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REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 59 Artigo 1 A MEDIAÇÃO COMO FACILITADORA DO ACESSO À JUSTIÇA E AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA Deborah Lídia Lobo Muniz* RESUMO O presente artigo tem por finalidade apresentar a mediação como sendo uma das formas eficazes na facilitação do acesso à justiça, levando a soluções rápidas e pacíficas dos conflitos. Através da mediação, o cidadão não necessita abrir mão de seus direitos e nem a justiça ficará assoberbada, e ainda prestará um serviço de melhor qualidade e mais rápido. E o cidadão exercerá a sua cidadania. PALAVRAS-CHAVE: Conflitos; Contendas; Divergências; Desordem; Luta; Peleja; Choque; Embate; Guerras. INTRODUÇÃO Quase que ao mesmo tempo em que surge o Homem na face da Terra passam a existir os conflitos; isto ocorre porque cada indivíduo tem uma maneira própria de encarar a vida e de perceber o mundo e o outro. Através da História tem-se ensinado que a GUERRA e que os conflitos são inerentes à natureza humana, pois, através deles é que se tem resolvido os problemas entre os sócios, os familiares, os vizinhos, os clãs, os povos e as na- ções. Quando alguém se sentia ameaçado, imediatamente partia para o ataque, o que se percebe pelo estudo da História que mostra através dos tempos que os seres humanos não acharam outros meios para solucionar seus conflitos senão através da disputa. Por procurar entender essa dificuldade em solucionar seus con- flitos de forma pacífica, o Homem tem buscado explicações ao longo do tempo. * Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia – UniFil. Mestranda em Direito Público, Estado e Cidadania na Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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    Artigo

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    A MEDIAO COMO FACILITADORA DO ACESSO JUSTIA E AO EXERCCIO DA CIDADANIA

    Deborah Ldia Lobo Muniz*

    RESUMO

    O presente artigo tem por finalidade apresentar a mediao como sendouma das formas eficazes na facilitao do acesso justia, levando a soluesrpidas e pacficas dos conflitos. Atravs da mediao, o cidado no necessitaabrir mo de seus direitos e nem a justia ficar assoberbada, e ainda prestar umservio de melhor qualidade e mais rpido. E o cidado exercer a sua cidadania.

    PALAVRAS-CHAVE: Conflitos; Contendas; Divergncias; Desordem;Luta; Peleja; Choque; Embate; Guerras.

    INTRODUO

    Quase que ao mesmo tempo em que surge o Homem na face da Terrapassam a existir os conflitos; isto ocorre porque cada indivduo tem uma maneiraprpria de encarar a vida e de perceber o mundo e o outro.

    Atravs da Histria tem-se ensinado que a GUERRA e que os conflitosso inerentes natureza humana, pois, atravs deles que se tem resolvido osproblemas entre os scios, os familiares, os vizinhos, os cls, os povos e as na-es. Quando algum se sentia ameaado, imediatamente partia para o ataque, oque se percebe pelo estudo da Histria que mostra atravs dos tempos que osseres humanos no acharam outros meios para solucionar seus conflitos senoatravs da disputa.

    Por procurar entender essa dificuldade em solucionar seus con-flitos de forma pacfica, o Homem tem buscado explicaes ao longo do tempo.

    * Docente do Curso de Direito do Centro Universitrio Filadlfia UniFil.Mestranda em Direito Pblico, Estado e Cidadania na Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.E-mail: [email protected]

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    A filsofa Hannah Arendt, j no sculo XX, indicou comoprincipal motivo para a persistncia das guerras, no a vontadesecreta de morrer da espcie humana nem os lucros obtidospela industria blica, mas o simples fato das guerras funcionaremcomo juizes supremos das divergncias entre as naes.

    No caso dos conflitos, mesmo pagando um alto preo, a lutaentre os adversrios funciona como juiz supremo. A coao ea fora tm a vantagem de ser uma linguagem compreendidapor todos. Quando um lado perde, resolve-se o conflito, pelomenos momentaneamente.

    O que nos impede de chegar paz, ento, mais do que qualqueroutro fator a falta de alternativas para a coao quando oconflito se torna grave. 1

    Buscamos auxlio para chegar paz atravs da justia e durante o processopercebe-se que algum sempre vai sair dali insatisfeito, e at considerando-seaviltado em seus direitos. Mas sem a justia, apesar de morosa e complicada comosaber de quem o direito.

    Acreditamos que a soluo esteja no prprio indivduo, e que o melhor cami-nho para se obter a justia e ao mesmo tempo exercer nossa cidadania atravsda Mediao; ao discorrer sobre o assunto fundamentaremos o porqu.

    1. RESOLUO DE CONFLITOS

    Nas sociedades mais simples o que se observa o envolvimento vigilante,ativo e construtivo dos demais membros da comunidade. Willian Ury na obra su-pra-citada (Caps. I a IV) relata interessantes observaes realizadas em comuni-dades de Bosqumanos e de Semais: pode-se constatar, atravs dessas observa-es, que na existncia de um conflito toda a comunidade se envolve, todos serenem para conversar, conversar e conversar. Cada pessoa tem a oportunidadede dizer o que pensa. um processo aberto e abrangente e que pode levar dias,at que se solucione toda a contenda. Os membros da comunidade se empenhamem descobrir quais dentre as regras sociais foram desrespeitadas para produzir taldiscrdia e o que preciso fazer para restabelecer a harmonia social. A essaforma de discutir e solucionar os problemas os Bosqumanos do o nome deKGOTLA e os Semais de BCARAA. Diferente das formas comuns de soluo

    1 URY, Willian. Como chegar paz, resolvendo conflitos em casa, no trabalho e no dia a dia.Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2000.

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    de litgios que vemos atualmente, onde um juiz diz quem tem a razo e um ladoganha e outro perde, no modo de agir destes povos, o que se busca uma soluopermanente que sirva para ambas as partes e que seja aceita pela comunidade.

    Esses grupos culturais no sossegam enquanto no solucionam o problemae assim no permitem que as partes saiam do processo sem uma soluo, pois,poderiam restar ressentimentos que trariam mais problemas no futuro para a co-munidade. Questionados quanto aos problemas havidos com outros grupos, elesafirmaram que agem da mesma forma e que um grupo vai at o outro ou oconvoca para tentarem uma soluo. Nessas comunidades tem-se a noo de quea parcialidade atrapalha na soluo das dificuldades e, at mesmo quando soenvolvidos parentes, imprescindvel no se tomar partido.

    O mais interessante a busca e a aprovao de meios alternativos de lidarcom problemas por meio de conversa, e a desaprovao da fora para tal finalida-de, pois, dessa forma, todos lucram com a contenda, pois, aprendem a lio decomo lidar pacificamente com frustraes e diferenas. Essas lies e formas desoluo so aplicadas at mesmo nos problemas havidos em brigas entre crianas,criando-se ento grupos de discusso infantis como forma de aprendizado.

    Apesar das enormes diferenas entre a nossa sociedade e as sociedadesmais simples como as acima citadas, pelo menos em um aspecto os desafios sosemelhantes: como desenvolver meios prprios para resolver as diferenas havidasde forma cooperativa, sem a necessidade de coao; e como mobilizar os mem-bros da comunidade para essa finalidade?

    O primeiro ponto seria no mais encarar o conflito como uma situao envol-vendo dois lados apenas, A X B, pois, todo conflito ocorre dentro da sociedade, dacomunidade, que constitui um terceiro componente em qualquer litgio. Esse ter-ceiro lado a comunidade circunjacente, que serve de recipiente para qualquerconflito e que gradualmente vai assumindo propores mais amplas. Na ausnciadesse recipiente, um conflito grave entre duas partes, facilmente se transforma emcontenda destrutiva; porm, dentro do recipiente, pode-se pouco a pouco se trans-formar o confronto em cooperao; o terceiro age como uma espcie de siste-ma imunolgico social que impede a disseminao da violncia. Nas sociedadesmodernas essa comunidade existe na forma de parentes, amigos, vizinhos, clri-gos, e profissionais treinados para mediar a soluo de conflitos.

    William Ury traz ainda dados estatsticos da utilizao do mtodo dosBosqumanos em escolas dos EUA, das quais mais de cinco mil, esto utilizando atcnica. Os jovens e as crianas so preparados para atuarem como mediadoresdos problemas surgidos entre os colegas. O mais interessante, e que difere dosmediadores profissionais dos tribunais, que esses estudantes vo em busca dosproblemas geradores dos conflitos para solucion-los. Com essas medidas tem-se

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    conseguido uma diminuio sensvel nas suspenses e advertncias por indisciplina,violncia e disputas entre os alunos. S para dar uma idia, a diminuio hojecinqenta vezes menor do que quando se comeou a aplicar o programa; acrescen-te-se ainda mais um dado promissor: este tipo de procedimento tem sido utilizadotambm em vrios pases da Europa com a obteno de resultados semelhantes.

    Falamos at aqui do terceiro de forma geral e de como tem-se incentivadomudanas na formas de resoluo de conflitos e do resgate da maneira como ascomunidades mais simples o fazem.

    Na nossa sociedade:

    ...os conflitos de interesses so percebidos sob uma dupladimenso; de um lado o conflito jurdico envolvendo direitosviolados ou supostamente violados, e, de outro o conflito social,envolvendo as relaes entre indivduos que desestabilizam asociedade e que nem sempre so reestruturados, muito embora,juridicamente, tenha-se solucionado o conflito emergente, ainsatisfao permanece latente entre os indivduos; em realidadeno se trata, o conflito, simplesmente de meras questesmateriais, mas tambm subjetivas e emocionais. 2

    fato que ocorre uma quebra no vnculo estabelecido entre as pessoas eque este vnculo poder ou no ser restabelecido depois da disputa.

    interessante interpretar porque os indivduos reagem dessa maneira; bem,quando o juiz decide, ele o faz com base em fatos e no direito; essa deciso nemsempre satisfaz a ambas as partes, pois algum diz que um tem direito e o outrono. Resolve-se o problema, a lide processual, sem levar-se em conta os outrosfatores, de ordem relacional, pessoal, emocional, negocial, etc... que ali esto ine-vitavelmente envolvidos.

    A mediao, de forma diversa, ao trabalhar na soluo dos conflitos, levaem conta todos os elementos envolvidos, estuda a fundo os casos e os indivduosantes de apresentar opes de soluo para os conflitos; viabiliza a pacificaocom a efetiva participao dos envolvidos; estes que iro efetivamente resolvero problema atravs do exerccio de sua autonomia; eles que daro, em ltimaanlise, a resposta para que os conflitos possam ser dirimidos, e a forma comodevero ser administrados, e ao faz-lo ocorrem trs coisas interessantes para asociedade: os acordos firmados pelos mediados cumprido na grande maioria dos

    2 GRUNWALD, Astried Brettas. A mediao como forma efetiva de pacificao social noestado democrtico de direito. www.jusnavegandi.com.br - 2002.

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    casos, as partes saem da disputa sem animosidades ou ressentimentos mtuos e,finalmente, ao participarem da soluo exercem verdadeiramente sua cidadaniae se tornam responsveis pela soluo e pelo gerenciamento de seus con-flitos. Pode-se inferir, com certo grau de certeza, que saem mais fortaleci-dos e preparados do processo.

    Warat refere que:

    As prticas sociais de mediao se configuram numinstrumento ao exerccio da cidadania, na medida em queeducam, facilitam e ajudam a produzir diferenas e a realizartomadas de decises sem a interveno de terceiros quedecidem pelos afetados por um conflito. Falar de autonomia,de democracia e de cidadania, em um certo sentido, se ocuparda capacidade das pessoas para se auto determinarem emrelao e com os outros; autodeterminarem-se na produo dadiferena (produo do tempo com o outro). A autonomia comouma forma de produzir diferenas e tomar decises com relaoa conflitividade que nos determina e configura, em termos deidentidade e cidadania. 3

    Como mecanismo alternativo de carter extrajudicial e autnomo, a medi-ao, privilegia a conciliao entres as partes e o restabelecimento das relaessociais. O papel do mediador conduzir os envolvidos na busca da compreensodos pontos fracos e fortes de seu problema, a fim de criar uma soluo onde todosficaro satisfeitos. Seu objetivo principal , desta forma, no a busca do direito aser aplicado ao conflito, mas, a busca do apaziguamento das partes envolvidas nacontrovrsia, percebendo-se que tais partes so indivduos sociais e assim encon-trar uma soluo que seja boa para ambos.

    2. CARACTERSTICAS DO INSTITUTO MEDIAO

    A mediao tem caractersticas peculiares como o sigilo, pois diferente-mente da justia comum, no tem o carter da publicidade; apenas as partes en-volvidas e o mediador tm acesso aos dados referentes controvrsia e soluodada pelo processo de mediao; outra peculiaridade que a torna mais prximadas partes a informalidade pois, a formulao dos pedidos no requer o formalismo

    3 WARAT, Luiz Alberto. Mediacin el derecho fuera de las normas: para una teora no normativa delconflicto. Scientia Iuris, n.4, p.09, 2000 (Londrina).

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    da justia comum; as discusses e os requerimentos, assim como as sugestes queas partes tenham a fazer so feitos de forma verbal, o que as aproxima, ao contr-rio do formalismo existente no procedimento judicial, no qual o ritual afasta aspartes umas das outras e do Juiz. Tambm bastante atrativo o baixo custo doprocedimento de mediao, resultante do fato de que com a mediao o nicogasto financeiro para com a figura do mediador, o qual dever ser pago porambas as partes. Diferentemente do processo judicial no h despesas, no hcustas a serem pagas e nem mesmo honorrios advocatcios, desde que a partici-pao de advogados facultativa. Outro ponto que torna a mediao atrativa aceleridade, resultante da prpria informalidade dos procedimentos; salientando-seque a maior celeridade ser obtida na hiptese de uma menor conflituosidade emo-cional entre as partes envolvidas. A reduo do desgaste emocional das partes efetiva pois o mediador tem o condo de facilitar a conversao dos indivduos demodo que possam, de uma forma pacfica, sem cargas emocionais ou ressenti-mentos, chegar a um acordo e at voltar no dia seguinte a se relacionar como senada tivesse ocorrido entre eles.

    Analisando as caractersticas da mediao percebe-se que a possibilida-de de discutir os problemas de forma privada e informal leva ao estabeleci-mento de uma relao de confiana entre as partes e o mediador, pois asinformaes e argumentos exarados em cada caso s podero ser reveladosse houver a concordncia entre as partes; caso contrrio, nada poder seraventado. Tambm a economia de tempo e dinheiro outra vantagem damediao, j que os conflitos so solucionados mais rapidamente, e de formaque os adversrios, ao deixarem a mediao, no se percebam mais como tal,pois o objetivo da mediao no o de dizer quem tem razo, mas sim deprevenir conflitos, pacificando as relaes sociais entre as partes; a autonomiadas decises que so tomadas com o auxlio do mediador, mas aceitas pelaspartes em conflito, onde elas dizem o que faro, de acordo com o que formelhor para cada uma, em prol do restabelecimento da paz social e, em ltimaanlise, o procedimento leva ao equilbrio das relaes entre as partes, estandoestas em perfeita igualdade de tratamento, viabilizando assim a pacificaodefinitiva das relaes entre elas.

    O resultado faz mais do que meramente resolver um conflito, transformaadversrios em colaboradores, estimula e vitaliza a comunicao entre os indi-vduos em conflito, de modo a proporcionar aquilo que a jurisdio pblica nopossui condies de oferecer (devido s suas prprias caractersticas): a rapi-dez e a satisfao entre as partes que, dessa forma, podero restabelecer assuas relaes.

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    Nesta perspectiva, faz-se necessrio perceber que a justiaacompanha a evoluo do Homem dentro de suas necessidades,resultantes da evoluo tecnolgica, social, poltica, jurdica eeconmica, sendo necessrio uma adaptao, eis que faz partede qualquer processo evolutivo o aumento da procura porsolues eficazes, as quais podem ser obtidas no apenas pormeios estatais, mas pela prpria participao dos litigantes,atravs de meios alternativos . 4

    O Estado exerceu papel fundamental quando da organizao doHomem em sociedade, porm, ao mesmo tempo, representou o principal empeci-lho para o seu acesso justia, no momento em que concedeu inmeros direitos egarantias ao cidado sem, no entanto, possuir uma estrutura que suportasse arealizao material de tais direitos e garantias e, conseqentemente, impedindo opleno exerccio da cidadania.

    Assim sendo, se nos aventurarmos pelo sistema tradicional de soluo decontrovrsias, perceberemos que a mediao surge promovendo a autonomia doindivduo, induzindo-o ao pleno exerccio de sua cidadania e, conseqentemente, aconcretizao da democracia.

    A mediao no uma justia alternativa, e muitos indivduos, por vezes,assim a percebem, mas sim um meio alternativo no sentido de sua coexistnciacom a atividade jurisdicional do Estado, buscando nele amparo legal concreto eno apenas interpretaes alheias s normas pr-constitudas. A mediao tem apropriedade de educar e ajudar a identificar as diferenas, promove a tomada dedecises sem que seja necessrio um terceiro que decida o conflito pelos indiv-duos, simbolizando, portanto, um instrumento prtico de exerccio da cidadania.

    Vem como sendo um meio eficaz de suprir as exigncias da sociedade atual,que necessita de um meio gil e eficaz de soluo de conflitos ante poucaefetividade da tutela jurisdicional e dos obstculos que o cidado encontra para teracesso justia.

    Devendo dar-se respaldo aos novos meios compositivos deconflitos numa perfeita concretizao do justo e impedindo-se,desta forma, a injustia legalizada pois caminham lado a lado oPoder Judicirio e os mecanismos alternativos, devolvendo aoEstado a legitimidade perdida. 5

    4 WARAT, Luiz Alberto. A mediao. Disponvel Em:http:// www.almed.org.br Acessado em:10/08/2002.5 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdio e execuo. So Paulo: Rt, 1999, p.126.

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    3. MAS O MEDIADOR QUEM ?

    um indivduo da comunidade, que lana mo de certo tipo de poder (opoder dos iguais), baseado em uma certa perspectiva (com fundamentos paraproporcionar o entendimento mtuo), que apia determinado mtodo (dilogo eno violncia) e que tem como objetivo certo produto uma vitria tripla.

    O terceiro no diz de forma autoritria o certo e o errado, mas mostracaminhos atravs da persuaso que esto em acordo com a vontade das partes eque sero benficos para essas partes e para a comunidade. Influencia, mesmoque no fale, pois, sua simples presena far com que as pessoas moderem mais oque falam e controlem mais o seu comportamento.

    Apesar de sempre pensarmos que existem apenas dois lados em um conflito, o olhar externo do terceiro, essa outra perspectiva, que tornar possvel avaliarmelhor e de forma mais isenta o problema, fazer com que as partes conversem, ese expressem a respeito de seus interesses.

    A presena do terceiro um no violncia, quando faz com que osopositores se contenham com a sua presena e, de formas clara, representa umsim ao dilogo e paz.

    O terceiro se empenha por encontrar uma soluo que satisfaa s neces-sidades das partes e, ao mesmo tempo, satisfaa tambm s necessidades dacomunidade. Essa a tripla vitria de que falamos anteriormente.

    4. O PROBLEMA DO ACESSO JUSTIA

    Segundo as estatsticas, anualmente oito milhes de novos casos tem sidoimpetrados. 6

    O problema do acesso justia j era preocupao desde antes da Constitui-o de 1988. O ento Ministro da Desburocratizao Hlio Beltro, j em 1982percebeu a inadequao da estrutura judiciria; em razo dessa precariedadematerial do aparato judicirio observava-se que as causas de menor valor noeram impetradas pela populao em razo de sua inviabilidade econmica; o queobstrua o acesso justia.

    Tribunais como o do Rio Grande do Sul, o da Bahia e do Paran passaram atestar mecanismos extrajudiciais de composio de litgios. E entre estes meiosencontravam-se a Mediao e a Arbitragem, os quais mostraram-se eficientese adequados rpida soluo das controvrsias a eles submetidos. A experinciadeu to certo que originou os juizados especiais cveis e criminais, federais e esta-duais, que atuam em todo o pas com o intuito de desafogar o sistema judicirio.

    6 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. idem.

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    Ao se institucionalizar a mediao, a transao e a conciliao, nos juizados,nos quais as partes so obrigadas a passar previamente antes da realizao doprocedimento de instruo e julgamento ou pelo processo da arbitragem, o proce-dimento torna-se clere, simples, seguro e com a garantia do devido processolegal em todas as suas fases.

    Essa iniciativa acabou sem qualquer imposio pelo fato de conscientizar apopulao em geral, e em especial o fez com aquela faixa mais carente, de queseus direitos seriam respeitados; levou esses indivduos a perceber que o conheci-mento e a defesa dos direitos fundamentais essencial para que se possa exercerplena e eficazmente a cidadania; os indivduos passaram a buscar a soluo dosseus direitos sem ter que deles abrir mo por causa das dificuldades de acesso justia. Houve uma mudana na mentalidade da populao, em especial a maiscarente, que passou a no se sentir mais to desamparada.

    Essa mudana conceitual levou percepo de que renunciar aos direitos renunciar condio de cidado. As solues que antes eram buscadas margemda ordem jurdica e que, na maioria das vezes, se mostrava ineficaz e, muitas vezesacarretando problemas maiores, deixou de ser praticada. A parcela da comunida-de que se via totalmente refm da situao e da ausncia de qualquer regra ou lei,mesmo que no tendo poder econmico, passou a vislumbrar um caminho e apoder implantar a sua condio de cidado.

    Infelizmente, uma parte da populao brasileira ainda vive margem dessa con-dio, desconhecendo a nova realidade e as portas de acesso justia que ela propicia.

    O acesso justia, antes da Constituio de 1988, era uma simples garantiaformal existente dentro da estrutura arcaica, complicada e carregada de nuspecunirio, difcil ou impossvel de ser suportado pelo cidado comum. Era invivelpara a populao, de forma geral arcar com os custos de uma Ao Judicial. Atutela jurisdicional que at a Constituio Cidad era restrita a interesses individu-ais passou a atender aos interesses coletivos; o acesso justia comeou a serreal, passando a representar um direito efetivo.

    Houve um redirecionamento sistmico e a Constituio da Repblica passoua viabilizar o acesso ao Judicirio atravs de uma nova concepo dessa promessade acesso justia que comea a se tornar real, instrumentalizada no Mandado deSegurana Coletivo, que consagrou a tutela jurisdicional coletiva, na Ao Popular,na Ao Civil Pblica e em outros instrumentos de representao coletiva.

    Alm disso, o aumento populacional provoca a elevao no nmero deinteraes entre as pessoas, essas interaes levam a disputas pelo mercado detrabalho e pela obteno de ganhos, pela melhoria da qualidade de vida, levandoainda a uma necessidade crescente de acionar uma entidade ou algum, na tenta-tiva de soluo dos problemas que no podem ser resolvidos diretamente pelos

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    envolvidos. Com a multiplicao dos conflitos torna-se cada vez mais crescente ademanda pelo acesso justia.

    Essa tendncia de ampliao das possibilidades de acesso justia pde sersentida no Brasil a partir de 1988, aps o advento da Constituio Federal, tambmconhecida como Constituio-Cidad. Com ela, o cidado comum faz a redescobertada Justia.

    Essa redescoberta por parte do cidado, porm, no acompanhada poruma adequao da estrutura do poder judicirio para recepcionar adequadamentea enxurrada de novas aes; ao abrir as portas da Justia houve um afluxodesenfreado na busca pela tutela jurisdicional do Estado, porm este no capazde aparelhar essa justia adequadamente; ento, ingressam milhes de aesimpetradas anualmente na busca de uma soluo e entopem o sistema, queainda no tem mecanismos para processar e dar vazo a tantos litgios.

    Essa nsia por justia, que acabou por lentificar todo o processo do sistemajudicirio; e, por dificultar o acesso justia e informao em razo dessesobstculos, impede os indivduos de exercerem a cidadania.

    5. A CIDADANIA

    Todos ns experimentamos o exerccio da cidadania, ou o seu desrespeito, nodia-a-dia. A realidade em que vivemos permite que alcancemos a percepo doque cidadania a partir de uma grande quantidade de direitos que a integram;esses direitos fazem parte dos interesses e dos valores morais da vida em socieda-de. Essa sociedade elenca os direitos aplicveis e os amplia e aperfeioa deacordo com a realidade e com o avano dos fatos no tempo, atingindo uma enormegama de situaes; esse aperfeioamento dos direitos e sua publicidade facilitam asua identificao e a possibilidade de exigncia do seu cumprimento por parte docidado. Permite alcanar o contedo que o termo cidado designa, a partir deuma gama enorme de direitos que o integram.

    Cidadania, palavra derivada de cidade, estudada por Aristteles, melhor compreendida se pensarmos a cidade como o Estado.Desse modo entendida cidadania, possvel dizer que, todocidado, que integra a sociedade pluralista do Estadodemocrtico, senhor do exerccio da cidadania, a qual, emsntese, um vocbulo que expressa um extenso conjunto dedireitos e de deveres. 7

    7 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

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    Ao examinar uma faceta do problema da igualdade social conclui-se que:

    O problema no , em ltima anlise, se todos os homenssero iguais, pois com certeza no o sero, mas se o progressono pode prosseguir firmemente, mesmo que vagarosamente,at que todo homem seja um cavalheiro. Afirma-se ainda quese pode dar mais valor educao do que ao conforto, que asclasses trabalhadoras podem estar aceitando cada vez mais osdeveres pblicos e privados dos cidados; mais e maisaumentando o seu domnio sobre a verdade de que so homense no mquinas. 8

    Em suma, Marshall dizia que quando os indivduos fortalecem a auto-estimae o respeito prprio, como conseqncia passam a desenvolver tambm respeitopelos outros, e se perceberem, no como mquinas, mas como seres humanos; e otrabalho seria a forma natural de realizao.

    Atualmente quando falamos de cidadania nos referimos ao principal funda-mento da finalidade do Estado democrtico de direito, cujos pilares de sustentaoencontram-se na admisso, na garantia e na efetividade dos direitos fundamentaisda pessoa humana ou seja, o Estado deve possibilitar aos seus habitantes a possi-bilidade de desenvolvimento pleno atravs do exerccio de um grande conjunto dedireitos e deveres.

    Os direitos fundamentais do Homem representam situaes reconhecidasjuridicamente, sem as quais o Homem incapaz de alcanar sua prpria realiza-o e desenvolvimento pleno, condio em que o indivduo no tem que abrir modo seu direito de buscar soluo para as suas contendas e ainda pode participarativamente, dando a ltima palavra para se chegar soluo. Neste contexto eleestar verdadeiramente exercendo sua cidadania.

    8 MARSHALL,T. H. Idem.

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    6. CONCLUSES

    Quando se afirma que exerccio da cidadania e acesso justia possvelatravs do Instituto da Mediao, porque v-se de forma clara os seus resulta-dos pois, a mediao no apenas resolve o conflito mas tambm educa, facilita eajuda a produzir diferenas e a realizar tomadas de decises sem a interveno deterceiros que decidem pelos afetados diretamente pelo conflito; ou seja, os indiv-duos tm autonomia na tomada de deciso e quando se fala de autonomia e decidadania, de certa forma, se ocupa da capacidade das pessoas para se auto deter-minarem em relao a si prprias e em relao aos outros; estar-se- falando deautonomia como uma forma de produzir diferenas e tomar decises. Fica eviden-te que mediao emerge no apenas como um mtodo alternativo de acesso justia mas como um instrumento eficaz de proteo de direitos fundamentais.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BACELLAR, Roberto Portugal. Acesso e sada da justia.Figueira Jnior, Joel Dias. Arbitragem, jurisdio e execuo. So Paulo: Rt,1999, p.126.FISHER, Roger; URY Willian; PATTON Bruce. Como chegar ao sim. A nego-ciao de acordos sem concesses. Rio de Janeiro: Imago, 1994 .GRECCO, Leonardo. O acesso ao direito e justia.GRUNWALD, Astried Brettas. A mediao como forma efetiva de pacifica-o social no estado democrtico de direito. Em: www.jusnavigandi.com.brMARSHALL, T.H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeior. ZaharEditores.ROZICKI, Cristiane. Cidadania: reflexo da participao poltica.URY, Willian. Como chegar paz: resolvendo conflitos em casa, no traba-lho e no dia a dia. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2000.WARAT, Luis Alberto. Mediacin, el derecho fuera de las normas: para una teorano normativa del conflicto. Scientia Iuris, n.4, p.09, 2000 (Londrina).WARAT, Luis Alberto. A mediao. Disponvel em: http:// www.almed.org.brAcessado em: 10/08/2002.