualidade procura melhorar é o processo que produz os resultados.

Uma organização - uma escola, por exemplo - não e um edifício, não é um organograma, não é um ente estático. E, justamente, um processo. Em toda organização, todas as atividades estão estreitamente vinculadas entre si. Quando alguma coisa sai errada em uma área, repercute em toda a organização.

Uma organização é um processo porque está constituída fundamentalmente por relações. Destas relações, duas são as mais importantes: as relações com os beneficiários (alunos e pais. fundamentalmente) e as relações entre os que nela trabalham. Melhorar a qualidade significa melhorar as relações.

Tendo em vista que a organização é um processo que está constituído fundamentalmente por relações, a maior parte das causas da baixa qualidade está no sistema, não nas pessoas. E o sistema que favorece um determinado tipo de relações e as pessoas, independentemente de suas virtudes ou defeitos, trabalham sob essas regras do jogo. Se queremos mudar a forma como as pessoas trabalham é necessário mudar o sistema e isso significa mudar as relações. A filosofia da qualidade contrapõe-se frontalmente à prática, tão comum, de somente prestar atenção aos resultados. A filosofia da qualidade presta atenção aos processos.

É verdade que existem problemas pessoais que repercutem sobre a qualidade. Se um professor falta ou chega tarde, por exemplo, estamos falando de um problema localizado na pessoa. Da mesma forma, se um professor comparece. mas não ensina, ou ensina durante um tempo muito limitado, se um professor impõe disciplina batendo nos alunos ou troçando deles, se um professor não é

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competente, como professor, não sabe ensinar, enfrentamo-nos com um problema pessoal. Estes problemas pessoais se resolvem de duas maneiras: com disciplina e com formação. E é evidente que é necessário resolvê-los.

Mas. além da falta de cumprimento de um mínimo estabelecido, os outros problemas que afetam a qualidade são, em geral, problemas do sistema. Por esta razão, mais além dos problemas pessoais que acabamos de mencionar, não se pode culpar a um professor, isoladamente, da falta de qualidade de uma escola, nem sequer da falta de qualidade da classe a seu cargo. Nem podemos exigir que um professor, isoladamente, resolva os problemas que afetam a qualidade, seja da sua escola, seja da sua classe. Para isso, é necessário transformar o sistema, é necessário mudar as relações.

Como a qualidade é um processo, ela também não pode ser assegurada através da inspeção. A inspeção poderá constatar que a qualidade está deficiente e poderá até dizer quão deficiente está. Mas isto não resolve os problemas, porque o processo continuará igual. A qualidade tem que ser introduzida no processo. Temos que melhorá-lo se queremos resultados melhores. Para consegui-lo, é necessário entender o processo, bem como as mudanças que ele pode sofrer.

Um dos processos mais importantes é o do planejamento. A qualidade começa desde o próprio planejamento do processo educativo. Isto significa que, no momento em que definimos quais os objetivos de aprendizagem que queremos alcançar e como queremos alcançá-los, no momento em que definimos o tipo de egresso que queremos, bem como os conteúdos que queremos que sejam obtidos por todo aluno que termina cada série, e pelo grupo de alunos em seu conjunto, estamos introduzindo qualidade. Já falamos que é preciso levar em conta as necessidades dos beneficiários nesta etapa de planejamento. Isto introduz qualidade no planejamento.

Outro processo essencial é o de ensino, o qual é, no fundo, um processo de relações: professor-aluno, aluno-aluno, aluno consigo mesmo. Na medida em que consigamos melhorar estas relações, que consigamos elaborar estratégias de ensino que propiciem a aprendizagem através das mesmas, estaremos acrescentando qualidade ao processo.

E o terceiro processo central é o da relação escola-comunidade e professor-pais de família. Na medida em que pudermos fortalecer estas relações e conseguir

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uma maior participação da comunidade e dos pais de família no próprio processo educativo, e nao somente nos aspectos materiais da escola, estaremos melhorando a qualidade.

Para aprimorar os processos é necessário que o diretor da escola cumpra uma função estimulante e de apoio. Cuidar dos processos, melhorá-los, significa, entre outras coisas, dirigir os esforços às pessoas, estimulá-las e apoiá-las, realimentá-las de forma contínua, propiciar o trabalho de equipe, prestar atenção aos detalhes, ser flexível e adaptável.

Uma das grandes vantagens desta filosofia da qualidade, orientada aos processos, e portanto às relações e às pessoas, é que ela não exige maiores recursos e melhor tecnologia. Necessita, ao contrário, como já mencionamos, uma transformação nas atitudes das pessoas das quais depende a qualidade.

Resumindo as idéias fundamentais deste capítulo: A qualidade é um conceito relativo e dinâmico. Por isso, um processo de aprimoramento da qualidade não termina nunca, porque sempre é possível nos esforçarmos para alcançar níveis melhores de qualidade. A constância no propósito de melhorar a qualidade é um elemento sem o qual não e possível falar de um movimento em busca da qualidade. O objetivo do aprimoramento da qualidade em uma escola é melhorar a aprendizagem real de todos os alunos, em função das necessidades do beneficiário. Para alcançar melhores resultados - maiores níveis de aprendizagem efetiva em todos os alunos - é necessário melhorar os processos. Os processos são fundamentalmente relações. As três relações mais importantes em uma escola são: a relação entre as pessoas no processo de planejamento do objetivo; as relações na aula (professor-aluno, aluno-aluno. aluno consigo próprio) e a relação com a comunidade. Aprimorar a qualidade do processo significa dirigir os esforços para as pessoas.

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CAPITULO V

A QUALIDADE DEPENDE DE TODOS OS QUE PARTICIPAM DO PROCESSO

O corpo docente produz, a qualidade

Em uma escola, talvez mais que em qualquer outro tipo de organização, os resultados dependem das pessoas e das relações entre elas. E numa escola, tal como em qualquer organização, todas as atividades estão estreitamente relacionadas entre si. Por isso, um movimento em busca de uma melhor qualidade do processo educativo exige a participação ativa de todos os agentes envolvidos.

No entanto, destes agentes, os mais importantes são os responsáveis pela qualidade, quer dizer, o corpo docente. Diretor e professores têm que compartilhar o propósito de melhorar a qualidade, compreender a necessidade de uma mudança de atitudes e estar dispostos a empreendê-las e a ser conseqüentes com esta decisão de mudança.

Em um processo de aprimoramento da qualidade, a cultura de uma organização transforma-se. A atitude inicial, de vontade de mudar, gera modificações no ambiente, o que, por sua vez, reforça e estimula a transformação da cultura organizacional. Isto porque todo processo de aprimoramento em equipe e um processo de aprendizagem que vai enriquecendo as pessoas que dele participam, ao mesmo tempo em que elas enriquecem o processo coletivo. Quando se dá às pessoas a oportunidade de aprimorar seu trabalho, liberam-se energias criativas que transformam a organização. Uma mudança cultural e sólida deve estar sustentada por valores claros, compartilhados e praticados por todos na escola. Dentre estes valores, os mais importantes são a preocupação central de satisfazer as necessidades de nossos beneficiários (alunos, em primeira instância) e o desenvolvimento humano das pessoas que atuam dentro e em torno da escola.

Para que o dito acima seja possível, torna-se indispensável que todo o corpo docente compreenda e compartilhe o propósito de aprimoramento e entenda bem o papel que nele deve desempenhar. Trata-se de reunir as pessoas em torno de objetivos comuns. Esta é a razão pela qual é vital a sua participação no planejamento, tanto do objetivo da organização, como dos processos que deverão

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ser modificados para aumentar a viabilidade de sua consecução. E participando do planejamento que se pode compreender e analisar a mudança de visão cujo pressuposto é partir das necessidades dos beneficiários e envolver-se nela, como agente da transformação, de forma compromissada.

Participar nao é o suficiente; é preciso participar em equipe

Não basta que todos participem. É necessário fazê-lo em equipe. Sabemos. por experiência, que não basta trabalhar em uma mesma organização para constituir uma equipe. O trabalho de equipe faz com que uma pessoa compense. com a sua força, a debilidade de outra e que todos agucem seu engenho para resolver as questões que são comuns.

Em um trabalho de equipe, tomam-se decisões e age-se com base nelas. Isto transforma-se na finalidade da equipe. O que a define é o seu objetivo, que é traçado por todos. Nesta atuação, todos adquirem uma responsabilidade frente ao coletivo. O processo é também acompanhado em equipe - avalia os resultados das decisões tomadas. E somente a equipe pode revisar as decisões anteriores, corrigi-las e mudá-las.

Em uma organização complexa, por exemplo, uma escola de organização completa, com várias classes de cada série, pode haver várias equipes responsáveis por diferentes trabalhos. No entanto, nao se pode esquecer que, devido à estreita relação entre as atividades de toda organização, devem ser estabelecidos mecanismos que permitam a comunicação fluida e permanente entre as mesmas. Na administração de controle total da qualidade, estas pequenas equipes chamam-se "círculos de qualidade". Um círculo de qualidade é um grupo que desempenha, voluntariamente, atividades de aprimoramento e controle de qualidade. Os círculos de qualidade são somente uma parte de um programa que abrange toda a organização.

Um círculo de qualidade típica aborda um problema que é comum a todos que dele participam. Como exemplo, podemos falar de um círculo de qualidade para o processo de ensino da leitura e escrita, no qual, talvez, participariam os professores da primeira e segunda séries. O círculo estuda a natureza do problema -o problema, neste caso, são os níveis deficientes de qualidade da aprendizagem da leitura e escrita, - determina as causas que o provocam, analisa a informação relacionada ao problema e às suas causas, propondo soluções. Cada membro do

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círculo é responsável por sua implantação, e uma vez que as mesmas sejam implantadas, todos, em grupo, observam criticamente a forma como se aplica a solução proposta. Uma vez transcorrido o tempo suficiente, o círculo revisa os resultados e avalia a efetividade das soluções tomadas. Sc estas obtiveram os resultados esperados, o círculo propõe-se a impedir que o problema se repita ou torne a aparecer, com o que se padroniza um novo nível de resultados. Chegando a esta meta, o circulo começa a procurar a forma de melhorar o novo nível alcançado.

Os círculos de qualidade são uma forma de aproveitar e potencializar a convicção da filosofia da qualidade de que os trabalhadores - neste caso os trabalhadores da educação - têm a capacidade de introduzir inovações e melhorias nos seus processos de trabalho, em função dos problemas que percebem. As sugestões do pessoal de uma organização são imensamente valorizadas pela administração da qualidade total. Estas sugestões podem ser individuais. Os círculos de qualidade são uma forma de assegurar que estas sugestões estejam dirigidas ao grupo e de que, por sua vez, emanem do grupo sugestões coletivas.

Desta forma, estamos diante de um processo que visa ao desenvolvimento de estratégias que tendem a um aprimoramento contínuo, envolvendo todas as pessoas que trabalham na organização.

A participação em equipe melhora a qualidade de vida no trabalho

Um princípio fundamental da filosofia da qualidade é que as pessoas se desenvolvem, se humanizam e humanizam o trabalho, quando participam, ativa e coletivamente, no aprimoramento dos processos laborais.

Quando uma organização se baseia no controle das pessoas que nela trabalham para conseguir eficiência, isso não é alcançado. O controle é exercido, para que as pessoas cumpram com a sua função específica. Assim, em uma organização tradicional, os professores são controlados para que compareçam, para que cheguem a tempo, permaneçam na sala, planejem suas aulas, apliquem exames e mostrem resultados. Mas quando isto acontece, cada trabalhador isola-se no exercício das suas funções e perde tanto a capacidade, como o interesse pelo objetivo da organização como um todo. Em conseqüência, o professor não se preocupa com o que acontece nos outros grupos. Não se sente responsável pela falta de matrícula, pela evasão dos alunos, pela situação das famílias da comunidade onde trabalha. Uma situação desta natureza, além de isolar o docente na sua função,

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muitas vezes gera rivalidades. Muitos de nós sabemos, por experiência própria, que não há nada que prejudique mais a qualidade de vida no trabalho que a existência de conflitos, invejas, grupos que se enfrentam e fofocas no nosso ambiente quotidiano. Além do que, como já vimos, esta organização não propicia as condições para que se produzam processos que levem à qualidade.

Ao contrário, a filosofia da qualidade sustenta que as pessoas se realizam em seu trabalho e se desenvolvem como pessoas, quando participam criativamente no seu aprimoramento e quando o fazem como equipe, reconhecendo que sozinhas não podem modificar os processos que condicionam seu trabalho. A participação gera compromisso e satisfação pessoal. Por outro lado, partimos da convicção de que uma organização que é dirigida desta forma proporciona uma melhor qualidade de vida no trabalho, o que é um dos objetivos primordiais da filosofia da qualidade.

Alguns exemplos de trabalho de equipe na escola

A seguir, daremos alguns exemplos de objetivos que podem levar à criação de círculos de qualidade na escola. Antes, porem, e conveniente recordar que os círculos de qualidade são apenas parte de um processo de busca da qualidade. Este deve estar presente em toda a organização e deve ser dirigido e estimulado pelo seu diretor.

Supondo, então, que o processo de aprimoramento da qualidade é um compromisso do diretor da escola, transmitido por ele a todo o corpo docente, analisamos alguns objetivos que podem ser formulados por pequenas equipes, a fim de melhorar os processos em que estão mais envolvidas.

A participação dos alunos no processo de aprendizagem

O aluno aprende mais, melhor e de maneira mais duradoura, quando ele próprio faz descobertas e resolve problemas. Uma equipe de docentes, interessada em melhorar os processos, pode assumir a diversificação, ampliação e aprimoramento da qualidade dos processos que levam a isso dentro da sala de aula. Começará pelo conhecimento de como participam os alunos na sua escola. Descobrirá e organizará as estratégias utilizadas pelos vários professores da escola. para incentivar a participação de seus alunos. Procurará documentar-se sobre diferentes práticas, utilizadas por outros professores, para conseguir este propósito.

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Investigará as causas que dificultam a participação dos alunos desta escola ou impedem alcance o nível esperado. Então, por exemplo, poderá descobrir estratégias que incluam uma mudança de posição dos alunos dentro da sala de aula. Os resultados dos trabalhos de equipes de alunos poderão ser analisados coletivamente. Talvez descubra experiências inovadoras nas quais alunos de vários graus trabalham juntos em um mesmo projeto, os mais velhos ajudando os mais novos. Proporá soluções aos problemas detectados. Ficará atenta ao processo. Avaliará sua efetividade e vigiará para que não se apresentem novamente os problemas que antes entorpeciam maiores oportunidades de participação.

- O fortalecimento da leitura e da escrita

Como dissemos na introdução, um dos resultados mais visíveis da falta de qualidade educativa é a incapacidade de muitas de nossas escolas de proporcionar níveis adequados de alfabetismo funcional aos alunos que estão terminando sua educação primária. Descobriu-se que isto se deve. em grande parte, às escassas oportunidades do exercício da leitura oral, da leitura silenciosa e da redação criativa em sala de aula. Um círculo de qualidade pode propor-se a aumentar estas oportunidades. Procedendo da mesma maneira como no caso anterior. Poderá propor-se. por exemplo, aproveitar os espaços que iniciam os trabalhos de outras matérias para incentivar estas habilidades. Da mesma forma, trabalhar a necessidade de que os alunos descubram o prazer da leitura e procurar a oportunidade de ler coisas agradáveis e divertidas. Pode trabalhar a necessidade de que os alunos entendam melhor a importância da leitura e da escrita, relacionando-a com as necessidades da vida quotidiana na comunidade, imaginando atividades, projetos e exercícios dirigidos a demonstrar esta relação. Novamente, o círculo de qualidade estará preocupado em velai para que o que foi proposto seja cumprido, em avaliar sua efetividade e em evitar que se caia em situações como as que existiam antes de que se decidisse fazer algo para atacar o problema.

O aprimoramento do ambiente físico

Já mencionamos como o ambiente de trabalho propicia ou entorpece a aprendizagem. Podemos imaginar um círculo de qualidade formado, talvez, por alguns funcionários de apoio e por docentes - inclusive, como veremos em seguida, por alunos e pais de família que analisem este problema, encontrem suas causas e proponham soluções.

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O problema do atraso escolar

Já vimos que, segundo a filosofia da qualidade, é mais importante diminuir a variação do que elevar a média. Esta situação aplica-se de forma muito clara ao problema do atraso escolar. Quando uma criança se atrasa na sua aprendizagem, ao longo do ano escolar, gera uma situação que pode levar a uma reprovação. Como, na qualidade total, o que se procura é evitar que os problemas surjam, a fim de não ter que corrigi-los, o objetivo de evitar o atraso escolar é talvez o exemplo mais adequado do que pode fazer um círculo de qualidade. É necessário dimensionar o problema, averiguar suas causas, imaginar, coletivamente, soluções, observá-las, avaliá-las e seguir procurando formas que permitam superar continuamente o nível alcançado.

No Capitulo III fizemos uma lista, a titulo de exemplo, dos problemas de uma escola. Em relação a cada um deles, é possível criar um círculo de qualidade que envolva, de perto, todo o pessoal da escola - quando se trata de escolas pequenas ou a pequenas equipes de pessoas às quais o problema atinge mais diretamente. É importante recordar que os círculos de qualidade são equipes de formulação de sugestões grupais, que devem ser apoiadas pelo diretor da escola e, quando for o caso, adotadas por todo o pessoal, inclusive por aqueles que não participam do círculo de qualidade.

A participação deve ser ampliada aos pais de família e a outros membros da comunidade

O corpo docente não é o único integrante de uma escola. Embora seja o agente mais importante porque é o criador da qualidade. Uma escola deve converter-se em uma comunidade educativa, na qual participem ativamente alunos, pais de família e membros da comunidade. A qualidade educativa diz respeito a todos eles.

Não e difícil imaginar como se podem integrar alunos e pais nos círculos de qualidade, como os que exemplificamos mais acima. Realizá-lo significará para eles o mesmo que a filosofia da qualidade para os professores: desenvolver-se-ão mais como seres humanos, ao saber que têm algo a dizer e fazer em um processo continuo de aprimoramento e obterão ricas aprendizagens da experiência de trabalhar em equipe. Para a escola, isto significa um passo a mais na condição de levar em consideração as necessidades do beneficiário. Existem belas experiências

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que mostram como os alunos são perfeitamente capazes de tomar conta da disciplina na classe e na escola. Eles próprios, em grupo, estabelecem regras do jogo claras (elaboram pequenos regulamentos), decidem as sanções aplicáveis quando estas normas não são obedecidas e assumem a tarefa de controlar seu cumprimento. Como são eles os próprios círculos de qualidade, os alunos que elaboraram a solução, poderão modificá-la. Isto significa que podem se equivocar: os erros os levarão a aprender muito mais do que a leitura de uma lição ou uma aula expositiva.

Na maioria dos casos, talvez seja conveniente iniciar um processo de aprimoramento da qualidade, pelo corpo docente da escola, Mas é altamente recomendável que os alunos e pais de alunos que desejem participar sejam em breve incorporados ao processo.

Resumindo as idéias fundamentais deste capitulo: Os resultados de uma organização dependem das pessoas que nela trabalham. Sc desejam melhorar estes resultados, todos devem participar do planejamento e execução dos processos necessários. A verdadeira participação acontece quando existem equipes. A equipe vela pelo objetivo comum, não por objetivos individuais. A equipe complementa-se, forma-se e reforça. As equipes devem identificar o problema, analisar suas causas. propor soluções, supervisionar sua execução, avaliar, evitar que surjam situações que conduzam de volta ao processo anterior e buscar novas formas para alcançar níveis de resultados ainda melhores. Todos os problemas de uma escola podem ser enfrentados através de equipes de trabalho ou círculos de qualidade, com a condição de que existam mecanismos de comunicação continua entre as equipes, apoio e estimulo constantes por parte do diretor da escola. A comunidade educativa não está composta somente pelos professores. Dela participam os alunos, pais de familia e a comunidade como um todo. É altamente recomendável envolver todos estes membros nos esforços coletivos, pela melhoria da qualidade.

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CAPITULO VI

A QUALIDADE EXIGE LIDERANÇA

O diretor deve ser um líder, deve apoiar e estimular

O papel do diretor e fundamental em um processo de aprimoramento da qualidade. Além disso, e é importante dizê-lo. exige-se dele uma função muito diferente da que o diretor normalmente desempenha nas escolas de nossos países. A qualidade exige um novo tipo de liderança, baseado na experiência e na convicção pessoais, e não necessariamente na escolaridade, idade ou hierarquia. Baseia-se mais no exemplo, na coerência de vida, nos valores que defende e na consistência, do que na autoridade inerente ao seu cargo.

O diretor deve ser o primeiro e o mais comprometido com o propósito de melhorar a qualidade. Deve sentir-se responsável pela qualidade educativa de sua escola. Deve agir como autentico líder, capaz de motivar, facilitar e estimular o processo de aprimoramento da qualidade, desempenhar o papel de animador de seus colegas e dos pais de família, ou seja. de animador da comunidade escolar.

Ele deve estar comprometido com o envolvimento de seu pessoal em um processo participativo, constante e permanente, para fazer as coisas cada vez melhor. Assim, um diretor não pode limitar sua função à burocracia administrativa e às relações com o sistema educacional mais amplo, com as autoridades da comunidade. Ele deve conhecer a fundo todos os processos importantes que ocorrem na escola e tem que se dedicar plenamente a cada um deles. A um diretor não se pode fechar nenhuma porta. Ele tem que poder reunir-se com os professores. entrar na sala de aula. conversar com os pais de família, compreender os problemas dos alunos. E, o que é o mais importante, corresponde a ele a difícil tarefa de ser o agente principal de um processo, mediante o qual a escola possa atingir níveis de resultados cada vez melhores e mais em concordância com as necessidades dos beneficiários. Como já assinalamos várias vezes, este processo necessita de constância. E esta constância depende do diretor.

Para a filosofia da qualidade, o ponto chave consiste em que os diretores compreendam que eles são o problema. Não porque eles não procedam ou não tenham o desempenho que se espera deles, mas porque não assumem as funções

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que acabamos de descrever, Se ninguém as assume, nao se pode realizar um processo de aprimoramento da qualidade. E é o diretor que deve assumi-las. A qualidade começa com uma idéia, com um plano, estabelecido pelo diretor.

O diretor deve ser capaz de desenvolver um plano, explicá-lo aos professores, entusiasma-los. para que ajudem a implantá-lo, e, ao mesmo tempo, manter uma pressão coerente e constante sobre a escola, para que o plano seja realizado. A motivação principal do diretor, mais do que a de qualquer outro membro do corpo docente, é satisfazer cada vez mais as necessidades dos beneficiários da escola. Para isso, é necessário que compreenda e assuma a idéia de que é preciso eliminar a variação ( ou atraso escolar) e também elevar os niveis de obtenção de aprendizagem.

O diretor deve providenciar para que o docente esteja orgulhoso de seu trabalho

"O diretor se preocupa em eliminar as barreiras que privam o trabalhador (o docente) de seu maior direito: o direito de ter orgulho de seu trabalho."'

Este é um dos elementos fundamentais da filosofia da qualidade. O lider de um processo de qualidade deve ajudar os docentes a trabalhar mais inteligentemente, e não mais arduamente. A direção deve compreender e agir sobre os problemas que impedem o docente de realizar seu trabalho com satisfação. O objetivo é conseguir quo o mestre sinta orgulho de seu trabalho. Desta forma, o diretor preocupa-se fundamentalmente com as pessoas.

O líder, em vez de ser um juiz. que inspeciona e avalia as pessoas, torna-se um companheiro, que aconselha e dirige sua equipe dia-a-dia. aprendendo deles e com eles. O objetivo da liderança é melhorar o comportamento do ser humano para aprimorar a qualidade, eliminando as causas das falhas e dos problemas e ajudando as pessoas a realizar melhor seu trabalho. Para isto. é necessário que o lider centre sua atenção, de forma consistente, no sistema, ou seja. no conjunto de processos que tem lugar dentro da escola, para que todos façam melhor seu trabalho e com maior satisfação. Para tanto, é essencial que esteja em harmonia com seus trabalhadores.

Um diretor preocupa-se em Investigar

Procuramos deixar claro, em tudo o que dissemos, que não se pode planejar o aprimoramento da qualidade na escola partindo de intuições. É necessário contar

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com uma informação solida e interpreta-la corretamente. Isto significa que é necessário conhecer nossa escola e nosso meio. Conhecer, em primeiro lugar, de que forma estamos atingindo nossos objetivos externos e os níveis de aprendizagem que estamos alcançando. Temos que conhecer as condições e as necessidades de nossos beneficiários - de todos eles - e de que forma estamos falhando na sua satisfação. Mas também devemos saber com que recursos podemos contar, quem somos como equipe, o que nos falta para enfrentar o desafio de melhorar nossos resultados. Temos que poder investigar as possíveis soluções dos problemas que detectamos. E devemos ser capazes de monitorar o processo de solução e de avaliar seus resultados.

Tudo que exige investigação. Esta investigação não tem necessariamente que ser complexa. Basta uma prova simples aplicada aos alunos, uma entrevista aprofundada do diretor com cada membro do corpo docente, visitas aos pais de família, uma entrevista com o diretor da escola que recebe nossos egressos, uma análise mais detalhada dos dados que entregamos às autoridades escolares. Um processo de aprimoramento da qualidade implica fazer tudo isto, para obter informação da realidade, que nos permita interpretar, encontrar causas e planejar soluções. É um passo indispensável para poder elaborar um plano, no qual todos se envolvam. O diretor tem que ser capaz de idealizar e dirigir estes processos de investigação.

Um diretor deve preocupar-se com uma melhor formação no trabalho

O aprimoramento da qualidade é um processo de educação contínua dos que se envolvem nele. Participar de um processo desta natureza implica aprender a conhecer as necessidades dos beneficiários: alunos, pais, comunidade e, em última instância, da sociedade atual e futura. Significa aprender, no próprio processo, a investigar, interpretar a informação, discernir as causas principais de um problema. Envolver-se em um processo de aprimoramento da qualidade significa aprender com os colegas que já tentaram solucionar um problema, mas também significa documentar-se, conhecer o que se escreveu sobre as causas dos problemas enfrentados e as tentativas de solução, conhecer outras experiências realizadas para tentar solucioná-los e avaliar seus resultados. Implica aprender a traduzir uma idéia em um plano com metas a curto e médio prazos, que possa ser posto em prática e ser avaliado. Significa aprender a medir, monitorar, avaliar, o que significa também desenvolver a capacidade crítica e autocrítica e a criatividade.

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Mas, talvez o mais importante, participar em um processo desta natureza implica aprender a viver valores novos: o valor da insatisfação constante, o valor de desejar fazer o trabalho sempre melhor, o valor da solidariedade, o valor de colocar o objetivo externo por cima dos interesses pessoais, o valor de perder o medo de expressar-se, de criticar e de equivocar-se, o valor da humildade decorrente da disposição e abertura para aprender com os outros.

Participar de um processo de aprimoramento da qualidade é fazer parte de um processo profundamente educativo. Cabe ao diretor impulsionar, facilitar e estimular o processo

O diretor deve saber se os padrões de qualidade de um determinado ciclo do processo de aprimoramento, inclusive o inicial, estão sendo cumpridos. Quando o sistema é estável deve poder reconhecer se há alguém que não atinge seus padrões. Sc alguns dos integrantes do corpo docente não os estão atingindo, o diretor tem que ser capaz de discernir entre dois tipos de situações: quando as pessoas são capazes de cumpri-los e não o fazem, o diretor deve impor disciplina; e quando pessoas não têm capacidade para cumpri-los, ele deve proporcionar-lhes acesso aos processos de formação necessários. Quando se dá o caso de pessoas que se sobressaem no sentido contrário, atingindo resultados melhores que os padrões, o diretor deve estar atento, para lhes dar o reconhecimento que merecem, que não precisa ser material, mas que pode ser moral. Um reconhecimento verbal, perante a comunidade de professores e pais de família e diante dos alunos por parte do diretor e confirmado pelos companheiros de trabalho, e altamente alentador.

Quando se estabelecem medidas para melhorar a qualidade, depois de se haver analisado o problema e as causas que o originaram, não e raro que não estejamos preparados para pô-las em prática. É então necessário que nos preparemos para fazê-lo. Desta forma, se estamos preocupados porque nossos alunos da primeira serie não estão atingindo os objetivos da aprendizagem da leitura e da escrita, temos de estar preparados para introduzir qualidade no processo. Se, para citar outro exemplo, observamos o problema de que muitos alunos da quarta série estão se atrasando, temos que nos preparar para lhes oferecer uma atenção especial, sem descuidar do avanço do grupo como um todo. Aprimorar a qualidade é um processo que exige uma formação contínua - que se traduz num auto-aprimoramento. - a partir das exigências de nossos objetivos externos e das metas que nós mesmos, em equipe, nos propomos a alcançar. Cabe ao diretor impulsionar este processo, essencial para a qualidade.

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O diretor tem duas responsabilidades: manter e melhorar

A responsabilidade da manutenção do sistema refere-se à necessidade de assegurar que todos possam atingir os padrões estabelecidos em um determinado momento do ciclo de aprimoramento da qualidade, desde o momento inicial. Para isso. é necessário que formule, com o apoio dos colegas, procedimentos, regras e diretrizes claras, de tal forma que não haja dúvidas sobre o procedimento estabelecido para alcançar os atuais níveis de resultado. Assim, no início, o diretor deve propiciar condições para que a equipe, em conjunto, reafirme e expresse, claramente, os padrões mínimos de comportamento esperados por parte dos professores. Depois de um ciclo de aprimoramento da qualidade, atingidos novos patamares de resultados, é necessário definir, com toda clareza, os novos resultados mínimos de comportamento esperados, a fim de mantê-los. Assim, para iniciar um ciclo, é necessário reafirmar certas regras do jogo. Por exemplo, os professores devem comparecer regularmente à escola, chegar pontualmente, dedicar o maior tempo possível à atividade da aprendizagem; o recreio começa e termina a uma hora determinada; as salas de aula e as áreas comuns da escola devem estar limpas... Uma vez terminado um ciclo de aprimoramento da qualidade, e demonstrada a efetividade das medidas tomadas, deve-se fazer o mesmo. Por exemplo, se ficou decidido que um problema e a pouca participação ativa dos alunos no seu próprio processo de aprendizagem, e são tomadas medidas para combater este problema, pode-se chegar a estabelecer novas normas: o professor deve entregar um plano de aula no qual seja estipulada uma porcentagem determinada de trabalho criativo por parte dos alunos e uma porcentagem determinada de trabalho em grupo. Pode-se pedir ao professor que defina o produto esperado de cada atividade participativa. E assim sucessivamente.

A responsabilidade do aprimoramento é o outro lado da moeda. Refere-se à necessidade de dar os passos necessários para se atingir padrões de comportamento e níveis de resultados cada vez mais altos. A teoria da qualidade total em administração estima que um diretor deve dedicar metade de seu tempo à responsabilidade do aprimoramento.

Há duas maneiras de conseguir o,aprimoramento: através da inovação e através do aprimoramento contínuo. Geralmente, a inovação muda radicalmente alguma prática já estabelecida. Um exemplo de inovação é a introdução do ensino apoiado por computador na sala de aula. Outro exemplo poderia ser o da

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implantação de uma nova visão pedagógica, como o ensino personalizado ou a técnica de Freinet.

O aprimoramento contínuo muda pouco a pouco e dia a dia as práticas que foram detectadas como pouco propícias à qualidade. Aqui. o diretor deve ajudar a formulação de sugestões e incorporá-las à estratégia geral de aprimoramento. O pessoal está convencido de que é necessário evitar o atraso escolar. E, sem mudar drasticamente suas práticas, introduz, a cada dia, novos procedimentos, que lhe permitem aproximar-se cada vez mais da possibilidade de dar uma atenção individual aos alunos que estão se atrasando, aprendendo a nao descuidar o progresso geral do grupo. Assim, um dia conversará durante o recreio com algum dos alunos atrasados. Outro dia levará os cadernos de outro deles para revisá-los detalhadamente. Em outra ocasião, visitará ou conversará com os pais de família. Mais adiante, poderá formular exercícios especiais, para que o aluno os faça em casa, com o apoio de algum familiar. Talvez planeje estratégias de trabalho em equipe, nas quais os alunos mais adiantados possam trabalhar junto com os alunos atrasados, ajudando-os a realizarem a tarefa solicitada, dentre outros.

Ambas as vias são válidas e as duas são necessárias. No entanto, é preciso advertir que é muito mais difícil adaptar e acompanhar uma inovação, do que um procedimento de aprimoramento contínuo.

O diretor tem duas funções: a função de estímulo e apoio e a função de controle

A primeira destas funções, de estímulo e apoio, está dirigida aos processos. Refere-se a propiciar que as relações melhorem, de forma que possam alcançar bons resultados.

A segunda destas funções, a de controle, é dirigida aos resultados.

Em um movimento em busca da qualidade é a primeira função que é enfatizada, supondo que se os processos melhoram, os resultados melhorarão. No entanto, isto não significa que se descuide do controle dos resultados. De fato, o controle dos resultados - sobre como atingir melhores níveis de aprendizagem com maior número de alunos - é a forma de avaliar se o aprimoramento dos processos foi efetivo.

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Assim sendo, um diretor precisa administrar tanto os processos como os resultados. Para poder fazê-lo. necessita contar com critérios tanto para um quanto para outros. Em vista da predominância do modelo tradicional de administração e supervisão escolares, existem critérios muito mais elaborados para administrar os resultados: é relativamente fácil medir pelo menos alguns dos resultados de aprendizagem (não é o caso da aprendizagem de valores, por exemplo). No entanto, os critérios para administrar e acompanhar os processos foram muito menos desenvolvidos. Neste caso, critérios tais como os do esforço para o aprimoramento, consistência no processo, congruência do que se apregoa com o que se faz - todos eles critérios que fazem com que o diretor exerça sua liderança, entendida como apoio e estimulo - parecem ser os mais indicados.

Resumindo as idéias fundamentais deste capitulo: O diretor de uma escola é o elemento chave em um processo de busca da qualidade. Se a direção de uma escola não está envolvida e comprometida com o propósito de melhorar a qualidade, é muito difícil que ela se aprimore. As exigências sobre o papel do diretor em um processo de busca da qualidade são muito diferentes da forma como estamos acostumados a entender o papel do diretor. O diretor deve converter-se em um líder que impulsiona e estimula um processo de aprimoramento contínuo. Para um diretor, o mais importante são as pessoas. Isto significa que pensa nas necessidades dos beneficiários e que, para satisfazê-las. procura conseguir que o trabalhador se sinta orgulhoso do seu trabalho. O diretor deve assegurar-se de que o processo de aprimoramento da qualidade seja um processo de formação no trabalho e esteja acompanhado dos elementos formamos indispensáveis para conseguir que as mudanças propostas possam ser realizadas. O diretor tem duas responsabilidades: a de manutenção e a de aprimoramento. A de manutenção implica estabelecer regras claras e garantir seu cumprimento. A de aprimoramento, à qual deve dedicar a metade de seu tempo, implica melhorar os níveis dos resultados alcançados. O diretor tem duas funções: a primeira função é a de estímulo e apoio, que se refere aos processos. A segunda função é a de controle, que se refere a supervisionar os resultados. A filosofia da qualidade enfatiza a primeira, mas também exige a segunda.

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NOTA

l.-DEMING, W. Edwards, Calidad, productividnd y competitividade La salida para Ia crisis. Madrid: Diaz de Santos, 1989.

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CAPITULO VII

A QUALIDADE LEVA AO APRIMORAMENTO CONTÍNUO DAS PESSOAS ENVOLVIDAS

Um caso

Uma pessoa que não sente orgulho do trabalho que está realizando, falta. chega tarde, muda freqüentemente de trabalho ou de escola. A filosofia da qualidade supõe que isto acontece devido à supervisão falha e à má gestão da organização. Quando a supervisão e a gestão não estão concebidas, fundamentalmente, como funções de apoio ao bom desempenho do trabalho, podem suceder fenômenos muito tristes. Os trabalhadores perdem o interesse em fazer bem as coisas. Assim, por exemplo, se uma professora, digamos, da segunda série, sente grande entusiasmo pelo seu trabalho e esforça-se por realizá-lo da melhor forma possível, mas está lotada numa escola onde trabalhar bem não é a norma, em breve ela terá problemas com seus colegas. Perceberá que seus alunos, ao chegarem à terceira série, encontrarão um processo de ensino irregular e deficiente e perderão grande parte do que ela conseguiu com eles. A isto, junta-se o fato de que o diretor não tem interesse pelo que ela faz dentro da sala de aula. Enquanto ela não causar problemas, ele simplesmente deixa-a em paz. O supervisor, por sua vez, quando visita a escola, fala com o diretor, a fim de revisar as fichas com os dados que deve preencher, nas quais se especifica quantos alunos tem cada professor, quais são suas idades, quantos são do sexo masculino e quantos do feminino, quais os que são repetentes e quais se matricularam novamente. Mal cumprimenta a professora. Não lhe faz perguntas sobre seus problemas pedagógicos, não proporciona sugestões nem apoios específicos. Nestas condições, esta professora, por melhor que seja. por mais entusiasmo que tenha pelo seu trabalho, logo vai perder esse interesse e esse entusiasmo e começar a comportar-se de forma muito parecida com a normal da sua escola: tal como se comportam os outros professores. E logo pedirá sua remoção.

Quando, ao contrário, uma pessoa se sente importante no seu trabalho, fará todos os esforços para permanecer nele. Sentir-se-á importante, desde que possa sentir orgulho pelo que faz e colaborar para melhorar a qualidade da sua organização. Vamos supor essa mesma professora da segunda serie em uma escola na qual, os professores, em geral, procuram fazer o melhor que podem. Reúnem-se com freqüência, discutem sempre sobre as necessidades de seus alunos e as

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condições dos pais de família. Organizam seminários de estudo para aprender juntos a melhorar seus objetivos. A professora diz abertamente o que não lhe agrada, faz criticas ao funcionamento da escola e propõe sugestões sobre a forma de solucionar os problemas. Para sua surpresa, percebe que estas criticas e sugestões. não somente sao bem recebidas, mas que se lhe agradece por havê-las mencionado.

O diretor também participa desses seminários, estimulando e alentando sua realização. Pede livros emprestados, que possam ajudar a esclarecer o tema. Convida um amigo, com experiência interessante no ensino de matemática, para que venha dar uma palestra sobre o assunto. Os professores planejam, em equipe, como melhorar os resultados de aprendizagem dos seus alunos. Revisam juntos o que estão realizando, discutem os problemas, apoiam as soluções. Os professores ajudam-se entre si, passam dicas, elaboram projetos em conjunto. Muitos deles seguem as sugestões que a professora proporcionou nos seus próprios espaços de trabalho. O diretor está sempre muito atento a tudo que acontece e, quando as coisas vão bem, ele reconhece abertamente. Tem o cuidado de estabelecer claramente as regras do jogo e é congruente com elas, procurando que as mesmas sejam cumpridas, mesmo tendo que ser enérgico. Em geral, no entanto, o clima de trabalho é de harmonia e colaboração. Os alunos entusiasmam-se com a aprendizagem. Os pais de família mostram-se interessados e perdem o receio de aproximar-se da escola para perguntar pelos seus filhos. A professora encontra cada vez mais satisfação em seu trabalho, na sua relação com os alunos e com os colegas. Essa professora percebe que, durante esse ano, ela aprendeu muito, talvez mais do que aprendeu no curso normal. Reconhece que a escola está aproveitando seus conhecimentos e suas habilidades, inclusive conhecimentos e habilidades que nem sequer sabia que possuía. Sente-se orgulhosa do seu trabalho. E nao pedirá sua remoção. Ao contrário, no ano seguinte, participará com muito mais energia.

Os problemas não são dos professores, mas do sistema

O exemplo acima citado pretende deixar claro este ponto. O problema da qualidade, em termos gerais, nao está nos professores, mas no sistema com que a escola trabalha. No entanto, também no exemplo anterior se vê com clareza como a solução depende da equipe de docentes, sempre que esta equipe seja capaz de modificar o sistema.

Quando o corpo docente, dirigido pelo diretor, assume a tarefa de modificar o sistema e melhorar os processos para obter melhores resultados, atendendo às

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necessidades dos beneficiários, estes professores crescem como pessoas. Isto porque estão melhorando a qualidade de vida no seu trabalho, ao qual dedicam uma parte muito importante de suas vidas. E chegam a reconhecer que a qualidade de vida merece ser aprimorada, de uma forma constante.

É por isso que a filosofia da qualidade está dirigida às pessoas e a seus esforços, com especial atenção ao fator que se refere às atitudes, que sao as manifestações dos valores que dão impulso ao aprimoramento, para o bem de todos.

O importante na qualidade é a qualidade das pessoas

A qualidade das pessoas é a primeira preocupação da filosofia da qualidade. Um sistema, no qual se busca a qualidade, estará preocupado em que as pessoas desenvolvam ao máximo suas potencialidades.

"Para produzir melhores sistemas, uma sociedade deverá preocupar-se menos com produzir bens materiais em quantidades crescentes, do que com produzir pessoas de melhor qualidade: em outras palavras, (com produzir pessoas) que sejam capazes de produzir estes sistemas."'

Isto é formulado por uma teoria que se aplica a empresas produtoras de bens e serviços. Quanto mais não deve ser, em uma organização dedicada, justamente, a formar pessoas!

"O mais importante não são as coisas que o homem faz, mas sim o homem que faz as coisas".2

E, no entanto, na educação, muitas vezes vemos que os planejadores parecem dar mais importância às coisas do que às pessoas, para melhorar sua qualidade. É comum ver programas de aprimoramento da educação preocuparem-se mais com proporcionar infra-estrutura e materiais didáticos do que com a atualização e o apoio dedicado aos docentes.

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O mais importante é a possibilidade de viver os valores do compromisso, da responsabilidade e da solidariedade

As pessoas desenvolvem-se, quando sao capazes de crescer integralmente. Para desenvolver-se é necessário adquirir conhecimentos, desfrutar uma qualidade de vida digna, ser respeitado e aceito. Mas talvez mais importante que tudo o que acabamos de citar, o processo de desenvolvimento pessoal está na descoberta do sentido da vida, que provem, fundamentalmente, de provar a si próprio a capacidade de transformar a realidade, no sentido em que se acredita que deve ser transformada e, de forma igualmente importante, em realizá-lo de uma maneira congruente com os valores que se quer ver refletidos nessa realidade que se está contribuindo para transformar. O aprimoramento efetivo gera uma verdadeira satisfação com a vida.

A busca da qualidade gera espaço para que isto seja possível. Dá um sentido de transformação ao trabalho quotidiano. E procura fazê-lo salientando o compromisso, a responsabilidade e a solidariedade com os seres humanos com os quais se trabalha e com o objetivo coletivo do qual se participa.

A filosofia da qualidade tem sua base na convicção de que o desejo de procurar atingir qualidade e valor, de compartilhar experiências e de apoiar-se umas nas outras e inerente às pessoas.

Sc crescemos como pessoas, poderemos formar integralmente nossos alunos

Quando conseguirmos criar nas nossas escolas as estruturas que permitam desenvolver as pessoas, poderemos ter a certeza de que estaremos numa posição privilegiada para tentarmos o mesmo com nossos alunos. Desta forma, estaremos atendendo a essa constante aspiração dos pais de família, no sentido de esperar da escola uma formação ética e teremos criado as bases para procurar satisfazê-la.

Revisemos os valores que podemos viver de forma congruente, ao participarmos de um processo de aprimoramento da qualidade, e os valores que seria desejável desenvolver em nossos alunos. Ao fazê-lo, veremos que, à medida em que nós, como uma equipe de docentes, nos proponhamos a abrir espaços para que nossos alunos, bem como suas famílias, vivam estes valores, não estará muito afastada esta possibilidade.

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- A identidade

Em um processo como o que descrevemos ao longo deste texto, nós, como docentes, vemo-nos fortalecidos em nossas identidades. Reconhecemo-nos como parte de uma escola: chegamos a sentir-nos parte dela, porque ela é, de certa forma. criação nossa. Mas adquirimos também uma identidade profissional, porque desenvolvemos nossas capacidades como docentes.

No caso dos nossos alunos, é evidente que alcançar sua identidade individual e social é um processo que se relaciona com as etapas de desenvolvimento da criança. No entanto, também todos sabem que este processo deve ser favorecido. para que se possa realizar totalmente. Por outra parte, a identidade está na base de um dos direitos humanos fundamentais, que é o respeito. É preciso respeitar-se a si mesmo para poder respeitar os outros. Está também na base de outro dos componentes fundamentais, essência dos direitos humanos, que é a dignidade. A convicção da própria dignidade é condição para reconhecer a dignidade alheia.

Ora, para que se atinja a identidade, é considerada essencial a existência de oportunidades de pelo menos três tipos:

a) A participação criativa. As oportunidades de expressão, de proposta, de criação, de tomada de decisões, de opinião, são indispensáveis para a construção do sujeito. São a base para o trânsito da heteronomia à autonomia, que é o processo evolutivo no qual se baseia a formação da identidade.

b) A diversificação. Enfrentar o outro e os outros como diferentes e próprios constitui o eu identificado. Portanto, as oportunidades de interação com alunos diferentes, de outras idades, com professores diferentes, com alunos de outras escolas, com pessoas da comunidade e, por via da expansão da realidade quotidiana, mediante o conhecimento e a compreensão de outras realidades, outras culturas. outros momentos históricos, que a escola possa proporcionar, são de um valor incalculável na formação da identidade pessoal e social. Cada vez se aceita mais o valor pedagógico dos grupos heterogêneos na escola. Por trás disso está. justamente, a consecução desta identidade.

e) A auto-estima. Auto-estima e identidade são indissociáveis. No entanto, a primeira é mais frágil que a segunda e sua fragilidade a

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afeta. Portanto, a escola deve proporcionar amplas oportunidades para a constituição de uma auto-estima forte em todas as crianças. através do apoio e da compreensão das diferenças individuais e da possibilidade de múltiplas expressões, aproveitando os talentos individuais. Mas a escola também deve, através de vários mecanismos, converter-se em vigilante dedicada dos processos de interrelação -entre mestres e alunos e entre pares que ameaçam a auto-estima.

De enorme transcendência no terreno da identidade, do respeito e da auto-estima, são o conhecimento, o reconhecimento e a consistência nas interações das igualdades essenciais e das diferenças constitutivas entre os sexos. Isto é especialmente importante, partindo da escola, em contextos nos quais a formação de valores extraescolares é discriminatória e denegridora da condição da mulher e nos quais se reproduzem as condições de violação quotidiana a seus direitos humanos fundamentais.

- A liberdade, a responsabilidade e o respeito ao bem comum

Os processos de aprimoramento da qualidade na escola abrem para nós possibilidades de viver os valores acima citados, de formas variadas, como já viemos analisando.

A liberdade deve ser entendida como o direito de escolher, mas conhecendo as conseqüências da escolha, para si próprio e para os outros, e assumindo a responsabilidade pelas mesmas. A escola, portanto, deve propiciar muitas oportunidades de escolha livre. mas. junto a isto. um processo de definição coletiva e participativa das normas de convivência, em um processo contínuo de construção e revisão, que esclareça as conseqüências de sua violação. Os processos de vida democrática dentro das salas de aula e da escola, a elaboração de regulamentos internos próprios de cada grupo, com sanções estabelecidas, postos em prática em várias experiências e avaliados em algumas delas, parecem indicar que estes se convertem em oportunidades privilegiadas para a vivência da liberdade, com respeito ao bem comum.

- A eqüidade e a justiça

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Um processo de aprimoramento da qualidade total preocupa-se com todos os alunos, nao somente por conseguir o melhor para alguns deles. Já mencionamos que, para a qualidade, é mais importante diminuir as variações do que melhorar a média. Neste princípio da filosofia da qualidade estão sintetizados os valores de eqüidade e de justiça.

A eqüidade consiste em proporcionar oportunidades iguais para todos. A justiça consiste em dar mais a quem necessita mais. A justiça é um valor muito mais profundo que a eqüidade. Mas na vida quotidiana, na escola ou fora dela, existem violações tangíveis tanto contra a primeira quanto contra a segunda. A escola deve oferecer oportunidades para viver a eqüidade como condição sem a qual não se pode viver a justiça. E oportunidades para viver a justiça. Da mesma forma, e novamente pela via da extensão do quotidiano, já mencionada, é necessário proporcionar oportunidades para conhecer-se a desigualdade e a injustiça externas e para agir contra as duas. pelo menos vicariamente.

A definição de justiça que acabamos de mencionar, não pode ser vivida sem a oportunidade de se viver o valor seguinte:

A solidariedade e o compromisso

Sem a solidariedade não é possível empreender um processo de aprimoramento da qualidade, porque a qualidade está nos processos e nestes todos nós participamos. Por outro lado. o compromisso é o pressuposto de todo processo de aprimoramento da qualidade. Quem não se compromete com um processo contínuo de aprimoramento, não poderá jamais se propor melhores resultados.

A solidariedade tem a ver com a identidade coletiva - do grupo, da unidade escolar, da comunidade - mas também com as manifestações da vontade de apoiar aos que assim o necessitam. A preocupação coletiva com os processos grupais é algo que. ao que tudo indica, é estimulado na medida em que os objetivos escolares são formulados, não como objetivos de progresso de cada indivíduo, mas sim do grupo. Desta forma, pode-se gerar um processo de responsabilidade coletiva para se chegar aos objetivos comuns, o que propicia oportunidades muito interessantes de compromissos individuais de apoio àqueles que, por alguma razão, correm o risco de se atrasar em relação aos progressos do grupo. Na medida em que estas oportunidades se diversifiquem e transcendam o âmbito acadêmico para incluir os esportes, as atividades artísticas, as atividades de serviço para com a escola, se

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diversificarão também as possibilidades de ser do sujeito que apoia. Novamente. esta vivência deve expandir-se para a vida quotidiana externa à escola - a mais próxima do aluno - de forma que se possa manifestar na vida familiar e comunitária e. vicariamente, na realidade mais ampla.

- A congruência

Este valor representa o fecho de todos os anteriores e de outros mais que. com toda certeza, também são essenciais, porque a congruência entre a informação, o conhecimento, o julgamento, a decisão e a ação é o que. em última instância, define o valor, que se manifesta verdadeiramente no comportamento. Com efeito, o que mais deseduca, e esta é a razão pela qual a escola e a sociedade formam com base em valores "indesejáveis", parece estar, precisamente, nas incongruências entre o discurso e os fatos, que chegam a se interiorizar como estilo de vida. porque os indivíduos se apropriam da incongruência.

Ora, a congruência é favorecida à medida em que sejam privilegiados os processos de conhecimento que são necessários para sua concepção. Concretamente, os processos de investigação e descobrimento, o desenvolvimento do julgamento crítico independente e a metodologia do diálogo, são todos eles coadjuvantes indispensáveis no processo, para que se atinja a congruência e a consistência.

Assim, podemos observar como, ao participarmos de um processo de aprimoramento contínuo da qualidade, crescemos integralmente como pessoas e seremos capazes de formar indivíduos íntegros. Talvez esteja aí o valor fundamental portador da esperança da filosofia da qualidade total, que parte da premissa de acreditar na pessoa e termina por desenvolver a pessoa.

Resumindo as idéias fundamentais deste capítulo: Os problemas da qualidade da educação não são dos professores, mas sim do sistema. No entanto, a solução a ser dada aos problemas da qualidade deve partir da equipe de docentes, lendo à frente o seu diretor. Na qualidade, o mais importante é a qualidade das pessoas. A filosofia da qualidade total considera que o importante não são as coisas que o homem faz, mas o homem que faz as coisas. E se propõe a desenvolver integralmente as pessoas.

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No processo de desenvolvimento integral das pessoas, talvez o mais importante são seus valores. A busca da qualidade abre os espaços para viver, de forma congruente, os valores fundamentais da solidariedade, da responsabilidade e do compromisso. Ao nos permitirmos, como professores, viver congruentemente os valores da solidariedade, da responsabilidade e do compromisso, a busca da qualidade coloca-nos em condições de poder formar integralmente nossos alunos e talvez também a suas famílias, dentro dos valores da identidade, liberdade e compromisso, eqüidade e justiça, solidariedade e congruência.

NOTAS

I.- IMAI, Masaaki. Kaizen: La Clave de Ia Ventaja Competitiva Japonesa. México: Companhia Editorial Continental, 1989. Citando uma intervenção de Claude Lévy-Strauss. em um seminário sobre qualidade total.

2.- Memórias del II Congreso Internacional de Calidade Total .México: FUNDAMECA, 1990.

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CAPITULO VIII

O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO PARA ATINGIR A QUALIDADE

Já falamos que um processo de aprimoramento da qualidade educativa necessita de informação e investigação. Dissemos, em várias ocasiões, que e preciso planejar, acompanhar e avaliar. Neste capítulo, ampliaremos estes três últimos aspectos.

O reconhecimento do problema

A busca da qualidade tem seu início, como já dissemos, na insatisfação com o estado de coisas. Em outras palavras, começa com o reconhecimento da existência de um problema, o qual pode ser de dois tipos ou a combinação dos dois: uma preocupação com os resultados deficientes que a escola está produzindo, ou uma preocupação com os processos deficientes que a escola está empregando. Como é óbvio, ambos estão vinculados entre si.

O reconhecimento de um problema pode. por sua vez. ter sua origem em várias fontes. Pode vir. e muitas vezes assim acontece, das queixas que a escola recebe de seus beneficiários: das escolas que recebem seus egressos, dos pais de família, dos próprios alunos, da comunidade. Neste caso. são os beneficiários os que estão pouco satisfeitos com a situação. Pode provir também das críticas emanadas do próprio pessoal que trabalha na escola. Neste caso, um membro da equipe, ou vários deles, estão pouco satisfeitos com o estado de coisas. Ou pode vir da direção, devido ao convencimento de que as coisas poderiam ser melhores.

Se o caso é o último citado, geralmente o processo é mais simples. O diretor tem uma idéia de como as coisas devem ficar para serem melhores. O necessário é que esta idéia se transforme em um plano. Talvez o mais difícil, neste caso, é que a equipe de professores também reconheça o problema e esteja disposta a colaborar para transformar a idéia em um plano.

Não sendo esse o caso. o processo é um pouco mais complicado. As queixas e as críticas, que não partem do diretor, têm que passar a se transformar em uma preocupação principal dele. Uma vez que ele reconheça o problema, deve

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convencer-se de que a situação poderia ser melhor e, desta convicção, deve advir uma idéia capaz de ser transformada em plano. Como dizíamos no capítulo VI, se o diretor não faz sua a necessidade de mudança, não é possível - ou pelo menos é muito mais difícil - iniciar um processo de aprimoramento da qualidade.

Mas suponhamos que o diretor se envolva no problema e que sugira uma ou várias idéias para melhorar a situação. Esta idéia tem que se converter em um plano. Por isso é que o planejamento é um aspecto importantíssimo nos processos de aprimoramento da qualidade.

A idéia converte-se em plano

Para que a idéia se transforme em plano, como já indicamos, é necessário conhecer bem o problema, suas causas e as soluções possíveis. Não nos aprofundaremos agora nas necessidades de informação e de investigação exigidas por este processo. Falemos agora das características do plano.

- O plano deve ser elaborado em grupo

As pessoas que dirigem os processos escolares são as responsáveis, em última instância, pelo aprimoramento da qualidade, pois a qualidade reside no processo. Isto significa que são elas que, em conjunto, devem desenvolver o plano. Isto implica que o diretor convoque, consiga convencer, entusiasme e comprometa a equipe de docentes a iniciar um empreendimento coletivo, o qual, como já dissemos, uma vez iniciado não terá fim.

O plano deve começar pela estabilização dos processos ou por definir a estabilidade dos já existentes

O primeiro passo em um processo de aprimoramento da qualidade é a estabilização dos processos. Isso significa descobrir o que se faz geralmente e o que geralmente se alcança. Somente assim poderemos saber se há pessoas que se encontram fora, abaixo ou acima dos padrões de qualidade e progresso. Se é assim, faz-se necessário:

a) Definir as normas mínimas. b) Proporcionar os elementos para que estas normas mínimas possam

ser cumpridas por todo o pessoal (por exemplo, proporcionar melhor

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formação, quando existe um problema de incapacidade, ou então resolver um problema de transporte de um professor que sempre chega atrasado, porque não pode resolvê-lo sozinho). e) Estabelecer, de comum acordo, sanções claras para a falta de cumprimento destas normas mínimas.

Desta forma, a ação terá inicio a partir de um processo padronizado. Começa com um plano de manutenção, que pode e deve ser elaborado e implantado a curto prazo.

Planejar os resultados almejados

O passo seguinte consiste em definir quais os resultados que queremos atingir. Em outras palavras, devemos definir os resultados de aprendizagem que esperamos alcançar com nossos egressos e com aqueles que terminam cada uma das séries da escola e, até mesmo, para cada uma das matérias de cada série.

Já estamos em um processo de aprimoramento. É importante que, neste processo de aprimoramento, fixemos metas realistas e nao utópicas ou idealistas. Haverá ocasião, em futuros ciclos do processo de aprimoramento da qualidade, para propormos patamares mais elevados. Mas, se começamos com metas muito afastadas das que atualmente somos capazes de realizar, corremos o risco de provocar frustração e interromper o processo.

O plano deve privilegiar os processos de prevenção ao problema

Quando realizamos a investigação, obtemos informação e interpretação sobre as causas do problema que nos absorve. Geralmente um problema como o de deficientes níveis de aprendizagem, não tem somente uma causa, mas várias causas. É necessário dedicar-se à tarefa de dar prioridade a essas causas, de forma a que o plano possa conseguir atacá-las. Somente atacando as causas é que se pode prevenir os problemas. E só prevenindo-os é que os solucionamos na raiz. É inclusive recomendável que, num primeiro plano, não se proponha, de início, a combater todas as causas, mas somente a ou as mais importantes.

Toda tentativa de prevenção dos problemas implica modificar os processos, que é de onde decorrem a boa ou a má qualidade. Nestes processos todos

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participamos. Por isso, todos devemos participar na elaboração deste plano preventivo, porque sua implementação será tarefa de todos.

O plano deve preferir a diminuição das variações à elevação das médias.

De nada serviria, para os propósitos de satisfazer as necessidades dos nossos beneficiários, que, em vez de produzir trinta egressos medíocres, fôssemos capazes de produzir três egressos excelentes, vinte medíocres e sete fracos. Sem dúvida, com isto, nossas médias melhorariam, mas estaríamos incorrendo numa falta de eqüidade e, em última instância, atentando contra a justiça. É mais importante que nos proponhamos a conseguir trinta egressos menos medíocres que antes. Novamente, haverá ocasião para nos aproximarmos da meta de produzir trinta formandos excelentes. No final, é o que se almeja. Mas temos que fazê-lo gradativamente.

O exemplo de uma fábrica é, sem dúvida, chocante, mas muito claro. Uma fábrica tem prejuízos sempre que produz um artigo defeituoso. Tem que desfazer-se dele ou tem que mandá-lo novamente de volta para a linha de produção, onde os processos se duplicam, porque é necessário, primeiramente, corrigir o defeito e depois armá-lo novamente. A intenção de uma fábrica é a de produzir com a menor variação possível, alcançando um padrão de qualidade parelho em todos os seus artigos. Atingindo este padrão de qualidade estável, poderá depois tentar aprimorá-lo, criando as condições para assegurar que esse novo padrão também seja alcançado de forma parelha.

Evidentemente, os alunos não são artigos. Também é claro que, sendo pessoas, todos são diferentes, apresentando capacidades e habilidades diferentes e muito variadas. Tudo isto é certo. No entanto, estamos trabalhando numa escola que proporciona educação básica, que é o direito de todos. Estaríamos infringindo esse direito humano fundamental, se nos dedicássemos a favorecer as variações.

Conseguir diminuir as variações é também um assunto concernente aos processos. Também nisto estamos todos envolvidos e nossa participação no planejamento é essencial.

O plano exige programas mais definidos

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É aqui onde intervêm pequenas equipes de trabalho ou o que se denominou de "círculos de qualidade". Trata-se de repetir, numa escala menor, o processo anterior, naqueles aspectos específicos que envolvem, de maneira especial, certos membros do pessoal, dos alunos ou dos pais de família.

Vejamos um exemplo. O plano global, no qual todos participam, sob a coordenação do diretor, dedica-se a diminuir o atraso escolar. Na investigação realizada, são identificadas as causas: algumas delas estão na forma como normalmente são conduzidas as aulas, outras em algumas características específicas de algumas famílias, que ocasionam um excessivo absenteísmo dos filhos, outras ainda estão nos problemas de disciplina dentro da sala de aula.

Vejamos o caso de uma escola secundária. Pode ser conveniente que se formem várias equipes de professores, por disciplinas ou áreas de aprendizagem. de tal forma que seja estabelecido um programa específico de estratégias de ensino. que previnam o atraso e que permitam dar uma atenção especial aos alunos que se atrasam. Talvez tome-se a decisão de formar uma equipe que tente estabelecer um diálogo com os pais de família dos alunos que faltam, de tal forma que se possa evitar suas ausências. Numa equipe com esta finalidade, podem participar pais de família. Pode ser interessante que uma outra equipe, constituída por professores e alunos, assuma a proposta de elaborar regulamentos internos da classe, os quais seriam submetidos à discussão e à aprovação democrática de todos os alunos do grupo, com a finalidade de prevenir os problemas de disciplina. Estas equipes estariam dispostas a atacar algumas das causas do problema global, que o plano pretende resolver, partindo de seus âmbitos de interesse e de trabalho específico.

O plano é posto em prática e é monitorado

O plano, bem como os programas de trabalho das equipes ou círculos de qualidade, pode traduzir-se em novas práticas, que devem ser definidas com clareza, de forma que sejam compreendidas por todos. As práticas referem-se aos processos e agem, em última instância, sobre as relações.

Já que um plano pretende modificar processos, é preciso que as práticas consideradas necessárias para modificá-los sejam revisadas permanentemente pela própria equipe que as definiu. A esta revisão contínua dá-se o nome de acompanhamento, que é diferente da avaliação, que revisa os resultados.

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O acompanhamento refere-se à atuação das pessoas nas suas práticas quotidianas. Tendo em vista que, afinal, somos todos responsáveis pelo objetivo idealizado, a revisão da nossa atuação também compete a todos. Mudar nossas práticas não é fácil. Encontraremos obstáculos e problemas, que sequer imaginávamos antes de tentar a mudança. Descobriremos que necessitamos apoios específicos, para poder direcionar nossa prática no sentido desejado. Em muitos casos, necessitaremos uma formação melhor para poder realizar as modificações combinadas. No entanto, se não existe espaço para se discutir estes problemas, nem a vontade de encontrar, de comum acordo, as soluções, corre-se o risco de que o processo de aprimoramento seja abandonado, provocando frustração entre os que tentaram realizá-lo.

Por isso, o acompanhamento é também um trabalho de grupo. Para acompanhar, necessitamos critérios. Tendo em vista que o objeto de nosso acompanhamento são as práticas e os processos, os critérios são, fundamentalmente, de natureza qualitativa. Referem-se aos esforços das pessoas, à suas atitudes, à sua constância, à sua capacidade de crítica e de autocrítica, à sua criatividade para fazer sugestões para enfrentar obstáculos não previstos. Estes critérios, de caráter qualitativo, podem ser transformados em indicadores definidos, também de caráter qualitativo. Assim, por exemplo, o esforço pode ser avaliado na medida em que os docentes estão elaborando, de forma mais consistente, seus planos de aula, nos quais são introduzidas modificações nos processos de ensino, no sentido de evitar o atraso escolar. Se, de fato, percebem-se progressos nos critérios acima, pode-se ter a certeza de que se está no caminho da transformação das práticas. Se, ao contrário, descobrem-se problemas em qualquer destes critérios, será necessário, novamente, descobrir suas causas e procurar solucioná-las na raiz.

Agora, em um processo de acompanhamento, e em relação ao plano global. é extremamente importante não perder de vista o objetivo final, que se refere à satisfação das necessidades do beneficiário de nossa ação educativa. Isto significa que. ao longo de todo o processo, é essencial fortalecer o diálogo com nossos beneficiários: alunos, pais de família, escolas que recebem nossos egressos, a comunidade como um todo. Este diálogo proporcionará insumos importantes para a nossa tentativa de modificar as atividades escolares, e. o que é mais importante, nos ajudará a ter sempre presente o objetivo externo, que motiva originalmente o processo e nos mantém unidos em nossos propósitos. O papel do diretor aqui é essencial, mas o diálogo com os beneficiários é uma função de todos.

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Isto deve ser realizado em cada pequena equipe ou círculo de qualidade e com relação ao plano global. No entanto, nao se pode esquecer que a comunicação entre estas equipes é essencial, para poder fechar o círculo do verdadeiro acompanhamento. Estimular a comunicação e socializá-la, esta é uma das importantes responsabilidades do diretor.

Os resultados são avaliados

O processo é acompanhado. Os resultados são avaliados. Se regressamos ao nosso exemplo, o resultado esperado do plano é o de diminuir o atraso escolar. Para tal, colocamos em prática uma série de modificações naquilo que consideramos causas do atraso escolar as quais supomos que afetarão os resultados. Transcorrido o tempo suficiente depois de se ter conseguido modificar nossas práticas, avaliamos. Neste caso, o que avaliamos é a forma como foi ministrada a distribuição dos resultados de aprendizagem alcançados. O que queremos encontrar é um menor número de alunos abaixo dos níveis ideais de aprendizagem traçados e, ao mesmo tempo, um nível médio de progresso não menor que o anterior - melhor ainda se este aumentou. Isto significa medir, de uma forma comparável com os dados que tínhamos no início do processo, a aprendizagem de nossos alunos. Mas significa também analisar sua distribuição e compará-la com a anterior, para poder constatar que, com efeito, a variação diminuiu e o atraso decresceu.

No setor da educação, a avaliação é uma prática comum. O problema é que somente se avalia, não se acompanha. A avaliação, sem o acompanhamento, não permite melhorar a qualidade, mas apenas constatar sua presença ou sua ausência. A inspeção clássica baseada na análise dos resultados de avaliações é incapaz de aprimorar a qualidade dos processos.

A avaliação é importante, mas somente é útil para aprimorar, quando está combinada com o acompanhamento. Partindo da perspectiva da filosofia da qualidade, avalia-se com o resultado, não pelo resultado. Não é possível avaliar as pessoas simplesmente pelo seu desempenho final, medido através de provas de aprendizagem. É necessário considerar quais os passos que foram dados para melhorar estes resultados. Trata-se, na avaliação, de verificar, por meio dos resultados, e não de verificar os próprios resultados. Assim, examinamos a qualidade para ver como está transcorrendo o processo. Sc não é assim, estaremos falando simplesmente de inspeção. O mais importante é o controle dos processos, a fim de que os alunos possam passar por eles sem dificuldades. A avaliação verifica

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se os processos modificados contribuíram ou não para se alcançar melhores resultados.

Termina um ciclo e começa outro

Uma vez demonstrado que os processos desencadeados tiveram, de fato, os resultados esperados, e necessário padronizar estes processos. Assim como descrevemos que, como primeiro passo do planejamento, é necessária a padronização do processo normal da escola, e falamos dele como um passo de manutenção, ao chegar a este momento opera novamente a função de manutenção. Trata-se de estabelecer com clareza os novos níveis de comportamento, com o fim de evitar a recorrência em situações anteriores. Desta forma, cabe ao diretor revisar as normas, diretivas e regulamentos, de tal forma que o que foi realizado fique plasmado em novas regras do jogo e de comportamento escolares. Isto permitirá que velemos, como equipe, para que estas normas sejam cumpridas.

Mas com isso estamos somente prontos para iniciar um novo processo de aprimoramento, no qual o ciclo anterior se repete, mas a partir de um novo nível de desempenho e com processos aprimorados. Desta forma, estaremos aplicando o ciclo PFRA de qualidade total: planejar-fazer-revisar-agir.

O ciclo PFRA: Planejar significa fazer planos de aprimoramento nas atividades atuais, a partir de dados sólidos. Fazer significa a aplicação do plano. Revisar significa ver se foi alcançada a melhora almejada. Agir significa prevenir a recorrência ou institucionalizar o aprimoramento como uma nova prática que, por sua vez, deverá ser aprimorada.

Resumindo as idéias mais importantes deste capítulo: O processo de aprimoramento da qualidade parte do reconhecimento de um problema, que deve ser motivo de preocupação para o diretor da escola. Esta preocupação deve gerar idéias para a solução do problema.

Estas idéias têm que se transformar em plano. Mas um plano dirigido para o aprimoramento da qualidade tem que preencher várias condições:

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Deve ser elaborado em equipe. Deve começar por estabilizar os processos atuais. Deve planejar os resultados esperados. Enfatiza os processos que previnem o problema. Preocupa-se principalmente em diminuir as variações.

O plano global da escola tem que ser apoiado em programas mais definidos, que surgem dos círculos de qualidade ou de pequenas equipes de pessoas, unidas pelas afinidades das áreas de trabalho ou de interesses. Nesses círculos podem participar alunos e pais de família. Um dos passos mais importantes em um processo de aprimoramento da qualidade é o acompanhamento desses processos. Acompanhar significa verificar se os processos estão mudando. O acompanhamento também deve ser realizada em grupo. Quando já se puderem esperar os resultados, é necessário avaliar. Mas avaliamos fundamentalmente para verificar se nossos processos aprimorados funcionaram. A avaliação, por si só, não pode melhorar a qualidade. São os processos aprimorados os que a melhoram. Uma vez constatados resultados melhores, o processo é institucionalizado e estamos em condições de começar um novo ciclo: planejar-fazer-revisar-agir.

NOTA

1.- IMAI, Masaaki. cit

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CAPITULO IX

A QUALIDADE NECESSITA DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

A melhor forma de levar o beneficiário em consideração é fazê-lo participar

Já definimos os pais de família como um dos beneficiários importantes da atividade escolar. Por outro lado, ao analisarmos alguns exemplos de problemas que afetam nossas escolas, vimos que as características das famílias e a dificuldade com que as escolas se adaptam a essas características sao, freqüentemente, causas importantes desses problemas.

É por isso que, na educação básica, não se pode entender a qualidade sem a ativa participação dos pais de família, que deve ser propiciada pela escola, como um todo, e pelos diversos professores com os pais de seus alunos.

No fundo, o ideal é que a comunidade se aproprie da escola, que a considere como sua, que a apoie e se envolva com ela como um agente ativo no processo permanente de aprimoramento da qualidade. Para chegar a este ideal, no entanto, e conveniente ir traçando metas viáveis.

Apesar das dificuldades de comunicação com a comunidade, quando analisamos os problemas da escola, esta é, talvez, o serviço público mais apreciado pela comunidade na qual está inserida. Muitas escolas foram instaladas e construídas graças às ações e ao esforço comunitário. A educação dos filhos é uma das metas mais valorizadas pelos pais de família. Por isso, os pais de família e a comunidade constituem excelentes aliados da escola, do diretor e dos professores, para atingir seus objetivos. Pais, comunidade e professores tem metas comuns.

Mesmo com metas comuns, muitas vezes surgem conflitos entre a comunidade e a escola. Se os analisamos, vemos que os conflitos expressam diferentes maneiras de compreender as finalidades da escola, as formas de atingi-las e a maneira como são apoiadas pela comunidade.

Se consideramos que a escola, a comunidade e os pais de família pretendem a mesma coisa, estaremos de acordo em que o trabalho conjunto para atingir estes

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objetivos produzirá maiores e melhores resultados que o esforço isolado de uma das partes. Muitas experiências que procuram vincular a escola à comunidade assim o demonstram.

A escola está na comunidade e a comunidade está na escola

Uma vez incorporado o serviço educativo a uma comunidade, a escola torna-se parte de sua vida. O tempo das famílias cujos filhos estão na escola gira, em grande parte, em torno dela. Em muitos casos, os pais de família têm que investir uma parte importante de sua renda, a fim de assegurar que seus filhos tenham os uniformes e material necessários para seguir com êxito seu processo escolar. Em muitas comunidades, os pais, além disso, abrem mão da ajuda econômica e do apoio dos filhos nas suas tarefas.

Mas a escola também se faz presente na comunidade de muitas outras formas. Comemora com ela suas festas principais. Em muitas oportunidades, a escola representa a comunidade em eventos regionais. É raro encontrar uma escola que não preste algum tipo de serviço à comunidade: campanhas de higiene, participação nas campanhas de vacinação, experimentação e demonstração de novas formas de cultivo no terreno escolar, organização de eventos esportivos... Você, professor, pode completar esta lista.

Em muitas comunidades, o professor desempenha um papel importante: comparece às assembléias comunitárias, ajuda na redação das atas, discute sobre a forma de realizar gestões e negociações e participa de atividades para resolver problemas comunitários.

Além de todas estas formas pelas quais a escola se insere na comunidade, o conjunto de relações informais que o pessoal da escola estabelece com os diferentes membros da comunidade, alunos, pais e autoridades, é muito importante. As relações de amizade, as demonstrações de preocupação dos professores ou do diretor diante dos problemas de alguma família, dos membros da comunidade ou da comunidade como um todo, a forma como os professores e o diretor recebem os pais de família, quando estes vão à escola e a maneira como respondem a suas dúvidas e inquietações, as visitas pessoais dos professores às casas de seus alunos, a interação, fora da aula, entre professores e alunos, todos estes detalhes do quotidiano da vida escolar fazem com que a escola tenha uma presença importante e específica junto à comunidade.

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A escola é parte vital da comunidade. Uma comunidade que tem uma escola já não pode se imaginar sem ela. E não há dúvida de que as escolas estreitamente vinculadas à comunidade são as que apresentam os melhores resultados de aprendizagem entre seus alunos.

Mas assim como a escola está na comunidade, a comunidade também está na escola. Apesar de que em todas as escolas de um determinado país os programas sejam iguais, de que os livros de texto sejam os mesmos ou parecidos, de que os professores tenham uma formação semelhante e formem parte do mesmo sindicato. de que todas as escolas do país sejam regidas por normas comuns, cada escola é diferente, cada escola tem a sua própria identidade.

É natural que assim seja porque a comunidade "penetra" na escola. Isto acontece através de várias vias, mas a mais importante de todas está constituída pelos próprios alunos. Estes, que são educados principalmente por suas próprias famílias, por seus parentes, pela vida comunitária, trazem consigo a cultura comunitária para a escola. Sua forma de falar, suas brincadeiras, a maneira de se relacionar com os companheiros e com os mais velhos, tudo isto está presente todos os dias na escola. A vida quotidiana dos alunos, o trabalho do pai e da mãe. sua própria participação na vida produtiva e no dia-a-dia do lar e da comunidade são os referenciais principais com os quais confrontam os novos conhecimentos que adquirem na escola e aplicam quando estão fora dela.

Os alunos também trazem consigo os problemas da comunidade e os de suas famílias. Quando não há comida suficiente em suas casas ou quando sofrem doenças, seu rendimento se ressente. As crianças que têm problemas de integração familiar não deixam esses problemas lá fora, quando entram na sala de aula. Os professores sabem que quando existem conflitos na comunidade, estes conflitos se manifestam também na escola, através dos alunos.

Também os pais de família manifestam-se, de forma muito importante, na escola, e imprimem, a cada escola, uma marca especial. Eles têm expectativas em relação à escola; têm uma concepção de como deve funcionar uma escola; tem suas próprias exigências sobre o que seus filhos devem aprender. E têm uma idéia, comunitária, cultural, do que significa a relação entre o professor e os alunos: de como devem ser tratados os alunos na sala de aula. de como se lhes deve ensinar, de como deve ser mantida a disciplina. Estas expectativas transformam-se em exigências, quando as coisas não acontecem como eles desejam ou quando a escola

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não funciona de acordo com suas concepções. De uma maneira muito importante, as expectativas, os pedidos e as exigências dos pais de família fazem-se presentes na escola, para que a escola seja de uma forma determinada, para que funcione de uma maneira determinada. Quando a comunidade na qual se trabalha está bem estruturada, quando suas organizações funcionam, quando o Círculo de Pais e Mestres é um organismo vivo, estas exigências apresentam-se em forma comunitária e adquirem uma força muito grande.

Algumas idéias para propiciar a participação dos pais de família e da comunidade

A seguir apresentamos algumas idéias de como ir envolvendo os pais de família na escola e no trabalho escolar de seus filhos.

Nosso trabalho na sala de aula

É no nosso trabalho quotidiano, dentro da sala de aula, que mais podemos fazer para relacionar a escola com a comunidade. Para tal, uma das sugestões mais importantes consiste em deixar que a comunidade entre na sala de aula. Damos, a seguir, algumas pistas mais concretas:

Aproveitar os conhecimentos, habilidades, valores e atitudes dos nossos alunos. Como já assinalamos, os alunos chegam à escola. desde o primeiro dia, com conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, adquiridos no seio da família e na sua comunidade. Estes podem converter-se no ponto de partida e/ou no ponto de chegada de muitos dos conteúdos que devemos ir priorizando no dia a dia. Assim sendo, antes de introduzirmos um novo tema, convém discuti-lo com os alunos: o que já sabem sobre ele: a importância que esse tema pode ter nas suas vidas quotidianas e na comunidade; como esse tema relaciona-se com aspectos da vida comunitária. Se isto é feito de forma sistemática, o professor não somente poderá contar com uma motivação maior por parte dos alunos, mas também obterá deles elementos valiosos para exemplificar e relacionar o tema em questão com situações próximas e conhecidas dos alunos e com seus próprios interesses. Por outro lado, convém levar todos estes elementos em consideração para que, ao serem atingidos os níveis de aplicação dos

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novos conhecimentos ou habilidades, procure-se fazê-lo também sobre estas realidades que já são conhecidas dos alunos. Comprometer os pais de família, os outros membros e/ou pessoas da comunidade com as tarefas escolares das crianças. Podemos idealizar um conjunto de tarefas que envolvam diversos membros da família e da comunidade. Algumas das que foram idealizadas por professores. que participaram de experiências de fortalecimento dos vínculos escola-comunidade, podem servir de exemplo: escrever uma carta em conjunto, de toda a família, a um familiar que esteja fora; calcular o orçamento semanal ou mensal da família; entrevistar alguma autoridade comunitária sobre algum fato histórico da comunidade; reconstruir o histórico das doenças das crianças da família e a forma como foram atendidas; etc.

Estes exercícios não somente cumprem a função de dar um sentido vivo à aprendizagem escolar, mas também permitem dar a conhecer aos pais de família o tipo de coisas que seus filhos já aprenderam. Isto gera uma dinâmica, que fará com que os próprios pais peçam apoio aos filhos em questões nas quais as crianças aplicarão os conhecimentos adquiridos na escola. Isto, como é evidente, reforça a aprendizagem escolar.

Conseguir a participação das pessoas da comunidade, ministrando aulas específicas. As experiências neste sentido são também muito motivadoras, pois os membros da comunidade em geral estão muito dispostos a participar e inclusive sentem-se muito lisonjeados. As pessoas que trabalham na comunidade podem ser, neste sentido, de muito préstimo: o carpinteiro pode dar uma aula ou uma série de aulas na área de educação artística; a dona de um armarinho pode dar uma aula sobre como administra seu pequeno negócio; os pais de família que fizeram viagens fora da comunidade podem comentar sobre a vida em outra cidade ou em outro país.

Numa experiência recente, realizada numa comunidade camponesa, alguns pais de família foram convidados para que, numa aula de sexta série, sobre cálculo de percentagens e juros simples e compostos, apresentassem a situação de seu crédito no Banco, para que os alunos se dedicassem à solução dos problemas reais da comunidade. Este tipo de exercícios, além de assegurar que os alunos enfrentem. com seus conhecimentos e habilidades, os problemas da comunidade, aproxima a

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comunidade da escola e descobre aspectos de apoio possível, antes desconhecidos, por parte dos seus membros.

Agora, dentro da sala de aula, o acompanhamento próximo de cada um de nossos alunos poderá indicar-nos os apoios específicos que devemos oferecer ou solicitar aos pais de família, em função dos problemas de cada um deles. Não é necessário dizer que devemos estar atentos aos problemas de caráter físico (visuais e auditivos), mas também, de uma maneira muito especial, aos problemas de caráter emocional. As crianças que apresentam estes problemas devem sentir-se aceitas e respeitadas pelo professor e pelo grupo, devem participar plenamente das atividades dentro e fora da sala de aula e e conveniente que sejam estimuladas, para que seja incrementada a confiança em si próprias. Da mesma forma, é conveniente observar os problemas da linguagem, evitando que os companheiros ridicularizem estas crianças, ajudando-as a melhorar gradativamente sua dicção. Os problemas da aprendizagem de conteúdos e de habilidades específicas devem ser atendidos, dedicando-nos a percorrer novamente o trajeto da aprendizagem, a fim de encontrarmos em que momento do processo esses problemas tiveram início.

Na medida em que uma parte do nosso tempo de aula possa ser aplicado a um trabalho individual e grupai dos alunos, por conta deles próprios, mediante um trabalho organizado e guias de estudo, com os quais os alunos podem progredir e avaliar seu próprio progresso, teremos, como professores, o tempo necessário para dar uma atenção individual aos alunos mais atrasados, tanto para diagnosticar seus problemas, quanto para procurar soluções. Isto nos levará a conhecer qual o apoio que devemos solicitar aos pais de família e a outros membros da comunidade.

A criação de um ambiente familiar propício à aprendizagem.

Já mencionamos e todos sabemos que existe uma série de fatores da vida quotidiana da família que afeta o trabalho acadêmico dos alunos. Por isto, é importante realizar um trabalho de orientação com os pais de família, de tal forma que comecem a existir na família situações cada vez mais propícias ao processo da aprendizagem dos alunos. Alguns dos elementos desta realidade, que é conveniente mencionar para atender, à medida em que eles existam como problemas na nossa comunidade, são os seguintes:

a) Nutrição: Uma boa nutrição não existe somente em função da quantidade de alimentos, mas sim da qualidade desses alimentos. E

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uma boa dieta balanceada não exige, necessariamente, maiores gastos dos que de fato já faz a maioria das famílias das nossas comunidades. É importante que os pais de família conheçam as conseqüências de uma alimentação deficiente, bem como as propriedades dos alimentos que são consumidos na comunidade e que podem ser adquiridos com facilidade e a baixo preço. A orientação para a elaboração de dietas balanceadas pode ser, neste sentido, de grande utilidade, tanto a curto como a longo prazo.

b) Higiene: Não é necessário recordar aos professores a relação entre uma higiene deficiente e a enfermidade. No entanto, é conveniente, se este problema, apresenta-se em nossa comunidade, que os pais possam chegar a estabelecer a relação causa-efeito entre a má higiene e os problemas de saúde, principalmente os de natureza gastro intestinal. Conhecendo as práticas higiênicas da comunidade, poderemos estabelecer a relação de causa entre elas e as doenças mais freqüentes de crianças e adultos.

e) Saúde: As orientações relativas aos problemas de saúde devem enfatizar mais a prevenção das enfermidades do que a sua cura. Uma boa parte disso alcança-se através de bons hábitos higiênicos e alimentares. Além disso, é conveniente que os pais compreendam a importância das vacinas e conheçam alguma coisa sobre primeiros socorros, bem como os principais sinais de alarme das enfermidades mais comuns na comunidade.

d) Conhecimento das etapas de desenvolvimento da criança e suas necessidades. É importante que os pais de família compreendam como se desenvolve a criança e quais são as suas necessidades em cada etapa de seu desenvolvimento. É de especial importância que compreendam a necessidade de afeto e de carinho que têm as crianças de todas as idades, bem como a necessidade de comunicação, verbal e não verbal, intensa e freqüente, com ambos os pais. Da mesma forma. é conveniente esclarecer aos pais sobre questões relacionadas com a atenção, o interesse e a preparação prévia para a escrita e a leitura. É especialmente importante que os pais dos alunos da primeira e segunda séries narrem histórias e que leiam em voz alta para eles, que cantem com eles e se interessem realmente pelo seu trabalho na escola.

e) Conhecimento da importância de um ambiente familiar estável e afetuoso para o bom desenvolvimento das crianças. É conveniente

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que os pais compreendam as conseqüências que o alcoolismo, as brigas, a violência verbal e física no seio da família têm sobre as crianças. É importante que compreendam as necessidades especiais de atenção que tem uma criança cujo pai ou mãe se ausenta de forma temporária ou definitiva. f) O apoio familiar ao trabalho escolar das crianças. Por último, convém estabelecer com os pais formas quotidianas de comunicação, para que conheçam as tarefas que são encomendadas a seus filhos e o que se espera deles em casa. A necessidade de que os pais dediquem um tempo e um espaço da sua rotina diária para que as crianças, ao chegarem da escola, realizem suas tarefas escolares, deve ser assumida conscientemente por eles. Basta dedicar meia hora, quando muito uma hora, durante a tarde, para que os filhos reforcem sua aprendizagem da escola, com o trabalho pessoal em casa. Da mesma forma, a necessidade de espaço e simples: um lugar livre, em uma mesa, com iluminação suficiente, e tendo à mão os instrumentos necessários para o trabalho em questão, com a televisão desligada, é o suficiente.

Tudo o que foi dito pode ser conseguido se dedicamos uma hora por mês para manter reuniões com os pais das crianças a nosso cargo. Os temas anteriores podem ir sendo abordados de forma breve e simples, procurando que os pais participem e que saiam de cada reunião de acordo sobre aspectos específicos com que podem melhorar o ambiente familiar, para fazê-lo cada vez mais propício à aprendizagem. Não devemos nos preocupar com o tempo que diminuímos do nosso trabalho na sala de aula, para trabalhar uma hora por mês com os pais: as diversas experiências sobre o assunto são eloqüentes, demonstrando que o que se alcança, graças a seu apoio, é muito mais do que se pode progredir, no programa escolar, nessa hora mensal que investimos neste tipo de atividade.

Estas reuniões mensais com os pais podem ser aproveitadas também para explicar, em termos simples e breves, o programa que será desenvolvido durante o mês seguinte, de forma a que os pais saibam em que seus filhos devem estar progredindo. É importante, nessas reuniões, informar aos pais. de maneira pessoal (oralmente ou por escrito), sobre os progressos dos alunos durante o mês anterior e sobre os aspectos nos quais necessitam especial apoio.

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Procedendo assim, o apoio dos pais não somente se fará evidente no progresso da aprendizagem de nossos alunos, mas também estaremos contribuindo para criar uma cultura comunitária de participação dos pais no processo de aprendizagem escolar de seus filhos, o que facilitará o caminho para os professores que vão nos suceder na escola da comunidade nos anos futuros.

O apoio especial dos pais aos alunos atrasados e/ou aos que apresentam problemas especiais de aprendizagem.

Ainda que o trabalho realizado com os pais de nossos alunos resulte numa melhor aprendizagem de todos em geral, sempre haverá um grupo de pais de família que não atenda aos nossos chamados, que não compareça às reuniões, que não se preocupe com o trabalho na escola. Muitas vezes estes são os pais das crianças que apresentam maiores problemas de atraso escolar, das crianças que mais faltam, que chegam tarde, que mais ficam doentes. Como e evidente, isto não é um acaso, e estas crianças são as que mais necessitam de atenção e apoio. Também é claro que, mesmo proporcionando-lhes atenção especial, será muito difícil para nós, sozinhos, como professores, levá-los adiante. Sabemos que é indispensável que os pais ou outros membros da comunidade também lhes proporcionem apoio.

As visitas domiciliares são o mecanismo principal para obter apoio dos pais das crianças atrasadas ou que apresentam problemas especiais de aprendizagem. A experiência em trabalhos desta natureza nos dá bases para sugerir que, na primeira destas visitas, expliquemos aos pais o que se espera atingir com seu apoio, ao longo do ano escolar. É necessário motivá-los para que assumam o trabalho com entusiasmo, explicando-lhes que as crianças aprendem em toda parte: em casa. na comunidade, com seus companheiros. É necessário dialogar com eles sobre a importância de ajudar seus filhos a aprender mais e melhor e conseguir que lar e escola unam esforços para que seus filhos obtenham uma educação de melhor qualidade e mais útil para sua vida atual e futura. Devemos ajudá-los a se convencerem de que são capazes de proporcionar apoio a seus filhos e de que possuem conhecimentos e experiências muito valiosas, de que existem muitas coisas que eles sabem e os professores desconhecem, de que são eles que melhor conhecem e que mais carinho tem por seus filhos e que, portanto, são os mais indicados para ajudá-los.

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Outros aspectos, nos quais pode-se estabelecer relações entre a escola e a comunidade

Em algumas comunidades, os professores tiveram a idéia de organizar os jovens para prestar apoio aos alunos da escola primária em atividades, de diversos tipos, à tarde. Desta forma, conseguiu-se que estes jovens, egressos do primeiro e segundo graus, orientados pelos professores, apoiassem os alunos que apresentavam situações de atraso ou problemas especiais de aprendizagem, na realização das tarefas escolares. Da mesma forma, esses jovens foram capazes de organizar, criativamente, grupos de teatro, música, serviço comunitário e um sem-fim de atividades extracurriculares educativas, com as crianças menores. Esta é uma forma de ir criando uma comunidade educacional, na qual se aproveita e se fortalece o potencial educativo da interação entre os diferentes membros da comunidade.

Não se pode esquecer a importância de assegurar a participação dos pais e de outros membros da comunidade nos eventos recreativos e culturais da escola. Poder-se-ia promover a organização de grupos de pais que, com seus filhos, se encarreguem da apresentação de números especiais. O professor pode também sugerir aos pais que participem na elaboração de materiais didáticos e brinquedos, tanto para a casa como para a escola.

É altamente recomendável que as atividades que citamos não sejam de um só professor, mas sim da escola como instituição, de maneira que nos seja possível nos apoiarmos mutuamente como equipe docente, planejar atividades em conjunto e avaliar os progressos periodicamente.

O Conselho de Classe é o espaço adequado para realizar estas atividades. Convém que o tema "relação escola-comunidade" esteja na agenda de todas as reuniões deste Conselho. Ele poderá propor experiências de vínculo entre a escola e a comunidade que ultrapassam o espaço da sala de aula. Assim, por exemplo, poderá prestar atenção aos problemas de falta de freqüência e evasão escolar e combinar formas de combatê-los com o Círculo de Pais e Mestres.

As reuniões do Círculo de Pais e Mestres devem ser o espaço onde este conjunto de atividades seja informado, revisado e avaliado, e onde se formulem e resolvam problemas que afetam à escola, como um todo. Na medida em que os pais sintam que têm uma participação próxima na aprendizagem de seus filhos, que é

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seu principal interesse, sua participação nos problemas mais globais da escola será muito mais fácil de ser alcançada.

A participação da comunidade reverte em melhor aprendizagem

O que propusemos pode parecer, a princípio, uma carga adicional de trabalho, a qual os professores dificilmente podem acrescentar à sua já pesada jornada. Não negamos que isto exige trabalho adicional e supõe diversificar as atividades normalmente já variadas do professor. No entanto, as experiências de união entre a escola e a comunidade demonstraram que, em pouco tempo, os esforços neste sentido começam a dar seus frutos, facilitando a realização do trabalho propriamente acadêmico. Por outra parte, todas estas atividades contribuem para estabelecer um clima comunitário cordial e de colaboração, que não somente evita os desgastes desnecessários, mas estimula os participantes. Por último, e talvez o mais importante, a satisfação que o professor obterá ao atender de forma integral o processo de aprendizagem de seus alunos, que irá se manifestando em progressos palpáveis na aquisição de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, parece-nos que vale a pena.

O processo de busca permanente de maior qualidade de aprendizagem entre nossos alunos ver-se-á fortalecido, na medida em que nele envolvermos todos os que compartilham deste mesmo objetivo.

Resumindo as idéias mais importantes deste capítulo: A melhor forma de levar o beneficiário em consideração é fazê-lo participar do processo. Se os pais de família e a comunidade são beneficiários do trabalho da escola, é importante conseguir sua maior participação. Devemos potencializar os vínculos que existem entre a escola e a comunidade e entre os docentes e os pais de família. A sala de aula é um excelente ponto de partida para começar a propiciar a participação dos pais. O professor pode fazê-lo, levando em conta a realidade comunitária na sala de aula, conseguindo que os pais participem na criação de ambientes mais propícios à aprendizagem, dialogando com as famílias dos alunos que têm problemas especiais de aprendizagem, encontrando a forma da própria comunidade se transformar em mestra.

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A experiência demonstrou que os esforços por alcançar uma maior participação dos pais e da comunidade traduzem-se em melhores níveis de aprendizagem dos alunos. Ao mesmo tempo, aprendem os pais, e nós, como professores, nos enriquecemos.

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CAPITULO X

ALGUMAS IMPLICAÇÕES DA QUALIDADE

Neste capítulo vamos referir-nos a algumas coisas que implicam, num movimento em busca do aprimoramento da qualidade da educação. Algumas delas já mencionamos, ao longo deste texto. Vimos, fundamentalmente, como a qualidade envolve implicações de mudança cultural profunda na organização, exigindo, daqueles que se comprometem com um processo dessa natureza, uma vivência congruente e constante de valores e atitudes renovados. Analisamos também como um movimento em busca da qualidade exige um esforço contínuo de todas as pessoas que nele se envolvem. Explicamos, com bastante detalhe, como um movimento em busca da qualidade exige um trabalho de equipe. Dedicamos um capítulo à análise do novo papel do diretor, como gestor de um movimento em busca da qualidade. Vimos como tudo isto redunda em um desenvolvimento integral das pessoas que participam como atores do processo.

Vamos referir-nos aqui. de novo, a algumas destas implicações, dando ênfase às que foram, até agora, menos aprofundadas.

A qualidade implica crítica e autocrítica

Vimos como a complacência e o pior inimigo da qualidade. Analisamos o motivo pelo qual o ponto de partida de todo processo de aprimoramento da qualidade é a insatisfação com o estado de coisas. Afirmamos que um dos aspectos-chave da filosofia da qualidade está na convicção de que as pessoas possuem um impulso em busca de um aprimoramento contínuo.

Tudo isto pode parecer muito bom na teoria. Mas a prática quotidiana do aprimoramento exige de nós atitudes que, na prática tradicional das nossas escolas, não estão sempre presentes.

Essa prática exige que percamos o medo de dizer o que pensamos. Muitas vezes, dizer o que pensamos cria problemas. É muito provável que. ao fazê-lo, incomodemos a outras pessoas. Quando essas pessoas podem adotar represálias, porque estão em posição de autoridade, o medo às vezes nos paralisa. E, ainda que esse não seja o caso, às vezes dizer o que pensamos nos distancia de nossos

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companheiros de trabalho ou nos ocasiona problemas de relacionamento, que preferimos evitar. No entanto, um processo de aprimoramento da qualidade se apoia, justamente, no fato de que existem coisas que não estão bem. A crítica é parte constitutiva do aprimoramento da qualidade, desde que gere sugestões, seja criativa e construtiva, e leve a um aprimoramento.

A contrapartida da necessidade de expressarmos o que pensamos é a abertura para reconhecermos nossos erros. Ou seja. os outros também terão de perder o medo de dizer o que pensam, e, em algumas ocasiões, criticarão o nosso trabalho. Temos que reconhecer que as criticas são necessárias para melhorar o nosso desempenho. Na nossa sociedade, poucas vezes temos a oportunidade de nos vermos como os outros nos vêem. A crítica construtiva das outras pessoas e uma fonte privilegiada de aprimoramento pessoal. Ninguém pode dar o melhor de si, se não se sente seguro. É necessário admitir com sinceridade quaisquer erros ou falhas no trabalho, porque isto faz parte do reconhecimento de que existem problemas. O aprimoramento é impossível sem a aptidão para admitirmos os próprios erros.

Para que realmente se possa dar um processo de critica e de autocrítica, em um ambiente de liberdade, é necessário que essa necessidade seja tratada abertamente nas reuniões da equipe, ao se iniciar um processo de aprimoramento da qualidade. É difícil aprender a criticar e a exercer a autocrítica. Mas não é impossível, desde que nos proponhamos a isso e tenhamos o apoio do grupo. Na convivência humana é necessário não somente falar com os outros, mas também deixar-se interpelar e receber as críticas que nos são dirigidas. Isto deve ser bem compreendido por todos os que participamos do processo.

A qualidade implica valorizar a diversificação

Não se trata de que todos pensemos de igual maneira, nem que vejamos as coisas da mesma forma. Ao contrário, a pluralidade de pontos de vista é que enriquece a possibilidade de encontrar as soluções. O reconhecimento disto gera, por sua vez, duas exigências: a primeira é um ambiente de liberdade, em que cada um possa se expressar tal como é; a segunda é uma atitude de respeito às opiniões e visões dos outros.

Em um processo de aprimoramento da qualidade, todos fazemos parte de um mesmo empreendimento. Chegaremos a construir a identidade da escola onde trabalhamos. Mas essa identidade não pode estar construída sobre a base de igualar

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o que pensamos. Não estaremos unidos, porque somos iguais. Ao contrário, seremos algo diferente, justamente devido à nossa capacidade de fazer uma unidade a partir de diferenças.

A qualidade implica consensos

Se aceitamos e respeitamos as diferenças, teremos a possibilidade de chegar a consensos muito mais profundos. Chegar ao consenso, entre pessoas que pensam de maneira igual, não e difícil. Basta propor alguma coisa que todos compartilhem, para que todos digam sim, sem a necessidade de analisarmos o que foi proposto, nem de discutirmos a fundo. Chegar ao consenso, entre pessoas que pensam de forma diferente, ao contrário, significa que temos que analisar o problema profundamente, discutir suas causas e implicações, propor soluções diversas, defender e argumentar. O consenso que se atinge depois de um processo desses exige que todos tenham chegado a um convencimento profundo de que o que foi decidido grupalmente é a melhor opção.

O consenso é necessário em um processo de aprimoramento da qualidade. Chegar a ele, se respeitamos nossas diferenças, pode ser árduo e inclusive conflitivo. Mas temos que reconhecer que a vontade coletiva, que surge da diversidade, é muito mais vital e profunda que qualquer outra.

A qualidade implica relevância

Já nos referimos, em várias oportunidades, ao postulado fundamental da filosofia da qualidade: o que é mais importante são os beneficiários e tudo o que fazemos tem como ponto de referência a satisfação de suas necessidades. Mas. justamente devido à importância que tem este postulado básico da filosofia da qualidade, parece-nos essencial fazer uma referência adicional a este ponto.

O beneficiário é a referência obrigatória de todo processo de aprimoramento da qualidade. É quem dá motivação ao plano, que é concebido a partir das idéias sobre como atendê-lo melhor.

No entanto, no mister educativo quotidiano, e naquilo que nos corresponde a todos nós. como professores, este postulado fundamental traduz-se na palavra "relevância".

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"O acesso à educação significa acesso a conhecimentos socialmente significativos". '

Alguns estudos sao muito claros em dizer que a falta de relevância dos conteúdos da aprendizagem que a escola oferece explicam boa parte de sua falta de qualidade. Existe, inclusive, o temor de que a educação básica tenha sido convertida em um ritual que não se relaciona com a vida do aluno ou da sociedade na qual ele vive.

No entanto, a relevância não pode ser entendida como a entrega de um conjunto de dados "relevantes" aos alunos, no sentido de que são próximos ao que eles experimentam na sua vida quotidiana fora da escola. O que é realmente relevante é a habilidade para compreender a linguagem escrita e expressar-se por escrito, para raciocinar, resolver problemas, analisar, avaliar opções e aproximar-se da informação. Isto implica dar maior ênfase às habilidades que aos conhecimentos. As habilidades, no entanto, podem, elas sim, serem desenvolvidas a partir de conteúdos relacionados com assuntos pelos quais os alunos se interessam de maneira especial. Sc assim fazemos, estaremos, no nosso quotidiano, vendo o beneficiário como centro e como referência do nosso trabalho profissional.

A qualidade implica justiça

Já insistimos, em várias ocasiões, sobre o fato de que a filosofia da qualidade dá mais importância à diminuição de variações do que à melhoria das médias. Se aplicamos este preceito à educação, e muito especialmente quando falamos de educação básica, que é um direito humano fundamental, isto significa que a qualidade se preocupa mais com a justiça do que com a igualdade.

Igualdade e oferecer o mesmo a todos. Justiça e dar mais aos que têm menos. Na nossa prática docente quotidiana, isto significa que não podemos nos conformar em dar uma aula, esperando que os alunos a aproveitem de acordo com suas capacidades, as quais, como já dissemos, são diferentes. É necessário procurar permanentemente que todos os alunos, independentemente de suas características, alcancem os objetivos que delineamos. Isto não significa que devamos impedir que os alunos melhor dotados ou mais dedicados superem os níveis que se pretende. O que não podemos permitir é que os alunos que, por alguma razão, têm dificuldades especiais, não os alcancem.

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A qualidade exige acreditar em nossos alunos

A filosofia da qualidade acredita nas pessoas e investe nelas seus maiores esforços. Nós, como agentes da qualidade, temos que acreditar em nossos alunos.

Descobrimos em investigações recentes que as crianças aprendem mais quando os professores acreditam mais nelas. É comum encontrarmos posturas derrotistas, principalmente quando trabalhamos com populações pobres. Tendemos, então, a reduzir nossas exigências sobre os alunos e sobre nós mesmos; a nos conformar com pouco; a ensinar com a esperança de que pelo menos alguns aproveitem alguma coisa.

Acreditar nos alunos significa: apostar que eles são capazes de aprender como aprendem os melhores alunos; de que são capazes de continuar seus estudos nos níveis médios, e até mesmo superiores, com êxito; que, se não tiverem oportunidades de continuar estudando, serão capazes de enfrentar com êxito sua vida atual e futura; que são capazes de ir superando os obstáculos e os problemas que vão encontrando no seu processo de aprendizagem.

Significa reconhecer que isto exige nosso apoio, mas também, de forma muito especial, apoio da família e. indiretamente, da comunidade.

É importante relembrar, como já dissemos antes, que neste objetivo de atingir uma boa aprendizagem, temos aliados muito valiosos: os pais e a comunidade. Eles têm este mesmo objetivo, mesmo que, freqüentemente, o manifestem de outras formas. E as experiências que existem sobre as tentativas de direcionar seu apoio para seus filhos e para a escola permitem-nos afirmar que pais e comunidade estão sempre dispostos a fazer o que estiver em suas mãos para alcançar este objetivo comum.

A qualidade deve ser compartilhada

No caso das empresas que produzem bens e serviços, para ganhar mercados e melhorar seus lucros, os movimentos em busca da qualidade não são compartilhados, porque entre elas a regra do jogo e a competição. Mas. quando falamos de educação, e mais ainda quando falamos de educação básica, o aprimoramento da qualidade não é para que a nossa escola seja a única boa, mas para que todas sejam melhores.

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Isto significa que temos a obrigação de compartilhar com nossos colegas professores, com nossos superiores e com as autoridades educacionais, nossos progressos e as formas como os alcançamos. Na educação, a verdadeira medida da qualidade encontra-se na expansão do movimento a outras escolas da região, a outras regiões, ao sistema educacional como um todo.

Se atingirmos este objetivo, estaremos propiciando uma transformação do sistema educacional de baixo para cima, em vez de partir do planejamento educativo tradicional de cima para baixo.

Resumindo as idéias mais importantes deste capítulo: Uma implicação a mais da qualidade é que temos que aprender a criticar e a fazer sugestões, a aceitar as críticas dos outros e tentar colocar em prática as idéias alheias. Outra implicação da qualidade é que nos enriqueceremos mais, à medida que compreendemos que somos diferentes uns dos outros e que respeitemos e aproveitemos estas diferenças. O consenso é requisito necessário a um movimento em busca da qualidade: temos que estar todos de acordo no sentido de que aquilo que nos propomos a realizar é bom e possível. Não estamos, verdadeiramente, buscando a qualidade, se não nos preocupamos diariamente, dentro do nosso trabalho docente, em oferecer aprendizagem relevante a nossos alunos. Nisto traduz-se. para a sala de aula, ter a nossos beneficiários como referência. Também não estaremos obtendo qualidade verdadeira, se não nos preocupamos, de forma contínua e quotidiana, com a justiça, que significa dar mais aos que têm menos. Nossa meta deve ser a de que nenhum aluno aprenda em níveis mais baixos dos que aqueles que idealizamos como objetivos. Uma atitude fundamental, que um movimento em busca de uma melhor qualidade na educação exige de nós, é a de acreditar em nossos alunos. Geralmente, eles nos darão a razão. Temos a obrigação de compartilharmos e de difundirmos nossos progressos, e a forma como os alcançamos, com nossos colegas de outras escolas e com as autoridades educacionais. Somente assim, partindo da base, poder-se-á ir ampliando um movimento em busca de uma melhor qualidade nas nossas escolas.

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C O N C L U S Ã O

A QUALIDADE É UM ASSUNTO SOBRE O QUAL SE DEVE PRESTAR CONTAS

Chegamos ao final deste livro, com a pretensão de ter apresentado a nossos leitores, diretores e professores, uma metodologia que, estamos certos, permite vislumbrar o grande salto para adiante em matéria de qualidade na educação básica, partindo do aprimoramento da qualidade em cada centro de estudos e de seu corpo docente.

Queremos agora compartilhar com os diretores e professores a reflexão sobre como estivemos falando da necessidade que temos, como sistema educacional, como escola e como professores, de prestar contas, aos nossos beneficiários, da forma como trabalhamos e dos resultados do nosso trabalho.

No contexto tradicional das escolas dos nossos países, professores e diretores movimentam-se entre a necessidade de mostrar os resultados de seu trabalho e de prestar contas a dois tipos de "clientelas": por um lado, o próprio sistema educacional, através de suas autoridades, desde as mais imediatas (diretor, supervisor) às mais afastadas. Por outro lado, os nossos alunos, seus pais e a comunidade na qual trabalhamos. Todos nós já experimentamos diretamente as duas fontes de exigências: as que vêm de cima e as que vêm de baixo. A pergunta fundamental frente a esta realidade, então, é: a qual das duas fontes de exigências damos maior importância?

Em geral, podemos dizer que existe uma tendência muito clara e muito explicável, sem que por isso seja correta, de considerar fundamentalmente as pressões que nos chegam da parte do sistema educacional, descuidando, às vezes, a atenção aos nossos alunos, seus pais e a comunidade, que. freqüentemente, não são capazes de expor suas exigências neste sentido. Infelizmente, essas pressões que nos chegam da parte do sistema educacional nem sempre têm a ver com a qualidade da aprendizagem que estamos conseguindo. E, se pensamos profundamente sobre o assunto, poderemos com facilidade reconhecer que a razão de ser do docente e da escola é a comunidade à qual serve e, de forma direta, os alunos. Não foi em vão

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que, quando falamos de beneficiários, não mencionamos, entre eles, o próprio sistema educacional.

Se atendemos aos alunos e a seus pais, certamente atenderemos também as exigências do sistema educacional. Mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Podemos seguir o programa ao pé da letra, estar em dia com o calendário das lições, preencher todos os formulários de qualificações, altas e baixas, que o sistema exige e, ao mesmo tempo, estar descuidando a aprendizagem real dos nossos alunos. É natural que, se estamos mais preocupados em atender o sistema que a nossos alunos, tenhamos pouco interesse em estar em contato com os pais de família e com a comunidade.

Mas se nos centramos em nossos alunos e nos preocupamos com a sua aprendizagem, imediatamente reconheceremos a importância de mantermos relações estreitas com os pais de familia e concordaremos que a comunidade pode apoiar uma melhor consecução dos objetivos propostos.

Nossa obrigação é prestar contas dos resultados do nosso trabalho a todos os nossos beneficiários: alunos, pais, empregadores, escolas de níveis subseqüentes, e, em última instância, à comunidade mais ampla. Não podemos esperar que nos peçam contas para prestá-las, porque isto é o que estivemos fazendo durante muito tempo e isto não redundou em qualidade. Devemos prestar estas contas. Ao fazê-lo, estaremos melhorando também a capacidade de nossos beneficiários de exigi-las. A exigência é o motor principal da qualidade. Logicamente, também temos que prestar contas ao sistema educacional, através de suas autoridades. Mas não haverá problema. Se satisfazemos a nossos beneficiários, estaremos atendendo o sistema educacional.

NOTA

I CEPAL-UNESCO Educación y conocimiento

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"Um grande progresso realizou-se no mundo ocidental quando a moral não foi mais subordinada à política; um maior ainda se reali-zará quando a política se submeter à moral. A vida vale o que nós fazemos dela e sobretudo o que dela queremos fazer. É preciso crer no bem para ter a força de produzi-lo; e amar sobre todas as coisas um ideal, para termos a capacidade de realiza-lo".

A Educação e seus Problemas

Fernando de Azevedo