Melhoramento genético para todos

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CANAL | MARÇO DE 2015 28 MELHORAMENTO GENÉTICO PARA TODOS PESQUISA Líria Rezende E m uma ilha remota próxima ao Polo Norte e habitada por focas, ursos po- lares, aves e leões marinhos, um su- per cofre abriga um dos maiores tesouros da humanidade e, ao mesmo tempo, uma riqueza de valor incalculável. Amostras sele- cionadas de praticamente todos os vegetais existentes permanecem armazenadas de- baixo de uma montanha onde a temperatu- ra nunca ultrapassa os 20ºC negativos. Mais conhecido como Arca do Fim do Mundo, uma espécie de Arca de Noé subterrânea dos alimentos, o Banco Global de Sementes de Svalbard, na Noruega, conta com amos- tras de diversos países e tem capacidade para guardar 4,5 milhões de sementes em embalagens hermeticamente lacradas e, acredite, a salvo de terremotos, inundações, aquecimento e até mesmo explosões nu- cleares e queda de asteróides. É o que os es- pecialistas em melhoramento genético de plantas chamam de acessos, isto é, amos- tras reduzidas com sementes represen- tativas de diferentes populações de uma mesma espécie. A caixa forte foi inaugura- da em 2008 e, de lá pra cá, já recebeu do Brasil acessos de três culturas seculares, bá- sicas na nossa agricultura e extremamente presentes na alimentação cotidiana: milho, arroz e, mais recentemente, feijão – todas cedidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e réplicas de cole- ções nucleares já existentes no País. Do distante arquipélago de Svalbard para terras tupiniquins, o feijão que você come na sua casa passou por no mínimo quinze anos de pesquisa. É o que garante o coordenador da Coleção Nuclear de Feijão Comum da Embrapa Arroz e Feijão, Jaison Pereira. Ele explica que as 514 variedades de feijão depositadas este ano na caixa forte nórdica são uma cópia da coleção nuclear, compilação estratégica que reúne linhagens, cultivares melhoradas e acessos tradicionais PESQUISAS DESENVOLVIDAS AO LONGO DE ANOS ESTãO ATENTAS à CRESCENTE DEMANDA POR ALIMENTOS E ENERGIA Jaison Pereira, coordenador da Coleção Nuclear de Feijão Comum da Embrapa Arroz e Feijão

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para todos

pesquisa

Líria Rezende

Em uma ilha remota próxima ao Polo Norte e habitada por focas, ursos po-lares, aves e leões marinhos, um su-

per cofre abriga um dos maiores tesouros da humanidade e, ao mesmo tempo, uma riqueza de valor incalculável. Amostras sele-cionadas de praticamente todos os vegetais existentes permanecem armazenadas de-baixo de uma montanha onde a temperatu-ra nunca ultrapassa os 20ºC negativos. Mais conhecido como Arca do Fim do Mundo, uma espécie de Arca de Noé subterrânea dos alimentos, o Banco Global de Sementes de Svalbard, na Noruega, conta com amos-tras de diversos países e tem capacidade para guardar 4,5 milhões de sementes em embalagens hermeticamente lacradas e, acredite, a salvo de terremotos, inundações, aquecimento e até mesmo explosões nu-cleares e queda de asteróides. É o que os es-pecialistas em melhoramento genético de

plantas chamam de acessos, isto é, amos-tras reduzidas com sementes represen-tativas de diferentes populações de uma mesma espécie. A caixa forte foi inaugura-da em 2008 e, de lá pra cá, já recebeu do Brasil acessos de três culturas seculares, bá-sicas na nossa agricultura e extremamente presentes na alimentação cotidiana: milho, arroz e, mais recentemente, feijão – todas cedidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e réplicas de cole-ções nucleares já existentes no País.

Do distante arquipélago de Svalbard para terras tupiniquins, o feijão que você come na sua casa passou por no mínimo quinze anos de pesquisa. É o que garante o coordenador da Coleção Nuclear de Feijão Comum da Embrapa Arroz e Feijão, Jaison Pereira. Ele explica que as 514 variedades de feijão depositadas este ano na caixa forte nórdica são uma cópia da coleção nuclear, compilação estratégica que reúne linhagens, cultivares melhoradas e acessos tradicionais

Pesquisas desenvolvidas ao longo de anos estão atentas à crescente demanda Por alimentos e energia

Jaison Pereira, coordenador da Coleção Nuclear de Feijão Comum da Embrapa Arroz e Feijão

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tiplicar mais sementes, é preciso haver um estoque mínimo. À medida que a gente vai multiplicando, disponibilizamos para aqueles que solicitaram primeiro. No próximo ano, a expectativa é conceder mais variedades para outras instituições e pesquisadores, a fim de que possam enriquecer suas pesquisas. É o que chamamos de valoração, aumentar o va-lor do germoplasma, produzir novos genes”, esclarece Jaison Pereira.

REFLExoS no CAMpo E nA MESANa prática, o melhoramento genético de

plantas visando a alimentação humana tem seus reflexos no campo e na mesa, sobretu-do em tempos de aumento da demanda por produção de alimentos. Maior produtividade, resistência a fatores climáticos e tolerância a pragas e doenças, minimizando o uso de in-sumos agrícolas e os impactos ambientais de pulverizações com agrotóxicos, estão entre as principais vantagens, como aponta o co-ordenador. “O melhoramento de plantas em si tem uma contribuição muito grande para o agronegócio brasileiro. É um trabalho ex-tremamente múltiplo e importante para toda a cadeia produtiva, do pequeno ao grande agricultor, e também para o consumidor final. Se a lavoura produz mais, há mais oferta, pre-ço menor e um produto sempre novo, recém--colhido, na mesa do consumidor, sem falar em segurança alimentar e maior qualidade nutricional”, salienta o pesquisador. Ele pon-tua que, apesar de não ser pioneiro, o Brasil segue como referência em se tratando de melhoramento genético para a agricultura de clima tropical. “O sucesso da humanidade se deve à agricultura e, sobretudo, ao melhora-mento de plantas”, acrescenta.

“Não teria tanta gente se alimentando no Planeta se não houvesse melhoramento ge-nético, isso ninguém discute. É a tecnologia mais fundamental com a qual a agricultura pode contar, mais que adubação ou controle de pragas, por exemplo, é o que tem de mais satisfatório e importante para melhorar a pro-dutividade”, enfatiza o diretor de Genética do Instituto Agronômico de Campinas, Carlos

C o -l o m -bo. Fun-dado por D. Pedro II em 1887, inicialmente para atender a cafeicul-tura, o IAC é reconhe-cidamente pioneiro na pesquisa latino-americana de culturas como algodão, cana, mandioca, amendoim, arroz, feijão e soja. A propósito, cultura expressiva na agricultura brasileira, a soja é um caso in-teressante que exemplifica a importância do setor de melhoramento. De acordo com o diretor, o que era impossível cerca de trinta anos atrás hoje é realidade graças às pesqui-sas na área: plantação de soja no norte do Maranhão, na linha do Equador. Isso porque a soja plantada na China, de dias curtos e habituada à latitude alta, não daria certo em território brasileiro, já que necessita de certa quantidade de luz inexistente nos países tro-picais. “Foi a seleção genética de plantas de dias longos que possibilitou seu desenvolvi-mento por aqui”, relata.

Carlos Colombo conta que, em termos de melhoramento, o feijão “está lá na frente”, lapidando o que já se possui, tudo sempre em cadeia. “O feijão é um bom exemplo. Du-rante muito tempo, o melhoramento visava produtividade, quilos por hectare. Um feijão tem que ser resistente a doenças, tolerante à seca etc. Enfim, uma planta produtiva é uma planta sadia. De uns dez, quinze anos pra cá, o mercado consumidor começou a exigir qua-lidade do feijão tipo carioca na panela. Tem feijão que, depois de colhido, vai oxidando e escurece. Isso não atrai quem vai comprar, prefere-se o mais claro, grãos que não escu-reçam com o passar do tempo. Tempo de cozimento menor é outra característica que também é genética. Isso é o mercado que está exigindo, funciona em cadeia. O melho-ramento tem que enxergar todo o processo. Além disso, o custo de produção não pode ser caro, pois prejudica tanto o produtor quanto o consumidor”, assinala o diretor.

cultivados pela população brasileira desde a década de 1970. Trata-se de uma amos-tra representativa porque é o suprassumo de uma biblioteca viva ainda maior, cien-tificamente denominada Banco Ativo de Germoplasma, que totaliza 18 mil acessos de feijão de todos os continentes. Sediado em Santo Antônio de Goiás (GO) e prestes a completar quatro décadas no próximo ano, este é o maior banco brasileiro de germoplasma de feijão comum e o quarto maior do mundo, segundo o pesquisador. Nele, sementes de feijão de tipos bastante consumidos, como carioca, preto, mulati-nho, roxinho e jalo, dentre outras, ficam ar-mazenadas a uma temperatura entre 10ºC a 12ºC e 20% de umidade.

Acontece que (não é difícil imaginar) entre 18 mil acessos e 500 acessos, é bem mais fácil trabalhar com uma quantidade reduzida, porém variada. “Este é o objeti-vo da coleção nuclear, reduzir o número de acessos, selecionar o material mais di-vergente possível e sempre ter uma pos-sibilidade maior de trabalho e alcance. A coleção é dinâmica, podem entrar novos genótipos nela.

Uma coleção nuclear não pode ser muito grande, não pode dificultar o tra-balho de atender o melhoramento gené-tico de plantas, porque senão fica inviável. Muita coisa que é guardada acaba sendo repetida. É o que a gente chama de redun-dância, a coleta de material aparentado em várias partes do País”, explica Jaison.

“O Banco Global faz solicitação a alguns países potenciais que são referência em certa cultura. O Brasil é o que mais produz e mais consome feijão, que mundialmente é extremamente importante, sobretudo para os países mais pobres, porque é considera-do a carne do pobre. O Brasil planta feijão desde a época dos índios, e este material está sendo adaptado há mais de 500 anos, o que cria um acesso regionalizado, adap-tado a muito calor, muita seca, por exem-plo. Então acaba sendo um germoplasma importantíssimo em termos mundiais”, ressalta o coordenador. Em outras palavras, estes bancos funcionam como um verda-deiro backup, resguardando uma seleção sofisticada da variabilidade genética de de-terminado alimento.

Destinada à pesquisa e produção de novas variedades, a Coleção Nuclear de Feijão da Embrapa foi estruturada nos últi-mos sete anos e é resultado de um trabalho incansável – adjetivo, aliás, bem conhecido dos geneticistas. A ideia é selecionar os grãos mais divergentes, ou seja, aqueles que não têm parentesco entre si, possibi-litando maior variedade. Em julho último, outra cópia foi cedida ao Instituto Agro-nômico do Paraná (Iapar), e a perspectiva é disponibilizá-la a diferentes instituições, inclusive da China e de países da África. “É um processo continuado, precisamos mul-

Carlos Colombo, diretor de Genética do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)

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Mas é um outro produto que vem concentrando os esforços do pesqui-sador Carlos Colombo nos últimos oito anos. A menina dos olhos do diretor de Genética do IAC é a macaúba: “não de-manda muita água, ocorre em ambientes bastante secos, tem óleo de qualidade igual ou superior ao dendê e apresenta produtividade naturalmente alta”, como destaca Colombo.

Palmeira nativa que ocorre do Méxi-co ao norte da Argentina e em todas as regiões do Brasil, o fruto da macaúba, algo em torno de cinco centímetros de diâmetro, tem chamado a atenção dos pesquisadores do IAC pelo alto teor de óleo, visando também a alimentação hu-mana, mas sobretudo a geração de ener-gia. “O teor do óleo da polpa vai de 10% a 72%, ou seja, é muito grande a variação. “O objetivo é criar novas variedades da planta, uma alternativa de grande poten-cial para produção de biodiesel”, aponta o responsável.

Ele explica que, naturalmente, a ma-caúba chega a produzir anualmente qua-tro mil quilos de óleo por hectare, consi-derando-se 400 plantas por hectare. Para ter uma ideia do que isso representa, a soja, principal matéria-prima para ob-tenção de biodiesel no País, registra uma quantidade dez vezes menor, cerca de

420 quilos por hec-tare, o girassol, 890, a mamona, 1.320 quilos de óleo por ano, e o dendê, que exige muita água, seis mil quilos. “Com o melhoramento da macaú-ba, a expectativa é chegar a oito mil quilos de óleo por hectare”, relata o diretor. A expectativa é lançar uma cultivar de macaúba daqui a oito anos.

Usada há muito tempo na alimenta-ção por produtores locais, principalmen-te no Mato Grosso, a macaúba também é bastante conhecida em Minas Gerais, onde o óleo da polpa é tradicionalmen-te usado para fazer sabão. Nos primeiros anos de estudo, os esforços se concen-traram na seleção de variedades, com intenso contato entre melhorista e pro-dutor. “A macaúba é muito interessante para populações de baixa renda, isso porque ela é perene, você planta uma só vez e a mesma planta produz por anos seguidos, a exemplo do café. Além disso, pode-se usar a entressafra para plantar outras coisas, você não vai mecanizar, não exige terrenos planos. É uma alter-nativa importante para essas populações que não plantam culturas mecanizadas porque não dispõem de solo, ambiente e condições propícias”, diz.

PotEnCial Para gErar EnErgia

O que parece redundante resume bem a complexidade deste trabalho: se melhoramento, como o próprio nome diz, é desenvolver uma coisa melhor do que já existe, a tendência é que, quan-to mais variedade houver de uma de-terminada planta e quanto mais ela for pesquisada, mais difícil se tornará o me-lhoramento em algum estágio. Para os especialistas, não é nenhuma novidade nem contradição, mas sim algo inerente à atividade. “A planta mais recente em termos de melhoramento no Brasil é a macaúba. A gente observa uma variabi-lidade grande em quantidade de óleo, fruto, caule. É muito fácil achar coisa boa no começo. Daqui a uns cem anos, quem continuar vai ter muita dificulda-de, esgotando a variação que interes-sa, pois terá se chegado a um patamar. Melhoramento depende disso, é fazer o melhor”, analisa.

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PionEirismo no mElhoramEnto da Cana

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Com o mais antigo programa de melho-ramento de cana-de-açúcar em atividade no País, desde 1933, a unidade do IAC em Ribei-rão Preto (SP) foi escolhida há pouco mais de um ano para acolher a terceira réplica da coleção mundial da cultura – as outras estão na índia e nos Estados Unidos. O diretor do Centro de Cana IAC, Marcos Landell, explica que a instituição sempre teve uma coleção, mas começou a dialogar internacionalmente para deter um arquivo com maior variabilida-de genética.

Ao todo, são 1.500 variedades de cana vindas principalmente das regiões de origem, na Ásia, como índia e China. E a escolha do País não foi à toa, relata o pesquisador: se deve à importância estratégica na produção de cana e, também, à insistência do próprio IAC. “Neste primeiro ano de operação, em co-operação com a iniciativa privada, trouxemos 200 materiais dos Estados Unidos que estão sendo introduzidos, mantidos em quarente-na, para que não haja risco de novas pragas. Agora o esforço é aumentar a capacidade de importação através da ampliação do quaren-tenário do IAC, quem sabe com 300, 350 por ano. Para o Brasil, a coleção tem significado econômico. Estamos importando este mate-rial, que está hoje em Miami, e a expectativa é que em três ou quatro anos tenhamos con-cluído esta tarefa”, pontua Landell.

Criar novos tipos de cana-de-açúcar para atender a indústria sucroenergética é o prin-cipal objetivo do Centro de Cana IAC, reorga-nizado há vinte anos. Detentor, dentre vários projetos, de 22 variedades sucroalcooleiras, sendo duas com características forrageiras que passaram a ser referência nacional por atender o importante segmento da pecuária de corte e de leite, o Centro vem estudando desde 2009 tipos selvagens, mais rústicos, para desenvolver uma nova cana voltada à produção de energia via biomassa. “A cana-energia, como chamamos, tem alta capaci-dade de acúmulo de biomassa, alto teor de fibra e baixo teor de açúcar”, conta Landell. Ele observa que enquanto a planta conven-cional registra de 10% a 13% de fibra, o novo biótipo apresenta acima de 20%, podendo atingir valores superiores a 30% de fibra. Já o teor de açúcar, próximo a 17% na conven-cional, passará para 1% a 3% na cana-energia.

Na prática, isso significa o dobro ou triplo de produtividade quando consideradas as novas possibilidades do etanol de segunda geração, utilizando-se para industrialização a cana- energia. A expectativa, conforme o diretor, é que a tecnologia esteja disponível no merca-do dentro de quatro anos.

“Estamos criando o novo tipo de cana a partir de um cenário da futura indústria que irá fazer uso desta matéria-prima. Os progra-mas de melhoramento brasileiros estão num exercício de tentar prever como será a indús-tria que vai converter e, assim, selecionar ge-nótipos que venham atendê-la com grande eficiência. Esse exercício é bastante difícil para nós, pois o desenvolvimento de uma nova cultivar pode durar até quinze anos. Então, temos que nos antecipar em mais de uma década quando realizamos as nossas hibrida-ções, visando produzir os novos tipos que vão atender à indústria de quase duas décadas depois. O melhor seria se tivéssemos uma si-nalização segura da área industrial quanto aos processos que serão utilizados para o proces-samento da nova matéria-prima que estamos “inventando”. Para nós, é um esforço redobra-do”, admite o pesquisador.

“Vinte anos atrás, fizemos um exercício para imaginar qual seria a canavicultura do

século 21, qual a cana ideal para atender este novo cenário, como seria plantada e colhi-da, se teria ou não mão de obra suficiente e chegamos à conclusão que todo processo de plantio e colheita seria mecanizado. Pas-samos a projetar a cana ideal para atender aos processos de mecanização, selecionan-do aquelas com hábito de crescimento mais ereto, uniformidade biométrica dos colmos e grande capacidade de perfilhamento que garantisse canaviais mais longevos, mesmo sob trânsito mais intenso de equipamentos nos talhões.

Com certeza, sofreríamos impacto e ris-co de pisoteio maiores. Então essa cana teria que ter uma habilidade extra para se perpe-tuar, com bastante perfilhamento e, também, maior capacidade de fechamento das entreli-nhas, sombreando e reduzindo, assim, o efeito de plantas daninhas. Tudo isso se confirmou, e a planta ideal para atender a canavicultura atual é bastante próxima desta que projeta-mos há vinte anos. Hoje, nós acreditamos que haverá dois tipos de cana: a cana-de-açúcar e a cana-energia, esta última para atender co-geração e produção do etanol de segunda geração. Podemos ser exatos nesta prospec-ção de cenários do mesmo modo que acer-tamos vinte anos atrás, mas podemos nos equivocar nesta projeção. É um risco inerente à pesquisa”, relata Landell.

Com três décadas dedicadas à pesquisa, o diretor avalia que os projetos de melho-ramento genético no País estão bem estru-turados quando comparados ao que é feito em outras regiões canavieiras do mundo, mas alerta para deficiências na área de apro-veitamento efetivo de recursos humanos treinados nas universidades e instituições públicas. “O melhoramento genético de ca-na-de-açúcar hoje é muito dependente de investimento privado. Por um lado, isto indica a sensibilidade da área de produção para um segmento da pesquisa de extrema importân-cia para a sustentabilidade do negócio sucro-energético. Por outro lado, este modelo de financiamento está suscetível às intempéries econômicas, como as que estamos passando no momento, colocando em risco a continui-dade de importantes projetos e estudos que darão sustentabilidade ao setor nas próximas décadas”, alerta.

Marcos Landell, diretor do Centro de Cana IAC: ampliação da coleção de variedades

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Atender os mercados de etanol, de primeira e segunda gerações, e bio-diesel tem sido o foco das pesquisas de melhoramento genético da Em-brapa Agroenergia, como explica o pesquisador Alexandre Alonso. Coor-denador do projeto Palmáceas para Produção de óleo e Aproveitamento Econômico de Co-produtos e Resídu-os, ele destaca duas culturas conside-radas tradicionais, com sistemas de cultivo, logística e escala de produção já bem desenvolvidos: cana-de-açúcar e palma de óleo.

No primeiro caso, em vez de traba-lhar novas cultivares via melhoramen-to tradicional, a unidade, sediada em Brasília (DF), desenvolve variedades de cana transgênicas mais tolerantes a estresses abióticos, principalmente frio, e adaptáveis à seca. “O objetivo é desenvolver novas variedades que possam ampliar a área de cultivo com a espécie pela inclusão de áreas hoje consideradas não aptas”, esclarece o pesquisador.

EmbraPa tEm foCo no Etanol E biodiEsEl

Alexandre Alonso, coordenador do projeto Palmáceas para Produção de Óleo e Aproveitamento Econômico de Co-produtos e Resíduos da Embrapa Agroenergia

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Já no caso da palma de óleo, a Embra-pa possui um programa de melhoramento estabelecido que vem, ao longo dos anos, disponibilizando materiais genéticos su-periores, cientificamente chamados i.e. híbridos intra e interespecíficos, que re-sultam maior produção de cachos e óleo por hectare. “A finalidade é disponibilizar materiais genéticos mais produtivos e com maior resistência a estresses bióticos e abióticos”, pontua o coordenador. Além dessas culturas, também é desenvolvido o melhoramento de outras espécies co-mumente agrupadas como potenciais, pinhão-manso e macaúba, visando me-lhorar características relacionadas à arqui-tetura da planta para sistemas de cultivo intensivo. “Ambas as espécies destacam-se pela elevada produção de óleo, e o obje-tivo das pesquisas atualmente é conhecer sua diversidade e iniciar o seu processo de adaptação para cultivo tecnificado”, conta.

Alonso lembra que o País é hoje refe-rência no mercado de agroenergia, princi-palmente devido ao sucesso obtido com o etanol produzido a partir da canade--açúcar e do biodiesel a partir do óleo de soja. “O caso da soja é emblemático, pois sem todo o trabalho de melhoramento de-

senvolvido com a espécie não seria possível o culti-vo extensivo em áreas de Cerrado. Alonso ressalta que os resultados do me-lhoramento benefi-ciam desde o ho-mem do campo, passando pelas empresas, até chegar ao c o n s u m i d o r final. Ele pon-dera que, para muitas culturas, o desenvolvimento de novas cul-tivares mais produtivas via melhoramento pode significar um salto de produção, tor-nando o empreendimento mais lucrativo e/ou sustentável. Já no caso das espécies destinadas à produção de biodiesel, pros-segue o coordenador, existe ainda um im-portante componente social. “Empresas produtoras de biodiesel devem garantir a compra de matéria-prima de pequenos agricultores familiares.

O desenvolvimento de matérias-primas mais produtivas, portanto, tem grande po-

tencial de geração de empregos, especial-mente no que tange à agricultura familiar. Em ultima instância é a população que se beneficia das pesquisas em melhoramento genético, pois a disponibilização de mate-riais genéticos mais produtivos contribui para a garantia da segurança energética, para o aumento da quantidade e qualidade dos produtos – nesse caso, biocombustí-veis e coprodutos –, e também para a gera-ção de empregos e renda”, afirma.

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