MEMORIA de Ruy Mauro Marini

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    MEMORIA de Ruy Mauro MariniFuente: Archivo de Ruy Mauro Marini.

    O mundo de amanh o nosso mundo.Em seu nome, exigimos que se faam os grandes sacrifciose as renncias foradas

    e a arregimentaogeral.(Excerto de um poema de juventude)

    Sumrio

    Advertncia

    1. O comeo

    2. O primeiro exlio

    3. O segundo exlio4. O terceiro exlio

    5. A volta

    6. A guisa de balano

    7. Bibliografia do autor8. Bibliografia geral

    9. Indice onomstico

    http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#adv#advhttp://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#1#1http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#2#2http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#3#3http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#4#4http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#5#5http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#6#6http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_biblio_port.htm#7http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_biblio_port.htm#8http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_biblio_port.htm#8http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_biblio_port.htm#7http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#6#6http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#5#5http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#4#4http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#3#3http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#2#2http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#1#1http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#adv#adv
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    Advertncia

    Este texto foi escrito para atender uma exigncia acadmica da Universidade deBraslia. Sua finalidade a de dar conta de minha vida intelectual e profissional,razo pela qual as referncias de ordem pessoal ou poltica que nele se incluem tmo propsito de mera contextualizao. Em nenhum momento, eu pensei napossibilidade de sua publicao, havendo limitado a sua circulao a pessoas paraas quais ele pode, a meu ver, revestir algum interesse -essencialmente, familiares eamigos mais chegados, assim como estudantes que manifestaram especialcuriosidade em relao ao meu trabalho.

    1. O comeo

    Nasci em 1932. Por minha origem, sou bem um produto das tendncias profundasque determinaram o surgimento do Brasil moderno, que emergiu naquela dcada.Meu pai era o primeiro filho de um alfaiate arteso de Gnova e de uma camponesada Calbria, que j o trouxeram concebido, ao emigrar para o Brasil, em 1888;minha me, filha caula de uma tradicional famlia de latifundirios mineiros,acompanhou, menina, a mudana de meu av de sua fazenda, perto de Livramento,para Barbacena, aps a quebra que sofreu com a abolio da escravatura, e aliassistiu dilapidao dos restos da sua fortuna, em almoos e jantares quereuniam habitualmente no menos de vinte pessoas. Professor de matemtica naEscola Agrcola local, meu pai, depois do casamento e estimulado pela energia deminha me, ascendeu socialmente, formando-se em Direito e ingressando, porconcurso pblico, casta dos ento chamados "prncipes da Repblica" - os fiscais

    de imposto de consumo. Liberal na juventude, ele adaptou-se bem - embora maispor laos pessoais e familiares - ao cl local vinculado ao Estado Novo e, maistarde, ao PSD. A imagem que deixou foi a de um homem simples, severo esurpreendentemente -se se tm em conta as tentaes a que seu cargo o expunha-honesto.

    Aps receber a boa formao que o ensino pblico proporcionava, principalmenteno terreno humanstico -em sete anos de curso ginasial e cientfico no ColgioEstadual de Barbacena, fiz quatro de latim e sete de portugus, inclusive dois anosdedicados literatura brasileira e portuguesa, e aprendi a ler ingls, francs eespanhol, alm de obter uma boa base em matemtica, histria e geografia, e

    conhecimentos um tanto antiquados (como eu descobriria logo) em fsica, qumica ebiologia- transferi-me para o Rio, em 1950, para me preparar para o vestibular deMedicina. A mudana alterou meus planos. Embora, no cursinho, eu me fosseatualizando em cincias fsicas e naturais, estas no eram o meu forte e perdiam delonge para as atraes que a cidade me oferecia em matria de cinema, teatro,praias e boemia. A experincia de um emprego provisrio -como recenseador noCenso Demogrfico daquele ano- fez-me tomar gosto pela independncia e levou-mea, deixando os estudos, ocupar cargos menores, sucessivamente, na Central doBrasil, no Ministrio da Aeronutica e no Instituto de Aposentadoria e Penses dosIndustririos, onde, havendo entrado tambm por concurso, acabei por ficar.

    Tradues, em geral do ingls, de matrias para jornais e agncias de notcias ou dehistrias em quadrinhos, reviso de textos para impresso, etc., permitiam que,

    sem grandes apertos, eu me entregasse minha maior paixo - os livros. Junto experincia de vida que eu adquiri, longe da casa de meu pai e do crculo de amigos

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    de infncia, aqueles foram anos que eu dediquei a completar minha formao,principalmente em literatura, poesia e teatro, histria e filosofia.

    S em 1953 eu voltaria a me preocupar com a formao escolar. Mas as vocaespara as cincias humanas no tinham, ento, curso fcil. O ensino de economiaapenas se iniciava e se confundia muito -tradio com a qual nunca chegamos aromper totalmente, no Brasil- com o de contabilidade. A Faculdade de Filosofia noabria mais horizonte que o de vir a ser professor de ensino mdio. O grande centrode formao humanstica, no Rio daquela poca, continuava sendo a Faculdade deDireito da Universidade do Brasil. Foi para l que eu me dirigi.

    Dos cursos, ficaram na minha memria com maior relevo as aulas brilhantes deHermes Lima, assim como de Pedro Calmon -estas ltimas, menos substanciosas- eas exposies fascinantes, embora obscuras e algo confusas, de um professor deque no recordo o nome, que substitua Lenidas de Rezende na ctedra deEconomia Poltica. Mas, aluno do curso noturno, o mais politizado e a queconcorriam pessoas mais maduras, muitas j bem sucedidas em sua profisso, foi

    com meus colegas que aprendi mais. Particularmente no que era o corao daFaculdade, o ponto onde idias e inclinaes assumiam perfil mais acusado,enfrentando-se com determinao: o CACO, expresso maior do movimentoestudantil da dcada de 50, movimento que fazia ento o supremo esforo de -superando a ideologia meramente democrtica da dcada anterior- forjar-se umprojeto de pas, ao calor das campanhas nacionalistas e desenvolvimentistas.Apesar da distncia que eu tomava deles -irritado, como todos os independentes deesquerda, com a sua prtica instrumentalista e prepotente- justia seja feita aoscomunistas que ali militavam (sob a direo de um jovem que se chamava nadamenos que Lenine!), os quais, no importa quo minoritrios e sectrios fossem,muito me ensinaram sobre o Brasil e sobre o mundo.

    Mas era o estudo das cincias humanas que me interessava e a Nacional de Direitono me podia dar mais que o que estava dando, com as limitaes que alm dissome impunha o emprego diurno. Foi quando a Fundao Getlio Vargas, com oapoio da OEA, decidiu -aps inici-la com uma turma experimental- dar um grandepasso na implementao da Escola Brasileira de Administrao Pblica, abrindoconcurso de ingresso em todo o Brasil para jovens que estivessem dispostos a dar-lhe tempo integral, os quais receberiam bolsa de estudos. A prpria EBAP oferecia,no Rio, um cursinho que fiz e que me facilitou aprovar o concurso em primeirolugar, o que me garantia a bolsa. O apoio oportuno de um "pistolo" permitiu-meobter do IAPI licena remunerada para fazer o curso, que foi considerado como "deinteresse do servio". Abria-se uma nova poca em minha formao.

    Nova poca, em todos os sentidos. Frente ao clima intelectual tradicionalista erarefeito que privava na Universidade de ento, a EBAP abria amplo espao scincias sociais e recrutava seu corpo docente na intelectualidade mais jovem, quea universidade mandarinesca exclua, ou no exterior. Figura marcante era aliAlberto Guerreiro Ramos, professor de Sociologia, crtico irreverente de tudo quecheirasse a oficialismo, ecltico incorrigvel, aberto s novas idias que seoriginavam de Bandung e da CEPAL; sua influncia sobre mim, naqueles anos, foiabsoluta. Diferente, mas tambm decisiva, foi a influncia que exerceu JulienChacel, professor de Economia, rigoroso, ortodoxo, cuja timidez raiava a agresso eque recm-chegava da Frana para iniciar uma carreira acadmica irreprochvel. AFranois Gazier, que viria a ser o primeiro diretor do futuro Instituto de Estudos do

    Desenvolvimento Econmico e Social (IEDES), de Paris, e que ocupou a cadeira deCincia Poltica, alm de suas aulas sempre exatas e bem fundadas, devo minha

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    iniciao nas regras do mtodo de anlise e exposio, o produto mais genuino dognio francs. Entre muitos outros nomes a mencionar, justo registrar os deMarcos Almir Madeira, graas a quem conheci os cursos e os chs da AcademiaBrasileira de Letras; Marialice Pessoa, que, num portugus americanizado, buscavatransmitir-nos sua f inquebrantvel em Boas, Linton e Herskovitz; Mrio Faustino,sempre borbulhante de vida, malcia e ironia; Jos Rodrigues de Senna, figurahumana admirvel, e, last but not the least, Benedito Silva, diretor da Escola, cujadedicao ao belo projeto que ela representava no foi por mim cabalmentecompreendida, naquele momento.

    A EBAP proporcionou-me o atingimento do que eu vinha buscando, i. e., apossibilidade de iniciar-me de maneira sria no estudo das cincias sociais; j nosegundo ano do curso, eu comeava a atuar como professor assistente de GuerreiroRamos, em seu curso de sociologia na Escola de Servio Pblico do DASP. naturalque o diploma de Administrador que ela me daria no tivesse a meus olhos a menorimportncia e que, bem antes de concluir o curso, eu me preocupasse com o modopelo qual seguir adiante. A orientao e o apoio pessoal de Guerreiro Ramos me

    encaminharam para a Frana, de cujo governo obtive bolsa de estudos, sustentadoem meu pedido por Gazier e por Michel Debrun, que o substituira. Segui para l emsetembro de 1958, a fim de cursar o Instituto de Estudos Polticos da Universidadede Paris, o badalado SciencesPo. Mas no sem, antes, fazer uma interessanteexperincia em pesquisa, graas a Jos Rodrigues de Senna, que -chefiando, ento,o setor de pesquisas da Petrobrs- deu-me a oportunidade de realizar, no norte e nonordeste do Brasil, a pesquisa nacional que le dirigia sobre as condies de vidados trabalhadores da empresa.

    Os dois anos passados na Frana completaram, praticamente, a minha formao.Alm de me permitirem conhecer outros pases, nos perodos de frias -Alemanha,Itlia, Inglaterra, Sua- assim como provncias da Frana, levaram-me a redondearminha cultura artstica e literria e a entrar em contacto direto, i. e., como aluno,com as figuras mais notveis das cincias sociais francesas da poca, emSciencesPo (Jean Meynaud, Maurice Duverger, Georges Balandier, Ren Rmond,Franois Duroselle, Pierre Laroque, Ren Dumont, Andr Sigfried, entre outros) ena Sorbonne, IEDES e no Collge de France (Georges Gurvitch, Charles Bettelheim,Maurice Merleau-Ponty); fizeram-me, graas ao impulso dado por Jean Baby eAndr Amar, realizar, por primeira vez, a leitura de Hegel e o estudo sistemtico daobra de Marx e aprofundar-me no estudo dos autores marxistas, Leninprincipalmente; e me proporcionaram a convivncia com o mundo estudantil ecosmopolita de Paris, da nascendo amizades enriquecedoras com argelinos,peruanos, norte-americanos, mexicanos, dinamarqueses, marroquinos, alemes e,

    naturalmente, brasileiros e franceses.

    O perodo que ali passei coincidiu com o auge da teoria desenvolvimentista naAmrica Latina e no Brasil -com a qual eu me familiarizara na EBAP, pela mo deGuerreiro Ramos, havendo inclusive assistido de perto o processo de formao doISEB (e, antes dele, do IBESP)- e com sua difuso na academia francesa, tendoBalandier como pontfice. Ao mesmo tempo, esse era o momento em que adescolonizao era vivida dramaticamente pela Frana, mediante a derrota naIndochina e a radicalizao da guerra da Arglia, provocando rupturas ao interiordos grupos polticos e intelectuais -fenmeno que acompanhei com vivo interesse,tanto mais que, em meu meio, eu convivia com jovens militantes argelinos,cambojanos e vietnamitas, alm dos que provinham das colnias da Africa negra.

    As teorias do desenvolvimento, em voga nos Estados Unidos e nos centroseuropeus, se me revelaram, ento, como o que realmente eram: instrumento de

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    mistificao e domesticao dos povos oprimidos do Terceiro Mundo e arma com aqual o imperialismo buscava fazer frente aos problemas criados no aps-guerra peladescolonizao. Comea, ento, o meu afastamento em relao CEPAL, fortementeinfluenciado, ademais, pela minha crescente adscrio ao marxismo.

    Isso me levaria, ainda na Frana, a tomar contacto com o grupo que editava, noBrasil, a revista Movimento Socialista, rgo da juventude do Partido Socialista(que publicou um artigo meu, onde ajustava contas com o nacional-desenvolvimentismo), em particular Eric Sachs, com o qual eu viria a estabelecer, ameu regresso, uma grande amizade e cuja experincia e cultura poltica meinfluenciaram fortemente. Esse grupo, com suas principais vertentes no Rio, SoPaulo e Belo Horizonte, constituir, mais adiante, a Organizao RevolucionriaMarxista - Poltica Operria (POLOP), primeira expresso no Brasil da esquerdarevolucionria que emergia em toda a Amrica Latina. Cabe observar, aqui, que ointeresse que a Revoluo cubana despertara na Frana, dando lugar a intensacobertura da imprensa e publicao de livros significativos, como o de Sartre, eramuito maior que o que se verificava no Brasil -fato que constato com surpresa, ao

    regressar. Essa situao s se modificar depois da tentativa de invaso norte-americana e da decorrente posio cubana, em favor do marxismo e da URSS. Agestao da esquerda revolucionria brasileira e latino-americana -particularmentena Argentina, no Peru, na Venezuela e na Nicargua- no , como se pretende,efeito da Revoluo cubana, mas parte do mesmo processo que deu origem a ela -independentemente de que passe a sofrer forte influncia sua, nos anos 60.

    A meados de 1960, voltei ao Brasil e reassumi meu cargo no IAPI, passando atrabalhar no setor de organizao e mtodos da Diretoria de Pessoal, o qual, sob adireo de Jos Rodrigues de Senna, se dedicava ento mecanizao do arquivode pessoal. Apesar de ser contemplado com uma funo gratificada, o salrio noera alto e forou-me a buscar complementao. A partir de setembro, passei a ser ocorrespondente da noite na agncia cubana de notcias Prensa Latina, dirigida porAroldo Wall, de quem me tornei amigo, e ali permaneci um ano. Foi nessa condioque acompanhei -virando, s vezes, at madrugada- o governo Jnio Quadros, acrise da renncia e a primeira fase do governo Jango. Por outra parte, levado porAluizio Leite Filho, eu me ligara, desde meu regresso, ao grupo da UnioMetropolitana de Estudantes que publicava O Metropolitano, como encartedominical de O Dirio de Notcias, com total independncia, e que contava, entreseus quadros mais brilhantes, com Csar Guimares, Carlos Diegues, Slvio Gomes,Rubem Csar Fernandes, Carlos Estevam Martins, entre outros. Juntos, fizemosum jornal estudantil que marcou poca, pelo estilo vibrante, a novidade dos temas,a abordagem direta (inclusive no campo da poltica nacional e internacional) e at

    por sua apresentao redacional e grfica, que influenciaria o processo derenovao da grande imprensa, que se verifica mais tarde.

    Em Prensa Latina e em O Metropolitano fiz o meu aprendizado jornalstico,tornando efetiva uma das facetas da minha vocao intelectual, que eu continuariadesenvolvendo no futuro. A guisa de registro, vale recordar que, em um dos meusraros trabalhos de reportagem, eu cobri, por Prensa Latina, o Congresso Nacionalde Camponeses, que teve lugar em Belo Horizonte, em 1961, e tornei pblica,atravs de O Metropolitano, a luta surda que se travava entre o PCB e as LigasCamponesas de Julio -um dos pontos fortes do trabalho de massas da esquerdarevolucionria. Essa matria, alm de surpreender pela novidade, ao trazer luz dodia assuntos da esquerda (que, fora de sua prpria imprensa, eram tabu nos

    grandes meios de comunicao), favoreceu o desenvolvimento da luta ideolgica epoltica ento em curso, ao torn-la explcita.

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    Em abril de 1962, criou-se a Universidade de Braslia, sob a conduo entusiastade Darcy Ribeiro, cercado por figuras notveis, como Ansio Teixeira, OscarNiemeyer, Cludio Santoro, e uma pliade de jovens intelectuais recm-formados,como Theotnio dos Santos, Vnia Bambirra, Theodoro Lamounier, Carlos Callou,Luiz Fernando Victor, Levi Santos, Jos Paulo Seplveda Pertence. Rompendo como imobilismo e o sestro mandarinesco da Universidade tradicional, a UnB inovouem sua concepo jurdica, constituindo-se em fundao, o que ampliava suaindependncia em relao ao Estado, e adotando o regime celetista, com o quevisava a evitar a burocratizao do corpo docente; em sua concepo orgnica,baseada em departamentos e institutos, ao invs da ctedra e faculdade prprias dauniversidade tradicional; em sua concepo pedaggica, que privilegiava o trabalhodocente em equipe, via aulas maiores e menores, a relao ensino-pesquisa, oimpulso aos cursos livres, debates e seminrios e a abertura de cursos de ps-graduao; em sua concepo de pesquisa, que valorizava o entorno regional; e emsua concepo da relao universidade-sociedade, que a levava a abrir-se aoexterior, promovendo cursos de extenso e, inclusive, de formao profissional ecapacitao sindical.

    Integrando-me UnB em setembro de 1962, como auxiliar de ensino -em 1963,passaria a professor assistente- realizei ali uma das experincias mais ricas daminha vida acadmica, j como docente, lecionando com Victor Nunes Leal, LincolnRibeiro e Theotnio dos Santos, as cadeiras de Introduo Cincia Poltica e

    Teoria Poltica, a nvel de graduao, e co-dirigindo o seminrio de ps-graduaosobre Ideologia Brasileira; j como estudante, preparando minha tese de doutoradosobre o bonapartismo no Brasil (cujo texto e materiais se perderiam em 1964,quando da primeira invaso da Universidade pelo exrcito); j participando dasatividades diversas que a Universidade promovia, tanto internamente como noplano da extenso; j, finalmente, convivendo com os colegas j mencionados, almde outros - como Andre Gunder Frank, que ali aportou em 1963. Cabe assinalar,aqui, que, embora j possuisse um pensamento inquieto e original, formado aocalor de seu contacto com Paul Baran, Paul Sweezy, Harry Huberman, em MonthlyReview, foi ento que Frank - absorvendo os novos elementos tericos, que surgiamno seio da esquerda revolucionria brasileira -amadureceu as teses que exporia, demaneira provocativa e audaz, em seu Capitalism and Underdevelopment in LatinAmerica, publicado em 1967, livro que representa um marco do que viria achamar-se de "teoria da dependncia".

    Na realidade, e contrariando interpretaes correntes, que a vem como subprodutoe alternativa acadmica teoria desenvolvimentista da CEPAL, a teoria dadependncia tem suas razes nas concepes que a nova esquerda -particularmente

    no Brasil, embora seu desenvolvimento poltico fosse maior em Cuba, na Venezuelae no Peru- elaborou, para fazer frente ideologia dos partidos comunistas. A CEPALs se converteu tambm em alvo na medida em que os comunistas, que se haviamdedicado mais histria que economia e sociologia, se apoiaram nas tesescepalinas da deteriorao das relaes de troca, do dualismo estrutural e daviabilidade do desenvolvimento capitalista autnomo, para sustentar o princpio darevoluo democrtico-burguesa, anti-imperialista e antifeudal, que les haviamherdado da Terceira Internacional. Contrapondo-se a isso, a nova esquerdacaracterizava a revoluo como, simultaneamente, anti-imperialista e socialista,rechaando a idia do predomnio de relaes feudais no campo e negando burguesia latino-americana capacidade para dirigir a luta anti-imperialista. Foi noBrasil da primeira metade dos 60 que essa confrontao ideolgica assumiu perfilmais definido e que surgiram proposies suficientemente significativas para abrircaminho a uma elaborao terica, capaz de enfrentar e, a seu tempo, derrotar a

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    ideologia cepalina -no podendo ser, pois, motivo de surpresa o papel destacadoque nesse processo desempenharam intelectuais brasileiros ou ligados, de algumaforma, ao Brasil.

    A nvel terico, isso s viria a dar todos os seus frutos aps o golpe militar de 1964,quando, limitada em sua militncia, a jovem intelectualidade brasileira encontrariatempo e condies para dedicar-se plenamente ao trabalho acadmico e se veria, defato, convocada a isso pela situao que se passou a viver em toda a AmricaLatina, assolada pela contra-revoluo. No comeo da dcada, a teorizaoencontrava-se ainda estreitamente ligada ao combate poltico e os xitos oufracassos se mediam atravs de indicadores muito concretos. No caso da UnB, valeressaltar que a esquerda revolucionria se constituiu na fora principal do nascentemovimento estudantil de Braslia, hegemonizando a Federao de Estudantes quese criou, e -fato indito no Brasil e na Amrica Latina- de um significativomovimento docente, que deflagrou, em 1963, a primeira greve de professoresuniversitrios de que temos notcia, a qual culminou com a formao de umapioneira Associao de Professores, em cuja direo a nova esquerda era

    absolutamente majoritria. Seria um erro pensar que ela ficou restrita universidade: a nova esquerda vinculou-se ao sindicalismo militar entoascendente, principalmente ao movimento dos sargentos, e ao prprio movimentooperrio que se constitua na capital, a ponto de, no I Congresso Sindical deBraslia, em 1963, estar em condies de bater chapa com o PCB, perdendo porescassa margem.

    Minha estada em Braslia foi cortada bruscamente pelo golpe de 1964. Naquelemomento, eu me encontrava no Rio, onde -sabedor de que era procurado emBraslia- permaneci, o que no impediu que eu fosse sumariamente demitido, comoutros doze professores, na primeira medida tomada pela ditadura contra auniversidade. Depois de escapar de ser preso, em maio, ca finalmente, em julho,em mos do CENIMAR. Em setembro, beneficiado por habeas corpus do STF (que a

    Justia militar negara, anteriormente), fui sequestrado pela Marinha e entregue aoExrcito, em Braslia, por conta de outro processo que se me movia por l. Repeti oitinerrio Justia militar-STF e obtive, em dezembro, novo habeas corpus, quedesta vez foi acatado. Embora por pouco tempo: no houvesse eu deixado a cidade,discretamente, horas depois da minha libertao, e teria sido preso novamente.Aps um perodo de clandestinidade de quase trs meses, quando a pressopolicial-militar sobre meus companheiros e minha famlia tornou-se pesada, aponto de forar um dos meus irmos a passar tambm clandestinidade, asilei-mena Embaixada do Mxico, no Rio, e viajei para esse pas, um ms depois.

    2. O primeiro exlioNo conhecia ningum ali. Mas, no aeroporto, esperava-me o reduzido grupo deasilados que vivia no pas -cerca de vinte-o qual me proporcionou, assim como asautoridades mexicanas, uma acolhida reconfortante. Entre os muitos amigos que fiz-alm de Maria Ceailes, combativa militante das Ligas, com quem compartilhara oasilo na Embaixada- recordo, com especial carinho, Carlos Taylor, comunistahistrico, homem de grande corao e de carter reto, que fora no Brasil presidenteda Unio Nacional dos Servidores Pblicos e que, depois de bons servios prestadosao Mxico, ali veio a falecer, em 1978; Alvaro Faria, cuja idade relativamenteavanada em nada diminura o seu entusiasmo pela filosofia e pela poltica e graasa quem privei, tambm, da amizade de Rodolfo Puiggrs, h muitos anos exilado no

    Mxico e que ministrava, na Escola de Economia da UNAM, o nico curso demarxismo daquela universidade; e Cludio Colombani, estudante de engenharia de

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    So Paulo, que me fez perceber o quanto era grande, entre a juventude do PCB, arevolta contra o reformismo e o acomodamento da sua direo. Reencontrei,tambm, Andre Gunder Frank, lecionando ento na UNAM, o qual me facilitou osprimeiros contactos com intelectuais e militantes polticos mexicanos.

    Aos quinze dias da minha chegada e depois de sofrer uma decepo -PabloGonzlez Casanova, um dos poucos intelectuais que eu conhecia de nome e que merecebeu com carinho e solidariedade, deixara a direo da Faculdade de CinciasPolticas e Sociais, da UNAM, sendo substitudo por Enrique Gonzlez Pedrera, quesimplesmente no me recebeu- obtive, atravs de Mario Ojeda Gmez, ento diretordo Centro de Estudos Internacionais do Colgio do Mxico -o qual, alm decalidamente solidrio, era um entusiasta do Brasil- um lugar na instituio. Entreos colegas de quem guardo melhor lembrana, nesses primeiros tempos de Colgio,esto, alm do prprio Ojeda, Olga Pellicer de Brody, antiga companheira deSciencesPo; Rafael Segovia, cujo ceticismo e ironia incitavam ao rigor; VctorUrquidi, desenvolvimentista ilustre, mas capaz de respeitar o direito de opinio;Roque Gonzlez Salazar, homem inteligente e cheio da alegria de viver; e,

    principalmente, Jos Thiago Cintra, que eu conhecera ligeiramente no Brasil e quefazia uma ps-graduao em estudos orientais, o qual acabou por se tornar um demeus amigos mais queridos.

    A primeira tarefa que me coube foi a de escrever um artigo para a conceituadarevista do CEI, Foro Internacional, sobre os acontecimentos recentes no Brasil. Asinterpretaes correntes sobre o golpe de 1964, alm de consider-lo mais umasimples quartelada, apresentavam-no essencialmente como resultado dainterveno norte-americana, um corpo estranho, de certo modo -ou, como disseraLeonel Brizola, um raio no cu azul- lgica interna da vida brasileira. Meu pontode vista era radicalmente oposto: a ao dos Estados Unidos no Brasil no se podiaentender como alheia realidade nacional, mas como elemento constitutivo dela es pudera se tornar efetiva (e, portanto, s se explicava) luz da luta de classes nopas, que fincava suas razes na economia e determinava o jogo poltico -e da qualas Foras Armadas eram parte plena. Com base na magra informao factual eestatstica que pude levantar, suprida por meu conhecimento direto e pela minhavivncia, dediquei os dois primeiros meses no Colgio demonstrao dessa tese,da resultando meu artigo "Contradicciones y conflictos en el Brasil contemporneo"(escrito, guisa de exerccio, em castelhano) -que se baseava, numa ampla medida,no relatrio sobre a situao poltica brasileira, que eu apresentara na ltimareunio do Comit Central da Polop de que eu participara, realizada em maro de1965. Tendo passado pelo crivo da crtica de Segovia, o artigo teve sua aceitaodecidida pelo Conselho Editorial de Foro Internacional graas ao peso da opinio

    de Urquidi, que declarou ter enfim lido alguma coisa que permitia entender o queocorrera no Brasil.

    A importncia desse artigo foi o de colocar sobre outras bases a explicao doprocesso brasileiro ps-1930, influenciando consideravelmente anlises posteriores.Os ecos dessa influncia podem perceber-se na maioria dos estudos que seescreveram depois sobre o tema, menos em autores que me citam explicitamente(por exemplo, Dreyfus, 1981, que volta a privilegiar o papel da interveno norte-americana) que em outros, que no o fazem (por exemplo, Oliveira e Mazzuccheli,1977, particularmente em sua inteno -nem sempre bem sucedida- de privilegiaros "fatores internos" e, sobretudo, em sua avaliao do segundo governo Vargas). Anvel do Colgio, o artigo deu-me prestgio e motivou minha incluso no corpo

    editorial de Foro Internacional, onde permaneci at deixar a instituio, em 1969.

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    Estimulado pela repercusso desse ensaio, tanto no Colgio como fora dele, ebuscando penetrar na natureza profunda dos acontecimentos brasileiros, escrevi(ainda em 1965) dois outros - alm de trabalhos menores, publicados em rgossindicais e estudantis, dos quais o mais importante era a revista Solidaridad,editada pelo Sindicato dos Eletricistas, um dos mais poderosos e o mais avanado,ento, do Mxico. O primeiro deles -atendendo a uma sugesto de Frank, nosentido de que eu escrevesse algo para Monthly Review- foi dedicado, j no aoprocesso de luta de classes de que resultara o golpe militar, mas s suas causaseconmicas profundas e s suas conseqncias, particularmente no plano latino-americano. Escrito tambm em espanhol, foi publicado, naquele ano, em NovaIorque, sob o ttulo "Brazilian Interdependence and Imperialist Integration", saindoa verso original em Selecciones en Castellano de Monthly Review, que seeditava ento em Buenos Aires.

    Nele, modificando o enfoque, eu colocava em primeiro plano as transformaes daeconomia mundial no aps-guerra (especialmente a centralizao de capital nosEstados Unidos e seu efeito sobre as exportaes de capitais) e seu impacto na

    economia do Brasil e na diferenciao da sua classe burguesa, para examinar, luzdesses fenmenos, a poltica exterior brasileira nos anos 60 e suas implicaoes paraa Amrica Latina. Esse estudo teve trs resultados importantes.

    Primeiro, impulsionou a superao do enfoque meramente institucional -e,freqentemente, jurdico- que privava nas anlises da poltica exterior latino-americana, motivando os estudiosos a investigar suas determinaes econmicas ede classe (efeito inicialmente sentido no prprio Colgio do Mxico, mas, direta ouindiretamente, estendido depois ao Brasil, comeando com a anlise pioneira deMartins, 1972). Segundo, despertou maior ateno para a mudana operada nosmovimentos de capital no aps-guerra, com vantagem para os investimentos diretosna indstria, tese que se constituiria em um dos pilares da teoria da dependncia,principalmente pelas implicaes do fenmeno na diferenciao interna daburguesia, que eu apontava no artigo e que sustentavam o conceito de "burguesiaintegrada" que eu ali expunha (ver, entre outros estudos, Santos, 1976,principalmente seu trabalho mais difundido, "O novo carter da dependncia",escrito originalmente em 1966, e Cardoso e Faletto, 1969, primeira verso em 1967,sobretudo o seu conceito de "burguesia associada"). Terceiro, levantou a questo dosubimperialismo, que tratei ali pela primeira vez e que despertou particularinteresse em crculos intelectuais argentinos e uruguaios, assim como de brasileirosque os integravam, graas difuso que deu ao meu ensaio sua publicao emBuenos Aires. Esse interesse levaria um grupo ligado revista Marcha, deMontevidu, em que se destacaram Vvian Trias e Paulo Schilling, a desenvolver

    novas elaboraes sobre o tema, atravs das quais, por um lado, operou-se umdeslizamento em direo ao que se poderia chamar de "teoria do satliteprivilegiado" -distinta, em substncia, da tese que eu levantara- e, por outro lado,descobriu-se e mesmo se hipervalorizou a doutrina geopoltica, at convert-la emclave explicativa do fenmeno -o que tambm estava longe de coincidir com a visoque eu dele tinha (as elaboraes mais acabadas dessa corrente, em verso bemposterior, podem ver-se em Tras, 1977, e Schilling, 1978).

    O segundo artigo (de fato, o terceiro) deveu-se a Jess Silva Herzog, diretor datradicional revista Cuadernos Americanos, que, procurado por mim, manifestouinteresse em um artigo indito, na linha dos anteriores; escrito tambm emcastelhano, foi publicado em 1966, sob o ttulo "La dialctica del desarrollo

    capitalista brasileo". A diferena do primeiro ensaio, centrado no processo scio-poltico brasileiro, e do segundo, mais preocupado com a articulao da economia

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    brasileira com o sistema imperialista e as implicaes disso para a Amrica Latina,este terceiro estudo procurava sintetizar os dois enfoques, com o propsito dedesvendar as grandes linhas do processo histrico do Brasil moderno e a gestaodas condies da revoluo socialista. Este ltimo aspecto iluminava toda a anlisee foi, efetivamente, com o ttulo de "El carcter de la revolucin brasilea" que oensaio se republicou, em 1970, em Pensamiento Crtico, a revista cubana de maisprestgio naquela poca e que se destacava por sua ousadia terica e poltica.

    Ao terminar o ano de 1965, ocorreu algo que influiu profundamente na minhatrajetria intelectual. O curso de graduao do CEI inclua uma disciplina sobre aAmrica Latina, centrada principalmente em questes de poltica exterior, comoindicava a sua denominao: Histria Diplomtica da Amrica Latina. Naquelapoca, o Mxico era ainda um deserto em matria de estudos latino-americanos,como atesta o fato de que -alm de ser a nica no gnero, em um curso de relaesinternacionais- essa disciplina fosse sempre ministrada por um especialista norte-americano. O que sucedeu, naquele ano, que o professor dela encarregado -denome conhecido, mas que no recordo agora- teve um impedimento de ltima hora,

    criando um problema para o cumprimento normal do currculo em 1966. O razovelprestgio que eu me granjeara no Colgio, somado ao fato de ser brasileiro e terportanto certa noo do que ocorria no Cone Sul, levou a direo do CEI a meassumir como latino-americanista e a solicitar minha colaborao para a soluodo problema. Assim foi como me converti, de fato, em titular da disciplina, duranteo resto da minha permanncia no Colgio.

    Na realidade, salvo informao direta e noes superficiais sobre o tema, adquiridasdurante a minha estada na Frana, eu no sabia muito sobre a Amrica Latina. Porcerca de trs meses, dediquei-me, pois, ao estudo da bibliografia disponvel,utilizando principalmente a biblioteca do Colgio -bastante boa, nesse particular.Ali, parte estudos nacionais, na maioria clssicos, e uma ou outra tentativa deteorizao mais geral (como os trabalhos da Cepal e os obras de Gino Germani e

    Torcuato S. Di Tella), fiz a desagradvel constatao de que os estudos latino-americanos provinham essencialmente dos pases desenvolvidos -principalmenteEstados Unidos, Inglaterra e Frana, nessa ordem- e padeciam, no mais das vezes,de um paternalismo elitista, que me recordava os cursos de Balandier, emSciencesPo.

    Organizei o programa, buscando combinar certas formulaes de carter global coma anlise por pases e excluindo a Amrica Central e o Mxico, no s por seremsuficientemente -no caso do Mxico, amplamente- tratados em outras disciplinas,como tambm para evitar problemas polticos. A metodologia era, essencialmente, a

    que eu desenvolvera nos meus trabalhos sobre o Brasil, levando a que as questesde poltica exterior, alm de se enfocarem a partir de suas determinaes scio-econmicas, constitussem apenas uma dimenso do objeto de conhecimentoconstrudo no curso. Quando necessrio, o programa introduzia o exame decategorias e teses marxistas, j que era no marxismo que ele se fundamentava.Essas modificaes fizeram com que o curso viesse a intitular-se, mais tarde,Problemas Internacionais da Amrica Latina.

    O xito alcanado juntos aos alunos -um grupo particularmente brilhante, justoreconhecer, e que trabalhava em regime de tempo integral- chegou a me criarembaraos, junto direo e a colegas do corpo docente. Em seu entusiasmo, osestudantes fizeram-me objeto de endeusamento, ao mesmo tempo que estabeleciam

    comparaes entre meu curso e os demais, que resultavam ser pouco lisonjeiraspara estes; pior ainda, assumiram posies esquerdizantes, que destoavam na torre

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    de marfim que a instituio se orgulhava de ser. Devo ser honesto: a minha opoterica e poltica sempre foi respeitada no Colgio, enquanto ali estive, e se manteveinvarivel o clido tratamento que me era dispensado, no terreno pessoal eprofissional. Mas, de maneira bem mexicana, a direo do CEI tomou certasprovidncias -como a de, para os futuros grupos, deslocar o curso de uma posiointermdia para o final do currculo e exercer sobre os estudantes, antes de que eleschegassem s minhas mos, uma influncia neutralizadora. No surpreende,assim, que -ao ministrar de novo o curso, em 1968- eu me defrontasse com umgrupo de alunos que passou histria do Colgio com a designao de coolgeneration.

    Como quer que seja, a repercusso do curso de 1966 levou o CEI a criar, em 1967,um seminrio sobre a Amrica Latina, a nvel de ps-graduao -iniciativa pioneirano Mxico e, at onde sei, na Amrica Latina, se descartamos as que correspondiama organismos internacionais, de cunho mais especializado. Encarregado de suacoordenao, estabeleci para ele um programa flexvel, cuja linha central eraassegurada por mim, mas que inclua conferencistas, j para tratar temas

    previamente estabelecidos, j para intervir em determinadas reas do programa, apartir de sua prpria especialidade. Nesse contexto, alm de convidar especialistasmexicanos e norte-americanos, aproveitei a passagem pelo pas de intelectuaislatino-americanos, em particular brasileiros, como Celso Furtado, Hlio Jaguaribe eOctvio Ianni. O curso foi bem sucedido, firmando minha posio no Colgio, e meproporcionou a possibilidade de conversar com os brasileiros sobre a situaonacional. Lembro-me, especialmente, da discusso que mantive com Celso Furtado,uma noite, no Caf de Las Amricas, juntamente com Jos Thiago Cintra -Furtadodefendendo sua tese sobre a "pastorizao", i. e., do retrocesso da economiabrasileira ao estdio meramente agrcola, que a ditadura brasileira estariapromovendo (tese que ele havia exposto em seu artigo de apresentao ao nmeroespecial de Temps Modernes sobre o Brasil, publicado em 1966, que Siglo XXIeditaria logo com o ttulo de Brasil hoy); eu, insistindo no eixo central da minhareflexo sobre o Brasil, ou seja, na idia de que a ditadura correspondia dominao do grande capital nacional e estrangeiro e impulsionava a economia dopas a uma etapa superior do seu desenvolvimento capitalista.

    Em 1967, ainda, atento reunio que se realizava no Mxico sobre a propostamexicana de desnuclearizao da regio, de que resultaria o Tratado de Tlatelolco,escrevi, em colaborao com Olga Pellicer de Brody, o artigo "Militarismo ydesnuclearizacin en Amrica Latina". Nele, a par da denncia sobre a atuao dadelegao brasileira na conferncia, que descaracterizara o objetivo do Mxico efizera do tratado algo de pouca eficcia, mostrvamos que essa atitude correspondia

    ao propsito da ditadura de desenvolver no Brasil uma indstria blica importante,como base da poltica expansionista que ela praticava. O artigo publicou-se emForo Internacional, despertando a ateno dos especialistas do Colgio para otema e motivando duas teses de graduao no CEI (Lozoya, 1969, e Vargas, 1973).

    A fins desse mesmo ano, durante uma quinzena de frias, em Zihuatanejo, eatendendo a uma solicitao da revista Tricontinental -lanada, em Havana, nocontexto da mobilizao revolucionria que se constituiria na linha central dapoltica exterior cubana, nos anos seguintes- escrevi o artigo "Subdesarrollo yrevolucin en Amrica Latina". Este viria ser o meu trabalho mais conhecidointernacionalmente, j em virtude da grande difuso da revista (que se editava emespanhol, ingls e francs e se distribua mundialmente), j pelas muitas

    republicaes de que foi objeto; destacam-se, entre estas, a da edio emcastelhano de Monthly Review (que, aps o golpe de 1966 na Argentina, editava-se

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    agora em Santiago do Chile), a do reading elaborado por Bolvar Echeverra epublicado em Berlim com o ttulo Kritik des brgerlichen Anti-Imperialismus, e ado reading editado por Feltrinelli, denominado Il nuovo marxismolatinoamericano. Esse ensaio, que reflete o essencial das investigaoes que euvinha realizando, desde fins de 1965, resume seu contedo na declarao inicial -"ahistria do subdesenvolvimento latino-americano a histria do desenvolvimentodo sistema capitalista mundial"- e se dedica a demonstrar que essesubdesenvolvimento simplesmente a forma particular que assumiu a regio ao seintegrar ao capitalismo mundial.

    Em 1968, a convite de Leopoldo Zea, tambm professor no Colgio, que desenvolviaa iniciativa pioneira de criar um Centro de Estudos Latino-Americanos naFaculdade de Filosofia, da UNAM, assumi neste -alm da direo de um seminriosobre a Amrica Latina, para graduados e ps-graduados- a ctedra do cursoHistria do Brasil e seus Antecedentes Portugueses, que teve singular destino.Como se tratava de um curso de dois semestres, destinei o primeiro a expor a teoriae o mtodo marxistas, discutindo como aplic-los ao estudo da Amrica Latina; e o

    segundo a, sobre essa base, analizar o processo econmico, social e poltico doBrasil. O interesse que despertou o curso provocou, no s um notvel aumento donmero de alunos, motivando sucessivas mudanas de sala at chegar a umauditrio, mas tambm a modificao qualitativa do alunado, que passou a vir dediferentes faculdades, tanto da rea de humanidades como da de cincias exatas enaturais. Na realidade, ali se reuniu a vanguarda estudantil da UNAM -a ponto de,aps a represso ao movimento estudantil, em outubro daquele ano, ter-me sidosugerido, meio em zombaria e meio a srio, que eu fosse ministr-lo na priso.

    Por presso dos estudantes, fui levado a realizar tambm um seminrio de leiturade O Capital. Dificuldades institucionais fizeram com que este se realizasse emminha casa, nas manhs de sbado, com a participao de estudantes eprofessores jovens do Colgio e da UNAM. Essa iniciativa, sem precedentes naquelapoca, viria a dar seus frutos, como constatei quando, voltando ao Mxico em 1972,me deparei com vrios seminrios desse tipo, tendo frente participantes do de1968.

    1967 e 1968 foram, assim, aqueles anos em que, aps consolidar minha posio noColgio, me projetei aos crculos intelectuais e polticos mexicanos e iniciei meulanamento no plano internacional. Foram, alm disso, anos de situao econmicafolgada. Com efeito, desde meados de 1966 -por mediao de seu filho, aluno meuno Colgio- conheci Gonzalo Abad Grijalva, funcionrio destacado da UNESCO, quedirigia um rgo mantido por esta, a OEA e o governo do Mxico -o Centro Regional

    de Construoes Escolares para a Amrica Latina (CONESCAL)-, ao qual me integreicom o cargo de Educador. Composto em sua quase totalidade por arquitetos eengenheiros e dedicado a questes eminentemente tcnicas, CONESCAL acabou porse constituir em um excelente ambiente de trabalho para mim: cercado deconsiderao, fiz amizades de saudosa lembrana (em especial, Oswaldo MuozMarn, Marn Reyes Arteaga, Alejandro Unikel, Carlos Osorno e minha secretriaMagdalena, sem contar o prprio Abad) e, alm de ampliar os meus horizontes comconhecimentos de arquitetura, urbanismo, artes plsticas e engenharia, pudeaprofundar-me no estudo da realidade econmica e social latino-americana. Ali,participei dos cursos internacionais realizados anualmente pela instituio,desenvolvi pesquisas de carter tcnico (da resultando dois informes de certoalcance, um sobre a formao tecnolgica na Amrica Latina e outro, de cunho

    mais coletivo, sobre uma nova metodologia arquitetnica para as constru esescolares) e publiquei um par de artigos na revista do Centro. Destes artigos, havia

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    um que versava sobre a questo educacional na Amrica Latina e que serviu debase para minhas reflexes sobre o tema dos movimentos estudantis, que estavamento em ascenso. Permaneci em CONESCAL at 1969, quando, preparando-me jpara deixar o Mxico, me demiti.

    Ainda em 1968, instado por Cludio Colombani, comecei a escrever colaboraesno peridicas para o influente e oficialista jornal El Da, na seo intitulada

    Testemunhos e Documentos. Em maio, entusiasmado com as aes do movimentoestudantil brasileiro, escrevi um artigo de pgina inteira, no qual analizava suasmotivaes e definies programticas, sua dinmica e suas tticas de luta. Porrazes nunca aclaradas, ele foi publicado em agosto, pouco depois da ecloso domovimento estudantil-popular, que, em julho, sacudiu o stablishment mexicanoat seus alicerces e se constituiu em um dos mais importantes pontos de rupturana histria do pas. Inutilmente eu me muni de carta do jornal, na qual esteassumia a responsabilidade pela infeliz coincidncia. O fato -somado a meusantecedentes polticos, minha atividade docente e uma conferncia pblica, noColgio, sobre a questo estudantil latino-americana- tornou pesado o ambiente

    que me cercava, at em minha casa (que passou a ser vigiada e a sofrer censuratelefnica); no rgo da Secretaria de Gobernacin, encarregado do controle dosasilados, recebi tratamento francamente hostil. Ao ter lugar, em outubro, arepresso governamental, com o massacre de Tlatelolco, minha situao se tornouinsustentvel.

    Optei, ento, por me entrevistar com a mais alta autoridade na matria, o sub-secretrio de Gobernacin. Fria e polidamente, este me deu a verso oficial do quese passava: os bons "muchachos" mexicanos haviam sido envenenados poragitadores estrangeiros e se haviam voltado contra o seu pas: no entender dogoverno, eu era um dos principais responsveis pelo que ocorrera. Pareceu-meintil argumentar e me limitei a indagar se isso significava que o governo queriaque eu fosse embora. -O senhor est sob a proteo do governo do Mxico; esteveria, porm, a sua partida como um gesto de colaborao para que as coisas senormalizem- respondeu-me ele, com inaltervel polidez. -Muito bem. De que prazoeu disponho? -perguntei. -Como, prazo? O senhor tomou uma deciso, ningum oest expulsando- foi a resposta.

    Depois disso, a presso direta (vigilncia, censura, etc.) cessou. Naturalmente,procurei demonstrar na prtica minha inteno de cumprir o acordo: apsrenunciar a CONESCAL, reduzi minha participao no Colgio e me afastei daUNAM. Ou, pelo menos, eu pensava estar agindo assim: tempos depois, viria asaber que -sem nenhuma exigncia, verdade, de que eu fosse despedido- essas

    instituies haviam sido instrudas, por escrito, pela Secretaria de Gobernacin nosentido de evitar relacionamento meu com estudantes.

    Acionando os amigos que se encontravam asilados em outros pases, crieioportunidades de sada e acabei por me decidir pela Arglia, passando pela Frana(correspondncia com Miguel Arraes abrira-me as portas daquele pas e levou-me,algum tempo depois, a prefaciar a edio mexicana de seu livro Brasil: pueblo ypoder). Entretanto, para surpresa minha, a autorizao de sada me foi negada.Voltando a falar com a mesma autoridade de Gobernacin, esta justificou anegativa em virtude de acordo existente com a ditadura brasileira, no sentido deimpedir meu deslocamento para centros de reunio de exilados -o que descartava,tambm, a Frana, o Uruguai e o Chile- a menos que, renunciando ao asilo, eu

    descarregasse o governo mexicano de qualquer responsabilidade sobre os meusatos. o que eu acabaria por fazer.

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    Embora esse processo tenha levado quase um ano, justo ressaltar que, feito oacordo verbal com Gobernacin, no voltei a ser incomodado. Pude, inclusive, semestorvos, manter estreita relao com os presos polticos libertados pela ditaduraem funo do sequestro do embaixador norte-americano, que o Mxico acolheu.Entre eles, estavam Vladimir Palmeira e Jos Dirceu, lderes do movimentoestudantil de 1968, alm de Ricardo Villas e Teca. Foi, para mim, excelente ocasiopara discutir os problemas da esquerda brasileira -descobrindo, tambm, que osmeus ensaios sobre o Brasil haviam tido no pas uma ampla difuso clandestina,inclusive com uma consolidao mimeografada, publicada pela Unio Metropolitanade Estudantes do Rio, sob o ttulo Perspectivas da situao econmica brasileira,do qual s muitos anos depois me chegou s mos um exemplar.

    Uma pequena anedota revela como eu me tornara conhecido dos jovens militantesde esquerda e, ao mesmo tempo, a viso distante que eles tinham de mim. Aochegar o grupo ao aeroporto do Mxico, este foi cercado por um forte dispositivo desegurana e no pude trocar mais que algumas palavras com Vladimir,aproveitando para dizer que eu passaria mais tarde no hotel. Quando ele

    comunicou isso aos seus companheiros, Ricardo Villas, pouco mais que um garoto,caiu dos cus: -"Mas o Ruy Mauro Marini existe, mesmo?"-indagou, incrdulo, antea inesperada materializao do que no fora, at ento, mais do que um rtulo detextos de formao poltica.

    Com as minhas atividades reduzidas, durante 1969, dediquei-me principalmente direo de teses de graduao no Colgio. Trs delas chegaram a ser apresentadas,ainda quando eu me encontrava no Mxico: a de Jorge Robledo, venezuelano, dequem no mais tive notcias, sobre El movimiento estudiantil venezolano, que seinspirava nas minhas preocupaes sobre o tema e versava sobre a revoluo de1958 e a luta de classes subseqente; a de Ren Herrera Ziga, nicaraguense,hoje professor e investigador no Colgio, com ttulo que no recordo, sobre oprocesso scio-poltico da Nicargua e o fenmeno Somoza; e a de Carlos Johnson,mexicano-norte-americano, atualmente lecionando na UNAM, sobre a coernciainterna do movimento dos pases no-alinhados, medida atravs das votaes naONU. Ficaram encaminhadas as de Ricardo Valero Becerra, mexicano, que viria ater brilhante carreira na diplomacia e na poltica, sobre Fundamentos ytendencias de la poltica exterior brasilea, dedicada ao exame dasdeterminaes scio-econmicas da poltica exterior do Brasil nos anos 50, e a deGonzalo Abad Jnior, equatoriano, hoje funcionrio internacional, sobre a luta declasses no Equador, ambas apresentadas depois da minha sada do Mxico.

    Coube-me, tambm, em 1969, atendendo a convite de Pablo Gonzlez Casanova,

    ento diretor do Instituto de Pesquisas Econmicas (IIS), da UNAM, participar dolivro por ele organizado, Sociologa del desarrollo econmico (Una gua para suestudio), em convenio com um centro da UNESCO em Paris. Cada seo deveriaconter um exame das tendncias da disciplina considerada e uma bibliografiacomentada. Respondi pela seo de sociologia poltica. O texto introdutriopublicou-se tambm, isoladamente, na revista colombiana DesarrolloIndoamericano, dirigida por Jos Consuegra, na qual colaborei durante algumtempo.

    Paralelamente, com o apoio entusiasta de Cludio Colombani, ocupei-me ainda,naquele ano, da preparao de um livro, baseado nos trabalhos que publicara noperodo e pelo qual Arnaldo Orfila Reynal, fundador e diretor de Siglo XXI,

    manifestara interesse. Abrindo com o ensaio de 1967 sobre a Amrica Latina, reuniali meus estudos sobre o Brasil (reformulando, para incluir minhas consideraes

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    sobre a indstria blica, o que se referia poltica exterior) e acrescentei um ensaiosobre a problemtica da esquerda, que muito deve s discusses que tive com ospresos polticos libertados, em particular Vladimir Palmeira. Problemas da editoraatrasaram o seu lanamento, de maneira que, quando isto ocorreu, ao trmino doprimeiro trimestre do ano seguinte, eu j havia deixado o Mxico.

    Subdesarrollo y revolucin , pois, um texto datado, centrado prioritariamentesobre a anlise dos problemas brasileiros, mas que alcanou grande difuso nosanos 70, com reedies quase anuais, e que entrou, inclusive, j perdendo fora, nadcada de 80. A meu ver, o interesse que despertou deve-se, em parte, novidadedo enfoque -inserido como est o livro na corrente das novas idias quecristalizaram na teoria da dependncia; em parte, metodologia, que buscavautilizar o marxismo de modo criador para a compreenso de um processo nacionallatino-americano, e, finalmente, sua audcia poltica, que rompia com oacademicismo timorato e assptico que primara, at ento, nos estudos dessanatureza. O ltimo captulo, sobretudo, que aborda os problemas da esquerdaarmada e o faz de dentro (o nico precedente, nesta linha, havia sido Revoluo na

    revoluo?, de Rgis Debray, em 1967), suscitou entusiasmo na intelectualidadejovem e, em geral, na militncia de esquerda (assim, esta promoveu, na Itlia, suapublicao na edio local de Monthly Review, apesar de j estar ali em curso umatraduo do meu livro); em compensao, ele chegou a provocar desconforto noseditores, que -no tendo tido conhecimento prvio do texto, por mim entreguediretamente grfica, quando j estava em marcha a impresso do livro- temeram,ao v-lo publicado, que a empresa resultasse comprometida.

    Problemas, certo, o livro criou, mas em pases como Brasil e Argentina, queapreenderam e destruiram remessas inteiras dele. Na maior parte da AmricaLatina, porm, e no Mxico em particular, ele foi um sucesso, que logo chegou Europa. Em 1972, saiu a edio francesa e, em 1974 (com uma introduo queviria a ser meu trabalho mais significativo e em excelente traduo de LauraGonsalez) a edio italiana, com o ttulo Il sottoimperialismo brasiliano. Umcontrato assinado com a Penguin Books no teve seqncia, por razes que ignoro,mas, em 1975, efetivou-se a edio portuguesa, com base na 5 edio mexicana de1974, corrigida e ampliada.

    Com ele, fechei com chave de ouro meu primeiro exlio, durante o qual, ao mesmotempo em que completava minha formao, me realizara profissionalmente. Avitria de Lus Echeverra nas eleies de 1969 -o qual, como secretrio deGobernacin, comandara a represso ao movimento estudantil- e a negativa daFrana a deixar-me entrar ou passar pelo seu territrio sem documentao (a qual

    me era negada tanto pelo governo brasileiro como pelo mexicano) levaram-me a,renunciando ao asilo, decidir-me pelo Chile, onde a situao poltica poderiafacilitar as coisas. Em novembro de 1969, desembarquei em Santiago.

    3. O segundo exlio

    Meu ingresso a territrio chileno fez-se com alguma dificuldade, contornada pelapresso dos amigos que ali me esperavam -em particular Theotnio dos Santos eVania Bambirra- juntamente com a interveno de polticos -como o ento senadorSalvador Allende- e da Universidade de Concepcin e sua Federao de Estudantes.Efetivamente, ainda no Mxico, eu fora contactado pelo presidente desta, NelsonGutirrez -que me conhecia por meus trabalhos e pelas informaes de amigos

    brasileiros, entre os quais Evelyn Singer, que lecionava naquela universidade emilitara comigo no Brasil- o qual me comunicara a existncia de uma vaga de

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    professor titular no Instituto Central de Sociologia e me consultara sobre meuinteresse em ocup-la. Como j ento eu via o Chile como possvel alternativa Arglia, respondi afirmativamente, sendo meu currculo includo no concursoaberto para essa vaga e aprovado. Eu chegava, pois, ao pais com um contrato namo.

    Permaneci em Santiago cerca de trs meses, aproveitando as frias escolares, e nocheguei a desligar-me inteiramente da cidade, pois mantive ali um pequenoapartamento, durante todo o tempo em que estive em Concepcin. No me seduzia,com efeito, a perspectiva de me fixar nesta ltima, acostumado como estava sgrandes cidades, alm do que Santiago apresentava para mim mais atrativos. Aliestavam grandes amigos meus, como Vania e Theotnio, junto a uma vasta colniade exilados brasileiros, que enquanto estive no Chile, contou, em momentosdiversos, com Darcy Ribeiro, Almino Afonso, Guy de Almeida, Jos Maria Rabelo,Maria da Conceio Tavares; em pouco tempo, eu faria novas amizades entre oschilenos e hispano-americanos, como Toms Vasconi, Ins Reca, Po Garca,Orlando Caputo, Roberto Pizarro, Anbal Quijano, reencontrando tambm Andre

    Gunder Frank, que lecionava na Universidade do Chile, e sua esposa, MartaFuentes. Por outra parte, Santiago vivia um momento de intensa mobilizaopoltica, que resultaria, nas semanas imediatas minha chegada, na constituioda Unidade Popular, frente poltica que reunia as foras de esquerda - exceo doMovimento de Esquerda Revolucionria (MIR)- e na designao de Allende para seucandidato s eleies presidenciais do ano seguinte.

    Apesar de haver recebido uma proposta de trabalho do Instituto de Administrao(INSORA), com o qual eu entrara em contacto ainda no Mxico, e contar com ointeresse do Centro de Estudos Scio-Econmicos (CESO) da Faculdade deEconomia, da Universidade do Chile, trasladei-me, em maro de 1970, aConcepcin. Ia disposto a ficar pelo menos um ano, em reconhecimento solicitudeque me manifestara a Federao de Estudantes.

    Se o nvel de politizao era alto em Santiago, adquiria ali conotaes explosivas.Uma das principais cidades do pas, de antiga tradio industrial e intimamenteligada aos centros mineiros de Lota e Coronel, bero do Partido Comunista,Concepcin dera origem, em 1965, a uma nova fora de esquerda, o MIR -desprendimento da Juventude Socialista, com participao destacada de umacorrente intelectual trostskista- liderado por uma pliade de jovens brilhantes,principalmente Miguel Enrquez, Luciano Cruz e Bautista Van Schowen. ComLuciano como presidente, a Federao de Estudantes dera incio, de maneiraespetacular, reforma universitria, que agitava ainda o pas quando da minha

    chegada, a que se seguira o catapultamento do MIR ao plano nacional, em 1969,pela adoo -aps a ruptura com os trotskistas- de uma ativa poltica de lutaarmada. Um pouco mais jovem, Nelson Gutirrez, agora ex-presidente da FEC,acabaria por se integrar ao grupo dirigente, onde se destacou pela sua inteligncia,sua inteireza revolucionria, sua inesgotvel sede de saber e sua notvel capacidadeoratria.

    Num ambiente dessa natureza, difcil distinguir o que foi atividade acadmica e oque foi atividade poltica. Minha vida pessoal foi, de certo modo, anulada, embenefcio de uma prtica pedaggica incessante, nas salas de aula, nas reuniescom militantes, durante as refeies, nas tertlias em minha casa, nas visitas adirigentes e bases operrias de Tom, Lota, Coronel. Na Universidade, alm de

    estabelecer laos de amizade com Juan Carlos Marn, um dos raros intelectuaismarxistas realmente dedicado a questes de estratgia militar; Alejandro Saavedra,

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    estudioso da questo agrria, sobre a qual sustentava teses extremamenteoriginais; Lus Vitale, que se esforava por resgatar a histria das lutas de classesno Chile; Guillermo Briones, cientista poltico de formao tradicional, mas sempreaberto ao novo; Jlio Lpez e Jos Carlos Valenzuela, que chegavam da Polnia,entusiasmados com Kalecki; Nestor D'Alessio e outros, ministrei vrios cursos, pormotivao poltica e acadmica.

    Entre eles, cabe destacar o de Sociologia Poltica, que resgatava minha experinciaem Braslia; Sociologia da Amrica Latina, em que capitalizava meus estudos noMxico, e Mtodos e Tcnicas de Estudo e Exposio, que tivera uma primeiraverso em CONESCAL, com o fim de preparar arquitetos e engenheiros para acompreenso das quest es sociais, e que assumiu em Concepcin, voltado para

    jovens militantes, o propsito de disciplinar seu raciocnio, adestr-los na pesquisae habilit-los a dominar diferentes formas de exposio, como o panfleto, o artigo, odiscurso oratrio, o relatrio, o ensaio. Participei tambm do curso de CinciasSociais que o Instituto realizava fora de suas dependncias, nas faculdades eescolas de engenharia, medicina, servio social, geologia, matemtica, etc.,

    cumprindo, para a esquerda universitria, o papel de instrumento de politizao desetores estudantis menos sensveis, em princpio, aos problemas scio-polticos;minha contribuio consistiu, principalmente, em modificar o enfoque pedaggico,buscando transformar o curso numa reflexo poltica baseada na problemticaprpria de cada profisso e, na medida do possvel, vertida na sua linguagem.

    Nesse contexto, minha produo escrita viu-se bastante prejudicada. No cursodaquele ano, escrevi apenas dois textos para publicao: o prefcio ao livro deArraes e um artigo intitulado "Os movimentos estudantis na Amrica Latina",destinado recm-criada revista do Instituto, Cincia Social (que saiu com muitoatraso e no passou do primeiro nmero), que se publicou na Frana, naquele ano,em Temps Modernes, e na Venezuela, na revista Rocinante, republicando-se, maistarde, no Mxico e na Colmbia, at onde sei.

    O ambiente, ao mesmo tempo exaltado e sufocante, de Concepcin, seuprovincianismo e a eleio de Allende para a presidncia, que abria no pas umprocesso poltico de grandes perspectivas, levaram-me a -aceitando convite doCESO- trasladar-me para Santiago, a fins de 1970. Numa universidade que, como ado Chile, passava ainda pelo processo de reforma, os procedimentos e anomenclatura eram fluidos: um concurso de ttulos decidiu a minha admisso eclassificao como pesquisador snior. Sem me subtrair mar alta de politizaoque caracterizava ento o Chile, eu vivi ali uma das fases mais produtivas da minhavida intelectual.

    A formao do governo da Unidade Popular contribuiu, de certo modo, para isso.Carente de quadros, a esquerda no poder esvaziou as universidades em benefcio daadministrao pblica. No CESO, isso conduziu promoo do pessoal jovem(Roberto Pizarro, ento jnior, na qualidade de nico chileno do pequeno grupo querestara, assumiu a direo, mais tarde transferida a Theotnio) e incorporao denovos membros, na maioria estrangeiros, do que resultou uma grande renovao. Ainstituio alcanou o pice da sua trajetria entre 1972-1973; alm de mim,

    Theotnio e Vania, ela contava com Vasconi, Frank, Marta Harnecker, Jlio Lpeze, mais jovens, Pizarro, Cristin Seplveda, Jaime Torres, Marco Aurlio Garcia,Alvaro Briones, Guillermo Labarca, Antonio Snchez, Marcelo Garca, Emir Sader e

    Jaime Osorio, lista qual haveria que acrescentar os temporrios: Rgis Debray,

    recm-libertado de sua priso na Bolvia; os cubanos Germn Snchez e Jos BellLara, afastados por algum tempo de Havana, aps o freio aplicado a Pensamiento

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    Crtico, e o mexicano Lus Hernndez Palacios, cuja amizade eu reencontraria aoretornar, tempos depois, ao Mxico.

    O CESO foi, em seu momento, um dos principais centros intelectuais da AmricaLatina. A maioria da intelectualidade latino-americana, europia e norte-americana,principalmente de esquerda, passou por ali, dele participando mediante palestras,conferncias, mesas-redondas e seminrios. Contudo, o segredo da intensa vidaintelectual que o caracterizou e que se constituiu na fonte real do seu prestgio foi apermanente prtica interna de dilogo e discusso, institucionalizada nosseminrios de rea -as reas temticas eram as clulas da instituio- e noseminrio geral e continuada nas relaes pessoais, que tinham por base ocompanheirismo e o respeito mtuo. O momento poltico que vivia o pas, o qualtornara Santiago centro mundial de ateno e de romaria de intelectuais e polticos,fez o resto, alm de incentivar o desenvolvimento de outros rgos acadmicos,como o Centro de Estudos da Realidade Nacional (CEREN), da UniversidadeCatlica.

    Estando o CESO adscrito Faculdade de Economia, eu devia tambm ministrarcursos ali, embora sem obrigao de carga docente. Realizei trs: Introduo sCincias Sociais, cuja seo inicial, composta de trs aulas, deu como resultado oensaio "Razn y sinrazn de la sociologa marxista", publicado no primeiro nmeroda revista Sociedad y Desarrollo, lanada pelo CESO, em 1972; Cincia Poltica eum terceiro -ao que concorriam alunos de vrias faculdades, militantes dosdiferentes partidos da esquerda- intitulado Teoria del Cambio. Este ltimo -queversava, de fato, sobre a teoria da revoluo- depois de uma seo dedicada srevolues burguesas, eu estudava quatro revolues socialistas (sovitica, chinesa,vietnamita e cubana), concluindo com algumas generalizaes-; gravado e,posteriormente, reelaborado, encontrava-se pronto para publicao no momento dogolpe militar de 1973, quando, aps a invaso do meu apartamento pelo exrcito,foi por este queimado, junto com os livros e outros materiais que l estavam -inclusive uma srie de entrevistas que eu fizera a Miguel Enrquez, dirigentemximo do MIR, cuja perda no deixo de lamentar.

    Alm de exercer alguns cargos administrativos -coordenador docente e membro dacomisso de pesquisas, do conselho editorial e do conselho diretor do CESO emembro da comisso docente e de pesquisas da Faculdade- coube-me, naqualidade de coordenador de rea, organizar e dirigir o seminrio desta; comoindiquei, cada rea do CESO realizava seu prprio seminrio, paralelo ao seminriogeral (este, entre 1971 e 1973, centrou-se na anlise da transio socialista naUnio Sovitica, com nfase em Lenin, tendo Marta Harnecker como coordenadora).

    Meus interesses de pesquisa levaram-me a propor em minha rea, que o aprovou, otema "Teoria marxista e realidade latino-americana"; iniciando-se com O Capital deMarx, o seminrio deveria incluir depois as obras polticas deste, mas, pelascircunstncias histricas, no passou da primeira parte. No se tratava de umasimples leitura do livro, mas -para o que aproveitava a experincia feita no Mxico-de tom-lo como fio condutor para a discusso sobre o modo de aplicar suascategorias, princpios e leis compreenso da Amrica Latina. Do seminrio,participavam, entre outros, Frank, Vasconi, Labarca, Marco Aurlio, MarceloGarca, Cristin, Antonio Snchez e Jaime Osorio.

    Para centrar a discusso, comecei a trabalhar em um texto-base. Este tomava,como ponto de partida, o que ficou conhecido no CESO como meu "livro vermelho" -

    uma pasta vermelha, que reunia materiais desde 1966, incluindo esquemas deaula, anotaes de leitura, reflexes margem e informao histrica e estatstica

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    sobre a Amrica Latina em geral e pas por pas, com nfase na integrao aomercado mundial e no desenvolvimento capitalista da resultante. A prprianatureza desses materiais induziu-me a escrever um ensaio de carter histrico,que no me satisfez: o que eu procurava era o estabelecimento de uma teoriaintermdia, que, informada pela construo terica de Marx, conduzisse compreenso do carter subdesenvolvido e dependente da economia latino-americana e sua legalidade especfica. Voltando a trabalhar o texto (tanto aprimeira verso como o "livro vermelho" se perderam tambm, quando da invasodo meu apartamento), procurei situar a anlise num nvel mais alto de abstrao,relegando a notas de p de pgina as raras referncias histricas e estatsticas queconservei. Esta segunda verso publicou-se, ainda incompleta, em Sociedad yDesarrollo, com o ttulo "Dialctica de la dependencia: la economa exportadora" e,terminada, em edio mimeografada do CESO, em 1972, servindo tambm comobase da introduo ao livro publicado por Einaudi, em 1974.

    Tal como ficou, Dialctica de la dependencia era um texto inegavelmente original,tendo contribudo para abrir novo caminho aos estudos marxistas na regio e

    colocar sobre outras bases o estudo da realidade latino-americana. A dmarcheterica que ali realizei consistiu, essencialmente, em rejeitar a linha tradicional deanlise do subdesenvolvimento, mediante a qual este se captava atravs de umconjunto de indicadores, os quais, a seu turno, serviam para defini-lo: o resultadono era simplesmente descritivo, mas tautolgico. Assim, um pas seriasubdesenvolvido porque seus indicadores relativos renda per capita, escolaridade, nutrio, etc., correspondiam a certo nvel de uma escala dada eesses indicadores se situariam a esse nvel porque o pas era subdesenvolvido.

    Tentando ir alm dessa colocao enganosa, a CEPAL avanara pouco, ficando,como elemento vlido de sua elaborao, a crtica teoria clssica do comrciointernacional e a constatao das transferncias de valor que a divisointernacional do trabalho propicia, em detrimento da economia latino-americana.

    Ao invs de seguir esse raciocnio e fiel a meu princpio de que osubdesenvolvimento a outra cara do desenvolvimento, eu analisava em quecondies a Amrica Latina havia-se integrado ao mercado mundial e como essaintegrao: a) funcionara para a economia capitalista mundial e b) alterara aeconomia latino-americana. A economia exportadora, que surge a meados do sculoXIX nos pases pioneiros (Chile e Brasil), generalizando-se depois, aparecia, nessaperspectiva, como o processo e o resultado de uma transio ao capitalismo e comoa forma que assume esse capitalismo, no marco de uma determinada divisointernacional do trabalho. Aceito isto, as transferncias de valor que da advinhamno podiam ser vistas como uma anomalia ou um estorvo, mas antes como

    conseqncia da legalidade prpria do mercado mundial e como um acicate aodesenvolvimento da produo capitalista latino-americana, sobre a base de duaspremissas: abundncia de recursos naturais e superexplorao do trabalho (a qualpressupunha abundncia de mo de obra). A primeira premissa dava comoresultado a monoproduo; a segunda, os indicadores prprios das economiassubdesenvolvidas. A industrializao operada posteriormente estaria determinadapelas relaes de produo internas e externas, conformadas sobre a base dessaspremissas. Resolvida assim, no meu entender, a questo fundamental, isto , omodo como o capitalismo afetava o cerne da economia latino-americana -aformao da mais-valia- eu passava a me preocupar com a transformao desta emlucro e com as especificidades que essa metamorfose encerrava. Algumasindicaoes referentes ao ponto a que chegou minha pesquisa esto contidas notexto e em outros trabalhos escritos nessa poca, mas eu s solucionaria realmenteo problema alguns anos depois, no Mxico.

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    Lanado circulao, meu ensaio provocou reaes imediatas. A primeira crticaveio de Fernando Henrique Cardoso, em comunicao feita ao Congresso Latino-Americano de Sociologia (onde eu recm apresentava o meu texto completo), que serealizou em Santiago, em 1972, e publicada na Revista Latinoamericana deCiencias Sociales. Defendendo com zelo a posio que conquistara nas cienciassociais latino-americanas, e que ele acreditava, ao parecer, ameaada peladivulgao do meu texto, e referindo-se ainda ao artigo que sara em Sociedad yDesarrollo, que no inclua a anlise do processo de industrializao, a crtica deCardoso inaugurou a srie de deturpaes e mal-entendidos que se desenvolveu emtorno ao meu ensaio, confundindo superexplorao do trabalho com mais-valiaabsoluta e me atribuindo a falsa tese de que o desenvolvimento capitalista latino-americano exclui o aumento da produtividade. Respondi a esses equvocos no post-scriptum que - com o ttulo de En torno a Dialctica de la Dependencia - escrevipara a edio mexicana de 1973.

    Mas se as reaes adversas ao meu ensaio no se fizeram esperar, o interesse e oaplauso tampouco. Seja atravs da verso incompleta da revista, seja da edio

    mimeografada, ele obteve grande difuso, no Chile e no exterior -para o queconcorreu o fluxo constante de visitantes que se dirigia ao CESO. Cedo me deiconta de que no poderia manter o texto sem publicar, como era minha intenoinicial, preocupado como estava em concluir a pesquisa que o texto apenasanunciava. Em setembro de 1972, tendo viajado ao Mxico para participar doscursos de vero promovidos pela Faculdade de Cincias Polticas e Sociais, daUNAM, deparei-me com o fato de que ele era j objeto de seminrios e grupos deestudos, constituindo-se inclusive em tema da interessante tese de graduao emeconomia, de Raimundo Arroio Jnior e Roberto Cabral Bowling, El proceso deindustrializacin em Mxico, 1940-1950. Un modelo de superexplotacin de lafuerza de trabajo, defendida em 1974.

    Urgido por Neus Espresate, co-proprietria da editora ERA e velha amiga, a liber-lo para publicao, achei melhor ceder, embora, dado o clima polmico que ocercava, me parecesse necessrio fazer-lhe um prefcio. Este acabou convertido emposfcio; nele, procurei esclarecer as razes do mtodo adotado (que, ao partir dacirculao para a produo, da retornando circulao, j me valia o epteto de"circulacionista"), justificar o uso de categorias marxistas na anlise de umaformao capitalista ainda em gestao e dissipar as confuses surgidas sobre anoo de superexplorao do trabalho, alm de avanar algumas considera essobre a tendncia da economia dependente a bloquear a transferncia dosaumentos de produtividade aos preos, fixando como mais-valia extraordinria oque poderia vir a ser mais-valia relativa.

    A parte as edies portuguesas (Centelha, 1976, e Ulmeiro, 1981), a ediomexicana, publicada em 1973, a nica que inclui esse posfcio, sendo tambmuma das raras publicaes autorizadas do meu ensaio. Efetivamente, como eutemia, as edies piratas se sucederam, na Frana, na Argentina, na Espanha, emPortugal. Cheguei a autorizar, tambm, a alem, includa em um readingorganizado por Dieter Senghaas, que se publicou em 1974, e a traduo holandesadesse reading, de 1976. O contrato firmado com uma editora japonesa no deu,pelo que sei, resultado.

    A divulgao internacional de Dialctica de la dependencia deveu-se, em parte, aque apresentei o texto como paper na Conferncia Afro-Latino-americana, que

    reuniu, em Dakar, em setembro de 1972 -por iniciativa do Instituto deDesenvolvimento Econmico e Planificao (IDEP), rgo da ONU, dirigido por

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    Samir Amin- estudiosos dos dois continentes, assim como da Europa. Na viagem devolta, detive-me na Itlia, onde, no Instituto de Estudos da SociedadeContempornea (ISSOCO), dirigido por Lelio Basso, participei de um seminriosobre a Amrica Latina. Da resultou um texto de certo interesse, La acumulacincapitalista dependiente y la superexplotacin del trabajo, que teve apenas umaedio mimeografada no CESO, mas que circula, ainda hoje, em crculos estudantise de pesquisa da UNAM e outras instituies de ensino mexicanas. Em minhaestada na Itlia, pude dialogar intensamente com grande nmero de intelectuaisdissidentes do PCI, entre os quais Rossana Rossanda, Lucio Magri, Giovanni Arrighie Luciana Castellini.

    Minha relutncia em publicar Dialctica de la dependencia devia-se conscinciaque eu tinha de que o texto era insuficiente para dar conta do estado de minhasinvestigaes e ao meu desejo de desenvolv-lo. Essa relutncia foi vencida, emparte, como indiquei, pela dificuldade que tive para impedir sua difuso e, emparte, porque o avano do processo chileno me convocava de modo crescente a umaparticipao mais ativa, obstaculizando minha concentrao nas quest es tericas

    gerais que me preocupavam. A partir de fins de 1971, assumi responsabilidadespolticas cada vez maiores, que acabaram por me absorver.

    Uma das questes candentes que se colocavam no Chile de ento era a da unidadeda esquerda, em virtude dos problemas suscitados pela oposio UP x MIR.

    Juntamente com companheiros socialistas e comunistas -entre os quais, MartaHarnecker, alma da iniciativa, Theotnio, Alberto Martnez e Po Garca- participeida criao e direo da revista Chile Hoy, cujo objetivo era construir um espaoadequado para o dilogo entre as correntes de esquerda, e na qual colaboreiregularmente, at o golpe militar.

    A princpios de 1973, teve lugar, por iniciativa do CEREN e em colaborao com o

    CESO, um simpsio sobre a transio ao socialismo, a que concorreramintelectuais de esquerda de todo o mundo, destacando-se Paul Sweezy, RossanaRossanda, Lelio Basso, Michel Gutelman, alm dos participantes locais. Coube-meapresentar ali um paper intitulado Transicin o revolucin? (que se publicou,sem autorizao, na revista Pasado y Presente, de Buenos Aires, com o seu ttuloalternativo: "La pequea burguesa y el problema del poder"), no qual eu analisava ocarter de classe do governo da Unidade Popular, alm de comentar o paper deGutelman e intervir com fora sobre o que apresentou Basso (da resultando umartigo polmico, "Reforma y revolucin: las dos lgicas de Lelio Basso", publicadoem Sociedad y Desarrollo). Os materiais do simpsio se reuniram no livroTransicin al socialismo y experiencia chilena, de Prensa Latinoamericana,

    inclusive meu paper, o comentrio a Gutelman ("La reforma agraria en AmricaLatina") e minha crtica a Basso. Depois do golpe de 1973, o livro dificilmente podeser encontrado. Muitos materiais, porm, inclusive os textos sobre Gutelman eBasso, foram republicados em Buenos Aires, no ano seguinte, com o ttulo Acercade la transicin al socialismo, alm de serem reproduzidos em publicaesdiversas, na Colmbia e no Mxico.

    Ainda em 1973, sob minha direo, saiu o primeiro nmero da revista Marxismo yRevolucin, cujo segundo nmero, j pronto, foi destrudo na grfica, nos diasimediatos ao golpe. O que chegou a circular continha dois trabalhos meus sobre oChile. Um era "El desarrollo industrial dependiente y la crisis del sistema dedominacin", no qual, a partir do movimento econmico e, em particular, da

    distribuio da mais-valia, eu analisava a ciso da burguesia chilena que,expressando-se na campanha eleitoral de 1970, abrira o caminho Unidade

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    Popular; esse trabalho, que contempla alguns dos progressos que eu fizera emminhas investigaes sobre a mais-valia extraordinria, fora escrito e divulgado aointerior da esquerda antes daquele que eu apresentara no simpsio CEREN-CESOe, de um ponto de vista lgico, o precedia. O outro artigo, "La poltica econmica dela `va chilena'", escrito em colaborao com Cristin Seplveda, examinava asmotivaes de classe da poltica econmica da UP e suas implica es; na realidade,ele se destinava a cobrir o vazamento de um texto que eu no escrevera parapublicao e que, cheio de deficincias, sara, sem minha autorizao, em Critiquesde l'conomie politique, revista editada por Maspero (que, incorrigvel, pirateoutambm Dialctica de la dependencia).

    Esses trs ensaios se constituam em uma anlise mais ou menos estruturadasobre as causas e a atuao do governo da Unidade Popular. Eles formam o ncleodo livro que, em 1976, publiquei no Mxico -El reformismo y lacontrarrevolucin. Estudios sobre Chile-, o qual, alm de uma seleo dos artigosmais conjunturais escritos para Chile Hoy, reuniam ainda dois outros ensaios,ambos de 1974. Um deles examinava a crise e a queda do governo da UP, tendo

    aparecido, em verso preliminar, escrita no Panam, numa publicao de NACLA,com o ttulo "Chile: The Political Economy of Military Fascism", sendo republicado,em verso definitiva, no Mxico, sob a denominao de "Economa poltica de ungolpe militar".

    Essa mudana de ttulo no era aleatria. Aps haver manejado, inicialmente, anoo de "fascismo militar", acabei por descart-la, convencido de que acaracterizao da contra-revoluo chilena (e latino-americana, em geral) comofascista mistificava a natureza real do processo e visava a justificar a formao defrentes amplas, em que a burguesia tendia a assumir papel hegemnico. Naquelemomento, parecia ainda possvel lutar por uma poltica de alianas que noimplicasse a subordinao das foras populares burguesia, uma vez que aesquerda detinha ainda, localizadamente, capacidade de ao na Amrica Latina eestava em asceno na Europa ocidental, na Africa e na Asia. As derrotas que elasofreu, depois, na Europa e nos pases latino-americanos, levaram ao triunfo dafrmula da frente ampla sob hegemonia burguesa, que presidiu redemocratizaolatino-americana dos 80, salvo na Amrica Central, onde prevaleceu o esquema dealianas pelo qual eu me batia. Convm notar que, ainda no Chile -como demonstraum dos artigos publicados em Chile Hoy e includo no livro- me parecia que,independentemente dos traos fascistas que apresentava a mobilizao da direita,no existiam condies para um verdadeiro regime fascista. Essa discussocontinuou, de resto, ao longo da dcada de 1970, levando-me a elaborar o conceitode Estado de contra-insurgncia e, quando se podia j vislumbrar o processo de

    redemocratizao, o de Estado do quarto poder.

    O outro ensaio do livro que posterior ao golpe, "Dos estrategias en el procesochileno", constitui, depois do trabalho de 1967 sobre a Amrica Latina, um de meustextos mais divulgados, sem dvida pela fase favorvel que vivia ainda a esquerda epelo interesse que despertava o caso chileno. Escrito para o nmero inicial deCuadernos Polticos, de que falarei mais adiante, publicou-se, primeiro, em TempsModernes, sendo depois objeto de diversas republica es, isoladamente ou emrevistas e jornais latino-americanos e europeus. A finalidade do artigo era a de -emcontraposio falsa tese que a maioria da esquerda chilena difundira no exterior,descarregando sobre o MIR a responsabilidade do golpe- analisar as duasestratgias da esquerda, durante o governo da Unidade Popular, e mostrar de que

    modo a tenso entre a mobilizao popular que este induzira -dando, inclusive,origem aos rgos de poder popular- e a dinmica prpria do Estado burgus,

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    respaldada pela maioria da UP, acabara por conduzir o processo ao ponto deruptura. Nesse contexto, MIR e PC, embora constitussem os centros de elaboraoterica e de conduo poltica mais influentes em seus respectivos campos,polarizando ao seu redor as demais foras da esquerda, no haviam atuadoisoladamente, alm de que s se poderia explicar sua atuao em funo dodesenvolvimento da luta de classes; a responsabilidade do golpe cabia, porm, aoimperialismo norte-americano e burguesia chilena, podendo criticar-se o MIR e oPC apenas pelas falhas que haviam tido na implementao de suas respectivasestratgias.

    Da minha produo, nesse perodo, necessrio mencionar, ainda, trs trabalhos.O primeiro, centrado sempre na reflexo sobre o que ocorria minha volta, oprefcio ao livro de Vania Bambirra, La revolucin cubana: una reinterpretacin,editado em 1973 (e, com o desaparecimento da edio, apreendida em sua maiorparte na grfica, republicado no Mxico, em 1974). Nascido ao calor dos debatesque se travavam no Chile sobre a questo, seu propsito era contribuir caracterizao do problema do poder em Cuba, o que me levava a reelaborar os

    conceitos de revoluo democrtica e de revoluo socialista -tema crucial nasdiscusses marxistas em geral e, no Chile de ento, em particular- e buscarestabelecer entre eles novas relaes.

    Os outros dois trabalhos referiam-se ao Brasil, inserindo-se no contexto da vidapoltica que mantinham, em Santiago, os ncleos de exilados. "La izquierdarevolucionaria brasilea y las nuevas condiciones de la lucha de clases" retoma aanlise da atuao da esquerda, que eu iniciara no ltimo captulo deSubdesarrollo y revolucin. Mas com uma diferena. "Vanguardia y clase" foraescrito em 1969, quando a luta armada apenas comeava e a intelectualidade deesquerda, por seguidismo ou por medo, a aplaudia ou, na melhor das hipteses, secalava; eu me sentia, portanto, no s em liberdade, mas inclusive no dever decriticar as concepes e a prtica da esquerda armada, alertando-a para o quepoderia da advir. Em 1971, porm, quando escrevo o segundo ensaio, era jevidente o fracasso da empreitada e, de todos os lados, choviam as crticas esquerda armada, o que me levou a reivindic-la - embora sem renunciar anlisedo seu desempenho. Esse ensaio destinou-se coletnea organizada por VaniaBambirra e publicada por Prensa Latinoamericana, naquele ano, com o ttulo Diezaos de insurreccin en Amrica Latina; excluindo Vania, Moiss Moleiro e eu, osautores -todos eles, intelectuais conhecidos- preferiram assinar seus textos compseudnimo, fato compreensvel, se se consideram as condies polticas quereinavam na maioria dos pases latino-americanos. O golpe de 1973 fez do livrouma raridade, ficando dele, apenas, a edio italiana de Mazzota, de Milo,

    publicada em 1973, com o ttulo L'esperienza rivoluzionaria latinoamericana;meu ensaio, porm, foi includo -com o ttulo "Lucha armada y lucha de clases"- na5a. edio revisada e ampliada de Subdesarrollo y revolucin, de 1974.

    O outro trabalho, escrito a fins de 1971 ou princpios de 1972, resultou dainterveno que fiz em um seminrio poltico da esquerda brasileira, em Santiago, ese publicou , primeiro, em Monthly Review, com o ttulo "Brazilian Sub-Imperialism", republicando-se nas edies dessa revista em italiano e emcastelhano (esta, impressa agora em Bogot), assim como na revista mexicanaSntesis. Nele, eu examinava a poltica econmica da ditadura e precisava o que, ameu ver, constitua-se para ela em limitaes objetivas: a estreiteza do mercadointerno, a superexplorao do trabalho e as possibilidades do Estado, enquanto

    promotor de investimento e de demanda. Num plano mais geral, eu mostrava asdificuldades que os Estados Unidos criavam para a implementao da poltica

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    subimperialista e indicava a convenincia de distinguir, na evoluo desta, doisperodos, que tinham 1968 como marco divisrio; por outro lado, o ensaio punhaem evidncia, por primeira vez, o papel das transferncias de renda classe mdia,a partir daquele ano, com o fim de paliar a estreiteza do mercado interno; essasduas proposioes serviram de insumo explcito ou implcito a elaboraes de outrosautores sobre a economia e a poltica externa brasileira. O ensaio foi incorporadotambm, com o mesmo ttulo, 5a. edio de Subdesarrollo y revolucin.

    Meu exlio chileno correspondeu, assim, minha chegada maturidade, no planointelectual e poltico. Os acontecimentos que marcaram o seu fim -o golpe militar de11 de setembro, a experincia do terrorismo estatal em seu mais alto grau, os diaspassados na embaixada do Panam, onde cerca de duzentas pessoas faziam umesforo disciplinado e solidrio para coexistir em um pequeno apartamento, sob orudo de bombas e tiroteios- foram vividos com naturalidade, como contingncias deum processo cujo significado histrico estava perfeitamente claro para mim. Ameados de outubro de 1973, mais uma vez desprovido de qualquer documentao,viajei para o Panam.

    4. O terceiro exlio

    Depois de uma recepo formal e um pouco tensa, no aeroporto da cidade doPanam, presentes Omar Torrijos e Manuel Noriega, os asilados fomos transferidospara duas pequenas cidades do interior, Chitr e Las Tablas, cabendo ao meugrupo esta ltima. Eu estivera praticamente desaparecido, desde 11 de setembro,dando margem, inclusive, a que se espalhassem rumores sobre meu fuzilamento noEstdio Nacional. Em Las Tablas, retomei contacto com o mundo exterior e, ao cabode poucos dias -ante a confuso que reinava entre as autoridades panamenhas, emrelao ao tratamento a ser dado aos asilados- me transferi, por iniciativa prpria,para a cidade do Panam, onde amigos de diversas partes, principalmente do

    Mxico, me fizeram chegar algum dinheiro. Eu havia deixado o que tinha com oscompanheiros chilenos e viajara com cerca de quarenta dlares que Carmen, quehavia sido minha empregada domstica, me habia passado, depois de converter nocmbio negro todas as suas economias. Essa foi uma das manifestaes maiscomoventes de solidariedade que recebi, ento, da parte de chilenos humildes, masconscientes e combativos.

    O Panam no podia ser mais do que um ponto de passagem. Minhas prioridades,quanto destinao futura, eram, nesta ordem, a Argentina, pela proximidade como Chile, e o Mxico, por razes sentimentais. Mas, naturalmente, no meencontrava em posio de fechar porta alguma, razo pela qual no freei as

    iniciativas que, em vrios pases, comearam a tomar amigos, companheiros ecolegas. Como as gestes para entrar na Argentina se prolongaram, at gorar, e asrelativas ao Mxico foram tambm demoradas, acabei por ficar no Panam at finsde janeiro de 1974, sendo um dos ltimos a deixar o pas.

    Esse trs meses permitiram-me sentir a impressionante solidariedade dos meusamigos, particulamente mexicanos, venezuelanos e italianos, e, ao mesmo tempo,constatar -no sem surpresa- o prestgio de que eu desfrutava na Amrica Latina ena Europa. No Mxico, mobilizaram-se ativamente Neus Espresate, Eugenia Huerta(filha do poeta Efran Huerta e que trabalhava em Siglo XXI), Carlos Arriola (alunomeu no Colgio, do curso de 1966, e, na poca, secretrio geral da instituio),Mario Ojeda Gmez, Lus Hernndez Palacios, Jos Thiago Cintra, entre muitos;

    dali recebi ofertas de trabalho -para valer ou, em alguns casos, para facilitar o vistode entrada- de Vctor Flores Olea, diretor da Faculdade de Cincias Polticas e

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    Sociais, de Leopoldo Zea, diretor da Faculdade de Filosofia e Letras, de Jos LusCecea, diretor da Escola Nacional de Economia, e de Ral Bentez, diretor doInstituto de Investigaes Sociais, todos da UNAM, e, pelo Colgio, de Mario Ojeda eCarlos Arriola - tendo o Colgio trabalhado tambm a possibilidade de me incluirnum programa cultural de Televisa, ao que concorreriam J. A. Salk, Jorge LusBorges, Jorge Sabato, Jacques Cousteau e outros. Nas gestes junto aGobernacin, para a obteno do visto, foi Flores Olea quem demonstrou mais forae, por isso, ao dirigir-me mais tarde ao Mxico, meu destino acabou sendo aFacultad de Ciencias Polticas y Sociales.

    Os venezuelanos tambm se empenharam. Comeando com iniciativas de JosAgustn Silva Michelena, de grande corao, e de Armando Crdova, companheirode andanas por Dakar e Roma, seguiram-se logo convites formais de Maza Zavala,diretor da Faculdade de Economia da Universidade Central, e das universidades deMrida e Zlia (Maracaibo). Na Argentina, a principal ao coube a Enrique Oteiza,de CLACSO, resultando em um convite para a Universidade del Sur, em BahiaBlanca. Vale tambm registrar a solidariedade de Orlando Fals Borda, que dirigia

    ROSCA, na Colmbia.

    Na Itlia, os am