Medicina Legal - A importância na caracterização das lesões corporais

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Tema: A importância da medicina legal na caracterização do art. 129 do CP - lesões corporais. 1. Introdução A Medicina Legal é a área da Medicina que auxilia juridicamente a resolução de perícias, é a ciência de aplicação dos conhecimentos médico-biológicos aos interesses do Direito constituído. Como forma de averiguar a verdade dos fatos de interessa da justiça, a Medicina Legal obedece a determinadas regras, tanto médicas, quanto jurídicas e técnicas. Nesse sentido, pretende-se levar ao conhecimento dos interessados tudo o quanto for relevante que se possa concluir a partir da perícia daquele corpo – tanto no corpo delito direto, quanto no indireto -, ou seja, os peritos têm o intuito de responder a todos os quesitos formulados pelas partes. Vale uma leitura dos artigos 158 a 184 do Código de Processo Penal, que se detêm às perícias, principalmente àquelas utilizadas como meios de prova para caracterizar infrações. Nessa linha, a Traumatologia Forense (também chamada de Traumatologia Médico-Legal) aparece como a subdivisão da

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Tema: A importância da medicina legal na caracterização do art. 129 do CP

- lesões corporais.

1. Introdução

A Medicina Legal é a área da Medicina que auxilia juridicamente a resolução de

perícias, é a ciência de aplicação dos conhecimentos médico-biológicos aos interesses do

Direito constituído.

Como forma de averiguar a verdade dos fatos de interessa da justiça, a Medicina

Legal obedece a determinadas regras, tanto médicas, quanto jurídicas e técnicas. Nesse

sentido, pretende-se levar ao conhecimento dos interessados tudo o quanto for relevante que

se possa concluir a partir da perícia daquele corpo – tanto no corpo delito direto, quanto no

indireto -, ou seja, os peritos têm o intuito de responder a todos os quesitos formulados pelas

partes. Vale uma leitura dos artigos 158 a 184 do Código de Processo Penal, que se detêm às

perícias, principalmente àquelas utilizadas como meios de prova para caracterizar infrações.

Nessa linha, a Traumatologia Forense (também chamada de Traumatologia

Médico-Legal) aparece como a subdivisão da Medicina Legal Judiciária que mais se adéqua aos

estudos que se fazem nos artigos acima citados, a área que examina os traumas, que é

responsável pela análise das lesões ao corpo e ofensas à saúde física e mental, dos

instrumentos ou objetos vulnerantes que constituíram, no todo ou em parte, os traumas

físicos e psíquicos objeto da perícia.

O exame pericial que diagnostica as lesões corporais deve ser realizado por

médicos-peritos, ou onde estes não existam, por profissionais com conhecimentos de

Medicina Legal, ditos peritos ad-hoc.

Através da perícia é possível determinar a forma de energia que deu causa às

lesões, o instrumento ou meio utilizado, bem como a causa jurídica da lesão. Estas devem ser

localizadas precisamente dentro do corpo humano, cabe a ressalva.

Ao final da perícia, o laudo fornecerá respostas objetivas a quesitos, formulados

pelas partes interessadas, que permitirão que se afirme quais as causas e conseqüências do

delito, diante dos elementos colhidos no exame, juntamente com provas complementares,

que servirão como peças fundamentais para o deslinde da ação penal.

2. Desenvolvimento

Cabe, por oportuno, uma explanação do que são lesões corporais, sendo certo

que não se tratam apenas de danos visíveis a olho nu, expostos, e não podem ser consideradas

apenas desse ponto de vista, mas também de danos fisiológicos e mentais, inclusive sociais, ou

seja, de quaisquer danos capazes de comprometer a normalidade daquele “corpo”.

A Traumatologia Forense tem como principal escopo fornecer os elementos

fundamentais à compreensão de injustos penais, ajudando na identificação do agente

causador do dano (a autoria), da ação produtora da lesão e do instrumento utilizado

(características do dano). Assim, o trabalho dos peritos-legistas é permitir que a autoridade

policial, que preside o inquérito policial, possa chegar à provável dinâmica do delito e que, com

isso, posteriormente, após o transcurso da ação penal, o verdadeiro culpado seja devidamente

punido.

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O Código Penal define o crime de lesão corporal como a ofensa “à integridade

corporal ou à saúde de outrem”, no art. 129 do diploma. Em seus parágrafos, as lesões

corporais estão graduadas em leves, graves e gravíssimas. Assim, é de suma importância para

o estudo da Medicina Legal, a análise dos parágrafos do art. 129, ou seja, de cada gradação do

crime de lesão corporal e das suas hipóteses.

Cabe ressaltar, primeiramente, que as lesões leves não estão expressamente

previstas no Código, mas são depreendidas por eliminação, a partir da leitura do referido

artigo, que dispõe a respeito das agravantes da lesão corporal nos parágrafos 1º, 2º e 3º. Com

isso, todas as demais lesões corporais são consideradas leves (as que não são graves, nem

gravíssimas, nem são qualificadas pelo resultado morte).

Ainda faz necessário comentar que o Direito Penal não tutela a autolesão, em

virtude do princípio da lesividade, ou seja, quando alguém se fere, não está a lesar a esfera de

interesse de um terceiro, não está a agredir um bem jurídico de outrem, razão pela qual, o

Direito Penal não se preocupa em defender a autolesão.

As lesões corporais leves são aquelas em que o dano é tido como superficial, pois

compromete de maneira singela a pele, a hipoderme, ou mesmo os vasos arteriais e venosos

capilares ou pouco calibrosos, como por exemplo, a escoriação, o hematoma, a equimose, a

luxação, o edema, e por aí vai. Para o Direito Penal Brasileiro, cabe destacar, rubefação e

eritema não chegam a constituir lesões corporais, nem mesmo leves. Entretanto, entre os

legistas pode haver divergência quanto à avaliação sobre serem ou não esses tipos de lesão

vestígios de lesão corporal.

A pena para a lesão corporal leve é de três meses a um ano de detenção, e a

instauração de inquérito policial e a conseqüente ação penal dependem, nesses casos, de

representação do ofendido, conforme se depreende do art. 88 da Lei nº 9.099/95, para que o

Ministério Público ofereça a denúncia. O prazo decadencial para a referida ação é de 6 (seis)

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meses do conhecimento, pelo ofendido, de quem é o autor do crime, ou por quem o

represente. Importa ressaltar que, no caso de lesão corporal leve, qualificada pela violência

doméstica, a pena é de 3 meses a 3 anos de detenção, conforme art. 129, § 9º, CP.

As lesões corporais graves, por sua vez, cuja pena é de 1 a 5 anos de reclusão, são

auferidas tendo em vista 4 (quatro) parâmetros: o da ocupação habitual (§ 1º, I), do perigo de

vida (§ 1º, II), da debilidade permanente (§ 1º, III) e o da aceleração de parto (§ 1º, IV).

As lesões corporais graves decorrentes da incapacidade para as ocupações

habituais não devem ser interpretadas apenas do ponto de vista econômico, mas num sentido

mais amplo, da incapacidade para qualquer atividade rotineira. Vale dizer que a incapacidade

não precisa ser absoluta, basta que a lesão provoque a necessidade de se abster de

determinadas atividades habituais por mais de 30 (trinta) dias contados da data da lesão, sob

pena de piora na situação do lesado. Nesses casos, deve se proceder a uma perícia

complementar, logo depois de transcorridos os 30 (trinta) dias, para que se detecte se houve a

permanência da incapacidade. As lesões graves mais comuns capazes de causar a aludida

incapacidade são as fraturas.

As lesões corporais graves decorrentes do perigo de vida são entendidas pela

probabilidade concreta e objetiva de morte e são assim expressa e obrigatoriamente

consideradas por perito, já que o risco deve ser auferido por um prognóstico médico. Não

importa aqui se o risco durou ou não um período inferior a 30 (trinta) dias, sendo certo que a

gravidade está relacionada ao risco que a vítima correu em virtude daquela ofensa. Contudo,

alguns doutrinadores consideram que há a necessidade de o risco de vida se apresentar dentro

de 30 (trinta) dias da ofensa, outros acreditam que deve se dar no momento em que o

indivíduo sofre a agressão. Ainda que existam divergências, é de comum entendimento que o

risco deve estar diretamente relacionado à lesão. São exemplos hemorragias abundantes,

queimaduras em áreas extensas corporais, feridas penetrantes do abdômen e do tórax,

fraturas de crânio e da coluna vertebral etc.

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As lesões corporais graves decorrentes da debilidade permanente de membro

(braços e pernas), sentido (mecanismos sensoriais) ou função (atividades de órgãos ou

aparelhos do corpo humano) dizem respeito ao enfraquecimento, em definitivo, do membro,

sentido ou função, não propriamente de sua perda, extinção. A permanência diz respeito à

fixação definitiva da incapacidade parcial. O local afetado perde força. São exemplos o abalo

ou inutilização de um órgão duplo, mantido o outro íntegro e não abolida totalmente a função

e a eliminação ou inutilização total de um órgão ímpar que tenha suas funções compensadas

por outros órgãos. Convém ressaltar que no caso de debilidade de membro, esta é mais

comumente causada por lesões, quanto à debilidade de sentido, por traumatismos.

As lesões corporais graves decorrentes da aceleração de parto (mais

corretamente chamada de “desencadeamento de parto”), é o desrespeito ao período

fisiológico adequado ao nascimento do bebê, é a expulsão antecipada do feto, podendo ser

causada por dano físico ou psíquico. O bebê, nessa hipótese, nasce e vive. Do contrário,

resultando morte (expulso já morto, ou expulso sem viabilidade de sobreviver), a lesão não

seria mais considerada grave, e sim gravíssima. Ainda, o agente deve saber que a vítima está

grávida.

As lesões corporais gravíssimas, de outro lado, fruto de definição doutrinária, cuja

pena é de 2 a 8 anos de reclusão, decorrem do agravamento punitivo constante no parágrafo

2º do art. 129 do CP e são auferidas tendo em vista 4 (quatro) parâmetros: o do trabalho (§ 2º,

I), da enfermidade incurável (§ 2º, II), da perda ou inutilização de membro (§ 2º, III), da

deformidade permanente (§ 2º, IV) e o do aborto (§ 2º, V).

As lesões gravíssimas decorrentes da incapacidade permanente para o trabalho

devem ser interpretadas em vistas da capacidade laboral do ofendido, de qualquer atividade e

não apenas do trabalho específico deste. A vítima fica inabilitada ou invalidada para todo e

qualquer trabalho, por tempo incalculável, embora não seja perpétuo, isto é, não se pode

prever quando esta poderá reassumir suas funções.

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As lesões gravíssimas decorrentes de enfermidade incurável são aquelas em que o

vitimado perde ou vê minimizado o exercício de determinadas funções, ainda que aparente

gozar de saúde. Tais lesões não têm cura para a medicina atual, ou o tratamento a que elas se

submetem é muito arriscado ou não-convencional.

As lesões gravíssimas decorrentes de perda ou inutilização de membro, sentido ou

função decorrem da mutilação ou amputação, ou inutilização, permanente de membro,

sentido ou função. A perda pode ser total ou parcial.

As lesões gravíssimas decorrentes de deformidade permanente são frutos de

danos estéticos visíveis e irreversíveis, duradouros e que causam constrangimento à vítima.

Nesse sentido, vale a interferência não apenas na vida econômica do ofendido, mas

principalmente na social, no sentido de interferir negativamente em sua vida, inclusive

causando-lhe algum complexo, afetando a sua subjetividade e/ou auto-estima. Ressalva-se

que, no caso de cirurgia antes da sentença, o réu poderá ter sua pena reduzida, em virtude da

desclassificação da lesão, que passaria a ser grave.

As lesões gravíssimas decorrentes de aborto constituem crime que somente

admite a modalidade preterdolosa, isso porque, sendo doloso, é considerado crime de aborto

propriamente dito, previsto no art. 125 do Código Penal. O aborto é considerado a interrupção

da gravidez em qualquer fase do processo gestatório, que resulta na expulsão do feto já morto

ou vivo, porém sem viabilidade de sobrevivência. A gravidez deve, para tanto, ser notória ou

de conhecimento do agressor, pois, do contrário, não se admite a sua responsabilidade

objetiva.

Há, ainda, as lesões corporais seguidas de morte, previstas no art. 129, § 3º. Ainda

que não tenha sido a intenção do agente a morte da vítima, a sua pena será agravada, pois

haverá dolo na lesão e culpa na morte, ou seja, será um crime na modalidade

preterintencional ou preterdolosa, cuja pena é de 4 a 12 anos de reclusão. Esta qualificadora,

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cabe dizer, compete ao julgador reconhecer, devendo o perito tão somente descrever as

lesões para que o juízo de gravidade, subjetivo, seja feito no curso da ação penal, respeitados

os princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo certo que havendo divergências, o

perito poderá ser novamente acionado a fim de que estas sejam sanadas.

Ainda quanto ao art. 129, do CP, nele são expostas as causas de diminuição da

pena de lesão corporal (quando dolosa), e da possibilidade de sua substituição por pena

privativa de liberdade, nos parágrafos 4º e 5º, respectivamente. Fala-se, também, no aumento

de pena do crime de lesão corporal, nos casos previstos nos parágrafos 7º, 9º e 11º. Por outro

lado, também é bem colocada a lesão corporal culposa e suas causas de aumento de pena,

bem como as hipóteses de perdão judicial, conforme os parágrafos 6º, 7º e 8º,

respectivamente.

3. Conclusão

No Direito Penal Brasileiro, o crime de lesão corporal é um crime material, ou seja,

um crime que exige o exame de corpo de delito e se consuma com o dano a terceiro,

independente de quantas foram as lesões geradas pelo agressor. A Traumatologia Forense é,

portanto, essencial no sentido de fornecer subsídios técnicos e científicos ao juízo, fornecendo

dados acerca da lesão examinada, que em conseqüência, definem sua natureza e gravidade.

Cabe à perícia médica, emitir o laudo que identifique a vítima, a sede das lesões, seus aspectos

e dimensões, conseqüências funcionais, grau de deformidade etc.

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