Meio Ambiente, Paisagem e a invenção do objeto turístico ... · O ato de viajar constitui uma...

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Meio Ambiente, Paisagem e a invenção do objeto turístico no Norte Mato-grossense – reflexões preliminares. 1 Zuleika Alves Arruda – Doutoranda em Geografia - IG Unicamp Orientadora: Profa. Dra. Arlete Moysés Rodrigues – IFCH Unicamp O ato de viajar constitui uma das práticas sociais mais antigas da sociedade humana. No entanto, a atividade turística tem em sua origem uma historicidade circunscrita a um determinado tempo e espaço, antes de transformar-se numa pratica social presente, em quase todas as sociedades e, inclusive, integrada à agenda dos indivíduos das diversas classes sociais. A atividade turística é considerada uma das atividades econômicas de maior crescimento no mundo dentro da estratégia de expansão de capitais transnacionais, via incorporação de novos espaços, estabelecendo novas territorialidades e “(re)inventando” novas paisagens. A explosão da atividade turística está estreitamente associada a uma fuga planejada da sociedade humana para o “anticotidiano” em uma busca de paisagens imbuídos por uma “necessidade de (re)aproximação com a natureza e uma necessidade de humanização da vida cotidiana do mundo contemporâneo. Atualmente, ao considerarmos a paisagem(natural / social) como elemento substancial do fenômeno turístico e, portanto um recurso de grande valor no desenvolvimento e consolidação da atividade turística, os componentes da paisagem constituem de suma importância na construção da imagem turística do lugar e como elemento definidor da fruição turística da localidade. Nesse contexto, os lugares em que vivemos, aqueles que visitamos e percorremos, contribuem para as nossas imagens da natureza e vêm compor o quadro individual da leitura da realidade. Cada imagem e idéia sobre o mundo são compostas, portanto, de experiência pessoal, aprendizado, imaginação e memória. O meio ambiente natural e a visão de mundo estão estreitamente ligados. A paisagem é percebida pelo sentido e nos chega de maneira informal ou formal, ou seja, pelo senso comum ou de modo seletivo e organizado. Ela é produto da percepção e de um processo seletivo de apreensão, mas 1 Texto produzido para avaliação da disciplina: Turismo, Sociedade e Território. IG - Departamento de Geografia.Campinas:2003.

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Meio Ambiente, Paisagem e a invenção do objeto turístico no Norte Mato-grossense – reflexões preliminares.1 Zuleika Alves Arruda – Doutoranda em Geografia - IG Unicamp Orientadora: Profa. Dra. Arlete Moysés Rodrigues – IFCH Unicamp

O ato de viajar constitui uma das práticas sociais mais antigas da sociedade humana. No

entanto, a atividade turística tem em sua origem uma historicidade circunscrita a um

determinado tempo e espaço, antes de transformar-se numa pratica social presente, em

quase todas as sociedades e, inclusive, integrada à agenda dos indivíduos das diversas

classes sociais. A atividade turística é considerada uma das atividades econômicas de

maior crescimento no mundo dentro da estratégia de expansão de capitais transnacionais,

via incorporação de novos espaços, estabelecendo novas territorialidades e

“(re)inventando” novas paisagens.

A explosão da atividade turística está estreitamente associada a uma fuga planejada da

sociedade humana para o “anticotidiano” em uma busca de paisagens imbuídos por uma

“necessidade de (re)aproximação com a natureza e uma necessidade de humanização da

vida cotidiana do mundo contemporâneo.

Atualmente, ao considerarmos a paisagem(natural / social) como elemento substancial do

fenômeno turístico e, portanto um recurso de grande valor no desenvolvimento e

consolidação da atividade turística, os componentes da paisagem constituem de suma

importância na construção da imagem turística do lugar e como elemento definidor da

fruição turística da localidade.

Nesse contexto, os lugares em que vivemos, aqueles que visitamos e percorremos,

contribuem para as nossas imagens da natureza e vêm compor o quadro individual da

leitura da realidade. Cada imagem e idéia sobre o mundo são compostas, portanto, de

experiência pessoal, aprendizado, imaginação e memória. O meio ambiente natural e a

visão de mundo estão estreitamente ligados. A paisagem é percebida pelo sentido e nos

chega de maneira informal ou formal, ou seja, pelo senso comum ou de modo seletivo e

organizado. Ela é produto da percepção e de um processo seletivo de apreensão, mas

1 Texto produzido para avaliação da disciplina: Turismo, Sociedade e Território. IG - Departamento de Geografia.Campinas:2003.

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necessita passar o conhecimento espacial organizado, para se tornar verdadeiro dado

geográfico.

Devido à complexidade da problemática, pretendemos, no entanto, delinear apenas

algumas pistas, através de uma leitura preliminar de como as representações com relação á

natureza contribuíram para a invenção do território turístico no decorrer do processo

histórico de produção espacial do Norte Mato-grossense.

A Invenção Da Paisagem Como Representação Da Natureza

È inegável que o homem, desde quando se entendeu como tal e elaborou-se como criatura,

sempre tem relacionado-se e pensado a natureza nas suas mais variadas formas.

Elaborações diversas foram, ao longo do tempo, materializando, em camadas nem sempre

excludentes, nossas interações, percepções e relações com a natureza.

No decorrer da história a idéia de natureza é construída socialmente e o entendimento que

os homens tem do mundo não-humano variou ao longo da história do ocidente, bem como

entre os diferentes povos. E, por conseguinte, a natureza, transformada em maior ou

menor grau, passa a estar presente no imaginário social de toda a história da humanidade.

A natureza é um conceito abstrato e resultado da invenção de um pensamento dominante

em um determinado momento histórico.

Na concepção de Meinig(1979),2 a natureza e a paisagem são termos que estão

relacionados, mas abarcam mundos de compreensão diferenciados. No entanto, para ele,

o que diferencia a paisagem da natureza é o seu caráter de unicidade que imprime a

nossos sentidos, afastando-se da lógica cientifica do binário homem-natureza; e se

diferencia de ambiente porque não trata de nossa sustentabilidade enquanto criaturas, mas

sim de nossas manifestações enquanto culturas. Desse modo, o meio ambiente é o

imaginário do nosso tempo sobre natureza.

O meio ambiente foi decomposto como totalidade, incluindo aí as sociedades, e em seu

lugar foi construído o conceito de natureza ideal, que inspira uma serie de movimentos

ambientalistas. Esse novo olhar que transformou a natureza em meio ambiente vem

2 MEINIG(1979) Apud HOLZER(1993), W. Um Estudo Fenomenológico da Paisagem e do Lugar: A Crônica dos Viajantes no Brasil do Século XIX. Tese de Doutoramento. FFLCH – USP: São Paulo, 1993. p. 53.

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produzindo também uma nova organização territorial e simbólica3 construindo um

mosaico fragmentado de elementos naturais prontos para serem explorados pelos agentes

hegemônicos.4

A translação de natureza se dá, no entanto, quando a paisagem empírica passa a integrar as

diversas dimensões do imaginário e a atuar como agente, mais do que como cenário na

interação sóciocultural5.

Nessa perspectiva, em estudo realizado Luchiari (2002)6 analisa que, em cada época, o

imaginário coletivo define a concepção social de natureza e a traduz, transformando-a em

artefatos materiais e simbólicos, ou seja, em cultura. Sua tradução mais completa foi

registrada na historia pela elaboração do conceito de paisagem, que, longe de ser apenas

um modelo abstrato de compreensão do meio, é também a materialidade por meio da qual

a racionalidade humana organiza os homens e a natureza em territórios.

Desse modo, a paisagem não existe a priori, como um dado da natureza, mas somente

em relação á sociedade e dependerá do valor que é atribuído em cada momento histórico.

Embora o conceito de paisagem tenha se difundido notadamente, a partir do século

XVIII, alimentado pelo espírito romântico ligado ao mundo natural, sua percepção sempre

esteve ligada á estruturação do cotidiano das sociedades humanas através de suas praticas

religiosas, culturais, nas técnicas e na economia.O contato com a natureza era

significativo e simbólico na vida das pessoas e as sociedades se constroem, ao longo do

tempo nessa relação peculiar com ela. Por exemplo, a contemplação e a veneração da

natureza pelas sociedades da antiguidade eram, freqüentemente, uma forma de exprimir o

temor e o respeito despertados pelas manifestações dos fenômenos naturais, com os quais

não possuíam defesas. As florestas, montanhas, o mar, pântanos7 entre outros elementos

da natureza estavam associados ao imaginário social como sinônimos de perigo e medo.

3 LUCHIRARI, M. T.D.P. A Representação da Paisagem no Período Contemporâneo. (pp.25) In: Paisagem, Imaginário e Espaço.(Orgs) Rozendahl,Z. & Corrêa, R. L.Rio de Janeiro: EdUERJ,2001. 4Faria, M. O. O mundo Globalizado e a Questão Ambiental.(pp.6-7) In: Neiman, Z. (Org).Meio Ambiente: Educação e Ecoturismo.Barueri, SP: Morole, 2002. 5MENEZES,U.T. B. A Paisagem Como Fator Cultural.(pp.39).In:Turismo e Paisagem.YAZIGI.(Org) São Paulo:Contexto 2002. 6LUCHIRARI, M. T.D.P. Op. Cit.. .pp.22). 7 Serres desenvolve uma análise em sua obra O Contrato Natural onde realiza uma analise a partir da descrição de um pintor Goya tentando demonstrar que ao longo da história, mais especificamente da história ocidental, a concepção dominante de natureza (representada pelo pântano) sempre foi, de certa forma permanente, uma concepção idealizada, separada da história humana. Quando separadas natureza e sociedade perdem a sua materialidade e também seus significados. Apud. Faria, M. O. O mundo Globalizado e a Questão Ambiental.(pp.6)In: Neiman, Z.(Org).Meio Ambiente: Educação e Ecoturismo.Barueri, SP:Morole, 2002.

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A sua concepção de paisagem, na maioria das vezes, era caracterizada como um conjunto

de objetos selecionados e dispostos impregnados pelo sentido de sobrevivência, que

satisfizessem ás suas necessidades imediatas do corpo e da alma.

A partir da Idade Média, com o aparecimento e o desenvolvimento da pintura da

paisagem, marcando diversas fases de concepção e relação com a natureza. O

Renascimento, como o próprio nome indica, constituiu uma etapa de “despertar” ou

“renascer” do espírito humano, depois de um longo período em que o homem foi oprimido

por um sistema, no aspecto físico, intelectual e espiritual: o feudalismo.8 A discussão de

questões filosóficas, os estímulos as grandes viagens, a moda de colecionar trabalhos de

pintores italianos do século IVII, tudo contribuiu para o surgimento de novas idéias

estéticas, que eram mais realísticas do que quaisquer outras dos períodos precedentes,

porque eram asserções não somente da filosofia da estética, mas sobre a paisagem real,

visível.

Com o século XVII se inicia uma paixão pelas viagens, que vem acompanhada pelo

conhecimento da natureza e pela compressão da paisagem. Para a geografia, assim como

para outras ciências desse mesmo período, este fato influenciou consideravelmente a

construção do conceito de paisagem.9 Para o seu descobrimento contribuíram escritores,

naturalistas e também políticos.

No entanto, se até o século XVIII, a paisagem era sinônimo de pintura, com o

romantismo, uma nova concepção de paisagem passa a ser construída. A paisagem surge

como possibilidade de representação e as apreciações que passam a ser construídas da

paisagem enquanto forma, conteúdo e narrativas literárias, artísticas, cientificas denotam

hierarquia e valores correspondentes a marcos históricos, em especial focalizando a

civilização ocidental10.

De acordo com Artaloytia (1998)11 con la sensibilidad romántica el paisaje se interioriza

y es fuente, manantial de sentimientos, enriquecimiento espiritual del hombre. Se

distonsiona la realidad, pero siempre apasionadamente, en literatos, pintores, grabadores.

El romanticismo descubre también otro elemento fundamental: la montaña, espacio 8 MOLINA, S. E. Turismo e Ecologia.Bauru:SP:EDUSC,2001.pp. 23-24 9LUCHIRARI, M. T.D.P. Op. Cit. pp.15 10 GOMES, E. T. A. (2001)”Natureza e cultura, representações na paisagem” (pp.57;59) In: ROSENDHAL; CORREA, R. L. Paisagem, Imaginário e espaço. Rio de Janeiro, EDUERJ.

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marginal con frecuencia horrible, que causa miedo, espanta... Esta nova visión y

sensibilidad hacia la Naturaleza, va acompañada de la labor científica de geólogos,

naturalistas, geógrafos, historadores, etnólogos, ya importante a finales del siglo XIX. El

positivismo intenta organizar, digerir, de un modo coherente, el material científico

acumulado, en un ambiente de euforia intelectual, estableciendo las bases del futuro del

hombre de la revolución técnica e industrial”.

Na geografia a concepção de paisagem possui as suas bases epistemológicas a partir da

geografia alemã permeada pela influencia do positivismo, do racionalismo e do

romantismo emergente. A separação radical entre o homem e o mundo natural é algo que

marca a idéia de natureza que se construiu no ocidente e que está na base do humanismo

e das ciências modernas. A idéia de paisagem envolve diretamente, nas suas acepções, as

várias, e diferentes, visões de relacionamento entre o homem e a natureza.

A cerca da realidade apresentada Artaloytia (1998)12 registra que o momento “ es preciso

conocer la Naturaleza, y la incipiente geología, la más desarrollada botánica, la

geografía...coinciden en este momento. Pero también, paralelamente, la Naturaleza es

fuente de recursos, se inserta en un espacio que es preciso dominar: es objetivo político y

militar, y de ahí mapas más preciosos y detallados”.

Na geografia o conceito de paisagem embora sendo um dos mais antigos, envolve

questionamentos de sua cientificidade devido à ambigüidade conceitual que permeia no

decorrer do pensamento geográfico13.

No inicio do século XX, a paisagem foi um dos primeiros temas a ser abordado na

geografia numa perspectiva cultural pelos geógrafos alemães, sendo posteriormente,

incorporado pela geografia cultural, nos anos 20, por meio do geógrafo americano Carl

Sauer, da Escola de Berkeley e retomada pela geografia cultural na década de 70.

A morfologia da paisagem proposta por Sauer representa uma antecipação da geografia

cultural que passa através de uma leitura com base fenomenológica e existencialista uma

abordagem privilegiando os aspectos subjetivos da paisagem.

11ARTALOYTIA, J. A. Z. (1988) “Vocación viajera y entendimiento del paisaje en la generación del 98”. (pp. 90-91). In: MENDOZA e CANTERO (orgs) Viajeros y Paisajas. Madrid: Alianza Editorial. 12 Ibid. p.90 13 Para HOLZER(1993), um problema para trabalhar alguns conceitos na geografia como, por exemplo, o de paisagem é o idioma. Segundo o autor cada um deles tem para um determinado termo, acepções que apesar da aparente semelhança escondem sutilezas que são, muitas vezes, intraduzíveis.

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No decorrer do pensamento geográfico inúmeros trabalhos procuraram (des)construir o

conceito polissêmico da paisagem. No entanto, a compreensão da paisagem geográfica

dependerá simultaneamente várias dimensões que cada matriz epistemológica

privilegia14.

Para Ronai(1977)15, a paisagem é um espaço onde a funcionalidade se dá em proveito de

um espetáculo estético. Para ver uma paisagem é necessário se estar distante, isto é,

separado, exterior, espectador, como se pode estar de um cenário (décor), de uma cena.

No entanto, em análise realizada por Holzer(1993)16 considera que, tanto Ronai quanto

Lacoste associavam a espetacularização da paisagem como potencializadora de sua

mercantilização. A espetacularização da paisagem era vista como um processo de

fetichização. Essa redução da paisagem somente a seus elementos visuais, ou pior, a um

mero espetáculo, nos permite uma analise interessante de sua crescente mercantilização ao

longo do tempo, mas, por outro lado, coloca sérios problemas para seus próprios

seguidores, o problema de limitar o conceito de paisagem a sua definição mais primitiva:

de porção do espaço que abarca com o olhar.”

Outra perspectiva relevante na análise da paisagem é realizada por Gomes (2002)17,

quando aponta que a paisagem só existe a partir do individuo que organiza, combina e

promove arranjos e conteúdo e forma dos elementos e processos, num jogo de mosaicos.

Esses mosaicos, como puzzeles18, são representações do existente ou do ansiado para

determinado espaço, apreendido segundo determinada perspectiva. A apreensão e a

representação de imagens são derivadas de filtros fisiológicos, socioculturais e ideológicos

reforçados pelas vertentes dos conhecimentos científicos, técnicos etc., e pela dimensão

histórico –contextual, vivenciada ou experimentada pelo(s) individuo(s) de representar o

mundo.

No contexto da preeminência da paisagem como representação da natureza, em estudos

realizados Serrano(1987)19 aponta que as viagens de ilustração desenvolvidas pelos

ingleses desde meados do século XVII desempenharam um papel significativo pois não 14 ROSENDHAL, Z; CORREA, R. L. Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, EDUERJ. 15Ronai(1977)Apud HOLZER, W.pp.60 16 Id. Ibid p. P.61 17 GOMES. E, T, A , Op. Cit,pp. 56--59 18 Puzzeles em alemão significa quebra-cabeças.

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apenas possibilita uma mudança no olhar dos homens sobre a natureza mas também

contribui como para o surgimento do turismo moderno.

A sociedade ao (re)valorizar as paisagens naturais, constrói um novo modelo perceptivo

em relação ao meio e lhe impõe novas leituras e novos práticas econômicas e sociais.

Nesse contexto, ao(re)inventar a natureza como paisagem valorizada, abriu caminho para

incorporação da natureza à sociedade e a valorização da paisagem para a atividade

turística.

Da invenção da paisagem à construção do objeto turístico – uma leitura do território

Mato-Grossense

Como fora discutido anteriormente, a idéia de natureza é historicamente construída

socialmente e o seu entendimento que os homens tem do mundo variou ao longo da

história ocidental. A paisagem remete necessariamente á natureza e á representação, e

ambas remetem ao problema do imaginário em função da mediação simbólica que assume

a representação da natureza para os mais diferentes grupos sociais20. É com base na

representação da natureza como paisagem, e como cenário para as ações humanas, que se

institui o seu consumo pelas atividades econômicas no decorrer da história.

Para Gomes (2001)21a paisagem enquanto representação e reapresentação do mundo é

datada, sendo tecida pelo registro de praticas socioespaciais contemplando

aculturamentos e adaptações por meio de artificializações da natureza e naturalização do

artificial, nos diferentes estágios e clímax dos sistemas naturais e técnicos, bem como dos

níveis de conhecimento e mediações atingidos.

Entre a primeira metade do século XIX e os primeiros anos do século XX o território

norte mato-grossense, cujo predomínio natural corresponde ao domínio amazônico22,

19 SERRANO, C.M,T(1987). A vida nos Parques: Proteção ambiental, turismo e conflitos de legitimidade em Unidades de Conservação(pp.104). In: BRRHNS, H,T ; SERRANO, C.M.T(Orgs). Viagens à Natureza:Turismo, Cultura e ambiente.Campinas:SP:Papirus,. 20CASTRO, I. E,(2002) Paisagem e Turismo (pp125).In:YAZIGI,E(orgs).Turismo e Paisagem.São Paulo: Contexto.

21 GOMES,E.T.A Op. Cit.. pp.56 22 Refletindo as condições climáticas, a porção centro - norte, caracteriza pelo predomínio da floresta ombrófila densa (amazônica) e ombrófila aberta (de transição). Como no sentido oposto, espalha-se pela zona confrontante com o estado de Rondônia prolongamento do que ocorre nas áreas mais úmidas da região norte, esta cobertura vegetal (ombrófila) é mapeada da seguinte forma: na porção setentrional do estado junto à margem esquerda do rio Araguaia; próximo ao rio Xingu, o rio Teles Pires e no sentido oposto, espalha-se pela zona confrontante com o estado de Rondônia. A maior parte

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juntamente com a porção oeste e norte do Brasil, constituía uma das regiões pouco

conhecidas do planeta. Com o desejo de investigar e explorar esse “território vazio” até

então desconhecido e exótico; inúmeros viajantes e ou representantes de expedições

cientificas nacionais e estrangeiras, se dirigiram com o intuito de desvendar ou apropriar

das inúmeras riquezas até então inexploradas. A extensa rede hidrográfica, as matas e as

florestas, a variedade da fauna e da flora era, por si só, elementos reveladores dos

incalculáveis tesouros que seu território abrigava.

Presente no imaginário social como “natureza intocada”, onde se localizam os limites da

“barbárie e civilização” o território Mato-grossense, passa a ser concebida a partir do

século XIX, como um reservatório de recursos econômicos e vazios populacionais, a ser

imperativo das conquistas, dos povoamentos, exploração e colonização. A fantástica

abundância dos recursos naturais, a remota localização geográfica, a dimensão territorial,

a baixíssima densidade demográfica e a natureza primitiva são elementos fundamentais na

composição da imagem de mato Grosso como um território rico a ser conquistado.

Toda esta abundância exercia um certo fascínio sobre os viajantes23, além de lhes

provocar uma grande inquietação marcada pela dubiedade entre o paradisíaco e o infernal

cristalizadas no imaginário social acerca da paisagem.

De acordo com análise realizada por Galetti24(2000) as imagens de “sertão-fronteira”,

projetadas sobre o território e a população mato-grossenses, tanto por viajantes

estrangeiros quanto por brasileiros, foram incorporadas por setores da classe dominante

regional, sobretudo intelectuais, e utilizadas em suas disputas políticas e em suas próprias

representações sobre a identidade regional.”

Na Amazônia, os constrangimentos impostos pelo mundo natural ao movimento dos

homens têm sido, historicamente, por demais evidentes. Essa lentidão da transformação do

mundo natural pelo homem deve-se a fatores econômicos, políticos e administrativos,

influenciando o ritmo de expansão da sociedade colonial e, posteriormente, a partir da

década de 70 por uma política de integração nacional.

da área do Norte Mato-grossense corresponde a uma faixa de transição entre o cerrado e a floresta ombrófila, sendo denominada como áreas de tensão ecológica (contatos de tipos de vegetação). 23 A respeito do fascínio dos viajantes e da sua relação com a natureza e a atividade turistica inúmeros trabalhos são relevantes de serem citados como: U URRY, J. (1996). O olhar do turista..; ARTALOYTIA, J. A. Z. (1988) “Vocación viajera y entendimiento del paisaje en la generación del 98”. 24 GALETTI, L.G. (2000) O Poder das imagens: o lugar de Mato Grosso no mapa da civilização.(pp.22) In: SILVA.L.S.D.(Org). Relações cidade –campo:Fronteiras.Goiânia:Ed. UFG.

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O espaço da Amazônia Norte Mato-grossense evocado outrora pelos poetas,

cancioneiros, historiadores e viajantes como cenário de grandes e exuberantes paisagens

naturais; predominado pelo imaginário social como ‘natureza intocada’, passa nos últimos

anos a ser incorporado no circuito turístico pelos planejadores, incorporadores e

divulgados pela mídia como um espaço a conquistar.

Esse espaço, concebido anteriormente pelo predomínio dos elementos naturais, ocupados

pelas populações tradicionais, é substituído pelos objetos técnicos, pelos interesses

econômicos e inseridos no circuito da mercadoria. Ou seja, os elementos da paisagem

natural outrora fonte de sobrevivência das comunidades ali existentes, passam a ser

comercializados e inseridos em uma nova dinâmica espacial: a do turismo.

A atividade turística surge em uma nova ordem econômica de produção espacial onde,

ocorre uma supervalorização das paisagens e recriação de novas paisagens.Desse modo o

elemento central da construção social das práticas turísticas, a paisagem, resulta do arranjo

espacial de sistemas de objetos (naturais e sociais), (re)criando cenários com uma

intencionalidade de atender a atividade turística. No entanto, ao se produzir um espaço

para ser consumido como lugar turístico, destrói-se, assim, as próprias condições que

deram origem a esta ‘mercadoria’.

Nesse sentido, compartilhamos com Rodrigues (1996)25, quando pondera que a industria

do turismo produz espaços delimitados e espacialmente destinados a um determinado tipo

de consumo – o consumo da natureza – através dos denominados ‘serviços’ do turismo.”

(...) No caso da procura do natural – é a natureza ‘pura’ transformada pela atividade. (...)

essa mercadoria, o consumo do espaço caracteriza-se pelo uso ‘efêmero do território’ ,

num processo continuo de (des)territorialização e (re)territorialização.

O consumo do território pelo turismo é intermediado de um conjunto indissociável, de

bens e serviços que compõem o ‘fazer turístico’, isto é, o ato de praticar o turismo e tudo

aquilo que essa prática envolve, em termos de objetos e ações26.Entre as ações que

conduzem ao consumo das paisagens pela atividade turística encontram-se as formulações

discursivas e simbólicas que servem para a construção imagética do lugar contribuindo

25 RODRIGUES, Arlete M. A produção e o consumo do espaço para o turismo e a problemática ambiental. In:

Yazigi,E.(Orgs).Turismo, Espaço, Paisagem e Cultura. São Paulo: contexto,1996. 26Cruz. R. C. Política de Turismo e Território. São Paulo: Contexto, 2000.p.9.

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para a estetização e valorização da paisagem, bem como a existência das políticas públicas

que constituem as decisões e ações políticas de intervenção no espaço.

Nesse contexto, novas territorialidades passam a ser construídas no espaço norte mato-

grossense, com a penetração de empreendimentos turísticos, políticas publicas que

possuem o compromisso de atender cronogramas, cujo tempo e valores são medidos por

padrões de mercado mundial e interesses econômicos. Essas transformações espaciais e as

suas condições sóciopolíticas modificam a região em benefício de alguns atores

hegemônicos, responsáveis por novas relações territoriais, onde os nexos próximos e o

predomínio do interesse econômico sobrepõem-se ao social e ambiental.

De acordo com Almeida (1998)27, a construção do objeto turístico em si não existe, sendo

uma invenção pelo e para o turismo, responsável pela sua invenção. Os objetos turísticos

planejados, construídos pelos empreendimentos turísticos ou mesmo decretados,

institucionalizados, eles consistem, pois, no estabelecimento de uma nova estrutura sócio-

espacial, cujo eixo de compreensão terá que emergir, não da leitura do turismo, mas entre

si, na sociedade.

Desse modo, no processo de construção imagética do lugar como objeto turístico, o

poder público busca através da mídia dar visibilidade ao espaço divulgando através de

folders, sites turísticos e revistas especializadas a valorização dos três ecossistemas que

compõem o cenário turístico a ser explorado pelo turismo em Mato Grosso. Tais

formulações discursivas podem ser avaliadas a seguir onde evidencia a supervalorização

da paisagem Mato-grossense como um recurso paisagístico a ser explorado: “ (...) uma

viagem de poucas horas é suficiente para se perceber e comprovar o contraste do moderno

com o natural. Grandes áreas do seu território ainda estão intocadas. Monumentos

megalíticos milenares formam um dos mais lindos cenários da natureza, Chapada dos

Guimarães, em pleno Cerrado. A Floresta Amazônica Mato-grossense, com sua

exuberância e mistérios, escondem rios de águas claras e cachoeiras imensas, tão remotas

que ainda nem nome têm. Isso sem falar nos mais de 1000.000 km2 do Pantanal, maior

reserva de biodiversidade do planeta, que nasce e se forma em Mato Grosso. Todas essas

regiões abrigam uma rara diversidade de animais, plantas, pássaros, peixes e insetos.

Parceiro da amplidão, o homem nativo ou adaptado, cada um á sua região, parece ignorar

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a passagem do milênio e a chegada do novo século. São profundos conhecedores de ervas

medicinais e comungam a convivência com a fauna e a flora. Ai, em meio a natureza,

longe das intempéries das grandes civilizações, ele vive. E como vive!”28

Para Rodrigues(1996)29 se a atividade turística não é nova, o desenvolvimento dos meios

de comunicação de massa – em especial a TV - facilitam a circulação ‘das paisagens’, da

natureza sacralizada para ser observada (embora se diga que é para ser vivida). Cria-se e

(re)cria-se a ‘sacralização da natureza’ , ou sacralização da história, materializada no

espaço, como espaço privilegiado do turismo.

E o marketing turístico encarrega pela ‘sacralização da natureza’ através da transformação

dos objetos naturais ou artificiais em atrativo turístico, simulando território para o turismo,

inventando vocações para as localidades. Se por um lado o marketing turístico divulga a

paisagem natural como potencialidade para o desenvolvimento turístico, a cultura como

valor patrimonial, não compõe ainda o cenário a ser explorado.Nessa construção

imagética o Homem é apenas uma abstração, sendo raramente inserido neste cenário.

Com o objetivo de dar maior visibilidade ao Estado de Mato Grosso, o poder público

através da SDTUR(Secretaria de Desenvolvimento do Turismo do Estado de Mato

Grosso) no ano de 2000 inicia-se uma política de divulgação através do slogan:Mato

Grosso:quatro estações, quatro regiões, mil emoções!

O marketing turístico traz implícita e explicita a assertiva da ‘venda de paisagens’ ao

atribuir ás potencialidades naturais do Estado de Mato Grosso como o principal produto a

ser formatado e comercializado no mercado internacional e nacional.

A estratégia para a inserção do Estado no mercado turístico nacional e internacional

consistia nas seguintes diretrizes: elaboração do Plano estratégico de Desenvolvimento

Turístico Sustentável, preparação de infra-estrutura, capacitação de mão de obra e

conscientização turística, descentralização e municipalização das ações do governo,

implementação de um programa de qualidade do produto turístico de Mato Grosso,

desenvolvimento de uma estratégia de marketing internacional nos idiomas: português,

inglês e espanhol, apoiada em avançadas ferramentas como: moderno site com todas as

informações sobre potencialidades naturais, culturais, bem como todas as informações de 27 ALMEIDA, M. G. (1998) “Cultura- invenção e construção do objeto turística.” Espaço aberto 3 – Turismo e Formação Profissional. AGB/ Seção Fortaleza/CE, pp. 19 28 SDTUR. Mato Grosso: Quatro estações, quatro regiões, mil emoções.Cuiabá, 2000.

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infra-estrutura e serviços, Cd-Rom, vídeos, diversos tipos de folders (revista, bolso),

Cartazes (geral e regionais), Shell folders, shell letter, mapa turístico do Estado e da

capital, a criação de uma nova logomarca e novo slogan.

E através de um discurso homogeneizador o poder público (re)elabora a sua estratégia de

desenvolvimento e crescimento priorizando a modalidade denominada de “ecoturismo30” e

internalizando a idéia do “turismo sustentável31” como condição sine qua non para atrair

divisas e fomentar a atividade no estado de Mato Grosso.

É como demonstra Furlan32 (2003), que o para o governo o “ecoturismo” tem sido visto

como uma modalidade de turismo estratégica e ‘salvadora’ para as possíveis alternativas

econômicas em áreas não incorporadas pelo turismo de massa. A autora pondera também

que do lado dos setores produtivos a “re-descoberta da natureza intocada” tem identificado

uma essa mercadoria valiosa incentivando investimentos nesse setor.

Apesar das inúmeras criticas e da inconsistência conceitual do que consistiria um

‘turismo sustentável’ em sua prática, o termo ‘desenvolvimento sustentado33’ foi

incorporado no discurso da atividade turística a partir dos ecos da discussão dos

problemas ambientais nos anos 80 decorrentes da atividade turística. Inúmeras críticas são

realizadas ao turismo de massa e à saturação dos roteiros associados á degradação

ambiental, e que tendo nos atrativos naturais sua principal mercadoria, passa a ganhar

importância crescentes no âmbito mundial e com isto, novas áreas começam não só a

integrar esta modalidade de turismo como também – através do marketing feito em torno

da beleza de suas paisagens naturais passam a se tornar ponto de convergência de um

fluxo crescente de turistas, com o qual não contavam até então. 29 RODRIGUES, A M.Op.cit.p.p.55 e 62 30 Analisando a literatura e os discursos à cerca do ecoturismo, percebe-se que existe uma grande confusão conceitual no que diz respeito a essa modalidade de turismo.O ecoturismo, além de comumente confundido com o turismo ecológico, turismo verde ou de natureza, está, até o momento, circunscrito a poucos casos, levando em conta que as nossas áreas de conservação e de proteção ambiental não dispõem de uma política integrada e de um planejamento estratégico de uso e ocupação voltados especificamente para o turismo. 31 O conceito de Ecodesenvolvimento foi sendo apropriado pelo discurso do desenvolvimento Sustentável na década de 70, e aparece nos relatórios nos Relatórios, no ano de 1987, da União Internacioanal para a Concervação da Natureza (IUCN) sendo posteriormente popularizado pelo chamado Relatório Brutland. O desenvolvimento sustentável , apesar das inúmeras controvérsias, é um conceito aparentemente indispensável presente nos discursos dos diversos segmentos da sociedade e nas políticas do desenvolvimento no final deste século. 32Furlan,S,A.(2000) Ecoturismo: do sujeito ecológico ao consumidor.(pp48) In:RODRIGUES,A B.(Org) Ecoturismo no Brasil:possibilidades e limites. São Paulo:contexto. 33Ao emergir na história recente com uma ótica preservacionista, o ambientalismo contemporâneo protegeu ecossistemas naturais e tomou, mais uma vez, a natureza como externalidade. Por outro lado, ao reinventar a natureza como paisagem

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Nessa perspectiva, o “ecoturismo” constitui uma tentativa de inserir o turismo no modelo

de desenvolvimento sustentável. A proposta ecoturistica consiste possibilitar o contato

dos indivíduos com os espaços naturais de modo a garantir a sustentabilidade econômica e

ecológica.

Nessa perspectiva, a Embratur adota o conceito de “ecoturismo” como um segmento da

atividade turística que utiliza forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva

sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da

interpretação do meio ambiente, promovendo o bem estar das populações.

Analisando as premissas conceituais do “ecoturismo”, Mendonça & Ziermen(2002)34,

ponderam que o “ecoturismo” não contém um fim em si, não existe para desenvolver-se a

si mesmo, mas sim possibilitar a inserção destas regiões que, em vias de regra foram

afastadas do desenvolvimento regional. Outra critica realizada pelos autores consiste na

idéia de que a promoção do bem estar social das populações compreende-se sua

integração ao processo de desenvolvimento econômico sem corromper suas características

culturais mais profundas, pois são eles os verdadeiros conhecedores das formas de

sustentabilidades específicas daqueles ambientes.

Ao analisar as formulações discursivas a respeito do desenvolvimento sustentável nas

atividades turísticas, Luchiari (2000)35 ressalta que, o seu conceito é, antes de tudo, um

instrumento político e, nesse sentido, funciona como uma panacéia para garantir a

exploração econômica ao longo do tempo e ou escala planetária.

Na prática, no entanto, o “ecoturismo” se transformou em mais uma resposta do setor

produtivo e ás pressões sociais pela conservação ambiental do que possuir uma ideologia

conservacionista. O ecoturismo mascarado pelo discurso ambientalista do “retorno á

natureza”, emerge como uma resposta a uma nova tendência do mercado, com todas as

características que lhes são próprias: uma base econômica, a competitividade, a

supervalorização da satisfação do cliente, o poder de sedução ou atração desse cliente

visando o lucro.

valorizada, abriu caminho para a (re)incorporação da natureza á sociedade, reproduzindo sua estrutura perversa de estratificação social. Luchiari. T.P. Op. Cit. pp.9 e 10

34 MENDONÇA, R. ; NEIMAN, Z. (2003) Ecoturismo: discurso, desejo e realidade.(pp168) In: NEIMAN, Z. Meio Ambiente, Educação e Ecoturismo. Barueri, SP: Manole, 35 LUCHIARI,T. (2000) Urbanização turística: um novo nexo entre o lugar e o Mundo.(pp119) In. SERRANO, C.; BRUHNS, H. T.; LUCHIARI, M. T. D. P. (orgs) Olhares contemporâneos sobre o turismo. Campinas, SP: Papirus.

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Desse modo, ocultado pelas formulações discursivas do “turismo sustentável” através da

modalidade do “ecoturismo”, o setor público-privado investe em um novo nicho do

mercado e passa a realizar a comercialização da natureza. Os fatores sócioculturais e

ecológicos foram incorporados ás políticas econômicas, socializados no imaginário

coletivo e absorvidas ao próprio mercado que passou a vender bem “rotulados como

ecológicos.”

Nesta perspectiva, os empreendedores privados buscam adquirir know-how e

financiamentos necessários para implantar e operar empreendimentos e roteiros

ecoturísticos competitivos internacionalmente e atentos ás expectativas desses “novos

consumidores”. Para as destinações turísticas e investidores do setor, o “ecoturismo” é

altamente rentável, possui como diferencial absorver um pequeno número de turistas e

principalmente porque atinge um público consumidor que pode pagar preços exorbitantes

pelos serviços e roteiros oferecidos com o rótulo do “exótico”, “pitoresco” ou mesmo

“primitivo”.Para Rodrigues(2000)36, o ecoturismo nasce nesse contexto mítico, como

produto para ser comercializado, na venda de esteriótipos, imagens, rótulos, como o

objetivo concreto e explicito da captação de nichos de demandas diferenciados, que

busquem modalidades alternativas de turismo.

Nesse contexto, inúmeros investidores do setor e operadoras de viagem estão

apropriando do discurso do “ecoturismo” mais como um viés para ampliarem os seus

investimentos, do que possuírem de fato, práticas ambientalmente éticas em relação ao

meio ambiente natural e cultural, ou seja, fortalecendo assim, o mercado das empresas da

“ecorrotulagem”.37

No espaço Norte mato-grossense onde a atividade turística é marcada pela modalidade

do “ecoturismo” até o momento, não dispõem de uma política integrada e de planejamento

estratégico de uso voltado especificamente para o turismo. Tal proposta consiste apenas

nas formulações discursivas do setor público para captar recursos ou pelos investidores

privados para atrair novos consumidores do espaço e capitalizar seus investimentos. 36 Rodrigues, A . B. Turismo Eco-Rural: Interfaces Entre o Ecoturismo e o Turismo Rural.In: ALMEIDA, J. A . RIED, M. (Orgs) Turismo Rural e Desenvolvimento Sustentável. Campinas, SP: Papiarus, pp.115 –117. 37 Nesse sentido, o termo ecoturismo teve sua abrangência e tem sido empregado como rótulo da indústria para conquistar uma porcentagem maior do mercado do turismo através do discurso do “retorno á natureza”. De acordo com Iverson (1997) nesta perspectiva o ecoturismo foi modificado, reembalado e produzido para atender esse novo nicho do mercado e as praticas duvidosas de empresas que atuam com o rótulo de “ecoturismo”. A deturpação do ecoturismo por

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Os poucos investidores do setor denominado de “ecoturismo”, preferem

empreendimentos de baixo custo inicial e rápida amortização, que sejam rentáveis em

curto prazo e não causem grandes prejuízos caso fiquem inviabilizados por mudanças

políticas ou pela degradação ambiental dos atrativos. Isso resulta em instalações precárias,

produtos de baixa qualidade e operadores descomprometidos com o futuro da região.

A atividade de exploração do turismo é pautada no uso dos recursos naturais visando sua

exploração imediatista e marcada pela ausência de medidas efetivas de proteção

ambiental, comprometendo assim os atrativos naturais.A atividade praticada tem

apresentado danos ambientais, tendo por conseqüência, a descaracterização da paisagem

natural e a destruição de patrimônios culturais. Ocorrendo o risco, portanto, de

sobrecarregar rapidamente as regiões naturais, em vez de contribuir para sua conservação.

O pólo “ecoturístico” Norte mato-grossense – de predomínio do ecossistema amazônico

– possui atrativos naturais/culturais em abundância, mas poucos produtos

‘ecoturísticos38’. A Amazônia legal tem Unidades de conservação legalmente criadas, mas

ainda carentes de efetiva implantação, na maioria dos casos, onde os atrativos naturais

estejam adequadamente protegidos e onde exista um manejo e infraestrutura específico

para o “ecoturismo”. A maior parte dos empreendimentos denominados de “ecoturistas”

da região oferece produtos mal concebidos e roteiros aquém das perspectivas de um

‘turismo sustentável’. Outro fato que deve ser levando em consideração é que, na

Amazônia os investidores interessados em turismo evitam a região, devido aos riscos

associados a investimentos de longa amortização. Esses riscos resultam principalmente da

instabilidade normativa, com freqüentes mudanças nas regras de financiamento e

licenciamento de empreendimentos.

As políticas públicas do turismo como instrumento de construção do objeto turístico:

De acordo com Cruz(2000)39 uma política pública do turismo pode ser entendida como

um conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e /ou ações deliberadas, no

operadoras que, estão ‘engajadas no verdadeiro ecotruismo’ só de forma muito superficial. Adaptamos a terminologia utilizada por Iverson(1997) apud Fennel. In; Ecoturismo: Uma introdução. São Paulo: contexto, 2003. 38 Produtos turísticos são atrativos naturais dotados da infraestrutura receptiva, interpretação, guias, roteiros etc. necessários para realizar a visitação á localidade. 39 CRUZ , R. Op. Cit. p.40

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âmbito do poder público, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou de dar

continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado território. O modo

como se dá a apropriação de uma determinada parte do espaço geográfico pelo turismo

depende da política pública de turismo que se leva a cabo no lugar. Á política pública do

turismo cabe o estabelecimento de metas e diretrizes que orientem o desenvolvimento

socioespacial da atividade, tanto no que tange á esfera pública como no que se refere á

esfera á iniciativa privada.

Em Mato Grosso como o objetivo de incentivar e viabilizar a atividade turística,

notadamente a modalidade do “ecoturismo”, o poder público vem implementado alguns

programas regionais, como por exemplo: o Proecotur e o BID Pantanal. No entanto, tais

programas merecem serem cuidadosamente analisados para melhor compreensão de como

vem correndo a territorialização da atividade turística e a sua configuração espacial

decorrente de tais políticas.

De acordo com a Embratur/ MMA, o Proecotur é um programa de planejamento

estratégico e investimentos visando o desenvolvimento do “ecoturismo” na Amazônia

brasileira. O programa é co-financiado pelo governo brasileiro e pelo Banco Inter-

Americano de Desenvolvimento – BID, e executado pelo Ministério do Meio Ambiente

em parceria com os noves Estados da Amazônia Legal, entre eles o Estado de Mato

Grosso.

O novo modelo de desenvolvimento definido pela política nacional Integrada para a

Amazônia Legal (PNIAL) tem como objetivo final “a elevação da qualidade de vida das

suas populações, mediante o crescimento econômico sustentável, o pleno aproveitamento

das potencialidades naturais e culturais e a internalização e melhor distribuição da

riqueza. A efetivação desse objetivo pressupõe uma nova estratégia de desenvolvimento

centrada no respeito á natureza. A respeito á diversidade interna, á articulação das

dimensões econômica, social e ambiental e á redução dos conflitos e desigualdades

regionais”.

Dentro dessa nova dinâmica espacial a oferta de destinos ecoturísticos depende,

essencialmente, da existência de áreas de elevado valor ecológico e cultural e da maneira

como essas áreas são geridas. Nesse sentido, a Amazônia brasileira apresenta uma enorme

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vantagem competitiva sobre os destinos concorrentes. O “ecoturismo” é uma importante

alternativa de desenvolvimento econômico sustentável utilizando racionalmente os

recursos naturais sem comprometer a sua capacidade de renovação e sua conservação.

Diante da problemática apresentada a EMBRATUR lança para implementar o turismo na

Amazônia o PROECOTUR 40 O objetivo do PROECOTUR é viabilizar o

desenvolvimento do turismo na Amazônia Legal e principalmente do “ecoturismo”, como

base para o desenvolvimento sustentável da região. Esse objetivo será atingido mediante

os seguintes objetivos específicos:

1. Proteger e desenvolver os atrativos turísticos da região, por meio de medidas como

implantação de áreas protegidas com manejo específico para o ecoturismo;

2. Criar um ambiente de estabilidade para investimentos em empreendimentos de

ecoturismo mediante a definição de políticas e normas e o fortalecimento dos órgãos de

gestão ambiental e desenvolvimento turístico estadual e regional: viabilizar e atrair

investimentos privados para o setor turístico na região; maximizar a competitividade e

eficiência econômica do setor e minimizar seu ônus sobre o setor público, mediante o

aproveitamento de forças do mercado; garantir a permanente sustentabilidade econômica

no setor; maximizar os benefícios sociais e ambientais gerados pelo desenvolvimento do

setor; Grifos nossos.

3. Viabilizar operacionalmente empreendimentos de ecoturismo por meio da realização

de estudos de mercado, da identificação, desenvolvimento e adaptação á região de

tecnologias para geração de energia, tratamento de efluentes etc. e da disponibilização dos

resultados para investimentos privados através da elaboração do plano de manejo, cujos

objetivos serão:

Implementar infraestrutura necessária para transformar seus atrativos naturais em

produtos ecoturísticos de nível internacional;

garantir a proteção a longo prazo desses atrativos e de seu contexto ecológico e

paisagístico, garantindo, assim, a competitividade internacional do pólo e a sua viabilidade

a longo prazo e empreendimentos instalados em função de seus atrativos;

40MMA/ SCA/ PROECOTUR. Elaboração de uma estratégia Amazônica de Turismo Sustentável: PROECOTUR.

Julho:1999. O documento foi copiado na íntegra e os grifos e análise realizada pela autora.

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garantir a proteção a viabilidade ecológica dos ecossistemas terrestres e fluviais que

são o principal atrativo da Amazônia Legal – a reputação das áreas protegidas onde a

natureza recebe proteção efetiva é fundamental para a sua competividade como destinos

turísticos e para a imagem internacional da região como um todo;

viabilizar a implantação de empreendimentos de ecoturismo em terras públicas dentro

das áreas protegidas, por meio de concessões, criando oportunidades para

empreendimentos ecoturísticos complementares e de portes variados, que viabilizem,

principalmente, a participação de empresários locais;

viabilizar a visitação dos atrativos naturais das áreas protegidas por parte dos

visitantes hospedados em seu entorno; minimizar o ônus imposto ao setor público pela

administração das áreas protegidas mediante mecanismos de co-gestão que dividam esse

ônus com o setor privado e, principalmente, com empreendimentos ecoturísticos

beneficiados pelas mesmas.

4. Viabilizar financeiramente novos empreendimentos de ecoturismo mediante a

implantação de linhas de credito específicas para o setor.

5. Melhorar ou implantar a infra-estrutura básica necessária para viabilizar o aumento do

fluxo turístico para a Amazônia Legal.

A proposta do Proecotur deverá romper os paradigmas tradicionais de projetos de

desenvolvimento regional por meio de:

Apropriação dos recursos naturais da Amazônia pela sociedade, para o seu uso

econômico indireto, viabilizando ao mesmo tempo a proteção dos ecossistemas e sua

inserção no contexto econômico regional;

Parceria entre a sociedade civil, o setor privado e o setor público, mediante estratégias

de implementação, nas quais todos os parceiros deverão contribuir para alcançar objetivos

comuns;

Direcionamento das forças de mercado e de recursos privados, mediante

regulamentações e investimentos estratégicos, para alcançar os objetivos econômicos,

sociais e ambientais de interesse público;

Redefinição do papel do Estado como agente de fomento ao desenvolvimento

substituindo investimentos pesados em infraestrutura física por investimentos privados por

meio de concessões de exploração de infraestrutura. A infraestrutura necessária para a

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viabilização do Proecotur será implantada utilizando o capital privado e será operado de

forma eficiente, sem onerar o estado.

O marketing de destino é uma ação regional para apresentar a Amazônia Brasileira como

um local competitivo no mercado ecoturístico em níveis nacional e internacional. No

contexto do Proecotur, o objetivo do marketing é o de associar o destino da Amazônia

brasileira a uma imagem de natureza conservada e protegida, com produtos ecoturísticos

de padrão internacional oferecendo ótimas oportunidades para investimentos em longo

prazo no setor oferecendo aos visitantes uma experiência única, segura, confortável, com

serviços prestados adequadamente por profissionais altamente qualificados.

O esforço em níveis governamental regional e nacional, de criar e divulgar essa imagem

internacionalmente não se limita a ‘produzir uma imagem’ mas, sobretudo, por meio de

parcerias com o setor privado, manter e monitorar os pólos ecoturísticos para o seu bom

funcionamento contribua para a valorização da Amazônia como um todo, reforçando a

imagem criada. Nessa perspectiva, os operadores e prestadores de serviço nos respectivos

pólos, por sua vez, terão o interesse em manter essa imagem, pois dela dependerá o

sucesso de seus negócios.

Nesse aspecto, torna-se relevante as considerações de Luchirai41 (2002 quando pondera

que as modalidades de turismo de natureza que, aparentemente, estão mais próximas de

uma concepção de turismo sustentável, são limitados pelas estratégias de mercado, pelas

políticas públicas que tornam a natureza como mercadoria, valorizada pelo turismo

internacional e pelas práticas sociais.

A construção imagética do espaço Mato-grossense ganha nesse contexto uma dimensão

sócio-econômica estratégica para assegurar uma posição competitiva na divisão espacial

do consumo “ecoturístico”, assim como os demais “pólos ecoturísticos” cartografados,

pela política turística nacional e interesses hegemônicos internacionais.

Para não concluir:

As propostas políticas elaboradas para a implementação da atividade turística através do

”ecoturismo” estão implícitas a idéia de adaptação dessa nova modalidade a uma

41 LUCHIARI, T, M, P, Op. Cit.,pp,20

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tendência de mercado emergente. Mascaradas por um conjunto de formulações discursivas

pautadas no “desenvolvimento sustentável”, o poder público elabora políticas setoriais

através da realização de projetos e programas com o objetivo de viabilizar o

desenvolvimento da atividade econômica, através de medidas concencionais do mercado

relacionada ao marketing, á promoção, aos incentivos fiscais, ás acomodações e ao

transporte. Tais políticas de planejamento e gestão estão implícitas a idéia da “formatação

dos produtos ecoturísticos” para atender as exigências de uma nova ordem global do

capital internacional. Desse modo, torna-se evidente o aspecto político no que diz respeito

à transformação da paisagem em mercadoria e suas inúmeras estratégias para inseri-la no

mercado consumidor internacional.

Portanto, nas atividades turísticas, deve reconhecer que a base da atividade está

fundamentada no meio ambiente e que os recursos naturais são limitados. Torna-se mister

reconhecer que a base da atividade turística deverá ser baseada no uso racional dos

recursos naturais do meio ambiente, da valorização da comunidade local, do tratamento

ético dos empregados que compõe o Trade turístico. Nessa perspectiva é que os custos

socioculturais do desenvolvimento do turismo devem ser considerados.

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