MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC...

18
ISSN 2176-1396 MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A TAREFA DE CASA ENQUANTO PRÁTICA EDUCATIVA Silvia Letícia Costa Pereira Correia 1 - UNEB Thyara Ferreira Ribeiro Mendonça 2 - UNEB Tarsis de Carvalho Santos 3 - UNEB Eixo Representações Sociais e Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo é fruto da convergência de reflexões realizadas no âmbito de duas pesquisas de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que versam sobre as representações sociais (RS) de pais, mães e familiares, professores e gestores sobre a família e a escola; e outra que aborda a produção do currículo no cotidiano escolar, a partir do conteúdo das RS do espaço vivido. Estas pesquisas vêm sendo desenvolvidas numa Escola Municipal da Cidade de Salvador/BA. A questão que se formula é: como a tarefa de casa (TC) pode contribuir para o fortalecimento da parceria escola-família, considerando a mesma como mediadora do processo de ensino/aprendizagem? O aporte teórico é aquele das discussões efetivadas no Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Representações, Educação e Sustentabilidade que envolvem o pensar e agir dos atores sociais, destacando as vicissitudes do processo educativo e a possibilidade de promoção e aperfeiçoamento de praticas 1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB). Pedagoga pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenadora Pedagógica e Gestora da Rede Municipal de Ensino de Salvador/BA. Membro do GIPRES. E-mail: [email protected] 2 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade católica do Salvador (UCSAL). Psicóloga pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE). Membro do GIPRES. E- mail: [email protected] 3 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC/UNEB). Membro do Grupo de pesquisa Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade (GEOTEC). E-mail: [email protected]

Transcript of MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC...

Page 1: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

ISSN 2176-1396

MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A TAREFA

DE CASA ENQUANTO PRÁTICA EDUCATIVA

Silvia Letícia Costa Pereira Correia1 - UNEB

Thyara Ferreira Ribeiro Mendonça2 - UNEB

Tarsis de Carvalho Santos3 - UNEB

Eixo – Representações Sociais e Educação

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo é fruto da convergência de reflexões realizadas no âmbito de duas pesquisas de

doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação Educação e Contemporaneidade

(PPGEduC), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que versam sobre as

representações sociais (RS) de pais, mães e familiares, professores e gestores sobre a família e

a escola; e outra que aborda a produção do currículo no cotidiano escolar, a partir do conteúdo

das RS do espaço vivido. Estas pesquisas vêm sendo desenvolvidas numa Escola Municipal

da Cidade de Salvador/BA. A questão que se formula é: como a tarefa de casa (TC) pode

contribuir para o fortalecimento da parceria escola-família, considerando a mesma como

mediadora do processo de ensino/aprendizagem? O aporte teórico é aquele das discussões

efetivadas no Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Representações, Educação e

Sustentabilidade que envolvem o pensar e agir dos atores sociais, destacando as vicissitudes

do processo educativo e a possibilidade de promoção e aperfeiçoamento de praticas

1Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação pelo

Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB). Pedagoga pela

Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenadora Pedagógica e Gestora da Rede Municipal de Ensino de

Salvador/BA. Membro do GIPRES. E-mail: [email protected] 2Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade

católica do Salvador (UCSAL). Psicóloga pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE). Membro do GIPRES. E-

mail: [email protected] 3Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC/UNEB).

Membro do Grupo de pesquisa Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade (GEOTEC). E-mail:

[email protected]

Page 2: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8240

pedagógicas nos grupos sociais. Por intermédio de uma investigação empírica que envolveu

professores e familiares de uma turma de 2º ano de escolarização da unidade escolar, buscou-

se identificar as RS sobre a TC, a fim de apreender os elementos fundantes da relação entre

escola e família. Os resultados apontam para múltiplas imagens sobre a prática da TC, cujo

jogo de tensão e conflito entre professores, familiares e o sujeito cognitivo (aluno) são

marcados, por um lado, pela supervalorização da prática da TC e cobranças diárias dos

agentes; e, por outro, as táticas dos alunos relevadas pela negligencia à TC. Embora as

professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do

aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora da relação escola-família, é pensada e

refletida, mas não se efetiva em atitudes e práticas pedagógicas dos cotidianos escolares e

familiares.

Palavras-chave: Escola-família. Tarefa de Casa. Representações Sociais.

Introdução

A relação escola-família, no Brasil, recebeu forte influência do movimento higienista,

nos anos de 1950, sobretudo a partir da necessidade de se ensinar à família sobre temas como

saúde, higiene, alimentação e educação dos filhos, fazendo com que também a escola

assumisse um papel de ditar o que era certo ou errado na educação dos sujeitos. Com a

inserção da mulher nos meios produtivos, a responsabilidade pela educação dos filhos passou

a ser dividida entre estas duas instituições (SILVEIRA, 2011). Por outro lado, a modificação

nos papéis parentais, os diferentes arranjos familiares, os conflitos entre as gerações se

configuram como verdadeiros desafios para a escola, que parece não se atualizar para atender

os modelos possíveis, sustentando a crença de que a família tende a ser pouco participativa e

culpada pelas dificuldades que aparecem no espaço escolar (SINGLY, 2002; WAGNER,

SARRIERA & CASAS, 2009).

Para além destes impasses, a oportunidade de o sujeito se desenvolver e exercer as

suas diferentes potencialidades, não se define só pela garantia de necessidades básicas de

sobrevivência como alimentação, moradia, acesso à saúde e proteção física. É necessário que

receba estímulo suficiente nos âmbitos cognitivo, socioemocional e afetivo, sobretudo, por

adultos presentes nos diferentes ambientes onde as crianças e adolescentes crescem e se

socializam. Esta constatação incide em que a família propicie experiências apropriadas

através da adequação das práticas parentais, as quais, por conseguinte, promovem uma boa

formação de suas mais diversas habilidades.

Nessa perspectiva, entende-se família como grupo socialmente construído, no tempo e

no espaço, apresentando diversas formas de constituição e finalidades para mediação entre o

Page 3: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8241

sujeito e o mundo. É neste grupo que vão se constituir as primeiras relações e experiências

afetivas, sociais e cognitivas do sujeito que se amplia em outros ambientes incluindo a escola.

Esse espaço social prioriza a aprendizagem formal, sistematizada, sendo que a sua função

original permanece, ainda, na transmissão do conhecimento acumulado pela sociedade.

Deste modo, infere-se a necessidade de estabelecimento de uma parceria entre família

e escola no momento em que seus filhos são matriculados. A partir daí se estabelece uma

espécie de jogo onde várias estratégias e táticas são construídas fundadas no universo

complexo de crenças, valores, hábitos e costumes que vão se ressiginifcando no cotidiano. Por

exemplo, o aluno o ingressar na escola nos moldes convencionais, esta passa a compartilhar

funções sociais e educacionais com a família, na medida em que esses grupos contribuem e

influenciam na formação do futuro cidadão, onde os conteúdos curriculares formais se voltam

para a apreensão de conhecimentos, havendo uma preocupação prioritária com o processo

ensino/aprendizagem sistemático (REGO, 2003; HECKMAN, 2008).

Assim, supomos que a educação formal e não formal são interdependentes e

complementares, onde a escola e a família materializam saberes pelas práticas cotidianas e se

tornam responsáveis pela qualidade das experiências das crianças e adolescente, pois por meio

do planejamento, sistematização e estruturação da aprendizagem para um determinado fim,

esses grupos se tornam fundamentais na formação humana e social dos sujeitos (ZERBINI,

2007; COELHO & BORGES-ANDRADE, 2008; PANTOJA & BORGES ANDRADE,

2004).

Sobre esta relação, os estudos têm abordado, principalmente, sobre a intensidade de

vínculo que os familiares responsáveis estabelecem com o processo de escolarização dos

filhos e os impactos sobre o seu desempenho escolar (LAHIRE, 1997; PAIXÃO, 2006;

PORTES, 2000; LAREAU, 2007). O reconhecimento desta importância resulta, segundo

Campos (2011), num maior interesse na relação escola-família, expandindo e ampliando a

discussão educacional em torno da temática, e penetrando o interior das instituições escolares.

Há mais de 10 anos, por exemplo, foi instituído pelo Ministério da Educação e Cultura

(MEC), o “Dia Nacional da Família na Escola”, que tem como premissa a divisão de

responsabilidades e somatório de esforços como estratégia simbólica de aproximar e integrar

a comunidade da escola. Mais recentemente, desde o ano de 2016, na cidade de Salvador, foi

instituído o Programa Agente da Educação, baseado no entendimento de que a inclusão da

família na vida escolar é fundamental para o desenvolvimento do aprendizado dos estudantes.

Page 4: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8242

Deste modo, o Programa, que está em andamento em 449 escolas da Rede Municipal de

Ensino de Salvador/BA, busca a aproximação entre a família, escola e comunidade, por meio

do desenvolvimento de ações que possibilitam a participação dos familiares no ambiente

escolar e o seu envolvimento na rotina estudantil, auxiliando-os no acompanhamento e apoio

ao aprendizado dos alunos.

Pensando sobre esta relação é que nos propomos a articular as pesquisas que estamos

desenvolvendo4 em nível de doutorado, no âmbito do PPGEduC/UNEB. Estes estudos vêm

sendo desenvolvidos numa Escola da Rede Municipal de Ensino de Salvador e refere-se

basicamente à relação escola-família e ao currículo praticado por alunos e professores do

ensino fundamental I. Sendo assim, na unidade de ensino observou-se empiricamente um

paradoxo traduzido pela supervalorização por professores e familiares da prática da TC,

através de sua cobrança em reuniões e diariamente, na escola; por outro lado, verificou-se que

os alunos não a realizam. Nesse âmbito, esse fenômeno educativo se investe de grandes

sistemas organizados de significações compartilhados durante a interação educativa nos

grupos escola e família, onde perpassam objetos do conhecimento que podem ser

compreendidos à luz dos mecanismos psicossociais em ação no processo educacional, o que

ressalta o caráter interdisciplinar da Teoria das Representações Sociais (TRS).

Nessa perspectiva, supomos teoricamente que a TC pode ser um elo nas diversas

relações entre a escola e a família. Assim ela se configura na relação de aprendizagem, de

ensino e didática, seja como atividade (recursos e instrumentos) que o professor apresenta

para o sujeito cognoscente que, por sua vez, deveria ser realizada com o suporte familiar a fim

de que ele a apreendesse. Esta articulação implicaria na situação pedagógica (Figura 1) que

deve levar em consideração o aluno (idade, espaço/modo de vida, série, modalidade de

ensino, etc.), o objeto da aprendizagem (temas, conteúdos, métodos e raciocínios geográficos)

e os recursos e instrumentos didáticos como agentes do processo de ensino/aprendizagem.

Por se configurar como elemento tangível e que adentra o contexto doméstico, a TC

por vezes pode ser considerada como uma ferramenta importante para que os grupos, escola e

4 A pesquisa de Thyara Ferreira Ribeiro Mendonça, intitulada “Representações Sociais sobre Família e Escola:

contribuições ao desenvolvimento de competências socioemocionais de sujeitos em situação de risco” e a

pesquisa de Silvia Letícia Costa Pereira Correia, intitulada “Representações Sociais do Espaço Vivido e Práticas

Pedagógicas Cotidianas: articulando conhecimentos do senso comum e escolares nos currículos praticados por

professores e alunos do ensino fundamental I”, ambos sob a orientação do Professor Dr. Natanael Reis Bomfim,

líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Representações, Educação e Sustentabilidade.

Page 5: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8243

família, se avaliem mutuamente, para além, por exemplo, de tempos, prazos e cumprimentos

pelo aluno, avaliar a intensidade de envolvimento da família no processo de aprendizagem e o

nível de ensino que se desenvolve na escola.

Figura 1 - Situação Pedagógica

Fonte: BOMFIM, 2006.

Assim, investigar o pensar e agir de professores e familiares a respeito da escola e da

família e a produção dos currículos no cotidiano escolar, nos parece interessante a fim de

identificar, a partir dos fenômenos educativos, vicissitudes e a possibilidade de promoção e

aperfeiçoamento de práticas nesses grupos sociais. A questão que se formula é: como a TC

pode contribuir para o fortalecimento da parceria escola-família, considerando a mesma como

mediadora do processo de ensino/aprendizagem? Buscamos identificar as RS sobre a TC, a

fim de apreender os elementos fundantes da relação entre escola e família. Embora a teoria

das RS seja a base epistemológica desse estudo, faz-se necessário apreender algumas

concepções sobre o conceito de TC, como forma de entender essa prática como mediadora do

processo de objetivação e ancoragem de professores e familiares nas relações e situação

pedagógica.

Tarefa de casa: como a pensamos, e como a praticamos no cotidiano.

A tarefa de casa, também chamada de dever, lição, atividade ou ‘para casa’, é uma

prática amplamente difundida e aceita nas escolas, independentemente das concepções de

ensino e aprendizagem adotadas pela instituição. Nos dicionários de língua portuguesa, a

palavra 'tarefa', pode ser entendida como incumbência, função, ocupação, encargo, obrigação,

Page 6: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8244

ofício, missão, empreitada, serviço. Já a palavra 'dever' aparece relacionada à obrigação,

imposição, dívida, compromisso, atribuição, encargo, incumbência, responsabilidade. A

expressão 'lição' pode ser entendida como matéria dada em aula, exercício, demonstração,

reprimenda, castigo, penalidade, corretivo, exemplo, modelo, entre outros.

Os vocábulos tarefa, dever e lição apresentam significados convergentes e a sua

utilização aliada ao complemento 'de casa' - tarefa de casa, dever de casa, lição de casa - vai

depender de uma questão meramente local. Para efeito deste artigo, utilizaremos a definição

de Franco (2002), que considera esta atividade, relacionada à educação formal escolar, como

sendo toda atividade pedagógica elaborada e proposta por professores, destinada ao trabalho

dos alunos fora do período regular de aulas. Se constitui, desta maneira, segundo Carvalho

(2001), como um dos dispositivos curriculares por meio dos quais a escola concretiza seu

trabalho pedagógico. Neste sentido, integram o cotidiano escolar e o currículo, aqui entendido

como algo dinâmico, processual, construído e que se transforma em prática pedagógica

contextualizada (SACRISTÁN, 2000). Estamos fazendo referência, então, a um currículo

praticado (OLIVEIRA, 2005) que nos reporta às práticas cotidianas concretas, em que se

encontra circunscrita a tarefa de casa.

A tarefa de casa instituída no contexto escolar e considerada natural, integra uma

tradição escolar e, segundo Lima (2013), apesar de ser uma prática muito antiga é um campo

pouquíssimo explorado na literatura brasileira, sendo raras as publicações que abordam a

temática como principal. Geralmente relaciona-se às estratégias pedagógicas, sem maiores

reflexões acerca desta prática. E isso se reflete nas produções acadêmicas, como evidenciado

na pesquisa exploratória realizada no Banco de Teses e Dissertações da Capes.

A partir dos descritores "família” AND “escola", restringindo a pesquisa para a área de

educação, foram encontrados 242 trabalhos, no período de 2014 a 2016, que versavam sobre

diversas temáticas, a saber: professores particulares, relações comunitárias, o cuidar na

educação infantil, fracasso escolar, currículo, gênero e relações étnico raciais, creches,

Bullying, bolsa família, entre outros, sendo que a tarefa, dever ou lição de casa não aparece

como assunto principal, retratado. A partir da expressão "família" AND "escola" AND "tarefa

de casa", foram encontrados na área de educação, 4 trabalhos. Para a expressão "família"

AND "escola" AND "dever de casa", foram encontrados 17 resultados e quando foi utilizada a

expressão "família" AND "escola" AND "lição de casa", foram identificados apenas 2

trabalhos na área de educação.

Page 7: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8245

Com relação às buscas baseadas nos descritores "tarefa de casa", "dever de casa" e

"lição de casa", na área de educação, foram encontradas 2 Teses e 1 Dissertação relativas à

tarefa de casa (1996-2004); 1 Dissertação na área de educação (2015), para o descritor dever

de casa; e, 3 trabalhos relativos à lição de casa (1999, 2003 e 2012), todos os trabalhos em

nível de mestrado.

Podemos citar o estudo desenvolvido por Franco (2002), que procurou descrever e

analisar práticas familiares das camadas médias de Belo Horizonte em relação aos deveres de

casa dos filhos. Fernandez (2006) se propôs a discutir as implicações em torno do

envolvimento parental na tarefa escolar, na tentativa de compreender o conjunto de fatores

que agem no cotidiano dos arranjos familiares, a partir dos sentimentos e percepções do grupo

de pais e de adolescentes. Moraes (2006) teve como objetivo problematizar alguns aspectos

concernentes às práticas educativas desenvolvidas pelas famílias no apoio ao dever de casa

dos filhos. Pinheiro (2007) buscou descrever e confrontar como os professores e pais lidam

com a questão da tarefa da criança que frequenta as duas primeiras séries do Ensino

Fundamental, verificando como se processa a relação Família x Escola, tanto frente às tarefas

quanto a outras situações de contato e, por fim, como se comunicam e lidam com as

diferenças de percepção.

A tese de Nogueira (1998) ponderou sobre a tarefa de casa enquanto ‘violência

consentida’, na medida em que ela serve, em alguns momentos, como pretexto para castigar,

privar a criança de brincar, sobrecarregá-la, impedi-la de ser criança, dar-lhe surras, perda de

privilégios e sofrer humilhações e ofensas. Merece destaque o trabalho de Carvalho (2001)

que também trata da questão da tarefa de casa dentro de uma perspectiva de relação família x

escola.

A escassez de trabalhos sobre a temática da tarefa de casa leva os autores brasileiros a

partir da literatura americana, por ser esta mais ampla. Sobre isso, Paula (2000; p. 41) diz que

“[...] a pesquisa sobre os deveres de casa, [...] tanto de origem americana, inglesa ou

australiana, é bastante extensa, com especial relevo para a literatura americana [...] suas

discussões polêmicas datam de quase um século”. Na literatura norte-americana, observa-se

uma oscilação nas ideias acerca da TC, sendo que no início do século XX, nos Estados

Unidos, esta prática era considerada importante por causa da crença de que o cérebro é um

músculo, e, como tal, precisa ser exercitado. Na década de 1940 a prática da TC é defendida a

partir da crença de que através dela se adquire conhecimento.

Page 8: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8246

Muito embora a produção americana sobre as tarefas de casa seja mais recorrente, elas

limitaram-se a estudos de caráter institucional, passando a compor as diretrizes oficiais de

alguns países como os Estados Unidos da América (EUA), sendo dada maior atenção à esta

prática, relacionando-a com o sucesso acadêmico e a competitividade. Carvalho (2003; p. 90)

afirma que

Historicamente o dever de casa escolar surgiu como uma ocupação apropriada para

os estudantes das classes médias [...] e tornou-se parte do estilo de vida dos grupos

sociais escolarizados e daqueles que valorizavam a escolarização como estratégia de

mobilidade social ascendente.

Na década de 1960 a prática da TC passa a ser combatida, já que alguns educadores

consideravam ser esta uma atividade inútil que apenas pressiona os estudantes. Na década de

1980 o tema passa novamente a ter relevância, estando sua prática vinculada a algumas

questões, tais como: desenvolvimento de bons hábitos de estudo, atitude positiva em relação à

escola e a ideia de que a aprendizagem pode ocorrer em vários lugares. Foi neste período que

Cooper (1989, p. 43), realizou um levantamento nos EUA retratando os efeitos positivos e

negativos decorrentes da prática da tarefa de casa. O estudo apontou as vantagens e

desvantagens da prática da TC, concluindo que “[...] tarefas têm uma relação custo/benefício

positiva, porém ela deve servir a diferentes propósitos em diferentes níveis de ensino”.

Foyle (1992) dedicou-se ao estudo da origem da prática da TC e, através de uma

abordagem histórica nos diz que, o início desta prática, na Inglaterra, ocorreu por volta do ano

de 1700, a partir das escolas dominicais. Destaca que após mais de um século “[...] entre 1860

e 1870, as escolas públicas elementares foram apropriando os deveres como uma prática”

(FOYLE, 1992; p. 43). Nogueira (1998), informa que a origem da prática da TC nos remete à

Herbart (1776-1841), uma vez que este teórico propôs a doutrina dos passos formais, a saber:

clareza, associação, sistematização e método. A autora defende que TC tem origem neste

último passo, pois é o momento de o aluno fazer os exercícios aplicando o que aprendeu em

situações e exemplos novos, exercitando-se.

Não é apenas a academia que se omite em relação à TC. Mesmo autores que se

dedicaram à escrita de Obras de Didática tanto Geral quanto Especial5, à exceção de Libâneo

(1994) que dedicou, em um de seus livros, um breve comentário sobre o tema e Bezerra

5 Didática Geral trata dos princípios gerais da prática em sala de aula, tais como: processo de ensino e de

aprendizagem, avaliação, métodos, prática de ensino, formulação de objetivos, etc. "Didática Especial" envolve

os mesmos princípios, porém, voltados para áreas específicas.

Page 9: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8247

(1989) que aborda o assunto mais detalhadamente, sob a perspectiva prescritiva, dizendo,

inclusive, como o professor deve agir no planejamento, até como proceder para a marcação

desta atividade. A prática da tarefa de casa tem implicações uma vez que está imbricada na

cultura escolar, pressupondo a relação com determinado modelo pedagógico instituído. No

entanto, é dado um tratamento despretensioso a esta prática, colocando-a como um

instrumento desinteressado do fazer docente.

A TC está vinculada a algumas ideias: rendimento escolar, envolvimento da família,

aproveitamento do tempo, desenvolvimento de hábitos de estudo etc., havendo neste contexto

uma oscilação de crenças e debates que fazem um juízo de valor sobre ela. Mas o que esta

prática pode revelar, sobretudo com relação ao estabelecimento da tríade: família, escola e

aprendizagem? Ressaltamos que se trata de uma discussão em torno do real papel da tarefa de

casa no processo educativo, compreendendo suas implicações para o trabalho docente e as

relações que se estabelecem, decorrentes desta prática, dentro e fora da escola.

Métodos e técnicas de análise e interpretação das RS sobre TC.

Relativo ao problema, análise de um fenômeno educativo (TC) e a relação escola e

família, à questão e aos objetivos de pesquisa, este estudo busca verificar as interfaces entre o

currículo escolar por meio da TC. Esse definido como meio de aprendizagem, traduzido por

um conjunto de elementos espaciais, humanos, materiais, etc., inclui operações, meios e

atividades, ritmos e processos que visam à aprendizagem ou o resultado educativo

(LEGENDRE, 1988). Considerando o pressuposto citado, trata-se de um tema que em tese

pode ser considerado como um estudo significativo em RS e em construção do saber

complexo. Nossa perspectiva paradigmática é do tipo socioconstrutivista, sendo a pesquisa de

abordagem interpretativa/qualitativa que busca compreender de forma aprofundada o objeto

de estudo. Assim, esta é caracterizada pela intenção de conhecer, compreender e explicar em

situações de aprendizagem, a relação entre o processo de construção e o conteúdo da RS sobre

a TC, sua natureza e uso.

Desta forma, inicialmente foi identificada a turma que apresentava a maior situação de

não cumprimento da tarefa, aliando-se, ainda, o perfil destes alunos. Assim, optamos pelo

desenvolvimento de um estudo com uma turma do 2º ano de escolarização, que é composta

por crianças com idades que variam de 7 a 8 anos. Ou seja, crianças que dependem, via de

Page 10: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8248

regra, de auxílio de um adulto para realizar as atividades enviadas pelas professoras. Como

instrumento de coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, com 30

responsáveis e 10 professoras. Em respeito ao sigilo dos entrevistados, estes foram

identificados pelas iniciais F – para os familiares; e P – para as professoras, seguido, em

ambos os casos, de um código numérico correspondente à ordem em que ocorreram as

entrevistas.

Com relação à análise das narrativas, optou-se pela análise do conteúdo do discurso

que segundo Bardin (1977) é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando

obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens,

indicadores que nos permitam inferências sobre o conteúdo das RS, neste caso,acerca da

tarefa de casa. De acordo com Silva, Gobbi e Simão (2005, p. 70):

[...] a proposta que acompanha a análise de conteúdo se refere a uma decomposição

do discurso e identificação de unidades de análise ou grupos de representações para

uma categorização dos fenômenos, a partir da qual se torna possível uma

reconstrução de significados que apresentem uma compreensão mais aprofundada da

interpretação de realidade do grupo estudado.

Desta maneira, a análise e interpretação foram realizadas em algumas etapas, que

envolveu, basicamente, a organização de todo o material coletado fixando, assim, o corpus da

investigação, além de, codificar o material, conforme recomendado por Spink (1995),

mapeando-se temas emergentes, apresentando, por sua vez, a especificação do campo

enfocado na pesquisa. Feito isso, aprofundamos a análise à luz das hipóteses formuladas sobre

o discurso e do referencial teórico, propondo quadros de análises e buscando sínteses

coincidentes e divergentes de ideias. Por fim, foram estabelecidas relações e conexões entre as

categorias emersas do discurso dos entrevistados, o que possibilitou a apreensão de estruturas

específicas e gerais. Estas etapas foram chamadas por Bardin (1977) de pré-análise, descrição

analítica e interpretação referencial. Laville e Dionne (1999) agregam ao procedimento da

análise de conteúdo, a existência da etapa do recorte de conteúdos, definição de categorias

analíticas e a categorização final das unidades de análise que embora não sejam rígidas,

oferecem um direcionamento ao trabalho do pesquisador.

Resultados e Discussão: narrativas e representações de professoras e familiares.

Com relação à pergunta "Seu filho faz dever de casa todos os dias?", os entrevistados

Page 11: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8249

responderam afirmativamente. Alguns familiares entrevistados ressaltaram sobre a quantidade

de atividades propostas, afirmando que são poucas. Estas respostas contradizem o que foi

observado na escola e os relatos dos professores, que reclamam, constantemente, da falta de

realização das tarefas, pelos alunos. Esta contradição se estende ao fato de que alguns

responsáveis entrevistados, embora afirmem que a atividade é enviada todos os dias, quando

questionados sobre a realização da tarefa pelos alunos, responde "só quando não tem mesmo"

(F01). Apenas uma das mães entrevistadas afirma que nem sempre o filho faz as tarefas

porque "eu não entendo a letra dele porque ele é muito preguiçoso" (F19).

Esta contradição persiste quando questionado às professoras se “Todos os alunos

fazem a tarefa?”. As professoras entrevistas afirmam que “Nem todos os alunos têm hábito de

fazer” (P01). Outra professora entrevistada salienta que “infelizmente nem todos fazem...

alguns julgam desnecessário. Outros não têm quem cobre ou incentive fazer” (P6). Uma das

entrevistadas enfatiza que “quem tem acompanhamento faz sim... mas coloco atividades que a

criança consiga realizar sozinha caso possa... e oriento que se ela não tem ajuda ela pode

fazer sozinha até onde consegue” (P03). Estes discursos reforçam a ideia de uma contradição

existente e talvez uma falta de entendimento entre escola e família e nos leva a questionar o

que está acontecendo com a comunicação destas instituições.

Questionamos às professoras se elas passam dever de casa todos os dias. Dentre as

professoras entrevistadas apenas 1admite que “passo atividade para casa todos os dias, são

raros os dias q não tem” (P07). Ou seja, pode haver alguns dias da semana que a tarefa não é

enviada. No âmbito familiar, questionamos "A professora passa dever de casa todos os dias?".

Dentre os 30 entrevistados, 22 disseram que a professora envia tarefa de casa todos os dias.

Outros 8 responderam que nem sempre a professora passa dever de casa. Novamente

observamos uma contradição nos discursos e inferimos que pode existir certo distanciamento

da família em relação a realização desta atividade, que pode ser ilustrada pela fala de um dos

entrevistados: "Eu pergunto à ela se tem dever. Às vezes ela diz que não tem. Depois chega a

reclamação da professora de que ela não fez a atividade". Outra fala ilustrativa é a seguinte:

"nós não olhamos porque o dever é feito na banca".

Esta resposta nos leva à próxima pergunta, feita aos familiares: "Quem auxilia a

criança na realização da tarefa?". As respostas revelam que 21 crianças são auxiliadas por

seus familiares, entre irmãos mais velhos, primos, pais, mães; outras 03 crianças fazem a

atividade sozinha, sendo que não existe uma revisão por parte dos responsáveis. Sobre isto,

Page 12: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8250

um dos entrevistados é contundente "Não aceito tamanha burrice!" (F03), se referindo ao fato

de não ser necessário o auxílio. Vale dizer que duas mães revelam o desejo de colocar a

criança no reforço escolar, sendo que uma delas afirma "Esta semana que não estou tendo

paciência, eu vou colocar ele na banca" (F 29), enquanto que outros 6 afirmam que os filhos

frequentam as chamadas ‘bancas’. Evidencia-se, assim, a terceirização da realização da tarefa

de casa e, segundo relatos dos familiares, ocorre no turno oposto em que a criança estuda na

escola regular, variando de horários que vão das 7 às 11h. Geralmente é uma atividade

coletiva, em que a criança, assim como na sala de aula, realiza atividades propostas pela

escola e até mesmo pelo professor do "reforço". Esta prática ocorre tendo em vista a falta de

tempo dos pais para orientar os filhos, por causa do trabalho diário; ou mesmo pelo

desconhecimento dos conteúdos por parte dos pais ou responsáveis, que muitas vezes não

estão preparados para orientar os filhos em suas atividades.

Sobre o questionamento feito aos familiares e professoras, "Você considera importante

a tarefa de casa? Porque?", as respostas puderam ser agrupadas conforme mostra a Tabela 1:

Tabela1 - Categorias Emergidas dos Discursos e sua Frequência

CATEGORIAS FREQUÊNCIAS

FAMILIARES PROFESSORAS

Reforço da Aprendizagem 16 05

Ocupação do Tempo Livre 05 -----

Desenvolver autonomia 01 01

Aprovação nas Avaliações 02 ----

Interação com a família 04 03 Outros 02 01

Total 30 10

Fonte: Pesquisa de Campo, 2017.

A partir dos dados coletados e analisados, podemos inferir que a importância da tarefa

de casa para os familiares e professoras, aprece relacionada à questão do reforço da

aprendizagem, como ilustrado em algumas das falas a seguir:

"Importante porque o que ela aprendeu na sala, ela vai desenvolver em casa e vai

aprender até melhor. Ela mesmo estudando em casa ela falou que fazendo a

atividade de casa ela vai lembrando o que a professora falou na sala de aula"

(F02).

"Se ela tem um conteúdo na sala e ela não estudar o conteúdo que foi dado... o

dever é um reforço" (F17).

"Acho importante porque quando ele aprende aqui a cabeça fica voando. Então

com o dever de casa relembra o que ele deu. A atividade de casa é um resumo do

que deu na escola, ele até diz “eu lembro que a professora falou isso”, então é mais

Page 13: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8251

fácil" (F18).

“Uma forma de reforçar o que foi feito em sala e exigir que eles em casa abram ao

menos o caderno” (P01)

“Acredito q seja importante desde que seja trabalhada em sala, é

um reforço para fixar o assunto, principalmente matemática que é a prática dos

exercícios” (P06).

Continuando a análise, observa-se 5familiares entrevistados, relacionam a necessidade

da tarefa de casa com a ocupação do tempo livre da criança: "É bom para a criança ter o que

fazer" (F04); "É importante porque é uma forma também de além da criança estar em casa é

uma forma também de bom porque pega o tempo dele livre para se dedicar aos estudos"

(F06); "É importante porque ocupa mais o tempo da criança" (F07); "É importante e pelo

menos ocupa o tempo dela para fazer alguma coisa" (F13); "É uma forma de orientar e não

ficar solta, só brincando" (F15). Abordar sobre a necessidade de ocupar o tempo livre pode

ter relação com a precariedade dos bairros onde a escola está localizada, a situação de

violência e vulnerabilidade existente. Esta relação não foi mencionada pelo grupo de

professores.

Um familiar entrevistado relaciona a questão da tarefa de casa com o desenvolvimento

da autonomia da criança, ao afirmar que: "É bom porque vai colocando na mente e quando eu

não tiver, ele vai pegando o ritmo e quando não tiver quem ajude, ele vai saber como é que

faz" (F29).Uma professora também faz esta referência, ao afirmar que a prática da tarefa de

casa “Gera autonomia na criança” (P02). Apenas 02 familiares entrevistados relacionam o

dever de casa com a aprovação nas avaliações, como mostram os excertos a seguir: "A

importância vai ser vista na hora dos exames e das avaliações" (F10); "Aprender e se

destacar mais e conseguir passar de ano na hora das provas" (F28).

Dois dos entrevistados no âmbito familiar relacionam a realização da tarefa de casa

com obrigação, outro diz saber que é importante, mas não sabe o motivo, como evidenciam as

falas a seguir: "O dever de casa é superimportante porque é uma obrigação. E se a

professora passou, tem que fazer" (F21); "o dever de casa é importante, mas eu não sei dizer

porque" (F05). Quanto às professoras, considera a atividade importante para “criar rotina de

estudo, ter responsabilidade e compromisso. Tento trabalhar a ideia de não limitar o

aprendizado à escola” (P03).

Por fim, um número muito pequeno de entrevistados, 04 familiares e 03 professoras,

Page 14: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8252

abordaram a importância em se realizar a tarefa de casa a parir da interação com a família.

Vejamos, segundo a família:

"É importante porque mostra aos pais, o que a criança está trabalhando na escola e

como está o movimento dele em relação ao conteúdo" (F25).

"Com certeza para desenvolver, até mesmo para gente saber o que ele está fazendo

na escola" (F 20).

"É importante por ser um momento de interação da criança com o conteúdo visto

em sala de aula, através do auxílio da família" (F30).

"Importante porque a criança conta com a ajuda dos pais para se desenvolver mais

um pouco" (F22).

De acordo com as professoras:

“Apesar da maioria dos alunos não fazer, continuo com essa prática por alguns

motivos: serve de termômetro para mim perceber se o aluno tem hábito de estudar;

se a família acompanha as atividades escolares; de realmente exercitar e revisar os

conteúdos e proporcionar o hábito de pesquisar” (P07).

“Porque é o momento deles relembrarem o conteúdo dado em sala e também em ter

contato com a família” (P08).

“É importante porque a família acompanha (diariamente o processo de

aprendizagem). Porque também adquire hábito de responsabilidade.... e percebe

que a aprendizagem não fique só no espaço de sala de aula” (P09).

Uma das professoras, inclusive ressalta que “não é fácil fazer eles compreenderem

isso principalmente as famílias que tem se ausentado... Mas é uma cultura que precisa ser

colocada... E exige que o professor também se organize... passe atividades q estejam dentro

do contexto em uma quantidade suportável e não fazer dele um castigo... usá-lo

exclusivamente como avaliação” (P03). Neste sentido, conhecer os significados atribuídos por

familiares e professoras acerca da tarefa de casa, se faz necessário, sobretudo para a

realização de um trabalho voltado às possibilidades deste elemento da prática educativa,

enfatizando a mediação das relações entre família e escola, que ao que parece, é incipiente.

Tecendo algumas considerações

As RS apontam para múltimplas imagens sobre a prática da TC, cujo jogo de tensão e

conflito entre os atores dos diversos grupos sociais. Por um lado a supervalorização da prática

Page 15: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8253

da TC e cobranças diárias se submetem as táticas dos alunos que negligencia constantemente

a TC. Esse jogo nas diferences faces da relação são demonstrada nas diferentes imagens

reveladas sobre o pensar e agir vinculados a TC nos diferentes grupos, permeando assim um

eixo comum de construção de saberes e conhecimentos que são recíprocos e se

complementam. Por sua vez, a interação e a complementaridade dos processos de objetivação

das relações que se impõem entre a família e a escola, e ancoragem da TC como mediadora

dessas relações e de processos são verificadas pelos currículos praticas na escola e no

cotidiano.

Nesse sentido, o conteúdo dessas RS são entrecortadas pelas expectativas e frustrações

no tocante aos papéis exercidos por cada uma delas, logo as imagens que revelam os

conflitos e tensões tornam-se imprescindível para ressignificação e orientação de práticas

pedagógicas, Destaca-se aqui, a importância de uma abordagem integrativa buscando

entender em que medida escola e família são propensas às trocas de saberes e até que ponto

possuem disposições e mentalidades que possibilitam o diálogo e a colaboração mútua. Do

mesmo modo, torna-se interessante verificar os investimentos subjetivos de uma instituição

sobre a outra, traduzidos pelas expectativas e esperanças depositadas na família pela escola e

na escola pela família.

Deste modo, abordar a relação escola-família implica compreender estas tensões

concebendo que cada uma assume lugares distintos e cumprem funções diferentes, porém

complementares. Um caminho possível para aplacar estas diferenças seria justamente a

convergência entre estes dois sistemas educativos, onde a escola saiba como a família lida

com seus filhos e vice-versa. Em estudo sobre a temática, Silveira (2011), constatou que pais,

mães e professores referiam a uma heterogeneidade no que se refere às práticas exercidas

entre ambas as instituições (família e escola) e no interior de cada uma delas, denunciando um

desencontro neste binômio educativo. Diante disso, a família tende a ficar omissa e a se

render ao saber da escola, atestando uma supremacia do saber profissional, o que é

confirmado pela escola quando esta se coloca numa posição de detentora de saber técnico e

científico superior ao exercido na família e mesmo que diferentes esforços aplaquem este

distanciamento, na prática ele é notável.

A situação descrita é mantida pelas deficiências no que se refere à comunicação entre

estas duas instituições, a qual se dá, geralmente, por meio de bilhetes e reuniões,

direcionados, em sua maioria, para tratar de queixas com relação ao comportamento das

Page 16: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8254

crianças e adolescentes no ambiente escolar ou então ao baixo rendimento acadêmico, sem

que se faça menção à necessidade de articulação entre saberes e práticas uniformes em ambos

os contextos.

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Martins Fontes,1977.

BEZERRA, M. J. Técnicas de Fixação da aprendizagem da matemática. Apostila de Didática

da Matemática. Ministério da Educação e Cultura. Campanha de aperfeiçoamento e difusão

do ensinos secundário - CADES, 1989.

BOMFIM, Natanael Reis. Geografia escolar: qual o seu problema? In Caminhos de

Geografia 7 (18) 123 - 133, jun/2006

CAMPOS, Alexandra Resende. Família e Escola: um olhar histórico sobre as origens

dessa relação no contexto educacional brasileiro. Tese. Universidade Federal Fluminense,

2011.

CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. Escola como extensão da família ou família como

extensão da escola? O dever de casa e as relações família–escola. In Revista Brasileira de

Educação. Nº 25 p. 94-104. Jan/Fev/Mar/Abr Universidade Federal da Paraíba, 2003.

_______________________________. O dever de casa como política educacional e objeto de

pesquisa. In Revista Lusófona de Educação, nº 8, p. 85-102, 2001.

COELHO JR., F. A., & BORGES-ANDRADE, J. E. Uso do conceito de aprendizagem em

estudos relacionados ao trabalho e organizações. Paidéia, 18(40), 221-234, 2008.

COOPER Harris. Synthesis of Research on homework: grade level has a dramatic influence

on homework’s effectiveness. EducationalLeadership, p.85-91, nov. 1989. X

FERNANDEZ, Ana Patrícia de Oliveira. Envolvimento parental na tarefa escolar: um

estudo realizado com adolescentes. Universidade Federal do Pará. Centro de Filosofia e

Ciências Humanas. Belém/Pará, agosto, 2006.Dissertação de Mestrado.

FOYLE, Harvey. C. Homewoork: A historical Perspective or the merry-go-round goes round

and round! v.?p.15-24. 1992.

FRANCO, M. O. C. de M. Práticas familiares em relação ao dever de casa: um estudo

junto às camadas médias de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado, FAE, UFMG, 2002.

HECKMAN, J. J. Schools, skills, and synapses. Economic inquiry, v. 46, n. 3, p. 289-324,

2008.

Page 17: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8255

LAHIRE, B. O sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo:

Ática, 1997.

LAREAU, Annette. A desigualdade invisível: o papel da classe social na criação dos filhos

em famílias negras e brancas. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 46, p. 13-82, dez.

2007.

LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

LEGENDRE, R. Dictionnaire actuel de l’éducation. 2 a. Édition, Montreal: Guérin, 1993.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

LIMA, Thais Ramos de. Dever de casa: os diferentes pontos de vista. Monografia. Curso de

Pedagogia. Escola de Educação do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2013. 44 p.

MORAES, Fernanda Beviláqua Costa. O dever de casa: uma análise das práticas educativas

familiares. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2006. Dissertação de Mestrado.

NOGUEIRA, Martha Guanaes. Tarefa de Casa: uma violência consentida? Edições Loyola:

São Paulo, 1998.

OLIVEIRA, Inês Barbosa. Currículos praticados: entre a regulação e emancipação: Rio de

Janeiro: DP&A, 2005.

PAIXÃO, L. P. Compreendendo a escola na perspectiva das famílias. In MÜLLER, M. L. R.;

PAIXÃO, L. P. Educação, diferenças e desigualdades. Cuiabá: Ed. da FMT, 2006. p. 57-81.

PANTOJA, Maria Júlia & BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo. Contribuições teóricas e

metodológicas da abordagem multinível para o estudo da aprendizagem e sua

transferência nas organizações. Rev. adm. contemp. vol.8 no.4 Curitiba Oct./Dec. 2004.

PAULA, Flávia Anastácio de. Lições, deveres, tarefas, para casa: velhas e novas

prescrições para professoras. Dissertação de Mestrado Faculdade de Educação.

Universidade Estadual de Campinas, 2000.

PINHEIRO, Maria Helena Câmara. Relação escola-família e tarefas escolares nas séries

iniciais do ensino fundamental. Mestrado em Psicologia. USP, 2007.

PORTES, E. A. O trabalho escolar das famílias populares. In NOGUEIRA, M. A.;

ROMANELLI, G.; ZAGO, N. Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas

médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 61-80.

REGO, T. C. Memórias de escola: Cultura escolar e constituição de singularidades.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

Page 18: MEDIANDO AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: A …professoras e familiares concordem que a TC auxilia na autonomia e na aprendizagem do aluno, fica evidente que ela, enquanto mediadora

8256

SACRISTAN, J. Gimeno. O Currículo, uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Editora

Artmed, 2000.

SILVA, Cristiane Rocha; GOBBI, Beatriz Christo; SIMÃO, Ana Adalgisa. O uso da análise

de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do

método. Organizações Rurais e Agroindustriais. Universidade Federal de Lavras. Minas

Gerais, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005. Disponível em <http://www.redalyc.org>. Acesso em 27 de

julho de 2015.

SILVEIRA, L. M. de O. B. A relação família-escola: uma parceria possível? In WAGNER, A.

Desafios psicossociais da família contemporânea: pesquisas e reflexões. Porto Alegre:

Artmed, 2011.

SINGLY, F. O eu, o casal e a família. Lisboa: Dom Quixote, 2002.

SPINK, Mary Jane. O estudo empírico das RS. In SPINK, Mary Jane (Org.). O

Conhecimento no Cotidiano: as RS na perspectiva da psicologia social. São Paulo.

Brasiliense, 1995, p.85-108.

WAGNER, A., et al. Os Direitos da Infância: a perspectiva das crianças, seus pais e

professores. Porto Alegre: Nova Prova Editora, 2009.

ZERBINI, T. Avaliação da transferência de treinamento em curso a distância (Tese de

doutorado) Universidade de Brasília, Brasília, 2007.