Memórias de um tempo

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Poemas e textos narrativos

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Agrupamento de Escolas de Celeirós

Escola EB 2,3 de Celeirós

Avenida Sr. da Paciência

4705 - 448 Celeirós Braga

Tel. 253304270

[email protected]

wwweb23-celeiros.rcts.pt

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Agradecimentos

A concretização deste trabalho deve-se

ao empenho e envolvimento de:

Professores:

Emília Carvalho

Um agradecimento especial à colega Clara Veiga

pela colaboração no arranjo gráfico e informatização

e à colega Sandra Longras pela ilustração.

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É tudo muito simples

Não foi assim há muitos anos,

Nem estive lá a assistir!

Foi tudo história de um livro,

Só p’ra me divertir.

Numa velha biblioteca,

Reinava a maior algazarra

Todos os livros discutiam,

E também a bibliotecária.

Era feia, baixa e gorda,

A Senhora Rabequina

Tinha uma meia de cada cor,

E um chapéu de plasticina.

Andava sempre zangada,

Com todos, de mau humor.

Com aquela cabeleira grisalha,

Parecia feita de palha,

Com ratos até, que horror!

Discutiam, mas porquê?

Querem lá adivinhar?

Por causa de um velho livro,

Que não sabiam onde foi parar!

Era um livro corajoso,

Por isso, se perdeu assim

E sabem onde foi ele parar?

Aqui, a contar histórias p’ra mim!

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Primavera

Abre-te, Primavera, Tenho um poema para ti! Escrevi-o em papel, Feito das tuas árvores! Escrevi-o com lápis, Da cor das tuas flores. Escrevi-o com amor, Vindo do meu coração. Mas, se um dia te fechares, Já não haverá Sol! Já não existirão pássaros… E a tristeza invadirá o mundo Que ficará com um cinzento e imenso lençol. E, se o lençol tiver buracos, As letras de todos os livros, De todos os jornais e revistas, Conseguirão escapar destas garras de tristeza E formarão este lindo poema Que fiz agora, para ti! Com uma pitada de imaginação, Nada mais… Para ti, Primavera, Que és a alegria desta Terra!

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Brincar com o pensamento

De manhã,

pegadas frias na areia,

mar com sal que,

ao bater, entontece as rochas.

O acordar preguiçoso dos bichos que,

por entre brilhantes corais e conchas,

se escondem!

São cenários que “vejo”.

Com o pensamento perdido,

algures na praia,

a dançar com as sereias.

E o barco… lá ao fundo,

flutuando na água azul do mar,

foge para a margem com o aviso.

O aviso do farol,

que, quando se desliga,

apaga o meu pensamento,

que combina vir brincar noutro dia…

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O macaco que engoliu um sapo

Certa vez, num reino muito distante, Um macaco chamado COUCOU, Engoliu uma banana inteirinha E, logo se engasgou! Tossia, tossia, tossia, Sem nunca parar… Chamaram tantos e tantos médicos, Mas nem um o conseguiu curar. Até que chegou certo jovem, Muito sábio e matreiro Que logo disse ao macaco Com ar de muito paleio: - Eu sei qual o melhor remédio, Para a tosse poder curar Mas, p’ra isso lhe dizer, Terá primeiro que me pagar! E o pobre macaquinho, Do mealheiro tirou Uma moeda de 20 tostões, E ao jovem entregou. A cura para a tosse acabar, Dizia o jovem com ar mafioso, É um sapo ter que cozinhar, E comê-lo no Natal, ao almoço! Ao ouvir tais palavras, O macaco começou a fugir Pois era melhor assim ficar, Do que o sapo ter que engolir!

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Uma pincelada de magia

Certa vez, no mundo das árvores e das flores, trabalhava uma

pequena laranja, muito brilhante e decidida. Chamava-se mesmo: Laranja

(ou Laranjita para as amigas).

Vivia numa árvore estranha, que tinha folhas amarelas, de vez em

quando azuis e com algumas bichas-cadelas.

Tinha companhias esquisitas, nas quais a cor mudava na Primavera,

no Outono, no Inverno e no Verão, de madrugada. Algumas eram

vermelhas, vermelho da cor dos morangos; outras amarelas, reluzentes

como o sol. Umas preferiam a cor branca e brincavam com ela, como se

fosse neve; outras “apoderavam-se” do rosa, que cheirava tão bem…! Só a

nossa pequenita escolheu a cor indicada: o laranja, o laranja, … que era da

cor das… laranjas?

Pois então fiquem a saber que, naquele mundo, o laranja não

pertencia às laranjas, pois todas tinham cores diferentes.

Era urgente arranjar algum fruto, planta, árvore… que caracterizasse

o cor-de-laranja, pois se assim não fosse, seguindo a lei número 1 (um) das

cores do planeta, a cor teria de ser expulsa do lugar.

Para que tal tragédia não acontecesse, a Laranjinha e as suas amigas

reuniram-se.

- Temos que fazer algo, meninas! - gritou a pequena Laranja. -

Acham que se admite, nós, laranjas, termos o nome de uma das sete cores

do arco-íris, o cor-de-laranja, e vós não vos interessardes por ela?

- Mas, Laranjinha … Nós gostávamos de ser invulgares e ter cores

diferentes … e…

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- Se queriam ter uma cor diferente, pediam à laranjeira que não vos

criasse e tinham nascido outro fruto! - exclamou a pequena. – Temos que

defender a nossa identidade! Alguém tem alguma ideia?

Ninguém respondeu.

- Pois então eu proponho irmos todas à montanha principal da Ilha

das Cores e reclamarmos a nossa cor verdadeira à rainha Arco-íris - disse

com um ar decidido a Laranjinha.

Fez-se silêncio. Uma vozinha tímida, ao fundo da sala, “levantou-

se”:

- E como é que vamos até lá? Estamos presas à árvore! Se sairmos,

morremos sem alimento e água! Acho que nenhuma de nós, aqui,

sobreviveria sem a nossa amiga FOTOSSÍNTESE.

- Tens razão, Rosita! Tem que haver outra solução - concordou a

mais velha.

De súbito, alguém falou muito decidido e entusiasmado:

- Por que não chamamos o Sol e a Chuva? Faziam a dança das cores

e aparecia um belo e reluzente arco-íris.

- Não estou a perceber a tua ideia, Zita - confessou a Laranja - mas

já não temos outra hipótese… Chamemos, lá, o Sol e a Chuva! Mas só

amanhã, pois estamos todos tão cansados…

- Para a minha ideia se concretizar, é necessário que os chamemos

hoje, para que amanhã algo aconteça! - discordou a Zita, abanando a

árvore toda para que os passarinhos acordassem! Deu a mensagem a um

deles e descansou as amigas:

- Agora durmam, porque amanhã temos que acordar cedo.

A noite passou sem mais problemas e desassossegos.

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De manhã o Sol brilhava, lá no alto, e as laranjas acordaram com o

seu brilho e a sua luz a tocar-lhes na cara.

- Muito bem, Zita! Estamos prontas! - declarou a Laranja.

Então a laranjita Zita assobiou muito alto, para que o Sol e a Chuva a

ouvissem.

De repente, um batalhão de gotas de água rebentou por cima das

suas cabeças. Logo a seguir, um extenso lençol de luz as cobriu. Como por

magia, um lindo arco-íris surgiu, exibindo o seu véu de cores, como uma

tela pintada, com pincéis de luz e fantasia. Então a Zita ordenou com toda

a sua voz:

- Laranja, cobre-nos com a tua cor tão quente!

E o Laranja deslizou, ligeirinho, por aquele enorme escorrega e

deixou-se mergulhar: em cada casca, em cada gomo, em cada gota de

sumo.

Todos em redor olhavam desejosos de, um dia, possuírem tão

célebre dom.

Foi então que outras cores do arco-íris também devolveram a

outros frutos e cores os seus tons reais.

Durante todo o dia, ninguém parou de brincar e, por isso, tudo ficou

salpicado de alegria e cor!

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Sonho?

Pois bem! (Ou posso dizer “pois mal”). As férias de Verão estavam a

ser uma autêntica SECA! Seca para mim e seca para as florestas! Uma

grande camada de incêndios estava a “invadir a paisagem”!

Bom! Como eu estava a dizer, estava a ser uma grande “chatice”.

Não tinha nada que fazer e os meus amigos tinham “embarcado” de férias

para outros sítios do país. Ainda peguei num livro que estava para lá, só

que não me interessou muito. Era esquisito! Principalmente o título:

“Livro sem nome”. Abri-o e estava em branco. Passei mais uma página e…

continuava em branco. Que maçada! Atirei-o para um canto! Estava

aborrecida e o livro ainda vinha gozar com a minha cara!

Apetecia-me fazer alguma coisa de especial! Algo diferente…

Foi então que me lembrei de explorar a cave! Aquela cave já era

bastante velhinha. Tinha teias de aranha “até dar com um pau” (foi o que

o avô me disse!)! Para dizer a verdade, nunca lá tinha entrado! Desci

então as escadas, que já tinham um roncar característico. A porta não

abria. Boa! Era o que me faltava. Lembrei-me de gritar: ”Mãe, a porta da

cave está trancada! Dá-me daí as chaves!” (Juro que quase a estava a

ouvir “Que maneiras são essas de falar com a tua mãe? Se faz favor

também se usa!”). De nada me serviu chamar. Afinal ela não estava em

casa. Já me tinha esquecido!

Muito enervada, dei um encontrão à porta, que fez um barulho…

Até o gato da vizinha miou!... Desisti! Quando a mãe chegar, pergunto-lhe

pelas chaves.

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Fui para o meu quarto. Tropecei num chinelo, o que me pôs ainda

mais irritada! Agora é que não tinha mesmo nadinha para fazer. “P’rá

próxima nem me mexo”.

Encostei-me a um canto, com o pé apoiado na parede.

Pum!!! Ai! Tinha caído em cheio para trás. Bati com a cabeça no

chão! Tentei levantar-me, mas era escusado! Estava demasiado escuro e

via tudo a andar à roda.

Quando recuperei do mal-estar, vi-me num compartimento da casa

onde nunca tinha estado. Se calhar até o conhecia, mas, como estava

escuro como breu, não sabia onde estava. Levantei-me! Ahhh! Acertei em

cheio com a cabeça no tecto. Bolas! Nem era sexta-feira treze! Como é

que me estavam a acontecer tantas desgraças? Boa! Lembrei-me que não

tinha trazido o meu fio da sorte! Seria por isso? Tinha posto o fio em que

tenho o apito, as chaves, a lanterna, … Era isso! Uma lanterna! Era mesmo

disso que estava a precisar. Liguei-a. Uau! Ainda tinha pilha! Alguma sorte

para variar!

Era minúsculo, aquilo ali dentro. Tinha uma espécie de portinhola,

muito pequena, que me dava pela cintura. Tentei abri-la, mas não

consegui. Estava curiosa para saber o que estava do outro lado do “jogo”.

Espreitei pela fechadura… Ui! Dei um pulo para trás! Não era que do outro

lado estava o meu quarto? Fantástico! Mas ao menos sabia onde estava!

Bem… Mais ou menos!

Como a porta estava com “manias chiques” de não querer abrir,

continuei e fui dar a umas escadas verdes! Que esquisito! Logo que pus o

pé no primeiro degrau… PONG, PONG… Os degraus eram feitos de

esponja! Fixe! Adoro pinchar por todo o lado. Parecia que estava nos

insufláveis. Fui até lá baixo aos trambolhões! Aterrei mesmo de pé. Que

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sorte! Havia uma grande porta, toda pintada de cor-de-rosa! Tentei abri-

la. Apesar do azar que estava a ter, até abriu.

Entrei numa sala muito velha, com uma mesa enorme e cadeiras

antigas. O que ali não faltava eram mesmo as teias de aranha. “Lhac!”. E

eu que ODEIO ARANHAS!

Olhei a toda a volta! Cadeiras, mesas, folhas, lápis… Parei! Para

onde estava a olhar… não sei, mas parei! Deparei-me com uma grande

estante de livros, que eram calhamaços autênticos. Olhei especialmente

para um! Talvez sobressaísse mais, não sei! Era enorme e vermelho vivo!

Apetecia-me pegar nele e … lê-lo. SIM! Não resisti. Peguei mesmo, mas,

como era muito pesado, deixei-o cair no chão. Bolas! Que descuidada! De

repente…

- Trim! Trim! Oito horas! Trim! Trim! Oito horas!...

A minha mãe entrava pelo meu quarto e abria todas as janelas!

Aquele Sol a bater-me na cara… Que coisa! Faz sempre isto. Todas as

manhãs! Lembrei-me e saiu-me:

- Mãe, as chaves da nossa cave?

- Cave? Qual cave? Filha, vivemos num apartamento. Não temos

cave nenhuma!

“Mas como?” - pensei para mim.

Olhei em meu redor. Estava em casa. No meu quarto! O quarto de

sempre! Estaria a sonhar? Teria sonhado com tudo aquilo?

- Mãe, esqueça! Foi tudo um sonho…

- Que sonho?! Já não estou a perceber nada.

- O sonho de uma rapariga que não tinha nada que fazer! - e ri-me

baixinho.

- Hum? - interrogou-se a minha mãe, enquanto saía do quarto.

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Eu ainda estava a matutar naquilo tudo. Teria sido um sonho?

Levantei-me, de rompante, ainda perturbada.

Reparei num pequeno livro, que quase ia calcando. O título era:

“Livro sem nome: A história de uma rapariga que não tinha nada que

fazer”.

Disse de mim para mim:

- Terá sido mesmo um sonho ou será que…

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Um pijama por um vestido

Em tempos muito antigos, num palácio muito fino e requintado,

vivia uma bela princesa que governava o seu reino.

Tinha cabelos de oiro fino e os seus olhos eram brilhantes e limpos

como a água cristalina, de um regato que por ali perto passava. Vestia

longos vestidos de seda, das mais variadas cores que se podia imaginar. A

única coisa que a diferenciava das outras princesas era que os vestidos

que usava eram diferentes, consoante o seu estado de humor. Para isso,

usava uma pequena folhinha onde estava escrito o significado de TODAS

as cores existentes no Reino:

Acontece que, certo dia, de

manhã, ao procurar o vestido

Amarelo (pois estava muito contente),

não o encontrou dentro do guarda-

- vestidos.

Porém, lembrou-se que o usara

no dia anterior e que devia estar na

Lavandaria Real, um pouco longe do

palácio.

Ficou muito triste, porque

naquele dia estava alegre e não

queria quebrar a sua regra. Decidiu

então fechar-se no seu quarto e não

vestir qualquer vestido, ou seja, ficou de camisa de dormir o dia inteiro.

- Mademoiselle, não “querreis virr almoçarre”? -perguntou um dos

criados, entrando no quarto.

Branco - Tranquila

Preto – Aterrorizada

Vermelho – Apaixonada

Laranja - Excitada

Amarelo - Alegre

Verde - Esperançosa

Azul - Determinada

Roxo - Impaciente

Rosa - Doce

Cinzento - Triste

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- Hum… não, não … muito obrigada, mas não.estou com vontade

nenhuma.

- De “cerrteza”, menina? - insistiu o criado.

- Não, a sério! Só estou um bocado “chateada” e… não tenho muito

apetite. Mas, obrigada na mesma.

Passaram uma, duas, três, quatro… horas.

Já era tarde. A dama passeava pelo quarto, ainda zangada e

impaciente. Foi então que reparou numa manga de seda amarela que saía

por fora do móvel, parecendo observar todos os movimentos dentro do

quarto. Da sua boca saiu um “Oh!” de espanto. Correu até lá. Abriu a

gavetinha de madeira e deparou-se com o seu vestido amarelo que,

naquele dia, lhe fizera tanta falta. Esteve calada durante um tempo, mas

logo desatou a rir de alegria por o ter novamente de volta. Vestiu-o, pois

estava mesmo contente!

O criado, com aquela risota toda, veio ver o que se passava e ficou

admirado com a alegria da dama, visto que tinha estado amuada o dia

inteiro.

No dia seguinte, saiu uma nova lei que foi anunciada logo pela

manhã:

- A partir de hoje, será adicionada à lista dos vestidos da Princesa a

seguinte regra: “sempre que estiver amuada ou zangada, deve andar de

camisa de dormir o dia inteiro!”

E assim foi! Como esta regra foi bem aceite e com muita piada, as

pessoas do povo passaram a andar de pijama sempre que iam trabalhar,

para mostrarem que estavam descontentes com os seus salários e

condições de vida.

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Um dia, algumas crianças quiseram mostrar-se muito espertinhas e

também foram assim para a escola. Levaram foi umas boas reguadas da

professora, que não gostou lá muito da brincadeira. Aprenderam a lição e

nunca mais foram de pijama para as aulas.

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O Mi…

- Menino, pare já IMEDIATAMENTE! Comece tudo de novo! Será

que nessa parte não consegue acertar uma Única NOTA!? – repetiu a

Dona Elisa, já enfurecida.

Era sábado de manhã e o pior de tudo é que tinha de a ouvir sempre

a repisar a mesma coisa, como um CD riscado. O que é que ela queria? Já

sabe que ODEIO estudar.

Bem, desculpem! Ainda não me apresentei: sou o Miguel (mas

todos me tratam por “Guel”), tenho 13 anos e toco violino. Sou alto, tenho

cabelos ruivos e olhos azuis (mas há quem diga que também são verdes) e

a coisa que mais detesto é ESTUDAR (depois das aulas da Dona Elisa,

claro! Ela é a minha professora de violino. Toca muito bem, é a sua única

virtude, mas é má como as cobras!!!).

Voltando ao assunto…

Já estava a tocar aquela parte da peça pela décima vez, para aí. Que

maçada!

Doíam-me as mãos e estava cheio de sono. As notas parecia que

dançavam nas linhas da pauta e faziam-me caretas, como se quisessem

que eu não as tocasse.

Não sei mas, naquela manhã, não estava com pachorra para aturar

NINGUÉM! Nem mesmo o Piloto, o meu cão.

Ao olhar para a pauta, reparei que uma das notas tinha um ar um

pouco triste e abatido. Era o Mi. Estava tão triste que quase caía por cima

do Ré! Não liguei! Afinal quem estava ainda mais aborrecido era eu!

Estava eu a sonhar, quando oiço outro berro de Dona Elisa:

- Já lhe disse para tocar, não ouviu?!

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- Não consigo! - disse-lhe sinceramente.

- Como é que não consegue? Vou exemplificar!

E lá tocou, mas eis que chegou àquela parte e faltou uma nota, o

que provocou um som muito estranho e desafinado.

Dona Elisa ficou visivelmente atrapalhada, pediu desculpas e

recomeçou. Aquela nota não lhe saía! Começava a ficar preocupada!

Tocou uma, duas, três vezes… Não havia maneira de acertar!

Já com as mãos doridas de tanto tocar, parou finalmente, sem dizer

uma única palavra. Só depois disse timidamente:

- Arruma o teu violino e as pautas. A aula acabou!…

Olhei para o relógio e ainda faltavam 20 minutos para a aula

terminar! Uau! Estaria a sonhar? Nem na escola podíamos sair mais cedo,

quanto mais com a Dona Elisa!

Arrumei tudo muito apressadamente e saí aos pulos. Estava

contente. Mesmo CONTENTE!

A Ana (a minha irmã) estava cá fora, à minha espera!

- Já saíste da aula? Mas ainda é cedo, Miguel - disse muito

espantada.

Teria ouvido bem? A Ana a tratar-me por MIGUEL? Estou parvo!

Costuma tratar-me sempre por “Guel”! Não é ela que diz que Miguel é

para os professores e para o pai e a mãe?

Fiquei estacado, a olhar para ela.

- O que tens miúdo? Paralisaste? - perguntou, dando-me uma

palmadinha nas costas.

- Nada, nada, Ana.

Fui para casa e, por mais estranho que fosse, apetecia-me estudar

aquela peça, que nunca conseguira tocar.

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Tirei as pautas e pousei-as com o violino. Para dizer a verdade, nem

sabia bem como começar, porque nunca tinha estudado antes. A sério!

Pois tocar cinco minutos antes da aula não se pode considerar ESTUDO!

Então comecei a tocar. Afinal não era assim tão mau! O pior é que o

som que saía do MEU violino era igualzinho a uma cana rachada! Até

metia dó a quem me ouvisse!

Então cheguei àquela parte e também a nota não me saía…

Estranho!… Olhei furiosamente para a pauta e eis que… a nota Mi?

Onde estava ela? Dei um pulo sem querer acreditar. Uma nota que tinha

saído da pauta? Isso é de loucos!

Olhei mais uma vez e belisquei-me. Talvez estivesse a sonhar, não?

Então dei uma olhadela pelo chão. Talvez tivesse caído. Procurei no

saco do violino. Mas, o que estava eu a fazer?! À procura de uma nota

perdida? Que parvoíce! Devia estar mesmo a SONHAR!

Atirei as pautas para a cadeira e fui para o parque jogar à bola com

os meus amigos.

-Então, Miguel, sempre vieste? - perguntou-me o João.

- Miguel? Por que é que hoje toda a gente me trata por Miguel?

- Não sei, por acaso, saiu-me! Desculpa…

Depois de suar até mais não, voltei para casa. A minha mãe já

estava a preparar o jantar.

Fui para o meu quarto e peguei novamente no violino e nas pautas.

Estava mesmo decidido a conseguir tocar o MI.

Olhei para o espaço vazio na pauta e vi o Ré, muito só, ao lado. Foi

então que me ouvi a perguntar-lhe:

- Sabes do MI?

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Mas que pergunta parva! Eu a fazer uma pergunta a uma nota?! O

mais espantoso é que me respondeu:

- O MI fugiu para dentro de ti!

- … Ah?! - interroguei-me confuso.

- O Mi fugiu para o teu nome. Por que é que achas que hoje te

chamam Miguel? E por que é que tu e a tua professora não o conseguiram

tocar? Ele estava triste por tu não estudares e por nunca acertares na nota

dele! Começa a estudar e quando a primeira pessoa te chamar ”Guel”, é

porque tens o Mi de volta! - disse o Ré.

Senti-me imensamente feliz. Agradeci ao Ré e comecei a estudar,

estudar, estudar…

Passou uma semana e lá estava eu de volta à aula “chata” da Dona

Elisa. Ela tinha um aspecto muito melhor! Começou por pegar nas pautas

e tocar a peça.

Eu estava um pouco nervoso, mas ouvi sem interromper. Chegou

àquela parte e … maravilhosamente ouvi o Mi! Dei um pulo e disse muito

alto:

- O “Guel” está de volta!...

Dona Elisa ficou espantada e chamou-me pela primeira vez:

- Menino “Guel”! Então isso são maneiras?

Ri-me muito, até não parar mais e, por incrível que pareça, Dona

Elisa também!

Inês Pereira