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12 | INTRODUÇÃO No final da década de 90, surgiram técnicas cirúrgicas minimamente invasivas para tratamento de recessões gengivais classes I e II de Miller, que têm demonstrado resultados estéticos previsíveis e satisfatórios, nome- adamente, a técnica de tunelização combinada com enxerto de tecido conjuntivo (ETC). Posteriormente, esta técnica foi modificada procurando melhorar o potencial de cicatrização e otimizar os resultados es- téticos. O presente trabalho tem como objectivo exemplificar a técnica de tunelização microcirúrgica modificada associada a ETC no recobrimento radicular e ilustrar as suas potencialidades, através da descrição de um relatório de caso clínico, em que foi tratado uma re- cessão unitária de um dente do sector anterior com- binado com reabilitação protética fixa. MATERIAL E MÉTODOS O caso clínico descreve o tratamento de uma recessão unitária Cl. I de Miller do dente 12 com 3 mm de pro- fundidade, numa doente preocupada com a aparência estética do seu sorriso. Foi aplicada a técnica de tu- nelização modificada com ETC, tendo sido realizada, posteriormente, uma coroa cerâmica para reabilitação protética com um follow-up de 19 meses. RESULTADOS A cicatrização no pós-operatório imediato decorreu sem complicações e efeitos adversos, tendo sido no- tória uma integração rápida do ETC nos tecidos adja- centes. A doente relatou um desconforto mínimo após a intervenção. No seguimento a médio prazo, aos 19 meses, foi possível obter um recobrimento radicular completo com um aumento de espessura e altura da gengiva aderente, proporcionando condições óptimas funcionais e estéticas para a reabilitação protética, que foi realizada através de uma coroa cerâmica. CONCLUSÕES Apesar das limitações inerentes à metodologia de um relatório de caso clínico, com baixo nível de evidência, é possível afirmar que a técnica de tunelização modi- ficada com ETC possibilita um aumento significativo de gengiva queratinizada e um recobrimento radicu- lar previsível, com uma magnitude compatível com o descrito na literatura. Na prática clínica, esta técnica minimamente invasiva representa uma alternativa fi- ável, com óptimo potencial de vascularização, permi- tindo uma cicatrização rápida e reduzida morbilidade. Além da sua eficácia e previsibilidade no recobrimen- to radicular, possibilita uma excelente integração do ETC com vantagens estéticas relevantes. *Médico Dentista, Professor Auxiliar da Área de Medicina Dentária (AMD) da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). ** Médica Dentista pela FMUC. ***Médico Dentista, Assistente Convidado da AMD da FMUC. Aplicação da técnica de tunelização modificada no recobrimento radicular combinado com reabilitação protética fixa Medicina Dentária REVISÃO DA LITERATURA E RELATÓRIO DE CASO CLÍNICO SÉRGIO MATOS*, ÉLIA CARMO**, ADRIANA FERNANDES**, TONY ROLO*** Caso Clínico

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INTRODUÇÃO

No final da década de 90, surgiram técnicas cirúrgicas minimamente invasivas para tratamento de recessões gengivais classes I e II de Miller, que têm demonstrado resultados estéticos previsíveis e satisfatórios, nome-adamente, a técnica de tunelização combinada com enxerto de tecido conjuntivo (ETC). Posteriormente, esta técnica foi modificada procurando melhorar o potencial de cicatrização e otimizar os resultados es-téticos. O presente trabalho tem como objectivo exemplificar a técnica de tunelização microcirúrgica modificada associada a ETC no recobrimento radicular e ilustrar as suas potencialidades, através da descrição de um relatório de caso clínico, em que foi tratado uma re-cessão unitária de um dente do sector anterior com-binado com reabilitação protética fixa.

MATERIAL E MÉTODOS

O caso clínico descreve o tratamento de uma recessão unitária Cl. I de Miller do dente 12 com 3 mm de pro-fundidade, numa doente preocupada com a aparência estética do seu sorriso. Foi aplicada a técnica de tu-nelização modificada com ETC, tendo sido realizada, posteriormente, uma coroa cerâmica para reabilitação protética com um follow-up de 19 meses.

RESULTADOS

A cicatrização no pós-operatório imediato decorreu sem complicações e efeitos adversos, tendo sido no-tória uma integração rápida do ETC nos tecidos adja-centes. A doente relatou um desconforto mínimo após a intervenção. No seguimento a médio prazo, aos 19 meses, foi possível obter um recobrimento radicular completo com um aumento de espessura e altura da gengiva aderente, proporcionando condições óptimas funcionais e estéticas para a reabilitação protética, que foi realizada através de uma coroa cerâmica.

CONCLUSÕES

Apesar das limitações inerentes à metodologia de um relatório de caso clínico, com baixo nível de evidência, é possível afirmar que a técnica de tunelização modi-ficada com ETC possibilita um aumento significativo de gengiva queratinizada e um recobrimento radicu-lar previsível, com uma magnitude compatível com o descrito na literatura. Na prática clínica, esta técnica minimamente invasiva representa uma alternativa fi-ável, com óptimo potencial de vascularização, permi-tindo uma cicatrização rápida e reduzida morbilidade. Além da sua eficácia e previsibilidade no recobrimen-to radicular, possibilita uma excelente integração do ETC com vantagens estéticas relevantes.

*Médico Dentista, Professor Auxiliar da Área de Medicina Dentária (AMD) da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).

** Médica Dentista pela FMUC. ***Médico Dentista, Assistente Convidado da AMD da FMUC.

Aplicação da técnica de tunelização modificada no recobrimento radicular combinado com reabilitação protética fixa

Medicina Dentária

REVISÃO DA LITERATURA E RELATÓRIO DE CASO CLÍNICO

SÉRGIO MATOS*, ÉLIA CARMO**, ADRIANA FERNANDES**, TONY ROLO***

Caso Clínico

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INTRODUÇÃOUma das principais justificações actuais para o recobrimento de recessões gengivais relaciona-se com a estética. Os resultados clínicos após procedimentos de recobrimento radicular são, geralmente, relatados em termos de percenta-gem de recobrimento radicular e recobrimento radicular completo (RRC). De facto, um estudo (Rotundo et al. 2008) avaliou a percepção estéti-ca após simulação de procedimentos de recobri-mento radicular em fotografias e demonstrou que o principal factor valorizado, tanto por do-entes, Médicos Dentistas e Periodontologistas, foi o RRC. Não obstante, esta análise, contextu-alizada num universo de doentes cada vez mais informados e com elevadas exigências estéticas, parece redutora e desadequada, relativamente, a uma avaliação de resultados estéticos mais global. Actualmente, além de critérios de su-cesso quantitativos, é considerado fundamental a implementação de critérios qualitativos como a integração cromática e de textura, o contorno marginal dos tecidos e a formação de sequelas cicatriciais.Nos últimos anos, o advento da definição de ci-rurgia plástica periodontal (Miller 1993) foi con-sequência de uma evolução de conceitos que pri-vilegia o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas que potenciem uma reconstituição biomimética e estética dos tecidos periodontais perdidos ou danificados. Recentemente, várias revisões sis-temáticas identificaram como tratamento de referência a combinação de um retalho de po-sicionamento coronário com enxerto de tecido conjuntivo (ETC), como o procedimento mais eficaz em termos de resultados clínicos, desig-nadamente, aquele que possibilitava maior pro-babilidade e previsibilidade na obtenção de um RRC (Cairo et al. 2008; Chambrone et al. 2010; Hofmanner et al. 2012). No sentido de optimizar a eficácia clínica e, também, os resultados estéticos têm sido de-senvolvidas técnicas de tunelização (Zabalegui et al. 1999) que evitam a dissecção da papila, contribuindo para um menor impacto no supri-mento vascular e menor risco de formação de

Fig. 1 - Sorriso inicial

Fig. 2 – Recessão inicial tipo Cl. I de Miller.

Fig. 3 – Incisão intrasulcular do dente 11 ao 13, sem envolvimento da porção coronal das papilas.

Fig. 4 – Tunelização do retalho em espessura total na região interdentária vestibular das papilas.

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Fig. 5 - Tunelização do retalho em espessura parcial para apical da gengiva marginal.

Fig. 6 – Tunelização realizada do dente 11 ao 13 com mobilização coronal do retalho.

Fig. 7– Passagem do fio de sutura sob o túnel para facilitar o deslizamento do ETC.

Fig. 8 – Sutura das extremidades mesial e distal do ETC para facilitar o seu deslizamento sob o retalho.

sequelas cicatriciais (Aroca et al. 2010). Recente-mente, foi introduzida uma modificação desta técnica utilizando uma abordagem microcirúr-gica, sem incisões verticais, com o intuito de optimizar a revascularização e reintegração do ETC e possibilitar uma cicatrização mais rápida, previsível e sem complicações (Zuhr et al. 2007).Este artigo tem como objectivo exemplificar a técnica de tunelização microcirúrgica modifica-da (MTUN) associada a ETC no recobrimento ra-dicular e ilustrar as suas potencialidades, atra-vés da descrição de um relatório de caso clínico.

MATERIAL E MÉTODOSO caso tratado refere-se a uma doente de 26 anos do sexo feminino, saudável e fumadora (máxi-mo 3 cigarros/dia), que se apresentou à consul-ta com queixas estéticas, hipersensibilidade e indicação para realização de coroa total cerâ-mica no dente 12. Este dente apresentava uma recessão Cl. I de Miller com 3 mm de profundi-dade, 3 mm de largura e uma altura mínima de gengiva aderente (1 mm). Num sorriso médio a doente expunha a área gengival cervical dos incisivos laterais e caninos, bem como dos cor-redores laterais posteriores bilaterais. Após ter sido referida a utilização de uma escova dura 2x/dia na higienização diária, foi realizada instru-ção e motivação higiénica, com alteração para uma técnica de escovagem vertical e utilização de uma escova macia. Foi ainda dada indicação à doente da necessidade de abstenção do hábi-to tabágico durante um mês, compreendendo o período prévio à cirurgia e o pós-operatório imediato.Foi planeado realizar o recobrimento radicular do dente 12 para corrigir a assimetria do con-torno gengival, diminuindo o impacto estético desfavorável desta assimetria no sorriso, e me-lhorar a altura da gengiva aderente e o biótipo gengival, por motivos funcionais, devido à con-fecção posterior de uma coroa total em cerâmica Procera®.Devido às elevadas exigências estéticas da do-ente, optou-se por realizar um procedimento de tunelização modificada associado a um ETC de acordo com a técnica descrita por Zuhr et al.

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Fig. 9 – Deslizamento do ETC através da tracção dos fios de sutura posicionados nos sulcos dos dentes adjacentes.

Fig. 10 – Imobilização do ETC no leito receptor.

Fig. 11 – Sutura simultânea do ETC com o retalho através de suturas de duplo cruzamento com ancoragem coronária nos espaços interdentários adjacentes.

Fig. 12 – Esquema da dinâmica da sutura de duplo cruzamento com ancoragem coronária (in Zuhr et al. 2009).

(2007) (Figs. 1 a 12). Este procedimento recor-reu a instrumental microcirúrgico, reduzindo o trauma e melhorando a manipulação dos teci-dos. Estes instrumentos incluem facas de tune-lização específicas, que podem ter angulações da parte activa de trabalho, para facilitar o acesso a áreas, anatomicamente, mais confinadas. Foi realizada uma anestesia local infiltrativa com cloridrato de articaína e epinefrina (72mg/1,8ml + 0,018mg/1,8ml). A instrumentação da raiz foi realizada através de pontas de destartarização ultrassónica, não tendo havido a necessidade de redução da convexidade radicular com ins-trumentação mecânica adicional. Foram reali-zadas incisões intrasulculares extensíveis aos dentes adjacentes, sem atingir o bordo das pa-pilas, seguido de um descolamento do retalho em espessura total na zona interdentária até à base das papilas e em espessura parcial em api-cal para além da junção mucogengival, criando um túnel sob a área da recessão gengival. O ETC foi removido do palato, de acordo com a técnica modificada de Bruno (1994), e preparado através da remoção de tecido epitelial remanescente e tecido adiposo/glandular superficial. Após des-lizamento sob o retalho preparado, através de suturas guias de suporte, o ETC foi pressiona-do coronalmente nas bolsas tunelizadas e imo-bilizado juntamente com o retalho através de suturas de duplo cruzamento com ancoragem coronária (Zuhr et al. 2009). Para a realização deste tipo de suturas, os pontos de contacto foram previamente bloqueados com recurso a uma resina composta fluida. Deste modo, todo o complexo gengiva-papila é movido coronal-mente. Utilizou-se um material de sutura não-reabsorvível, monofilamento, sintético, à base de fluoreto de polivinilo, com calibre 5/0. O en-xerto ficou ligeiramente exposto, cerca de 2mm, na área da recessão gengival, como está preco-nizado na técnica, não tendo sido necessária mobilização coronária adicional do retalho na área cervical.Como cuidados pós-operatórios foram indica-dos os seguintes procedimentos: dieta liquida e mole nos primeiros 4 dias, abstenção de higie-nização mecânica da zona receptora e dadora

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Figs. 13 – Pós-operatório aos 7 dias, sendo notório uma revascularização eficaz do zona exposta do enxerto.

Figs. 14 – Pós-operatório aos 15 dias, sendo visível o início de um processo precoce de óptima integração do enxerto com os tecidos gengivais adjacentes.

Fig. 15 – Pós-operatório aos 3 meses, com uma queratinização acentuada da gengiva reconstruída.

Fig. 16 – Pós-operatório aos 4 meses, após confecção de coroa provisória.

durante 15 dias, bochechos com colutório de clo-rohexidina a 0,12% e aplicação de gel de clorohe-xidina 0,2% durante 1 mês, toma de analgésico e anti-inflamatório não esteróide (ibuprofeno 600mg 12/12h, em regime de SOS), e recomeço de higienização mecânica após 15 dias com uma escova pós-cirurgica.

RESULTADOSNão se verificaram efeitos adversos locais no pós-operatório, nomeadamente, a nível de dor, edema ou hematomas. A doente referiu apenas a ingestão de analgésicos e anti-inflamatórios no dia da cirurgia, não mencionando qualquer tipo de sintomatologia dolorosa nos dias seguin-tes na zona receptora. Houve apenas menção de um ligeiro desconforto proveniente da zona dadora durante os primeiros 3 dias após a inter-venção. A cicatrização decorreu sem registo de complicações (Figs. 13 a 19), tendo-se observado uma cicatrização imediata, aos 7 e 15 dias, sem sinais inflamatórios evidentes e já com uma óptima integração do enxerto nos tecidos mar-ginais cervicais adjacentes. Foi instituído um protocolo de monitorização/manutenção perio-dontal de acordo com a seguinte cronologia: 7 dias, 15 dias (remoção das suturas), 1 mês, 2, 3, 6, 8, 12 e 18 meses. Aos 4 meses, foi possível verificar um recobri-mento radicular completo com uma altura de gengiva aderente de 5mm e um aumento sig-nificativo da espessura do biótipo gengival na zona do dente 12. Nessa altura, com um estado de maturação adequada dos tecidos gengivais, foi confeccionada uma coroa provisória, que foi substituída por uma coroa definitiva em cerâ-mica aos 6 meses. No último controlo aos 19 me-ses, é possível verificar uma óptima integração dos tecidos gengivais, com um adequado perfil de emergência e uma estabilidade do posicio-namento da margem gengival. A doente refe-riu enorme satisfação pelos resultados estéticos alcançados.

DISCUSSÃORecentemente, têm sido realizadas várias revi-

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Fig. 17 – Pós-operatório aos 19 meses, com coroa definitiva em cerâmica.

Fig. 18 – Vista de perfil aos 19 meses, com adequado perfil de emergência e aumento de espessura do biótipo gengival.

Fig. 19 – Impacto final da reconstrução gengival e reabilitação protética do dente 12 no sorriso aos 19 meses.

sões sistemáticas para avaliar a eficácia clínica das várias técnicas cirúrgicas no recobrimento de recessões gengivais, com o intuito de iden-tificar o tratamento de referência (Cairo et al. 2008; Chambrone et al. 2010; Hofmanner et al. 2012). De uma forma generalizada é referido que, apesar de todos os procedimentos testa-dos produzirem melhorias clínicas, aquele que apresenta os resultados mais favoráveis a nível de um recobrimento radicular significativo, ga-nho de inserção clínica e aumento de gengiva aderente, é a combinação de um retalho de po-sicionamento coronário (RPC) associado a ETC. Em recessões Cl. I e II de Miller a combinação de ETC com um RPC ou um RPC modificado (de acordo com a técnica descrita por Zuchelli & De Sanctis 2000), possibilitaram um recobrimento médio variando entre os 64,5% e 97,3% (Cham-brone et al. 2008), os 84% e 95,1% (Chambrone et al. 2010) e os 91,5% e 97,3% (Hofmanner et al. 2012), bem como, um recobrimento radicular completo entre os 74,6% e os 89,3% entre os 6 e os 12 meses (Hofmanner et al. 2012).Apesar desta combinação poder ser considerada, actualmente, o “padrão dourado” (gold stan-dard), a utilização de incisões verticais e/ou ho-rizontais no retalho vestibular, pode retardar a revascularização do ETC e a estética imediata dos tecidos gengivais. No sentido de melhorar o suprimento vascular, reduzir a morbilidade e potenciar a estética foram sendo desenvolvidas técnicas alternativas com incisões minimalis-tas. Em 1985, Raetzke propôs a técnica do “en-velope” livre de incisões para recessões unitárias e que foi, posteriormente, alargada por Allen (1994) para áreas múltiplas de recessões adjacen-tes. Mais tarde, Zabalegui et al. (1999) adaptou esta última, conectando as múltiplas áreas de envelope supraperiósteo com um túnel nas ex-tremidades mesial e distal, sem descolamento das papilas, criando a técnica de tunelização. Estes autores conseguiram alcançar um reco-brimento radicular médio na ordem dos 91,6% aos 12 meses. Posteriormente, têm sido desen-volvidas modificações à técnica original atra-vés de incisões sulculares (Azzi & Etienne 1998),

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retalhos pediculados bilaterais (Blanes & Allen 1999), incisão vertical unitária (Santarelli et al. 2001), incisões verticais com retalho de espes-sura total (Mahn 2001) e retalhos de espessura parcial e total (Tozüm & Dini 2003). A maioria dos estudos disponíveis na literatura que utilizaram as variantes da técnica de tune-lização indicam resultados para o recobrimento radicular médio que variam entre os 85% e os 100% (Zabalegui et al. 1999; Tozüm & Dini 2003; Tozüm et al. 2005; Dembowska & Drozdzik 2007; Georges et al. 2009; Khuller 2009; Stimmelmayr et al. 2011), cujos valores apresentam uma mag-nitude equivalente ao reportado para o trata-mento padrão (RPC + ETC). Contudo, a maioria destes estudos têm uma tipologia de série de casos clínicos ou ensaios clínicos não controla-dos, com um baixo nível de evidência e elevado risco de viéses, diminuindo a sua capacidade de extrapolação para uma aplicação clínica mais generalizada.Não obstante, surgiu recentemente um en-saio clínico controlado randomizado (Zuhr et al. 2014), que compara a técnica de tunelização modificada, utilizada no caso do presente rela-to clínico, com um RPC combinado com proteí-nas derivadas da matriz de esmalte (EMD). Este estudo vem integrar esta técnica de tuneliza-ção num contexto científico com maior nível de evidência e proporciona um novo método de medição digital a 3-dimensões para avaliação quantitativa mais fiável dos desfechos clínicos. Aos 12 meses do pós-operatório, a técnica de tunelização modificada permitiu alcançar um recobrimento radicular médio de 98,4% e um RRC de 78,6%, comparativamente, com 71,8% e 21,4%, respectivamente, para a técnica de RPC + EMD. Além disso, foram realizadas avaliações dos parâmetros estéticos através da escala RES (Cairo et al. 2009), tendo-se verificado uma di-ferença significativa favorável à técnica de tu-nelização modificada.Os resultados alcançados com o caso clínico re-latado são compatíveis com os resultados quan-titativos e qualitativos reportados na literatura. A técnica com incisões minimalistas possibilita

uma cicatrização sem efeitos adversos assinalá-veis e uma reduzida morbilidade, possibilitando um pós-operatório confortável ao doente. Além disso, o desenho das incisões e o tipo de desco-lameno do retalho (total na zona das papilas e parcial em apical) permite uma revascularização adequada do ETC e uma integração harmonio-sa com a margem gengival, desde que o enxer-to não fique exposto mais do que 3 mm (Zuhr et al. 2014), de forma a evitar uma presumível necrose. No caso de tratamento de recessões unitárias, como o descrito, a técnica apresenta como principal limitação a impossibilidade de mobilização coronária extensa do retalho, daí a sua falta de indicação para recobrimento de recessões superiores a 5mm de altura. Todavia, abaixo deste limiar, a preservação do suprimen-to vascular permite uma compensação da re-vascularização do enxerto, sendo viável deixar expostas pequenas porções conforme documen-tado. Apesar das suas mais valias, este proce-dimento requer uma curva de aprendizagem e é tecnicamente sensível. Daí a necessidade de implementação de mais estudos com adequada metodologia, de forma a aferir a real extensão dos resultados clínicos e a sua validade externa ou grau de extrapolação de aplicação clínica ge-neralizável.

CONCLUSÕESDentro dos limites deste tipo de relatório de caso clínico, observa-se que a técnica de tunelização modificada em combinação com ETC, permitiu uma melhoria evidente dos parâmetros avalia-dos a curto e a médio-prazo, resultando num significativo recobrimento radicular e aumento de gengiva aderente em recessões unitárias Cl. I de Miller. Esta técnica minimamente invasiva representa uma alternativa com um melhor potencial de vascularização, permitindo uma cicatrização mais rápida e com menor morbilidade. Os re-sultados obtidos na prática clínica apresentam previsibilidade cicatricial no alinhamento coro-nal da margem gengival, com óptima aparência estética, assim avaliada pelos doentes.

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PERIODONTOLOGY 2013; 41: 582–592.

BIBLIOGRAFIA

SÉRGIO MATOS, Médico Dentista, licenciado pela FMUC. Mestre em Experimentação Animal pela FMUC, na área da regeneração de

tecidos, em 2000. Doutoramento na especialidade de Patologia, Cirurgia e Periodontologia pela FMUC em 2008.

Professor auxiliar da FMUC, regente da Unidade Clínica 2 (Periodontologia, Cirurgia Oral e Medicina Oral) do curso de Mestrado

Integrado em Medicina Dentária da FMUC.

Prática clínica exclusiva em Periodontologia.