Mem Rias e Quotidianos Alimentares Nas Minas Da Borralha

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Minho

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  • 1 | As culturas do trabalho noBarroso

    MemriasdosquotidianosalimentaresnasMinasdaBorralha

    As culturas do trabalho noBarroso

  • FICHA TCNICA

    Projeto de investigao para interveno museolgica As culturas do trabalho no Barroso

    ENTIDADE RESPONSVEL PELO ESTUDO

    Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro

    Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento

    Coordenao geral e cientfica de Xerardo Pereiro

    Textos e fotografias de Daniela Arajo

    Fotografias a p&b de autor desconhecido

    Design de Dina Fernandes e Paulo Reis Santos

    PARCEIROS DO PROJETO CMARA MUNICIPAL DE MONTALEGRE E ECOMUSEU DE BARROSO

    FINANCIAMENTO ON2, CCDR-N E CMARA MUNICIPAL DE MONTALEGRE

    Montalegre 2012

  • 3 | As culturas do trabalho noBarroso

  • O Ecomuseu de Barroso

    A faculdade da memria a mais valiosa herana com

    que Deus dotou o ser humano. Ser possvel imaginarmo-

    nos a viver sem ela? Como seria viver sem lembranas?

    O que aconteceria?

    Toda a nossa fora intrnseca, toda a nossa vida consciente

    deixaria de existir; perdamos parte da dimenso humana,

    ou seja, milhes de anos de experincia feita. Aqui se

    alicera o conceito de patrimnio, na sua dimenso

    agregadora e de responsabilidade de preservao e

    valorizao. Como se diz em Barroso: O que recebemos,

    temos obrigao de deixar igual ou melhor Neste

    sentido, foi criado o Ecomuseu de Barroso que se

    caracteriza como um espao aberto, um espao da

    povoao, do ordenamento do territrio, da identidade da

    populao, tendo em ateno os valores do presente, do

    passado e do futuro. Neste espao, o visitante converte-

    se em ator-participante.

    O Ecomuseu situa objetos no seu contexto, preserva

    conhecimentos tcnicos e saberes locais, consciencializa

    e educa acerca dos valores do patrimnio cultural.

    Implica interpretar os diferentes espaos que compem

    uma paisagem; permite desenvolver programas de

    participao popular e contribui para o desenvolvimento

    da comunidade.

    Este projeto de desenvolvimento sustentvel tem dado

    continuidade ao trabalho de pesquisa sistemtica, tarefa

    que permite inventariar a globalidade de patrimnio

  • 5 | As culturas do trabalho noBarroso

    construdo do territrio de Montalegre e Boticas, tendo em

    vista a posterior salvaguarda e valorizao dos espcimes

    selecionados pelo seu particular interesse patrimonial e

    divulgados nos plos de Salto, Pites, Tourm, Paredes

    do Rio e Vilar de Perdizes.

    A anlise das construes associadas conservao

    e transformao dos produtos tem permitido um

    melhor conhecimento da arquitetura popular da regio,

    nomeadamente dos canastros, dos moinhos, dos fornos,

    das fontes, dos pises e dos lagares, entre outros

    edifcios de produo agrcola que contribuiro para o

    reencontro com a identidade cultural local. O Ecomuseu

    de Barroso um espao de memria vocacionado para

    o desenvolvimento, dando particular destaque ao

    Patrimnio Imaterial de que prova este trabalho.

    Nenhum desenvolvimento poder ser sustentvel, num

    concelho com mais de oitocentos quilmetros quadrados,

    se a populao local no reconhecer as riquezas do local

    onde vive, e se no comear a ter dividendos da valorizao

    desses stios a que alguns chamam patrimnio, enquanto

    outros apenas a vem patrimonos. Esta nova viso ter

    implicao no modo de vida da populao e na sua forma

    de encarar o futuro.

    David Teixeira, Director do Ecomuseu de Barroso.

  • O projeto de investigao para interveno museolgica

    As culturas do trabalho no Barroso, foi desenvolvido

    pelo Ecomuseu de Barroso em colaborao com a UTAD,

    atravs do CETRAD (www.cetrad.info), o Plo da UTAD em

    Chaves e a antroploga Daniela Arajo. A investigao,

    que se iniciou no ms de junho de 2011 e se prolongou

    at ao final do ms de maro de 2012, teve a orientao

    cientfica do antroplogo Xerardo Pereiro investigador

    efetivo do CETRAD e docente da UTAD em Chaves.

    Os objetivos da investigao centraram-se na anlise

    das culturas do trabalho sobre o Barroso, articulando-se

    com as linhas de actuao do Ecomuseu de Barroso, uma

    instituio que tem contribudo, decisivamente, no

    apenas para colocar o Barroso no mapa, mas tambm

    para reverter, simbolicamente, a imagem e a realidade

    desta regio raiana do Norte de Portugal. Mais

    importante, ainda, tem sido o papel do Ecomuseu de

    Barroso na reorganizao e articulao das comunidades

    afirmando a sua cultura como um capital sociocultural

    importante e til para viver e criar planos de vida nestas

    terras do interior.

    Entendemos por culturas de trabalho as que se geram

    nos diferentes processos de trabalho, nomeadamente

    aquelas que resultam da ocupao de diferentes posies

    nas relaes sociais de produo. E o trabalho de Daniela

    Arajo tem sido minucioso, rigoroso e extremamente

    reflexivo e cuidado, fruto no de recolhas, mas de uma

    etnografia reflexiva de um intenso conviver humano com

    os seus protagonistas, nos seus quotidianos vivenciais

  • 7 | As culturas do trabalho noBarroso

    mais familiares. na observao dos e com os outros

    que Daniela Arajo tem construdo teorias antropolgicas

    vividas pelos agentes sociais do Barroso. Desta forma,

    a investigao e os seus resultados ajudam-nos a a

    construir novos olhares sobre as novas ruralidades .

    Longe de ser um exerccio de exotizao ou

    primitivizao, o trabalho de Daniela Arajo mostra o

    velho e o novo, as permanncias e as transformaes,

    as tradies e as inovaes, as localidades e as

    globalidades, as pluriatividades e as especializaes

    nas formas de trabalhar e produzir no Barroso. A reside

    a sua mais-valia, isto , a rejeio de um ruralismo

    exoticista para posicionar-se na compreenso das

    lgicas, conhecimentos e saberes nativos, e o seu

    valor universalista e global. Pensamos que, com esta

    investigao e as suas aplicaes, o visitante e o

    residente podero criar mais facilmente quadros de

    referncia interpretativos e de traduo intercultural

    que nos ajudem a compreender melhor os sentidos do

    viver humano.

    Xerardo Pereiro, Coordenao geral e cientfica.

  • 9 | As culturas do trabalho noBarroso

    Memriasdosquotidianosalimentares nasMinas daBorralhaEm 1904 foram feitas as primeiras concesses

    para a explorao do Couto Mineiro da Borra-

    lha. Desde ento, e at 1986, ano em que as

    minas encerraram, os quotidianos alimentares

    construram-se a partir de um conjunto de es-

    truturas, prticas, rotas, produtos e pessoas.

    No mbito das estruturas de fornecimento de

    comida, algumas eram geridas pela empre-

    sa que explorava o Couto Mineiro ou dadas

    em concesso a privados. Outras, de menor

    dimenso, estavam a cargo de particulares e

    complementavam ou substituam a oferta da

    empresa.

  • Uma das primeiras estruturas a ser criada pela

    empresa foi a Cantina no incio da segunda d-

    cada do sculo XX (figura 1).

    O edifcio que albergava a Cantina inclua tam-

    bm o talho (figura 2), o armazm de vinhos,

    a leitaria, a seco de venda da padaria e a ta-

    bacaria.

    Inicialmente, a Cantina foi gerida pela empre-

    sa e, s mais tarde, passou a ser explorada por

    particulares.

    Ao contrrio do que o nome poder indicar, a

    Cantina no era um local onde se forneciam

    refeies. A oferta aproximava-a mais de um

    figura1

    figura2

  • 11 | As culturas do trabalho noBarroso

    mini-mercado atual. Na Cantina, vendiam-se

    desde sapatos a produtos alimentares. No

    havia outro local onde se pudessem fazer as

    compras e, em Salto, faltavam as lojas que

    abastecessem os trabalhadores das Minas.

    Mrio Mendes, nascido em 1941, representa a

    terceira gerao de trabalhadores da Borralha.

    Os avs paternos eram de Salto e, no incio do

    sculo XX, foram para a Borralha onde a av

    montou uma penso junto ao atual edifcio dos

    escritrios. O av foi encarregado no tempo do

    fundador da empresa, Monsieur Marijon e, o

    pai, mais tarde, foi tambm encarregado geral.

    Mrio Mendes, que trabalhou como eletricista,

    recorda:

    Era uma mercearia forte, onde todos os dias vinham c abastecer vinhos, azeite e tudo isso. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

    Antnio Rita nasceu em 1936, era filho de um

    operrio da empresa e trabalhou nas Minas

    desde os 14 anos. Tambm ele se recorda de ir

    Cantina e do caixeiro Miranda:

    O Abel de Miranda era caixeiroera em-pregado do balco, vendia-se arroz, massa, acar, tudo a granel. O arrozera avulso, o

  • acar era avulso, o feijo avulso, o gro de bico avulso. Agora j no deve haver nada, mas ainda tinha aquelas caixas, armrios. (Antnio Rita, 8-12-2011)

    A Cantina tambm faz parte das memrias

    de Antnio Louro. Nascido em 1927 na fregue-

    sia de Celeirs, em Braga, foi para a Borralha

    porque quis fugir da fome que havia no Minho.

    Comeou a trabalhar como apanhista em Li-

    nharelhos no incio da dcada de 1950. Em 1952

    entrou ao servio da empresa como serralheiro

    e fazia as compras na Cantina da empresa:

    Comprava na Cantina, uma casa que hoje est abandonada. Tinha tudo, era da companhia, era tudo e vinhos, era uma fartura, onde vendiam barato, v. (Antnio Louro, 12-10-2011)

    Aps o fecho da empresa em 1958, e a posterior

    reabertura em 1962, a Cantina passou a ter ou-

    tro modelo de gesto, sendo a sua concesso

    dada a particulares. Mrio Mendes recorda-se

    bem daqueles que tomaram a seu cargo a ex-

    plorao da Cantina:

    O Sr. Machado do Castelo foi o primeiro, depois foi o Sr. Henrique Coutinho. E depois o Sr. Go-mes at ao fecho em 1986. A mulher do Gomes era

  • 13 | As culturas do trabalho noBarroso

    a viva do marchante, do talho, do talhante, do Joo Marchante. Chamavam-lhe a Tia Maria Marchanta. J morreram todos. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

    Com essa alterao no modelo de explorao,

    a Cantina deixou de ser apenas utilizada pelos

    trabalhadores das Minas e pelas suas fam-

    lias e passou a ser possvel a qualquer pessoa

    abastecer-se nesta estrutura.

    Ao longo do tempo foram surgindo outros es-

    tabelecimentos, mercearias, geridos por parti-

    culares. Entre esses estabelecimentos estava

    o Leonel e o Grande.

    O Leonel, nome do proprietrio da loja com

    o mesmo nome, fez a sua casa junto ao Rio

    Amiar, mesmo em frente a uma das pontes

    de madeira que o cruzam. O seu filho, Carlos,

    herdou-lhe o negcio e, atualmente, gere com

    a me, segunda mulher de Leonel, o mini-mer-

    cado. Na loja vendiam-se alimentos, vinho e

    azeite a granel e era prtica generalizada ven-

    der a fiado.

    Cndida, que nasceu e vive na Seara, era uma

    das clientes do Leonel. Tem 75 anos e, em 1967,

    esteve um ano na Borralha com o marido que l

    trabalhou como mineiro durante quatro anos.

  • A outra loja, o Grande, estava situada nas ime-

    diaes da Lavaria Nova junto a outros estabe-

    lecimentos de venda de produtos alimentares

    e de comidas, como o Porfrio ou a Barraca. No

    Grande, Cndida tambm fazia algumas com-

    pras:

    Um barril de vinho, 100 litros, para todo o ms. (Cndida, 15-9-2011)

    Havia mais lojas de produtos alimentares situa-

    das no Bairro Novo, junto aos Quartos Novos ou

    mais perto da Lavaria Nova e que fazem, ainda,

    parte da memria coletiva da Borralha: o Rufino,

    o Jlio Rato, o Guerra, o Agua, o Luciano, a Jlia

    e o Francisco. Ao Rufino iam fazer compras mui-

    tos dos que viviam em Salto:

    Foram criando mercearias como o Rufino nos Quartos Novos, beira do penedo, aquela casi-nha. Era a loja essencial dos de Salto porque era mais perto. Ali tambm se fazia o lanche, os far-ristas iam ver o andamento dos polcias, bebiam ali umas tigelas, jogavam ali a malha e iam vendo. E ele tambm tinha um gnero de mercadoria com variedade de coisas. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

  • 15 | As culturas do trabalho noBarroso

    No edifcio da Cantina tambm funcionava a lei-

    taria. A leitaria foi sempre gerida pela empresa

    e, em 1958, quando a empresa fechou, o diretor

    de ento, Frank Renault, deu a concesso da

    mesma D. Madalena, a governanta da direo

    e da quinta de Cani onde eram criadas as va-

    cas turinas que forneciam o leite leitaria:

    Ao fim da tarde o leite era posto nessa cantaria, nos cntaros, e traziam e vendiam ali s pessoas que podiam. Normalmente mais engenheiros e encarregados. Recordo-me da leitaria. Ia l pra-ticamente todos os dias; ou eu ou um dos meus irmos. ramos cinco rapazes e uma rapariga. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

    Com uma populao maioritariamente masculi-

    na a trabalhar nas Minas, e estando muitos dos

    homens a viver sozinhos na Borralha, a empresa

    criou, no incio da dcada de 1940, um refeitrio,

    figura4

    figura3

  • a Penso, para fornecimento de refeies aos

    trabalhadores das Minas.

    figura5

  • 17 | As culturas do trabalho noBarroso

    Mas j existia, nessa altura, uma penso parti-

    cular, a Penso Repblica (figura 3), gerida pela

    Madame (figura 4), uma francesa, que servia

    refeies apenas aos engenheiros e ao diretor

    das Minas da Borralha.

    A Penso Repblica ter funcionado entre 1930

    e 1957. Muitos anos aps o seu encerramento,

    Antnio Rita comprou o fogo a lenha que a

    Madame usava para cozinhar (figura 5).

    O edifcio da Penso (figuras 6 e 7) foi constru-

    do no local onde, anteriormente, tinha funcio-

    nado o campo de andebol e de basquetebol.

    Antnio Rita recorda, ainda, a construo do

    edifcio da Penso: figura7

    figura6

  • Era o refeitrio para dar almoos aos solteiros, aos das camaratas, porque havia muita rapaziada sol-teira a trabalhar. Eu tinha quatro anos, vnhamos ver o futebol, ainda vi aquilo tudo com relva, no havia casas de venda. L em baixo no tinha rvo-res nenhumas, era tudo liso, aquelas bancadas de cimento eram para o futebol. Depois de constru-rem o edifcio, a Pensofuncionou no rs do cho. Nesta altura, o escritrio era no edifcio da dire-o. Depois que a Penso passou para o primeiro andar e o escritrio para o rs do cho. (Antnio Rita, 14-9-2011 e 8-12-2011)

    figura8

  • 19 | As culturas do trabalho noBarroso

    Enquanto que os homens oriundos das aldeias

    integradas no Couto Mineiro tinham a possi-

    bilidade de tomar as refeies em casa, ou de

    trazer comida de casa, para aqueles que ti-

    nham vindo de outras freguesias ou de outros

    concelhos e que no dispunham nem de condi-

    es de alojamento para cozinhar, nem de uma

    estrutura familiar que facilitasse a preparao

    da comida em casa, a Penso constitua a solu-

    o mais fcil (figura 8):

    Foi sempre almoo e jantar. Mais gente ao al-moo, sobretudo para aqueles que no tinham aqui a famlia. Muitos casados que no traziam as famlias para aqui. Muitos viviam nos arra-baldes, em Cani e em Linharelhos e, quando saam, muitos preferiam at ficar l nos aloja-mentos e esses, por exemplo, vinham trabalhar s duas horas e, de manh, ainda faziam um biscate ao lavrador e, como era muita gente, o refeitrio at 1958 tinha sempre muita gente, quer ao jantar, quer ao almoo. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

    Com o casamento, e se as mulheres ficavam

    a viver com eles, era frequente os homens

    deixarem de comer na Penso. As mulheres

    asseguravam a preparao das refeies que

    passavam a ser tomadas em casa ou levadas

  • para a empresa. Foi o caso de Antnio Louro

    que tomou sempre as suas refeies na Pen-

    so at 1955, ano em que se casou:

    Comia na Penso at me casar. Comia-se bem. Um pratinho normal de trabalhador. Arroz, batatinha, por a fora, a semeazinha no faltava. Tinha um pra-to de conduto, chamavam-lhe o presigo antigamente e a sopinha. Eram essas comidas. E a sopita e o po-zinho e o vinho quem quisesse pagava. Era parte. Tirava-se uma senhazinha, mas j no me lembra quanto pagava, mas era pouco. Era mesmo s para os operrios. Era s para os trabalhadores, mecni-cos, eltricos. Toda a gente. At o apanhista tinha direito a l ir. Comia muito bem. Depois casei-me, em 1955, h 56 anos, uma vida longa, pronto, dei-xei de ir Penso. (Antnio Louro, 12-10-2011)

    Quem optava por comer na Penso tinha de se su-

    jeitar, nos primeiros anos do seu funcionamento, a

    um cardpio muito rudimentar.

    Eles tinham ali a primeira coisa que era a sopa, uma tigela em alumnio, no estrelinha, era quase como a estrelinha, massinha, era muito grosseira, feita de massa de terceira ou para a, sei l bem. Grande n-mero comia essa sopa que tinha legumes. O prato j recente, no princpio era s sopa. Tinha o azeite e talvez daquela carne alentejana, um gajo comia uma sopa dessas, muito bom. (Antnio Rita, 14-9-2011)

  • 21 | As culturas do trabalho noBarroso figuras9e10

  • Mrio Mendes, em criana, fazia com o pai in-

    curses aos bastidores da Penso (figuras 9 e

    10) onde se fascinava com os equipamentos de

    cozinha:

    Havia duas, trs caldeiras grandes, tipo tropa, para aquelas marmitas grandes. As caldeiras eram para provocar o aquecimento para poder cozinhar. O combustvel era lenha. As camione-tas traziam para aqui a lenha. Uma caldeira era para a sopa. A outra caldeira era para o presigo. (Mrio Mendes, 21-9-2011)

    Para comer na Penso era obrigatria a aqui-

    sio prvia de uma senha (figura 11) que se

    comprava nas mesmas instalaes onde fun-

    cionava a Penso.

    Aps o encerramento da empresa em 1958, e

    a reabertura em 1962, a Penso passou a ser

    explorada por particulares. No entanto, nesse

    perodo de encerramento da empresa, a Penso

    continuou sempre a funcionar: havia que asse-

    gurar um fornecimento mnimo de alimentos a

    uma populao desempregada sem outros mo-

    dos de subsistncia. As carncias eram tantas

    que o proco de ento, o Padre Joo, pedia lei-

    te e queijo Critas e pagava a duas mulheres

    que iam de manh para o refeitrio, e serviam, a

    figura11

  • 23 | As culturas do trabalho noBarroso

    quem quisesse e precisasse, um po com queijo

    e leite.

    Christian Savegrand veio pela primeira vez s

    Minas da Borralha, de frias, em 1963. Em 1966

    mudou-se do bairro Montmartre, em Paris,

    para a Borralha. No tinha por hbito comer na

    Penso, mas ajudou a definir os mecanismos

    de funcionamento desta estrutura:

    Fizemos a cantina e demos a cantina em explora-o. Entrega-se a uma pessoa, obrigada a man-ter um determinado preo para os trabalhadores e famlias. Estava um preo limitado correspon-dente a uma refeio razovel. A partir da, a exploradora da cantina fazia o que queria com os visitantes, com quem no fosse pessoal das Minas. Para os trabalhadores havia uma refei-o razovel. Era para quem quisesse. Qualquer funcionrio. (7-10-2011)

    A Sozinha, o Ribeiro, o Avelino, o Toninho,

    Antnio Rita e Alexandre foram aqueles que

    tomaram a seu cargo a explorao da Penso.

    Antnio Rita, quando assumiu a explorao da

    Penso j era responsvel pelo laboratrio das

    Minas. Um ano depois de ter entrado na empre-

    sa para fazer a limpeza das tubarias, Antnio

  • Rita, aos 15 anos, comeou a tirar amostras das

    Lavarias para anlise. Em 1957 j tinha assumi-

    do a direo do laboratrio. Foi nesse ano que

    comeou a cumprir o servio militar. Era o encar-

    regado da messe dos oficiais e a ele cabia-lhe

    a responsabilidade das compras. Mas tambm

    cozinhava e servia. Alm de ter tido e dado au-

    las de cozinha:

    Estive l 16 meses e tinha calcinha preta de ris-co e casaquinho branco. Quando sa daqui do laboratrio j ia habituado a lutar com loias, trabalhava com guas frias, quentes, reagentes, para mim nada era estranho. (Antnio Rita, 8-12-2011)

    Paralelamente, nos fins de semana, trabalha-

    va num hotel na Barrinha de Esmoriz e acumu-

    lava experincia. E foi essa experincia que,

    em 1964, lhe permitiu assumir a explorao da

    Penso:

    Ganhava mais nesse trabalho do que ganhava aqui na empresa. Cada servio que eu l fazia era 40 escudos. Isto em 1957. Nesses 16 me-ses, preparei-me, equipei-me. Eu disse mi-nha mulher: Queres ir?.Ai tantagenteparacozinhar!.Euensino,ponhotudook!. Comprei um servio para fazer a restaurao para trabalharmos com mais

  • 25 | As culturas do trabalho noBarroso

    fora porque o pessoal estava a crescer. Eu tinha empregados na Penso, tinha l a mulher, tinha uma filha, estavam todos a trabalhar l. A mi-nha mulher cozinhava e tinha outras mulheres a ajudar. Tinha o laboratrio e depois do labo-ratrio ia para baixo. Fiquei at depois do 25 de abril. Servamos almoos e jantares. O almoo era sopa e um prato de peixe ou um prato de carne. (Antnio Rita, 8-12-2011)

    A Penso tambm chegou a fornecer refei-

    es aos alunos da Escola Profissional da

    Borralha. A Escola foi fundada pela empresa,

    tambm por iniciativa do Padre Joo, aps a

    visita, em 1954, da imagem da Nossa Senho-

    ra de Ftima s Minas da Borralha. O objeti-

    vo da Escola era o de proporcionar aos jovens

    uma formao em reas relacionadas com

    a empresa, como o curso de montador e de

    eletricista:

    O Padre Joo e os engenheiros fundaram esta escola para esta rapaziada toda que saa da esco-la primria e estava sem lei. Quando a empresa fechou em 1958, as instalaes da Escola passaram l para cima, para o Bairro Novo e ainda l fun-ciona. Houve uma altura em que a empresa deci-diu dar a refeio s crianas da escola. No meu tempo de escola, antes do recreio, o professor

  • perguntava quem que ia comer ao refeitrio. Contavam e um dos alunos vinha transmitir Penso que ia ter x refeies para a Escola. Era a partir da uma hora, porque o pessoal comia do meio dia para a uma, e uma eram as crian-as. Isso deu-se at 1958. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

    A Penso chegou tambm a funcionar como

    lugar de culto. Depois da visita da imagem da

    Nossa Senhora de Ftima, o Padre Joo come-

    ou a vir de Vila Real, todos os domingos, ce-

    lebrar missa nas instalaes da Penso. Poste-

    riormente, estabeleceu-se enquanto proco na

    Borralha, celebrando missa todos os dias em

    Cani e, aos domingos, na Penso. F-lo at

    construo da igreja da Borralha.

    Para aqueles que trabalhavam em estruturas

    das Minas que ficavam distantes do edifcio da

    Penso, como a Lavaria Nova ou o Ncleo de

    Stockwerck, tornava-se difcil, no horrio da re-

    feio, a deslocao at Penso. Nesse caso,

    a opo era levar comida de casa e tom-la jun-

    to aos edifcios onde se trabalhava. Amrica

    Pereira lembra-se, ainda, das comidas trazidas

    de casa pelos trabalhadores:

  • 27 | As culturas do trabalho noBarroso

    s vezes iam Penso, o que como trabalha-vam todos aqui nesta Lavaria (Nova) e l em cima no Stockwerck ficavam aqui mais perto do que ir l abaixo. Eram duas ou trs sardi-nhas embrulhadas num pano ou num papel, sabe Deus como, para levar para o lanche, ou para a parte da manh ou para a parte de tar-de. (Amrica, 13-10-2011)

    figura12

  • Outra soluo era irem comer Barraca da me

    de Amrica ou a uma das outras tascas que

    foram surgindo. Amrica, hoje com 81 anos,

    nasceu no lugar de Carvalho, em Salto. A me

    era de Carvalho e o pai da Corva. Quando ainda

    era um beb de dias, a me foi com ela para a

    Borralha onde j vivia o marido que vendia car-

    ne. O nome da venda, A Barraca, tem origem

    na barraca que o pai ergueu para poder matar

    os animais e vend-los (figura 12):

    Era marchante de carne. S vendia carne de vitela. Mas ele ia comprar as vitelas e ma-tava-as e depois que as ia vender. Vendia aqui, tinha aqui uns ganchos muito grandes de pendurar as vitelas, ali dentro, aqui nes-ta casa. No sei se a vendia toda aqui ou se ia com alguma senhora vender pelas portas, aqui na Borralha. Eu tenho memrias de ver ali as vitelas penduradas. Penduradas por uns ganchos, umas vezes pela garganta, outras ve-zes por baixo, para o sangue sair. (Amrica, 13-10-2011)

    O pai de Amrica no era o nico a negociar

    alimentos. A me criou oito filhos e fazia po-

    tes de comida para vender aos trabalhadores

    das Minas. Barraca no iam as mulheres,

    que preferiam trazer uma merenda de casa. A

  • 29 | As culturas do trabalho noBarroso

    Barraca era um espao de clientela masculina

    gerido por uma mulher:

    O trabalho dela, naquela mar, era, ns aqui chamvamos-lhe os potes, aquelas panelas de trs pernas, de ferro, fazer um grande pote de sopa e arroz de feijo e sardinhas e vender aos mineiros. Eles vinham aqui comer. Os potes eram grandes, levavam mais de um cntaro de gua. Vinham aqui comer sardinhinhas e o pratinho do arroz, a malguinha da sopa, a tigelinha do vinho. Sopa, o presigo com massa, arroz ou batatas ou fosse o que fosse, com carne, o que se podia arranjar e uma tigelinha de vinho. De um quartilho ou de meio quartilho. Era de meio litro ou um quarto. S comiam os homens, as senhoras l traziam uma merendinha de casa. Eu aju-dava a cozinhar. (Amrica, 13-10-2011)

    Distante da Barraca ficava uma outra casa de

    comida: a Truta (figura 13) Nesta casa de pasto,

    situada num dos caminhos de acesso s Minas

    da Borralha, serviam-se merendas a quem che-

    gava e a quem partia.

    A Truta era explorada pela primeira mulher do

    pai de Carlos:

  • A Truta era uma casa de pasto. Quem vinha tra-balhar, a paragem obrigatria era a casa da Truta. (Carlos, 9-12-2011)

    Tambm o Leonel chegou a vender na sua mer-

    cearia comida pronta a comer. D. Teresinha,

    me de Carlos recorda essas vendas de comida:

    Vendia vinho e mercearia e vendia sardinhas, bolos de bacalhau, fazia a minha sogra e a pri-meira mulher dele. E eu cheguei a fazer alguns.

    figura13

  • 31 | As culturas do trabalho noBarroso

    A minha sogra cozia po e vendia po. (Teresinha, 9-12-2011)

    Para os trabalhadores oriundos das aldeias si-

    tuadas nas imediaes das Minas, havia a pos-

    sibilidade dos familiares lhes levarem a comida

    ao local de trabalho. Tiago era um desses ho-

    mens. Natural da aldeia do Cani, onde ainda

    vive, comeou a trabalhar nas Minas da Borra-

    lha no dia 26 de setembro de 1946. Desempe-

    nhou as funes de capataz e de escriturrio

    mas, quando a empresa esteve parada, aps a

    II Guerra Mundial, foi guarda na Fundio:

    Trabalhava aqui muita gente, como estava muita gente de fora, no tinha casa, no tinha nada, no tinha mulher para cozinhar, no tinha nada, havia as tascas, uma data de tascas. S aqui em cima, em Cani, havia trs tascas. Iam as mi-nhas irms. Levavam-me l o comer. Casei em 1952. Depois as minhas irms j estavam fora. Ia l levar a mulher. Tive seis filhos. Tambm levavam l a comida. A mulher mandava a comi-da pelos filhos. Comia o que como agora, o que comi sempre, batata, massa, arroz, carne, baca-lhau. Levavam numa cesta, numas panelinhas. (Tiago, 13-10-2011)

  • Havia, at, quem recebesse comida, embora

    no diariamente, da famlia que vivia em luga-

    res mais distantes. Manuel, que hoje vive em

    Agra, levava po ao pai que estava a trabalhar

    nas Minas. Seguia pelo caminho de Agra, atra-

    vessava a Serra da Cabreira e de companhia le-

    vava o medo aos lobos:

    Eu ia levar ao meu pai e a uns tios meus. O meu pai trabalhava l e ficava l nos Quartos Novos, estava l durante a semana. No era todos os dias, s se levava um po de seis em seis dias, quando estivesse cozido. No ia todas as sema-nas. Ia de vez em quando, quando o meu pai no vinha c abaixo. Levava po e mais alguma coisa. Ia a p. Para a duas horas de caminho. A pri-meira vez que l fui tinha nove anos. Ia sozinho. Saa s 7h de manh e s 11h j c estava. Levava o po num saco. De pano, de serapilheira. Uma vez fui sozinho (Manuel, 10-10-2011)

    A oferta alimentar proporcionada pela empresa

    foi desde muito cedo complementada pela ven-

    da ambulante que diariamente invadia as ruas

    da Borralha. Um dos locais de eleio era o largo

    em frente ao edifcio onde funcionava o escrit-

    rio e a Penso. Vendiam-se roupas, tiravam-se

    retratos e havia comidas prontas a comer, iscas

    de fgado e de bacalhau e vinho (figura 14):

  • 33 | As culturas do trabalho noBarroso

    figura14

  • Havia muitos vendedores ambulantestudo, no faltava nada, calado, pataniscas. Bacalhau, de farinha, faziam as coisas ali. Eram s mulhe-res. Algumas eram do bairro, outras vinham de Cani, j no posso dizer o nome delas, im-possvel. Comprava s para apreciar! Era o pe-tisco que se usava muito at em Salto. Bacalhau fritinho ou s ovos e farinha. s vezes comia, s para variar. E para as mulheres tambm terem para vir ali, temos que ajudar tambm esses por-menores, no ? (Antnio Louro, 12-10-2011)

    Se as mulheres que vendiam comida pronta a

    comer viviam na Borralha ou nas aldeias em re-

    dor, como Cani, havia muitas outras que vi-

    nham de mais longe para vender frutas, arroz,

    massa, acar, caf e bacalhau seco. Foram es-

    sas mulheres que, nos anos de maior escassez,

    nomeadamente a seguir II Guerra Mundial,

    possibilitaram a chegada de alimentos Bor-

    ralha:

    Se no fossem elas no fim da Guerra, morria-se fome. Uma trazia fruta, outra trazia massa, ou-tra trazia arroz, bacalhau. Passavam aqui os dias. Aqui no havia. Salto no chegava para nada. A gente ia buscar mas aquilo no dava para nada. Em Salto s se comprava com senhas. (Tiago, 13-10-2011)

  • 35 | As culturas do trabalho noBarroso

    Essas mulheres vinham de Fafe, de Cabeceiras

    de Basto, de Roas, de Agra, de Sudro, de Sala-

    monde, de Bucos, de Carrazedo, de Braga e atra-

    vessavam as serras, com os cestos cabea,

    para chegar Borralha e ganhar o seu sustento.

    Quotidianos durssimos feitos de percursos di-

    rios de muitos quilmetros. Rotas alimentares

    que ligavam a Borralha a outros lugares. Expor-

    tava-se minrio e recebia-se comida:

    Lembro-me muito bem! Com panos at aqui para no borrar as pernas e o caralho, as picas, era burel, co-bria at aqui, por causa do mato no ferir as pernas. De socos, de chinelos e carboredas que era antigamen-te umas tbuas que se pegavam com umas tiraseram soquinhos, v. Vinham de Salto, de Cabeceiras, de Roas, at de Braga vinham para aqui, vinha tudo! Sim, eram novas, especialmente aqui do Sudro, muita gen-tezinha, de Salamonde e por a fora. De Cabeceiras vi-nha muita gente pelo monte fora. Vinham por a fora e voltavam. De Fafe e de Cabeceiras e do Sudro, mas iam outra vez a p. cabea, fruta, po, e vinho doce, tudo. Ento no comprei tantas vezes! Isto ficava saturado de gente, por baixo e por cima. Havia aqui muita gente, beira de 1200, isto aqui, nos Quartos Novos, era por baixo e por cima. A fruta era muito boa. Naquela cal-ada por ali acima, por onde voc sobe, enchia-se de fruta. Ficavam ali espera de quem comprasse. (Ant-nio Louro, 12-10-2011)

  • Mas o largo em frente Penso no era o ni-

    co local onde se fazia a venda ambulante. Pelas

    ruas da Borralha, junto aos diversos edifcios da

    empresa ou s casas particulares, andavam as

    mulheres a fazer a venda. Chegavam, tambm,

    a ir vender s aldeias em redor das Minas:

    Ui! Andavam pelas portas! Andavam aqui pela porta e se houvesse a gente comprava. Era mais perto do que ir Cantina. Uns dias vinham umas, outros dias vinham outras. Elas faziam a venda e iam embora. Vinham de Fafe vender caf. Do Sical. Mas no vendem como agora. Agora uns pacotinhos mais quadradinhos e dantes era assim mais pequeninos. Traziam arroz, acar, traziam tudo e frutas. (Amrica, 13-10-2011)

    Os habitantes da Borralha lembram, ainda, alguns

    dos nomes dessas mulheres: a Varizes, a Odete,

    a Gracinda, a Jlia. Mas no eram apenas as mu-

    lheres que faziam a venda. Clemente, um antigo

    marteleiro nascido em Cani, recorda um dos ho-

    mens que tambm fazia venda ambulante:

    E o outro da burra que vinha a trazia fruta, tra-zia figos, trazia bagao, o Flato, de Roas. (Cle-mente, 10-10-2011)

  • 37 | As culturas do trabalho noBarroso

    Manuel Baqueiro, que guardava 250 vacas

    na Serra da Cabreira antes de ser capataz no

    tempo da florestao da Serra e de trabalhar

    nas Minas, cruzava-se com essas mulheres

    que caminhavam em direo Borralha.

    Baqueiro nasceu em 1929 na aldeia de Roas, em

    Vieira do Minho. A primeira vez que foi a Salto

    tinha 15 anos e recorda-se dos telhados de col-

    mo das casas da vila. Quatro anos depois, com

    19, comeou a guardar o gado na Serra. Todos os

    anos, durante nove anos, de 29 de maio a 29 de

    setembro ficava na Serra com o co, o cavalo, a

    pistola e a espingarda. E encontrou-se com de-

    zenas de mulheres nos trs caminhos de Agra,

    de Vila Boa e dos Anjos que cruzavam a Ca-

    breira. Caminhos hoje escondidos pelas muitas

    estradas que entretanto se rasgaram. Compra-

    va-lhes fruta e roubava-lhes beijos e carcias:

    No havia estradas. Isto era caminhos velhos. Vinham com cestinhos cabea. Cerejas, ce-rejinhas, pssegos, mas. Ai minha linda, que cerejinhas boas tu trazes! Coitadinhas, tinham de governar a vida delas. E o homem escolhia aquilo que queria. Se elas fossem jeitosas, um homem piscava. Mais lindas que as cerejas. Eu no sabia se havia de comer as cerejas, se haviano digo mais nada! Havia-as a to lindas! Eu

  • no ia atrs delas, elas paravam minha beira, comprava-lhes a fruta, pedia-lhes um beijinho, s vezes davam. Olha, se fosse peiteroso com elas todas, no fazia outra coisa. Agora com estas orelhas a cair para baixo! No meu tempo vivi bem. Coitadinhas, at parece mal um homem fugir de uma mulher. Era feio! Eu regalei-me com tantas mulheres boas, cerejas, fruta que um homem estava mortinho por comer! Os homens ficavam a fumar l em casa e elas vi-nham sozinhas para arranjar moina para o outro dia. S ficavam por a nas aldeias alguma que tivesse cama de Graa. As velhotas dormiam por l. Tinha dias salteados, uma vinha segunda, outra vinha quarta. Era toda a semana. No aguentavam ir todos os dias que era muito lon-ge. (Manuel Baqueiro, 7-9-2011 e 10-10-2011)

    figura15

  • 39 | As culturas do trabalho noBarroso

    cabea, as mulheres tambm traziam cestos

    de po. Aida, nascida em 1946 no bairro das Trin-

    cheiras, na Borralha, lembra-se dessas mulheres:

    Havia mulheres que vinham de Salto com as canastras cabea, mas o po no dava para toda a gente. Vinha uma senhora com o po, que j morreu. Vinha a senhora Natlia que chegava ali a Cani, pousava a canastra, eu nasci aqui e fui criada em Cani, pousava a canastra e os meninos reuniam-se volta dela e ela repartia po aos bocadinhos, dividia para todos os meninos. Dava po s crianas. Pega-va no po e partia para todas as crianas. Na-quele tempo tambm no era muita fartura. No como agora. (Aida, 10-10-2011)

    O comrcio ambulante de po, realizado por es-

    tas mulheres, complementava a venda de po

    na padaria da empresa. A padaria foi, no incio

    da segunda dcada do sculo XX, juntamente

    com a Cantina, uma das duas primeiras estru-

    turas de fornecimento alimentar montadas

    pela empresa. Vendia po aos trabalhadores

    das Minas e s suas famlias. O racionamento,

    em funo do nmero de elementos do agre-

    gado familiar, nos anos de maior carncia, obri-

    gava compra do po com senhas (figura 15).

  • Na padaria da empresa (figuras 16, 17, 18 e 19), fa-

    ziam-se bijus, bicas e smeas. A farinha de trigo,

    rara nas casas dos lavradores, permitia confecionar

    outros tipos de po:

    Faziam as smeas, aquelas broas pequeninas. Tem centeio e talvez um cheirinho de trigo. Aquilo era saboroso. Na padaria cozia-se o biju, a carcaa, que a bica, e a smea. Trigo s na padaria. Depois mais tarde comearam a fazer os cacetes. Os lavradores faziam po de milho e de centeio. Era s o gado e o po que fabricavam, o centeio e o milho. Antigamente havia muito mi-lho amarelo e o po de milho amarelo legtimo bom e saboroso. (Antnio Rita, 14-9-2011)

    Com o encerramento da empresa no final da

    dcada de 1950, a padaria da empresa tambm

    deixou de funcionar. Contudo, com a reabertu-

    ra da empresa, a padaria no voltaria a abrir as

    suas portas. Nessa altura, abriria uma padaria

    particular, junto ao Leonel, gerida pelo Sr. Al-

    bano.

    Havia, ainda, quem no tivesse uma padaria

    mas cozesse o po em casa e o vendesse aos

    trabalhadores das Minas e s suas famlias. D.

    Amrica ainda tem em casa a p (figuras 20 e

    21) que usava para meter o po no forno e as

    figuras16,17,18e19

  • 41 | As culturas do trabalho noBarroso

    figuras20,21,22e23

    badejas para badejar o po (figuras 22 e 23).

    Vendeu po para sustentar a casa e os 12

    filhos. Teve uma vida dura. Guardou o rebanho

    de ovelhas da famlia at a empresa ter decidido

    construir o ncleo de Stockwerck e a Lavaria Nova.

    A partir dessa altura, os pais decidiram que era

    perigoso andar no monte com os animais to

    perto das estruturas mineiras. No teria mais do

    que 10 anos. Mas, de cada vez que voltava para

    casa, trazia os aventais cheios de volfrmio

    que apanhava enquanto vigiava os animais.

    Uma farria infantil que, j na idade adulta, a

    levou muitas vezes a passar as noites na priso

    das Minas. Aprendeu a fazer po com a me. O

    marido, que era palista nas Minas - apanhava

    os escombros - casou-se com ela quando j es-

    tava grvida do quinto filho:

    Fui padeira. Aprendi com a minha me. Po de milho e po de centeio. Fiz a venda de po mais de 20 anos. Os meus pais j tinham morrido quan-do comecei a cozer para vender. Morreram bem cedinho. Fazia quando a canalha era pequena, era muito filho. Assim que arranjasse 60 escudos para comprar os 15 quilos de milho e os 7,5 quilos de centeio eu j no tinha medo fome porque tinha po para alimentar os filhos. Havia muitas mulheres que escondiam o po. Mas o meu po estava l sempre disposio dos filhos. Acabaria

  • naquela hora, mas para o outro dia j havia. Nun-ca escondi o po aos meus filhos. Havia mulhe-res que escondiam para no comerem tudo. Mais tarde comecei a fazer venda de po. Cozia sete ou oito vezes por semana. Era quando trabalhava aqui muita gente e todas as casas por a estavam habitadas, estava tudo habitado, at vendia l para l cima para o Bairro Novo e tudo. Comprava 15 quilos de milho e 7,5 quilos de centeio que era para misturar. Fazia algumas oito ou nove broas. Tinha uma masseira, maior que esta mesa. Penei-rava a farinha. Depois de vir do moinho tem de ser peneirado, para sair o farelo. Depois amassa-mos, depois tem de levedar. Da masseira, depois tirava-se, cortava-se aos bocadinhos e fazia-se a broinha muito arranjadinha e punha-se no ten-dal para tornar a crescer mais um bocadinho. De-pois de estar lvedo, para a gente o poder pr na p, para ir para o forno, tinha de ter uma badeja. Ainda tenho as duas. Tirava da masseira e tinha de o pr aqui assim, truc, truc, truc, para pr na p, para poder levar ao forno. No se podia me-ter o po sem as badejas. Era para dar a forma. Ainda tenho as badejas de badejar o po. No sei, mas isto capaz de ter mais de 40 anos. Esta era para uma broa que fosse de seis ou sete quilos. Esta era para uma broinha mais pequenina, de trs quilos. J muito velhinha. O po centeio preciso dar-lhe muitas voltas, porque pega mais.

  • 43 | As culturas do trabalho noBarroso

    O de milho s andar de volta e amassar. E depois arranjava-se muito arranjadinho para pr na p e no forno. A p era uma coisa que se queimava muito, sabe, porque a gente s vezes para o forno no descair, para no sair a temperatura, deixa-mos brasas porta do forno e a gente ao pr a p na porta do forno, queimava. Para botar o po dentro do forno era preciso ter fora. A p j de si pesada e com a broa do poAs mais pequeni-nas eram trs quilos e as maiores para cima de sete quilos. Era um forno de pedra, de tijolo de volta. Levava nove broas. Arroba e meia de po. Ainda cabia mais um bocadinho. Tinha semanas em que todos os dias cozia po. Cozi muitas broinhas de po. Eram broas de milho. Tinha o forno em casa e era s questo de ir buscar a lenha. A para cima havia muita lenha, turgueira, gestas, codeo, cha-mamos ns. Os rapazitos ainda vinham comigo e ajudavam. Mas depois que parou houve muita necessidade. No havia nada. Nesses quatro anos, fui farrista, ia apanhar o minrio. Naquele tempo a vida era ruim. s vezes vi-me aflita para dar aos filhos. (Amrica, 13-10-2011)

    D. Amrica comprava as farinhas na moagem

    da D. Glria. D. Glria tem 88 anos e herdou dos

    pais o moinho que eles compraram junto ao

    Penedo do Rufino. Nasceu na Corva, tal como

    os pais. No se lembra do ano em que foi viver

  • para a Borralha, mas recorda-se de, quando

    j l estava, ouvir falar da Guerra Civil em

    Espanha. O pai foi o primeiro a sair da Corva

    para ir para a Borralha trabalhar nas Minas.

    Depois, mais tarde, vieram a me, D. Glria e o

    irmo. Hoje, o moinho j no trabalha. Antiga-

    mente, moa milho e centeio que lhe traziam

    de Roas e era preciso picar as pedras para que

    moesse bem:

    Vinham com um camio, com um carro, j vi-nha carro. De burro vinham s vezes trazer uma carga para moer, os lavradores que queriam a fornada moda e punham nos animais. (Glria, 12-10-2011)

    Cobrava um litro de cereal por cada rasa moda.

    Vendia s mulheres do Bairro Novo e dos Quar-

    tos Novos que coziam as broas para as fam-

    lias. Depois do 25 de abril, com a venda de po

    feita pelas padarias, o negcio foi diminuindo.

    D. Cndida foi uma das clientes de D. Glria:

    Eu comprava o po c em baixo ao p da Mina do Beco, Sr Glria que moa o po milho e centeio para todo o pessoal da Borralha. L no havia padarias, quando eu l estive no havia padarias, as pessoas juntavam-se duas ou trs, amos l buscar a farinha, para aquecermos o

  • 45 | As culturas do trabalho noBarroso

    forno grande, metamos l quatro ou cinco con-sortes o po, cozido num forno a lenha, co-roa do bairro. Tinham um mais pequenino para quem quisesse cozer e no tivesse parelhas. Foi em 1967. (Cndida, 15-9-2011)

    Para alm dos fornos particulares em casa

    dos lavradores e dos fornos comunitrios nas

    aldeias em redor das Minas, existiam, tam-

    bm, os fornos que a empresa construiu, nos

    diversos bairros operrios, para utilizao das

    famlias dos operrios. A utilizao do forno

    no Bairro Novo, dado o grande nmero de pes-

    soas, tinha de ser gerida pela empresa. Quem

    precisava de usar o forno, tinha de passar pelos

    escritrios e marcar vez.

    Para rentabilizar a utilizao dos fornos, por

    vezes, juntavam-se vrias mulheres. Os fornos

    no serviam apenas para cozer o po. Tambm

    se faziam assados:

    Comprava-se farinha, faziam milho, faziam centeio, faziam trigo. Eu cozi muitas vezes o po. Havia fornos, havia muitos. Havia um for-no no bairro, havia ali outro nas Trincheiras, foi onde eu nasci, havia outro no Cani, do pbli-co, havia muitos fornos, e nos Quartos Novos h outro, ainda l est. E no bairro da Travenca

  • h um forno muito bom. Nas Trincheiras havia outro forno onde eu cozia o po e ficava como nozes. Tanto cabrito, como anho, como frango, como a gente lhe metesse o que fosse, s vezes juntavam-se duas ou trs, olhe ficava tudo como as nozes. At o pozinho. Ficava tudo como nozes. Eu dizia para a minha comadre:Maria,istoestcomonozes! (Aida, 10-10-2011)

    Os quotidianos alimentares das Minas da Bor-

    ralha construram-se, igualmente, a partir das

    comidas que se comiam dentro das minas. Os

    turnos de oito horas das 5-6 horas at s 13-

    14 horas ou das 13-14 horas at s 21-22 horas

    permitiam aos mineiros tomarem o almoo

    ou nas suas casas ou na Penso. A prtica era,

    ento, a de levar uma merenda para o interior

    da mina para matar a fome a meio do turno:

    Levava a bucha, mas no levava uma rapariga! No entravam mulheres na mina. Tnhamos meia hora para comer. Olhe umas sardinhas, era o que havia. Umas sardinhas fritas, depois era um bocadinho de bacalhau. (Amrico, 12-10-2011)

    Quando os homens no viviam sozinhos eram

    as mulheres, esposas e mes, que assumiam a

    preparao da merenda que eles levavam para

  • 47 | As culturas do trabalho noBarroso

    dentro das minas. O po com bacalhau frito

    parecia ser o petisco mais comum:

    Preparava-lhe umas postinhas de bacalhau, por-que o meu marido trabalhava das 13 horas s 21 horas. Quando fosse s quatro e meia que co-mia, mas ele ia bem almoado. E depois vinha noite comer o jantar. hora do lanche era a postinha de bacalhau, frita, com po ou ento levava um bocado de queijo ou de marmelada, umas sandes, e quase sempre uma pea de fruta. (Cndida, 15-9-2011)

    figura24

  • Dois filhos meus ainda trabalharam nas minas, por pouco tempo, depois foram sua vida. Foi a melhor coisa que fizeram. Era uma vida muito dura. Tinham de levar a buchinha deles. Era o que se podia arranjar. Era eu que fazia, ou baca-lhau frito, ou peixe frito, ou uma omoleta com alguma coisa que eu pudesse meter, um pozi-nho, uma garrafinha, para o lanche para a tarde. Eles pegavam s 2 horas e s saam s 10 horas da noite. Almoavam aqui e depois levavam a me-renda. (Amrica, 13-10-2011)

    As normas relativas ao consumo de bebidas

    dentro das minas parecem ter sido variveis,

    de poo para poo e de poca para poca. Cn-

    dida, em 1967, recorda a interdio de bebidas

    alcolicas dentro das minas:

    Para beber, l no bebia vinho. L tinham gua, tinham as mangueiras com a gua. Quando queriam beber, desligavam do martelo. Leva-vam o bocadilho. (Cndida, 15-9-2011)

    A interdio parecia ser, contudo, desconhecida,

    para outros mineiros. Rosa, a irm de Clemente,

    refere o vinho que o irmo levava para o interior

    da mina transportado num gato (figura 24).

  • 49 | As culturas do trabalho noBarroso

    Tambm para Savegrand e para a sua equipa,

    no estava interdito o lcool dentro da mina;

    apenas os excessos eram punidos. Na constru-

    o do Poo de Santa Helena, Savegrand pas-

    sou horas e horas. Por vezes, era necessrio

    pedir para enviarem comida e bebida para os

    homens que ficavam no poo mais do que as

    oito horas habituais:

    De vez em quando havia um trabalho que tinha de se acabar, havia aquele acordo. Eu mandava vir mas era o nico a fazer. Cheguei a telefonar para fora e a mandar vir uma grade de cervejas e umas sandes para a gente comer uma bucha e poder continuar e acabar o servio, sem vir c acima. Eu telefonava para cima, havia telefone, no em todo o lado, mas no fundo dos poos havia telefone. Telefonava para o homem do guincho que chama-va um trabalhador, vailcompraristoparaoSavegrand,e ia comprar para o Savegrand e depois o Savegrand ia pagar. Uma garrafinha de cerveja para cada um e uma sandes de fiambre, queijo. Cheguei a co-mer a merenda com eles. As sandes eram feitas na loja em cima, na Lavaria Nova, era a loja do Porfrio. Havia a loja do Porfrio e a loja do Grande. Mas os engenheiros de mina, o prprio diretor tcnico da mina no gostavam de ver a cerveja ir l para baixo. Uma vez, o diretor chegou l em cima, no elevador, e eu tinha deixado a grade de

  • cerveja e uns pacotes. Dequemisto? para o Save-grand!Ah,bom Os trabalhadores levavam comida, levavam um quarto de vinhoalimento proibido no havia, o que era proibido era excesso de be-bida. Um pouco de vinho, um quarto de vinho, uma cerveja, tudo bem. Mais, havia repreenso. Ficava a garrafa fora. Havia sempre um vigilan-te, um capataz a controlar as entradas, para saber quem estava ao servio, dar uma vista de olhos. (Savegrand, 7-10-2011)

    Se, por um lado, o excesso de lcool era proi-

    bido, por outro, o leite passou a ser fornecido

    pela empresa aos mineiros aps o 25 de abril.

    O fornecimento foi realizado de acordo com di-

    ferentes metodologias:

    A distribuio do leite foi feita por reivindicao e depois imposta por contrato de trabalho. O nosso camio ia buscar semanalmente o leite Agros. No princpio comearam a impor que fosse dado o leite ao incio do turno mas as pessoas no ficaram receti-vas porque tinham acabado de tomar o seu pequeno almoo. Uns poderiam tomar, mas a outros dava-lhes problemas no intestino. Isso passou por mim porque eu era o presidente da comisso de trabalhadores e ento achmos por muito bem que o leite no fosse distribudo a essa hora. Depois, o contrato foi mais explcito e j indicava uma quantidade exata, um li-

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    tro. Repare que antes no se dava um litro e era muito complicado dar um copo de leite. Depois quando foi institudo o protocolo em que se distribua o leite, foi a melhor coisa que se fez, porque davam de manh e as pessoas levavam e bebiam se queriam ou poderiam levar para casa. Contudo, fazer com que o trabalha-dor fosse tomando o leite no percurso no dava por questes prticas. Por isso mesmo chegou-se con-cluso de que seria melhor entregar o litro de leite no trmino do trabalho. Dava para a alimentao deles ou dos filhos e no outro dia traziam o termo com o caf se entendessem. (Mrio Mendes, 15-12-2011)

    Com o fornecimento de leite procurava-se di-

    minuir as probabilidades de intoxicao provo-

    cada pelas poeiras dentro das minas:

    A companhia dava o Agros para os trabalhadores da mina por causa da intoxicao. Dava um litro de leite a cada trabalhador, todos os dias, ao en-trar da mina, logo ali por causa do p. S quem ia para o fundo. O leite combate a silicose. (An-tnio Louro, 12-10-2011)

    Mas havia quem preferisse guardar esse leite

    e d-lo aos filhos. Era o que fazia Manuel Ba-

    queiro, quando, depois de passar anos a guar-

    dar as vacas e como capataz na florestao da

    Serra da Cabreira, trabalhou nas Minas como

    picheleiro:

  • A minha arte era boa mas perigosa. Picheleiro, ar gua. Nas minas era ar e gua tambm, no anda-va nos escombros. Era consertar mangueiras, meter mangueiras. No podiam ir trabalhar sem regar os escombros, como botavam fogo, ficava aquele tufo. J morreu quase tudo quem andava l comigo. Era dar o litro de leite a cada um. Mas leite frio, l na mina, como que se podia, no prestava para nada. Deixava--o c fora e trazia-o para casa. O meu no o levo para a mina. Metia-o c fora e vinda metia-o saca e vinha para casa. Tive seis filhos e trs filhas! Foi trabalhar! (Manuel Baqueiro, 7-9-2011)

    Apesar da permisso para comer dentro das minas,

    as condies para o fazer eram mnimas. Inicialmen-

    te, comia-se no cho ou em p:

    Comamos de p ou sentava-se no cho. Comamos onde calhava. Faziam o escombro e a gente arranjava um pau seco, uma tbua, sentava-se. (Amrico, 12-10-2011)

    Posteriormente, houve a preocupao de dar mais

    conforto para os mineiros tomarem a merenda den-

    tro da mina:

    L dentro, sobretudo depois do 25 de abril, havia lo-cais prprios na mina em todos os pisos, um recanto mais agasalhado onde se comia, se instalavam umas

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    mesas. Foram-se criando condies para naquela meia hora poderem usufruir de mais conforto. (M-rio Mendes, 15-12-2011)

    Amrico chegou a participar na construo das es-

    truturas para a toma das refeies:

    Tnhamos mesas de madeira e bancos de madeira. ramos ns que fazamos. Cheguei a ajudar. (Am-rico, 12-10-2011)

    Tambm Savegrand recorda as iniciativas destina-

    das a melhorar as condies para os mineiros pode-

    rem comer dentro das minas:

    Fizeram uns buracos para eles comerem em zonas se-guras. Eu passei muitas vezes l. Havia mesas e bancos de madeira. Bancos corridos. Esto l. Os que ain-da l esto, na parte mais funda da mina, daqui a 50 anos vo encontr-los impecveis. Esto submersos, a madeira de pinho submersa, aguenta. (Savegrand, 7-10-2011)

    Os mineiros levavam a merenda para as minas

    transportando-a no burnal, um saco usado s cos-

    tas ou a tiracolo, feito de pano ou de lona e que se la-

    vava todos os fins de semana de to sujo que ficava.

    E, na mo, transportavam o gasmetro, indispens-

    vel para o trabalho debaixo da terra (figura 25).

  • figura25

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