MEMORIAL Severino

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ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO MEMORIAL Sumário Apresentação........................................... ...................... . 02 1. Tempos de formação.......................................... ..........................02 2. O trabalho docente: da filosofia à filosofia da educação ............ 07 1

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ANTÔNIO JOAQUIM SEVERINO

MEMORIAL

Sumário

Apresentação................................................................. . 02

1. Tempos de formação....................................................................02

2. O trabalho docente: da filosofia à filosofia da educação ............ 07

3. A experiência acadêmico-administrativa......................................16

4. Os rumos do pensar: a busca do sentido do existir histórico .....27

5. Os compromissos atuais............................................................. 44

Conclusão.........................................................................................47

FACULDADE DE EDUCAÇÃO / UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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São Paulo - 2002

APRESENTAÇÃO

Este Memorial foi elaborado com o objetivo de reconstituir minha trajetória

acadêmica, científica e intelectual, à guisa de referência para sua avaliação pela

Banca do Concurso de Professor Titular, a que ora me submeto. Entendendo-o

como uma retomada articulada e intencionalizada dos diversos momentos e

ações que constituiram essa caminhada, eu o elaborei como uma auto-biografia,

construída como uma narrativa simultaneamente histórica e reflexiva, como um

relato histórico, analítico e crítico, que procura dar conta dos fatos e

acontecimentos que teceram minha trajetória academico-profissional. Espero que

ele possa dar conta também de uma avaliação de cada etapa, expressando o que

cada momento significou, as contribuições e perdas que representou. Busquei

situar os acontecimentos de minha vida no contexto histórico-cultural mais amplo

em que eles se inscreveram, pois esse contexto tem muito a ver com ela. A

história particular de cada um de nós se entretece numa história mais envolvente

da coletividade na qual nos inserirmos e a qual muito ficamos a dever. Esta é uma

história que já completou 60 anos, dos quais 53 foram vividos no ambiente escolar

institucionalizado, onde me formei profissionalmente e onde continuo atuando até

hoje. Este concurso, com toda sua emblematicidade, marca mais uma etapa

nessa história, acenando para todos os desafios que cada novo momento faz

surgir a nossa frente...

1. TEMPOS DE FORMAÇÃO

O marco inicial para me referir à trajetória de minha vida intelectual,

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acadêmica e profissional, é necessariamente minha passagem pela Universidade.

Sem dúvida, meus estudos nos cursos primário e secundário tiveram extrema

importância na minha vida futura, tanto mais que eles foram, sem nenhuma figura

de retórica, a garantia da própria viabilização das etapas que lhes sucederam.

Esta afirmação assim tão peremptória se justifica porque o simples fato de esses

cursos terem acontecido já era uma significativa conquista sobre a

improbabilidade e uma vitória sobre a adversidade das condições socio-

econômicas de minha família. Contra todas as determinações da dura realidade

social, que tanto pesaram sobre os outros membros da família, num misto de

casualidades, coincidências e sorte, e graças a uma tanto extraordinária quanto

imprevisível lucidez de meus pais, pude me apropriar, através de um curso

primário bem feito, dos instrumentos mínimos para dar início a minha vida de

estudos. A extrema pobreza e as duras condições da vida e do trabalho nas

colônias das fazendas de Carmo do Rio Claro, no sul de Minas Gerais, o longo

percurso diário até a distante escola, a pé e descalços, mal agasalhados, sujeitos

a todas as formas de intempéries, davam a medida das dificuldades e

adversidades que eu e meu irmão mais velho enfrentamos nessa fase, de 1948 a

1951. Mas elas não impediram que aquela fosse vivida como uma infância feliz e

que o curso primário tivesse sido uma valiosa conquista. O curso ginasial, por sua

vez, possibilitou-me, já morando na cidade, adquirir um certo capital cultural que

não podia herdar e que então me era oferecido através dos estudos secundários

primeiramente num Ginásio da Congregação São Luiz de Montfort e, em seguida,

nos Seminários diocesanos de Ribeirão Preto e de Campinas pelos quais passei

com a intenção de seguir carreira eclesiástica. Estes estudos tinham por conteúdo

as chamadas "humanidades", tendo feito o colegial sob o regime do curso

clássico, entendido então como a preparação mais adequada para os estudos

superiores de filosofia e de teologia a que se dirigiriam os candidatos à formação

clerical.

Mas por mais enriquecedora e bem proveitosa que tivesse sido esta minha

formação básica, ela não me touxe amadurecimento intelectual marcante, talvez

porque a valorização que eu atribuia a todo esse acervo de informações era tão

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grande -- tal a carência de minha herança cultural -- que buscava assimilá-lo, sem

ver no seu conteúdo e no processo de adquiri-lo, qualquer tipo de limitação e

qualquer motivo de crítica. Ademais, todo o contexto de vida constituído pelas

instituições de formação eclesiástica e até mesmo pela família, levava a uma

educação condicionante e dogmática, não devendo despertar no adolescente

qualquer reavaliação de suas condições de existência.

Por isso mesmo e em contraste com essa fase do ensino médio, o período

que passei na Universidade assumiu um significado muito diferente. Ainda que

tivesse iniciado meus estudos filosóficos dentro de uma programação de vida

ainda vinculada ao projeto da carreira eclesiástica, a experiência universitária teve

um sentido novo, marcando realmente a trajetória de minha vida. Não só pelos

estudos em si no âmbito da Universidade mas também pelas circunstâncias de

toda ordem que marcaram essa fase. Ainda não havia terminado o colegial

clássico, quando me vi transferido, em consequência de ter sido contemplado

com uma bolsa de estudos, para a Universidade Católica de Louvain, na Bélgica,

em 1960. Era toda uma ruptura do esquema tradicional de vida, um mundo novo e

diferente a ser enfrentado, tanto no plano social e cultural como no plano físico,

mudança que atingia também o emocional. Os três anos vividos na Bélgica foram

anos duros, dadas as dificuldades de adaptação a tão diferente realidade, apesar

de toda a atenção que recebi em todas as instâncias. No entanto, tal situação não

impediu que fosse fecunda essa temporada na Europa, em particular no que dizia

respeito aos estudos superiores de Filosofia, aos quais me dediquei com o maior

afinco, tanto mais que me pressionava a consciência que tinha das lacunas que

trazia de minha escolaridade anterior no ensino médio.

Ademais, a Filosofia era para mim uma novidade que logo me despertou

muito interesse. O curso de Filosofia que o Instituto Superior de Filosofia

desenvolvia, naquela época, (1960-1963), ainda estava sob a influência dos

planos e idéias do Cardeal Mercier que, na condição de primaz da Bélgica e Grão-

Chanceler da Universidade de Louvain, no início do século, queria que a filosofia

tomista estabelecesse diálogo aberto e competente com a ciência moderna. Por

essa razão, abriu grande espaço curricular para disciplinas científicas, tanto no

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campo das ciências naturais quanto no das ciências humanas. Assim a crítica ao

positivismo não deveria ser feita sem a adequada frequentação às ciências. O

currículo do curso exigia que o aluno cursasse no mínimo duas disciplinas do

campo das ciências naturais e duas do campo das ciências humanas. E tais

disciplinas eram cursadas nos respectivos institutos, o que me levou a estudar

Genética e a frequentar o laboratório de Física, tendo tido a oportunidade de

conviver, ainda que de forma introdutória, com as práticas científicas básicas e

com seus registros protocolares. Também pude tomar contato mais aprofundado

com as ciências humanas, tendo seguido duas disciplinas do campo das ciências

sociais (Economia Política e Sociologia) que me forneceram referências

significativas para o entendimento do processo histórico-social. Por outro lado, era

grande a abertura do curso às diversas tendências da Filosofia trabalhadas no

curso. Assim, embora ainda tivesse suas raízes no neo-tomismo, o curso se abria

às diversas tendências contemporâneas da Filosofia. Com efeito, ao lado da

retomada histórica da Filosofia, da tradição tomista e do estudo de várias ciências,

pude entrar em contato, através de disciplinas do próprio curso, com o marxismo,

com o existencialismo, com o neo-positivismo e, preponderantemente, com a

fenomenologia. O curso não se constituiu de uma visão monolítica e fechada, não

me passou a idéia da filosofia como sendo um sistema único, doutrinário, mas ao

contrário, abriu-se para diversas perspectivas. A visão que me ficou da filosofia,

desde então, foi muito mais a de um método de pensar do que propriamente a de

um conjunto acabado de idéias já elaboradas.

Paralelamente a esse aprofundamento intelectual que o estudo da filosofia

propiciava, surgia a tomada de consciência das questões políticas, manifestada

fundamentalmente através da insatisfação com as condições e estruturas socio-

econômicas da sociedade brasileira. Crise de juventude universitária ou não, o

fato é que mesmo à distância, agudizavam-se em mim o sentimento de revolta e a

vontade de participação política, alimentados pelo idealismo, pelo debate intenso e

pela própria situação histórica do Brasil, na época. Foi no contexto dessas

preocupações que, já no 2o. ano de Faculdade, em 1961, vim a conhecer a obra

de Emmanuel Mounier, identificando-me com o seu pensamento e com sua

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proposta filosófica e política que entendia como autenticamente revolucionária. Vi

no personalismo de Mounier a leitura e a explicação, as mais adequadas, do

momento histórico de então. Sem prejuizo do curso que seguia, dediquei-me à

leitura sistemática dos textos de Mounier. Fundamentalmente impressionara-me a

descrição que Mounier fazia da crise da civilização cristã-ocidental, mostrando que

tal sociedade, ao contrário do que sempre se apregoava, não constituia uma

situação de ordem, mas sim uma desordem estabelecida. Tal diagnóstico se

seguia de uma crítica severa aos viéses do liberalismo, ao formalismo da

democracia burguesa, ao egoismo e ao individualismo que atravessava a cultura

cristã-ocidental. Mounier entendia ser necessário "refazer o Renascimento",

superando assim a desordem estabelecida e construindo uma nova sociedade,

personalista e comunitária. Para esse projeto civilizatório, avocava a contribuição

de todas as tendências mais significativas do pensamento contemporâneo:

resgatava as representações mais consistentes do tomismo, integrava o

existencialismo e dialogava intensamente com o marxismo. Para mim, Mounier

representava, àquela altura, o próprio modelo do filósofo, capaz de relacionar o

pensamento teórico com as necessidades da prática. Entusiasmo e dedicação que

acabaram me levando a elaborar minha mémoire de conclusão de curso sobre “a

crítica à idéia da democracia liberal no pensamento de E. Mounier”, trabalho este

que foi apresentado ao orientador, Prof. Jacques Étienne, e ao Instituto em 1963,

como uma das exigências da Deuxieme Licence en Philosophie, algo semelhante

ao nosso atual mestrado.

Terminado o curso de Filosofia em Louvain, fui em 1964, para Roma,

fazendo aí o 1o. ano de Teologia na Universidade Gregoriana. Esta rápida estadia

no centro político-administrativo da Cristandade, com uma primeira iniciação ao

estudo sistemático dos elementos preliminares da Teologia, marcou-me pouco,

valendo mais pela convivência com colegas de todo o Brasil, no Colégio Pio

Brasileiro. Os estudos propedêuticos da Teologia não me entusiasmaram e, no

final de 1964, senti mais claramente que não me realizaria mais com a vocação

religiosa e assim decidi abandonar o projeto da carreira eclesiástica,

desvinculando-me do curso de Teologia e voltando ao Brasil. Instalei-me em São

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Paulo e procurei estabelecer contato com a Universidade, tendo-me inscrito para o

doutorado em Filosofia na PUC/SP, uma vez que estava decidido a dar

continuidade a minha formação filosófica, sentindo-me identificado com essa área

e disposto a aproveitar todo o investimento que até então já tinha sido levado a

fazer nela.

Assim, paralelamente aos primeiros compromissos profissionais que

assumira, como professor de Filosofia, comecei a desenvolver meu projeto de

tese. O processo de orientação era precário, não havendo ainda um contexto

adequado de pós-graduação, uma vez que em 1970/71, apenas se iniciava a

experiência da pós-graduação na PUC/SP, tendo podido aproveitar dela seguindo

alguns cursos avançados, avulsamente oferecidos. A opção temática para a tese

continuou sendo o personalismo de Mounier, propondo-me explicitar agora os

fundamentos metafísicos de seu pensamento político. Elaborei então tese

versando sobre a concepção mounierista de "pessoa humana", enquanto

categoria básica de todo o conjunto de sua obra teórica. A tese Pessoa e

existência: os princípios ontológicos do Personalismo de Emmanuel Mounier, foi

apresentada em 1972. Esse trabalho trouxe-me amadurecimento intelectual bem

como um aprofundamento no próprio exercício do filosofar. Ainda que se

constituindo como um momento de recolhimento, de reflexão, de interiorização,

buscando atingir as intuições fundamentais do sistema filosófico do anti-

sistemático pensador Emmanuel Mounier, confirmava minha visão da filosofia

como um pensar necessariamente voltado para a realidade do homem histórico e

social. Reacendiam-se em mim a convicção e a certeza de que as bases da

significação da filosofia se encontram, sem nenhuma dúvida, na antropologia, mas

numa antropologia vasada na apreensão rigorosa das mediações sociais da

existência humana. Inicialmente, assumiu minha orientação o prof. Michel

Schooyans, também oriundo de Louvain, e que passava algum tempo no Brasil

como professor das Universidades Católicas de São Paulo e de Campinas. No

entanto, tendo que voltar à Bélgica, passei a ser orientado pelo prof. André Franco

Montoro, também docente da PUC-SP, ligado à área de Filosofia.

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2. O TRABALHO DOCENTE: DA FILOSOFIA À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Com a apresentação do doutorado, me senti lançado, em definitivo, no

”outro lado” da sala de aula, não mais contando com o respaldo de qualquer outra

instância ou espaços pedagógicos para a continuidade de minha formação. De

repente, já era tido como especialista em assuntos de educação, encarregado de

dar cada vez mais aulas, de avaliar o trabalho de outros, de disseminar

conhecimentos e de dar assessoria nos mais diversos assuntos. Tratou-se de um

processo avassalador e muito veloz. As condições de trabalho do professor, sob

regime horista, constituia-se na pá de cal, soterrando qualquer possibilidade de

continuar um processo de estudo, com vistas ao aprimoramento, ao

aprofundamento de minha formação. Mas, em que pesem todas essas

circunstâncias adversas, procurei manter um mínimo de investimento no estudo

ainda que fosse para colher subsídios para um desempenho mais qualificado nas

tarefas de ensino. O que senti mais foi a falta de instâncias mais coletivas para

que pudesse continuar me aperfeiçoando, pois o que se podia então fazer era um

trabalho muito individual, solitário. Sem dúvida, no exercício da docência

universitária, que me envolveu desde os meados da década de 60, nunca parei de

estudar, ainda que sob as referidas limitações, procurando manter-me

minimamente atualizado no desenvolvimento teórico de meu campo de

conhecimento. Como se verá, a inserção na pós-graduação muito contribuirá para

consolidar essa condição. Foram 30 anos de intensa dedicação às tarefas de

ensino no curso superior, ainda entremeadas com atividades de administração

acadêmica. Mas o processo de formação não sofreu solução de continuidade,

como o pode demonstrar o registro das atividades de estudo e pesquisa que

resultaram em publicações. Sem dúvida, essa atividade de formação chegou a um

ponto marcante com os estudos que levaram à elaboração e à defesa de minha

tese de Livre-Docência, que apresentei à Faculdade de Educação da USP, em

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dezembro de 2000. Esse trabalho significou, com efeito, o ponto de maturação, o

momento de síntese de minha reflexão, como que catalizando os resultados desse

longo e permanente processo de formação acadêmica e intelectual.

Meu regresso ao Brasil e minha inserção na vida universitária nos meados

da década de 60 se deram sob forte impacto da grande crise político-social pela

qual passava o país. Embora à distância, havia compartilhado, a partir de meu

segundo ano de Faculdade, de todo o clima de luta pela transformação da

sociedade brasileira, que clamava por condições de maior solidariedade e de mais

justa distribuição das riquezas. Essa consciência “revolucionária”, tecida de

indignação e de idealismo, era alimentada pelas mensagens do jornal Brasil

Urgente, que eu assinava e lia com todo o fervor, à busca de notícias e de

consignias para a luta emancipatória. Era alimentada também pela tomada de

consciência crítica em relação à realidade social brasileira, consciência que surgia

não só do olhar à distância mas também do esclarecimento trazido pela formação

filosófica então em curso. Ganhava contornos ainda mais marcantes para mim,

levando-se em conta o paradoxo de minha condição anterior: objetivamente

pertencia aos extratos explorados da sociedade brasileira, conhecendo na carne a

dura realidade, mas, subjetivamente, era totalmente alienado em relação a essa

condição. A eclosão do movimento militar de 1964 representou um duro golpe

nessas utopias políticas, sufocando toda aspiração de um modelo de sociedade

mais solidária. Implantou-se um modelo tecnocrático de gestão econômica e um

modelo autoritário de governo político, cujas conseqüências marcaram fundo a

história do país nas décadas de 60 a 80. No plano pessoal, toda essa situação,

com suas pressões institucionais, cerceamento e muita intimidação, tendo sido

inclusive denunciado por colega da Universidade aos órgãos de repressão do

Regime sob alegação de conduta subversiva perigosa. Ficaram reprimidos os

anseios e as possibilidades de uma atuação mais crítica e efetiva, não só no

âmbito de projetos individuais, mas sobretudo no plano da sociedade, no seu

conjunto, o que atingiu profundamente a esfera universitária. Muitos sonhos se

frustaram, muitas vozes foram caladas, muitos destinos mudados, às vezes, sob

forte violentação das pessoas.

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Foi sob esse clima que me instalei em São Paulo em 1965, à busca de

trabalho e de redirecionamento existencial. Logo dei início à atividade docente,

conjuntamente com uma primeira atividade profissional como revisor, na Editora

Herder, convidado que fui a lecionar no curso de Filosofia do Seminário Diocesano

e, logo após, em 1966, naquele da PUC/SP. Devo essa minha inserção na carreira

profissional tanto de revisor como de docente na Universidade Católica à solidária

intermediação do prof. Michel Schooyans, professor belga que já havia sido o

intermediário no caso da concessão da bolsa de estudos que me viabilizou a ida

para Louvain, em 1960. Agora, em 1965, ele me apresentou à Direção da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da qual era professor, assumindo ainda

minha orientação para a elaboração do doutorado. Integrando o Departamento de

Filosofia, respondi pelas disciplinas de História da Filosofia Contemporânea,

Teoria do Conhecimento, História da Filosofia Moderna, no Curso de Filosofia, e

de Introdução à Filosofia e Psicologia Filosófica, no Curso de Psicologia. Foi uma

fase rica que representou um desafio, tanto mais que não tivera antes a

oportunidade de conhecer, como estudante, a universidade brasileira. Vinha agora

conhecê-la num momento de extrema crise, atingida que estava sendo pelo

autoritarismo político dos governos militares de então e pelo novo modelo de

ensino superior que se queria implantar no país. Além das pressões externas, o

conflito interno entre o discurso conservador, em nome da tradição neo-tomista, e

os esforços de modernização, abalavam toda a Universidade Católica. No caso do

Curso de Filosofia da São Bento, ocorreu um verdadeiro impasse entre as duas

orientações que inviabilizou o desenvolvimento e a continuidade do trabalho de

ensino e pesquisa no âmbito da filosofia, como acreditava eu deveria ser o próprio

objetivo da filosofia institucionalizada na Universidade. Os conflitos internos que

mais que idéias, opunham pessoas entre si, acabaram desarticulando o trabalho

do Departamento de Filosofia que manteve o curso no ritmo rotineiro de sua

tradição. Com a reforma estrutural da PUC/SP, em 1970, fundiram-se os

Departamentos de Filosofia da Faculdade de Såo Bento e da Faculdade Sedes

Sapientiae, passando a prevalecer então a orientação deste último, dando à

filosofia na PUC/SP maiores aberturas às expressões do pensamento

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contemporâneo.

Mas, a essa altura, em decorrência da demanda de professores de Filosofia

da Educação, originada da expansão dos cursos de Pedagogia, bem como em

decorrência da necessidade de ampliar os espaços profissionais e de trabalho

remunerado, fui me deslocando aos poucos também para os cursos de Pedagogia

de algumas faculdades isoladas que então foram instaladas. Mesmo na PUC/SP,

transferi-me para o Centro de Educação para trabalhar na equipe de Filosofia da

Educação, encarregada de oferecer cursos dessa área no Plano Geral de

Licenciatura. Tratou-se de uma passagem sem traumas e embora viesse a me

vincular ao Departamento de Fundamentos de Educação, nem por isso

abandonara as aulas de Filosofia nem a Filosofia como centro de interesse. Só

com o progressivo aumento dos compromissos na área de educação fui sendo

forçado a deixar as aulas no bacharelado de Filosofia.

Convém ressaltar que essa "transferência" não se deu apenas pelas

referidas razões conjunturais. Na verdade, ela atendeu ao desejo e à expectativa

que sempre alimentara de que a reflexão filosófica se exercesse sobre algum

aspecto da realidade concreta, que ela fosse aplicada sobre algum objeto

histórico. A problemática educacional me revelou ser então esse campo onde a

reflexão teórica encontraria um redimensionamento prático. Sempre entendera

que a filosofia não podia se reduzir nem a mero exercício de exegese textual e

nem, muito menos, a um exercício especulativo. Mas, tratava-se igualmente de

abordar a temática historico-social da educação de uma perspectiva

especificamente filosófica. Praticar essa postura no meio do universo técnico e

científico do trabalho e da formação dos educadores era a ambição e o desafio.

Mais além, vi na educação um caminho consistente e eficaz para canalizar

minha intenção de interferir na realidade social envolvente, estreitados que foram

os caminhos especificamente políticos pela repressão social, de um lado, e pelas

condições de timidez, insegurança e impotência que prevaleciam no período,

sufocando, de vez, uma possível vocação política, que não encontrou meios de se

desabrochar e de se expressar.

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Essa experiência profisssional de professor de Filosofia da Educação em

cursos de Pedagogia de várias Faculdades (Moema, FAI, Itapetininga, Tatui,

UNICAMP) constituiu-se num autêntico laboratório, tanto do ponto de vista

didático-metodológico como do ponto de vista da percepção das condições reais

de nosso ensino superior, fruto da política de expansão do ensino privado

desenvolvida pelo MEC a partir de 1968: a clientela estava sendo iludida em suas

expectativas, comprando promessas que jamais seriam atendidas e, sobretudo,

não estava recebendo ensino qualificado que a equipasse adequadamente seja

para o trabalho profissional, seja para o desenvolvimento cultural. A aparente

democratização do acesso ao ensino superior representada pela expansão

indiscriminada das vagas em faculdades isoladas, num país ainda carente de

recursos humanos preparados para a docência universitária e não disposto

politicamente a investir no processo de sua preparação, era, de fato, uma grave

ilusão, de efeito perverso, cujas consequências ainda hoje se fazem sentir. Dar

aulas de Filosofia da Educação em cursos de Pedagogia significou a experiência

do desafio de explicitar a problemática educacional brasileira, com todas suas

contradições sociais, e de sensibilizar os futuros educadores para ela. Tarefa

difícil, de resultados precários, mas que foi assumida com identificação e, até

mesmo com quixotesco fervor. De qualquer modo, essa experiência muito me

educou, despertando minha sensibilidade pedagógica e reorientando meus juizos

sobre a nossa realidade histórica, social e educacional.

Em 1972, após a defesa do doutorado, fui convidado para trabalhar no

Curso de Pós-Graduação em Filosofia da Educação que então se instalava na

PUC/SP. A pós-graduação "stricto sensu" significava a possibilidade de se

desenvolver o ensino, a pesquisa e a reflexão num patamar de maior qualidade e

exigência. Era também a oportunidade de se criar grupos de estudo e de debate

mais sistematizados e permanentes. Era uma institucionalização do diálogo e da

convivência com educandos/educadores já mais amadurecidos. O intercâmbio de

experiências enriquecia a todos. Enfim, o ensino e a pesquisa se davam em

condições mais favoráveis, apesar das limitações que também aí persistiam.

A minha experiência de pós-graduação na PUC/SP se desdobrou na

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UNIMEP, em Piracicaba, de 1973 a 1976, e na PUCCAMP, em Campinas, de

1976 a 1981. Com efeito, participei da criação, do desenvolvimento e da

consolidação do mestrado em Filosofia da Educação na UNIMEP, a partir de

1973, e do mestrado em Filosofia, na PUCCAMP, a partir de 1978, após ter

colaborado também com o curso de graduação. Tratava-se, na verdade, da

expansão e da irradiação da proposta que se iniciara em São Paulo. Em todos

esses Programas, o esforço de nossa equipe da PUC/SP fora sempre de tentar

fazer da reflexão filosófica, se possível mais radical e rigorosa, um instrumento

fecundo de análise de nossa realidade historico-social. Este foi um trabalho feito

com muita convicção e entusiasmo, beirando o fervor romântico, atuando numa

equipe constituída, na sua matriz básica, pelos colegas Newton Aquiles Von

Zuben, Geraldo Oliveira Tonaco, Dermeval Saviani e eu.

Nesse período, tive ainda a oportunidade de atuar também na Faculdade

de Educação, da UNICAMP, onde estive, como professor visitante em duas

oportunidades, respectivamente em 1976 e em 1985. Na primeira ocasião, lecionei

no curso de Pedagogia e, na segunda, no curso de Pós-Graduação.

No entanto, o curso de Pós-Graduação da PUC/SP constituia o centro de

meu trabalho, tendo atuado principalmente no Programa de Filosofia da

Educação, tanto em nivel de mestrado como de doutorado. Mas também lecionei

no Programa de Supervisão e Currículo e no Programa de Psicologia da

Educação, desenvolvendo sempre componentes disciplinares do campo temático

de filosofia da educação.

No entanto, no final de 1986, mediante concurso de seleção de professor,

ingressei na Faculdade de Educação da USP inicialmente em RTC e, a partir de

setembro de 1988, em RDIDP. Na FEUSP, minhas atividades docentes, sempre

no âmbito da Filosofia da Educação, vai se desenvolvendo, desde então, no curso

de Pedagogia, no curso de Pós-Graduação e no curso de Licenciatura.

No curso de Pedagogia, nos módulos de Filosofia da Educação, tenho

buscado trabalhar os aspectos éticos e políticos da educação, com vistas a

explicitar os compromissos do processo educacional tanto com a construção de

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um sujeito pessoal ético responsavel como de uma sociedade democrática,

espaço de cidadania, forma mais adequada de inserção e de vida dos indivíduos

na polis humana. Também na disciplina de Introdução aos Estudos da Educação,

dirigida aos alunos de Licenciatura, sob esse mesmo pano de fundo, tenho

buscado inseri-los no universo específico da educação, dando maior destaque à

realidade brasileira e explorando as interfaces da educação com as demais áreas

de sua formação na universidade.

Esta mudança para uma Universidade pública se deveu fundamentalmente

a uma vontade de maior dedicação ao estudo e à pesquisa, uma vez que meu

envolvimento, na PUC/SP, com atividades administrativas e o próprio regime de

trabalho, limitavam o tempo disponível para tal fim. Sentia-me, nesse final da

década de 80, defasado na minha carreira acadêmica e com uma vontade intensa

de dedicar-me mais sistematicamente às atividades de pesquisa, desligando-me

da prática administrativa, o que venho conseguindo fazer. Ademais, animava-me a

perspectiva de encontrar nesse espaço público melhores condições para

compartilhar de projetos politico-educacionais compromissados com a

transformação da sociedade.

Sem dúvida, com relação à pós-graduação, é possível avaliar hoje, com

maior otimismo do que no caso da graduação, como positivo o resultado desse

investimento, quando se constata o significativo número de dissertações e teses

defendidas, muitas das quais multiplicando seus efeitos ao serem publicadas. Por

outro lado, a origem dos pós-graduandos provenientes de instituições de todos os

estados do país, fazendo desses cursos de pós-graduação centros de irradiação

dos estudos que aí são feitos, é outro indicador de sua relevância. É marcante a

influência dos trabalhos de pesquisa e de reflexão aí desenvolvidos nos debates

que sobre a educação se tem feito em todo o Brasil, nestas últimas duas décadas.

Na pós-graduação, a natureza dos cursos favorece o desenvolvimento

intelectual e científico do próprio professor, na medida em que exige e permite o

aprofundamento das temáticas específicas, criando espaço para abordagens

monográficas, que vão variando conforme a evolução dos Programas, restringindo

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os riscos da repetição e da acomodação. Igualmente, a clientela, em decorrência

de seu maior amadurecimento intelectual, estimula o debate e o diálogo,

cotejando experiências, às vezes muito diferentes e distantes umas das outras.

Para mim, esse diálogo sempre trouxe alguma contribuição. Até o momento, --

final de julho de 2002 – já orientei 52 dissertações de mestrado e 16 de doutorado,

já defendidas, estando atualmente orientando, na FEUSP, 4 teses de doutorado e

4 dissertações de mestrado. De Iniciação Científica, já tive 4 orientandos. Além

disso, participei de 138 bancas de qualificação de mestrado, de 68 bancas de

qualificação de doutorado; participei de 81 bancas de defesa de tese e de 127

bancas de defesa de dissertação e de 120 bancas de concursos de carreira

docente.

Nesses 30 anos de trabalho em Programas de Pós-Graduação, ministrei

cursos de Metodologia do Trabalho Científico, de Filosofia da Educação, de

Política Educacional Brasileira. Ultimamente venho me dedicando à discussão dos

aspectos epistemológicos implicados no processo educacional. Desta maneira,

nos últimos anos, tenho ministrado cursos de Filosofia da Educação, com duas

programações: uma voltada para a explicitação das grandes linhas da

epistemologia contemporânea, (Filosofia da Educação 39 - EDF 841) visando a

discussão das relações sujeito/objeto na construção do objeto educacional e suas

implicações tanto na prática como na pesquisa em educação. Tendo em vista a

relevância da fundamentação epistemológica para o pesquisador educacional, o

enfoque deste componente é especificamente voltado para os diferentes

paradigmas epistemológicos que marcam o trabalho investigativo no âmbito das

ciências humanas, em geral, e do conhecimento científico no campo educacional,

em particular. As concepções paradigmáticas que procuram dar conta dessa

relação sujeito/objeto, nos diversas modalidades de investigação, se expressam

sempre no tecido histórico da cultura, razão pela qual sua explicitação não se faz

apenas mediante arquiteturas teóricas mas também pelo acompanhamento

histórico de suas manifestações, uma vez que se trata sempre de construções

coletivas feitas no desdobramento da temporalidade humana. Por isso, o curso em

pauta busca explicitar a problemática epistemológica, retomando sua gênese

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histórica e sua constituição teórica; busca identificar e discutir os principais

modelos sob os quais essa problemática vem se expressando na filosofia

contemporânea e colocar e debater a questão da relação sujeito/objeto

subjacente ao processo de produção do conhecimento, procurando especificá-la,

de modo particular, no caso da investigação educacional. A outra disciplina,

voltada para o aprofundamento da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, (Filosofia

da Edcucação 34. EDF 816), de caráter eletivo, busco fundamentalmente

propiciar aos pós-graduandos uma abordagem sistemática das principais

contribuições filosóficas presentes na “teoria crítica” da Escola de Frankfurt para a

compreensão da problemática educacional da atualidade. Para tanto, explicitam-

se suas linhas filosóficas básicas, mediante o estudo e a análise de textos

representativos dos seus principais integrantes. Feitas essa leitura sistemática e

sua análise, busco em seguida refletir sobre as implicações dessas posições

filosóficas para a compreensão da educação em geral, visando, ao mesmo tempo,

encontar aí subsídios para a discussão mais aprofundada da problemática da

educação brasileira, em particular.

Minha atividade docente sistemática vem se concentrando, pois, em torno

de um núcleo formado pela tentativa de uma leitura filosófica da educação que, de

acordo com meu entendimento, abre-se para uma tríplice perspectiva de

abordagem da realidade educacional: uma perspectiva epistemológica

(metodológica e crítica), uma perspectiva axiológica (estética, ética e política) e

uma perspectiva ontológica (antropológico-social).

3. A EXPERIÊNCIA ADMINISTRATIVA NA AREA DO ENSINO SUPERIOR

Sem prejuizo de uma opção mais definida pelo trabalho de ensino,

pesquisa e reflexão no campo da Filosofia e da Filosofia da Educação, assumi

também responsabilidades no âmbito da administração acadêmica da

16

Page 17: MEMORIAL Severino

Universidade, na PUC/SP, dando destaque para duas funções de maior alcance,

exercidas a partir de 1976.

A primeira função foi a de Diretor do Centro de Educação, exercida de 1976

a 1980, por indicação da Reitora da PUC/SP, Nadir Gouvea Kfouri. Pela primeira

vez, assumia a direção de uma unidade acadêmica mais ampla em termos de

estrutura universitária, já que o Centro de Educação constituia um dos cinco

centros que compunham a estrutura da Universidade. Esse Centro respondia

pelos cursos de Pedagogia, de Fonoaudiologia e pelo Plano Geral de Licenciatura,

atingindo portanto uma população discente de cerca de 2000 alunos e contando

com cerca de 200 professores. A direção do Centro englobava, de fato, as

responsabilidades e tarefas da direção de uma Faculdade já que no caso, àquela

altura, Centro e Faculdade coincidiam. O trabalho nesse cargo, além de suas

tarefas acadêmicas regulares, esteve orientado ainda para o encaminhamento dos

processos de reconhecimento do curso de Fonoaudiologia e do curso de

Licenciatura em Ciências que, embora já extinto, havia formado turmas sem ter

sido reconhecido, impondo-se o reconhecimento a posteriori. Por outro lado,

coordenei o desenvolvimento de um esforço no sentido de organizar

estruturalmente o Centro para o seu melhor desempenho, não só internamente

mas também no âmbito da Universidade. Tal o sentido da instalação das

Coordenadorias dos cursos de Pedagogia, de Fonoaudiologia e do Plano Geral de

Licenciatura, inclusive com atribuição de horas contratuais para os coordenadores.

Cuidou-se até mesmo da ampliação e da redistribuição do espaço físico,

buscando-se melhorias nas condições de trabalho dos funcionários e dos

professores e do atendimento dos alunos. Mas essa experiência significou para

mim sobretudo um contato mais direto com a problemática da educação brasileira,

com as dificuldades concretas de administração do ensino superior, no âmbito de

uma instituição como a PUC/SP. Pude sentir as limitações com que se defrontam

as propostas, muitas vezes, excessivamente idealistas, de se transformar a prática

da formação dos universitários e, de modo particular, dos professores e

especialistas em educação. Além das dificuldades objetivas em termos de infra-

estrutura, agigantavam-se dificuldades relacionadas com a elaboração de um

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Page 18: MEMORIAL Severino

projeto comum de trabalho, a meu ver imprescindível numa unidade acadêmica.

Para além do cumprimento dos programas das atividades rotineiras de uma

faculdade de educação, impunha-se um projeto politico-educacional que

articulasse o trabalho aí desenvolvido com os demais setores da Universidade e

com a sociedade externa. Sem dúvida, desde essa época, a PUC/SP vinha se

esforçando para delinear sua identidade e para envolver sua comunidade numa

proposta educacional mais abrangente, esforços que desaguaram,

posteriormente, em tentativas concretas de reorganização estrutural e estatutária.

Mas o Centro de Educação, embora tivesse conseguido se dinamizar mais

internamente, não alcançou, no período, o patamar de relevância que lhe caberia

no âmbito universitário. O seu trabalho continuou marcado pela fragmentação,

pela tradicionalidade, não se construindo um projeto intencionalizado que fosse

assumido solidaria e efetivamente pela sua comunidade. Ao término de meu

mandato, ensejara a discussão de propostas de várias novas habilitações para o

curso de Pedagogia. Contudo, nenhuma delas se efetivou, o que, a meu ver,

representou a vitória da tradição conservadora, perdendo o Centro a oportunidade

de dar à comunidade uma contribuição inovadora e significativa na formação de

educadores com novos perfis profissionais.

Duas idéias, contudo, brotadas nesse período, acabaram vingando,

produzindo resultados que avalio relevantes: a primeira refere-se à sistematização

da coordenação de estágios, tendo sido criado no Centro o embrião da

Coordenadoria Geral dos Estágios, que passou a atender, em seguida, a todas as

áreas da Universidade; a outra, refere-se ao apoio didático-pedagógico ao

professor universitário. Também se criou no Centro a primeira equipe de um Setor

de Apoio Didático-pedagógico, posteriormente bem consolidado na PUC/SP, o

SEDAPE, que se dedicou a subsidiar metodologicamente o trabalho docente de

3o. grau, ao mesmo tempo em que trazia à discussão as questões relacionadas

com o desempenho didático no ensino superior. Lamentavelmente, ao que estou

informado, esse Setor seria desativado no final da década de 80.

Antes de encerrar meu mandato de Diretor do Centro de Educação, recebi

convite da Sra. Reitora, Dra. Nadir Gouvea Kfouri, então reeleita pela comunidade

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Page 19: MEMORIAL Severino

universitária e indicada pelo Grão-Chanceler, Dom Paulo Evaristo Arns, para um

segundo período de gestão à frente da Universidade, para integrar sua equipe na

condição de Vice-Reitor Acadêmico. Mesmo me representando antecipadamente

todas as dificuldades e contradições a que o exercício de tal função na PUC/SP

estava intimamente vinculado, resolvi aceitar o desafio e enfrentar todos os

obstáculos. Sem dúvida, preocupavam-me, além da ingente responsabilidade de

coordenar todo o processo de ensino e pesquisa da Universidade, com tudo o que

isto implica em termos de administrar conflitos e de limitações de recursos

financeiros, outros compromissos que entendia ser da essência da função, num

momento em que a comunidade universitária não tinha, no seu conjunto, uma

visão muito clara de seu próprio projeto de universidade. Várias expectativas se

entrecruzavam no universo politico-social da comunidade da PUC/SP: ela se

sentia quase que compelida a responder, através da prestação de seus serviços,

aos anseios das classes populares, deixando de ser uma instituição voltada para

os interesses das elites; entendia ela ter de se comprometer mais a fundo com as

exigências de uma organização efetivamente democrática das relações de poder

no seu interior; querendo ser igualmente uma instituição cujo trabalho acadêmico

tivesse qualidade e consistência, sabia ser necessário elaborar e implantar

também uma política científica, instaurando uma tradição de pesquisa, de tal modo

que pudesse também estar gerando conhecimento novo. No entanto, se debatia

na crônica situação de carência de recursos financeiros, o que prejudicava

qualquer perspectiva de tranquilidade administrativa e de desenvolvimento

acadêmico. Já no estágio em que a Universidade se achava em 1980, com sua

política de apoio à pesquisa, mediante a consolidação dos Programas de Pós-

graduação e mediante subvenção contratual a seus docentes pesquisadores, via

Conselho de Ensino e Pesquisa, com sua política de implantação da carreira

docente, com seu regime de contratos de trabalho em Tempo Integral e em

Tempo Parcial, com sua política de remuneração das funções administrativas,

com sua orientação de contenção de número de alunos por classe e com sua

opção pela manutenção de cursos considerados culturalmente relevantes, ainda

quando não significativos em termos de demanda de alunos, era possível concluir

19

Page 20: MEMORIAL Severino

que tal proposta de trabalho não poderia mesmo ser sustentada apenas com

recursos oriundos das anuidades dos estudantes, tanto mais que era

entendimento da Reitoria não ser mais tolerável para o alunado um aumento real

dessas anuidades. De seu lado, as subvenções oficiais só faziam decrescer. A

PUC/SP, naquela década, vai se transformando cada vez mais numa entidade

contraditória: uma instiuição particular que presta um serviço como se fosse uma

instituição pública mas sem dispor de recursos de uma instituição pública.

Foi nesse contexto que assumi a Vice-Reitoria Acadêmica, para o

quadriênio 80/84, integrando a equipe que contava, além da Reitora, com um

Vice-Reitor Administrativo e um Vice-Reitor Comunitário. O exercício da função

cobrava ainda um alto preço para o trabalho intelectual e científico pessoal. Fui

sendo forçado pelas solicitações cada vez mais frequentes dos problemas e pelo

volume das tarefas cotidianas, a deixar de ministrar cursos que dava no Setor de

Pós-Graduação. Igualmente não era mais possível ler e estudar, acompanhando

com mais profundidade o debate da Filosofia da Educação. Pesquisar, escrever

com base em reflexão mais detida, preparar conferências, participar de bancas de

teses, tudo isso se tornava cada vez mais difícil. A administração acadêmica da

Universidade era uma atividade exaustiva, desgastante e exclusiva. Os problemas

não esperavam nem escolhiam hora, demandando soluções eficazes imediatas.

Faltava apoio em termos de infra-estrutura, optado que tinha a administração

superior por um modelo de muita austeridade.

Entendia eu, contudo, que assumir tal responsabilidade, não me omitindo

em colaborar com o trabalho da Universidade, era um compromisso a ser

enfrentado inclusive em função de uma exigência de coerência com o meu próprio

discurso teórico de crítica que fazia ao ensino superior no Brasil. Assim sendo, em

que pesasse o preço a pagar, entreguei-me à função, buscando explorar ao

máximo suas potencialidades. Interpretando a função da Vice-Reitoria Acadêmica

como sendo essencialmente aquela da Presidência do Conselho de Ensino e

Pesquisa, procurei exercê-la a partir desse Colegiado, responsável pela

formulação da política de ensino e pesquisa da Universidade. Por outro lado,

empenhei-me no sentido de reforçar os demais colegiados, em todas as instâncias

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Page 21: MEMORIAL Severino

da estrutura da Universidade, investindo na busca de u'a maior integração em

todos os níveis e em todos os aspectos. Minha intenção e meu esforço iam na

linha de realmente tornar o CEPE um colegiado relevante para a vida acadêmica

da Universidade e dela o mais autêntico centro de representação, integração e

dinamização. Apesar dos grandes avanços, a PUC/SP em 1980 ainda se

assemelhava a uma federação de faculdades, as várias unidades nem sempre

sabendo conciliar a necessária autonomia, sua feição e estilos próprios, com a

não menos necessária integração em nível de universidade: só assim deixaria de

ser pluriversidade... Além do mais, impunha-se não deixar que o CEPE

naufragasse na execução de tarefas burocrático-cartoriais. Daí o grande esforço

no sentido de envolvê-lo num trabalho contínuo de definição ou de redefinição de

políticas: política de ensino de graduação e de pós-graduação, política de

pesquisa, política de cursos de extensão, política de serviços, política de

organização de institutos complementares, de criação de novos institutos; investiu-

se igualmente na revisão dos regulamentos de concursos, na definição de

diretrizes para a elaboração dos planos acadêmicos, buscando torná-los efetivos

instrumentos de ação, no exame mais aprofundado das propostas de

modificações curriculares e de criação de novos cursos de graduação e de pós-

graduação. Evidentemente, dada a própria concepção de colegiado que se

procurou implementar na PUC/SP a partir de 1976, não cabia ao Vice-Reitor

Acadêmico, enquanto presidente do CEPE, impor sua visão particular, uma vez

que o seu era fundamentalmente um papel de coordenador e de estimulador de

iniciativas. Ao contrário, busquei estimular uma discussão eminentemente coletiva

visando encontrar soluções fundadas num consenso construido sobre argumentos

sólidos e objetivos, fiéis à realidade dos fatos e sensíveis às necessidades e

limitações do momento. Sem dúvida, nåo deixava de ser importante a posição do

Vice-Reitor na condução das propostas acadêmicas da Universidade. Por isso,

investi todo meu trabalho, meu empenho e esforços no sentido de dar absoluta

prioridade ao acadêmico, por entendê-lo tarefa substantiva da Universidade, todas

as demais atividades que se possam desenvolver só tendo sentido se mediadas

pelo acadêmico... É desenvolvendo com competência, qualidade e rigor o seu

21

Page 22: MEMORIAL Severino

trabalho acadêmico que a Universidade estará dando sua contribuição mais

significativa para o aprimoramento político, social e cultural da sociedade.

Impõe-se registrar, até para o registro de reconhecimento, a relevância

do fato de ter podido compartilhar, tão proximamente, ao longo de oito anos, como

Diretor de Centro e como Vice-Reitor Acadêmico, da experiência administrativa da

equipe dirigente da Universidade, formada por reconhecidos e qualificados

gestores do ensino superior da época, destacando-se a Profa. Nadir Kfouri,

Reitora da Universidade, o Prof. Casemiro dos Reis Filho, Vice-Reitor Acadêmico,

o Prof. Edênio dos Reis Vale, Vice-Reitor Comunitário e os Prof. João Caropreso e

Marcos Masetto, Vice-Reitores Administrativos. Tratou-se de período rico de

aprendizagem da prática administrativa, que me foi extremamente útil na

seqüência de minha trajetória acadêmica.

O balanço de 4 anos de exercício da Vice-Reitoria Acadêmica da PUC/SP,

em termos de vivência e conhecimento da universidade brasileira, revela um

grande enriquecimento pessoal. De fato, dessa posição foi possível ver com

outros olhos a experiência universitária brasileira. A função permitiu um outro

ponto de vista, mais globalizador, mais aprofundado e mais apurado da

problemática do ensino superior em sua relação com a sociedade nacional. Senti

daí, com percepção mais aguçada, a dramática situação da universidade que

parece cada vez mais impotente para enfrentar os desafios de sua missão, os

impasses que vem vivendo, suas contradições internas, sua fragilidade e seu

fracasso em formar as novas gerações, tanto do ponto de vista da competência

técnica e científica quanto do ponto de vista da consciência da cidadania.

Essa situação parece-me agravada nesse final de século, sobretudo a partir

da década de 90, em decorrência da predominância que a ideologia neo-liberal

vem exercendo nesses tempos de globalização econômica e cultural. Os

acontecimentos e as decisões políticas dessa década parecem expresar um certo

desapreço pela cultural tal como produzida pela Universidade. E essa instância,

com seu perfil clássico de instituição de pesquisa e de crítica, parece xer

considerada, à luz do pragmatismo avassalador da época, como desnecessária,

devendo se transformar em mera agência formadora de mão-de-obra técnica para

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Page 23: MEMORIAL Severino

as demandas imediatas da produção e do consumo. Por outro lado, a tendência

explícita do poder público, no bojo de uma visão minimalista do Estado, em se

desfazer do compromisso de criar e de manter as universidades públicas e de

priorizar um modelo de universidade privada não substantivamente identificado

com algum projeto cultural, constitui uma ameaça bem concreta ao futuro da

Universidade como lugar de construção rigorosa e crítica do conhecimento.

No entanto, essa percepção da realidade universitária não exaure minha

crença e confiança nas potencialidades da universidade, continuando a acreditar

que ela tem relevante papel a exercer com relação aos destinos da sociedade

brasileira, dispondo ela de reservas para proceder a sua autocrítica e a sua

reorientação, podendo superar sua atual situação de letargia e acomodação.

Situou-se nessa linha de revitalização da Universidade minha participação

ativa nos trabalhos da Comissão Constituinte que, em 1982, foi incumbida de

elaborar uma nova proposta de Estatutos para a PUC/SP. Na condição de seu

presidente, pude intervir na discussão dos principais tópicos relacionados com a

estrutura, com a organização e com o projeto político-educacional da

Universidade. A decisão de criar tal Comissão, tomada pelo Conselho

Universitário, sensível aos reclamos da comunidade acadêmica, visava uma

reformulação dos Estatutos de modo que ficasse assegurada uma redistribuição

do poder no interior da Universidade, que garantisse um relacionamento

democrático não só entre as pessoas mas também entre as várias instâncias e

órgãos da Instituição. Esse relacionamento democrático, feito da participação de

todos os segmentos da Universidade na escolha de suas chefias, na tomada das

decisões e no controle das atividades universitárias, já vinha ocorrendo na prática,

mas impunha-se institucionalizá-lo, uma vez que essa prática democrática até

então decorria da liberalidade das várias autoridades envolvidas e não dos

dispositivos estatutários. Mas além dessa tentativa de reorganização

democratizante das relações internas de poder, o novo diploma representava a

oportunidade de uma redefinição das instâncias acadêmicas e de suas funções a

partir de uma avaliação crítica de sua história, de modo que alguns avanços

pudessem ser feitos na melhoria do desempenho de toda a Universidade.

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Page 24: MEMORIAL Severino

Repensávamos assim sua estrutura, as funções dos departamentos, das

faculdades, dos centros, dos colegiados, das coordenações de cursos e todas as

demais instâncias acadêmicas e administrativas. Devido sobretudo às

contradições internas da Instituição, os novos Estatutos não chegaram ao fim, sua

tramitação fora da Universidade sendo interrompida. Assim, a experiência valeu

mais pelo processo do que pelo produto. Os Estatutos não se transformaram no

instrumento de que a Universidade precisava para levar avante um projeto

acadêmico consistente e inovador.

Por coincidir com esse período de Vice-Reitoria, cabe uma referência à

minha participação no Conselho Estadual de Educação, onde estive de 1983 a

1987, indicado que fora na condição de representante da PUC/SP. Essa

participação marcou significativamente meu pensar e meu agir com relação à

educação. Assumindo de maneira sistemática a discussão dos problemas da rede

pública estadual de ensino, pude aguçar minha sensibilidade e minha percepção

dos mesmos, ao ver mais de perto sua gravidade. Sobretudo me convenci, de vez,

da relevância e da prioridade dos esforços e investimentos que precisam ser feitos

no Brasil com vistas à expansão em quantidade, de qualificada educação pública,

em todos os níveis. Só mesmo através de uma boa escola pública poderá o país

cumprir seus compromissos sociais para com toda a população desfavorecida. Por

outro lado, cada vez mais sentia a exigência que tanto em nível nacional como

estadual se definisse uma política educacional coerente, capaz de desencadear

uma práxis educativa em condições de superar os graves problemas que atingem

nossa educação. Vencido o meu primeiro triênio no Conselho, fui reconduzido,

mas essa nova etapa, mudada a política geral do Estado com a mudança de

governo, se revelou extremamente decepcionante, o que me levou a pedir

demissão do cargo, tanto mais que já vencera também meu mandato na Vice-

Reitoria da PUC/SP, não me cabendo mais representar seus interesses naquele

Forum. A essa altura, na minha avaliação, o Conselho voltara a sua rotina

burocrática e casuística, esvaziando-se de vez de sua missão de órgão definidor

da política educacional do Estado. Meu desligamento do Conselho não me afastou

da rede pública: ao longo da década, continuei desenvolvendo intenso trabalho

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Page 25: MEMORIAL Severino

de assessoria junto à CENP e participando de muitos eventos técnicos e

científicos voltados para o aprimoramento do pessoal docente e administrativo da

rede estadual, promovidos sobretudo pela FDE e pelas Delegacias de Ensino e

Escolas Públicas. Esta atividade formal de assessoria só se encerraria por volta

de 1994. Desde então tenho tido outras interações com as redes públicas estadual

e municipal, participando, ocasionalmente, de eventos por ela promovidos, quando

são debatidos sobretudo temas relacionados com os objetivos da educação

institucional, com a formação de educadores e com a inserção da educação nos

processos sociais.

Ao término de meu mandato de Vice-Reitor, fazia-me um propósito de não

mais me envolver com tarefas administrativas, visando dedicar-me mais às

atividades de pesquisa. No entanto, não me foi possivel deixar de atender a

solicitação de responder, por mais dois anos, por uma Vice-Presidência do Setor

de Pós-Graduação da mesma PUC/SP.

Mesmo na FEUSP, tive que assumir, por força de circunstâncias e para

não deixar de colaborar em tarefas coletivas, algumas atividades de cunho mais

administrativo, participando de comissões acadêmicas e pedagógicas, tais como a

Comissão de Pós-Graduação, a Comissão de Acompanhamento e Orientação dos

Alunos Ingressantes, o Conselho do Departamento, a Coordenação da área de

Filosofia da Educação, a Congregação bem como outras comissões externas à

Unidade. Atualmente participo novamente do Conselho de Departamento, como

representante titular dos professores doutores, da Comissão de Pós-Graduação e

também do CTA. Inclusive, tendo defendido a Livre Docência, decidi candidatar-

me ao cargo de Presidente da Comissão de Pós-Graduação e senti-me gratificado

com o endosso unânime dos membros da CPG que me elegeram, em julho de

2001. O exercício dessa função está me inserindo numa esfera mais ampla da

vida acadêmica da Universidade, uma vez que integrando, como membro nato, a

Comissão Geral de Pos-Graduação, passei a compartirlhar de uma dinâmica e de

uma problemática que têm a ver com a USP, em toda a complexidade de sua

estrutura e funcionamento. Por outro lado, ela abre igualmente uma interação

enriquecedora para com toda a comunidade da pós-graduação em educação do

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país, graças ao trabalho conjunto que é desenvolvido no âmbito do Fórum dos

Coordenadores, junto à Anped. No entanto, essa participação institucional,

procuro desenvolvê-la sem comprometer meu objetivo prioritário de consolidar

uma vida acadêmica essencialmente voltada para a produção do conhecimento e

para o aprimoramento de minha própria formação teórica.

Cabe destacar minha participação num tipo de atividade que julgo relevante

para todo o conjunto da problemática cultural e educacional de nosso país: as

atividades editoriais. Refiro-me à contribuição sistemática que dei a 4 importantes

revistas de nosso meio acadêmico. Na PUC/SP, pude dirigir e dinamizar o

processo de relançamento da Revista da Universidade, Veredas, da qual fui

diretor por um certo período. Já no final da década de 70, atuara decisivamente na

criação, pelo Instituto de Filosofia, da PUC/CAMP, da revista Reflexão, periódico

já consolidado e que continua sendo publicado; pertenci ao Conselho Editorial e à

Comissão de Redação da Revista da ANDE, veículo de expressão e comunicação

dessa Associação, da qual também sou associado e que serviu, até meados da

década de 90, de espaço para uma luta mais sistemática pela educação pública.

Por outro lado, na condição de membro do Conselho Editorial da Editora Autores

Associados, até 1992, contribui para a criação e consolidação de importantes

Coleções da área educacional, coeditadas por essa Editora. Atualmente sou

membro de diversos conselhos editoriais de importantes revistas da área de

educação e ciências humanas. Na Universidade São Marcos, onde prestei uma

assessoria científica, de 1994 a 1996, contribui diretamente para a criação e a

consolidação da revista Inter-Ações, publicação do curso de Mestrado em

Psicologia.

Nos últimos 7 anos, venho coordenando um projeto editorial, que julgo de

grande relevância, que é a Coleção Educação e Conhecimento, junto à Editora

Vozes. Trata-se de uma coleção que é formada por um conjunto de estudos em

série, projetada com o objetivo de apresentar, de forma acessível, a estudantes e

profissionais da educação, pensadores clássicos e contemporâneos, cujo

pensamento possa dar alguma contribuição da problemática educacional. A idéia

é de se elaborar textos introdutórios, de boa qualidade, cada um apresentando as

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Page 27: MEMORIAL Severino

linhas básicas do pensamento do autor estudado e suas implicações para a

educação. A proposta se apoia na convicção de que há uma rica produção teórica,

no campo da filosofia e das ciências humanas em geral, que tem grande

significação para a educação, mas que é pouco conhecida e explorada por

aqueles que estudam as questões educacionais. Com a destinação destes textos

aos estudantes e profissionais da área educacional, a Coleção pretende criar a

oportunidade de um primeiro contato com essa produção, buscando abrir caminho

para eventuais pesquisas mais aprofundadas, incentivando assim os estudos de

filosofia da educação. Já a partir de 2001, junto com a Profa. Selma Garrido

Pimenta, estou atuando como co-coordenador da Coleção Docência em

Formação, junto à Editora Cortez. Trata-se de um ambicioso projeto editorial que

tem por objetivo oferecer aos professores em processo de formação e aos que já

atuam como profissionais da educação, subsídios formativos que os qualifiquem

criticamente para o exercício de sua função social, garantindo-lhes condições para

uma efetiva interferência na realidade educacional através do processo de ensino

e de aprendizagem, núcleo básico de seu trabalho docente social.

4. OS RUMOS DO PENSAR: A BUSCA DO SENTIDO DO EXISTIR HISTÓRICO E DA MEDIAÇÃO EDUCACIONAL.

A orientação inicial de suas atividades sistematizadas de pesquisa e de

reflexão identificou-se com a filosofia personalista. A retomada do pensamento

mounierista representou a primeira forma de expressão de seu pensar. O

personalismo significou para ele uma verdadeira "escola", uma vez que foi guiado

por ele que se posicionou tanto frente à tradição neotomista, lastro de sua

formação cultural e acadêmica, quanto frente às filosofias contemporâneas que o

impressionavam desde sua juventude: o marxismo, a fenomenologia e o

existencialismo. Considerava a filosofia personalista, sob sua versão mounierista,

o próprio paradigma do filosofar: a reflexão teórica resgatava o agir, encarnava o

trabalho filosófico na história e construia uma antropologia da integralidade.

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Page 28: MEMORIAL Severino

Entendia que a noção mounierista de pessoa escapava do essencialismo

metafísico tradicional, do naturalismo positivista, do espontaneismo existencialista,

do historicismo economicista do marxismo, resgatando, no entanto, as

contribuições significativas de todas essas antropologias. Enfim, a filosofia

encontrava lugar no processo histórico, deixando de ser atividade meramente

especulativa. Assim, minha "memória" de conclusào de curso, La notion de

démocratie chez Emmanuel Mounier (Louvain, 1963) e minha tese de doutorado

Pessoa e existência: os princípios ontológicos do personalismo de Emmanuel

Mounier (São Paulo,1972), testemunharam esse primeiro esforço de pensar. No

entanto, sempre entendi o personalismo como um subsídio metodológico e como

inspiração, nunca como um sistema ao qual se adere dogmaticamente. Com plena

consciência disso, sempre recusei ficar retomando e divulgando o pensamento de

Mounier no Brasil, de forma doutrinária, escolasticizada. Os elementos

fundamentais de sua inspiração que, acredito, marcaram minha vida intelectual e

minha concepção de mundo foram a plena consciência do valor dos seres

humanos, da dignidade das pessoas bem como a necessidade da encarnação da

reflexão filosófica nas reais condições da história, sem jamais abdicar do

compromisso de nela intervir para transformá-la. A mais radical exigência de uma

práxis transformadora. Não me preocupava qualquer exigência de fidelidade às

formas de expressão do personalismo mounierista. Mas como o pensamento de

Mounier continua suscitando interesse em vários meios, entre outros eventos,

participei de comemoração que lhe foi feita por professores do Rio de Janeiro,

com artigo publicado na Revista Filosófica Brasileira, versando sobre "a

contribuição do pensamento de Mounier à reflexão antropológica contemporânea"

(5(1):25-30, 1992). Em outubro de 2000, fui insistentemente convidado a participar

de Colóquio Internacional realizado em Paris, para comemorar os 50 anos da

morte de Mounier. Evento promovido pela Association des Amis d´Emmanuel

Mounier, com o apoio da Unesco, reuniu 600 pessoas provenientes dos mais

diversos países, cujos depoimentos testemunharam o alcance atual da influência

do pensamento de Mounier mundo a fora, influência talvez menos presente

justamente na França. Na oportunidade, apresentei uma comunicação (Le

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Page 29: MEMORIAL Severino

Personnalisme et les défis posés à l’anthropologie contemporaine: un régard

brésilien), procurando mostrar a contribuição da perspectiva personalista para a

leitura crítica da atual realidade social brasileira. Houve reações negativas ao meu

ponto de vista, o que confirma uma visão dogmática que ainda persiste

relacionada ao personalismo mounierista.

Minhas primeiras incursões na tentativa de expressar um pensar filosófico

diziam respeito a minha visão da tarefa do filosofar no contexto historico-social

brasileiro. Tal a linha do artigo "A questão da autenticidade da filosofia brasileira"

(Reflexão (1):43-51, 1975) e do auto-retrato filosófico que fiz em "Pensando em

rumos da filosofia brasileira (In: Rumos da filosofia atual no Brasil. São Paulo,

Loyola, 1978. p. 75-98). Continuo entendendo que a filosofia deve

necessariamente responder ao questionamento posto pela realidade histórico-

social, que ela só alcança a universalidade concreta na medida em que valoriza a

particularidade. Essa perspectiva perpassa todos os meus escritos e posições,

tornando-se um verdadeiro pressuposto. Retomo-a explicitamente, em 1980, em

outro artigo de Reflexåo, "O papel da filosofia no Brasil: compromissos e desafios"

((17):5-12, 1980).

A expressão da filosofia no contexto socio-cultural brasileiro, sua

institucionalização, seu papel na construção da cultura nacional foram questões

que sempre me intrigaram. Tendo me formado em filosofia num contexto

universitário e cultural estrangeiro, percebi o quanto a filosofia européia levava em

consideração sua inserção histórica, o quanto a reflexão filosófica participava do

projeto cultural do continente. Ao retornar ao Brasil e começar a lidar com os

problemas educacionais e culturais do país, sempre me impressionou a

dependência muito grande de nossas formas de pensar em relação aos modelos

estrangeiros, ficando tocado pela força dos transplantes culturais em quase todos

os setores da vida nacional. Isso se reforçou pelas leituras, de cunho histórico-

sociológico, que realizei então com o objetivo de me inteirar melhor da realidade

social e política do país, uma vez que ao longo de minha formação universitária

não tivera condições de me adentrar nesse âmbito. Além das fortes inspirações

que recebia do personalismo, do marxismo e do existencialismo, o impacto

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causado pela situação social e econômica do Brasil e a reação exacerbada ao

modelo político autoritário imposto ao país, provocou um aguçado interesse sobre

o papel que a atividade intelectual tem a desempenhar em tais circunstâncias.

Passei a sentir que a filosofia não deveria ser apenas um exercício lógico ou

linguístico, limitando-se a fazer exegese dos pensadores clássicos. Urgia-lhe

‘preocupar-se’ com as urgências reais e concretas da sociedade brasileira. Assim,

marcou-me muito o artigo publicado por Michel Schooyans, Tarefas e vocação da

filosofia no Brasil (Rev. Bras. Fil. 11(4):61-90, 1961), que foi uma de minhas

primeiras leituras ao iniciar minha vida acadêmica no Brasil, no início de 1965.

Assim, além dessas tentativas de explicitar esse papel de um filosofar

compromissado com a realidade histórica, sem deixar de ser um autêntico

filosofar, marcado por parâmetros universais de reflexão, procuro, na medida do

possível, investir na busca do conhecimento da prática da filosofia no Brasil.

Nessa linha, realizei extensa pesquisa exploratória, desenvolvendo projeto iniciado

na PUC/SP, intitulado "A prática da filosofia no Brasil". O objetivo dessa pesquisa

foi fazer um levantamento de todos aqueles que se dedicam ao trabalho filosófico

no Brasil, fazer o mapeamento, traçar a geografia da prática filosófica no país,

descrevendo e caracaterizando-a. O resultado deste levantamento se desdobrou

em dois produtos: um relatório analítico, tabulando os dados e registrando as

situações deles decorrentes. Este relatório, de cunho interno, foi entregue ao

Conselho de Ensino e Pesquisa, da PUC/SP, que financiou a pesquisa; um

catálogo, contendo, de maneira sistematizada, informações sobre as pessoas,

grupos, movimentos, entidades e publicações ligadas à area de filosofia. Esse

catálogo foi publicado, pela ANPOF, em edição restrita, com o título A filosofia no

Brasil (Rio, 1990).

Esta preocupação com o significado do filosofar no Brasil continua ainda

presente nos meus trabalhos atuais, aparecendo agora como tema de pesquisa

empírica e de reflexão teórica, sendo questão discutida na investigação que

realizei sobre o "alcance político-educacional do atual discurso filosófico no Brasil"

(FEUSP. 1992). Essa pesquisa, realizada com bolsa do CNPQ, acabou resultando

no livro, pulbicado em 1999, pela Editora Vozes, A filosofia contemporânea no

30

Page 31: MEMORIAL Severino

Brasil: conhecimento, política e educação. O livro lança um olhar sobre o discurso

filosófico brasileiro da atualidade, buscando perceber as principais tendências, os

temas e as abordagens que esse discurso vem assumindo. Após uma discussão

introdutória sobre o sentido do próprio filosofar no contexto de uma cultura como a

brasileira, o livro vai apresentando suas principais expressões da atualidade,

situando-as em relação à tradição filosófica ocidental. Exposta sinteticamente

cada uma das tendências, a partir das posições categoriais básicas, explicita-se

seu impacto no filosofar brasileiro, identificando-se os nomes mais significativos

que as representam no Brasil. Dentre esses representantes, é destacado um

considerado mais representativo da tendência e seu pensamento é então mais

detidamente estudado, concluindo-se cada capítulo com um texto de cada um

desses autores. Ao final, é feita uma avaliação de até que ponto as temáticas

políticas e educacionais se fazem presentes em cada um desses paradigmas. As

conclusões desse trabalho foram sintetizadas e publicadas em artigo na Revista

do Inep, sob o título “Paradigmas filosóficos e conhecimento da educação: limites

do atual discurso filosófico no Brasil na abordagem da temática educacional”

(Rev.Bras. Est. Ped. Brasilia. Inep. 74(176): 131-151. jan./abr. 1993).

Também ao falar da Filosofia da Educação, coerentemente com esse

pressuposto, recoloco a questão das mediações historico-sociais da filosofia e,

consequentemente, da antropologia filosófica. É o que fica explícito no trabalho

"Educação e historicidade: as mediações histórico-sociais da filosofia da

educação" (In: Filosofia e desenvolvimento. Rio, SBFC, 1977) e no artigo "A

situação da filosofia social na sistemática filosófica" (Reflexão (14): 91-96, 1979).

A decisão de me direcionar para o universo da problemática educacional

decorreu fundamentalmente dessa convicção de que a filosofia deve se ocupar de

questões reais da sociedade histórica. Vi na educação esse objeto/problema a ser

alvo do investimento filosófico. Sem dúvida, a demanda por docentes de Filosofia

da Educação contribuiu para que se concretizasse também um redirecionamento

institucional, que me levou a inserir-me no universo dos cursos de Pedagogia e

nos cursos de pós-graduação em educação. Mas essa opção pelo espaço da

Filosofia da Educação nunca signficou para mim o “abandono” da filosofia: ao

31

Page 32: MEMORIAL Severino

contrário, o desafio continua sendo o de saber como a filosofia contribui para o

equacionamento da problemática educacional.

Venho, assim, buscando contribuir para a delimitação e discussão da

identidade da Filosofia da Educação, em sua expressão no contexto cultural

brasileiro, tendo produzido alguns textos voltados para essa temática. Resultante

de um trabalho apresentado na Anped, foi publiquei o texto “Proposta de um

universo temático para a investigação em Filosofia da Educação: as implicações

da historicidade” (Perspectiva. Florianópolis. UFSC. 11(19): 11-27, 1993), no qual

esboço algumas linhas temáticas para o desenvolvimento de pesquisas na área

da Filosofia da Educação, com vista a delinear e consolidar sua própria identidade.

Refletindo sobre os caminhos dessa investigação no país, escrevi outro texto “A

Filosofia da Educação no Brasil: esboço de uma trajetória” (In: Ghiraldelli Jr.,

Paulo (org.) O que é filosofia da educação? . Rio de Janeiro, DP&A Editora, 1999.

p. 267-328). Nesse texto procurei retomar e descrever a caminhada da Filosofia

da Educação seja como componente curricular, seja como experiência

institucional, seja ainda como prática teórica, destacando os círculos

hermenêuticos pelos quais entendo que ela se expressa entre nós. Identifiquei

quatro grandes perspectivas do filosofar sobre a educação. Um primeiro modo,

concebe e pratica a filosofia da educação como se ela fosse uma sintetizadora das

teorias científicas da educação. Para esta tendência, o conhecimento válido só

pode realizar-se pelos critérios da ciência positiva, cabendo à filosofia uma tarefa

apenas epistemológica; já uma segunda vertente vê a filosofia da educação

integralmente como uma hermenêutica da experiência pessoal dos sujeitos,

entendendo a educação como projeto de construção dos mesmos; uma terceira

tendência, típica do ambiente cultural pós-moderno, prioriza a esteticidade da

experiência humana e quer que a educação seja o lugar da produção e do cultivo

da sensibilidade desejante; finalmente, a quarta orientação entende a Filosofia da

Educação como a busca do significado da educação como práxis histórico-social e

como intencionalizadora do agir histórico das sociedades e das pessoas. Essa

questão do estatuto da Filosofia da Educação, já havia sido tratada em artigo que

escrevi para o Em Aberto (INEP, no. 45, 1991), "A contribuição da filosofia para a

32

Page 33: MEMORIAL Severino

educação", onde procuro mostrar que essa contribuição se dá nos planos

epistemológico, axiológico e antropológico.

Respondendo a desafios simultaneamente teóricos e didáticos, lancei um

livro de filosofia, de caráter introdutório, destinado a alunos de 2o. grau, integrando

coleção voltada para o curso de Magistério: Filosofia (Cortez, 1992): o texto foi

concebido e estruturado de modo a fornecer a professores e estudantes do 2o.

grau um instrumento que possibilite uma iniciação à experiência do filosofar a

partir de uma apreensão do significado da cultura contemporânea, tomada na sua

historicidade e vista como contexto da existência humana. De novo aqui, está

explícita a idéia, que vejo amadurecendo na própria formação da filosofia

enquanto expressão cultural, de que o filosofar se constitui atualmente como

esforço de doação de sentido à existência humana, não mais a partir de um

modelo abstrato de essência nem de mero prolongamento da natureza física, mas

da análise detida da própria prática real dos homens, enquanto sujeitos coletivos,

no tempo histórico e no espaço social.

Com a mesma perspectiva, publiquei, também no âmbito de outra coleção

de finalidades didáticas, o livro Filosofia da Educação: construindo a cidadania.

(São Paulo, FTD, 1994. (Col. Ensinar & Aprender)). Integrando essa coleção,

destinada aos alunos dos cursos de formação de professores, o livro se propõe

fornecer-lhes alguns subsídios para que desenvolvam uma experiência de reflexão

filosófica sobre seu campo de formação e de futura atuação profissional. Nessa

formação, propiciada pelos cursos de Pedagogia, de Licenciatura e demais

modalidades de cursos destinados à preparação de professores, cabe à Filosofia

da Educação um trabalho integrador, mediante o desenvolvimento de uma

reflexão sistemática, metódica, rigorosa e crítica sobre as várias dimensões em

que se desdobra a condição dos sujeitos envolvidos com a educação. Em síntese,

o livro pretende introduzir o aluno à experiência de reflexão filosófica sobre a

educação

Assim, coerentemente, ao dedicar-me à Filosofia da Educação, tenho

procurado cumprir este programa filosófico que proponho como tarefa à

33

Page 34: MEMORIAL Severino

inteligência brasileira. É a partir da particularidade, da regionalidade, da

concreticidade histórica da experiência educacional brasileira que tento buscar o

sentido da educação enquanto tarefa humana. O fundamento antropológico da

educação só se delineia na sinuosidade das entranhas das mediações historico-

sociais e não numa natureza humana aprioristicamente estabelecida pela

racionalidade. A reflexão sobre a educação brasileira diz respeito à busca de seu

significado a partir de seu contexto, com vistas a encontrar pistas para uma práxis

que a intencionalize e a faça contribuir para a construção de uma sociedade mais

humanizada, o que constitui o objetivo nuclear de meu esforço de pensamento e

de atuação política. É minha preocupação fundamental.

Uma bem representativa amostra de minhas posições filosófico-

educacionais encontra-se exposta no livro Educação, ideologia e contra-ideologia

(1986). Este texto, embora integrando uma coleço didática, serviu para que eu

explicitasse minha visão da tarefa geral da filosofia da educação e, em particular,

daquilo que lhe diz respeito no que concerne à crítica do discurso pedagógico, na

perspectiva de desvelamento do seu sentido ideológico. Após trabalhar a

elaboração histórico-filosófica do conceito de "ideologia", e de retomar a discussão

contemporânea da temática das relações entre educação e ideologia, fiz uma

releitura da experiência histórica da educação brasileira, procurando desvelar sua

significação ideológica. Passo então por três marcas ideológicas que entendo

terem sido sucessivamente predominantes na configuração da teoria e da prática

educacionais no Brasil: a ideologia católica que prevalece até o final do século 19;

a ideologia liberal que se expressa vinculada à pedagogia escolanovista,

predominante até a década de 60, quando a educação passa a sofrer o impacto

da ideologia tecnocrática, exacerbando-se a crença de que toda a problemática

humana se esgota e se resolve mediante o desenvolvimento tecnológico.

Este investimento na construção de minha compreensão do sentido da

Filosofia da Educação se completa, de forma mais sistematizada, na tese de

Livre-Docência, O sujeito, a história e a educação: tarefas e identidade da Filosofia

da Educação, que elaborei para o correspondente concurso, ocorrido em

dezembro de 2000. O trabalho se propôs a desenvolver, de uma perspectiva

34

Page 35: MEMORIAL Severino

filosófica, uma reflexão que explicitasse a participação dessa modalidade de

conhecimento na construção do processo de educação em seu conceito, ou seja,

buscou mostrar como o conhecimento filosófico ajuda na construção do pleno

significado do fenômeno educação, o que permitiu esclarecer o próprio sentido de

uma Filosofia da Educação e de sua efetiva contribuição na compreensão do

significado do processo educacional. É sob a modalidade filosófica que o

conhecimento pode dar conta dessa tarefa. Iniciou-se com o delineamento do

próprio sentido do filosofar, procurando explicitar o que vem a ser a reflexão

filosófica, ou seja, como se configura a modalidade filosófica do conhecimento. No

entanto, a aproximação do sentido do filosofar exigiu que se desvele ainda o

sentido do conhecimento como um todo, uma vez que a filosofia não é senão uma

de suas modalidades. Como prática teórica, vinculada à capacidade subjetiva de

simbolização, o trabalho procurou mostrar que o conhecimento tem a finalidade

intrínseca de intencionalizar as demais modalidades de práticas humanas, com

quais mantém a mais íntima relação. Entendendo a prática como a própria

substância do existir humano, foram delineadas as três esferas da ação humana,

quais sejam, a esfera da prática produtiva, a esfera da prática política e a esfera

da prática simbólica. Tanto o conhecimento como a educação, como expressões

diretas da prática simbolizadora, ganham seu verdadeiro sentido como processos

de intencionalização das demais práticas que efetivam a existência. Mostrou-se

então como a educação se faz como prática mediada e mediadora, num esforço

de efetiva constituição de seu significado. A educação foi concebida como

investimento intergeracional para inserção dos sujeitos educandos nas forças

construtivas do trabalho, da sociabilidade e da cultura simbólica. Mas se a

educação é substantivamente uma prática, impôs-se discutir como se articulam

nela os aspectos técnicos, éticos, estéticos e políticos, procurando ver como os

valores são concernidos pela educação. Por outro lado, foi preciso por em pauta a

questão epistemológica de sustentação da prática educacional. Tratou-se de ver

como se dá o processo de construção do conhecimento da educação e de ver

como participam desta tarefa as ciências e a filosofia. Por isso, a Filosofia da

Educação, para levar a termo sua tarefa, tem de tomar em consideração a

35

Page 36: MEMORIAL Severino

contribuição das Ciências, no caso a contribuição das Ciências da Educação, já

que a elaboração científica, como outra modalidade do conhecimento humano, é

igualmente etapa imprescindível para a aproximação teórica da fenomenalidade

do real. Mas, a atenção epistemológica se fez também necessária num sentido

negativo, cobrando a vigilância crítica que a Filosofia deve assumir frente ao

processo de enviesamento ideológico que espreita todos os discursos

educacionais. Foi possível então refletir sobre a identidade da Filosofia da

Educação, tentando aproximar-me de sua natureza, delinear suas tarefas,

descrever suas possibilidades, na sua condição de modalidade de conhecimento

co-responsável pela intencionalização do educacional. Busquei mostrar a maneira

pela qual a reflexão filosófica aborda a educação como seu tema, ou seja, em que

medida e sob quais condições a educação é temática filosófica. Viu-se-á então

que a filosofia aborda a educação como fenômeno de natureza prática, mas o faz

sob o ângulo da teoria, forma de inseri-la na condição existencial dos sujeitos nela

envolvidos. Cabe à Filosofia, agora como Filosofia da Educação, levantar as

intencionalidades para a ação educativa, de modo a evitar que ela se torne prática

puramente mecânica, transitiva, reprodutora de situações dadas. Esse percurso se

encerrou com a discussão da formação e da atuação do educador, questão que,

num certo sentido, catalisou todos os pontos anteriores, uma vez que é também

na pessoa do educador, co-agente real de toda prática, que o processo educativo

se concretiza. Impôs-se, nesse momento, questionar as modalidades atuais e a

explicitação das condições e exigências dessa formação, como referência mínima

para a sua atuação profissional na sociedade histórica em que se encontra

situado.

Entendo que cabe à Filosofia da Educação uma dupla perspectiva na

abordagem da problemática educacional: de um lado, positivamente, cabe-lhe

explicitar significações epistêmicas, éticas, estéticas e políticas, que possam

intencionalizar a prática educacional; de outro, negativamente, cabe-lhe denunciar

os vieses ideológicos que permeiam os diversos discursos que têm a ver com

essa prática educacional. Anúncio e denúncia, construção e desconstrução,

afirmação e negação, capacidade de tradição e de ruptura, sempre sob vigilante

36

Page 37: MEMORIAL Severino

postura crítica. E é isso que tenho tentado fazer na minha prática e dizer nos

textos que tenho publicado, nas palestras que tenho feito e nos debates de que

tenho participado, nas várias constelações de aspectos da problemática

educacional e de suas interfaces. Assim, além de vários prefácios a livros de

colegas educadores, de resenhas sobre livros que tratam da educação, espaços

que sempre ensejam a oportunidade para um pequeno esclarecimento, para se

precisar um pensamento ou para expor uma intuição, venho abordando a questão

educacional brasileira dessa perspectiva em vários trabalhos.

Uma dessas constelações refere-se à questão da formação dos

educadores. Já em 1975, essa temática aparece num artigo na revista Textos, "A

função do educador no mundo contemporâneo: equacionamento e validade"

(Dourados, (1):26-36); em "A crise da educação brasileira e as exigências da

formação do educador" (Leopoldianum. (13):7-13, 1978); em "Educação e

despersonalização na realidade social brasileira" (In: MORAIS, Regis de.

Construção social da enfermidade. Cortez, 1978. p. 99-108). A formação do

profissional da educação, sua atuação prática e suas condições de trabalho e

participação social, foram reiteradamente abordadas: em “O compromisso da pós-

graduação em educação com o conhecimento e com a prática na formação do

professor” (In: BICUDO, M. A. V. e outros. Pensando a pós-graduação em

educação. Piracicaba, Editora da UNIMEP, 1993. p.17-19); em “O pedagogo no

terceiro milênio: enfrentando os desafios postos pelas tramas do saber, do fazer e

do poder. In: Identidade do pedagogo. São Paulo, Feusp, 1996. (série Estudos e

Documentos, no 36) p. 11-15; “Quem educa o educador? (Educação &

Sociedade. Campinas. CEDES, (3):133-136. maio 1979); “A formação do

especialista em educação: um debate em perspectiva”.(Veredas. São Paulo. PUC.

(102/103):292-300. abr. 1985); “A formação profissional do educador:

pressupostos filosóficos e implicações curriculares”.(Revista da ANDE. São Paulo.

(17):29-40, 1991); “O ensino superior e a formação do educador na nova LDB”.

(Universidade e Sociedade. São Paulo.ANDES/SN. 2(3):32-30. jun. 1992); “O

lugar do professor na sociedade contemporânea”. (Revista de Educação

APEOESP. São Paulo, APEOESP, (8):67-71. fev. de 1996).

37

Page 38: MEMORIAL Severino

Sob a mesma perspectiva de inserção da educação no seu contexto

histórico-social e num âmbito mais específico, discuti a questão da formação dos

educadores, em particular dos especialistas em educação, em dois artigos: "Quem

educa o educador?" (Educação & Sociedade (13): 133-136, 1979) e "A formação

do especialista em educação: um debate em perspectiva" (Veredas (102/103):

292-300, 1985). A pós-graduação enquanto referência da formação do educador,

é abordada no trabalho "A pós-graduação em educação: seu compromisso com o

conhecimento e com a prática no formação do professor" (1990). A questão da

formação do educador é retomada ainda no texto "A formação profissional do

educador: pressupostos filosóficos e implicações curriculares" (Revista da ANDE,

(17):29-40, 1991), onde já avanço algumas sugestões em termos de mediações

curriculares no sentido de viabilizar um investimento na formação de nossos

profissionais em coerência com esta visão filosofico-educacional. A condição da

escola enquanto possível lugar de um projeto educacional, a atuação dos

profissionais no seu interior, tem sido objeto de textos decorrentes de debates

junto a especialistas, professores e técnicos da rede de ensino no estado, tais

como "A escola de 1o. grau: organização e funcionamento" (Idéias, (11):61-70,

1991) e "O diretor e o cotidiano da escola" (Idéias. (12):79-89, 1992); “Educação,

produção de conhecimento e função social da escola”(Idéias. (24): 59-66, 1994);

“Da escola como mediação necessária do necessário projeto educacional” (In:

Subsídios para os encontros regionais de educação. São Paulo, Apeoesp, 1996.

p. 23-24); “O projeto político-pedagógico: a saída para a escola”(Revista de

Educação AEC. 27(107):85-91. 1998)

Por outro lado, a questão do ensino superior também tem sido um dos

temas que tem concentrado minha atenção, de dois pontos de vista: um de

natureza política e outro de natureza mais técnica. Abordei explicitamente o

assunto no artigo "O espaço político da educação universitária" (Cadernos

PUC/Educação (3):104-120, 1980). Também nesta linha de discussão do sentido

político da educação, escrevi um capítulo sobre "a política perversa da

privatização do ensino" (In: CEDI, 1990. p. 234-237) bem como um outro sobre a

"escola e a construção da cidadania" (In: Vários, 1992. p. 9-14). Por outro lado,

38

Page 39: MEMORIAL Severino

tive a oportunidade de escrever também o trabalho "Educação: uma proposta para

a Constituinte (Educação Brasileira (14):107-108, 1985) buscando analisar os

rumos que a legislação educacional poderia tomar a partir dos princípios que a

nova Constituição estava por definir. Já em 1992, foi a vez de analisar como

ficavam "o ensino superior e a formação do educador na nova LDB, que

começava a ser discutida no Congresso (Universidade e Sociedade (3): 32-35).

Esta preocupação com o ensino superior, fundamentalmente uma

preocupação política e social, acabou tendo um desdobramento paralelo, não

buscado intencionalmente. Refiro-me a uma preocupação didática em que me vi

envolvido e em função da qual fui levado a publicar textos de orientação de

estudos e a trabalhar com material de apoio didático. Assim, de uma proposta

inicial de orientar meus alunos de graduação para um trabalho didático mais

produtivo, acabei publicando o livro Metodologia do trabalho científico, já em sua

21ª edição (Cortez, 1975/2000) e Métodos de estudo para o 2o. grau (Cortez,

1985 5. ed.). O primeiro manual teve uma repercussão e aceitação nas

instituições de ensino superior, provocando até mesmo uma representação

equivocada de uma suposta especialização minha no assunto. Embora reconheça

a importância desse tipo de apoio didático, dadas as lacunas de formação de

nossos alunos em termos de organização de estudo, estou longe de ver nessas

deficiências os principais problemas da educação brasileira. Tentei explicar esta

minha posição no artigo "A problemática educacional brasileira e questão didática

do ensino superior" (Educação & Sociedade (13): 73-82, 1982) e n o artigo, que

retoma este, na revista Tradução & Comunicação (5): 115-124, 1984), sob o título

"Lugar e importância de uma metodologia de estudo frente aos desafios do ensino

superior brasileiro". Mais recentemente, escrevi pequeno texto sobre “A

importância do ler e do escrever no ensino superior”. In: Castanho, Sérgio e

Castanho, M. Eugênia (orgs). Temas e textos em Metodologia do Ensino

Superior. Campinas, Papirus, 2001. p. 71-79, reiterando a pertinência dessas

preocupações no âmbito do ensino superior, com destaque para a leitura e a

escrita como insubstituíveis mediações de ensinar e do aprender.

Entendo que há uma hierarquia na problemática educacional brasileira,

39

Page 40: MEMORIAL Severino

muito especialmente no ensino superior, e que exige uma atenção diferenciada. O

cerne dessa problemática não se encontra na inadequação dos procedimentos

didáticos. A questão fundamental diz respeito ao próprio sentido da educação

superior na sociedade brasileira, de sua condição de participar ou não do projeto

civilizatório que esta sociedade precisa construir. Até que ponto a educação

universitária está conseguindo envolver as novas gerações no debate e no

compromisso da construção de uma civilização adequada ao homem brasileiro,

onde ele possa se realizar como um ser livre, igual e digno. Além dessa questão

mais antropológica, tarefa que caberia a uma formação filosófica mais rigorosa,

coloca-se ainda a deficiência da formação política da juventude, no que a

Universidade brasileira vem falhando fragorosamente. Finalmente, coloca-se ainda

a questão da competência, da qualidade da formação técnica, científica e

profissional dos jovens.

A discussão desses problemas e a busca de sua superação antecedem a

preocupação com os problemas técnicos do ensino e da aprendizagem. A

propedêutica didática deve ser entendida tão apenas como um instrumental que,

se bem dominado, poderá ser útil para a superaçåo dos referidos problemas sem,

no entanto, dever ocupar o centro das preocupações dos educadores e dos

educandos no espaço/tempo pedagógico da universidade. Aliás, a publicação de

manual análogo para o estudante de 2o. grau, além de responder a constantes

solicitações, teve o objetivo de colaborar para que essa instrumentalização passe

a se realizar desde esse grau de ensino.

Na verdade, à questão técnica precede a questão epistemológica e por isso

a temática da produção do conhecimento, no âmbito da pesquisa, nos diferentes

espaços institucionais, tem sido também objeto priorizado de minhas reflexões,

tanto no plano epistêmico como no plano técnico e institucional. Em 1993, para

discussão em evento científico, escrevi dois textos sobre a pós-graduação: o

primeiro, “O compromisso da pós-graduação em educação com o conhecimento e

com a prática na formação do educador” e o segundo, “Processo e produção do

trabalho científico: falando de teses e dissertações” (ambos em: Bicudo, M.

Aparecida e outros. Pensando a pós-graduação em educação. Piracicaba, Editora

40

Page 41: MEMORIAL Severino

da Unimep, 1993). Seguiram-se “Pesquisa, pós-graduação e universidade”

(Revista da Faculdade Salesiana. Lorena. 24(34): 60-68, 1996); “Produção de

conhecimento, ensino/aprendizagem e educação” (Interface-Comunicação, Saúde,

Educação. Fundação Uni/Botucatu, Unesp. 2(3): 11-20, 1998). De modo geral,

nesses textos, defendo a posição de que o conhecimento é necessariamente um

processo de produção do objeto e isso só pode ocorrer mediante os processos de

pesquisa e que o processo de ensino/aprendizagem, para ser significativo e

eficaz, precisa se dar como processo de construção do conhecimento. Assim, em

todos os níveis de ensino, a atitude investigativa precisa ser implementada e se a

pesquisa já deva assumir extrema relevância nos cursos de gradução, nos cursos

de pós-graduação ela deve ser o processo fundamental.

Questões mais amplas relacionadas à epistemologia, abordando temas

como a interdisciplinaridade, ao estatuto das ciências humanas, às interfaces da

educação com outros campos científicos: “Epistemologia, psicologia e educação”.

(Idéias. São Paulo, FDE. (20):15-21, 1993); “A Fonoaudiologia como ciência:

perspectivas epistemológicas”. (In: PASSOS, M. Consuelo. (org.). Fonoaudiologia:

recriando seus sentidos: interfaces. São Paulo, Plexus Editora, 1996. p. 13-27.

(Série Interfaces)); “O poder da verdade e a verdade do poder” (In: Martinelli, M.

Lúcia e outros (org.) O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber. São

Paulo, Cortez/Educ, 1995. p. 46-54); “Filosofia e ciências humanas no ensino de

2º grau: uma abordagem antropológica da formação dos adolescentes” (In:

Queiroz, José J. Educação hoje: tensões e polaridades. São Paulo, USF, 1997. p.

101-109); “Sobre as aproximações e diferenças entre Didática e Currículo:

primeiro comentário” (In: Oliveira, M. Rita N.S. (org.) Confluências e divergências

entre Didática e Currículo. Campinas, Papirus, 1998. (Série Prática Pedagógica) p.

93-100); “Dilemas e tarefas das ciências humanas frente ao pluralismo

epistemológico contemporâneo”. (Interações. São Paulo. Universidade São

Marcos. 1(1): 97-115. jan./jun 1996); Da possibilidade do estatuto científico da

Didática: um olhar filosófico” (In: Anais do VIII ENDIPE. v. 2. Florianópolis,

NUP/CED/UFSC, 1996. p. 63-71); “A epistemologia contemporânea e a

educação: saber, ensinar e aprender”.(Revista de Educação AEC. 26(102): 18-31,

41

Page 42: MEMORIAL Severino

1997); “Consolidação dos cursos de pós-graduação em educação: condições

epistemológicas, políticas e institucionais. In: ------- & Fazenda, Ivani (orgs.)

Conhecimento, pesquisa e educação. Campinas: Papirus, 2001. p. 51-65; A

pesquisa em educação: a abordagem crítico-dialética e suas implicações na

formação do educador”. Contrapontos. Itajaí. Revista de Educação da Univali. Ano

1. no.1. p. 11-22. Com o mesmo espírito, venho discutindo a questão da

interdisciplinaridade, presente de modo marcante na abordagem epistemológica

da educação: o capítulo escrito sobre "Subsídios para uma reflexão sobre novos

caminhos da interdisciplinaridade" (In: Sá, Serviço Social e interdisciplinaridade.

1989. p. 11-21) tenta explicitar sua exigência. Essa temática da

interdisciplinaridade foi retomada em vários outros trabalhos, capítulos de livros ou

artigos de revista: assim, os capítulos “O uno e o múltiplo: o sentido antropológico

do interdisciplinar”(In: JANTSCH, Ari P. & BIANCHETTI, Lucídio.

Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis, Vozes, 1995. p.

159-175) e “A Psicopedagogia e o espaço transdisciplinar” (In: Noffs, Neide de A.

(org.) A Psicopedagogia em direção ao espaço transdisciplinar. São Paulo, Frôntis

Editorial, 2000. p. 13-22); “O conhecimento pedagógico e a interdisciplinaridade: o

saber como intencionalização da prática”. (In: Fazenda, Ivani. (org.) Didática e

interdisciplinaridade. Campinas, Papirus, 1998. p. (Coleção Praxis). p. 31-44).

Outros textos trazem considerações sobre aspectos éticos e políticos

envolvidos com a educação, discutindo-se o papel da educação na construção da

cidadania. Assim, “Os embates da cidadania:ensaio de uma abordagem filosófica

da LDB”. (In: Brzezinski, Iria (org). LDB interpretada: diversos olhares se

entrecruzam. São Paulo, Cortez, 1997.p.53-64); “Direitos humanos e educação:

legitimidade e legalidade frente à realidade socio-política do campo educacional”.

(Revista da APG. São Paulo, Associação de Pós-Graduandos da Pucsp, 8(16): 9-

18, 1998); “Epistemologia e ética da produção científica na atualidade latino-

americana”. (Filosofia, Sociedade e Educação. Marília. Unesp. 2(2): 87-96. 1998);

“A cidadania como inclusão social: a tarefa da Educação”. (Colloquium. Presidente

Prudente.Unoeste. 2(1):11-18. dez. 1998) e (Revista da APG. São Paulo,

Associação de Pós-Graduandos da Pucsp, 9(21):11-22, maio 2000). “O diálogo

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Page 43: MEMORIAL Severino

como estratégia do reconhecimento: superando a dominação na relação

pedagógica”.( Revista de Educação AEC. 29(114): 85-92. Jan./mar 2000).3.40. A

cidadania como inclusão social: tarefa da educação). “Educação, trabalho e

cidadania: a educação brasileira e o desafio da formação humana no atual cenário

histórico”. São Paulo em Perspectiva. 14(02): 65-71. 2001. “Competência técnica e

sensibilidade ético-política: o desafio da formação dos professores”. Cadernos

FEDEP-SP. Subsídios ao debate do Plano Estadual de Educação. Formação de

Professores. São Paulo. no. 1, fev. 2002. “Educação e universidade:

conhecimento e construção da cidadania”. Interface: comunicação, saúde e

educação. v. 6, no. 10, p. 117-24, fev. 2002.

Ao longo destes 37 anos de atividade educacional no âmbito do ensino

superior, tive a oportunidade de apresentar, nos mais diversos ambientes, essas

minhas idéias, a partir de minhas linhas de pesquisa e docência. Foram 225

exposições, entre palestras, mesas redondas, painéis etc. Os temas abordados

recobrem aqueles que foram objeto de meu estudo e investigação: a filosofia, o

seu ensino e sua prática no Brasil; a filosofia da educação e seu lugar na

formação e na prática dos educadores; a produção do conhecimento, a pesquisa,

a investigação no campo educacional; a ciência e seu lugar na cultura e na

educação; a interdisciplinaridade do saber e do agir; a ética e a política em suas

relações com a educação; a política, o poder e a ideologia; a cidadania e a

democracia; o ensino em seus diversos níveis, a formação dos professores, o

sistema educacional do país, as políticas educacionais, a legislação específica, o

processo didático-pedagógico; a universidade e seus compromissos sociais; a

escola e o projeto pedagógico, entre outros temas mais tópicos, sempre os

abordando, com uma perspectiva de análise e reflexão crítica, em suas

interrelações com o processo educacional e social.

Também procurei colaborar com propostas de intervenção e de

transformação social, a partir da especificidade de meu lugar profissional,

apoiando iniciativas de entidades, associações e grupos, vinculando-me àquelas

que estendiam algumas pontes para uma ação mais direta. Assim, participo da

Anped, da Aelac, da Ande, do Cedes, da ABDR (Associação Brasileira dos

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Page 44: MEMORIAL Severino

Direitos Reprográficos), todas, entidades com fins não apenas científicos mas

também socio-culturais. Na Anped, participei ativamente na implantação do Grupo

de Trabalho de Filosofia da Educação, criado em 1993, do qual já tive um

mandato como coordenador. Participo, com a intensidade possível, da minha

associação sindical, a Adusp, na qual já fui o representante da Faculdade de

Educação (1999-2000).

Procurei dar também minha cota de colaboração às agências públicas de

educação. Por longo período, prestei assessoria à Cenp, depois à FDE, no âmbito

da rede pública estadual de ensino; participei, durante dois mandatos, do Comitê

de Avaliação da Área, junto à Capes, entidade responsavel pela penoso trabalho

de avaliação dos programas de pós-graduação. Tenho dado pareceres, como

consultor ad hoc para a Capes, para o Cnpq e para a Fapesp. Participei de

numerosas comissões especiais e de grupos de trabalhos, internos e externos à

Universidade de São Paulo. Integrei o Comitê de Ética na Pesquisa, da Escola de

Enfermagem da Usp, ao longo de 2000 e 2001.

A perspectiva do futuro imediato, a partir desta nova etapa de transição,

acena na continuidade dessa linha de trabalho. A docência e a pesquisa, com a

busca de maior investimento na produção e na divulgação, mais sistematizadas,

do conhecimento, tentando inclusive delimitar, com maior nitidez e

aprofundamento, as minhas investigações. Meu desejo é de que o tempo de vida

que ainda me resta possa ser integralmente compromissado com o uso do

conhecimento para a construção da cidadania, entendida esta como aquela

qualidade de vida que assegure a todos os seres humanos as condições objetivas

para que eles possam dispor dos bens naturais, dos bens políticos e dos bens

simbólicos de que necessitam para realizar sua existência propriamente humana.

5. OS COMPROMISSOS ATUAIS

A reflexão voltada para a educação brasileira é a preocupação prioritária e

o ponto básico de referência para os esforços atuais do pensar e para a

continuidade do engajamento profissional. E a colocação deste refletir num

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Page 45: MEMORIAL Severino

patamar especificamente filosófico é a perspectiva metodológica de fundo.

Assim, as disciplinas que venho ministrando nos Cursos de Pedagogia, de

Licenciatura e de Pós-Graduação, todas no âmbito da Filosofia da Educação,

situam-se nesta linha. Respondendo principalmente pelos componentes de

Filosofia da Educação, programações do currículo de Pedagogia, e de Introdução

à Educação, na Licenciatura, procuro abordar os aspectos epistêmicos, éticos e

políticos da educação, tentando levar os alunos a perceberem a necessidade da

reflexão sobre a questão dos objetivos de sua futura prática profissional e sobre a

exigência de relacionamento desses objetivos à realidade histórico-social que

constitui o conjunto das mediações existenciais dos homens. Já nos cursos

desenvolvidos na Pós-Graduação, Filosofia da Educação 34 e 39, continuo

trabalhando com "as grandes linhas da epistemologia contemporânea", buscando

dar aos alunos uma visão abrangente dos principais paradigmas epistemológicos

que têm marcado a pesquisa e a reflexão teórica da atualidade, de modo

particular, no âmbito das ciências humanas. O objetivo é situar o aluno no seu

esforço de pesquisa, partindo da premissa de que a construção de seu objeto de

investigação para fins de dissertação e tese envolve sempre uma tomada de

posição quanto à relação sujeito/objeto, visão epistemológica que se diferencia em

função da especificidade de cada paradigma em que as metodologias se

fundamentam.

No concernente à pesquisa, estou iniciando o desenvolvimento de um novo

projeto [A literatura latino-americana de Filosofia da Educação: construção de uma

bibliografia comentada], Trata-se de um projeto vinculado ao Programa de

pesquisa O estatuto da filosofia latino-americana: teorias e temáticas, um dos

programas desenvolvidos no âmbito das atividades do NEFILAM, Núcleo de

Estudos da Filosofia Latino-americana, grupo que integra pesquisadores de várias

Universidades do Estado. Insere-se igualmente na linha de pesquisa “O

pensamento filosófico no Brasil e na América Latina: teoria, história e ensino”, da

Área Temática Filosofia e Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação, desta Faculdade. Visa produzir subsídios para posterior

desenvolvimento de um estudo analítico-interpretativo sobre a presença e a

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configuração da Filosofia da Educação na América Latina. Seus objetivos são os

seguintes: Propõe-se, então, os seguintes objetivos: identificar autores e obras

filosóficas significativas, nos países latino-americanos que tenham tomado como

temática a educação, fazendo dela uma abordagem filosófica; resenhar as obras

identificadas como representativas, na medida em que sejam portadoras de uma

proposta interpretativa da educação, estabelecendo um roteiro para a abordagem

analítico-interpretativa; proceder a uma primeira aproximação das grandes linhas

predominantes nessas obras, com base numa sistematização de suas temáticas

predominantes. A realização deste projeto expressa a decisão de me dedicar, a

partir de agora, ao estudo do pensamento filosófico-educacional na América

Latina,

No âmbito da pós-graduação, minha atuação não tem se limitado aos

cursos e orientações de pesquisas de mestrado e de doutorado. Tenho participado

ativamente das atividades científicas e editoriais do Fórum Paulista de Programas

de Pós-Graduação em Educação, grupo que vem debatendo sistematicamente as

questões e trocando experiências num processo de intercâmbio entre os vários

centros. É no âmbito desse Fórum que participo da organização da série Cidade

Educativa, com dois volumes já lançados. Trata-se de uma série formada por

livros destinados a divulgar trabalhos de pesquisa e de reflexão do campo

educacional, produzidos mediante a relação entre o conhecimento, a educação e

a cidadania, articulação que expressa o compromisso fundamental do Fórum,

instância que se identifica com o Grupo de Trabalho de Pós-Graduação,

integrando o Congresso Paulista de Formação de Educadores e congregando

docentes e discentes dos Programas de Pós-Graduação em Educação, do Estado

de São Paulo.

Além desse envolvimento e em decorrência de minha participação na

Anped, venho implementando um Núcleo local do Grupo de Trabalho de Filosofia

da Educação, aqui na Faculdade de Educação. O Núcleo foi criado com a

finalidade de aglutinar os educadores que trabalham com Filosofia da Educação,

residentes na grande região da cidade de São Paulo. A idéia é de mobilizar os

colegas da área, apoiando-se na articulação do GT / Anped, no sentido de nos

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Page 47: MEMORIAL Severino

manter articulados e vinculados ao trabalho por ele desenvolvido. Busca assim

reunir professores de Filosofia da Educação, alunos dos cursos de pós-graduação

em educação, pesquisadores e estudiosos, em geral, interessados nas questões

filosófico-educacionais, sejam elas relacionadas à identidade da disciplina, a seu

ensino, à pesquisa na área, ao estudo e debate do pensamento de autores

significativos. O Grupo se vê ainda como um forum para troca de informações

sobre projetos de pesquisa, para intercâmbio de experiências didáticas bem como

de outras propostas culturais no campo. Além disso, ele deverá se constituir num

espaço de preparação, de ampliação e de ressonância, em nível local, das

discussões havidas nas Reuniões nacionais anuais.

CONCLUSÃO

Recompor e avaliar a trajetória de uma vida, articulada com aquela do

próprio pensamento, é tarefa muito complicada para qualquer pessoa. Grande é

risco de ocorrência de desvarios da subjetividade! E como prestar o devido

reconhecimento às contribuições que se recebe dos acontecimentos, dos amigos,

dos professores, dos colegas, dos alunos, dos críticos, enfim, dos outros? Tenho

muito vivas as lembranças de toda a luta, às vezes tão dolorosa, de meus pais

para nos criar, a meus 6 irmãos e a mim, com um mínimo de dignidade; de minhas

competentes professoras primárias, lá no Grupo Escolar Coronel Manuel Pinto, de

Carmo do Rio Claro; de brilhantes professores do Ginásio dessa cidade; dos

padres que me educaram nos Seminários Menores de Ribeirão Preto e de

Campinas; dos grandes professores da Universidade Católica de Louvain; de

muitos colegas de todas as Instituições de Ensino Superior, onde tive a felicidade

de trabalhar, de tantos alunos com quem tive a oportunidade de interagir nesses

74 semestres de docência; de tantos amigos, solidários em horas difíceis, de

muitas pessoas que me ajudaram em diversas etapas de minha vida. São muitas

pessoas... Ao concluir esta tentativa de refazer minha caminhada, quero registrar

que tenho muito presente a marca de tantas e valiosas influências recebidas ao

longo desses 60 anos, de todas pessoas cujo convívio tanto me enriqueceu, de

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diferentes maneiras. Certamente, nessa convivência, tive um saldo muito positivo

em meu favor, os momentos de vivência de amizade, de solidariedade, de

caminhada conjunta, superaram de longe os momentos de decepção, de

frustração e de tristezas. Não faria justiça a todas as pessoas com quem me

encontrei ao longo dessa jornada, se tentasse nomeá-las, como gostaria. A todas

sou profundamente grato. Mas, por ter sido mais íntima, intensa e permanente,

quero registrar a contribuição que o diálogo com Francisca, minha mulher,

socióloga exigente e sensível, tem me trazido nesta convivência. Suas idéias

intuitivas, perspicazes e críticas, sempre me revelaram um outro lado dos

problemas e das situações que, o mais das vezes, minha formação iluminista não

me deixava ver... E destacar também a importância que a vivência familiar,

envolvendo também os nossos três filhos, Guilherme, Orestes e Estêvão, teve na

conquista de alguma maturidade existencial, na superação de tantas limitações de

personalidade e de visão de mundo. Um rico aprendizado! E que agora

amadurece ainda mais com a intensa presença de novos interlocutores familiares:

os netos...

Ao terminar este memorial, certamente ainda marcado por muitas lacunas e

insuficiências, consolidado para este concurso de Professor Titular na Faculdade

de Educação da USP, resta-me acrescentar que o faço e o apresento à

comunidade ora representada pela Banca Examinadora com o mesmo espírito

que presidiu minha decisão de me profissionalizar neste campo de trabalho:

testemunhar meu empenho no passado e meu compromisso no futuro com um

projeto educacional integralmente dedicado à causa de uma educação

emancipadora, uma vez que acredito que cabe a nós, sujeitos humanos, a

construção de nossa própria história, para o que a educação é u’a mediação

fundamental.

Certamente, a sociedade, representada pela comunidade acadêmica,

espera de um professor titular a plena maturidade intelectual, que fosse fruto de

toda uma trajetória anterior de qualificação e de produção científicas. Espera que

o candidato se encontrasse agora num momento em que o acúmulo de

experiências e de produções, garantiria liderança, solidez, consistência e

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Page 49: MEMORIAL Severino

fecundidade ao seu trabalho na academia e demais instâncias sócio-educacionais.

O estágio da titularidade, ponto mais elevado da carreira acadêmica, deveria

expressar-se como momento em que toda a produção assume um certo caráter de

testemunho, passando a ser referência para a comunidade da área. Sem dúvida,

nessa fase, talvez seja a liderança a marca maior do perfil do professor titular. Por

isso mesmo, sua esfera de influência deve transcender os limites da academia,

sua presença se fazendo necessária em espaços externos, colocando-se à frente

de outras iniciativas, coordenando grupos e movimentos. Ao encerrar este

Memorial, ouso esperar, de minha parte, que ele tenha conseguido expressar

condições objetivas que fundamentem o meu pleito.

São Paulo, 30 de outubro de 2002.

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Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino

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