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Mega- operação combate tráfico de amêijoa „.

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Mega-operaçãocombatetráfico deamêijoa „.

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SOCIEDADE OPERAÇÃO POLICIAL

O dia em quea amêijoavaleu€50 milhões

TóxicoOperaçãoibéricade combateao tráficode amêijoa--japonesado estuáriodo Tejo levoua PolíciaMarítimaà Galiza,Andaluzia,Cantábriae País Basco.Em 24 buscasa empresasespanholasforamencontradascerca de 10 milguias falsas

(e nenhumaverdadeira)da vendade 10 miltoneladasde bivalvescontaminadose que gerammilhões

Textos RAQUEL MOLEIROFotos NUNO BOTELHO

na Galiza

'^^ crime faz-se em de-r graus. No fundo es-

tão os apanhadoresilegais de amêijoa--japonesa, mais demil, todos os dias,três horas enterra-

l y dos no lodo do es--^ tuário do Tejo vaziode maré, com Lisboa à vista. A seguirsurgem os compradores de primeiralinha, de banca improvisada nas mar-gens, intermediários armazenistasque são também os controladores damão de obra quase toda imigrante. Di-tam o preço do bivalve e ensacam-noàs toneladas, sem controlo sanitário,para alimentar o topo da rede, os lí-

deres, uma dezena de proprietários de

empresas-fachada de exportação queo enviam em transportes descaracte-rizados para Espanha, onde é vendidonos viveiros pelo dobro, ganhandomuitas vezes falsa origem local e en-trada direta no circuito alimentar.

Junto a cada carrego, de tonela-da, há uma guia da Direção-Geralde Recursos Naturais (DGRN) queacompanha a viagem, simulação de

legalidade de um negócio proibido,invariavelmente falsa no conteúdo,recorrentemente falsificada no seutodo, mas essencial para quem querseguir o rasto ao crime: identifica o

traficante, a quantidade e a recorrên-cia do delito. Esta semana, na Galiza,Cantábria, País Basco e Andaluzia,o Serviço de Investigação Criminalda Polícia Marítima (PM) juntou-seao Corpo Nacional de Polícia (CNP)espanhol e juntos atacaram esse últi-mo escalão, o topo que segura a rede.Nome de código: "Operativo Clamp"— "Operação Amêijoa".

Terça-feira, dia 13 de março, umadezena de equipas mistas ibéricas,acompanhadas por procuradores decinco tribunais, cumpriram, em si-

multâneo, mandados de busca em 24viveiros e depuradoras de marisco —

19 em Pontevedra, 3 em Santander, 2

em Huelva e 1 em San Sebastián. Masnão quiseram saber da amêijoa. Só de

papéis. Pediram a faturação de 2016,2017 e 2018, e dossiê a dossiê, largasdezenas em cada local, horas em cadalocal, viram página a página, cada guianacional analisada e todas, sem exce-

ção, revelaram-se falsas, cerca de 10mil detetadas e apreendidas.

Uma análise rápida da documenta-ção fixa em uma tonelada a quantida-de média de amêijoa-japonesa tran-sacionada por encomenda (o recordeencontrado foram 12,5 toneladas). Ao

preço de 5 euros o quilo, em apenasum dia de operação apanhou-se o ras-to a 50 milhões de euros.

Os olhos treinados dos agentes, pelaexperiência e por formação específica,analisam cada pormenor dos documen-

tos, o tamanho da letra, o picotado, cor,espaçamento da letra, identificação da

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"PREVEEM-SENOS PRÓXIMOSDIAS OU SEMANASMAIS AÇÕES,ARGUIDOSE MANDADOSDE BUSCAEM PORTUGAL"

"MUITAS VEZESOS BIVALVESDO TEJO ACABAMNO CIRCUITOALIMENTAR COMSELO DE ORIGEMDA GALIZAOU DA CANTÁBRIA"

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gráfica (só há duas autorizadas), brilhoda tinta, número do lote. Mesmos as

guias verdadeiras são alvo de falsifica-

ção intelectual, pela informação comque são preenchidas. Na origem surgesempre Sado e não Tejo e a quantidadeexcede qualquer limite imposto pelosregulamentos. As guias são de tal formavaliosas que as legais, que custam cinco

euros, são vendida a 300 euros."Todos os alvos de busca foram iden-

tificados como compradores dos bival-ves portugueses, ainda que nem todos

sejam suspeitos ou sequer conhece-dores das falsificações. Mas sabemos

que muitas vezes os bivalves do Tejoacabam por entrar no circuito alimen-tar com selo de origem da Galiza ouda Cantábria. Destroem as guias e é

emitida nova documentação", explicaSerrano Faustino, chefe do Serviçode Investigação da PM, que liderou a

equipa nacional em Espanha, compos-ta por 22 elementos.

Alguns viveiristas tornaram-se ros-tos familiares ao longo dos anos, afi-xados na parede da sala da unidade,em Alcântara, onde o esquema estra-tificado da rede não para de engor-dar com nomes, rostos e ligações, emPortugal e Espanha. A acumulação deindícios de uma rede organizada e amultiplicação de crimes — falsificação,corrupção de substâncias alimentares,furto de barcos e motores, posse ilegalde armas, tentativas de homicídio... —

levaram mesmo o SIS a elaborar umrelatório de análise de risco.

Ilegal em toda a linhaO "operativo" foi realizado a pedidode Portugal através de uma carta ro-gatória, que precisou de três enviose alterações para ser cumprida, noâmbito de um inquérito de 2015, jácom cerca de 15 arguidos constituídosem território nacional. Não é a únicainvestigação em curso no âmbito daapanha ilegal de amêijoa-japonesano Tejo (mas é a maior). Só a PM temmais seis inquéritos, a que se juntamprocessos do SEF, GNR, PJ, ASAE e

Autoridade Tributária.É fácil perceber porquê. Tudo ali é ile-

gal, desde o primeiro degrau. A apanhade bivalves no estuário está fortementelimitada devido à contaminação porE.Coli e metais e metaloides tóxicos,acumulados por décadas de exploraçãoindustrial nas margens, e está sujeitaa licença, que limita a apanha diáriaa 80 quilos, com depuração obriga-tória. Nada disso é cumprido. Por diasão retiradas do Tejo cerca de 20 a 30toneladas de amêijoa-japonesa, comum valor aproximado de 120 mil euros.Num ano pode atingir os €30 milhões.A fuga fiscal é total, e o perigo para asaúde pública idem. Um estudo de 2017da Universidade de Aveiro apurou que"basta um consumo inferior a um quilopara haver consequências na saúde".

A esmagadora maioria dos bivalvesacaba em Espanha, principalmentena Galiza. Porém, o aperto da fisca-

lização na zona de Pontevedra (Cam-

bados, O Grove, Poio) está a desviarcada vez mais traficantes para a Can-tábria, onde os bancos de bivalvesestão "fechados" a recuperar a espé-cie, que quase se extinguiu. Tambémaqui a amêijoa lusa está a ganhar selo

de (falsa) denominação de origemprotegida.

No âmbito do mesmo inquérito, "pre-veem-se nos próximos dias ou semanasmais ações, com novas constituiçõesde arguidos e mandados de busca emPortugal", revela ao Expresso a Polícia

Marítima, sendo expectável que aprovaproduzida leve à abertura de novos in-

quéritos ou à extração de certidões commais implicados. "O balanço é muitopositivo. Acooperação com o Corpo Na-cional da Polícia é para manter e as ope-rações em Portugal também contarãocom a sua presença", garante Faustino.

Enquanto se consolida a prova re-colhida, a luta é outra: convencer aDGRM a retirar o Sado da lista de lo-cais de apanha de amêijoa-japonesa."No Sado não há amêijoa-japonesa emquantidade para ser transacionada.Nunca nenhum elemento da políciamarítima — e nós fiscalizamos, anda-mos na rua — encontrou apanhadoresno Sado. Já explicámos que só servepara os mariscadores falsificarem aorigem dos bivalves, que na verdadeapanham no Tejo. A sua retirada seriaum entrave ao crime", explica o chefeSerrano Faustino.

Na terça-feira,dia 13, a PolíciaMarítimafez buscasem dezenasde viveirosespanhóis,principalmentena Galiza,identificadoscomocompradoresde amêijoa--japonesado Tejo. Haviatoneladasem depuraçãoe armazém,mas o objetivoera analisaras guias,todas falsas, queacompanhamos bivalves

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A ministra do Mar, Ana Paula Vitori-no, tem outra estratégia de combate: acriação da primeira central de depósito,transposição e valorização de bivalves,no Lavradio (Barreiro), para permitir acomercialização dos recursos do Tejoem condições de salubridade. Financia-da pelo Mar2o2o, tem data de abertura

para o segundo semestre deste ano. Amedida vem acompanhada de um novoPlano Sanitário do Estuário do Tejo,que poderá alterar as proibições atuais.

Enquanto a solução não chega, o riocontinua a encher-se e a esvaziar-se de

gente com a ida e vinda das marés. Coma Semana Santa a aproximar-se regressaa época alta ao estuário. A amêijoa ja-ponesa chega a ser vendida a oito euroso quilo. O preço poderá mesmo baterrecordes esta Páscoa por causa do mautempo que tem dificultado a entrada dos

apanhadores no leito do rio, existindomenos bivalves no circuito comercial.

As amêijoas que por estes dias che-

gam a Espanha são pequenas e de

pouco valor porque são apanhadas nas

margens. A fortuna mora no centro do

estuário, nos bancos mais longínquos.Mas com a tempestade "Gisele" aindaativa, aí vive também a morte.

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SEFinvestigatráficohumanoApanhadores da Roméniae Tailândia só vendema certos intermediários,a quem estão presospor dívidas e coaçãoNinguém sabe exatamentequantos são os apanhadoresde amêijoa japonesa que dia-riamente entram Tejo adentro.Certo é que ultrapassam o mi-lhar. Há portugueses, poucos.E romenos, a maioria. E cadavez mais tailandeses.

Foi o aparecimento recen-te dos asiáticos — serão cercade 150 —

, e o seu alojamento

em condições desumanas noSamouco, em armazéns cola-dos ao cemitério, que levaramo Serviço de Estrangeiros eFronteiras (SEF) a abrir uminquérito, na sequência de vá-rias denúncias relacionadascom tráfico de seres humanos,maus-tratos, auxílio à imigra-ção ilegal e exploração laborai.

Até na água, pejada de peque-ninos pontos humanos, saltamà vista. Homens e mulherestêm sempre o rosto envolto emlenços, a que acrescentam umchapéu de abas largas, comose estivessem enfiados em ar-rozais. Chegam e partem dorio em bicicletas. É só segui-lospelo atalho ao lado da base aé-rea para chegar ao local onde

moram, uma dúzia de arma-zéns convertidos, paredes debetão e piso de pedra, cada umcom seis a sete moradores. Hátendas de campismo montadasno chão, colchões poisados,paredes feitas de lençóis, cozi-nhas improvisadas e sujas.

Estão legais em Portugal,com residência provisória, masnem todos isentos de culpa. Aatividade que praticam é ilegale a abertura de um dos portõesverdes revelou um armazémclandestino, de recetação e ex-pedição de bivalves. Quem os

explora é um português, ou vá-rios. A investigação é recente,ainda há muito por apurar.

Agressão por desobediência

São obrigados a fazer duasmarés por dia e é definida aquantidade de amêijoa grande— a mais valiosa — que têm de

apanhar e entregar a determi-nado intermediário. O incum-primento das regras já deixouuma tailandesa com uma pernae um braço engessados.

A situação de domínio so-bre os romenos não é muitodiferente. Chegaram ao Sa-mouco há vários anos paratrabalhar na agricultura, e acrise empurrou-os para a apa-nha. Hoje, a comunidade ro-mena é dominante nas águas,alimentada por camionetas

que os trazem de Satu Maré,angariadas por anúncios emjornais romenos para "Tra-balhar na Fábrica da Amêijoado Samouco". Chega um au-tocarro todos os domingos aoestacionamento do supermer-cado E.Leclerc do Montijo. O

congénere que gere a rota de

imigração distribui-os depoispor apartamentos, sete a oitoem cada casa, entrega-lhesa ganchorra (espécie de ara-do), o fato de mergulho, tudosomado numa conta que os

prende. Estão livres e legais,mas há um domínio através dadívida que contraíram e quelhes reduz os ganhos diários e

os obriga a vender exclusiva-mente ao credor.NÚMEROS

1700apanhadores, concentradosna cala do Montijo e no Samouco,foram contabilizados em 2015no único levantamentosobre o negócio ilegal no estuário,realizado por investigadoresda Universidade Nova de Lisboa,Universidade de Lisboa e IPMA

22elementos do Serviçode Investigação Criminal da PolíciaMarítima estiveram esta semanaa Espanha onde, juntamentecom o Corpo Nacional de Polícia,realizaram a primeira operaçãoibérica de combate ao tráficoda amêijoa japonesa.Não será a última

1gráfica foi alvo de buscas duranteo "Operativo Clamp". Procuravam-seencomendas de falsificações de guiasde transporte da Direção-Geralde Recursos Naturais (DGRN),que só podem ser impressaspor duas gráficas portuguesas