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1 Introdução à História do Mobiliário Mais do que simples objetos que integram a decoração, ou refletem preferências e estilos, os móveis podem servir como narrativas de períodos, movimentos, sociedades; podem nos contar um pouco a história de reis e rainhas, indicando questões como status e poder. Sua importância no cotidiano é grande, e podemos pensar a história do mobiliário sob diversos aspectos. Este olhar sobre o móvel é apresentado por Lucie- Smith, na introdução da obra Furniture: a concise history (1997), da qual foi retirado o texto abaixo. Os Significados do Móvel O móvel ocupa um lugar curiosamente ambíguo entre os artefatos humanos. Estritamente falando, ele não é necessário para a existência humana; e algumas culturas, mais especialmente aquelas nômades, parecem viver suficientemente bem sem móveis. Por causa de seu volume, os móveis implicam numa existência sedentária. De fato, em certo sentido, os móveis são inseparáveis da arquitetura. Mas a posse de artigos de mobiliário implica de todo modo, num nível de cultura de alguma forma acima do nível de subsistência, assim como implica no abandono de hábitos e posturas animais. Nesse sentido, os móveis de assento são os mais significativos, desde o uso de um banco ou de uma cadeira para sentar-se depende de que o usuário tenha sido educado por seu ambiente cultural. Por outro lado, isso não significa falar de superioridade cultural. O banco ou a cadeira têm uma longa e contínua história na Europa Ocidental e no Oriente Próximo, mas são diferentemente exóticos na Índia e não são universalmente empregados na China e no Japão. Se considerarmos de modo mais amplo a questão, parece que o mobiliário pode ser pensado, em diferentes períodos da história, sob quatro ângulos diferentes. O primeiro é óbvio: pode-se pensar nos móveis em termos de função, e essas funções práticas são, de fato, comparativamente, poucas. Algumas pessoas se sentam num móvel (bancos, poltronas ou cadeiras); outras colocam coisas nele (mesas e estantes), reclinam e dormem (camas e sofás); ou usam para guardar coisas (armários e guarda- roupas). Essas funções são muitas vezes combinadas, mas de modo mais freqüente ocorre uma refinada diferenciação entre as categorias de móveis, de modo que cada peça adquire sua forma definitiva através de sua designação para uma única, específica e altamente especializada necessidade. O segundo ângulo representa um aspecto sobre o qual os historiadores do mobiliário estão agora mais conscientes: os móveis desempenham um papel muito importante como indicadores de uma posição social. Aquele que ocupa a mais alta posição na hierarquia social tem enfatizado seu papel particular, sendo que as questões de conveniência ou conforto são freqüentemente deixadas de lado. De fato, os móveis são apenas um pouco menos importantes que a roupa e os adornos pessoais como meios de transmitir um significado de posição social.

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1 Introdução à História do Mobiliário

Mais do que simples objetos que integram a decoração, ou refletem preferências e estilos, os móveis podem servir como narrativas de períodos, movimentos, sociedades; podem nos contar um pouco a história de reis e rainhas, indicando questões como status e poder. Sua importância no cotidiano é grande, e podemos pensar a história do mobiliário sob diversos aspectos. Este olhar sobre o móvel é apresentado por Lucie-Smith, na introdução da obra Furniture: a concise history (1997), da qual foi retirado o texto abaixo. Os Significados do Móvel

O móvel ocupa um lugar curiosamente ambíguo entre os artefatos humanos. Estritamente falando, ele não é necessário para a existência humana; e algumas culturas, mais especialmente aquelas nômades, parecem viver suficientemente bem sem móveis. Por causa de seu volume, os móveis implicam numa existência sedentária. De fato, em certo sentido, os móveis são inseparáveis da arquitetura. Mas a posse de artigos de mobiliário implica de todo modo, num nível de cultura de alguma forma acima do nível de subsistência, assim como implica no abandono de hábitos e posturas animais. Nesse sentido, os móveis de assento são os mais significativos, desde o uso de um banco ou de uma cadeira para sentar-se depende de que o usuário tenha sido educado por seu ambiente cultural. Por outro lado, isso não significa falar de superioridade cultural. O banco ou a cadeira têm uma longa e contínua história na Europa Ocidental e no Oriente Próximo, mas são diferentemente exóticos na Índia e não são universalmente empregados na China e no Japão. Se considerarmos de modo mais amplo a questão, parece que o mobiliário pode ser pensado, em diferentes períodos da história, sob quatro ângulos diferentes.

O primeiro é óbvio: pode-se pensar nos móveis em termos de função, e essas funções práticas são, de fato, comparativamente, poucas. Algumas pessoas se sentam num móvel (bancos, poltronas ou cadeiras); outras colocam coisas nele (mesas e estantes), reclinam e dormem (camas e sofás); ou usam para guardar coisas (armários e guarda-roupas). Essas funções são muitas vezes combinadas, mas de modo mais freqüente ocorre uma refinada diferenciação entre as categorias de móveis, de modo que cada peça adquire sua forma definitiva através de sua designação para uma única, específica e altamente especializada necessidade.

O segundo ângulo representa um aspecto sobre o qual os historiadores do mobiliário estão agora mais conscientes: os móveis desempenham um papel muito importante como indicadores de uma posição social. Aquele que ocupa a mais alta posição na hierarquia social tem enfatizado seu papel particular, sendo que as questões de conveniência ou conforto são freqüentemente deixadas de lado. De fato, os móveis são apenas um pouco menos importantes que a roupa e os adornos pessoais como meios de transmitir um significado de posição social.

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O terceiro método de abordagem do mobiliário é o aspecto tecnológico. Mas, enquanto esse método oferece uma boa medida do progresso tecnológico, especialmente nos séculos dezenove e vinte, certas coisas devem ser levadas em conta. Uma delas é que os móveis, até há bem pouco tempo, eram artefatos artesanais mais do que industriais, e a tecnologia concernente aos móveis era mais uma questão de habilidade com a qual um material em particular era trabalhado, por exemplo, a madeira. Não houve, de maneira nenhuma, uma progressão contínua a esse respeito. Os móveis encontrados na tumba de Tutankhamon, por exemplo, são do ponto de vista da habilidade artesanal, mais refinados do que qualquer outra coisa produzida na Europa desde o início da Idade Média até a metade do século dezoito.

Os materiais atuais usados em mobiliário, os tipos de madeira, etc., contam-nos sem dúvida claramente certas coisas. No entanto, é possível dizer que a real revolução tecnológica atingiu a fabricação de móveis apenas recentemente e ainda está acontecendo. As técnicas de fabricação de móveis e os materiais considerados adequados mudaram mais drasticamente nos últimos sessenta anos do que nos seis séculos anteriores. Por isso uma história do mobiliário baseada sobre a evolução técnica seria mais conveniente para o estudo dos móveis a partir do século vinte.

O quarto ângulo a partir do qual se pode observar o mobiliário se baseia no fato de que os móveis são usados para constituir um espaço puramente pessoal e subjetivo, onde um indivíduo escolheu viver. Os móveis obedecem tanto à fantasia quanto são respostas para as necessidades cotidianas. A noção completa de interior doméstico como o cenário de uma peça que representamos enquanto vivemos, e, portanto, de que os móveis são peças que compõem uma colagem tridimensional constantemente e caprichosamente alterada, é propagada hoje em qualquer loja de decoração.

O estudo do mobiliário, que nasceu do interesse dos antiquaristas do século dezenove, foi desde então confundido com a obsessão pelo antigo. A história do mobiliário tem pouco a ver com as questões de identificação e autenticidade. Ela tenta, ao contrário, mostrar como os móveis têm relação com o desenvolvimento geral das sociedades e também com a psicologia individual.

Para compreender o mobiliário do passado é essencial considerar não apenas o tipo de significado que cada móvel ocupa isoladamente para aqueles que o compraram ou o encomendaram, mas também a questão do arranjo dos móveis como um todo. A questão do arranjo dos móveis entre si é um tema sobre o qual os historiadores do assunto têm também dedicado uma atenção cada vez maior, e o resultado tem sido não apenas a publicação de livros fascinantes, mas também a recriação de espaços em museus.

(Tradução adaptada de LUCIE-SMITH, Edward. Furniture: a concise history. London: Thames & Hudson,1997.)

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Art Nouveau

O Art Nouveau (Arte Nova) surgiu na França, por volta de 1880. Inspirado nos ideais do Arts and Crafts, o movimento reuniu artistas, arquitetos e designers em diferentes países, sob uma mesma unidade formal. Considerado por muitos críticos o primeiro estilo internacional moderno, porque suas propostas não pretendiam revalorizar estilos passados, mas criar algo realmente novo que traduzisse o clima da época, de efervescência cultural e inovações tecnológicas.

A loja do comerciante e colecionador Sigfried Bing, chamada L’art Nouveau, aberta em 1895 em Paris, contribuiu para o novo estilo decorativo, que se popularizou em vários países, com denominações locais, como o Jugendstil na Alemanha, Liberty na Itália, Sezession ou Secessão na Áustria.

Paul Hankar - entrada do New England, Bruxelas, 1900. Victor Horta - interior do Hotel Tassel, Bruxelas,

1893.

Sala de jantar de Eugene Vallin

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Canapé com influência do estilo Luís XV, 1900.

Secretária de Louis Majorelle, em mogno, 1900.

Secretária de Henri van de Velde - fabricada em nogueira,puxadores de latão, 1897.

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Cadeira em mogno com incrustações de madrepérola e nas costas apresenta motivos florais (1902)

Escrivaninha em mogno com pernas delgadas que formam um conjunto elegante (1902)

Móveis de Michael Thonet.

O Art Nouveau possui duas correntes dentro do mesmo estilo: uma mais orgânica e outra mais geométrica. A primeira corrente caracteriza-se por curvas assimétricas, motivos decorativos florais ou botânicos, representação de animais/insetos tais como a libélula, a borboleta, o cisne ou o pavão. Já a segunda corrente caracteriza-se por formas geométricas estilizadas e contornos mais contidos. Segundo Cardoso (2004), as duas correntes representariam, de um lado, a suavização da estética mecânica e da própria sociedade industrial mecanizada do início da industrialização; do outro, uma antecipação da geometria e linhas retas do modernismo, numa aceitação da estética mecânica. O movimento Art Nouveau produziu os mais variados artigos: cartazes, jóias, objetos decorativos, luminárias, mobiliário, arquitetura e obras urbanísticas. Os materiais utilizados eram industrializáveis, tais como o ferro, o vidro, além de novas técnicas de fabricação, como o método de curvar e moldar madeira, desenvolvido por Michel Thonet.

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Henry Van de Velde, cadeira de 1895 para a Casa Bloemenwurf e poltrona de 1898.

Criações de Charles Rennie Mackintosh.

Divã Argyle, de Mackintosh.

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Móvel na primeira metade do século XX

Breve contexto histórico e cultural

Nas primeiras décadas do século XX, as discussões do design voltam-se para a questão da produção em série, dos materiais industriais, das possibilidades de produzir artigos antes restritos ao mercado de luxo e a percepção de uma sociedade em transformação. O design, nestes primeiros anos do século XX, mantém um diálogo com as vanguardas da arte moderna (Cubismo, Futurismo, De Stijl, Construtivismo, Surrealismo, Dadaísmo) que exercem influências mais significativas no design gráfico, mas que de algum modo influenciam o design de produtos, interiores e arquitetura. É nesta época conturbada que acontece a Primeira Guerra Mundial e também a ascensão do nacionalismo, de regimes totalitários e novas doutrinas. Nas primeiras décadas do século XX nascem os ideais modernos pautados pelo progresso tecnológico e científico. É neste período que aumenta a produção industrial e o consumo entre as várias classes, sobretudo pela implantação de um novo sistema fabril: a linha de montagem, adotada por Henry Ford. O trabalho, a fábrica e o tempo tornam-se assuntos da engenharia, da economia e até da chamada economia doméstica, que era a aplicação dos estudos sobre trabalho e tempo nas fábricas, aplicados ao ambiente doméstico. De Stijl (Neoplasticismo) O movimento De Stijl, também chamado Neoplasticismo, defendia a “utopia estética e social, a produção orientada para o futuro” (BÜRDEK, 2006, p. 27). Os principais integrantes eram Theo van Doesburg, teórico do movimento, Piet Mondrian e Gerrit T. Rietveld. O De Stijl tinha como características a adição de linhas horizontais e verticais, e cores primárias, além do branco, preto e cinza. A “estética de redução” do grupo, como foi chamada por Bürdek (2006), também está presente na Bauhaus e nas propostas dos Construtivistas Russos. Esta redução pode ser compreendida como a simplificação de formas e linhas, buscando meios formais simples, associados à estética da máquina, adotada no início do século XX como símbolo do modernismo atribuído aquele período. No mobiliário, fundamental foi a contribuição do arquiteto e marceneiro Gerrit Thomas Rietveld. Ele uniu-se ao grupo em 1917 e ajudou a promover os princípios De Stijl por meio da expressão de conceitos em três dimensões. Entre suas principais obras, destacam-se a Casa Schroeder, melhor expressão da arquitetura neoplástica, e a cadeira Red and Blue (1917), com elementos articulados e organização espacial aberta.

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Gerrit Thomas Rietveld

Gerrit Thomas Rietveld

Gerrit Thomas Rietveld.Cadeira Beugelstoel(1927);Cadeira Crate(1934);Cadeira Zig

Gerrit Thomas Rietveld. Casa Schroeder, Ultrecht, Holanda (1924).

Gerrit Thomas Rietveld. Cadeira Red/Blue (1918-1923)

Cadeira Beugelstoel(1927);Cadeira Crate(1934);Cadeira Zig

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, Holanda (1924).

Cadeira Beugelstoel(1927);Cadeira Crate(1934);Cadeira Zig-Zag(1932-1934).

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Gerrit Thomas Rietveld. Aparador (1919)

Bauhaus (Alemanha, 1919-1933)

A Bauhaus nasceu como uma escola de design, pensada como uma instituição interdisciplinar, que funcionasse como uma consultoria para a indústria, comércio e ofícios (FIELL, 2005). Criada na cidade de Weimar, na Alemanha, Bauhaus significa casa em construção. A escola tornou-se uma espécie de mito na história do design, por defender uma formação singular e uma visão do design como transformador da sociedade. A escola passou por mudanças em seus anos de funcionamento, com cidades, diretores e professores diversos. Os ideais que formaram a Bauhaus eram também divergentes, o que possibilitou uma concepção interdisciplinar. A escola possuía um curso preliminar, que ensinava os princípios básicos do design e da teoria da cor e forma; e as oficinas, para as quais os alunos dirigiam-se após cursar um ano do curso preliminar. Essas oficinas ofereciam formação com metais, mobiliário, tecidos, tapeçaria, fotografia, tipografia, etc. Em seus primeiros anos, na cidade de Weimar, a escola reuniu no corpo docente vários artistas expressionistas, tais como Lyonel Feininger, Wassily Kandisnky, Paul Klee, Georg Muche e Oskar Schlemmer. Johannes Itten teve um papel fundamental neste começo, ministrando aulas de teoria da forma, história da arte, baseado no estímulo à criatividade individual do aluno, com uma metodologia singular chamada de “intuição e método” (FIELL, 2005, p.87). Em 1923 foi realizada uma exposição com a produção da Bauhaus e também contava com obras e produtos de artistas ligados ao Neoplasticismo (De Stijl) e ao Construtivismo, que exerceram grande influência sobre a Bauhaus.

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Marcel Breuer. Cadeira Lattenstuhl, feita na oficina de mobiliário da Bauhaus (1922-1924).

Marcel Breuer. Cadeira Wassily, Bauhaus, Dessau(1926).

Marcel Breuer. Mesas de centro em aço tubular (1925-1926).

A segunda fase da escola, de 1925 a 1928, é marcada por mudanças no corpo docente e na direção. Walter Gropius é substituído por Hannes Meyer; arquiteto com uma visão mais científica e racional, com fortes aspirações políticas. Meyer introduziu aulas de economia, psicologia e marxismo na Bauhaus. A sede da escola passa a ser em na cidade de Dessau e os professores recebem moradias próximas localizadas próximas à escola, com uma arquitetura funcional que viria a influenciar a arquitetura funcionalista posteriormente. Nesta segunda fase, Josef Albers e László Moholy-Nagy substituem Johannes Itten e conferem uma abordagem mais industrial à escola, realizando visitas às fábricas locais. A escola passa a ser chamada de Instituto de design (Hochschule fur Gestaltung).

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A sede da escola em Dessau (fachada).

A sede da escola em Dessau (interior).

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A sede da escola em Dessau (interior de auditório).

A partir de 1930, a escola passa por mais transformações, desta vez com a direção do arquiteto Mies van der Rohe, que adotou o método Bau und Ausbau, isto é, construção e desenvolvimento (FIELL, 2005), com ênfase na arquitetura. Como a Bauhaus possuía forte inclinação marxista, já sofria perseguição por parte do partido nacional-socialista que havia chegado ao poder e tentava fechar a escola. Mies van der Rohe tentou manter a escola em funcionamento como instituição privada, mas não obteve sucesso. Em 1933 as atividades são encerradas oficialmente e a escola é dissolvida pelos professores.

Mies van der Rohe. Cadeira Barcelona, para Berliner Metallgewerbe Josef Müller (1929).

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Mies van der Rohe. Cadeira Brno, para Berliner Metallgewerbe Josef Müller (1929-1930).

Mies van der Rohe.Cadeira MR10 (1928).

A contribuição da Bauhaus foi muito importante na criação de cursos de Design, pela pedagogia e formação preliminar associada à prática das oficinas, unindo arte, design, artesanato e indústria. Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Walter Gropius e Josef Albers foram para os Estados Unidos após o fechamento da escola. László Moholy-Nagy chegou a ser nomeado diretor da New Bauhaus, uma tentativa de restabelecer a escola em Chicago em 1937, mas que teve curta duração. Em 1938 foi realizada uma exposição sobre a

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Bauhaus e sua importância para o design, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa).

Arte Déco

A Arte Deco teve início como um estilo decorativo internacional, mais do que um movimento no design, na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, em Paris, 1925. Dentre as referências ecléticas estão a inspiração no Cubismo de Picasso e Braque, a civilização egípcia, as máscaras africanas, o Surrealismo, Futurismo, Abstracionismo geométrico. O estilo Arte Deco caracteriza-se por formas geométricas e linhas retas, solidez, volumes e planos sobrepostos. Os materiais utilizados eram luxuosos, como o mármore, o bronze, madre-pérola e peles de animais.

Cartaz da exposição (1925)

O estilo Arte Deco está associado à percepção da vida urbana, da agitação das grandes cidades, dos altos edifícios imponentes no cenário urbano. Inicialmente, o estilo é sofisticado, posteriormente popularizando-se para as classes médias. Sua popularização deve-se ao cinema americano e britânico, que retratavam o estilo elegante dos interiores nos filmes da época. Embora a Arte Deco tenha surgido na França, foi nos Estados Unidos que alcançou grande repercussão e aceitação, nos mais variados artigos: de produtos até arquitetura.

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Poltrona de Marcel Coard, de inspiração cubista.

Jacques-Émile Ruhlmann. Banco: ébano, com detalhes dos pés banhados em prata.

Eileen Gray. Poltrona Bibendum.

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Pierre Legrain. Pequena mesa de inspiração cubista (1923).

Jacques-Émile Ruhlmann. Tocador de madeira(c. 1930)

Estilo Internacional

A denominação Estilo Internacional foi usada pela primeira vez em 1931, para dar nome a um catálogo do Museu de Arte Moderna de Nova York: Estilo Internacional, arquitetura desde 1922 foi o título escolhido para a exposição sobre arquitetura moderna. O termo foi associado ao trabalho desenvolvido por Le Corbusier, Jacobus Johannes Pieter Oud, Walter Gropius e Ludwig Mies van der Rohe. Para Alfred H. Barr Jr, diretor do museu, os projetos desses arquitetos ultrapassavam fronteiras nacionais

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e possuíam características semelhantes. Estilo Internacional é o termo escolhido para designar as propostas do movimento moderno do início do século XX, sobretudo os projetos posteriores a 1933, ano do fechamento da Bauhaus.

Os arquitetos Le Corbusier e Mies van der Rohe estão entre os grandes nomes do estilo Internacional, com propostas de edifícios, residências, mobiliário e inte riores. Le Corbusier já havia apresentado na Feira Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas de Paris, em 1925, propostas do design moderno e de uma estética da máquina. Nestas propostas, Corbusier apresentou projetos de mobiliário modular, com caixas e móveis singulares e harmônicos, como cadeiras de Thonet. Para Le Corbusier, a casa era uma “máquina de morar’ e sua abordagem na arquitetura e no mobiliário visava um equilíbrio entre funções da moradia, pautado pela observação da ordem, clareza, simetria, harmonia e racionalidade.

Mies van der Rohe, que teve uma rápida passagem pela Bauhaus, trabalhou com projetos arquitetônicos caracterizados por grandes panos de vidro, reboco branco e linhas horizontais alongadas, como no caso da Casa Farnsworth e de móveis que empregavam materiais industriais, principalmente o aço cromado, como a cadeira Barcelona (1929) e a cadeira Brno (1929-1930).

Mies van der Rohe: Casa Farnsworth (1946-1951)

O Estilo Internacional pode ser definido como uma versão mais elegante do modernismo, com formalismo geométrico e utilização de materiais industriais, como aço e vidro e “uma acentuada preferência pelo reboco branco” (FIELL, 2005, p.347). A simplicidade e clareza do Estilo Internacional são em grande parte, os elementos que conferem sofisticação e elegância aos projetos. Muitos arquitetos e designers acreditavam que formas universais, com reduzida ornamentação, e materiais industriais, reduziriam desigualdades, diminuindo as diferenças locais. Esta utopia está ligada aos ideais modernistas, que propunham uma abordagem mais democrática para o design e arquitetura.

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Le Corbusier, Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand. Sofá Modelo N. LC2 (1928).

Le Corbusier, Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand. Chaise-longue modelo No. B306(1928)

O Estilo Internacional permaneceu no período do pós-guerra, alcançando o apogeu na década de 1950, com forte influência do racionalismo e do funcionalismo. Seus elementos estão presentes em diversas áreas: arquitetura, design gráfico e de produto. Nos anos 1950, algumas empresas passaram a produzir móveis de designers e arquitetos modernos, voltados principalmente ao universo das grandes empresas e escritórios de corporações. Alguns profissionais acreditavam que o estilo Internacional havia se tornado demasiadamente funcionalista e racional. Eero Saarinem e Charles Eames adotaram formas esculturais e orgânicas, numa tentativa de humanizar o Estilo Internacional.

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Arne Jacobsen. Cadeira formiga:compensado moldado e aço cromado(1951).

Empresas como a Knoll Associates (1938) e a Herman Miller (1923) foram responsáveis por divulgar e promover o Estilo Internacional, produzindo móveis para escritórios de grandes designers da época.

Design Orgânico

O conceito de design orgânico nasceu com as propostas que tentavam humanizar o modernismo da década de 1950, mas podemos encontrar soluções com este mesmo ideal na década de 1930, 1980 e 1990. O design orgânico não pertence a uma época específica, podendo ser observado no trabalho de vários designers, inclusive na atualidade. Segundo FIELL (2005, p.531): “pretendia-se que o trabalho captasse algo do espírito da natureza. Crucial para este desenvolvimento orgânico foi a consideração de como elementos individuais, como objetos e mobiliário, se ligavam visual e funcionalmente ao contexto do interior dos edifícios, como um todo, o modo como os interiores se ligavam visual e funcionalmente ao conjunto do esquema, e como o próprio edifício se ligava ao ambiente envolvente através da harmonia das suas proporções, uso de materiais e cor.” Destaque para o mobiliário de Alvar Aalto, Eero Saarinem, Charles Eames, Maurice Calka e Ross Lovegrove que expressam o conceito de design orgânico em épocas distintas.

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Paimio (1931-1932). Alvar Aalto. Móvel inspirado na cadeira Wassily, de Marcel Breuer.

Dimensões: 87,6 x 66 x 60,3

La Chaise (1948). Charles & Ray Eames.

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Cadeira Egg (1958) com estrutura em fibra de vidro. Arne Jacobsen.

O Design Pop

O design pop criava uma nova linguagem e estética, tanto no campo gráfico como de produto. Caminhando na direção oposta ao modernismo e à racionalidade do Estilo Internacional, com sua ênfase formal. O design pop apropriava-se de imagens, ícones e símbolos da época, assim como criou um repertório a partir da arte ingênua e popular, encontrada nas feiras e parques de diversão. A linguagem pop “gerava energia nas trocas entre a arte <> e a arte <>. Os artistas comerciais e de belas-artes alimentavam-se mutuamente e muitos designers usaram

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deliberadamente este rico filão misto em busca de cores, motivos e, acima de tudo, atitude”. (GARNER, 2008, p.55). O mobiliário pop usava os materiais plásticos como recurso para explorar novas formas, curvas e configurações que antes não eram possíveis. Alguns móveis utilizaram esta linguagem e transformaram-se em símbolos das inovações deste período, como a cadeira Sacco, de Gatti, Paolini e Teodoro era literalmente um saco feito de poliestireno ou a poltrona inflável de Lomazzi, De Pas & d’Urbino (TAMBINI, 1997). A cadeira Panton, criação do dinamarquês Verner Panton, é outro exemplo de como a linguagem pop alterava a percepção sobre as peças de mobiliário como itens comuns do cotidiano. Era uma peça inteira sem emendas, feita de plástico vermelho brilhante e empilhável. Verner Panton também criou interiores extravagantes e de inspiração psicodélica, que misturavam cores como o vermelho, amarelo e roxo, aplicadas na mobília, paredes ou no teto. Os designers pop criavam peças isoladas, sistemas para moradias que estavam voltadas para o futuro, cenários para os filmes de ficção científica, etc.

Cadeira Blow (1967). De Pas, D’Urbino e Lomazzi.

Primeira cadeira inflável produzida em massa, tornou-se ícone do design pop.

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Cadeira Panton (1960). Verner Panton.

Primeira cadeira feita de um mesmo material, com forma única modelada por injeção.

O design pop oferece experiências lúdicas, porque sugere ironia e humor, por meio das formas que surpreendem. O móvel deixa de ser pensado como produto funcional apenas; recebe elementos que possibilitam uma interação com os usuários a partir das sensações e da subjetividade que são estimuladas por cores vibrantes, formas orgânicas e materiais sintéticos e variados.

Ball Chair, em fibra de vidro(1963). Eero Arnio.

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Bubble Chair (década de 1960).Eero Arnio.

Concha em acrílico cristal com aro em aço inox polido e corrente em aço inox.

O Design Pós-Moderno

O Radical Design Italiano (anos 60-70) O radical design italiano desenvolveu-se como uma crítica ao conceito do bom design, “encarnava a contracultura do final dos anos 60 e pretendia destruir a hegemonia da linguagem visual do movimento moderno”. (FIELL, 2006, p. 156). As propostas dos grupos de radical design eram críticas em relação aos princípios modernistas, que atacavam a noção de bom gosto, a boa forma alemã e o bom design, assim como a validade do racionalismo no design e o papel da tecnologia avançada como elementos para se pensar o consumo na sociedade. (FIELL, 2006). Entre os vários grupos podem ser citados o Archizoom Associati, fundado em 1966 em Florença. Os integrantes do Archizoom desenvolveram peças de mobiliário antidesign,

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que influenciaram outros grupos pelo teor das propostas. Criticavam e ironizavam o good design, geralmente realizando releituras de clássicos, como os móveis da Bauhaus. O sofá Safari é descrito pro Andréa Branzi, seu criador, como “uma bela peça que você simplesmente não merece”. (TAMBINI, 1997).

Sofá safári (1968). Andrea Branzi.

O Studio Alchimia está associado às experiências feitas pelo designer Alessandro Mendini, na década de 1970. Mendini trabalhava com a idéia do re-design, utilizando tanto os clássicos do design, aos quais ele aplicava decorações que os descaracterizavam, como os objetos simples e banais, transformados em algo de valor.

Cadeira Wassily, redesenhada por Alessandro Mendini (1978)

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As críticas do antidesign fortaleceram-se e resultaram na criação do grupo Memphis, em 1981, sob comando de Ettore Sottsass. O grupo foi reunido com o propósito de criar uma coleção de móveis, objetos e produtos inteiramente novos, que seriam produzidos por pequenas empresas de Milão. Os produtos desenvolvidos eram inspirados em estilos do passado: do art nouveau ao kitsch, passando por elementos da pop arte e da op art dos anos 1960.

Local de conversação e ringue de boxe Tawaraya(1981), de Massaroni Umeda e os integrantes do

Memphis.

A primeira exposição foi realizada em Milão em 1981 e contava com 31 peças de mobiliário, 3 relógios, 10 luminárias, 11 objetos de cerâmica e recebeu cerca de 2500 visitantes. (BÜRDEK, 2006). Laminados de madeira foram feitos sob encomenda em cores fortes e vibrantes para serem aplicados no mobiliário. Os designers utilizaram as cores primárias misturadas aos padrões que lembravam a op art, numa rejeição aos padrões do racionalismo e do funcionalismo do Estilo Internacional. O mobiliário combinava cores, formas e padrões improváveis de serem aplicados ao mesmo tempo, o que resultou numa série irônica e divertida. Os móveis eram fabricados artesanalmente pelas pequenas empresas de Milão, que produziam as peças em pequenas quantidades. Designers que participaram do Memphis: Nathalie du Pasquier, George Sowden, Hans Hollein, Shiro Kuramata, Peter Shire, Javier Mariscal, Massaroni Umeda e Michael Graves.

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Estante Carlton (1981), de Ettore Sottsass.

Sofá Lido (1981), de Michele di Lucchi

Design pós-moderno (anos 70) A estética universal do modernismo foi rejeitada e, em seu lugar, a utilização dos símbolos criou uma linguagem feita de códigos, metáforas e referências múltiplas. Os pós-modernos acreditavam que as concepções do modernismo e seus ideais tinham se convertido em forças de manipulação para o consumo; adotaram a ironia e o humor por meio de apelos simbólicos de todos os tipos. Desta maneira, o erudito poderia se tornar popular, e o intelectual poderia se tornar acessível (TAMBINI, 1997). O design pós-moderno representava o pluralismo cultural de uma sociedade percebida como global e contemporânea; a comunicação e os signos possibilitavam transcender as fronteiras. O design pós-moderno adota uma linguagem na qual o significado, a estética e o próprio valor do objeto são transformados. Não são os aspectos da utilidade de um

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produto que melhor o definem, pois a forma não segue a função como declarou Louis Sullivan, mas a capacidade de comunicação que um produto ou edifício pode oferecer em seu contexto de uso. No pós-modernismo, “o objetivo é alcançar uma codificação plural, longe dos compromissos de ocasião e dos pastiches não-intencionais” (COELHO, 1990, p.75). Designers pós-modernos: Borek Sípek, Philippe Starck, Michael Graves,Charles Jencks, Norbert Berghof, Michael Landes, Wolfgang Rang, Shiro Kuramata, Javier Mariscal.

Cadeira Frankfurter FIII para Draenert (1985-1986).

Norbert Berghof, Michael Landes, Wolfgang Rand.

‘‘How High the Moon’’, de Shiro Kuramata(1986-1987)

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O Móvel no Brasil

Um percurso pelo século XX A produção de móveis no Brasil, durante o século XX, foi influenciada pelos acontecimentos que se desenvolveram no século XIX e estimularam a industrialização de vários artefatos. Os antecedentes da industrialização brasileira remontam ao início do século XIX, com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, quando a Colônia converteu-se em sede da monarquia. A chegada da família real no país transformou a Colônia, antes vista como fonte de extração de riquezas, em sede oficial do reino de Portugal. Uma das primeiras mudanças foi o decreto que determinou a Abertura dos Portos, em 1808, pondo fim ao monopólio português no comércio colonial. A situação propícia para o desenvolvimento de pequenas fábricas começaria a se desenvolver a partir de 1850, com o fim do tráfico de escravos trazidos para o Brasil, uma decisão tomada sob influência da Inglaterra. As bases da monarquia estavam desestabilizadas, pelo endividamento e descontentamento com a Guerra do Paraguai; o contexto histórico era favorável à instalação da República no país. (SEVCENKO, 1998). A República desenvolve-se nos seus primeiros anos, em meio às muitas revoltas e confrontos, como a Revolta de Canudos, entre 1893-1897, narrada no romance de Euclides da Cunha, Os Sertões; a Revolta Armada, no Rio de Janeiro, com oficiais da marinha que defendiam direitos e privilégios anteriores à República; a Revolução Federalista na região sul, que defendia a autonomia dos estados, entre outros conflitos que marcaram o processo de modernização e urbanização do país no período republicano. (SEVCENKO, 1998). A difusão dos meios de comunicação, como as revistas ilustradas, os jornais e a multiplicação dos cinematógrafos, apresentava ao público novos padrões de consumo e de comportamento. As elites inspiravam-se nos modelos europeus, principalmente na moda, influenciada fortemente pelos modelos franceses. Esta alteração no comportamento também é percebida na criação de outros artefatos do cotidiano, como o mobiliário. Os chamados pioneiros do móvel moderno foram inspirados por esses ideais transformadores. O entusiasmo pela industrialização contagiou alguns profissionais que, incentivados por uma nova paisagem urbana e novos padrões de comportamento, passaram a buscar a fabricação industrial de seus produtos, e deram origem às primeiras fábricas de móveis do país. Pioneiros do móvel moderno Celso Martinez Carrera (1883-1955) foi pioneiro na fabricação de móveis de madeira por um processo industrial. Carrera já conhecia formas de curvar e tornear a madeira, semelhantes à técnica desenvolvida por Michel Thonet, na Áustria. Em 1909, era fundada a Fábrica de Móveis Carrera, em Araraquara, São Paulo, que começava a produzir a Cama Patente. A cama foi uma encomenda para um hospital da cidade, que

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pretendia substituir as camas de ferro importadas por camas de madeira. (SANTOS, 1995). A Cama Patente era feita de madeira curvada, com linhas finas, que apresentavam uma estética simplificada para a época. A cama deu origem a uma linha de móveis, que incluía mesas, armários e cadeiras. Na década de 1920 e 1930, a criação de mobiliário estava ligada ainda à fabricação de poucas peças, geralmente para atender um determinado projeto. As criações traziam a influência européia, nos trabalhos de artistas europeus, como o pintor suíço John Graz (1891-1980) e o pintor lituano Lasar Segall (1891-1957). John Graz começou a desenhar móveis, junto com sua esposa, Regina Gomide, que desenvolvia componentes para a decoração, como tecidos e tapeçaria. As peças criadas pelo casal atendiam uma clientela pequena e seleta, que buscava móveis modernos. Seus móveis eram fabricados artesanalmente e empregavam materiais importados. Os modelos tinham forte influência de uma estética européia e influência da Art Déco, com formas sólidas e geométricas, que remetiam ao Cubismo. Lasar Segall desenhou alguns móveis, para decorar sua própria residência. A mobília apresentava, assim como os móveis de John Graz e Regina Gomide, forte referência da arte cubista e da Art Déco. As criações de Segall eram sólidas e visualmente pesadas, pela composição de planos e volumes utilizados por ele. As iniciativas de artistas modernos, como Lasar Segall, demonstram a relação entre arte e design, presente nas propostas modernistas. O móvel fazia parte de um ideal moderno, em harmonia com a nova estética do período. Influências da Arte Déco e do Cubismo eram as referências que estes artistas europeus traziam quando chegavam ao Brasil. Outras iniciativas sucederam-se na década de 1930, como o trabalho do arquiteto Gregori Warchavchik (1896-1972), criador da Casa Modernista, construída em São Paulo, em 1932. Warchavchik começou a desenhar móveis que fossem adequados à concepção modernista de sua arquitetura. Suas criações possuíam linhas retas e grande preocupação funcional. Warchavchik utilizava materiais nacionais, como a madeira de imbuia; e foi um dos primeiros a usar o metal cromado em suas criações, fato tão inovador no país, que chegou a ser noticiado em um jornal carioca da época. (SANTOS, 1995). Existiam, contudo, alguns empecilhos à produção do mobiliário no país. Warchavchik chegou a montar uma oficina para produzir janelas, portas e outros elementos da casa que havia projetado. Não existiam tantas fábricas com potencial de produção, tal como esperavam os profissionais. O modernismo buscava temáticas que representassem o Brasil, assim como uma linguagem brasileira. Estas propostas não estavam presentes unicamente no mobiliário ou na arquitetura; a Semana de Arte Moderna de 1922 apresentava esta idéia, de voltar-se para a temática nacional nas artes, na música e na literatura. O mobiliário associado à arquitetura

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Nas décadas seguintes, entre 1930 e 1950, o móvel acompanha algumas transformações do período, como a modificação na arquitetura, que deixava os estilos do passado, como o neocolonial, e adquiria feições modernas. (CASA CLAUDIA, 2006; BITTAR e VERÍSSIMO, 1999). É neste cenário que os arquitetos passam a criar peças de mobiliário, na falta de produtos existentes que oferecessem uma estética moderna, em harmonia com os novos espaços planejados na época. Nos anos de 1955 e 1960, a euforia desenvolvimentista foi baseada na racionalidade e no planejamento, simbolizados pelo governo de JK, que tinha como slogan “50 anos em 5” e pela construção de Brasília. Não por acaso, é durante a década de 1950 que o mobiliário moderniza-se; não apenas para atender uma demanda da nova arquitetura, mas para acompanhar uma nova ordem social, política e cultural que se estabelece no país. A associação entre arquitetura, mobiliário e progresso contribui para o trabalho de vários profissionais, que passam a trabalhar junto a arquitetos, fornecendo móveis com a mesma linguagem moderna dos espaços aos quais se destinam. Esta parceria pode ser exemplificada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que convidou alguns profissionais para desenharem móveis para os seus projetos, inclusive aquele que ocupou grande parte do imaginário modernista do período: a construção de Brasília. Entre os profissionais estava Joaquim Tenreiro (1906-1992), autor dos móveis para o projeto de uma residência de Oscar Niemeyer, em Cataguases, Minas Gerais. Tenreiro nasceu em Melo, Portugal e veio para o Brasil em 1929. Participou do Núcleo Bernardelli nos anos 30 e deixou as artes plásticas para trabalhar com móveis. Primeiro em fábricas, como aprendiz, passou a criar peças de estilos variados, de acordo com o gosto da clientela, até fundar a própria empresa, em 1943. A partir deste período, seus móveis ganham uma estética mais moderna, como na Poltrona Leve, criada para a residência de Cataguases: feita de madeira de imbuia, tinha como revestimento um tecido desenhado pela artista plástica Fayga Ostrower. (SANTOS, 1995). O trabalho de Tenreiro é reconhecido como moderno e com forte apelo nacional pelo uso de madeiras típicas brasileiras, como imbuia, cedro, peroba e jacarandá. Tenreiro vinha de uma família que tinha tradição no trabalho com a madeira; seu pai e avô eram marceneiros em Melo. Os seus móveis marcam uma fase, na qual os profissionais buscavam uma linguagem moderna e ao mesmo tempo brasileira. As criações de Joaquim Tenreiro são consideradas dentro de uma linguagem nacional moderna em decorrência: do uso de madeiras brasileiras típicas, como cedro, jacarandá, peroba; da aplicação singular, resultado do profundo conhecimento das possibilidades destas madeiras; e finalmente pela leveza e sofisticação atribuídas às suas peças, tidas como elementos da modernidade no móvel. Tenreiro ainda realizou algumas modificações no mobiliário, como a redução das dimensões de mesas e cadeiras, adequando-as às proporções humanas. Outro personagem marcante do design brasileiro é o arquiteto Sérgio Rodrigues, que freqüentemente “leva a fama de idealizador do autêntico mobiliário brasileiro, pelas

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formas robustas de suas peças – convite ao relaxamento e à informalidade – e o uso da madeira maciça grossa, em contraste com as silhuetas delgadas da época, contribuíram para essa fama”.(CASA CLAUDIA, 2006, p. 22). O arquiteto iniciou a carreira no mobiliário como sócio dos irmãos Hauner, vendendo móveis da Móveis Artesanais em uma filial em Curitiba. Após um fracasso nas vendas, pois conta que vendeu apenas um sofá em um ano, ele decidiu abrir uma loja e vender os móveis que ele desenhava. Assim nasceu a Oca, aberta em 1955 no Rio de Janeiro, com o conceito de loja e galeria de exposições. Na Oca, Sérgio Rodrigues comercializou um de seus modelos mais famosos: a poltrona Mole. A poltrona foi criada a partir do pedido de um cliente, que procurava um sofá que parecesse “esparramado” (SANTOS, 1995, p. 127). O móvel, feito em jacarandá maciço inicialmente foi visto como uma peça pesada, grosseira, mas um ano depois já recebia várias encomendas. (SANTOS, 1995). Outros modelos foram desenvolvidos trabalhando com as madeiras nacionais, o couro e os tecidos brasileiros. Sérgio Rodrigues, “buscando uma linguagem própria, lançou mão de materiais tradicionais, como o couro, a palhinha e o jacarandá. Num período que a moda valorizava os delgados pés de palito, assumiu a robustez da madeira em estofados pesados, que deixavam aparentes correias de couro e encaixes rústicos”. (CASA CLAUDIA, 2003, p.31). Em 1946, desembarcaram no Brasil alguns imigrantes que fugiam da herança deixada pela Segunda Guerra. Era “a missão italiana’’, que trazia Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, Enrico Fuori Dominicci e Carlo e Ernesto Hauner. Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da arte, da arquitetura e do design no país. Enrico Dominicci fundou uma empresa de iluminação e passou a fabricar lustres tradicionais italianos. Os irmãos Hauner fundaram a Móveis Artesanais que depois se tornou a Forma. (LEON, 2005; SANTOS, 1995). Lina Bo Bardi deu início ao trabalho com o mobiliário no Studio Arte Palma, utilizando madeira compensada, plástico e chita como recursos para racionalizar a produção de móveis e diminuir os custos, buscando a industrialização. Desta época é a poltrona Bowl (1951), confeccionada com uma estrutura de ferro e com versões em couro e tecido. Lina Bo Bardi buscava a expressão de uma identidade brasileira em suas criações e assim começou a investigar o artesanato popular e o design vernacular , tendo viajado ao nordeste para realizar suas pesquisas. Lina Bo Bardi desenvolveu projetos arquitetônicos nos quais pensava o espaço como um espaço de uso efetivamente, pelas pessoas, pois acreditava que a relação entre indivíduo e espaço (doméstico, público, institucional) interferia em todos os aspectos da vida. Criou importantes projetos de edifícios públicos, como o prédio do MASP (1947) e o edifício do SESC-Pompéia (1977), ambos em São Paulo; a residência conhecida como a Casa de Vidro (1951), também em São Paulo e a Casa do Benin (1987), na Bahia, para citar alguns.

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O mobiliário criado por Bardi aproximava-se da idéia do design vernacular, com soluções que tinham como foco a simplicidade, a possibilidade dos materiais e a exploração de técnicas construtivas simples. (LEON, 2005). Dentro deste conceito, podem ser citados como exemplo a cadeira Girafa, criada para a Casa Benin, na Bahia, e a cadeira Frei Egídio. O uso de materiais nacionais e a racionalidade na produção do mobiliário são elementos presentes no trabalho de José Zanine Caldas (1919-2001). Autodidata, Zanine Caldas trabalhou cerca de sete anos com maquetes de projetos de arquitetura, tendo realizado maquetes para Oscar Niemayer, entre outros arquitetos. Com as maquetes, aprendeu sobre madeiras e interessou-se pelo compensado; material adotado nos móveis que ele fabricou para sua residência. Em 1948, Zanine Caldas fundou, junto com alguns sócios, a fábrica de Móveis Z. Feitos de compensado, os móveis eram fabricados num processo quase inteiramente industrial: a fixação do estofado e das partes móveis era feita manualmente pelos funcionários. Zanine Caldas trabalhava com chapas de compensado, cortadas em formas de S ou Z, que resultavam em formas inovadoras; os tecidos utilizados na fábrica não dependiam de costura e muitos eram revestimentos feitos de materiais plásticos ou lonas, que diminuíam o custo com etapas especializadas da produção. (CASA CLAUDIA, 2007). A Móveis Z tinha como público-alvo a classe média, que passou a consumir móveis modernos, com preços acessíveis. No final da década de 1960 e durante os anos 1980 criou móveis escultóricos, feitos a partir de madeiras abandonadas e troncos de árvores. Em 1983, criou a Fundação Centro de Desenvolvimento das Aplicações das Madeiras do Brasil, um núcleo de pesquisa e preservação das matas e madeiras brasileiras. O artista plástico, fotógrafo e designer Geraldo de Barros (1923-1998) foi autor de projetos de móveis baseados na racionalidade e na produção industrial. Geraldo de Barros realizou uma experiência singular quando, em 1954, estabeleceu uma parceria com os operários da Unilabor (União do Trabalho), uma cooperativa de trabalho que reuniu cerca de 50 funcionários. O objetivo da Unilabor era trabalhar com móveis que fossem acessíveis a um maior número de pessoas, utilizando para isto materiais industriais, racionalização e padronização. Geraldo de Barros percebeu a necessidade de armazenar, guardar e transportar o móvel e, desta forma, surgiu a modulação das peças, que para ele “era uma espécie de jogo de armar: desenvolver um mínimo de peças e o maior número possível de combinações” (SANTOS, 1995, p. 117). O conceito de móvel modulado permitia maior racionalização e redução dos custos. As peças possuíam uma linguagem simples, tanto estética quanto construtiva; utilizava cores neutras como o branco e preto e combinadas ao ferro, permitiam composições versáteis e modernas. A Unilabor funcionou entre 1954 e 1967, mesmo com o desligamento de Geraldo de Barros em 1964, por questões de divergências na cooperativa.

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O mobiliário no Brasil: 1970 – 2000 Após a década de 1950 e 1960, a noção de móvel moderno adquiria novos aspectos, como a procura por soluções simples, que oferecessem facilidade de produção e custo acessível. Dentro desta proposta, a cadeira Peg-Lev (1972), de Michel Arnoult, pode ser considerada resultado de um projeto inovador. A cadeira era comercializada em pontos de venda, como lojas e supermercados. A idéia era simples: um móvel que fosse retirado, transportado e montado pelo usuário. A cadeira desmontada ocupava pouco espaço, otimizando embalagem e o espaço onde seria armazenada. Na década de 1980, os planos monetários e a crise econômica fizeram com que muitos escritórios de design fechassem. (LEON, 2005). Os designers nas décadas de 1980 e 1990 tiveram que reinventar o processo de criação e produção; muitos passaram a trabalhar sob a forma de parcerias com pequenas oficinas e marcenarias, fazendo dos pequenos fornecedores uma possibilidade de viabilizar seus projetos. Neste cenário, buscaram-se novas soluções para o móvel, pautadas na investigação de possibilidades quanto aos materiais e técnicas produtivas e construtivas. Carlos Motta recebeu prêmios por soluções simples, com economia de material e facilidade de produção. A Cadeira São Paulo (1982) foi premiada no concurso do Museu da Casa Brasileira, em 1987, e foi campeã de vendas por dez anos. (CASA CLAUDIA, 2003). Feita de madeira, a cadeira possui um desenho simples; o encosto é encaixado no assento através de uma fenda. No final dos anos 1990, Motta passou a trabalhar com madeiras de reflorestamento e certificadas. Em 2003, recebeu o prêmio Planeta Casa pela poltrona Astúrias, feita com madeira reciclada. No contexto de soluções construtivas e técnicas destaca-se o trabalho de Maurício Azeredo, que utiliza encaixes, alguns patenteados, nos móveis, todos feitos de madeira. Outra característica de Azeredo é o uso de madeiras variadas, provenientes de várias regiões do país. Este aspecto do trabalho de Azeredo confere ao móvel uma característica que se aproxima das criações de Joaquim Tenreiro. Entre os anos de 1990 e 2000, o mobiliário brasileiro apresenta modificações, resultado de experiências com materiais, conceitos, processos de fabricação e novas perspectivas no mobiliário. São alguns termos que podem situar a produção dos designers destas décadas. O trabalho de Jacqueline Terpins com o vidro resultou em móveis inovadores, numa linha de 1999: cubos transformam-se em poltronas, pufes e estantes. O artista plástico Nildo Campolongo descobriu o trabalho com papéis nos anos 1980: rolos usados em gráficas e fábricas deram origem a mesas, pufes, cadeiras e outros objetos. Desenvolveu tramas de papel para compor piso, telha e revestir uma casa; o projeto foi apresentado no SESC Santo André, em São Paulo, em 1994. A dupla Gerson de Oliveira e Luciana Martins, que trabalha em parceria desde 1991, desenvolve objetos e móveis que instigam a curiosidade. Em 2005, foram premiados

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com o primeiro lugar na categoria utensílios, do concurso Museu da Casa Brasileira, pelo cabideiro Huevos Revueltos, feito com bolas de bilhar, que podem ser dispostos na parede da maneira que o usuário quiser. Uma apropriação de objetos que se convertem em peças de mobiliário. Segundo a opinião do júri: “O cabideiro resulta num objeto lúdico e instigante, conjugando versatilidade no cumprimento de sua função e humor em seu aspecto formal, que se estende até à embalagem” (MUSEU DA CASA BRASILEIRA, 2005) A dupla estabelece uma proximidade com os irmãos Campana, que empregam objetos e materiais, retirados de um contexto e transformados em produtos e mobiliário. Em 1989 tem início o trabalho dos irmãos Humberto e Fernando Campana, que começaram a trabalhar com esculturas de metal e pequenos objetos. A primeira exposição, Desconfortáveis (1989), apresentou cadeiras de ferro e cobre sem acabamento, despertando a atenção para as fronteiras entre arte e design. Em 1998 os irmãos fizeram sua estréia no Salão Internacional do Móvel de Milão, com a cadeira Vermelha, de 1993. Confeccionada com 493 metros de fios de algodão tingidos. Os Campana trabalharam com vários materiais e conceitos, como reuso, reaproveitamento, ready made. Utilizaram técnicas artesanais e tecnologia ponta e realizam uma bem-sucedida parceria coma empresa italiana Edra, desde 1998.