Medo, memória e pertença

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Medo, Memória e Pertença: O caso da favela do Poço da Draga em Fortaleza (CE) Vancarder Brito Sousa O objetivo desta apresentação é discutir as relações entre os medos sociais, pertença e memória no Poço da Draga. O ponto de partida será a definição de um método que possibilite a aproximação interpretativa do universo simbólico particular deste grupo social, frente às demandas e transformações rápidas da metrópole. Parte assim, da possibilidade do trabalho com as imagens narrativas através das quais os moradores identificam emocionalmente os lugares,pessoas e situações que ora se coadunam para construir afetivamente o espaço onde se vive, ora para exprimir os medos, repulsas e angústias pela incerteza, pela insegurança das mudanças no ambiente urbano. Neste recorte metodológico, em um ambiente de pobreza, as narrativas destas pessoas se apresentam como construtoras e construídas, de e por uma cidade ao mesmo tempo imaginária e real, enraizada em suas experiências e curvas de vida. Na proposta em andamento, o ato de rememoração é tomado como uma das estratégias de refundação da ordem frente a alguns dos temores que rondam o imaginário social, a inevitabilidade do tempo e a ameaça de que tudo seja reduzido a ruínas. Desta forma, os depoimentos dos moradores podem esclarecer o quanto do imaginário do lugar e das relações locais ali constituídas podem ser importantes para a construção dos processos de significação e pertença, frente às ameaças internas e externas de dissolução do espaço comum. Meu primeiro contato com o Poço da Draga se deu no de 1999, durante minha pesquisa de mestrado sobre o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Sousa, 2000) deparo-me com uma realidade inusitada não só para mim pesquisador, como também para a maioria das pessoas de Fortaleza: a existência de uma favela nas imediações do Centro Cultural. Mas como, uma favela ali, no lugar talvez mais elitizado da cidade? Não se pode ver nada ao percorrer a turística Praia de Iracema que indique a sua presença. As pessoas não comentam, a TV não mostra nada sobre a favela, os jornais menos ainda, mesmo as manchetes padronizadas sobre violência, dessas que costumam aparecer nos programas sensacionalistas, pareciam não ter um bom solo para vingar nas imediações do Poço da Draga. Apesar desta ausência das manchetes, algo que não acontece em outras áreas pobres como Pirambu, Serviluz, Lagamar e outras, existe um medo enraizado na cidade que aponta para a prudência de se afastar das áreas menos movimentas e ou policiadas da Praia de Iracema. Naquele momento, começava a surgir o campo fértil para a interrogação dos ìporquêsî daquela comunidade pobre, invisível para a cidade, ainda que paradoxalmente instalada num lugar destinado a ser a vitrine de Fortaleza para o mundo. E Numa manhã de domingo de 1999, com a ajuda de um amigo que conhecia a líder comunitária do Poço da Draga, ponho os pés pela primeira vez no que se poderia chamar, talvez, de um reverso simbólico do Centro Dragão do Mar. Temeroso, pois envolvido pelas imagens comumente associadas aos lugares de moradia da pobreza nas grandes cidades: gangues, tráfico de dragas, violência, qual minha surpresa ao deparar-me, na rua principal da favela, com um universo alegre, bem ordenado e... tranqüilo.

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Medo, Memória e Pertença: O caso da favela do Poço da Draga em Fortaleza (CE) Vancarder Brito Sousa

O objetivo desta apresentação é discutir as relações entre os medos sociais, pertença e memória no Poço da Draga. O ponto de partida será a definição de um método que possibilite a aproximação interpretativa do universo simbólico particular deste grupo social, frente às demandas e transformações rápidas da metrópole. Parte assim, da possibilidade do trabalho com as imagens narrativas através das quais os moradores identificam emocionalmente os lugares,pessoas e situações que ora se coadunam para construir afetivamente o espaço onde se vive, ora para exprimir os medos, repulsas e angústias pela incerteza, pela insegurança das mudanças no ambiente urbano. Neste recorte metodológico, em um ambiente de pobreza, as narrativas destas pessoas se apresentam como construtoras e construídas, de e por uma cidade ao mesmo tempo imaginária e real, enraizada em suas experiências e curvas de vida.

Na proposta em andamento, o ato de rememoração é tomado como uma das estratégias de refundação da ordem frente a alguns dos temores que rondam o imaginário social, a inevitabilidade do tempo e a ameaça de que tudo seja reduzido a ruínas. Desta forma, os depoimentos dos moradores podem esclarecer o quanto do imaginário do lugar e das relações locais ali constituídas podem ser importantes para a construção dos processos de significação e pertença, frente às ameaças internas e externas de dissolução do espaço comum.

Meu primeiro contato com o Poço da Draga se deu no de 1999, durante minha pesquisa de mestrado sobre o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Sousa, 2000) deparo-me com uma realidade inusitada não só para mim pesquisador, como também para a maioria das pessoas de Fortaleza: a existência de uma favela nas imediações do Centro Cultural.

Mas como, uma favela ali, no lugar talvez mais elitizado da cidade? Não se pode ver nada ao percorrer a turística Praia de Iracema que indique a sua presença. As pessoas não comentam, a TV não mostra nada sobre a favela, os jornais menos ainda, mesmo as manchetes padronizadas sobre violência, dessas que costumam aparecer nos programas sensacionalistas, pareciam não ter um bom solo para vingar nas imediações do Poço da Draga. Apesar desta ausência das manchetes, algo que não acontece em outras áreas pobres como Pirambu, Serviluz, Lagamar e outras, existe um medo enraizado na cidade que aponta para a prudência de se afastar das áreas menos movimentas e ou policiadas da Praia de Iracema.

Naquele momento, começava a surgir o campo fértil para a interrogação dos ìporquêsî daquela comunidade pobre, invisível para a cidade, ainda que paradoxalmente instalada num lugar destinado a ser a vitrine de Fortaleza para o mundo.

E Numa manhã de domingo de 1999, com a ajuda de um amigo que conhecia a líder comunitária do Poço da Draga, ponho os pés pela primeira vez no que se poderia chamar, talvez, de um reverso simbólico do Centro Dragão do Mar. Temeroso, pois envolvido pelas imagens comumente associadas aos lugares de moradia da pobreza nas grandes cidades: gangues, tráfico de dragas, violência, qual minha surpresa ao deparar-me, na rua principal da favela, com um universo alegre, bem ordenado e... tranqüilo.

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A líder comunitária, D. Rocilda, nos recebeu calorosamente e durante alguns bons minutos conversamos na varanda de sua casa sobre a história e os problemas do lugar: os movimentos anteriores contra as tentativas de desalojamento da favela pela prefeitura e a eminência de receberem a Cessão de Uso Real do Solo da União. Duas frases que disse me marcaram, ìaqui não é favela nãoî e ìo Poço da Draga é uma favela diferenteî. Uma favela diferente? Mas por que? Sem saber, começava a me deparar com o que intuo serem uma parte das estratégias de transformação dos medos socais em reorganizadores da ação social frente às ameaças urbanas.

EXPERIÊNCIA SOCIAL E OS MEDOS NO POÇO DA DRAGA

A afirmação de D. Rocilda naquela época de que o Poço da Draga era uma “favela diferente”, também se fundamenta em algumas características do lugar, podem ser destacadas: ser uma favela instalada há 80 anos numa área onde hoje se apresenta uma das maiores valorizações imobiliárias de Fortaleza; seu pequeno tamanho, pois possui 1071 moradores em 263 imóveis (SEINFRA, 2001); posse da Cessão de Uso Real da Área. E também, neste momento, a atenção diferenciada que está recebendo do Governo do Estado em seu processo de remoção para uma área distante apenas seiscentos metros do atual local para um condomínio de alto padrão arquitetônico e condizente com as exigências de valorização do entorno. Atenção esta, marcada pelo assessoramento de diversos órgãos oficiais.

O processo de remoção é motivado pelo projeto do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará (CMEFC), orçado em 150 milhões de reais, e que ocupará, além da área do Poço da Draga, mais 19 hectares de aterro marítimo, gerando desde já, profundas transformações na vida das pessoas do Poço da Draga.

Durante o percurso desta exposição uma pergunta se fará presente, e diz respeito aos desdobramentos destas transformações, não apenas urbanísticos. Mas sobretudo simbólicos, intuídas a partir da materialização anterior do Centro Dragão do Mar e do futuro Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará, sentidos através da perspectiva dos moradores da Favela do Poço da Draga.

Como, e sobre que base se constitui a dimensão de pertença na Comunidade do Poço da Draga como tensão à relação cosmopolita-moderno, representada pelo Centro Cultural e o discurso que lhe deu origem? Neste sentido, o caminho dos medos urbanos parece ser bastante profícuo, podendo fornecer boas pistas para ajudar a definir a noção de pertença em uma comunidade pobre urbana face aos pressupostos da racionalidade urbanística, rápidas transformações e mudanças de significados do espaço.

A Praia de Iracema, primeira área portuária de Fortaleza, bairro onde se encontra a favela do Poço da Draga e o Centro Dragão do Mar, depois de vários anos de esquecimento, encontra-se hoje plenamente integrada com as áreas a Leste da cidade, que se caracterizam por acolherem tanto a maior parte dos investimentos públicos em urbanismo, quanto da iniciativa privada em shoppings centers, turismo e equipamentos de lazer, ao mesmo tempo, em que lá se encontram as moradias mais ricas da cidade.

A avenida Pessoa Anta, no seu sentido leste-oeste, passando na frente da fachada do Centro Cultural voltada para o mar, funciona como um corredor rápido de tráfego, as pessoas acessam de ônibus ou de carro seus locais de trabalho no centro da cidade, na Aldeota ou na região da orla

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marítima, rota privilegiada para o consumo de diversão e lazer na cidade. Em sua rápida passagem de carro ou ônibus, as pessoas pouco

podem perceber das sutilezas que a memória dos antigos galpões portuários, das ruas estreitas e sobrados comerciais datando da transição do século XIX para o século XX podem suscitar. Muito menos sobre a presença de uma comunidade que vive naquele entorno, direta herdeira daquele antigo porto, o Poço da Draga.

Como o Dragão do Mar, a Favela Poço da Draga pode funcionar também como símbolo da globalização, mas ligada a uma outra temporalidade, de um momento no qual o mundo chegava à Fortaleza a partir da Ponte Metálica, e os moradores podiam projetar para o oceano suas expectativas de felicidade.

Vinculada por outras mediações ao ritmo da metrópole, o tempo parece passar lento na principal rua do Poço da Draga, a Viaduto Moreira da Rocha, as casas mantêm com freqüência as portas abertas, os vizinhos conversam tranqüilamente nas frentes das mesmas enquanto as crianças brincam ao redor, nos vários botecos homens adultos sem camisas conversam em pé ao balcão do bar ou na rua ñ um tempo lento, provinciano... em uma aparente segurança, em alguma trama de amarras que a dimensão comunitária parece garantir.

Afirmo parecer garantir, porque considero a noção de comunidade através da qual os moradores do Poço da Draga freqüentemente se denominam, merecedora de olhar mais aproximado. Longe de poder ser tomado em sentido puro, ou seja, um sentido que remeta a alguma organicidade natural como sugerido por Tönnies (1995) , pretendo o uso do termo comunidade mais de acordo com a proposta de Max Weber, quando afirma que

ìuma relação social denomina-se de ërelação comunitáriaí quando e na medida em que a atitude na ação social (...) repousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente) ao mesmo grupoî. (Weber, 1994, p. 25).

A partir da proposta de Weber, acredito a dimensão comunitária se mostrar mais aberta a comportar tanto os interesses ligados a memória comum, a pertença, quanto os interesses momentâneos, circunstanciais e muitas vezes conflitivos que os grupamentos humanos suscitam.

Os indivíduos, os grupos e a comunidade costuram a sociabilidade local, articulam acordos políticos, ao mesmo tempo em que rompem com outros. No jogo social se sente antes de tudo que se pertence ao Poço da Draga, mas esta concordância parece se encontrar muito distante de representar uma acomodação dos interesses diversos. A observação das motivações de grupos heterogêneos que vão desde os evangélicos ao tráfico de drogas, passando pela Associação de Moradores e outras, ajudarão aqui a melhor definir as questões relativas às tensões vividas pela localidade neste momento de sua história.

Berço da ponte metálica, o Poço da Draga em sua ambiência marítima pode nos estimular a questionar o quanto daquele antigo porto ainda anima o espírito do lugar, um porto mais discreto e intimista que o representado pelo Centro Dragão do Mar no seu intuito de conectar Fortaleza com o mundo globalizado, pois voltado para destinos no tempo, na nostalgia do passado, menos que nas ameaças do presente e incertezas do futuro.

Se para os moradores da cidade que por ali passam apressados esta

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paisagem ambiental pouco pode dizer sobre o passado, por outro lado, para os habitantes do lugar, em especial os do Poço da Draga, a relação com este conjunto imagético e de memória pode sugerir pontos de referência seguros, em seus esforços de contínua transmutação de conceitos sociais negativos sobre si mesmos, sobre a identidade do grupo e de apaziguamento das tensões internas.

Visando uma aproximação deste universo próprio do lugar, relacionado aos sentidos específicos da experiência e da memória das pessoas do Poço da Draga, optei por trilhar os passos de uma etnografia que, em forma de via de mão dupla entre os interesses do pesquisador e dos atores sociais em questão, suscitasse um quadro interpretativo dos medos, conflitos e angústias historicamente constituídos na comunidade. O caminho escolhido por mim, então, se adequaria ao que Magnani chama de ìolhar de perto e de dentroî (Magnani, 2002, p. 17), já que,

ìa natureza da explicação pela via etnográfica tem como base um insight que permite reorganizar dados percebidos como fragmentários, informações ainda dispersas, indícios soltos, num novo arranjo que não mais o arranjo nativo (mas que parte dele, leva-o em conta, foi suscitado por ele) nem aquele com o qual o pesquisador iniciou a pesquisaî. (Magnani, 2002, p. 17)

A experiência da etnografia definida por esse ìolhar de perto e dentroî se contrapõe à visão do universo das grandes cidades como somatório único de forças econômicas e políticas, das grandes estruturas administrativas e interesses internacionais, em favor dos atores sociais identificados com o cotidiano em suas ações e a interpretação de seu universo simbólico.

Necessitando assim, um esforço de estranhamento do observador em relação aos objetos nascidos da problematização da cidade e seus atores, que pela proximidade, podem parecer tão familiares.

Apoiando a perspectiva de Magnani de uma metodologia caracterizada por ìolhar de perto e dentroî, tomo emprestado deste autor um outro conceito metodológico, o ìde passagemî (p .18), que parece se adequar bem a esse momento de reconhecimento e aproximação do universo pesquisado. Desta forma, a modalidade ìde passagemî,

ìconsiste em percorrer a cidade e seus meandros observando espaços, equipamentos e personagens (...) com seus hábitos, conflitos e expedientes, deixando-se imbuir pela fragmentação que a sucessão de imagens e situações produzî. (Magnani, p. 18);

O resultado pretendido é um mapa representativo dos somatórios das impressões a respeito da experiência espacial e de seus sentidos dos moradores daquela comunidade. Neste resultado suponho que a condição de enraizamento dos indivíduos, de criação de laços com o local, possam apontar para a possibilidade da formação de teias de sentido e sociabilidade próprias, que possam ser reconhecidas por todos os moradores. Neste esforço metodológico tive como referência o indicativo de Maurice Halbwachs de cruzamento entre espaço, tempo e memória, assim, para este autor ìo grupo, no momento em que considera o seu passado, sente acertadamente que permanece o mesmo e toma consciência de sua identidade através do tempoî (1990, p. 86).

O ato de rememoração pode ser tomado como uma das estratégias de refundação da ordem frente a um dos temores que rondam o imaginário

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social, a inevitabilidade do tempo e a ameaça de que tudo seja reduzido a ruínas ñ à morte. Mais do que isso, os próprios eventos oriundos das transformações da cidade, do seu crescimento e da especulação imobiliária, ressaltariam esta característica de defesa contra o esquecimento e a aniquilação. A respeito da construção de um sistema simbólico capaz de estruturar o grupo, DaMatta (1997) afirma que,

ìcada sociedade ordena aquele conjunto de vivências que é socialmente provado e deve ser sempre lembrado como parte e parcela do seu patrimônio ñ como mitos e narrativas ñ , daquelas experiências que não devem ser acionadas pela memória, mas que evidentemente coexistem com as outras de modo implícito, oculto, inconscientemente, exercendo também uma forma complexa de pressão sobre todo o sistema culturalî. (p. 37)

A partir da reflexão de DaMatta, em que medida os atos de rememoração ou esquecimento vivenciados coletivamente no Poço da Draga responderiam por estas estratégias de resignificação do medo, do perecimento? Quais seriam os processos locais de elaboração desse acervo imaginário e simbólico em vista a tais estratégias? Como se definiria o diálogo entre a ordem simbólica das ameaças externas e as expectativas pessoais e coletivas no interior da comunidade? Enfim, de que se tem medo, quando e como, por quem é composta esta emoção no tempo e no espaço social? E diante das evidências de que o medo é também uma força motivadora e não só castradora, como age, qual seu poder no local para impelir à ação?

Os sujeitos com suas narrativas são personagens fundamentais destas estratégias. São responsáveis pela guarda de uma parcela de memória local, e esta, ao mesmo tempo em que emerge do grupo, define os laços de sociabilidade fortalecendo a união, ou possibilidades desta.

Como também, os caminhos sobre os quais trafegam as distensões e conflitos entre os membros do grupo.

Os depoimentos dos moradores podem esclarecer o quanto o imaginário do lugar e das relações locais ali constituídas, podem ser importantes para a construção dos processos de significação e pertença, frente às ameaças de dissolução do território comum, das incertezas, das tensões e ou conflitos internos ligados às mudanças da cidade.

Sob a perspectiva analítica das emoções, das quais o medo parece ser um grande vetor de posicionamento dos atores frente ao mundo, como se constroem, naquela localidade, cartografias ligadas à experiência de conviver no cenário de intensas transformações e tensões que a cidade experimenta atualmente, e do qual o Centro Dragão do Mar se destaca como o novo signo de modernidade e progresso? Diante desta atmosfera de modernidade do entorno capitaneado pelo Centro Dragão do Mar, de que forma o sentimento de pertença circunscrito nas tensões se estabelece, e de que maneira é compartilhado pelos que habitam o Poço da Draga? Como se constituem na especificidade daquela comunidade as relações entre as cadeias da reminiscência enquanto conformadoras dos laços sociais?

O caminho para compreensão destas questões parece se encontrar no entrelaçamento entre o presente e o passado, e do resultado deste cruzamento, o surgimento do sentido de uma luta contra o aniquilamento e pela permanência no lugar. Apoia-se também, na vivência e na relação dos indivíduos na construção de uma visão de cidade a partir desta experiência

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diária e nos suportes da memória coletiva. RECONHECIMENTO ETNOGRÁFICO DO POÇO DA DRAGA

Após definir alguns sentidos mais gerais do aparato descritivo, conceitual e metodológico sobre o trabalho que desenvolvo na Favela do Poço da Draga passo agora ao momento de apresenta-lo sob forma de narrativa etnográfica dos medos e conflitos, tomando a liberdade mesmo de nomeá-la como uma aventura etnográfica, por se tratar de um esforço árduo de posicionamento e de aproximação, em busca do esclarecimento do que Geertz chamou de ìuma gramática de significadosî (Geertz, 1989). Ou seja, a reconstituição do universo simbólico através de um mergulho interpretativo das pistas oferecidas pelos atores sociais daquela localidade durante esta minha vivência de campo.

É um sábado à tarde, por volta das 17 horas. A vida nas ruas do Poço da Draga aparentemente transcorre na mais tranqüila rotina, mesmo com todo o processo de preparação, debates acalorados e acompanhamento governamental que antecipa a transferência da comunidade para um outro sítio disto 600m de onde está localizada. Para quem visita o Poço da Draga pela primeira vez pode não achá-lo muito diferente da maioria dos bairros pobres ou favelas de Fortaleza.

Após sair do estacionamento do Centro Dragão do Mar na avenida Pessoa Anta, por onde a vida da cidade (diurna e noturna) escorre frenética, entramos nessa temporalidade quase adormecida do Poço da Draga73.

Escondida da Avenida atrás de um ìparedãoî de edificações é preciso percorrer um pedaço de rua para alcançá-la. Já no pequeno trecho (uns 15 metros) da Rua Boris, espremido entre a Agência da Caixa Econômica Federal e um prédio comercial de etiquetas metálicas (ALUPRINT), pelo contraste entre o dentro e fora, pelo ritmo, a impressão que tenho é de

73 Além de mim o grupo compunha-se pela Profa. Linda Gondim do PPGS-UFC e pela Graduanda em Ciências Sociais e sua orientanda Heloísa de Oliveira, que também desenvolvem pesquisas sobre a área da praia de Iracema e o Poço da Draga. Faz-se importante ressaltar que neste momento a Praia de Iracema e o Poço da Draga centralizam a atenção de grande número de pesquisadores devido aos profundos e diversos sentidos de mudança urbana que ensejam.

chegada noutro mundo: a descoberta de uma outra cidade (pobre) no coração da Fortaleza up to date. Um container de lixo remexido recebe a todos, simbolicamente demarcando os sentidos daquela territorialidade em relação ao entorno sofisticado.

Ultrapassado o container, chega-se ao trecho mais largo da rua Gerson Gradvoll, antes que esta se bifurque uns 100 metros à frente para formar também a rua Viaduto Moreira da Rocha. O cenário que se abre é composto por casas simples de alvenaria com reboco e pintadas, outras muitas, sem reboco e sem pintura, além de algumas poucas de madeira74. Aproveitando a menor intensidade do sol, muitas pessoas se encontram em frente as suas casas, na sua maioria mulheres conversando em pé (aqui e acolá pode ser visto um homem ou um grupo deles). As crianças brincam na rua, correm e jogam bola. Nada que chame muita atenção. Andando ali naquele momento sentia que chamava a atenção pelo simples fato de ser uma pessoa estranha ao lugar, por onde passava era possível sentir, mesmo sem virar o rosto, os olhares inquiridores sobre este visitante vespertino.

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Para esta empreitada me lembrava daquela conversa que tive com D. Rocilda (residente há mais de 40 anos no local), quando dizia que a favela ìera um lugar de gente ordeira e trabalhadora, que lá não tinha violência nãoî, e confusão, quando tinha, ìera provocado por gente de foraî.

Buscava me lembrar daquela conversa também para me tranqüilizar interiormente, para vencer meus receios de adentrar num universo para o qual eu era completamente estranho, e também, porque até pouco tempo, eu convivia com minhas próprias pré-noções sobre a insegurança na região.

Também trazia em mente, as informações e entrevistas com moradores obtidas através dos jornais sob o calor do anúncio75 do projeto do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará. Bem como das notícias nos jornais desta época que chamavam a atenção para aumento repentino da violência no entorno do Centro Dragão do Mar. Destaque aqui, para os furtos a automóveis e turistas, venda e consumo de drogas, prostituição infanto-juvenil e brigas. O que resultou em muitas reuniões de entidades da sociedade civil com representantes do Poder Público, além da instalação de uma Delegacia especial em um prédio anexo ao Dragão

Nas matérias jornalísticas que versavam sobre o projeto do CMEFC e suas conseqüências para o Poço da Draga, alguns moradores foram ouvidos manifestando tanto receios quanto esperanças frente à proposta de remoção da comunidade para um novo lugar onde seria construído um condomínio para abrigá-la. Nestes relatos se confundem traços de identificação com o lugar, com os receios da mudança. O temor frente ao desconhecido tornado esperança que o projeto do CMEFC traga benefícios para a população em termos de ocupação, renda e infra-estrutura. Como também, traços de posturas que o estímulo da nova ameaça de remoção provocam em termos de elaboração de estratégias de negociação com o poder público e a acomodação da inquietude interna entre os próprios membros da comunidade. 74 Segundo Censo Habitacional realizado no Poço da Draga pela SEINFRA (imóveis cadastrados), são 242 casas de tijolo, 20 de madeira e 1 de outro tipo de material de construção. O material utilizado nos pisos: 219 de cimento, 23 de cerâmica, e 6 de areia ou barro. Existência de vaso sanitário: 203 possuem vaso sanitário, 60 não. (SEINFRA, 2001) 75 Meados do ano de 2001.

Assim, o senhor Edmar de Lima (65 anos), pintor, morador do local há

54, afirma: ìsó acredito vendoî, se referindo à eminência da desapropriação, ressaltando que a transferência deverá demorar por ser o projeto do CMEFC, ìgrande e caroî, e que passou a vida ouvindo notícias que sairiam dali. Também ressalta que apesar das melhorias pelas quais passou o local ao longo dos anos, pois antes “era só areia e mato”, ainda falta segurança e saneamento. Dessa forma, para ele ìa segurança somos nós mesmosî.

A afirmação da ausência do poder público para garantir a segurança na localidade, ressalta o aspecto da existência de alguns conflitos e tensões internas, que precisam ser constantemente equacionados, levantando dúvidas sobre uma pax comunitária plena, algo como D. Rocilda havia afirmado. Abrindo margem para futuros questionamentos sobre esse campo da construção das relações entre os moradores, e entre estes e os estranhos ao lugar ou ao espírito e valores comunitários, que seriam responsáveis por parte desta violência, como brigas e tensão associadas, por um lado, à venda e consumo de drogas, e por outro, pela não colaboração, e até sabotagem, das ações de negociação com o Poder Público.

Como afirma Dos Santos (1981), para distinguir os ìmoradores plenosî

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dos ìnão-moradoresî na favela do Catumbi no Rio de Janeiro, foi preciso ìevocar um ëespíritoí para o bairro; a identificação com uma série de símbolos, a adesão e o respeito a um conjunto de comportamentos que qualificariam o moradorî (Dos Santos, 1981, p. 200).

Conceitualmente também, a experiência do Poço da Draga talvez se aproxime da realidade descrita por Elias & Scotson (2000) sobre a Comunidade de Winston Parva, na qual se estabeleceram relações de poder que discriminavam os moradores que não possuíam raízes ligadas aos fundadores do grupo. E assim, por não se integrarem organicamente à comunidade seriam sempre tomados como suspeitos pelos ìnatosî.

Numa das primeiras visitas ao Poço da Draga, o grupo formado por mim e mais duas colegas foi abordado por um morador que nos interrogou sobre nosso interesse no ìlocalî77. Mostrava-se bastante irritado com o projeto e a postura tomada pela Associação dos Moradores frente a este.

Para ele ìas pessoas estavam sendo enganadasî e que os ìnovos apartamentos eram uma pocilgaî. Ficava cada vez mais exaltado à medida que falava do projeto, e atacou tanto a Associação quanto sua presidente, D. Rocilda, chamando-a de analfabeta e incompetente.

Outros aspectos interessantes na fala do Sr. ª se referem à questão da violência, quando indagado sobre o assunto, respondeu que não há violência no Poço da Draga, e que lá você pode andar na rua à noite na hora que quiser que não existe perigo. E também, durante toda a sua fala não se referiu em nenhum momento ao Poço da Draga como uma favela.

Retomo então o argumento de que os personagens tendem a não assumir a condição sua própria condição conflitiva. Apontam sempre para um outro, seja uma pessoa, grupo, situação ou interesse. Dessa forma talvez se resguardando emocionalmente e garantindo moralmente a salvaguarda de sua pessoa?

Uma representante da Associação dos Moradores, em um momento posterior (dia 09/06/2002), quando indagada sobre as posições do Sr. A, afirmou que ele não tinha interesse na transferência da comunidade porque tinha envolvimento com o tráfico de drogas. E que, além disso, ele tinha ficha na polícia, enfim, não era uma pessoa comprometida com os interesses da coletividade, ou mesmo, um indivíduo desqualificado frente ao grupo.

Essa diáspora entre interesses e pessoas no Poço da Draga também se destacou na Reunião de trabalho realizada por um dia inteiro em 11/05/2002, no auditório central do Campus do Itaperi da UECE, a qual acompanhei78. No período da tarde me acompanhei as discussões no workshop

76 Pintor Acredita que o Projeto vai Demorar. Jornal O POVO, 22/02/2002. 77 O s moradores do PD às vezes se referem ao local como bairro. 78 Esta reunião serviu para apresentar e discutir com os moradores, através de workshps temáticos (Pertença, Violência e Cidadania, Memória, Cultura e Lazer, Ações Educacionais, Formação Profissional), os objetivos de cada projeto de atuação dos órgãos (SEINFRA, SEBRAE, SINE, SENAC, SETAS, IDT/PEQ) em função do Poço da Draga.

Violência e Cidadania. Ouvindo os relatos dos moradores que participaram ficou claro que a violência que mais identificam é a relacionada com o tráfico de drogas e suas conseqüências.

Após as apresentações dos técnicos e dos primeiros objetivos daquele encontro, o professor da UECE que facilitava a reunião perguntou: ìQue tipo de violência existe no Poço da Draga?î.

Durante alguns angustiantes minutos, o silêncio foi a resposta. Após

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uma nova tentativa e da reformulação da abordagem, alguém, se manifestou: ìa droga, o problema lá é droga!î. Alguns instantes depois, um rapaz afirmou: ìo pessoal que assalta e consome drogas é de fora, mas isso não quer dizer que lá também não tenhaî79.

Um morador antigo do Poço da Draga, Seu Ribamar Santos (67 anos) afirmou: ìé fácil identificar quem trafica, basta perguntar a quem não quer permanecer com os mesmos vizinhosî. E como solução, arrematou: ìsó tem uma solução, tirar os elementos ruins pra outro lugar, o Pirambuî.80

Os mapas imaginários relacionados às experiências do medo e da sujeição no Poço da Dragaalém de apresentarem ìmecanismosî eficientes de identificação dos outsiders, para utilizar a expressão de Elias & Scotson (2000), também operam muito bem na significação e hierarquização espacial do lugar. Desta forma, o Poço da Draga é representado pelos seus moradores como dividido por duas grandes áreas: a Aldeota (alusão ao bairro mais chique de Fortaleza) e o SERVILUZ (favela portuária de Fortaleza atual zona de prostituição). Na primeira estariam as casas de melhor padrão construtivo, portanto mais caras do Poço da Draga (localizadas nas duas ruas principais). Na segunda, as casas mais pobres, periféricas ou em locais de difícil acesso como nos becos, entre outras casas, ou nas áreas mais úmidas81.

Estes mapas imaginários podem localizar as hierarquizações, relações de afeto e desafeto, tanto de origem internas à comunidade quanto no exterior. Assim, localizadas, contribuem para estimular reações e atitudes frente às sujeições simbólicas e materiais que afligem a vida destas pessoas, não só em relação só espaço, mas também em relação ao tempo.

Através da constituição destes mapas simbólicos as emoções vão dando o tom das descrições dos momentos e dos lugares pelos moradores. As reações frente angústia e a sujeição se manifestam não apenas como desespero e ira, mas com negociações simbólicas delicadas, objetivando dirimir os efeitos da sujeição, podem ser discernidas observando as ações e falas dos moradores.

Como exemplo deste tipo de operação de requalificação pelos indivíduos, dos sentidos da opressão vividos naquele cotidiano (em modulações de ação), podemos observar algumas narrativas referentes às ameaças simbólicas em curso e as passadas, neste caso a memória é quase sempre o seu veículo. Assim, a observação do atual processo de transferência da comunidade promovida pelo Governo do Estado e a forma como a ele reagem os moradores pode apresentar boas pistas para seguirmos.

Antes do atual desassossego diante da eminente transferência, a comunidade convive desde muito tempo com um clima de tensão com um outro vizinho de peso, a proprietária da Indústria Naval do Ceará ñ INACE, Elisa Gradvoll, que ocupou, com o aval da Marinha, parte costeira da área da favela nos anos 60 para instalação de um estaleiro, obrigando muitos moradores a se mudarem.

Alguns permaneceram onde hoje é o atual Poço da Draga. Ao longo desse tempo a INACE vem

79 Este silêncio pode ser uma evidência das violências ali existentes, cotidianas e invisíveis, como em todo lugar, mais difíceis de serem assumidas: violência contra mulher, violência doméstica, contra crianças etc. e outras sofridas na rua ou no trabalho (ou na falta dele) diariamente. Uma adolescente até esboçou um ìacho que existe desrespeito com as mulheresî, mas os homens, que eram maioria não deram atenção e sua observação

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ficou no vazio. 80 Considerada a maior favela de Fortaleza (zona Oeste) e uma das mais antigas. Conhecida também por estar sempre na mídia como cenário de manchetes violentas. 81 O Poço da Draga é cortado por um riacho e ainda possui uma pequena área de mangue remanescente. Até o início dos anos 90 (antes das obras de drenagem da praia de Iracema, elevação do nível e pavimentação das ruas do Poço da Draga) eram freqüentes inundações na favela, principalmente quando coincidia com fortes chuvas, maré cheia e as ressacas. Na época ela ainda era considerada área de risco. Depois das obras da prefeitura a maioria das casas foi elevada para o novo nível rua (quase 1 metro de diferença). avançando fisicamente sobre pequenas porções de terreno do Poço da Draga. Segundo uma moradora (37 anos), ìnascida e criada aquiî, como se define: ìD. Elisa não presta, ela quer mesmo é botar todo mundo pra fora daqui. Cercou aquele terreno ali [apontando] da continuação da Viaduto Moreira da Rocha, e agora cercou pra ela um terreno onde haviam umas casas que foram desapropriadas pela prefeitura por serem área de risco [ficavam à beira-mar e sujeitas a ação das ressacas]. Ela não quer nem saber, bota cerca, segurança e prontoî82. Em seguida, fala com carinho da época em que era criança e junto com os irmãos ia tomar banho na praia onde hoje é a INACE. Mostra-me uma foto do início dos anos setenta (não consegue determinar a data) onde ela e seus irmãos, ainda crianças ou adolescentes, estão em roupas de banho, molhados e aparentemente muito alegres sobre o paredão Hawkshaw83

A partir das informações desta moradora, como de outros, este momento parece marcado por uma sucessão de emoções na qual nostalgia e tensão se mesclam, apontando para um resultado emocional aparentemente contraditório sobre os eventos atuais e o balanço de suas vidas naquele pedaço da Praia de Iracema. Parece inclusive haver um retorno constante de um certo tipo de ameaça mais evidente, a de remoção, e das conseqüências emocionais destas na vida dos moradores. Porém, esta ameaça se apresenta sempre requalificada de acordo com os interesses envolvidos e a conjuntura política de cada época, como também os são as formas de reação e negociação da comunidade a estes momentos.

A nostalgia é uma outra emoção presente no Poço da Draga sob efeito da atmosfera da mudança.

Na plenária final da reunião de trabalho entre Governo e os Moradores, na UECE em 11/05/2002, uma moradora, D. Iolanda narrou emocionada seu sofrimento pela perspectiva de perda de seu quintal, no qual realiza reuniões, rezas e festas. Disse que é chamado pelos vizinhos de ìpantanal da D. Antôniaî84., que não agüentaria viver sem suas plantas, que cultiva no ìpantanalî. Ao final de sua fala, perguntou ao Coordenador do projeto se não haveria um lugar como seu quintal no novo condomínio, onde pudesse cultivar suas plantas e reunir seus familiares. Com a resposta de que haveria o jardim do prédio e o salão de recepções, D. Iolanda chorou.

CONCLUSÃO Esta primeira investida no campo tornou claro para mim as dificuldades e as recompensas de travar um contato tão aproximado com os atores sociais que compõem o Poço da Draga, ou uma realidade semelhante. Dificuldade por exemplo, em ser aceito. O desafio permanente de enfrentar, nas palavras de Geertz, ìuma multiplicidade de estruturas conceituais complexas, muitas

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delas sobrepostas umas as outrasî (p. 20), numa realidade para qual sou um absoluto estranho.

Assim, a sujeição do pesquisador não só ao acerto, mas sobretudo às incertezas, escorregões e recomeços neste esforço interpretativo podem apontar para situações inusitadas que exigem ìpresença de espíritoî ou bom senso, pois as surpresas acontecem a todo o momento e posturas e posições podem ser e são cobradas do observador. Uma dessas situações delicadas é de me

82 Entrevista concedida ao autor em 15/06/2002. 83 Construído na década de 1880 pelo engenheiro inglês John Hawkshaw, para abrigar o primeiro porto de Fortaleza e que fracassou devido à ação das correntes marinhas, o que levou a formar uma ìpiscinaî de águas protegidas. Abandonado o projeto, a praia serviu por muitos anos de atracadouro para jangadas e banhos de mar dos moradores pobres da área. 84 Provavelmente uma alusão à região úmida e baixa onde se encontram quase todos os quintais das casas da rua Viaduto Moreira da Rocha do lado do Poente. 88 encontrar as vezes no papel de confidente de posições políticas antagônicas no Poço da Draga, fato que começa a exigir cada vez mais ìjogo de cinturaî de minha parte, e que exige deixar claro que estou ali de passagem e portanto só ocupo o espaço social de suas vidas momentaneamente.

Comecei a desenvolver a consciência neste processo de aproximação, que mesmo o sucesso vem a reboque das parcialidades, quando as mais firmes certezas são reduzidas rapidamente a pouco além de especulações sem fundamento para, numa virada repentina, observar através dos novos contatos e, ou, dos novos sinais que a dinâmica social me apresenta a reabilitação daqueles insights que quase foram para o lixo. Processo de encontro e de perdas, este caminho etnográfico tem um começo mais ou menos claro como o exposto no início deste texto, porém sujeito às dúvidas das conclusões que trará ao final.