Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES … · oficial de Igrejas Evangélicas; e...

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1 CATEDRAL METROPOLITANA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE SÃO PAULO - CATEDRAL DA SÉ Endereço: Praça da Sé, Centro, São Paulo, SP. Classificação: Espaço Religioso. Identificação numérica: 132-10.001 No centro da Capital de São Paulo, desde o início do século XX, a Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Assunção de São Paulo, popularmente conhecida como Catedral da Sé tornou-se pólo aglutinador de manifestações de massa, que encontraram ali espaço de reunião e protesto. Ao assumir a Arquidiocese em 1970, Dom Paulo Evaristo Arns transformou a Catedral em tribuna de denúncias dos crimes cometidos pelo regime ditatorial, mas também local de apoio aos perseguidos políticos e seus familiares. Ao mesmo tempo, multidões passaram a se reunir na praça, em frente à catedral, reivindicando anistia, melhores condições de vida e eleições diretas para presidente. A praça passou a ser uma extensão da igreja, e quando os militares chegavam ao espaço público para reprimir a população que protestava, os religiosos abriam as portas da igreja para proteger a população. ATUAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR A instabilidade política do governo de João Goulart (1961-1964) favoreceu o cenário para o golpe civil-militar, e a Igreja Católica teve grande destaque, Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA

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CATEDRAL METROPOLITANA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE SÃO PAULO - CATEDRAL DA SÉ

Endereço: Praça da Sé, Centro,

São Paulo, SP.

Classificação: Espaço Religioso.

Identificação numérica: 132-10.001

No centro da Capital de São Paulo, desde o início do século XX, a Catedral

Metropolitana Nossa Senhora da Assunção de São Paulo, popularmente conhecida

como Catedral da Sé tornou-se pólo aglutinador de manifestações de massa, que

encontraram ali espaço de reunião e protesto. Ao assumir a Arquidiocese em 1970,

Dom Paulo Evaristo Arns transformou a Catedral em tribuna de denúncias dos

crimes cometidos pelo regime ditatorial, mas também local de apoio aos

perseguidos políticos e seus familiares.

Ao mesmo tempo, multidões passaram a se reunir na praça, em frente à

catedral, reivindicando anistia, melhores condições de vida e eleições diretas para

presidente. A praça passou a ser uma extensão da igreja, e quando os militares

chegavam ao espaço público para reprimir a população que protestava, os

religiosos abriam as portas da igreja para proteger a população.

ATUAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR

A instabilidade política do governo de João Goulart (1961-1964) favoreceu o

cenário para o golpe civil-militar, e a Igreja Católica teve grande destaque,

Memorial da Resistência de São Paulo

PROGRAMA

LUGARES DA MEMÓRIA

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sobretudo na promoção de manifestações públicas, a exemplo das Marchas da

Família com Deus pela Liberdade. O movimento surgiu em meados de 1962,

organizado por mulheres, com apoio do clero, de alguns governos estaduais e dos

militares.

Nos primeiros meses de 1964 mulheres de diversas capitais e de importantes

cidades do interior, apoiadas e organizadas pelo clero, promoveram debates,

organizaram comícios e irromperam em estações de jornais e TV levando

manifestos anticomunistas e demonstrando enfaticamente sua decisão de se

organizarem para combater a ‘infiltração vermelha’ (SIMÕES, 1985, 67).

“A religiosidade, segundo Simões foi fundamental para a articulação do movimento, posto que as mulheres detinham pouco conhecimento sobre os projetos políticos e econômicos. A atenção dessas era contra a suposta “ameaça comunista” e seus danos à moralidade, aos costumes e a religião. A compreensão que se tinha do comunismo e socialismo, dentro destes grupos, era a concepção de “doutrina”, a qual tinha por objetivo subverter a moral, eliminar a religião e separar os pais dos filhos (SIMÕES, 1985, 85)1”.

A Igreja Católica teve dois momentos e posicionamentos quanto ao governo

militar: de apoio à intervenção militar, sobretudo nos primeiros anos do golpe; e de

repúdio e combate as violações aos direitos humanos cometidos pelos militares.

“Antes de mais nada, é preciso lembrar que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deu apoio oficial ao golpe militar de 1964, em declaração de 29 de maio, na qual os bispos brasileiros afirmam que, vendo “a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as forças armadas acudiram em tempo, e evitaram que se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra” ”. (COMPARATO, 2013, pg. 109)2.

Havia setores conservadores que apoiaram o regime militar, mas também

alguns segmentos e membros do clero que combateram a ditadura denunciando os

1 BRITO, Ana Paula. O tempo da Memória Política: (Re) significando os usos sobre a memória do período militar no Brasil. (Dissertação de Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural). Universidade Federal de Pelotas, 2013.

2 O texto “A Cúria como Centro de Resistência” de Fábio Konder Comparato na íntegra poderá ser consultado no livro “O Cardeal da Resistência: as muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns” de Ricardo Carvalho.

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crimes. Diversas ordens da Igreja Católica (franciscanos, dominicanos, beneditinos,

entre outros) atuaram ajudando os perseguidos políticos e seus familiares. Em São

Paulo, o Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns teve grande destaque na denuncia

dos crimes da ditadura, e no apoio a seus familiares.

Cardeal da Esperança (dito por Clarice Herzog), Cardeal da Resistência

(Ricardo Carvalho), Cardeal da Coragem (José Carlos Dias), Profeta da Resistência

(José Gregório) são alguns dos adjetivos que antecediam o nome do religioso, dito

por quem conheceu Dom Paulo. Nomeado Cardeal do estado de São Paulo em

1970, ele se destacou na defesa pelos direitos humanos nos anos mais violentos do

país, durante um regime militar, que não respeitava o direito de nenhum civil, nem

mesmo dos religiosos.

DO SAGRADO AO SOCIAL: USOS DA CATEDRAL EM DEFESA DOS DIREITOS

HUMANOS

A primitiva igreja do Páteo do Colégio, erguida no século XVI, e por vezes

reconstruída, foi a Catedral de São Paulo até 1911, quando foi novamente

demolida. Em 1913 se inicia a construção de uma nova igreja para se tornar a

Catedral de São Paulo, nas imediações da antiga edificação, concluída apenas em

1954.

A nova igreja foi projetada pelo alemão Maximilian Emil Hehl (1861-1916),

em estilo eclético, predominantemente neogótico, inspirada nas grandes catedrais

medievais europeias:

A catedral foi por muito tempo a maior igreja da cidade de São Paulo, com 111 metros de comprimento, 46 de largura, duas torres de 92 metros e a cúpula atinge 70 metros de altura. A Catedral paulistana tem dimensões semelhantes à Abadia de Saint-Denis, da França e capacidade para abrigar 8.000 pessoas. Possui cinco naves cobertas por abóbadas ogivais, quase todas quatripartidas. O ponto de intercessão entre elas é uma abóbada alicerçada por doze colunas de três metros de diâmetro e trinta metros de altura (SANTOS, 2014, pg. 09).

A catedral tornou-se o principal espaço religioso da cidade, instituído no

centro da capital. Na história contemporânea, o lugar passou a servir a população

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não apenas para assuntos espirituais, passando a comtemplar um serviço social. O

jurista Fábio Comparato (2013, pg. 109) sobre a atuação de Dom Paulo Evaristo

Arns afirma que: “Ao tomar posse do cargo de arcebispo metropolitano de São

Paulo, em 1º de novembro de 1970, ele fez da Cúria Metropolitana o centro de

resistência à política de sequestros, assassínios e tortura de presos políticos. Dom

Paulo foi o primeiro a organizar, na Cúria Metropolitana de São Paulo, a lista dos

desaparecidos políticos”. No livro “Brasil Nunca Mais” (resultado de um projeto que

analisou mais de 1.000.000 de páginas contidas em 707 processos do Superior

Tribunal Militar, que relevou a sociedade a extensão da repressão política no Brasil

entre os anos de 1961 a 1979), publicado em 19853, o próprio arcebispo relata a

importância do trabalho realizado na Catedral da Sé na defesa dos direitos

humanos.

As angústias e esperanças do Povo devem ser compartilhadas pela Igreja. (...) Durante os tempos da mais intensa busca dos assim chamados “subversivos”, atendia eu na Cúria Metropolitana, semanalmente, a mais de vinte senão cinquenta pessoas. Todas em busca do paradeiro de seus parentes. (...) A senhora mais idosa me fez a pergunta que já vinha repetindo há meses: “O senhor tem alguma notícia do paradeiro de meu filho?” Logo após o sequestro, ela vinha todas as semanas. Depois reaparecia de mês em mês. Sua figura se parecia sempre mais com a de todas as mães de desaparecidos. Durante mais de cinco anos, acompanhei a busca de seu filho, através da Comissão Justiça e Paz e mesmo do Chefe da Casa Civil da Presidência da República. O corpo da mãe parecia diminuir, de visita em visita. Um dia também ela desapareceu. Mas seu olhar suplicante de mãe jamais se apagará de minha retina (ARNS, 1985, p. 12)4.

Dom Paulo representou uma série de religiosos e civis, vinculados a

Catedral da Sé, que enfrentaram o regime militar com atos de solidariedade aos

perseguidos políticos. Entre as principais ações realizadas durante o arcebispado

de Dom Paulo Evaristo Arns, destacamos algumas ações na linha do tempo abaixo.

3 A versão digital da publicação poderá ser consultada em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/bnm-digital>, acessado em 15/09/2014.

4 ARNS, Paulo. Prefácio do livro: Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

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-

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Comissão Justiça e Paz - 1972

No contexto de resistência ao terrorismo de estado implantado pelos militares,

Dom Paulo Evaristo Arns organiza na Catedral grupos de pessoas para lhe

ajudarem na defesa dos direitos humanos. Nesse cenário é criada a Comissão

Justiça e Paz em 1972 com o objetivo de auxiliar, na esfera jurídica, os perseguidos

militares e seus familiares. Composta majoritariamente por juristas dispondo ainda

de um estudante, uma mulher e um operário (em cumprimento ao estatuto de

criação da Comissão). A Comissão ajudou muitos presos políticos, familiares de

desaparecidos políticos e militantes estrangeiros que buscavam exílio no Brasil5.

Panfletos e Distribuição de livretos com a Declaração Universal dos Direitos

Humanos - 1973

Em março de 1973, quando os militares celebravam o 14º aniversário do

Golpe de 1964, a Arquidiocese distribuiu uma quantidade de 500 panfletos sobre a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em 1948 pela Organização

das Nações Unidas – ONU, e assinada pelo Brasil em 1973. Depois do domingo de

páscoa, a igreja então distribuiu cerca de 500 mil livretos de uma versão ecumênica

da Declaração.

Em cada um dos 30 artigos da Declaração existem trechos com recentes pronunciamentos tanto das Igrejas Evangélicas como da Igreja Católica. Cada artigo é seguido das seguintes partes: todas alusivas ao artigo: um versículo do Antigo Testamento; um versículo do Novo Testamento; um pronunciamento oficial da Igreja Católica; um pronunciamento oficial de Igrejas Evangélicas; e outros textos bíblicos6.

Carvalho (2014, pg. 36) afirma que neste ano, chegaram a ser rodados um

milhão e quinhentos mil exemplares da Declaração, que foram bastante utilizadas

nas reuniões das comunidades de base.

5 Para maiores informações sobre a Comissão, recomenda-se a leitura do livro de Antônio Carlos Ribeiro Fester. “Justiça e Paz. Memórias da Comissão de São Paulo. São Paulo: Loyola, 2005”.

6 Trecho do jornal “O São Paulo” de março de 1973. Transcrito no livro “O Cardeal da Resistência: as muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns” de Ricardo Carvalho, pg. 306.

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A Rádio Nove de Julho e o Jornal “O São Paulo” - 1973

A igreja católica dispunha de outras formas de se aproximar da comunidade,

para além das celebrações religiosas. Um de seus canais era a Rádio Nove de

Julho. “Criada em 1953, um ano antes das comemorações do 4º centenário da

cidade de São Paulo, a emissora só passou a operar oficialmente a 2 de março de

1956, através de concessão autorizada pelo presidente Juscelino Kubitschek”

(ABREU, 2007, PG. 02). Sua transmissão cobria o Estado de São Paulo, grande

parte dos estados brasileiros e alguns países vizinhos.

A rádio divulgava os eventos da igreja e transmitia as missas dominicais, e

evidentemente os sermões de Dom Paulo Evaristo Arns, que eram sermões de

denúncias e defesa dos direitos humanos para presos políticos. Este aspecto

motivou os militares a fecharem a rádio em 05 de novembro de 1973, durante o

governo de Emílio Garrastazu Médici. Somente na democracia, na década de 90,

durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso a rádio é devolvida a

Cúria Metropolitana, com permissão para a atividade.

Outro meio de comunicação da igreja era o jornal “O São Paulo”7. Tratava-se

de um semanário arquidiocesano “dedicado a refletir os acontecimentos à luz da

doutrina da Igreja e das linhas de pastoral da CNBB e, particularmente, da Igreja

que está em São Paulo” 8.

“Com a instauração do regime militar no Brasil em 1964 e sendo testemunha dos desaparecimentos, torturas e mortes emplacados em 20 anos de ditadura, o jornal O São Paulo nunca fora tão incisivo cumprindo o papel de consciência crítica, de voz dos sem voz e de defensor dos direitos humanos” (BRAGA, 2010, pg. 61).

Por seu apoio aos direitos humanos que eram infringidos durante a ditadura.

O jornal passou a sofrer advertências dos militares, sobretudo a partir de 1966,

quando o semanário completava dez anos de fundação. As advertências ao jornal

tiveram continuidade nos anos seguinte, até que em 1973 os militares censuram

sua publicação.

7 O primeiro numero do semanário foi publicado em 25 de janeiro de 1956.

8 PEREIRA, Antônio Aparecido. A Igreja e a censura política à imprensa no Brasil 1968-1978. Tese de diploma de Jornalismo. Centro Internazionale per gli Studi Sull’ Opinione Pubblica. Roma, 1982. p. 36.

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Culto Ecumênico pela morte do jornalista Vladimir Herzog - 1975

O assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 25 de outubro provocou uma

onda de indignação nos setores sociais que estavam adormecidos frente a

truculência instaurada pelo regime. O ato ecumênico reuniu cerca de oito mil

pessoas em um ato de protesto silencioso.

A tentativa de repressão ao ato, onde a força policial cercou a catedral

filmando e fotografando quem compareceu a missa não impediu essa grande

mobilização. Sendo, portanto primeira manifestação aberta contra a ditadura desde

o final dos anos 60.

Imagem 01: Multidão em frente a Catedral da Sé, no dia da realização do Culto Ecumênico pela morte de Vladimir Herzog em 31 de outubro de 1975. Fonte: Acervo do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo

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Imagem 02: Ato Ecumênico na Catedral da Sé, pela morte do jornalista Vladirmir Herzog em 31 de outubro de 1975. Fonte: Arquivo Agência do Estado. Imagem 03: Dom Paulo e o rabino Henry Sobel no culto ecumênico pela morte de Vladimir Herzog. Foto: Alvaro Costa. Fonte: FolhaPress.

CLAMOR - 1978

Outra importante organização criada por Dom Paulo na Catedral da Sé foi o

Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul – CLAMOR

em 1978. A Arquidiocese, representada por Dom Paulo, passou a ser muito

buscada por cidadãos latino-americanos que procuravam abrigo, proteção e ajuda

financeira, sobretudo após o golpe militar na Argentina em 1976. “Foi para resolver

essa necessidade que refugiados argentinos procuraram Jan Rocha e Luiz Eduardo

Greenhalgh, fato que deu origem à formação do grupo”. (FRAGA, 2012, p. 45).

“O CLAMOR passou a distribuir em toda a América Latina e Europa boletins com relatos de violações aos direitos humanos e fotografias de bebês levados pelos militares. O primeiro, produzido em português, inglês e espanhol, chegou à Argentina, anfitriã da Copa do Mundo de 1978, na semana do primeiro jogo” (CARVALHO, 2013, pg. 209).

Além dos boletins com as denúncias e dados dos desaparecidos políticos dos

países do Cone Sul, o grupo publicou um dossiê com uma extensa pesquisa sobre

os desaparecidos. “A ideia básica era mostrar que os desaparecidos não eram uma

massa sem rosto, simplesmente números, mas que cada um existiu sim, como uma

pessoa, um indivíduo, um pai e uma mãe, com nome e profissão” (FRAGA, 2012,

pg. 47). O dossiê foi muito importante, anos depois, quando da elaboração do

relatório da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas na Argentina.

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Repressão aos Religiosos

Por todas essas ações de enfrentamento ao regime militar, com atos de

resistência e solidariedade aos ditos “subversivos” Dom Paulo e os principais

integrantes das organizações criadas por ele, passaram a ser vigiados e

ameaçados pelos militares. Especificamente com Dom Paulo Evaristo Arns, os

militares abriram 46 fichas na Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo –

Deops, para registrar as ações do religioso. Reunidos em um prontuário do mesmo

órgão, de numeração 5053, os documentos demonstram análises de agentes do

Deops sobre o padre considerado “subversivo da cúpula da Ala Progressista do

clero católico”. Dom Paulo passou a conviver com ameaças, e com os olhares

atentos e ameaçadores de militares que passaram a vigiá-lo.

Imagem 04: Lateral da Catedral da Sé com pichações de ameaça aos religiosos. Fonte: Ricardo Carvalho, 2013, pg. 243.

A Catedral também foi alvo dessa repressão militar. Na foto acima, frases

como: “Morte aos padres comunas”; “Padres chamando o povo para a luta armada”;

“Comunistas traidores, Padres comunistas Fora!” foram pichadas na lateral da

igreja.

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Missa de Sepultamento do operário Santo Dias

Santo Dias participava de um piquete em frente à fábrica Sylvânia em que

dialogava com os operários que entravam no turno da tarde. Viaturas foram até o

local prendendo alguns trabalhadores, na tentativa de conversar com os policiais

para a libertação dos companheiros presos, ele foi atingido pelas costas sendo

levado pelos policiais ao Pronto Socorro de Santo Amaro, chegando morto. Seu

corpo só não desapareceu, devido a postura firme de esposa que mesmo

pressionada pelos policiais manteve ao lado do corpo durante o transporte até o

IML.

Com a divulgação da notícia da morte de Santo Dias seu corpo foi velado na

Igreja da Consolação no dia 31 de outubro comparecendo 30 mil pessoas que

acompanharam a condução do corpo até a Catedral da Sé, protestando contra a

morte do operário e pelo direito de livre associação sindical e de greve contra a

ditadura.

Missa em Homenagem ao Frei Tito - 1983

Os religiosos foram muito perseguidos pelos militares durante a ditadura, na

ordem dos dominicanos, por exemplo, houve casos emblemáticos sobre as

consequências das torturas infringidas pelos militares. Um dos casos de maior

notoriedade pública foi o do Frei Dominicano Tito de Alencar, preso em novembro

de 1969 no Convento de Perdizes, encaminhado para o Deops/SP onde foi

barbaramente torturado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Frei Tito é banido do país em 1970, quando é incluído na lista de presos políticos a

serem trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher. Exilado na França, o frei

não conseguiu suportar as consequências psicológicas que as torturas físicas lhe

causaram e comete o suicídio.

Em março de 1983 os restos mortais do Frei retornam ao Brasil, sendo acolhido na

Catedral da Sé para uma missa solene, celebrada pelo cardeal D. Paulo Evaristo

Arns.

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RELAÇÃO DA PRAÇA COM A IGREJA E AS MANIFESTAÇÕES CONTRA A

CARESTIA

A Praça da Sé ao longo de sua história assume o caráter de espaço

aglutinador das manifestações e protestos das mais diversas correntes ideológicas.

Ora abrigando movimentos conservadores como a Ação Integralista e a Marcha da

Família com Deus pela Liberdade (que apoiou o golpe civil-militar de 1964), ora

abrigando manifestações como o do 1º de maio com a luta dos trabalhadores

contra a opressão e promovendo cultos ecumênicos àqueles que foram reprimidos

pelos militares.

A praça nesse contexto de reivindicações, atos de solidariedade e de

denúncias aos crimes da ditadura, tornou-se uma extensão da Catedral, e vice-

versa. Uma relação intrínseca se formou, de modo que a Catedral e a Praça da Sé

passaram a ser o principal espaço para reivindicações pela liberdade democrática

na cidade durante os anos de chumbo. Dentre inúmeras manifestações que

integram a Praça e a Catedral, podemos citar o movimento popular condensado no

“Movimento contra a Carestia”.

No dia 27 de agosto de 1978 um ato na Praça da Sé, organizado por donas

de casa que, apoiadas pela Igreja Católica, manifestavam-se contra o alto custo de

vida refletido nos baixos salários e no aumento do gênero alimentício. Cerca de

20.000 pessoas foram reprimidas, pelo aparato policial, com bombas e cães

treinados. O refúgio encontrado pela multidão foi a Catedral, que abrigou todos os

manifestantes. O movimento havia recolhido 1,3 milhões de assinaturas contra a

carestia, que seriam entregues ao Presidente da República. O presidente Geisel

desconsiderou o documento, que representava os anseios da sociedade. Mas a

organização do movimento foi crucial para o fortalecimento das lutas pela abertura

política.

Ao longo de todo processo de lutas sociais pela liberdade democrática, cabe

destacar a ousadia e coragem do Arcebispo da Catedral da Sé, Dom Paulo Evaristo

Arns, e de outros religiosos e civis que arriscaram suas vidas pela defesa dos

direitos humanos e o combate à repressão política. Nesse sentido, a Catedral da

Sé, além de ser um patrimônio de beleza arquitetônica ímpar, é um lugar de

memórias de resistência à ditadura civil-militar, e também de repressão política.

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Nela, diversos grupos sociais lutaram pelo direito a verdade num período onde

a informação tinha o poder sobre a vida ou a morte das pessoas, pois muitos civis

foram presos em órgãos de segurança sem nenhum tipo de registro oficial. O

trabalho desenvolvido na Catedral, em parceria com advogados e familiares, era

crucial para a localização de desaparecidos políticos e em alguns casos, para a

garantia de sua sobrevivência.

Muitos familiares ainda procuram parentes desaparecidos durante o regime

militar, outros clamam por justiça aos crimes cometidos contra seus entes queridos.

Neste aspecto, o arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns foi de uma ousadia singular

ao denunciar no púlpito da catedral, os crimes cometidos durante a ditadura pelos

militares. Este lugar reuniu lutas por verdade, justiça e memória, bandeiras

fundamentais na defesa dos direitos humanos em uma sociedade que viveu uma

ditadura militar por 24 anos.

ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES

O Arcebispo Arns recebeu inúmeras homenagens por sua atuação na defesa dos

direitos humanos. Sua imagem, associada à Catedral da Sé, serão sempre

sinônimos de refúgio e ousadia na luta pela democracia.

O Arcebispo atual da Catedral da Sé é o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer. Os

meios de comunicação da catedral que foram censurados na ditadura (Rádio 9 de

julho e o Jornal O São Paulo), na democracia voltam a existir, e seguem como um

elo de comunicação entre a igreja e o povo.

FILMES E/OU DOCUMENTARIOS

Documentário: Dom Paulo Coragem e Fé. Direção de Renato Levi. Ano: 2002.

Duração: 27 minutos. Produção da TV PUC em parceria com a TV Cultura de São

Paulo. Sinopse: Realizado para comemorar os 80 anos do Arcebispo Emérito de

São Paulo, o documentário apresenta dos principais acontecimentos da vida de

Dom Paulo. No vídeo o Arcebispo relembra suas origens no interior de Santa

Catarina e como ingressou na igreja. Os principais acontecimentos históricos

recentes e suas consequências para o país são analisados pelos principais

personagens que viveram a resistência contra a ditadura militar. Eles relatam as

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dificuldades de organização da sociedade civil e a participação de Dom Paulo na

luta pelo fim da tortura e pelo restabelecimento da democracia no Brasil.

Documentário: Comissão de Justiça e Paz e a ditadura militar no Brasil. Direção

de Mario Dallari Bucci. Trabalho de conclusão de curso orientado por Renato Levi.

Curso de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ano: 2009.

Duração: 46 minutos. Sinopse: O documentário “Comissão Justiça e Paz e a

ditadura militar no Brasil” procura abordar a atuação do grupo no período entre

1972 e 1985, contado a história a partir do ponto de vista de três de seus mais

importantes membros no período9.

ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA

O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a

registrar, por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos

políticos, familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que

trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de

Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo cujo objetivo principal é ampliar

o conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do estado de São

Paulo, divulgando desta forma o tema da resistência e repressão política no período

da ditadura civil-militar.

- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da

Resistência

DIAS, Ana. Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante a

ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida

a Ana Paula Brito, Paula Salles e Karina Teixeira em 30/09/2014.

9 Para acesso ao vídeo do Documentário, consultar site Agência Maurício Tragtenberg. Disponível em: <http://agemt.org/?p=2937>, acessado em 15/09/2014.

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- Outras entrevistas

Jornal Gazeta. Dom Paulo, o cardeal da resistência, em livro. Entrevista com

Ricardo Carvalho. São Paulo, 23/10/2013. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=eeZ4P11QLVE, acessado em 12/09/2014.

REMISSIVAS

Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP;

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Centro Acadêmico XI de

Agosto; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC; Cidade Universitária

Armando Salles de Oliveira - USP; Porta da Fábrica Sylvânia; Instituto Médico Legal

- IML/SP; Igreja da Consolação; Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:

Programa Lugares da Memória. Catedral da Sé. Memorial da Resistência de São

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