me=morar

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:: coletivo :: corpo em casa Prêmio Klauss Vianna 2008 proponente Luiza Maria Almeida Rosa RELATÓRIO

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Relatório da criação do espetáculo de dança "me=morar, o corpo em casa" apresentado à Funarte como comprovação da criação e realização do espetáculo, contemplando com o Prêmio Klauss Vianna 2008.

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:: coletivo ::

c o r p o e m c a s a

Prêmio Klauss Vianna 2008proponente Luiza Maria Almeida Rosa

R E L A T Ó R I O

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o c o r p o e m c a s a

A memória não define posto que é chama. O farol não ilumina sendo que é cego. Mas se o que é meu ta guardado, pretende rima, desloca meu corpo encantado pra uma rotina. Estupidamente careca o pneu da vida, me põe de novo um martelo na mão da memória. Saio ilesa ou sofrida? Raiz ou Bandida? Me planto ou me benzo? O chão ou o relento? Me pe rde s de v i s t a s e c on t i nua r a ndando ? E o que importa o que é o olho se a retina da memória é mais forte... anarquista? O trilho con-tinua vindo. O vir é sua ação primeira. Assim caminho significa pra frente. E destino só remete à passagem.

por Maíra Espíndola, cenógrafa do espetáculo

:: coletivo ::

Prêmio Klauss Vianna 2008proponente Luiza Maria Almeida Rosa

R E L A T Ó R I O

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í n d i c e d o r e l a t ó r i o

o c o r p o e m c a s a

i n t r o d u ç ã o

a t i v i d a d e s d e s e n v o l v i d a s

i n v e s t i m e n t o d e r e c u r s o s

d i v u l g a ç ã o

p ú b l i c o p a r t i c i p a n t e

c o n s i d e r a ç õ e s f i n a i s

a n e x o s

f u n d a m e n t a ç ã o t e ó r i c ap e s q u i s a c o r p o r a l e p r o c e s s o c r i a t i v or e t o r n o d o p ú b l i c o : r e l a t o s

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Me=morar. O título do espetáculo surgiu antes mesmo dele se configurar como dança. Começou ideia, discutida entre os que confabulavam criar pela primeira vez um espetáculo de dança con-temporânea, e foi virando escrita que constituiu o projeto aprovado em 2009 pela FUNARTE (Fundação Nacional de Artes) – Prêmio Klauss Vianna de Dança, de 2008.

A transformação em espetáculo foi um processo ár-duo de incorporação e expressão dia após dia, de cinco meses intensos de trabalho, que uniu novi-dades de vários lados: primeira vez que se criava coletivamente sem verticalidade nenhuma para a tomada de decisões, primeira vez que se criava co-reografia, primeira vez que se tinha compromisso com órgão público, primeira vez que se habitava uma casa e a transformava em ambiente cênico cuja vizinhança era fonte inestancável de pesquisa e humanidade. Tudo poderia significar alguma coisa. Os sentidos ficaram aguçados durante o processo de pesquisa, montagem e assim permaneceram até o último dia de apresentação.

A casa 169 localiza-se em uma das únicas ruas que conservam paralelepípedos na cidade, em uma região que acaba de se tornar patrimônio histórico do município de Campo Grande e do Estado de Mato Grosso do Sul e recentemente nacional, por haver sido moradia de funcionários da estação ferroviária que deu início a Campo Grande como município de relevância econômica para o país.

No final da tarde a rua de casas uma ao lado da outra, que partilham muros baixos, fica movimen-tada com vizinhos tomando tereré ou chimarrão em conversas que, por falta de varandas, se desen-volvem nas calçadas, entre crianças, adultos, idosos que nos guiavam por ambientes imaginários e físicos da estação ferroviária Noroeste do Brasil construída em 1914, para ligar dois municípios (Bauru-SP a Co-rumbá-MS), e que entrelaçou vidas, que precisavam viajar por algum motivo.

A vida movimentada e acolhedora da rua Dr. Fer-reira, na vila dos ferroviários de Campo Grande, contrasta com os prédios da estação em estado de abandono. Havia continuidade de vida naquele local e assim eram as plantas que tomavam conta das ruí-nas, nascendo por entre pedras e concreto, lugares improváveis, imprevisíveis. Um lugar que nos reme-

:: coletivo ::

Instáveis sobre o chão da Casa 169,

experiências sensoriais mediam lacunas entre

abandono e relação, fluxo e estrutura.

Pelos cômodos, relatos. Histórias em construção.

i n t r o d u ç ã o

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o c o r p o e m c a s a

tia ao antigo em um momento em que nos propú-nhamos a falar de uma contemporaneidade.

Os intérpretes eram também criadores, pai e mães desse filho que exigiu atenção redobrada e que ren-deu aprendizado no caminho e no ponto de chegada. A princípio tínhamos uma noção do todo que preci-sou ser separado em etapas e responsabilidades in-dividuais, para poder se desenvolver dentro do pra-zo estipulado com a qualidade almejada. Ana Maria Rosa, Franciella Cavalheri, Júlia Aissa, Luiza Rosa, Paula Bueno e Yan Chaparro, integraram o núcleo de interpretação e criação do espetáculo e coorde-naram subdivisões:

:: Produção: Ana Maria:: Pesquisa de movimento: Franciella e Júlia:: Pesquisa teórica: Yan:: Divulgação: Paula:: Coordenação geral: Luiza

Aliados ao núcleo de interpretação, criação e coor-denação, agregaram-se:

:: Mary Saldanha, que concebeu os figurinos.:: Maíra Espíndola, que concebeu e instalou cenário e iluminação.:: Jonas Feliz, que concebeu a trilha sonora.:: Werther Fioravanti, que atuou na produção do espetáculo, na execução da trilha sonora e na assistência de instalação do cenário e ilu-minação.:: Carol Araújo, que atuou na produção da ven-da de ingressos.

Tateando no escuro, no sentido de não ter previa-mente definido como queríamos o resultado final, a montagem desse espetáculo esteve disposta a con-versar opiniões entre os criadores-intérpretes e pro-fissionais da produção e aberta para os acasos que pudessem gerar transformações.

Ao longo da montagem criamos nossos próprios parâmetros, nossa história, à qual precisávamos nos voltar, recordar, memorizar, incorporar para poder atuar em relação. Exigiu-nos foco para nos relacio-nar com vontades individuais voltadas para um co-letivo.

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:: coletivo ::

Durante a elaboração do projeto de montagem do espetáculo “me=morar”, no final de 2008, já haviam sido feitas aproximações em torno do espetáculo:

:: Primeiros contatos com o dono da casa, o professor mestre Edson Silva, que iria abrigar o espetáculo, caso o projeto fosse aprovado;:: Aproximação dos integrantes do coletivo corpomancia do ambiente da rua Dr. Ferreira, com a história do local e discussões em busca de um consenso sobre método e temática a ser abordada;:: Atividades desenvolvidas aleatoriamente, sem ainda o rigor de um cronograma e já, desde esta etapa, atividades desenvolvidas de forma coletiva, ou seja, em que os integran-tes tinham poder de decisão e escolha sobre o planejamento do que iríamos produzir.

No dia 20 de abril de 2009 o resultado do Prêmio Klauss Vianna de Dança da Funarte foi publicado e o coletivo Corpomancia estava lá, na lista dos con-templados, representado pelo nome de uma de suas integrantes por ainda não ter identidade jurídica. Para representar juridicamente o coletivo, precisá-vamos nos aliar a uma empresa de caráter cultural, daí a parceria com a Companhia Circo do Mato, de teatro e circo, representado pelo palhaço, ator e produtor cultural Mauro Guimarães, cuja função foi mediar o recebimento dos recursos financeiros.

Em outubro de 2009 o prêmio foi efetivamente recebido, sendo repassado e administrado por Luiza Rosa, proponente do projeto e representante do Co-letivo Corpomancia, nesta ocasião.

Devido ao fato de se terem passado seis meses des-de a data de confirmação de obtenção do prêmio até a data de recebimento dos recursos, de haver tido adiamento da data de publicação do resultado, e ainda, do período negociado de locação da casa, a princípio, não estar disponível para o ano seguinte, o Coletivo Corpomancia teve de repensar o crono-grama de realização da montagem do espetáculo: optou-se por executar o projeto em um período mais curto de tempo. Em vez de ser realizado du-rante o período de 8 meses, conforme previsto no projeto, realizou-se em 5 meses – entre agosto e dezembro de 2009, sendo que o período de vivência na casa, para as criações de movimento, se restrin-giu a 2 meses, sem contar o mês reservado especifi-camente para a temporada de apresentações.

Mesmo com todas as alterações de cronograma, podemos considerar que conseguimos alcançar to-dos os objetivos previamente elencados.

A seguir serão apresentados de forma sucinta o novo cronograma, bem como uma breve descrição das atividades realizadas.

a t i v i d a d e s d e s e n v o l v i d a s

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ANTECEDENTES

Primeira reunião “oficial” do Coletivo Corpomancia sobre o projeto me=morar, a fim de definir os primeiros passos a serem percorridos

Início da mobilização a respeito da pesquisa teórica

Criação do grupo de mensagens Google “memorar”, nosso principal meio de co-municação – todos recebiam mensagens referentes a todas as etapas de realiza-ção do espetáculo, evidenciando o caráter coletivo do projeto

Definição de comissões ou coordenadorias e de coordenadores para a realização da montagem do espetáculo.

Entrada na casa. Início do primeiro aluguel, que se estendeu por três meses.Encontros de estudos teóricos. Estes encontros se davam uma vez por semana e os textos ora eram lidos com antecedência, ora lidos e discutidos durante a reunião. (ver item 1 do Anexo)

Pesquisa em documentos históricos no Arquivo Histórico de Campo Grande. Achados de registros históricos como a crônica “Memórias de um mudanceiro”, escrita por Abílio Leite de Barros, e de recortes de jornal da época da fundação da estação ferroviária de Campo Grande.

Primeira visita aos prédios abandonados da estação ferroviária, guiada pelo ex-ferroviário e morador da rua Dr. Carlos Pereira de Souza.

Primeiros contatos com os ex-ferroviários moradores da rua Dr. Ferreira.Visita aos prédios abandonados da estação ferroviária, desta vez apenas com os integrantes do Coletivo Corpomancia.

Experimentação corporal, vivência de improvisação e criação de células de movi-mentos

Primeiros contatos com a responsável pela cenografia e iluminação do espetá-culo, com a figurinista, com o responsável pela criação da trilha sonora, com as produtoras e com a equipe a ser contratada para realizar o registro audiovisual do espetáculo.

Elaboração coletiva do roteiro do espetáculo. Foram realizadas reuniões na casa, que se estendiam por horas, para criar a interligação das ideias provindas da pesquisa de movimento, baseada em improvisação a partir dos cinco sentidos do corpo, com as ideias provindas do contato do coletivo corpomancia com as estruturas abandonadas da estação ferroviária e com os e as moradores (as) da rua Dr. Ferreira.

Construção e definição coreográfica das cenas e ensaios

Concepção e instalação do cenário e iluminação

o c o r p o e m c a s a

FASE ATIVIDADES

LABORATÓRIO DE CRIAÇÃO E ATIVIDADES DE PRODUÇÃO

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AGO SET OUT NOV DEZ

:: coletivo ::

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o c o r p o e m c a s a

EXECUÇÃO

Concepção e criação da trilha sonora

Criação das peças do material de divulgação

Apresentação dos modelos dos figurinos elaborados pela designer Mary Saldanha e opção por buscar modelos parecidos em brechós, para fazer modificações. Op-tou-se por isso pela diversidade de tecidos e pelo barateamento da elaboração.

Contato com gráfica para apoio na impressão do material de divulgação do espe-táculo.

Viabilização de artifício para o isolamento acústico da casa visto o telhado ger-minado das casas na vila.

Primeira apresentação do “me=morar”, no dia 8 de dezembro de 2009, aberta apenas para os moradores da rua Dr. Ferreira e pessoas que deram apoio à real-ização do espetáculo. Nomeamos esta primeira apresentação de “pré-estreia”, por ainda não ser aberta ao público em geral.

Apresentações abertas ao público, as quais decorreram durante duas semanas, de quarta a domingo, com sessões às 19:30 e às 21h, com público máximo de 10 pessoas.

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FASE ATIVIDADES

(...) LABORATÓRIO DE CRIAÇÃO E ATIVIDADES DE PRODUÇÃO

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:: coletivo ::

Na folha anterior, passeio pelas ruínas da ferrovia em 1/set com sr. Carlos, ex-

ferroviário e morador da Rua Dr Ferreira. Com a sua fala, todo aquele espaço nos

pareceu preenchido de história

Nesta folha, retorno às ruínas em 15/set. Sem o sr. Carlos, o espaço tomou forma

de abandono

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AGO SET OUT NOV DEZ

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Para a realização das atividades listadas acima, o investi-mento referente ao valor do prêmio recebido foi direciona-do para diferentes setores, como pode ser visto na tabela que segue:

i n v e s t i m e n t o d e r e c u r s o s

o c o r p o e m c a s a

Pessoal Pagamento dos intérpretes-criadores.

Pagamento de profissional para a criação e execução do cenário e iluminação.

Pagamento de profissional para a criação dos figurinos.

Pagamento de profissional para a criação da trilha sonora.

Pagamento de profissional responsável pela produção.

Pagamento de profissional para auxiliar na produção e execução da trilha sonora.

Pagamento de profissional para a criação do material gráfico e desenvolvimento dos textos.

Contratação de serviços de contador.

Pagamento de aluguel, conta de energia elétrica, água e esgoto, compra de ma-teriais de limpeza.

* Conseguimos o apoio do JM, que nos emprestou, pelo período da tempo-rada, um banheiro químico para atender a possível demanda do público

Aquisição de materiais como: tintas, massa plástica, fechaduras, cadeiras, mesa, tecido, lâmpadas diversas, cortina de contas, pregos, parafusos, buchas, gan-chos, fita isolante, cola quente, fusível, bateria, interruptor externo, jornais, guarda-chuvas, leques, etc.

Houve a necessidade de contratar um marceneiro para a confecção de um tablado de madeira.

*Para compor o cenário utilizamos molduras emprestadas através do apoio firmado com Wenceslau molduras, tecidos em parceria com a Ginga Cia. de Dança, e plantas diversas, cedidas pela Floricultura Reunidas.

Aquisição de roupas em brechós, compra de renda e botões, pagamento de ser-viços de reparos e reformas.

*Para compor o perfil dos bailarinos, conseguimos apoio do Urbanos Ca-beleireiros para corte de cabelos e assessoria em penteado.

Aluguel de equipamentos de som.

Impressão de convites, ingressos, adesivos e banner, montagem de pasta do pro-grama especial, compra de rebites.

* A impressão dos demais materiais de divulgação foi garantida pelo apoio da a Gráfica e Editora Alvorada.

Além disso, foi estabelecida parceria com o Enlatado Postcard, para a im-pressão e distribuição de postais de divulgação.

SEGMENTO DESCRIÇÃO

Imóvel

Material de cenário e iluminação

Figurinos

Execução da trilha sonora

Material gráfico e divulgação

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:: coletivo ::

O blog “corpomancia.com.br” ou “corpomancia.blogspot.com” foi o principal meio que utilizamos para divulgar o me=morar e apresentar informa-ções pertinentes do projeto para o público.

De 2 de abril de 2009, quando ainda torcíamos para o resultado do Prêmio Klauss Vianna, a 26 de dezembro de 2009, quando finalizamos o ano no blog, foram 80 postagens relacionadas ao projeto. Podemos descrever o conteúdo destas postagens como:

:: Fragmentos de conteúdo teórico que utiliza-mos nos estudos para a construção do espetá-culo;:: Vídeos de experimentações em dança, tra-balhos gerais na casa e entrevistas realizadas durante a pesquisa para a montagem do espe-táculo;:: Fotos/ links para galerias de fotos de pesqui-sas de campo (principalmente visitas ao com-plexo ferroviário), estadia na casa, construção da cenografia (ambientação da casa), experi-mentações em dança e outros;:: Nossas impressões e pensamentos sobre o projeto, durante o processo de criação;:: Divulgação do espetáculo, com todas as in-formações destinadas ao público espectador, com botões de fácil acesso;:: Visualização de matérias impressas em jor-nais e links para publicações online sobre o es-petáculo;:: Trechos e links de textos sobre o me=morar, escritos por espectadores em geral, como estu-dantes de jornalismo, blogueiros e jornalistas.

d i v u l g a ç ã o

Nas fotos ao lado, alguns mo-mentos da estruturação do espetáculo: reuniões para definição de ações, coloca-ção de cenário, instalação do som no forro da casa, limpeza da casa e pesquisa de figurino.

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o c o r p o e m c a s a

A partir do mês de setembro, quando as postagens relacionadas ao me=morar ficaram mais freqüentes, houve também um progresso no número de acessos ao blog:

Layout do blog/site do coletivo na época de divulgação do espetáculo

MÊS N° DE ACESSOS/MÊS

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

Total de acessos

601

1.401

1.906

2.200

6.108

Estes números computados pela empresa Stat-Counter.com que também forneceu os seguintes dados para o mesmo período (setembro a dezembro de 2009):

Visitantes pela 1ª vez

Visitantes retornando

Total de visitantes

1.245

1.607

2.852

Ao lado, gráfico de acesso ao blog durante o período de setembro a dezembro de 2009, fornecidos pela em-presa StatCounter.com (acesso em 4 de janeiro de 2010, aproximadamente às 10:00 horas)

Além do blog do Coletivo, outras publicações refer-entes ao me=morar foram feitas através da inter-net nos seguintes endereços eletrônicos:

:: idança.net:<http://idanca.net/lang/pt-br/2009/12/07/casa-em-vila-operaria-vira-cenario-de-performance/13371/>

:: Palco Urbano: http://palcourbano.com.br//index.php?option=com_content&task=view&id=1391&Itemid=46>

:: Campo Grande News: <http://www.campogrande.news.com.br/canais/view/?canal=40&id=275646>

:: Midiamax News:<http://www.midiamax.com/view.php?mat_id=599597>

:: Mercado Cênico:<http://www.mercadocenico.com/2009/12/memorar.html>

:: Cia. Dançurbana:<http://blog.dancurbana.com/>

:: Ginga Cia de Dança:<http://gingaciadedanca.blogspot.com/2009/12/movimentos-e-memorias.html>

:: Blog do Esacheu:<http://esacheu.blogspot.com/2009/12/me-morar-ou-memorias-de-uma-ferrovia.html>

:: Casa do Maribondo:<http://casadomaribondo.blogspot.com/2009/12/tenho-corpo-logo-existo.html>

:: Jornal A Crítica:<http://www.acritica.net/>

Houve também a publicação de matérias em mei-os de comunicação impressos locais como o jornal O Estado de MS (10/12/2009) e Correio do Estado (9/12/2009), e ainda, veiculação de matéria em programa televisivo da Tv Morena (filial da Rede Globo em MS). Cópias dos jornais serão encaminha-das em anexo.

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:: coletivo ::

Acima, as matérias publicadas nos jor-nais locais referentes às apresen-tações do me=morar. No jornal O Estado de MS, o jornalista Thiago An-drade, além de visitar a casa para a entrevista, acompanhou uma sessão especial para os moradores da rua.

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A divulgação do espetáculo contou com o apoio da Gráfica Alvorada, que imprimiu as seguintes peças:

:: 3.000 postais :: 600 programas :: 400 programas especiais :: 200 cartazes (os cartazes foram impressos sem a informação de data e hora para que a sobra possa ser aproveitada em outras apresentações)*as peças serão encaminhadas em anexo.

cartaz postal

capa do programa especial

convite e ingressos

parte do programa distribuído

banner 2,20x0,74m colocado na facha da casa

banner 1,20x0,80m colocado no posto de venda (barraca Aparecida, da Feira Central)

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Nas fotos acima, imagens de bate-papos com a plateia após as apresentações. Na foto em destaque, detalhe do banner

do Prêmio Klauss Vianna na parede.

Na outra página, bate-papo com as crianças da rua Dr. Fer-reira, após uma apresentação especial para elas.

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:: coletivo ::

Como já descrito anteriormente, o número de pes-soas como plateia foi restrito, sendo estabelecido acomodar somente 10 pessoas por sessão. Isto se deu em função do tamanho da casa e de seus cô-modos, e do fato da vila dos ferroviários compor um espaço residencial, da rua Dr. Ferreira ser bas-tante estreita, e de não termos intenção de alterar tão fortemente o cotidiano dos moradores. Contu-do, chegando ao fim das apresentações houve uma abertura para um maior número de espectadores, além do aumento do número de sessões, visto a grande demanda.

As sessões foram realizadas durante duas semanas, de terça a domingo, e os ingressos foram vendidos a R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (estudantes, idosos e ex-ferroviários). Entre estas apresentações houve sessões exclusivas e gratuitas para os moradores da

p ú b l i c o p a r t i c i p a n t e

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vila e pessoas que participaram do processo de pes-quisa e criação do espetáculo.

Ao final da temporada conseguimos atender um pú-blico maior do que o esperado – contabilizamos um público total de 189 pessoas, inclusive com grande quantidade de pessoas que não são do meio artístico da dança, o que é uma exceção no perfil dos que apreciam espetáculos de dança na cidade.

Tabela 1 - Borderô da primeira semana de apresentações

Tabela 2 - Borderô da segunda semana de apresentações

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descrição e avaliação do projeto e do produto final

Podemos dizer que o resultado do produto final foi um tanto quanto diferente do que se imaginou a princípio. O deixar-se habitar o lugar, conviver com o tempo, pessoas, histórias, memórias e sentidos, nos levou a um resultado que nos deixou bastante satisfeitos.

Houve muitas coincidências durante o processo de realização do projeto: 2009 foi o ano de comemora-ção do centenário do início da construção da linha férrea Noroeste do Brasil no estado de Mato Grosso do Sul e também o ano em que o Conselho Consul-tivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional aprovou o tombamento do complexo fer-roviário da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – EFNOB, em Campo Grande.

O desafio de envolver muitas pessoas não parecia limitar as ações, os tempos pareciam coincidir para que houvesse além da diversidade, uma unidade de interesse em comum, algo que fez com que a condução do projeto fosse sendo feita de maneira orgânica, tudo a seu tempo.

Encontramos facilidade em conseguir parceiros e apoios culturais para viabilizar materiais para o cenário, venda dos ingressos, locação de banheiro químico, impressão de material de divulgação, etc.As dificuldades também se fizeram presentes. Os fa-tores climáticos do verão campo-grandense: calor intenso e chuvas, foram resolvidos com a inserção de leques distribuídos para a plateia antes de o es-petáculo começar e também de guarda-chuvas, nos

dias chuvosos. O som durante as apresentações, que vazava para a casa vizinha devido ao teto germi-nado, configurou-se como um dos grandes desafios. Utilizamos um material para o isolamento acústico, mas não foi suficiente. Assim, tivemos que contar com a compreensão e paciência dos nossos vizinhos.No cotidiano do habitar a vila ferroviária, des-tacamos a intensa a receptividade dos moradores da vila. Poucos foram indiferentes ou não se dis-puseram a nos ajudar com conversas sobre o perío-do em que trabalhavam na rede ferroviária. Muitos nos receberam como vizinhos, cuidando da casa, oferecendo água, chimarrão, comida, etc.

Interessante ressaltar que, além de trazer pessoas para assistirem a um espetáculo de dança contemporânea, o lugar escolhido para a realização do projeto contribuiu para o des-pertar de um olhar para uma região histórica e pouco divulgada na cidade. Muitas pessoas en-fatizaram o fato de nunca haver passado por aquela rua e ali puderam observar um ambiente que ainda mantém ícones da história da cidade, diferente do centro comercial, que já desconfigurou boa parte das fachadas de seus prédios e do restante da ci-dade, em que predomina a arquitetura modernista.

Os próprios integrantes do Coletivo Corpomancia conheceram mais sobre a história do local, o que possibilitou criar uma interpretação que os inseria

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de forma mais ativa nesse contexto histórico macro.Ao final de cada sessão era sempre reservado um momento para conversa, reflexão e troca entre plateia e intérpretes. Momentos importantes para o Coletivo, que se surpreendia, crescia e aprendia ao ouvir outras versões das cenas vividas durante o espetáculo.

Houve pessoas que expressaram sensibilização pela história, como o estudante de jornalismo Júlio Lobo, que se referiu à rua como “túnel do tempo” em texto produzido por ele logo após o espetáculo. Este texto, bem como outros relatos escritos serão apre-sentados na íntegra no Anexo deste documento.

O retorno dos moradores após assistir ao es-petáculo, senhores, senhoras, jovens e cri-anças que, em sua maioria, tiveram naquele momento seu primeiro contato com dança contemporânea (e qualquer forma de ex-pressão cênica), foi peculiar. Muitos demons-traram ter conseguido viver o espetáculo, se esqueceram de suas vidas fora dali para habitar outra realidade durante 50 minutos. Reconheceram ícones relacionados à estação ferroviária, sentimentos e emoções foram despertados, inclusive o susto e o medo, por vezes, afagados pelo soprar dos leques. Vi-zinhos receptivos, contentes com a ideia de terem o lugar onde vivem valorizado pelo o-lhar artístico de um coletivo e que nos fiz-eram vivenciar o aconchego de uma casa, não só pela construção arquitetônica, mas pelo sentido de coletividade, de cumprimentar ao encontrar na rua mesmo sem conhecer muito bem, de receber e conviver.

:: coletivo ::

A experiência da montagem do me=morar nos fez entender a complexidade da criação em dança con-temporânea tanto no sentido estético como nos de-safios encontrados na produção, para fazer as ideias se concretizarem, para encontrar materiais, fazer pesquisa de preço, conviver com a dúvida de se realmente é possível viver da montagem de espe-táculos de dança e dividir o tempo com outras ativi-dades econômicas e de estudo que nos envolviam naquele momento. E a esses desafios se acrescentou a proposta de criação coletiva, que fazia com que cada decisão, cada novo rumo encontrado, fosse compartilhado e aceito de acordo com a relevância ou não para a temática e parâmetro ao qual estáva-mos dando enfoque.

O espetáculo já foi reapresentado em 2010, em uma mostra de artes da cidade e o Coletivo Corpomancia pretende dar continuidade ao trabalho, em formato que consiga ser levado para circular e ser assistido em outras regiões do país. A casa e seu entorno ti-veram papel preponderante para a elaboração e encenação do espetáculo e a transposição do espe-táculo da casa para o palco ou para outras casas de vilas ferroviárias da Noroeste do Brasil, com toda a transformação de sentido que isso envolve, se configura como um grande desafio. Por enquanto, a produção de uma videodança, com início dos traba-lhos previsto para o mês de junho de 2010, consiste em uma das soluções encontradas para tal.

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a n e x o 1f u n d a m e n t a ç ã o t e ó r i c a

O produto em dança contemporânea intitulado como me=morar, foi consubstanciado por um tecido teórico que reflete a questão da memória entre emendas contem-porâneas dos estudos culturais e da arte no seu manifesto político – cultural.

Sendo assim, rascunhos nominais que transfere pesos às partituras teóricas como dos relatos e do cotidiano de Michel de Certeau, da rasura de Derrida, do sentido de Deleuze, do indeterminismo da cultura de Bhabha e da figura poética do espaço de Calvino, costuraram em de-senho de suporte e incorporação para a produção de todo o trabalho estético e corporal.

A narrativa cotidiana para produção da peça obedece a instantes de reuniões e discussões durante a construção coreográfica, do cenário e da trilha, pois o trabalho é con-struindo de maneira coletiva, o peso de cada integrante obedece a um mesmo limiar. Neste instante transfiro ao leitor a composição teórica narrativa que permitiu dar molde ao me=morar.

A memória é pensada entre as imagens dos relatos, como lembra Certeau “A dispersão dos relatos indica já a do memorável. De fato, a memória é antimuseu: ela não é localizável. Dela saem clarões nas lendas” (2005, p.189), pois a memória se movimenta e é inventada na especulação necessária que algo continua vivo, ela não é um aglomerado de sentimentalidades, mas sim uma artimanha do cotidiano em se restaurar como sujeito, ser eu e meu, uma composição delicada de lembrança e posições políticas, quando pensamos o entrelace de tex-tos que forma o discurso social.

Os relatos levantam poeiras que esconde a calmaria de uma rua, e movimenta o sangue estancado dos gritos qui-etos que vão de contra aos textos legitimados por poderes que muitas vezes estão longe das ruas, das casas, das en-tre – casas e do corpo de quem é sujeito da memória. Pois a memória é apreendida e imaginada no cotidiano de quem se trata como ser do lugar.

A idéia de cotidiano se fundamenta na experimentação do mesmo e em escritos de Certeau, como: “[Um] gesto equilibrista em que participam circunstâncias (lugar-tem-po) e o próprio locutor, uma maneira de saber, manipular, arranjar e “colocar” um dito deslocando um conjunto, em suma uma questão de tato.” (CERTEAU, 2005, p.153).

Tateando o cotidiano e as narrativas que envolvem e corta

casas e rua de uma vila ferroviária, onde se guarda vozes que revelam instantes fundamentais para os primeiros movimento de uma cidade chamada de Campo Grande. E entre dias uma casa da vila foi vivenciada, junto com o encontro de moradores significantes para a sobrevivên-cia de uma particular historia oral. Tornamos-nos por al-guns meses vizinhos destes relatos, absorvendo a cada dia um estalo que levava a pensar o processo criativo do me=morar.

Me=morar se configura como memória que somos nós mesmos, nosso corpo, não temos escapatória do nosso imaginário carnal. Memória que é transparente na latên-cia de cada sentido corporal que tenta se comunicar com o mundo que o envolve, na possível espessura do ar. Sen-do assim o me=morar é um produto consubstanciado pelo duplo que trava um minucioso diálogo num mesmo espaço de imagens, pois trata-se de uma posição individual de trazer o sentido próprio como sujeito contemporâneo de uma cidade, no ato de também se comunicar com relatos que conta historias de uma Campo Grande mais antiga aos nossos olhos.

Experiência que permite a rasura de Derrida (2001), quan-do o texto consolidado como legitimo, sofre agressões fecundas por outros textos que se movem sob a nebli-na das partituras da ordem. Quando os (as) integrantes do me=morar se colocaram no movimento duplo de su-jeito e objeto de todo o produto, devaneios e estudos começaram a permear uma atmosfera de criação que in-daga o que é dito sobre a historia, e traz a memória para um patamar do sensível e do político, quando pensamos sobre a voz do subalterno.

Ser sujeito e objeto de um processo de criação que per-mite um terceiro espaço (BHABHA, 2007) quando a clari-dade toma conta das frestas formadas pelas lacunas de um ar ainda de neblina, na tentativa de tirar os borrões dos óculos que legitima o discurso social. Pois quando o corpo se tornou disponível a criar, matérias que lembram espíritos começavam a se desenhar, imagens que lembra a latência.

Seguindo esta confabulação do criar, fomos a discussões sobre a cultura num patamar que ultrapassa a figura es-tética, e nos coloca no campo dos jogos de poder. Como lembra Bhabha o “indeterminismo”; é a marca do espaço conflituoso mas produtivo, no qual a arbitrariedade do signo, do esforço de significação cultural emerge no in-terior das fronteiras reguladas do discurso social” (2007,

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p.240). Sendo assim, formamos passos no espaço do in-determinismo, ouvindo em cada solicitação de voz, a desconfiguração do dito como real.

A voz do ex-ferroviário e do ainda ferroviário são abafa-das por especulações perversas que percorrem por razões inventadas por dizeres midiaticos, acadêmicos e do poder político que envolve cargos governamentais. E tratar o tema a partir da rasura, do indeterminismo e dos relatos, permite propor uma discussão a partir da arte, referen-ciada pela différance de Derrida (2001), quando este diz “Primeiramente différance , remete ao movimento (ativo e passivo) que consiste em diferir, por retardo, delega-ção, adiamento, reenvio, desvio, prorrogação, reserva.” (p.14).

Conceito que atravessa a primeira percepção do Coletivo Corpomancia em relação a rua dos ferroviários onde esta a casa, quando esta rua parece não existir em Campo Grande, parece fugir do tempo e propor uma outra visão de mundo, perpassando pela vista as ruínas da antiga fer-rovia, as conversas com os moradores e a vivencia cotidi-ana na casa onde acontece o me=morar.

Différance aparece como artimanhas, ou mesmo um me-canismo que o sujeito – lugar constrói para jogar com os textos que tentam invadir o seu mundo vivido. Fragmen-tos conceitual que leva a memória como constituinte de vida que traz a tona o diálogo do sensível com o político, quando as lembranças e seus imaginários defendem uma historia construída pelo mesmo sujeito do lugar. Os olhos apreensivos e o aperto de mão são figuras poéticas que transfere para nossa relação a casa, vínculos e desvincu-los que são usados para a criação do me=morar. Lembrando do escrito Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, faço de um conto deste livro, a porção que leva pensar o lugar (rua e casa) num patamar poético, pois devida esta projeção fenomenológica e analítica, podemos pro-por alguma criação sobre a memória nossa com a deles (ex-ferroviários e ferroviários).

Calvino conta que:O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isi-dora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol in-crustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à per-feição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, por-

tanto, é acidade dos seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele esta sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações. (p.12)

E desta maneira consolida-se idéias que fundamenta um composto estruturante de um produto em dança contem-porânea, que trouxe como regimento central, a memória, o cotidiano e o sujeito contemporâneo discutindo sua própria cidade num canal de derivações históricas (pre-sente-passado-futuro)

Referências:ACHUGAR, H. Planetas sem bocas. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006.BHABHA, H. O local da Cultura. 4ª. Reimpressão, editora UFMG, Belo Horizonte, 2007.CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 11ª. Edição, Editora Vozes: Petrópolis, 2005.DERRIDA, J. Posições. Editora Autentica: Belo Horizonte, 2001.

Outras fontes bibliográficas utilizadas no processo de pes-quisa:DELEUZE, G. Lógica do sentido. 4. ed. São Paulo: Perspec-tiva S.A., 1998.LEAL, P. G. Amargo perfume: a dança pelos sentidos. Campinas, SP: UNICAMP, 2009, 232p. Tese (Doutorado). Programa de pós-graduação do Instituto de Artes, da Uni-versidade Estadual de Campinas.ROCHA, T. Entre a arte e a técnica, para dançar é preciso esquecer.

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a n e x o 2

p r o c e s s o c r i a t i v o e p e s q u i s a c o r p o r a l

A partir da experiência corporal de cada um e de suas memórias, estimuladas pelos cinco sentidos, pelas vivên-cias na Vila dos ferroviários e seu contexto histórico e, a memória criada a partir dessas vivências, o roteiro foi sendo criado, as cenas foram se conceitualizando e o es-petáculo e o que queríamos dizer com ele foi tomando corpo e sendo coreografado por todos.

Pode-se dizer que a improvisação foi a técnica utilizada como mote para a criação do espetáculo me=morar. Um tema por dia era oferecido como estímulo de criação para todos, trabalhamos a “memória individual” trazido pelo outro, o olfato, o paladar, o tato, a visão e a audição. Nós assistíamos, conversávamos, encontrávamos argumentos que se relacionavam com as referências que captávamos também vivendo ali na casa e na vila conversando com os moradores. A ideia do que queríamos dizer e o enredo foi surgindo conforme íamos definindo as cenas que surgiam em cada improvisação e dessa maneira o roteiro foi se justificando. Com as cenas definidas, o roteiro criado e uma narrativa lógica - para nós – concretizada, começa-mos a coreografar resgatando os movimentos e a intenção de cada cena, que já havia surgido das improvisações e que estavam registradas em vídeo.

Acima, momentos do processo de pes-

quisa corporal para o me=morar

Ao lado, imagens dos vídeos postados no

youtube com conteúdo das pesquisas corporais e vivências na casa (dis-

ponível no blog www.corpomancia.com.br)

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http://www.youtube.com/watch?v=RZVlWfwXj8Y&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/watch?v=l6VMEcUZGaQ&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/watch?v=DrcAJZL4YWM&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/watch?v=BtimKmSNLY0&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/watch?v=iMWMqY3ojt8&feature=player_embedded

http://www.youtube.com/watch?v=IaTAO57Mv_A&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/watch?v=uRoeQPtBN4s&feature=player_embeddedhttp://www.youtube.com/watch?v=N9MMyNMmsP4&feature=player_embeddedhttp://corpomancia.blogspot.com/2009/07/perda-que-fica-na-memoria.htmlhttp://corpomancia.blogspot.com/2009/06/pesquisa-de-movimento.html

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r e t o r n o d o p ú b l i c o : r e l a t o s

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Tenho corpo, logo existopor Luca Maribondo

Pensar o ser humano implica também pensar o seu cor-po. Corpo físico, corpo mental, corpo estático, corpo em movimento, corpo social. O corpo em seu conteúdo, em sua forma, ao percorrer tempos e lugares diferentes, pas-sa a representar não apenas aquilo que se revela biológi-co, mental, espiritual. O corpo, como lugar em que se inscrevem os elementos culturais presentes nas experiên-cias que os sujeitos vivem ao longo de sua existência, é a primeira forma de identificação: logo ao nascer somos identificados através da corporalidade, como homens e mulheres.

Ter um corpo é algo que extrapola nossa compreensão. É cartesiano: corpo pode lembrar ou ser muito parecido com o de alguém ou de outros, mas nunca é igual, até porque sua instância básica na dimensão espacial e temporal, da presença do aqui e agora, é moldada e atualizada a todo momento. Tenho um corpo, logo existo. Especificamente na prática da conscientização do movimento tratamos de um corpo que sabe que sente, sabe que existe e sabe que sabe que existe e sente.

Na dança, o corpo torna-se o veículo de representação da realidade, ou da ficção ou de ambas. Acompanhando a evolução da civilização ocidental, deduzimos que a dança esteve sempre ligada à vida em sociedade, como forma de expressão do ser e do estar. É assim que acontece com o espetáculo “Me=Morar”, no qual o Coletivo Corpoman-cia se coloca de forma a contar um pequeno mas impor-tantíssimo período da construção da sociedade morenop-olitana: a história da ferrovia e de suas imbricações com a cidade. É fundamental conhecer a história, embora o campo-grandense não dê a mínima pra sua história.

Desde os primórdios das sociedades, é através das dança e do canto que o homem se afirma como membro da co-munidade. A dança gera a metamorfose: transforma os ritmos da natureza e os ritmos biológicos em ritmos vol-untários, harmoniza a natureza e dá poder para dominá-la. A música modal. A música tonal. A linguagem corpo-ral simboliza alegrias, tristezas, vida e morte, celebra o amor, a guerra e a paz; principalmente como forma de ex-pressão dos sentimentos, emoções, desejos e interesses de uma sociedade. E ao tirar a dança do palco e colocá-la nos aposentos de uma casa de arquitetura rústica e simples, o Corpomancia leva isso ao paroxismo.

No “Me=Morar”, as noções de corpo e movimento estão estreitamente relacionadas e devem ser contextualizadas

antropológica e historicamente. Fica claro que o indi-víduo conhece o mundo através de sua entidade corporal. Graças ao movimento o homem aprende a estar no es-paço. Há emoções fortes: a emoção, atividade eminente-mente social, afirmando que a emoção nutre-se do efeito que causa no outro, isto é, as reações que as emoções suscitam no ambiente funcionam como uma espécie de combustível para sua manifestação.

Quem assiste o espetáculo, limitado a uma platéia de ap-enas dez pessoas por sessão, fica junto com quem dança; não há a separação palco/platéia. O experimentar cor-poral desponta como uma continuidade de sentimentos que se molda a si mesma. A moldagem dessa experiência é a própria identidade, até porque a audiência está pre-sente, faz parte ela mesma do espetáculo —se alguém esticar o braço pode simplesmente tocar um dos atores/dançarinos.

Esse experimentar tem relação direta com os movimen-tos da dança e com a imagem corporal. O movimento é apenas e unicamente compreendido desde o externo. É a expressão da possibilidade de transformar o que o corpo apresenta em si mesmo. O corpo incorpora em si a possibilidade contínua de crescer e perscrutar-se. Cada expressão, cada gesto, traz em si a possibilidade de transformação. O movimento é sempre decorrência das histórias individual e coletiva. Num momento, lembra a casa/lar; noutro, lembra a estação ferroviária; mais adi-ante, remete aos trilhos e suas relações com a história da cidade.

E junto disso, há a roupa. Ela passa a ser não apenas um acessório, mas uma forma própria de expressão, até porque a nudez acaba se tornando agressiva na medida em que o traje vai muito além do abrigo e da proteção para tornar-se uma forma de posicionamento ético e mor-al diante do outro. Dançar é certamente o melhor meio para se fazer a experiência de diálogo com o corpo: o nosso próprio e o dos outros. O vestuário, sem cor, traz à lembrança antigas fotos em preto-e-branco, fazendo com que as linhas praticamente desapareçam, tornando o am-biente flou.

Há também a trilha sonora que não incorpora apenas a música —aliás, tem muito pouca música. São os ruídos de um cotidiano constantemente em movimento: pancadas, objetos que desabam, o arrastar os calçados, o frufrulhar dos tecidos, a estática do rádio, a incômoda campainha do telefone. O cenário extremamente despojado é a própria casa, praticamente sem mobiliário, remete a um ambiente franciscano com deviam ser as próprias casas nos seus momentos mais vivos.

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Ao dançar, o ser humano é individual e único, mas no “Me=Morar” necessitamos do outro para demonstrar o que se quer dizer. A construção da identidade, através do papel do outro, nos mostra que o outro e o eu não podem existir um sem o outro —inclusive o espectador— tal e qual gêmeos siameses, mesmo que antagonistas, ocorre à afirmação da identidade, sintetizando que é necessário expulsar o outro de dentro de si e o que possa conservar para que indivíduo venha a se apropriar e construir sua própria identidade.

Entretanto, o papel do outro em todo processo de con-strução da identidade é imprescindível, pois sem ele não há possibilidade de amadurecimento da consciência, as-sim como não há com o que se comparar. O outro deter-mina a natureza social do homem e as interações sociais vão configurando a personalidade. A gênese do seu eu se faz através da diferenciação e da construção progressiva. A pessoa apropria-se de sua identidade como sujeito so-cial e vai se individualizando.

No final, atores e platéia se materializam numa sala em ruínas, com cacos de telha cobrindo perigosamente o piso. É um cenário de destruição. Tenho a boca seca e meio adocicada, os olhos arregalados e úmidos, a pele arrepiada e inundada de suor, e trago nos lábios, um sor-riso tímido, com um esgar de tristeza. É o medo das con-seqüências. Conseqüências das marcas produzidas pela poesia dos corpos em meu corpo. Da rima e da beleza da sonorização, ora lento, ora rápido, numa sucessão de espasmos ritmados, semelhantes a uma contração.

Sou tomado de sentimentos controversos que me fazem pensar, sonhar, lucubrar. Me encanta a presença do ritmo na dança e na poesia. Me fascina os corpos em movimen-to, os ruídos que tornam a casa viva, e até a ausência da música. Me instiga o movimento do corpo na dança, como se fossem flores ao vento. E o olhar fragmentado desses movimentos instigam meus sentimentos, que no final produzem não uma análise crítica mas uma lucubra-ção sentimental.

* Luca Maribondo é jornalista, alimenta o blog Casa do Maribondo.

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Me=morar, Eu=morar, Recordar, Instigar, Viver! por Júlio Lobo

O espetáculo se passa em uma viela, a Rua Dr. Ferreira, a casa alugada para ser sítio deste plano alternativo recen-te e brevemente inserido neste túnel do tempo (a viela) se encontra a meio caminho entre o início e o fim da Dr. Ferreira, o que de fato já é parte do espetáculo em si. No momento em que se dobra a esquina a direita para entrar na dita viela, ela de fato se torna um túnel do tempo; não se sabe disso enquanto não se presencia o espetáculo, porém após o final do mesmo é perceptível que o restante do caminho (não importa se percorrido de carro, moto ou mesmo a pé) é o fim de uma experiência transcenden-tal, nota-se que por algum tempo somos arrastados por um buraco temporal (a casa) e presenciamos sensações, odores, instintos...é uma experiência vivida não pela sua pessoa, é algo lhe envolve de maneira sensorial, penetra nos poros...e não mais nos deixa.

Confesso que minhas prévias experiências com a dança contemporânea não haviam sido satisfatórias, como tam-bém confesso minha ignorância frente à expressão artísti-ca em questão. Desta vez sou obrigado a rever meus con-ceitos, meus “achares”. Ao entrar naquela casa você se sente acuado. É um ambiente estranho, pouco iluminado, e mesmo antes da entrada dos dançarinos é um ambi-ente cheio. Logo nos primeiros passos além da primeira porta já se percebem os ruídos, o ranger da porta que em realidade é produzido pela sonoplastia nos parece terriv-elmente real e no momento que é começada a dança pro-priamente dita, ai sim o enfrentamento se faz presente. Cada respirar, cada passo, cada jogada que se faz com os corpos em movimento dentro daquela pequena casa a nós (público) é transmitida, e como nos assusta esta trans-missão sensorial, todo aquele prazer, aquele cansaço. Tudo é tão intenso, do princípio ao fim do espetáculo, que começa a nos saturar. São memórias contadas, imagens impressas em nossas retinas, e cada elemento do espe-táculo se torna tão objetivo quanto foi subjetivamente pensado.

* Júlio Lobo é estudante de jornalismo

Pouca luz, sem câmeras e muita açãopor Lucas Junot

Campo Grande – MS, Vila dos Ferroviários, Rua Doutor Ferreira, casa número 169. Uma casa de arquitetura an-tiga, paredes desgastadas revelam o passar do tempo, janelas feitas em madeira, em perfeita harmonia com os paralelepípedos das ruas. Uma espécie de varanda abri-ga cadeiras de fio e bancos de madeira. O espaço não é grande, ainda assim um pequeno palco de madeira se mostra, com cortinas atravessadas em três caibros da es-trutura do lugar. A casa 169, como chamam, é sede do espetáculo me=morar – o corpo em casa. Um público res-trito, de dez pessoas, aguarda na pequena varanda. Junto ao folheto do programa do espetáculo, abanos de palha são entregues para que as pessoas amenizem o calor. As pessoas aguardam, a casa está de portas fechadas, um som ruidoso é emitido do interior da casa 169. Em fim as portas se abrem. Só há uma luz acesa no interior da casa. Entramos rumo à luz. Mal nos acomodamos no que imagino que seria uma pequena sala, e Luiza vem rapida-mente fechar a porta por onde entramos. Começa o espe-táculo. Guiados por luzes seguimos pelo interior da casa e deparamo-nos com cenas impactantes, emocionantes e imensamente belas. O espetáculo me=morar traz em seu contexto a história da ferrovia e sua memória, no entan-to por serem demasiadamente expressionistas, as cenas possibilitam uma viagem subjetiva e de múltiplas inter-pretações. Cinco belas mulheres e um rapaz mexendo-se incessantemente e, permito-me dizer, sensualmente, revelam movimentos que jamais pensei serem possíveis para o corpo humano. Os corpos em agitação, as respira-ções ofegantes e a proximidade em que se encontravam causavam um efeito quase que alucinógeno na pequena platéia. Uns se assustavam, outros nem piscavam e out-ros se mexiam o tempo todo a fim de não perder algo. Me=morar é, sobretudo uma experimentação do corpo em harmonia com o espaço físico de modo a potencializar o imaginário inerte, obscuro, esquecido.

* Lucas Junot é estudante de jornalismo

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Me=morar ou memórias de uma ferrovia por Esacheu Nascimento

Neste domingo fui assistir ao espetáculo do Coletivo Cor-pomancia, na casa 169 da Vila dos Ferroviários. Lembrei-me da musica do Garoto, Chico e Vinicius, Gente Humil-de: Tem certos dias em que penso em minha gente e sinto assim uma vontade de chorar...

Cena e Som a altura dos melhores espetáculos de qualquer melhor lugar do mundo. Interpretação impecável das “bailarinas” de uma Peça de Teatro que rememora, que traz ao lume sentimentos, que mostra o descaso com a história de pessoas e instituições, que projeta o senti-mento de perda com implicações nas vidas das pessoas que tiveram de passar ou ainda vivem o rescaldo da reali-dade desse fim, do não futuro das coisas.

A angústia do previsto fim contagiando a vida, criando reações psicológicas e físicas, a metamorfose no transpor possibilidades e finalmente, o sentimento de perda de-finitiva, sobre o entulho de tudo, onde somente o homem, com toda a sua capacidade de superação sobrevive, ape-sar de tudo.

Taí um espetáculo para ser visto por Manoel de Barros, pela assimetria dos fatos enunciados na dança, que diz tudo, com seu conceito de despalavras.

* Esacheu Nascimento é advogado e alimenta o Blog do Esacheu

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Depoimento de Éderson Almeida

Me=morar, recordar, lembrar, decorar. Bem, decorar talvez não seja necessário devido à singular ambienta-ção escolhida pelos integrantes do Coletivo Corpomancia, para sua mais “nova” empreitada. A palavra “novo”, que para muitos pode ser relacionada e interpretada como inexperiência e, é tratada quase sempre com desconfi-ança. Porém definitivamente nenhum dos adjetivos acima se fazem presentes nas paredes gastas e aparentemente frágeis da casa habitada na Rua Dr. Ferreira, 169.

A ambientação familiar do local, já se dá logo na recep-ção. Onde são colocadas a disposição dos espectadores, várias cadeiras de fio, daquelas que você já teve ou tem em casa ou que certamente tenha repousado em uma na casa de seus avós. Bom, agora alguns minutos de espera afinal a plateia e bastante restrita, dez pessoas por sessão se bem que apertando um pouquinho pode ser doze.

Papo vai, papo vem, eis que surge ela sorrateira e ágil, querendo interagir e participar junto com os demais, mas sua presença não foi muito bem aceita. Momentos de ten-são tomam conta de alguns dos espectadores, afinal tem gente que ainda tem medo de uma inocente baratinha. Resolvido o problema a pequenina se foi e a moça que se levantou afoita já pode se sentar novamente, se bem que em seu semblante é possível notar um certo ar de preocu-pação, mas que logo se desfaz.

É chegado o momento, fomos todos convidados a aden-trar a casa. Todos acomodados? As paredes pareciam ser o melhor lugar naquele momento ou não. Pois em um con-stante movimento de portas pernas e pés se arrastando no chão áspero do local, me mostrava que o fato de estar ali em meio a tudo o que acontecia significava fazer parte

e que não deveríamos nos acomodar, mas sim participar e confesso que mesmo diante de minha timidez em vários momentos tive vontade de tocar e entrar de fato.

Questionamentos dos mais diversos surgiam a cada in-stante, seja no acender e apagar das luzes ou no fato de alguém se colocar dependurada em uma janela de ma-deira que aparentava extrema fragilidade, a ponto de me dar à nítida impressão de que a qualquer momento se partiria. Essa mistura de indagações e preocupações cer-tamente contribuiu no ver e sentir de cada cena.As intenções podiam até não estar claras, bem na ver-dade creio que nunca as estarão, pelo ao menos não para o público. Que pode imaginar e realmente “viajar” em diversas situações proporcionadas pela bela ambientação plástica e sonorização de cada momento.

Saber o que iria acontecer na próxima cena, e mais sa-ber se aquela cena realmente tinha acabado e algo que também me intrigava não ficava muito definido. Talvez a vontade de estar presente de se fazer lembrar fosse tanta que parecia não ter fim, e não tem mesmo, pois assim como ficou em minha memória, cada instante se alojou lá, em cada cômodo em cada fresta, seja das paredes ou do forro de madeira já bastante castigado pelo tempo.

* Nada muito estável, somente um depoimento breve de um espectador inquieto!

* Ederson Almeida é jornalista e alimenta o blog FocoDesfoco

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