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    Aos meus pais, Mestres e todos os que buscam a libertao do sofrimento

    Ven. Bhante Henepola Gunaratana

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    Mindfulness in Plain English

    VENERVEL BHANTE HENEPOLA GUN ARAT AN ABhavana Society Direitos autorais, 1991

    I edio em Taiwan, 1991, pela Corporate Body of the Buddha Educational Foundation 2edio em 1994, pela Wisdom Publications, USA

    Traduo da equipe da Casa deDharma autorizada pelo autor

    do original

    Reviso: Arthur Shaker

    Edies Casa de Dharma2005

    Casa de DharmaCentro de Meditao Buddfasta TheravadaR. Dona Antnia de Queiroz, 532/23-Sab Paulo 01307-010TeLfax (11)[email protected]

    http://casadedharma.virtualave.net

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    NDICE

    Assunto Pgina

    Prefcio....................................................................... 005

    Prefcio do Autor.......................................................... 007

    Sobre o Autor............................................................... 008

    Introduo: Budismo nas Amricas.................................. 009

    Captulos

    01- Meditao: Por que se preocupar com isso? ...... 01302- O que no meditao .................................. 02303- O que meditao ........................................ 03304- Atitude ........................................................ 04305- A prtica ...................................................... 04706- O que fazer com seu corpo ............................. 06307- O que fazer com a mente ................................ 06708- Estruturando a meditao ................................ 07709- Exerccios preliminares .................................... 08510- Lidando com problemas ................................... 09311- Lidando com distraes - I .............................. 10912- Lidando com distraes II .............................. 11513- Plena ateno (Sati) ........................................ 12914- Plena ateno versus concentrao .................... 13915- Meditao na vida diria ................................... 14716- O que podemos esperar da meditao ................ 159

    O Poder da Amizade Amorosa ............................ 165

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    Prefcio

    motivo de muita alegria para ns, da Casa de Dharma, po-dermos oferecer ao pblico interessado esta verso de traduo dovalioso livro de meditao budista escrito pelo Venervel HenepolaGunaratana. Desde h muito anos o Venervel tem sido o orientadorespiritual desta Casa de meditao budista Theravada.

    Escrito em linguagem simples, concisa e precisa, um livrobsico de introduo meditao budista Vipassana, a meditao daviso clara, ensinada pelo prprio Buda, e mantida fielmente pelos

    seguidores da linhagem Theravada, "a palavra dos antigos".

    Procuramos encontrar na lngua portuguesa os termos quemantivessem os significados os mais prximos possveis dos termosoriginais em pali, a lngua dos sermes do Buddha, corporificados noscnones do Tipitaka, e a partir de suas tradues para a lngua in-glesa, na qual o Ven. Gunaratana escreveu este livro. Um dos termosde traduo talvez o mais difcil e bsico deste livro o termo (empali) Sari, traduzido para o ingls como mindfulness. Optamos pelotermoplena ateno. Mas h outras tradues propostas por outrosautores, como conscientizao, vigilncia. Especificamente nocap. 13, Ven. Henepola desenvolve os vrios aspectos desse conceitofundamental da prtica. Pensamos que seus prprios esclarecimentoscomplementares so o suporte substancial para a compreenso dosignificado deste importante instrumento da meditao.

    Tudo nesta vida deve gratido a muitos. Queremos expressar

    em primeiro lugar, nossa gratido a Ricardo Sasaki e ao Centro Na-landa, por seus meritrios esforos em trazer mestres e publicaes

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    da literatura budista Theravada, bem como por ter possibilitadoconhecermos o Ven. Bhante Henepola Gunaratana. Gratido peloesforo de toda a equipe de traduo e reviso da Casa de Dharma,por tomar acessvel esta verso.

    E toda a muitssima gratido e reverncia ao muito queridoVen. Bhante Henepola Gunaratana, por seu incansvel esforo,amorosidade, pacincia e dedicao difuso do Dhamma entre ns.

    Que este livro, como tantos outros das vrias escolas budistasque se espraiam por esta terra brasileira generosa, possa contribuirpara arrefecer o sofrimento de todos os seres.

    Que todos os seres sejam felizes!

    A equipe das Edies Casade Dharma Janeiro de 200

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    Prefcio do Autor

    Descobri atravs de minha prpria experincia que a maneiramais eficaz de se expressar de forma que todos entendam usaruma linguagem simples. Ao ensinar, tambm aprendi que quantomais rgida for a linguagem, menos efetiva ela se torna. As pessoasno absorvem uma linguagem muito rigorosa e inflexvel, especial-mente quando tentamos ensinar algo que a maioria no se ocupa na

    sua vida cotidiana. Para essas pessoas a meditao parece ser algoque nem sempre conseguem fazer. Como tem aumentado o interessedas pessoas pela meditao, elas necessitam de instrues maissimples, de modo que possam praticar por si mesmas, sem apresena de um instrutor. Este livro o resultado de muitos pedidosde meditantes que precisavam de um livro bem simples, escrito nalinguagem comum do dia a dia.

    Muitos amigos me ajudaram a preparar este livro. Sou pro-fundamente grato a todos eles. Gostaria de expressar minha pro-funda apreciao e sincera gratido especialmente a John M.Patticord, Daniel J. Olmsted, Matthew Flickstein, Carol Flickstein,Patrick Hamilton, Genny Hamilton, Bill Mayne, Bhikkhu Dang PhamJotika e Bhikkhu Sona por suas valorosssimas sugestes, comen-trios e crticas nos vrios aspectos da elaborao deste livro. E agra-deo Reverenda Irm Sarna e Chris 0'Keefe por seus apoios naproduo grfica.

    H.Gunaratana MahatheraBhavana SocietyRt. 1 Box 218-3High View, W V 26808USA

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    Sobre o Autor

    Venervel Henepola Gunaratana Mahathera foi ordenadomonge budista aos 12 anos num pequeno templo na aldeia de

    Malandeniya, Kurunegala, no Sri Lanka. Seu preceptor foi Ven.Kiribatkumbure Sonuttara Mahathera. Em 1947, aos 20 anos, recebeua ordenao superior em Kardy. Educou-se no Colgio Vydialankarae no Colgio Missionrio Budista em Colombo. Depois viajou para andia, onde serviu por cinco anos como missionrio na SociedadeMahabodhi, assistindo os intocveis (Harijana) em Sanchi, Deli eBombaim. Em seguida, passou dez anos como missionrio naMalsia, servindo como conselheiro religioso da Sociedade SasanaAbhivurdhiwardhana, na Sociedade Budista Missionria e na

    Federao Juvenil da Malsia. Lecionou na Escola Kishon Dial e naEscola de Meninas de Temple Road e como diretor do InstitutoBudista de Kuala Lumppur.

    Ao convite da Sociedade Sasana Sevaka, seguiu para osEstados Unidos em 1968 para servir como Secretrio-Geral Honorrioda Sociedade do Vihara Budista de Washington, D.C. Em 1980 foidesignado Presidente da Sociedade. Durante seus atos no Vihara,lecionou cursos de Budismo, dirigiu retiros de meditao e palestras

    por todo os Estados Unidos, Canad, Europa, Austrlia e Nova Ze-lndia.

    Prosseguiu seus estudos universitrios, obtendo o bacharelado,mestrado e doutorado em Filosofia na American University deWashington. Lecionou na American University, na UniversidadeGeorgetown e na Universidade de Maryland. Seus livros e artigosforam publicados na Malsia, ndia, Sri Lanka e Estados Unidos.

    Foi capelo budista da American University, orientando alunosinteressados no Budismo e na meditao budista. Atualmente opresidente do Bhavana Society, mosteiro Theravada de tradio defloresta, em West Virginia, no Vale Shenandoah, a 160 km. deWashington, onde conduz retiros de meditao.

    Por solicitao de sociedades budistas e grupos interessados emBudismo, o Ven. Gunaratana viaja a vrias partes do mundo, dando

    conferncias, cursos, retiros de meditao, e orientando centros demeditao budista.

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    Introduo

    Budismo nas Amricas

    O assunto deste livro a prtica da meditao Vipassana. Re-pito, prtica. um manual de meditao funcional, um guia passo-a-passo de meditao do Insight. Pretende ser prtico. Feito para serusado.

    J existem muitos livros sobre Budismo, englobando tanto afilosofia como os aspectos tericos da meditao budista. Caso estejainteressado neste tipo de assunto recomendo que leia estes livros. A

    maioria deles so excelentes. Este livro trata do "como". Foi escritopara aqueles que realmente desejam meditar, e em especial paraaqueles que desejam comear agora. Aqui nos Estados Unidosexistem muito poucos mestres qualificados no estilo de meditaobudista. Nossa inteno fornecer os dados bsicos necessrios paraque voc possa decolar e iniciar o vo. Somente quem seguir asinstrues dadas poder dizer se acertamos ou falhamos. S os querealmente meditam com regularidade e diligentemente podem julgarnosso esforo. Nenhum livro capaz de abordar todos os problemas

    que os meditantes podem encontrar pela frente. Certamente serpreciso encontrar um instrutor qualificado. Entretanto, enquanto issono acontecer, estas so as regras bsicas; a plena compreensodessas pginas o levar bem longe no caminho.

    Existem muitos estilos de meditao. Todas as grandes tra-dies religiosas tm certos procedimentos que denominam medi-tao, e este termo vem sendo freqentemente usado se maneira im-

    precisa. Por favor, entendam que este livro diz respeito exclusiva-mente ao estilo de meditao Vipassana, tal como a ensinam e pra-ticam os budistas do sul e do sudeste da sia. Geralmente o termo traduzido por meditao do Insight, uma vez que o propsito do sis-tema fornecer ao meditante um insight da natureza da realidade euma compreenso precisa de como todas as coisas funcionam.

    O Budismo, em seu conjunto, difere muito das religies teol-gicas com as quais os ocidentais esto mais familiarizados. um

    acesso direto ao mundo espiritual ou divino, sem a intermediao dedeidades ou outros "agentes". Seu sabor intensivamente clnico,

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    muito mais relacionado com o que chamaramos de psicologia do quecom o que usualmente denominamos de religio. uma investigaoincessante da realidade, um exame microscpico do processo real depercepo. Sua inteno por de lado a teia de mentiras e deluses

    atravs da qual habitualmente vemos o mundo, e assim revelar aface da realidade ltima. A meditao Vipassana uma tcnica antigae elegante para se fazer exatamente isto.

    O Budismo Theravada proporciona um sistema efetivo para aexplorao das camadas mais profundas da mente, indo at as razesda prpria conscincia. Tambm oferece um significativo sistema dereverncia e de rituais nas quais esto contidas estas tcnicas. Estaformosa tradio o resultado natural de 2.500 anos de desenvol-

    vimento dentro das elevadas culturas tradicionais do sul e sudoesteda sia.

    Neste volume faremos o maior esforo possvel para separar oornamental do fundamental, apresentando apenas a verdade em simesma, simples e despojada. Os leitores que tenham inclinao pararituais, talvez queiram pesquisar a prtica Theravada em outroslivros, e acharo neles uma abundncia de costumes e cerimnias,uma rica tradio repleta de beleza e significados. Os mais inclinadospelos aspectos clnicos podem usar apenas as tcnicas em si,aplicando-as dentro de qualquer contexto filosfico ou emocional desua preferncia. O que importa a prtica.

    A distino entre meditao Vipassana e outros estilos demeditao crucial e precisa ser plenamente entendida. No Budismotemos dois tipos principais de meditao. So habilidades mentaisdistintas, modos de funcionamento ou qualidades da conscincia. Em

    pali, idioma original da literatura Theravada elas so chamadasVipassana e Samatha.

    Vipassana pode ser traduzida por "insight", uma conscinciaclara do que est exatamente acontecendo no momento em queacontece. Samatha pode ser traduzida como "concentrao" ou"tranqilidade". um estado em que a mente levada ao repouso,focalizando apenas um item, no se permitindo que ela divague.Quando se alcana isto, o corpo e a mente so tomados de uma

    profunda calma, um estado de tranqilidade que deve serexperimentado para ser compreendido.

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    A maioria dos sistemas de meditao dnfase ao componenteSamatha. O meditante foca a mente em certos itens, tal como umaprece, certos objetos especficos, um cntico, achama de uma vela,

    uma imagem religiosa ou qualquer outra coisa, exclui daconscinciatodos os demais pensamentos e percepes. O resultado um estadodextase que perdura at o trmino da meditao sentada. belo,deleitoso, significativo e atraente, mas apenas temporariamente. Ameditao Vipassana volta-se para o outro componente, o insight.

    O praticante de meditao Vipassana usa sua concentraocomo um instrumento atravs do qual sua conscincia vai demolindoaos poucos a muralha de iluso que o separa da luz viva da realidade.

    um processo gradual de aumento constante da conscincia edirigido para os processos internos da prpria realidade. Demoraanos, mas um dia o meditante rompe o muro e de sbito, se encontrana presena da luz. A transformao completa. Chama-se liber-tao, e permanente. A Libertao a meta de todos os sistemasde prtica budista. Porm as rotas para atingir esse fim so muitodiferentes.

    Dentro do Budismo existe uma enorme variedade de escolas.No entanto, elas podem ser divididas em duas grandes correntes depensamento: Mahayana e Theravada. O Budismo Mahayana preva-lece em todo o leste da sia, moldando as culturas da China, Coria,Japo, Nepal, Tibete e Vietn. O sistema Mahayana mais conhecido o Zen, praticado principalmente no Japo, Coria, Vietn e nosEstados Unidos. A prtica do sistema Theravada prevalece no sul esudeste da sia, nos pases do Sri Lanka, Tailndia Birmnia (atualMiamar), Laos e Camboja. Este livro trata da prtica Theravada.

    A literatura Theravada tradicional descreve tanto as tcnicas dameditao Samatha (concentrao e tranqilidade mental) como asda meditao Vipassana (insight ou conscincia clara). A literaturapali descreve 40 diferentes objetos de meditao. So recomendadoscomo objetos de concentrao e como objetos de investigao queconduzem ao insight. Como este um manual bsico, limitaremosnossa discusso ao mais fundamental dos objetos recomendados: arespirao.

    Este livro uma introduo obteno da plena atenoatravs da pura ateno e da compreenso clara do processo global

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    da respirao. Usando a respirao como foco primrio de ateno, omeditante aplica a observao participativa totalidade do seuprprio universo perceptivo. Aprende a observar as alteraes queocorrem em todas as experincias fsicas, nas sensaes-sentimentos

    e nas percepes. Aprende tambm a estudar suas prprias ati-vidades mentais e as flutuaes na natureza da prpria conscincia.Todas essas mudanas ocorrem perpetuamente e esto presentes emcada momento de nossa experincia.

    Meditao uma atividade viva e inerentemente experiencial.Ela no pode ser ensinada como uma atividade apenas acadmica. Aessncia viva do processo deve vir da prpria experincia pessoal doprofessor. No entanto, h um vasto tesouro de material codificado

    sobre o assunto, fruto de alguns dos mais inteligentes e pro-fundamente iluminados seres humanos que j passaram pela terra. Euma literatura digna de ateno. A maioria dos pontos abordadosneste livro provm do Tipitaka que a coletnea dividida em trspartes, em que foram preservados os ensinamentos originais doBuddha. Fazem parte do Tipitaka o Vinaya, o cdigo de disciplinados monges e dos leigos; os Suttas, os discursos pblicos atribudosao Buddha; e o Abhidhamma, uma srie de profundos ensinamentospsico-filosficos.

    No primeiro sculo da nossa era, um eminente erudito budistade nome Upatissa, escreveu o Vimuttimagga (OCaminho da Liber-dade, em que sumarizou os ensinamentos do Buddha sobremeditao. No quinto sculo da nossa era, outrogrande sbio budistade nome Buddhaghosa, focalizou o mesmo assunto em uma segundaobra acadmica, o Visuddhimagga (O Caminho da Purificao), que o texto de referncia sobre meditao at hoje. Os mestrescontemporneos de meditao se apiam no Tipitaka e suas expe-rincias pessoais. nossa inteno apresentar-lhes as instruessobre meditao Vipassana da maneira mais clara e precisa dispo-nvel. Este livro abre a porta para voc. Cabe a voc a tarefa de daros primeiros passos no caminho para descobrir quem voc e o quetudo isto significa. uma jornada que merece ser empreendida.Desejamos sucesso a voc.

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    Captulo I

    Meditao: Por que se preocupar com isso?

    A meditao no fcil. Leva tempo e consome energia. Tam-bm exige firmeza, determinao e disciplina. Requer muitas qua-lidades pessoais que geralmente consideramos desagradveis e quesempre que possvel gostamos de evitar. Podemos resumir tudo napalavra iniciativa. Meditao necessita iniciativa. Com certeza mui-tssimo mais fcil sentar e assistir televiso. Portanto, para que seincomodar com isso? Por que perder tanto tempo e energia quandopoderia estar se divertindo? Por que? simples. Porque voc

    humano. Exatamente pelo fato de ser humano voc herdeiro deuma insatisfao que inerente vida, algo que simplesmente novai embora. Voc pode suprimi-la de sua conscincia por um tempo.Pode distrair-se por horas a fio, mas ela sempre volta e geralmentequando voc menos espera. De repente, aparentemente de maneirainesperada, voc abre os olhos e percebe qual a sua verdadeirasituao na vida.

    Voc est ali, e de repente se d conta de que toda sua vida

    est apenas passando. Voc mantm uma boa fachada. D um jeitopara que todas as contas no final fechem e voc parea OK exterior-mente. Mas aqueles perodos de desespero, aquelas ocasies em tudoparece desmoronar ao seu redor, voc os guarda para si mesmo.Voc est confuso e sabe disso. Mas isto, voc esconde maravilhosa-mente. Entretanto, apesar de tudo isso, voc sabe que existe umaoutra maneira de viver, uma maneira melhor de ver o mundo, ummodo de tocar a vida plenamente. As vezes, por acaso, compreendeisso subitamente. Arruma um bom emprego, se apaixona. Vence o

    jogo. Por um tempo as coisas esto caminhando de forma diferente.A vida ento ganha mais riqueza e clareza, fazendo com que todos osmaus momentos e o tdio desapaream. Toda a tessitura de suaexperincia muda e voc diz a si mesmo: "OK, consegui, agora soufeliz". Mas at isso se esvai como fumaa ao vento. Isso permaneceapenas como memria. Isso e a vaga conscincia de que algo esterrado.

    Mas existe um outro mundo de profundidade e sensibilidadeacessvel na vida, mas voc no est vendo. Voc se assusta e se

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    sente apartado. Voc se sente isolado da doura da experincia porum tufo de algodo sensrio. Realmente, voc no est tocando avida. As coisas no parecem estar indo a contento. E depois, atmesmo aquela vaga conscincia desaparece, e voc se v de volta

    quela velha realidade. O mundo parece com aquele mesmo lugarsem sentido, que no mnimo entediante. uma montanha russaemocional, e voc dispende muito de seu tempo na parte baixa darampa, desejando estar nas alturas.

    O que est errado com voc? Ser voc um caso raro? No.Voc apenas humano. Sofre do mesmo mal que infecta todos osseres humanos. Dentro de ns existe um monstro de muitostentculos: tenso crnica, falta de genuna compaixo pelos outros,

    inclusive pelas pessoas prximas, sentimentos bloqueados e entor-pecimento emocional. So muitos tentculos, muitos. Ningum estcompletamente livre disso. Podemos tentar negar. Tentamos supri-mir. Construmos em sua volta toda uma cultura que esconde isso,fingimos que no conosco e nos distramos com metas, projetos estatus. Mas o monstro nunca vai embora. Existe uma corrente sub-

    jacente constante em todos os pensamentos, percepes, uma pe-quena voz sem palavra por detrs de nossa cabea que permanecedizendo: "Ainda no est bom. Ganhe mais. Faa melhor. Seja me-

    lhor". um monstro, um monstro que se manifesta em toda parte emformas sutis.

    V a uma festa. Escute as risadas. Aquela voz de lngua afiadaque na superfcie diz prazer e no fundo medo. Sinta a tenso, sinta apresso. Ningum est realmente relaxado. Esto todos fingindo. Va um jogo de futebol. Observe os torcedores nas arquibancadas.Observe a raiva descontrolada neles. Perceba a frustrao incontidabrotando das pessoas, que as mascaram a guisa de entusiasmo ouesprito esportivo. Vaias, xingamentos e egosmo sem limites emnome da lealdade ao time. Bebedeiras e brigas nas arquibancadas.So pessoas tentando desesperadamente aliviar suas tensesinteriores. No esto em paz consigo mesmas. Veja os noticirios daTV. Veja as letras das canes populares. Ver sempre o mesmotema, repetido com algumas variaes - cimes, sofrimento,descontentamento e estresse.

    A vida parece ser uma luta interminvel, um esforo enormecontra coisas estranhas. Qual nossa soluo para toda essa insatis-

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    fao? Agarramo-nos sndrome do "Se". Se eu tivesse mais dinhei-ro, ento eu seria feliz. Se pudesse encontrar algum que me amassede verdade. Se pudesse perder ao menos dez quilos, se tivesse umateleviso a cores, uma banheira de hidromassagem, cabelo crespo, e

    assim por diante. De onde vem todo esse lixo, e o mais importante, oque podemos fazer a esse respeito? Isso aparece devido s condiesde nossa prpria mente. um padro profundo de hbitos mentais,sutil e penetrante, um n grdio que construmos ponto por ponto eque s podemos desenredar da mesma forma, ponto por ponto.Podemos afinar nossa percepo, dragar cada pea separadamente,traz-la tona e ilumin-la. Podemos trazer aquilo que est incons-ciente para o consciente, sem pressa, uma pea de cada vez.

    A essncia de nossa experincia mudana. A mudana incessante. Momento a momento a vida passa e nunca a mesma. Aessncia do universo perceptivo a perptua transformao. Umpensamento surge na mente e meio segundo mais tarde desaparece.Aparece outro e tambm se vai. Um som chega aos ouvidos, edepois, o silncio. Abra os olhos e o mundo entrar, pisque e ele sevai. As pessoas entram em sua vida e logo saem. Amigos se vo,parentes morrem. Suas riquezas aumentam e diminuem. s vezesvoc vence, e do mesmo modo freqentemente perde. E a incessante

    mudana, mudana, mudana. No h dois momentos iguais.

    No h nada de errado nisto. a natureza do prprio universo.Mas a cultura humana nos ensinou estranhas respostas para esseinfindvel fluir. Categorizamos as experincias. Tentamos colocarcada percepo, cada mudana mental desse fluxo incessante emtrs escaninhos diferentes. Ela boa, ruim ou neutra. E da, conformea caixa que a colocamos, a percebemos com determinadas respostasmentais habituais fixas. Quando uma certa percepo foi rotuladacomo "boa", tentamos congel-la no tempo. Agarramo-nos quelepensamento particular, o acariciamos, o mantemos e tentamos nodeix-lo escapar. Quando isso no d certo, fazemos um enormeesforo para repetir a experincia que o causou. Vamos chamar essehbito mental de "apego".

    Do outro lado da mente est o escaninho rotulado de "mau".Quando percebemos algo "mau" tentamos afast-lo. Tentamos negar,rejeitar da maneira que pudermos. Lutamos contra nossa prpria

    experincia. Fugimos de partes que so nossas. Chamemos esse h-bito mental de "rejeio".

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    Entre os dois est o escaninho "neutro". Aqui colocamos as ex-perincias que no so nem boas nem ms. So mornas, neutras,desinteressantes e aborrecidas. Remetemos experincias para a caixa

    "neutra" para que possamos ignor-las e voltar nossa ateno aoponto de ao, isto , ao ciclo infindvel de desejo e averso. Estacategoria de experincia banida da ateno. Chamemos de "igno-rncia" esse hbito mental. O resultado direto de toda essa insen-satez uma corrida rotineira e perptua para lugar nenhum, perse-guindo o prazere fugindo da dor e ignorando 90% do que experimen-tamos. Ento ficamos nos perguntando por que a vida parece toaborrecida. Em ltima anlise, esse sistema no funciona.

    Por mais que persiga o prazer e o sucesso, s vezes voc falha.Por mais rpido que fuja s vezes a dor o captura. Nestas horas avida to aborrecida que desejamos gritar. Nossa mente est repletade opinies e criticismos. Construmos nossa volta uma muralha eficamos prisioneiros de nossos prprios desejos e averses.

    O sofrimento um termo muito importante no pensamentobudista. Palavra chave que deve ser cuidadosamente compreendida.

    Em pali a palavra dukkha, e no se refere apenas agonia docorpo. Significa aquela sensao sutil e profunda de insatisfao, quefaz parte de cada momento da mente e resulta diretamente da rotinamental. A essncia da vida sofrimento, disse o Buddha. A primeiravista isto parece excessivamente mrbido e pessimista. At parecefalso. Afinal, h muitos momentos em que somos felizes, no h?No, no h. Apenas parece que assim. Pegue um desses momen-tos em que se sente verdadeiramente realizado e examine-o de per-to. Sob a alegria encontrar aquela penetrante e sutil corrente de

    tenso, que independentemente da grandeza do momento, caminhapara um fim. No importa o quanto acabou de ganhar, ou vai perderuma parte ou vai passar o resto da vida guardando o que restou eplanejando como ganhar mais. No fim vai morrer. No fim perde tudo.Tudo transitrio.

    Parece muito desolador, no parece? Felizmente, pelo menosno completamente desolador. Apenas parece desolador quandovoc olha isto a partir de uma perspectiva mental comum, do mesmo

    nvel em que funciona nossa rotina mental. Em um nvel mais pro-fundo, existe uma outra perspectiva, uma maneira completamente

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    diferente de olhar o universo. Funciona em um nvel no qual a menteno tenta congelar o tempo, em que no tentamos nos agarrar sexperincias que nos perpassam, em que no tentamos bloquear ouignorar as coisas. Este um nvel de experincia alm do bem e do

    mal, alm do prazer e da dor. um caminho deleitvel de perceber omundo, e isto uma habilidade que pode ser aprendida. No fcil,mas pode ser aprendida.

    Paz e felicidade. Essas so questes fundamentais da existnciahumana. Isto tudo que estamos buscando. Geralmente isso umpouco difcil de ser visto porque cobrimos essas metas bsicas comcamadas de objetivos superficiais. Queremos comida, dinheiro, sexo,posse e respeito. Sempre dizemos a ns mesmos que a idia de

    'felicidade' muito abstrata: "olha, eu sou bem prtico. Apenas med bastante dinheiro, e eu comprarei toda a felicidade que preciso".Infelizmente, esta atitude no funciona. Examine cada um dessesobjetivos e ver que so superficiais. Voc quer comida. Por qu?Porque estou com fome. Voc est com fome, mas e ento? Bem, seeu comer, no terei mais fome e me sentirei bem. Ah, ah, ah! Sentirbem! Agora vejamos o verdadeiro ponto. O que queremos no so asmetas superficiais. Elas so apenas meios para um fim. O querealmente queremos aquela sensao de alvio que sobrevm

    quando o desejo satisfeito. Alvio, relaxamento e o fim da tenso.Paz, felicidade, no mais desejo.

    O que a felicidade? Para a maioria de ns, a felicidade perfeitasignifica obter tudo o que queremos, controlar tudo, ser um Csar,fazer com que o mundo inteiro dance de acordo com a nossa msica.Mas isso no funciona assim. D uma olhada na histria e veja aspessoas que no passado tiveram esse poder absoluto. Elas no forampessoas felizes. Com toda certeza no viveram em paz consigomesmas. Por qu? Porque elas queriam controlar o mundo demaneira total e absoluta e no conseguiram. Queriam controlar todasas pessoas, mas sempre existiam aquelas que se recusavam a sercontroladas. Eles no podiam controlar as estrelas. Ainda ficavamdoentes. Ainda morriam.

    Voc nunca ter tudo o que quer. impossvel. Felizmenteexiste uma outra opo. Voc pode aprender a controlar sua mente,

    dar um passo para fora desse ciclo interminvel de desejo e averso.Pode aprender a no querer o que deseja, reconhecer seus desejos

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    sem deixar-se controlar por eles. Isto no significa que v deitar narua e convidar todo mundo a passar por cima de voc. Significa quecontinua levando uma vida normal, mas a partir de uma nova pers-pectiva. Faz as coisas que devem ser feitas, mas estar livre de ser

    dirigido por seus desejos obsessivos e compulsivos. Quer algo, pormno precisa correr atrs. Teme algo, mas no precisa ficar tremendo,com as pernas bambas. Este tipo de cultura mental bem difcil.Leva anos. Mas tentar controlar tudo impossvel, prefervel odifcil ao impossvel.

    Pare um minuto. Paz e felicidade! No so estes os objetivos dacivilizao? Construmos arranha-cus e vias expressas. Temos friaspagas e aparelhos de TV. Temos licenas-sade, hospitais gratuitos,

    previdncia e benefcios sociais. Tudo isto se destina a prover certograu de paz e felicidade. Ainda assim, cresce sem cessar o ndice dedoenas mentais e a taxa de criminalidade. As ruas esto cheias deindivduos agressivos e instveis. Ponha o brao para fora da porta darua e bem provvel que algum roube seu relgio. Algo no estfuncionando bem. Gente feliz no rouba. Gente em paz consigo mes-ma no compelida a matar. Gostamos de pensar que nossa socie-dade est explorando todas as reas do conhecimento humano naconquista da paz e da felicidade.

    Estamos comeando a perceber que desenvolvemos o aspectomaterial da existncia custa do mais profundo aspecto emocional eespiritual, e estamos pagando o preo deste erro. Uma coisa falarsobre a degenerao da fibra moral e espiritual dos dias de hoje, eoutra fazer algo sobre isto. Devemos comear por ns mesmos.Olhe atentamente para dentro, verdadeira e objetivamente, e cadaum de ns ver momentos quando "o contraventor sou eu" e "eu souo louco". Aprenderemos a ver estes momentos, v-los claramente,limpidamente e sem condenao, e estaremos no caminho de deixarde ser assim.

    Voc no poder fazer mudanas radicais nos padres de suavida at que comece a se ver exatamente como voc agora. Assimque voc o fizer, mudanas fluiro naturalmente. Voc no precisaforar ou lutar ou obedecer a regras ditadas a voc por umaautoridade. Voc simplesmente muda. automtico. Mas chegar ateste insight inicial a questo. Voc tem de ver quem voc e como

    voc , sem iluso, julgamento ou nenhum tipo de resistncia. Vocprecisa ver seu prprio lugar na sociedade e sua funo enquanto um

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    ser social. Voc tem de ver seus deveres e obrigaes para com seuprximo, e, acima de tudo, para com voc mesmo como indivduovivendo com outras individualidades. Tem de ver isto claramente ecomo unidade, um conjunto nico de inter-relacionamentos. Parece

    complexo, mas freqentemente ocorre num instante. O cultivo men-tal atravs da meditao impar na ajuda para que voc adquiraeste tipo de entendimento e felicidade serena.

    O Dhammapada, antigo livro budista, antecipou Freud emmilhares de anos. Ele diz: "O que voc agora o resultado do quevoc j foi. O que voc ser amanh ser o resultado do que voc agora. As conseqncias de uma mente m te seguiro como acarreta segue o boi que o puxa. As conseqncias de uma mente

    purificada te seguiro como tua prpria sombra. Ningum pode fazermais por voc que sua prpria mente purificada- nem os pais, nemparentes, nem amigos, ningum. Uma mente bem disciplinada trazfelicidade".

    A meditao tem por objetivo a purificao da mente. Limpa oprocesso do pensamento daquilo que podemos chamar de irritantespsquicos, coisas como a cobia, dio e cimes, coisas que o mantmacorrentado a prises emocionais. Conduz a mente a um estado de

    tranqilidade e conscientizao, um estado de concentrao e visointerior.

    Nossa sociedade acredita muito na educao. Achamos que osaber torna civilizada a pessoa culta. Contudo, a civilizao d pes-soa apenas um polimento superficial. Sujeitemos um cavalheiro nobree sofisticado s tenses de uma guerra ou a um colapso econmico evejamos o que acontece. Uma coisa obedecer s leis quando se co-

    nhece as penalidades e se tem temor das conseqncias. Algo com-pletamente diferente obedecer s leis porque se depurou parte daganncia que pode induzir ao roubo, e do dio que leva uma pessoa amatar. Atire uma pedra no rio. A correnteza pode polir sua superfcie,mas seu interior permanece inalterado. Pegue essa mesma pedra e asubmeta ao fogo de uma forja. Toda a pedra se transformar, ex-terior e interiormente. Ela se fundir. A civilizao muda o homempor fora. A meditao o suaviza a partir do interior e muito profun-damente.

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    A meditao chamada de "Grande Mestra". o cadinho puri-ficador do fogo que age lentamente atravs da compreenso. Quantomaior a compreenso, mais flexvel e tolerante voc poder ser.Quanto mais compreender, mais compassivo ser. Pode-se tomar o

    pai ou me perfeita, o mestre ideal. Estar pronto para perdoar eesquecer. Sente amor ao prximo porque compreende. Compreendeaos demais porque compreende a si mesmo. Voc olhou profun-damente em seu interior e viu sua auto-iluso, suas prprias deficin-cias humanas. Viu sua prpria humanidade e aprendeu a perdoar eamar.

    Quando aprender a ter compaixo por voc mesmo, a com-paixo pelos outros vem automaticamente. Um meditante realizado aquele que alcanou uma profunda compreenso da vida e por isso

    liga-se ao mundo com profundo amor e sem crticas.

    A meditao como cultivar uma nova terra. Para transformaruma floresta em campo, primeiro tem de remover as rvores earrancar os tocos. Depois, arar a terra e adub-la. Ento voc semeiae colhe os frutos. Para cultivar a mente, primeiro voc tem deremover os vrios irritantes que esto no caminho, arranc-los pelaraiz de modo que no mais cresam. Ento fertiliza. Coloca energia edisciplina no solo mental. Semeia e colhe os frutos da f, moralidade,

    plena ateno e sabedoria.

    F e moralidade tem um significado especial neste contexto. OBudismo no advoga f no sentido de crer em algo apenas porqueest escrito em um livro e tenha sido atribudo a um profeta ou lhefoi ensinado por alguma autoridade. Seu significado aqui est maisprximo de confiana. E saber que algo verdadeiro porque voc viucomo funciona, porque observou esse fenmeno em si mesmo. De

    modo anlogo, moralidade no obedincia a rituais, a algo exterior,um cdigo imposto de comportamento. muito mais um padro dehbitos saudveis que se escolhe consciente e voluntariamente e quevoc se impe a si mesmo porque o reconhece como superior suaconduta atual..

    A finalidade da meditao a transformao pessoal. O "eu"que entra de um lado da meditao no o mesmo "eu" que aparecedo outro lado. Ao torn-lo profundamente consciente de seus prprios

    pensamentos, palavras e atos, ela modifica seu carter pelo processode sensibilizao. Sua arrogncia evapora e seu antagonismo seca.

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    Sua mente toma-se tranqila e calma. Sua vida se torna suave.Portanto, a meditao, feita como deve ser, prepara a pessoa para osaltos e baixos da vida. Ela reduz sua tenso, medo e preocupao. Aagitao diminui e a paixo se modera. As coisas comeam a se

    encaixar e sua vida se toma macia ao invs de ser uma batalha. Tudoisto acontece pela compreenso.

    A meditao agua a concentrao e seu poder de pensar.Ento, pea por pea, seus motivos e mecanismos subconscientes setornam claros. Sua intuio aguada. A preciso de seus pensa-mentos aumenta e gradualmente se atinge um conhecimento diretodas coisas como elas realmente so, sem preconceitos nem iluses.Isto razo suficiente para se preocupar? Dificilmente. So apenas

    promessas no papel. Existe apenas um meio para se verificar se ameditao vale a pena. Aprender a meditar corretamente e praticar.Veja por voc mesmo.

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    Captulo 2O que no meditao

    Meditao uma palavra. Voc j ouviu esta palavra antes,caso contrrio no teria escolhido este livro. O processo de pensaropera por associao, e idias de todos os tipos so associadas palavra "meditao". Algumas so corretas e outras so bobagens.Algumas, mais apropriadamente, pertencem a outros sistemas demeditao enadatem aver com a prtica Vipassana. Antes de pro-sseguirmos, e para que novas informaes possam penetrar semimpedimentos, importante removermos de nosso circuito neuralalguns desses resduos.

    Comecemos pelo mais bvio. No vamos ensinar-lhe acontem-plar oumbigo ou acantar slabas secretas. Voc no vai dominar de-mnios nem utilizar energias invisveis. Pelo seu desempenho, nolhe ser dada nenhuma faixa colorida e nem ter que raspar a cabeaou usar turbante. Tambm no ter que se desfazer de seus bens emudar-se para um mosteiro. De fato, a menos que sua vida sejaimoral e catica, voc pode comear imediatamente e fazer algum

    progresso. Parece encorajador, no acha?

    Existem muitos livros sobre meditao. A maioria foi escritadiretamente a partir do ponto de vista de uma religio especfica oude uma tradio filosfica e os autores no se preocuparam em res-saltar isso. Fazem afirmaes sobre meditao que parecem leis ge-rais, mas quena realidade so procedimentos altamente especficos eexclusivos de um sistema particular de prtica. Isto resulta em muitaconfuso. O pior que elas vm embaladas em complexas teorias e

    interpretaes, todas estranhas entre si. O resultado uma bagunae um emaranhado enorme de opinies conflitantes ao meio de umatorrente de dados irrelevantes. Este livro especfico. Trata exclusi-vamente de Meditao Vipassana. Vamos ensinar-lhe a observar co-mo funciona sua prpria mente, de uma maneira calma e desape-gada, para que possa ter insightes sobre seu prprio comportamento.A meta estar consciente, uma conscincia to inteira, concentrada eafinada que voc sercapaz de penetrar nos processos interiores daprpria realidade.

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    cada vez mais afinado com as suas prprias mudanas emocionais.Aprender a conhecer a si mesmo com grande clareza e preciso. Aoaprender esta tcnica, sobrevm certos estados que ao observadorpodem assemelhar-se a transes. Mas na realidade o oposto. No

    transe hipntico, o indivduo susceptvel ao controle alheio, enquan-to que na concentrao profunda o meditante permanece totalmentesob seu prprio controle. A semelhana apenas superficial e dequalquer maneira, esses fenmenos no so a meta do Vipassana.Como dissemos, a profunda concentrao de jhana uma ferra-menta, base de apoio no caminho da conscincia elevada. Por defi-nio, Vipassana o cultivo da plena ateno ou da conscincia. Seperceber que est se tornando inconsciente na meditao, ento noestar meditando de acordo com a definio do termo usado no

    sistema Vipassana. Isto muito simples.

    EQUIVOCO3 A meditao uma prtica misteriosaque no pode ser entendida.

    E quase verdade, mas no . A meditao abrange nveis deconscincia mais profundos que o pensamento simblico. Por isso,alguns dos dados da meditao no podem ser traduzidos em pala-vras. Mas no so de modo algum incompreensveis. Existem meiosmais profundos de compreenso que no empregam palavras. Vocsabe andar. Provavelmente no pode descrever com exatido aordem exata com que seus nervos e msculos se contraem durante oprocesso. Mesmo assim, voc anda. A meditao deve ser entendidada mesma forma, meditando. Meditao no algo que voc possaaprender de forma abstrata. No algo de se falar a respeito. algopara ser experimentado.

    A meditao no uma frmula vazia que fornece resultadosautomticos e previsveis. Na verdade voc nunca pode prever comexatido o que ocorrer durante uma sesso de meditao. Cada vez uma investigao, um experimento, uma aventura. Tanto isto verdadeiro que quando voc alcana em sua prtica um sentido depredizibilidade e estagnao, pode usar isto como um indicador.Significa, que de certa forma, voc se desviou e est caminhandopara a estagnao. Aprender a olhar para cada instante como se

    fosse o primeiro e nico instante do universo o que h de maisessencial na meditao Vipassana.

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    quer dizer que devemos nos embrulhar em um casulo protetor. Istono viver. Isto morte prematura.

    A maneira de trabalhar com o perigo conhecer sua extenso,

    onde ele pode aparecer e o que fazer quando isto acontece. Este opropsito deste manual. Vipassana o desenvolvimento da conscin-cia. Isto em si mesmo no perigoso; pelo contrrio, o aumento daateno a salvaguarda contra o perigo. A meditao, quandocorretamente feita, um processo suave e gradual. Pratique aospoucos, tranqilamente, e o desenvolvimento de sua prtica ocorrerde maneira muito natural. Nada dever ser forado. Mais tarde, sob aproteo sbia e exame minucioso de um mestre competente, vocpoder acelerar o ritmo de seu desenvolvimento atravs de perodos

    de meditao intensiva. No comeo, porm v com clama. Trabalhesuavemente e tudo estar bem.

    EQUIVOCO6 A meditao para santos e monges eno para pessoas comuns

    Essa atitude muito comum na sia onde monges e homenssantos recebem amplssima reverncia ritualizada. muito parecidacom a atitude ocidental de idolatrar artistas de cinema e heris doesporte. So esteretipos, parecem ser gigantes e lhes atribuemcaractersticas fabulosas, que na verdade, nenhum ser humano podeter. Mesmo aqui no Ocidente existe um pouco dessa opinio sobremeditao. Espera-se que o meditante seja uma pessoa prodigiosa-mente piedosa e em cuja boca a manteiga nunca se derrete. Umligeiro contato pessoal com essas pessoas afastar rapidamente essailuso. Geralmente so pessoas de enorme energia e alegria, pessoas

    de um vigor assombroso. verdade que muitos homens santosmeditam, mas no meditam porque so homens santos. o inverso.So homens santos porque meditam. Foi a meditao que os levou santidade. Comearam a meditar antes de ser santos, pois de outramaneira no seriam santos. Este o ponto importante.

    Um grande nmero de estudantes pensa que uma pessoa temque ser completamente tica antes de comear a meditar. Essa uma estratgia que no funciona. A moralidade exige um certo grau

    de controle mental. um pr-requisito. Voc no pode seguir umasrie de preceitos morais sem um mnimo de autocontrole, pois se

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    sua mente estiver continuamente girando como um tambor de m-quina caa-nquel, o autocontrole ser muito difcil. Portanto devemoscomear pelo cultivo da mente.

    Na meditao budista existem trs fatores essenciais: mora-lidade, concentrao e sabedoria. Os trs crescem juntos medidaque a sua prtica se aprofunda. Cada um influencia os demais, por-tanto voc os cultiva juntos e no um de cada vez. Quando vocadquire a sabedoria de entender uma situao verdadeiramente, acompaixo por todas as partes envolvidas automtica, e compaixosignifica que automaticamente voc evita qualquer pensamento,palavra ou ato capaz de prejudicar a si mesmo ou aos outros. Por-tanto seu comportamento automaticamente moral. Apenas quando

    no compreende profundamente as coisas que cria problemas.Quando no consegue ver as conseqncias de sua ao, voc vaifazer bobagem. Aquele que estiver esperando tomar-se totalmentemoral antes de comear a meditar estar esperando por um "mas"que nunca chegar. Os antigos sbios dizem que como esperar queo oceano se tome calmo para entrar no mar.

    Para entender melhor esta relao, pensemos que existemnveis de moralidade. O nvel mais baixo a obedincia a um conjun-

    to de regras e regulamentos estabelecidos por algum. Pode ser, porexemplo, pelo seu profeta favorito. Pode ser pelo Estado, pelo chefeda tribo ou pelo seu pai. No importa quem tenha estabelecido asregras, nesse nvel o que voc tem a fazer conhec-las e segui-las.Um rob pode fazer isso. At um chimpanz as implementaria, seforem bastante simples e no treinamento levasse uma varada cadavez que quebrasse uma das regras. Nesse nvel a meditao no necessria. Tudo que voc precisa so as regras e de algum paraaplicar as varadas.

    O prximo nvel de moralidade consiste em obedecer smesmas regras at na ausncia de algum que aplique as varadas.Voc obedece porque internalizou as regras. Voc mesmo se punequando viola uma delas. Esse nvel exige um pouco de controlemental. Quando seu padro de pensamento catico, seu compor-tamento tambm o ser. A cultura mental reduz o caos mental.

    Existe um terceiro nvel de moralidade que pode ser chamado

    de tica. E um nvel bem superior na escala, uma verdadeira mudan-a de paradigma na orientao. Pela tica, no seguimos de modo

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    Infelizmente, esse fato se constitui em uma desvantagem paracertos estudantes. Eles iniciam a prtica na expectativa de umarevelao csmica instantnea acompanhada de um coro angelical. Oque realmente eles obtm um modo mais eficiente de remover o

    entulho e lidar melhor com o divrcio do tio Herman. No h necessi-dade de eles ficarem desapontados. Solucionar o entulho vem emprimeiro lugar. As vozes dos arcanjos demoraro um pouco mais.

    EQUIVOCO7 Meditao fugir da realidade.

    Incorreto. Meditao ir ao encontro da realidade. Ela no oisola da dor da vida. Permite um mergulho to profundo em todos osaspectos da vida que voc ultrapassa a barreira da dor e atinge paraalm do sofrimento. Vipassana uma prtica realizada com a inten-o especfica de enfrentar a realidade, experimentar a vida de umamaneira integral, exatamente como ela , e suportar aquilo que en-contra. Ela permite por de lado as iluses e libertar-se daquelas edu-cadas pequenas mentiras que vem contando a si mesmo o tempotodo. O que existe est aqui. Voc o que , e mentir a si mesmosobre suas prprias fraquezas e motivaes apenas o liga mais firme roda da iluso. A meditao Vipassana no uma tentativa deesquecer ou de encobrir seus problemas. aprender a ver-se comode fato voc . Ver o que est ali e aceit-lo completamente. Somen-te assim poder mud-lo.

    EQUIVOCO8 A meditao uma bela maneira de

    inebriar-se.

    Bem, sim e no. A meditao s vezes produz sensaes decontentamento encantadoras. Mas no esse o propsito e elas noocorrem sempre. Ademais, caso medite com esse propsito emmente, isso ainda mais difcil de ocorrer do que quando o propsito a meditao correta, que o de aumentar o estado de ateno. Oxtase resulta do relaxamento e o relaxamento resulta da liberaodas tenses. Buscar o xtase na meditao introduz tenso noprocesso, o que termina por atrapalhar a cadeia de eventos umapegada ardilosa. Voc s alcana o xtase se no procur-lo.

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    Alm do mais, caso esteja buscando euforia e boas sensaes,existe um caminho mais fcil de obt-las. Elas esto disponveis nosbares e com suspeitosos indivduos pelas esquinas por todo o pas. Opropsito da meditao no a euforia. Ela freqentemente aparece,

    mas deve ser olhada como um subproduto. Ainda assim, um efeitocolateral muito prazeroso e se torna mais e mais freqente quantomais meditar. Entre os praticantes mais avanados no h dvidasobre esse ponto.

    EQUIVOCO9A meditao algo egosta.

    Certamente ela se assemelha a isto. L est o meditantesentado sob a sua pequena almofada. Estar doando sangue? No.Estar ajudando as vtimas de um desastre? No. Porm, examine-mos sua motivao. Por que procede dessa forma? Sua inteno purificar sua mente da raiva, do preconceito e do ressentimento. Eleest ativamente engajado no processo de afastamento da cobia, datenso e da insensibilidade. Esses so os verdadeiros obstculos sua compaixo pelos outros. Enquanto no se livrar deles, qualquerboa obra que tiver feito provavelmente ser apenas uma ampliaodo seu prprio ego e, a longo prazo, no so de nenhuma ajuda.

    Prejudicar em nome da ajuda um dos mais antigos jogos. O grandeinquisidor da Inquisio Espanhola tinha os mais sublimes motivos. Aexecuo das bruxas de Salem teve lugar em nome do "bem pblico".Examine a vida pessoal de meditantes avanados e com freqnciaver que se dedicam a servios humanitrios. Raramente os ver emcruzadas missionrias prestes a sacrificar alguns indivduos em nome

    de alguma idia piedosa. A verdade que somos mais egostas doque supomos. Quando permitimos, o ego encontra um jeito detransformar as atividades mais sublimes em lixo.

    Atravs da meditao nos tornamos cientes de ns mesmos,exatamente como somos, identificando os numerosos artifcios sutiscom que manifestamos nosso egosmo. ento que verdadeiramentecomeamos a ser genuinamente isentos de egosmo. Purificar oegosmo no uma atividade egosta.

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    EQUIVOCO 10 Quando voc medita, senta e busca

    pensamentos sublimes.

    Novamente errado. Existem certos sistemas de contemplao

    que fazem coisas desse tipo. Mas isso no Vipassana. Vipassana aprtica da ateno. Ateno a tudo que aparece, seja a supremaverdade ou qualquer refugo intil. O que est ali o que . Certa-mente, pensamentos estticos sublimes podem aparecer durante aprtica. Eles no devem ser evitados. Nem tampouco devem serbuscados. Eles so apenas efeitos colaterais agradveis. Vipassana uma prtica simples. Consiste em experimentar diretamente oseventos da sua vida diria, sem preferncias e sem imagens mentaiscoladas a eles. Vipassana ver a sua vida desenrolar-se momento a

    momento, sem vieses. O que aparecer apareceu. muito simples.

    EQUIVOCO 11 Algumas semanas de meditao e todos

    os meus problemas estaro resolvidos

    Desculpem, mas meditao no remdio instantneo para to-dos os males. Imediatamente voc comear a perceber mudanas,mas efeitos realmente profundos apenas aps anos de prtica.

    assim que o universo construdo. Nada de valor se consegue de umdia para o outro. Sob certos aspectos a meditao difcil. Requeruma longa disciplina e s vezes um processo penoso de prtica. Cadavez que sentar em meditao obter alguns resultados que freqen-temente so muito sutis. Eles ocorrem na profundidade da mente eapenas se manifestam muito tempo depois. Caso se sentar procuran-do constantemente mudanas enormes e instantneas voc no vaiperceber as mudanas sutis. Ficar desanimado, desistir e jurarque essas mudanas jamais ocorrem.

    Pacincia a chave. Pacincia. Se na meditao no aprendernada mais, aprender a pacincia. E esta a lio mais valiosa.

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    Captulo 3O que meditao

    Meditao uma palavra e as palavras, segundo quem asusam, so empregadas de modo diferente. Isto pode parecer umponto trivial, mas no . Distinguir exatamente oque um determina-do orador quer dizer com as palavras que ele usa muito importante.Todas as culturas da Terra produziram algum tipo de prtica mentalque poderamos chamar de meditao. Tudo depende da elasticidadeda definio que voc lhe der. Todos fizeram isso, desde os africanosat os esquims. As tcnicas variam muito eno faremos aqui ne-

    nhuma tentativa de fazer um levantamento sobre elas. Para issoexistem outros livros. Para opropsito deste volume, restringiremosnossa discusso s prticas mais conhecidas do pblico ocidental emais prxima do termo meditao.

    Dentro da tradio judico-crist encontramos duas prticascorrelatas chamadas prece e contemplao. A prece dirigida a umaentidade espiritual. A contemplao um perodo prolongado de pen-samentos conscientes sobre um tpico especfico, em geral um ideal

    religioso ou uma passagem das escrituras. Do ponto de vista da cul-tura mental, as duas atividades so exerccios de concentrao. Aavalanche normal de pensamentos conscientes restringida e a men-te opera em uma rea consciente. Os resultados so aqueles espera-dos em qualquer prtica de concentrao: profunda calma, reduodo ritmo metablico e uma sensao de paz e bem estar.

    Da tradio hindu temos a meditao iguica, que tambm puramente concentrativa. Seus exerccios bsicos tradicionais consis-tem em focar a mente em um nico objeto, uma pedra, a chama deuma vela, uma slaba, ou qualquer outra coisa e no permitir que amente divague. Tendo adquirido esta habilidade bsica, o iogue con-tinua a expandir sua prtica valendo-se de objetos mais complexosde meditao, tais como, cantos, imagens religiosas coloridas, canaisde energia do corpo, e outros. Porm, embora cresa a complexidadedos objetos de meditao, ela continua sendo, por si mesma, umexerccio de pura concentrao.

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    Na tradio budista a concentrao tambm altamente valori-zada. Mas um novo elemento acrescentado e muito reforado. Esteelemento a ateno. Toda meditao budista tem como meta o de-senvolvimento da ateno, usando a concentrao como ferramenta.

    No entanto, a meditao budista muito vasta e oferece vrios cami-nhos para a mesma meta.

    A meditao Zen usa dois mtodos diferentes. O primeiro omergulho direto na ateno pela pura fora de vontade. Voc senta eapenas senta, isto , joga para fora da mente tudo, exceto a puraateno de estar sentado. Isto parece muito simples, mas no .Uma pequena tentativa demonstrar, na verdade, o quanto isto difcil. O segundo mtodo Zen usado na Escola Rinzai e consiste em

    manter a mente fora de qualquer pensamento consciente, mergu-lhando-a na ateno pura. Isto feito dando ao estudante umaquesto insolvel que deve ser resolvida a qualquer preo, colocandoa pessoa em uma situao de treinamento horrorosa. Como no podeescapar da dor daquela situao ele deve fugir para a experinciapura do momento. No h para onde ir. Zen difcil. Ele funcionapara muitas pessoas, mas na realidade muito difcil.

    O Budismo tntrico usa um estratagema quase oposto aoanterior. O pensamento consciente, pelo menos da maneira que ge-

    ralmente o usamos, uma manifestao do ego, do eu que geral-mente voc pensa que . O pensamento consciente est estreitamen-te ligado ao conceito do eu. Esse conceito do eu, ou ego, no nadamais do que uma srie de reaes e imagens mentais artificialmentecoladas no processo fluido da ateno pura. O Tantra busca obter aateno pura pela destruio desta imagem do ego. Isto realizadopor um processo de visualizao. O estudante recebe para meditaruma determinada imagem religiosa de uma das deidades do panteotntrico. Ele faz isso com tanta intensidade que se transforma nadeidade. Remove sua identidade e coloca uma outra no lugar. Isto demorado como podem imaginar, mas funciona. Durante o processoa pessoa capaz de ver como o ego construdo e colocado afuncionar. Reconhece assim a natureza arbitrria de todos os egos,inclusive o seu, e dessa forma escapa das prises do ego. Fica em umestado em que poder ter ego, se quiser, optando pelo prprio ou porqualquer outro que escolher; ou pode ficar sem ego. O resultado ateno pura. Mas o Tantra no brinquedo para crianas.

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    apenas aceitar as explicaes de algum. Desejo ver isto por mimmesmo."

    Se fizer sua prtica meditativa com esta atitude voc progre-dir. Ver que estar observando as coisas objetivamente, exata-

    mente como elas so: fluindo e mudando, de momento a momento. Avida se toma ento de uma riqueza to inacreditvel que no podeser descrita. Deve ser experimentada.

    O termo pali para meditao do Insight Vipassana Bhavana.Este ltimo termo vem da raiz bhu, que significa crescer, tornar-se.Portanto, Bhavana significa cultivar e sempre se refere mente.Bhavana quer dizer cultivo mental. Vipassana composta de doisradicais. Passana ver, perceber. Vi um prefixo com vrios

    significados. O sentido bsico "de uma maneira especial." Temtambm o sentido tanto de "dentro", como de "atravs." O sentidointegral da palavra olhar dentro de algo com clareza e preciso, verdistintamente cada componente, penetrar todo o caminho, vendoassim a realidade mais fundamental de cada coisa. Este processoconduz ao insight da realidade bsica de tudo aquilo que estiversendo investigado. Juntando as duas palavras, Vipassana Bhavanasignifica o cultivo da mente, direcionado para um modo especial dever que conduz ao insight e completa compreenso.

    Na meditao Vipassana cultivamos essa maneira especial dever a vida. Treinamos para ver a realidade tal qual ela , e chamamosesta maneira especial de percepo de plena ateno.

    O processo de plena ateno na realidade bastante diferentedaquilo que normalmente fazemos. Geralmente no olhamos paradentro do que temos pela frente. Vemos a vida atravs de uma tela

    de pensamentos e conceitos e tomamos erroneamente aquelesobjetos mentais pela realidade. Estamos to presos a esse fluxointerminvel de pensamentos que no percebemos o fluxo da rea-lidade. Passamos o tempo absorvidos na atividade, presos na eternabusca de prazer e gratificao e na eterna fuga da dor e do despra-zeroso. Gastamos toda nossa energia tentando nos sentir melhor,tentando enterrar nossos medos. Estamos incessantemente em buscade segurana. Enquanto isso, o mundo da experincia real fluiintocado e sem ser provado.

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    Na meditao Vipassana treinamos para ignorar os constantesimpulsos comodidade, e ao invs disso, mergulhamos na realidade.A ironia que a paz verdadeira apenas aparece quando voc parar debusc-la. outra daquelas sutis charadas.

    A verdadeira realizao vem tona quando voc se soltar dafora do desejo por conforto. A real beleza da vida surge quando vocabandona sua frentica busca por gratificao. A verdadeira seguran-a e liberdade apenas aparecem quando voc busca conhecer arealidade sem iluses, com todas suas dores e perigos. Esta no nenhuma espcie de doutrina que estamos tentando lhe impingir. arealidade observvel, algo que voc pode e deve enxergar por simesmo.

    O Budismo tem mais de 2.500 anos e qualquer sistema depensamento to antigo como esse, teve tempo de acumular muitosnveis de doutrina e ritual. Entretanto, a atitude fundamental do Bu-dismo intensivamente emprica e anti-autoritria. O Buda Gautamafoi bastante no-ortodoxo e anti-tradicionalista. Ele no oferecia seusensinamentos como um conjunto de dogmas, mas sim como umconjunto de proposies para que cada um as investigasse por simesmo. Seu convite para todos era: "Venha e veja." Uma das coisas

    que ele colocava aos seus seguidores era: "No coloque nenhumacabea acima da tua." Ele queria dizer com isso que no se aceitassea palavra dos outros. Veja por si mesmo.

    Queremos que voc tenha essa atitude diante de tudo que lernesse livro. No fazemos afirmativas que dever aceitar apenasporque somos autoridade no assunto. A f cega no tem nada a vercom isso. Estas so realidades experienciais. Aprenda a ajustar seumodelo de percepo de acordo com as instrues dadas nesse livro

    e ver por si mesmo. Isto, e apenas isto, prover a base para a suaf. A meditao do Insight essencialmente uma prtica de desco-berta e investigao pessoal.

    Dito isto, apresentaremos uma breve sinopse de alguns pontoschaves da filosofia budista. No tentaremos ser exaustivos, uma vezque isso tem sido feito brilhantemente em muitos outros livros.Abordaremos apenas o essencial para a compreenso de Vipassana.

    Segundo a viso budista, ns seres humanos vivemos de umaforma muito peculiar. Embora tudo esteja se transformando em

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    nossa volta, vemos as coisas impermanentes como permanentes. Oprocesso de mudana constante e eterno. Enquanto voc est lendoessas palavras, seu corpo est envelhecendo. Porm voc no prestaateno para isso. O livro em suas mos est se deteriorando. As

    letras vo se apagando e as pginas vo se tornando quebradias. Asparedes em tomo de voc esto envelhecendo. No interior dasparedes as molculas esto vibrando a uma velocidade enorme. Tudomuda, cai em pedaos e se dissolve lentamente. Voc no dnenhuma ateno para isso. Mas ento, um dia voc olha em tornode si mesmo. Seu corpo est arqueado e rangendo e voc se magoacom isso. O livro uma intil massa amarelada, o edifcio estruindo. E voc lamenta a juventude perdida, chora porque seus benssumiram.

    De onde vem essa dor? De sua prpria desateno. Voc falhouem ver a vida de perto. Voc falhou na observao da passagem queest acontecendo do fluxo constante de mudana. Voc estabeleceuuma coleo de construes mentais, "meu", "livro, prdio", eassumiu que elas so entidades reais slidas. Assumiu que elasdurariam para sempre. Isto nunca acontece. Mas voc pode estarligado na mudana constante. Pode aprender a perceber sua vidacomo um movimento em constante fluxo, algo de grande beleza

    como uma dana ou sinfonia. Pode aprender a se alegrar com o fluxocontnuo de todas as coisas condicionadas. Voc pode aprender aviver com o fluxo da existncia, ao invs de nadar perpetuamentecontra a mar. apenas uma questo de tempo e treinamento.

    Nossos hbitos humanos de percepo so, de certa forma,denotadamente estpidos. Descartamos 99% de todo estmulo senso-rial que recebemos e solidificamos o resto em objetos mentais espe-cficos. E depois reagimos a esses objetos mentais de forma habitualprogramada.

    Um exemplo: Eis voc sentado sozinho na quietude de umatranqila noite. Um cachorro late distncia. A percepo em si deuma beleza indescritvel, se voc examin-la. Daquele mar de silnciocomeam a surgir ondas de vibraes sonoras. Voc comea a ouviraqueles acordes complexos e bonitos que se transformam emcintilantes estmulos eletrnicos no sistema nervoso. O processo

    belo e satisfatrio em si. Mas ns humanos temos a tendncia deignorar completamente isso. Ao invs, solidificarmos a percepo em

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    o no aparecimento do pensamento e da percepo com um senti-mento de sereno desapego. Aprendemos a ver nossas reaes aosestmulos com calma e clareza. Comeamos a ver nossas prpriasreaes sem nos deixar envolver nelas. A natureza obsessiva dos

    pensamentos vai lentamente morrendo. Podemos permanecer casa-dos. Podemos sair da frente do caminho. Mas no precisamos ir parao inferno por causa disso.

    Escapar da natureza obsessiva dos pensamentos produz umaviso totalmente nova da realidade. uma mudana completa deparadigma, uma mudana total no mecanismo da percepo. Istotraz o sentimento de paz e certeza, uma nova vitalidade e o senso decompletude em toda atividade. Devido a essas vantagens, o Budismo

    considera esse modo de olhar para as coisas como a viso correta devida, e os textos budistas chamam isto de ver as coisas como real-mente so.

    Meditao Vipassana um conjunto de procedimentos de trei-namento que gradualmente nos abre os olhos para uma nova visoda realidade, como ela realmente . Acompanha essa nova realidadeuma nova viso do aspecto mais central da realidade: "eu". Umaobservao mais profunda nos revela que tratamos o "eu" de maneira

    anloga s outras percepes. Tomamos o fluxo vertiginoso de pen-samentos, sentimentos e sensaes e o solidificamos mentalmente.Em seguida colocamos um rtulo nele: "eu". Da em diante o trata-mos como se fosse uma entidade esttica e permanente. O vemoscomo se estivesse separado de todas as outras coisas. Colocamo-nosfora do universo de eterna mudana que o resto do universo. Entonos afligimos por nos sentirmos to sozinhos. Ignoramos nossa co-nectividade com todos os outros seres e decidimos que o "eu" deveobter mais para "mim", e estranhamos que os seres humanos sejamto gananciosos e insensveis. E assim por diante. Cada m ao,cada exemplo de crueldade no mundo tem sua origem diretamentedesse falso sentido do "eu" como sendo distinto de tudo que est foradele.

    Destrua a iluso desse conceito e todo seu universo muda. Masno espere realizar isto de um dia para o outro. Voc levou a vidatoda construindo esse conceito, reforando-o durante todos esses

    anos em cada pensamento, palavra e ato. Isto no vai se evaporarinstantaneamente. Mas ter xito se dedicar a isso tempo e ateno

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    suficientes. A meditao Vipassana o processo que o dissolve. Ape-nas prestando ateno nele, pouco a pouco voc o remove.

    O conceito "eu" um processo. algo que vamos construindo.

    Na meditao Vipassana aprendemos a ver o que estamos fazendo,quando o fazemos e como o fazemos. Ento isto se move e desapa-rece como uma nuvem no cu claro. Somos colocados em um estadoem que poderemos ou no faz-lo, conforme convier situao. Acompulso desaparece. Temos uma escolha.

    Estes so os insightes importantes, claro. Em cada um se al-canar uma compreenso profunda de questes fundamentais daexistncia humana. Eles no ocorrem rapidamente, nem sem um

    considervel esforo. Mas a recompensa enorme. Eles conduzem auma transformao total de sua vida. Dali em diante, cada segundode sua vida transformado. O meditante que se aprofunda nestatrilha sem esmorecer alcana uma sade mental perfeita, um amorpuro por tudo que vive e a completa cessao do sofrimento. Estano uma meta pequena. Mas no necessrio percorrer todocaminho para colher os benefcios. Eles comeam imediatamente e seacumulam atravs dos anos. uma funo acumulativa. Quanto maisvoc sentar, mais aprender sobre a natureza real de sua prpria

    existncia. Quanto mais tempo dedicar meditao, maior ser suahabilidade de calmamente observar cada impulso e inteno, cadapensamento e emoo assim que aparecer na mente. Seu progressopara a libertao medido em horas/meditao sentado na almofada.Voc pode parar em qualquer hora que achar suficiente. No hnenhum porrete sobre sua cabea exceto seu prprio desejo de ver areal qualidade de vida, de melhorar sua prpria existncia e a dosoutros.

    A meditao Vipassana inerentemente experimental. No terica. Na prtica da meditao voc torna-se sensvel experinciareal de viver e de como as coisas so sentidas. Voc no senta paradesenvolver pensamentos sutis e estticos sobre a vida. Voc vive.Mais do que qualquer outra coisa, a meditao Vipassana umaprendizado do viver.

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    nossas imagens, opinies e interpretaes para que no atrapa-lhem. Caso contrrio, tropearemos nelas.

    2. No pressione: No force nada e nem faa esforos exagera-damente grandes. A meditao no agressiva. No h violncia.Deixe apenas que seu esforo seja relaxado e constante.

    3. No se apresse: No h pressa, portanto, v com calma. Instale-se em uma almofada como se tivesse o dia todo. Tudo de ver-dadeiro valor leva tempo para se desenvolver. Pacincia, pacin-cia, pacincia.

    4. No se apegue a nada e nem rejeite nada: Deixe vir o quevier, seja l o que for, e se acomode a isso. Caso surjam imagensmentais boas, est bem. Se surgirem imagens mentais ruins,tambm est bem. Olhe para todas igualmente e acomode-se aoque aparecer. No lute contra o que estiver experimentando,apenas observe atentamente.

    5. Solte-se: Aprenda a fluir com todas as mudanas que aparecer.Solte-se e relaxe.

    6. Aceite tudo que surgir: Aceite suas sensaes/sentimentos,mesmo que aquelas desejasse no t-las. Aceite suas experin-cias, mesmo aquelas que detesta. No se condene por seus defei-tos e falhas humanas. Aprenda a ver todos os fenmenos mentaiscomo perfeitamente naturais e compreensveis. Tente exercitaruma aceitao desinteressada durante todo tempo, e a respeitartudo aquilo que experimenta.

    7. Seja gentil consigo mesmo: Seja bondoso consigo. Talvez noseja perfeito, mas voc tudo que tem para trabalhar consigo

    mesmo. O processo de se tornar aquele que voc ser comeaprimeiro a partir da aceitao total de quem voc .

    8. investigue a si mesmo: Questione tudo. No aceite nada comofato consumado. No acredite em nada apenas porque parecesbio e piedoso e dito por algum homem santo. Veja por vocmesmo. Isto, porm, no quer dizer que deva ser cnico, insolenteou irreverente. Apenas significa que deve ser emprico. Submetatodas as afirmativas ao teste de sua prpria experincia e deixe

    que os resultados o guiem at a verdade. A meditao do insightse desenvolve a partir de um desejo interior de despertar para a

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    realidade, e ganhar o liberador insight sobre a estrutura verdadei-ra da existncia. Toda prtica depende do desejo de despertarpara a verdade. Sem ele a prtica ser apenas superficial.

    9. Veja todos os problemas como desafios: Veja as coisasnegativas que aparecem como oportunidades de aprender ecrescer. No fuja delas, no se condene e nem enterre seu fardoem santo silncio. Tem um problema? Excelente, mais gros parao moinho. Alegre-se, mergulhe nele e investigue.

    10. No fique matutando: Voc no precisa explicar tudo. O pensa-mento discursivo no o libertar das armadilhas. Na meditao amente purificada naturalmente pela plena ateno, pela pura

    ateno sem palavras. Para eliminar as coisas que o mantmpreso, a deliberao habitual no necessria. Tudo que neces-srio a percepo no-conceitual e clara de como as coisas so ecomo elas operam. Apenas isso suficiente para dissolv-las.Conceitos e raciocnios apenas lhe atrapalham. No pense Veja.

    11.No persista nos contrastes: Existem diferenas entre aspessoas e insistir nessas diferenas perigoso. Caso isso no sejacuidadosamente tratado pode conduzir ao egosmo. O pensamento

    humano comum est cheio de ganncia, cimes e orgulho. Umhomem vendo outro na rua pode imediatamente pensar: "Ele temuma aparncia melhor que a minha". O resultado imediato ainveja ou vergonha. Uma garota vendo outra pode pensar: "Eu soumais bonita que ela". O resultado imediato orgulho. Este tipo decomparao um hbito mental e conduz diretamente a senti-mentos doentios tais como: ganncia, inveja, orgulho, cimes edio. Muito embora faamos isso o tempo todo, isto um estadomental no-habilidoso. Comparamos com os outros nossa aparn-

    cia, nosso sucesso, nossas realizaes, nossa sade, posses ou QI,e tudo isso conduz ao mesmo estado: afastamento e barreirasentre as pessoas, sentimentos doentios. O trabalho do meditante cancelar esses hbitos no habilidosos por meio de exames rigo-rosos, e substitu-los por outros. O meditante deve treinar a simesmo, muito mais em perceber as semelhanas do que asdiferenas. Deve centrar sua ateno naqueles fatores que souniversais a toda vida, s coisas que o aproximem dos demais.

    Portanto, a comparao, caso exista, deve conduzir a sentimentosde afinidades ao invs de acarretar distanciamento.

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    Respirar um processo universal. Todos os vertebrados respi-ram essencialmente do mesmo modo. De um jeito ou de outro,todos os seres vivos trocam gases com o meio ambiente. Esta uma das razes de se escolher a respirao como foco de medi-

    tao. O meditante deve explorar o processo da sua prpria respi-rao como veculo para perceber seu inerente relacionamentocom os demais seres vivos. Isto no significa fechar os olhos paratodas as diferenas em torno de ns. As diferenas existem. Ape-nas significa que no enfatizamos os contrastes, e sim os fatoresuniversais que temos em comum. O procedimento recomendado o seguinte:

    Quando o meditante percebe qualquer objeto sensorial, no de-

    ve se fixar nele da maneira egosta comum. prefervel examinaro prprio processo de percepo. Deve verificar o que aquele obje-to faz com os seus sentidos e percepes. Deve observar as sen-saes que aparecem e as atividades mentais que delas resultam.Deve notar os resultados que essas mudanas acarretam em suaprpria conscincia. Ao observar todos esses fenmenos, deve-sedar conta da universalidade do que est vendo. Aquela percepoinicial acarretar sensaes agradveis, desagradveis e neutras.Isto um fenmeno universal. Ocorre na mente das outras

    pessoas do mesmo modo que ocorre na dele, e preciso que eleveja isto claramente. Seguindo as sensaes podem ocorrer vriasreaes. Pode sentir ganncia, luxria ou cimes. Pode sentir me-do, preocupao, inquietude ou aborrecimento. Essas reaes souniversais. Apenas as percebe e ento as generaliza. Deve per-ceber que essas reaes so respostas humanas normais e podemvir tona em qualquer um.

    No incio a prtica desse modo de comparao talvez parea

    forada e artificial, porm no menos natural do que aquilo quefazemos normalmente. Apenas no nos familiar. Com a prtica, es-se padro habitualmente substituir nosso hbito normal de fazercomparaes egostas e com o tempo parecer muito mais natural.Como resultado, nos tornamos pessoas mais compreensveis e nomais nos irritamos com as falhas alheias. Progredimos na direo daharmonia com todos os seres vivos.

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    Captulo 5A prtica

    Embora existam muitos objetos em que possamos meditar paraganhar um grau mnimo de concentrao, recomendamos, enfatica-mente, que comece focalizando sua ateno total e no dividida emsua respirao. Lembre-se que no estar praticando absoro pro-funda, nem qualquer outra tcnica de pura concentrao. Voc vaipraticar plena ateno e para tanto, precisar apenas de um certograu de concentrao. Deseja cultivar a plena ateno para chegar aoinsight e sabedoria de perceber a verdade como ela . Voc quersaber como funciona seu complexo mente-corpo, exatamente comoele . Quer afastar todos os entraves psicolgicos e tornar sua vidarealmentepacfica e feliz.

    A mente no pode ser purificada sem ver as coisas exatamentecomo elas so. "Ver as coisas como elas so", uma frase muito car-regada e ambgua. Muitos estudantes se perguntam o que queremosdizer, pois quem tem bons olhos pode ver os objetos como eles so.

    Quando nos referimos ao insight obtido na meditao, no

    estamos falando da viso superficial dos nossos olhos, e sim, ver ascoisas com sabedoria, como elas so em si mesmas. Ver com sabe-doria significa ver as coisas na estrutura de nossocomplexo corpo-mente sem preconceitos ou parcialidades que brotam de nossa co-bia, raiva e deluso. Comumente, quando observamos o funcio-namento de nosso complexo corpo-mente, temos a tendncia deocultar ou ignorar aquelas coisas que no nos so agradveis e ape-gar-se quelas prazerosas. Isto acontece porque geralmente nossamente influenciada por nossos desejos, ressentimentos e deluses.

    Nosso ego, self ou opinies intervm e colorem nosso julgamento.

    Quando observamos atentamente nossas sensaes corpreas,no devemos confundi-las com as formaes mentais, porque assensaes corpreas podem surgir sem nenhuma relao com amente. Por exemplo, nos sentamos confortavelmente e depois decerto tempo pode surgir alguma sensao desconfortvel em nossascostas ou em nossas pernas. Nossa mente, imediatamente, expe-rimenta aquele desconforto e forma inmeros pensamentos sobre a

    sensao. Nesse ponto, sem tentar confundir a sensao com as for-

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    maes mentais, devemos isolar a sensao como sensao e obser-v-la atentamente. Sensao um dos sete fatores mentais univer-sais. Os outros seis so: contato, percepo, formaes menais, con-centrao, fora vital e conscientizao.

    Num outro momento, podemos ter uma certa emoo, tal como res-sentimento, medo ou luxria. Ento, devemos observar a emooexatamente como ela , sem tentar confundi-la. com qualquer outracoisa. Quando misturamos nossa forma, sensao, percepes,formaes mentais e conscincia como se fossem uma coisa s etentamos observ-las todas como sensao, ficamos confusos porqueno seremos capazes de ver a origem da sensao. Quando apenascontemplamos a sensao, ignorando os outros fatores mentais,

    nossa realizao da verdade torna-se muito difcil. Desejamos ter uminsight sobre a experincia da impermanncia para vencer nossoressentimento; nosso conhecimento profundo sobre a infelicidade su-pera a cobia que causa a nossa infelicidade; perceber nosso no-euvence a ignorncia que surge da nossa noo do eu. Inicialmentedevemos ver nossa mente e corpo como separados. Tendo oscompreendido separadamente, podemos ver a inter-conectividadeessencial entre eles.

    A medida que nosso insight se toma mais aguado, nos torna-mos cada vez mais cientes do fato de que todos os agregados funcio-nam juntos e cooperadamente. Nenhum pode existir sem os outros.Podemos ver o sentido real da famosa metfora do homem cego quetinha um corpo saudvel para caminhar e do deficiente fsico quetinha bons olhos para ver. Sozinho nenhum deles pode fazer muitopor si mesmo. Porm, quando o deficiente fsico sobe nos ombros docego, juntos podem viajar e alcanar facilmente suas metas. Demaneira anloga, o corpo sozinho no pode fazer nada. Ele comoum tronco, incapaz de mover-se e realizar algo, exceto tomar-sesujeito impermanncia, ao decaimento e morte. A mente sozinhatambm no pode fazer nada sem o suporte do corpo. Quando aten-tamente percebemos ambos, corpo e mente, podemos ver como jun-tos podem realizar maravilhas.

    A medida que sentamos em um determinado lugar podemosganhar algum grau de plena ateno. Ir a um retiro e passar vrios

    dias ou meses observando nossas sensaes, percepes, incontveispensamentos e vrios estados de conscincia, eventualmente pode

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    nos tornar calmos e pacficos. Normalmente no temos tanto tempopara passar em um s lugar meditando o tempo todo. Portanto, parasermos capazes de manejar os eventuais imprevistos, devemos acharuma maneira de aplicar nossa plena ateno em nossa vida diria.

    O que enfrentamos em nosso dia a dia imprevisvel. As coisasacontecem devido a mltiplas causas e condies, pois vivemos emum mundo condicionado e impermanente. A plena ateno o nossoestojo de emergncia, colocado nossa disposio em qualquermomento. Quando enfrentamos uma situao em que nos sentimosindignados, se investigarmos atentamente nossa mente, descobrire-mos verdades amargas sobre ns. Por exemplo, que somos egostas,egocntricos, apegados ao nosso ego, s nossas opinies; pensamos

    que estamos certos e os demais errados, somos preconceituosos,parciais; e no fundo no nos amamos realmente. Esta descoberta,embora amarga, a experincia mais compensadora. Em longo prazoesta descoberta nos liberta das razes profundas do sofrimento psico-lgicoe espiritual.

    A prtica da plena ateno a prtica de ser honesto consigomesmo cem por cento. Quando observamos nossa mente e nossocorpo percebemos certas coisas desagradveis de serem vistas.Como no gostamos delas tentamos rejeit-las. Quais so essascoisas que nos desagradam? No gostamos de estar separados daspessoas que amamos ou de viver com as pessoas que no amamos.Nisso no inclumos apenas pessoas, lugares e objetos materiais, mastambm opinies, idias, crenas e decises. No gostamos de coisasque nos acontecem naturalmente. Por exemplo, no gostamos deenvelhecer, ficar doente, ficar fraco ou aparentar idade porque temosum desejo enorme de preservar nossa aparncia. No gostamos que

    algum aponte nossas falhas porque temos muito orgulho prprio.No gostamos que ningum seja mais sbio que ns porque estamosdeludidos sobre ns mesmos. Esses so alguns poucos exemplos denossa experincia pessoal com a cobia, a raiva e a ignorncia.

    Quando ganncia, raiva e ignorncia se revelam em nossa vidadiria, usamos a plena ateno para identific-las e compreendersuas razes. A raiz de cada um desses estados mentais est dentro dens. Quando no temos a raiz da raiva, por exemplo, ningum pode

    nos tomar raivoso, pois a raiz de nossa raiva que reage s aes,palavras ou comportamentos alheios. Se estivermos atentos, usare-

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    mos diligentemente nossa sabedoria para examinar nossa mente. Seno houvesse raiva em ns, no nos zangaramos quando algumaponta nossas deficincias. Pelo contrrio, seramos gratos a quemnos chamasse a ateno pelas nossas falhas. necessrio ser suma-

    mente sbio e estar atento para agradecer a quem indica nossas fa-lhas no caminho, para que possamos trilhar o caminho ascendente,nos melhorando. Todos temos pontos cegos e a outra pessoa onosso espelho em que, com sabedoria, vemos nossas falhas.

    Devemos considerar algum que mostra nossas falhas comoaquele que desenterra um tesouro oculto em ns e do qual no est-vamos cnscios. Atravs do conhecimento da existncia de nossasfalhas que podemos melhorar. O caminho firme para a perfeio,

    que nossa meta na vida; nos tornarmos pessoas melhores. So-mente aps descartar nossa fraqueza que poderemos cultivar asqualidades nobres profundamente ocultas em nossa mente subcons-ciente. Assim, antes de tentar superar nossos defeitos, precisamossaber quais so eles.

    Quando estamos doentes devemos descobrir as causas da nos-sa doena. Somente assim poderemos nos tratar e sarar. Quandoapesar de sofrermos, fingimos no estar doentes, nunca nos trata-remos. De modo anlogo, se pensarmos que no temos falhas, ja-mais veremos claramente nosso caminho espiritual. Se formos cegoss nossas falhas, preciso que algum as aponte. Quando apontaremnossas falhas deveramos ser gratos, como o Venervel Sariputra quedisse : "Mesmo que um monge novio, de sete anos, aponte minhasfalhas, as aceitarei com o mximo respeito por ele." O VenervelSariputra foi um Arhant sem falhas, que tinha cem por cento deateno plena. Como no tinha nenhum orgulho, podia manter essa

    postura. Muito embora no sejamos arhant devemos imitar seuexemplo porque nossa meta na vida chegar aonde ele chegou.

    Certamente, a pessoa que aponta nossas falhas pode no estartotalmente livre de defeitos, mas pode ver nossos problemas, damesma maneira que podemos ver os dele, que ele tambm nopercebe at que os apontemos. Tanto a identificao dos desvios,como a resposta a eles, deve ser feita com plena ateno. Quandoalgum se toma desatento para indicar nossas falhas, ou usa uma

    linguagem inadequada e dura, pode acarretar tanto para si mesmocomo para os outros mais prejuzo que benefcio. Quem fala com

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    ressentimento no pode estar plenamente atento e incapaz de seexpressar claramente.

    Ao se sentir ferido por ouvir palavras speras, a pessoa pode

    perder sua plena ateno e no ouvir o que o outro est realmentedizendo. Para sermos beneficiados pelo falar e ouvir, devemos falar eouvir com plena ateno. Quando ouvimos e falamos plenamenteatentos, nossa mente estar livre da cobia, egosmo, dio e deluso.

    Nossa Meta

    Como meditantes, todos ns devemos ter uma meta, porque se

    no a tivermos, simplesmente estaremos tateando no escuro, seguin-do cegamente as instrues de algum sobre meditao. Para tudoaquilo que fazemos de maneira consciente e voluntria deve haveruma meta. A meta do meditante Vipassana no tornar-se iluminadoantes dos outros, nem ter mais poder ou tirar mais proveito que osdemais, pois os meditantes da plena ateno no esto em competi-o entre si.

    Nossa meta alcanar a perfeio de todas as qualidades no-bres e saudveis latentes em nossa mente subconsciente. Essa meta

    tem cinco elementos: purificao da mente, superao da tristeza eda lamentao, superao da dor e do pesar, seguir o caminho corre-to que conduz paz eterna, e seguindo esse caminho, atingir a felici-dade. Mantendo essas cinco metas na mente, podemos avanar comesperana e confiana para alcan-las.

    A prtica

    Tendo sentado, no mude de posio at o final do tempo quepreviamente tenha estabelecido. Vamos supor que mude de posioporque a posio original tenha ficado incmoda. O que acontecer que aps mais algum tempo a nova posio tambm se tornarincmoda e desejar uma outra posio. Aps um novo tempo, essanova posio tambm se tomar desconfortvel e assim se vaimudando, movendo-se, trocando uma posio por outra durante todoo tempo em que estiver em sua almofada de meditao, e por issotalvez no obtenha um nvel de concentrao mais profundo e signi-

    ficativo. Portanto voc deve fazer todo esforo possvel para nomudar sua posio original, no importa quo doloroso seja.

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    Para evitar mudar de posio, determine no incio da meditaoquanto tempo vai meditar. Caso nunca tenha meditado antes, sentesem se mover no mximo por vinte minutos. Com a repetio da

    prtica poder ir aumentando esse tempo. A durao da meditaosentada depende do tempo que dispe para a prtica e do perodoque pode faz-la sem uma dor torturante.

    No devemos ter uma previso para o prazo em que se atingea meta, pois isso depende de nosso progresso na prtica, que por suavez baseado em nossa compreenso e no desenvolvimento de nos-sas faculdades espirituais. Devemos trabalhar na direo da meta di-ligentemente e com plena ateno, sem estabelecer um cronograma.

    Quando estivermos prontos, chegaremos l. Tudo que temos a fazer nos preparar para isso.

    Aps sentar-se imvel, feche os olhos. Nossa mente como umcopo de gua barrenta. Quanto mais mantivermos o copo quieto,mais a lama decantar e a gua ficar mais clara. Da mesma manei-ra, se mantendo quieto, sem mover o corpo, focando sua atenoplena e no-dividida no objeto de sua meditao, sua mente seassentar e comear a experimentar a beno da meditao.

    Para preparar-se para essa realizao, devemos manter nossamente no momento presente O momento presente est mudando torapidamente que um observador casual no percebe sua existncia.Cada momento um momento de eventos e no h momentos semeventos. No podemos perceber um momento sem perceber os even-tos que esto ocorrendo naquele momento. Portanto, o momento emque tentamos prestar pura ateno o momento presente. Nossa

    mente passa por uma srie de eventos, como imagens de um filmepassando pelo projetor. Algumas dessas figuras vm de nossasexperincias passadas e outras so coisas que imaginamos fazer nofuturo.

    A mente nunca pode estar focada sem um objeto mental. Por-tanto, devemos dar a ela um objeto de fcil alcance em qualquer mo-mento presente. Tal objeto nossa respirao. A mente no precisafazer grande esforo para descobrir a respirao, pois em todo mo-

    mento estamos inspirando ou expirando pelas nossas narinas. Comoa prtica da meditao do insight sempre se processa quando esta-

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    mos acordados, fcil para a mente focar a respirao pois ela mais evidente e constante que qualquer outro objeto.

    Aps sentar-se da maneira indicada anteriormente e tendo

    compartilhado sua amizade amorosa com todos, respire profunda-mente trs vezes. Aps as trs respiraes profundas, respire nor-malmente, deixando a inspirao e a expirao flurem livremente,sem esforo, e comece a focar sua ateno. Simplesmente perceba asensao da respirao que entra e sai. Existe um breve intervalo en-tre o fim da inspirao e o comeo da expirao. Perceba isso e per-ceba tambm o incio da expirao. Existe um outro intervalo entre ofim da expirao e o incio da inspirao. Perceba tambm esseintervalo. Em outras palavras, na respirao existem duas pausas

    breves: uma no fim da inspirao e outra no fim da expirao. Estaspausas ocorrem em um momento to breve que voc pode no sedar conta dessas ocorrncias. Mas quando estiver atento poder per-ceb-las.

    No verbalize ou conceitualize nada. Apenas perceba a entradae sada do ar sem dizer: "estou inspirando" ou "estou expirando". En-quanto focar a ateno na respirao ignore qualquer pensamento,lembrana, som, cheiro, sabor, etc., e focalize a ateno exclusiva-

    mente na respirao, nada mais.

    No incio tanto a inspirao como a expirao so curtas porqueo corpo e a mente ainda no esto calmos e relaxados. Perceba assensaes que oco