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1 MEMÓRIAS DO CATIVEIRO NOS CANTOS DO CONGADO: A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA FÍLMICA 1 Samuel Pereira Avelar Júnior (Curso de História - UFSJ) Prof.ª Dr. ª Silvia Maria Jardim Brügger(orientadora DECIS-UFSJ) RESUMO O Presente trabalho analisa a memória da escravidão difundida pelas canções de Congadeiros da região das de Minas Gerais, a partir da construção de um arquivo audiovisual relacionado ao tema. Através de músicas e das falas dos sujeitos ligados à cultura do Congado, foram realizados dois curtas e um longa-metragem. Neste artigo são feitas seleções de trechos destas produções, a fim de problematizar as músicas de Congado e as memórias sobre o tempo da escravidão apresentadas por diversos sujeitos que exibiram seus relatos orais diante das câmeras. Buscou-se evidenciar as potencialidades de se trabalhar com a metodologia da história oral com a utilização de gravações audiovisuais, procurando realizar críticas a fim de problematizar este novo método de pesquisa histórica 2 . INTRODUÇÃO Este trabalho tem por objeto as memórias referentes ao cativeiro por parte dos congadeiros. Estas análises são formuladas através da problematização das músicas de Congado da região das Vertentes 3 de Minas Gerais e também dos relatos orais de sujeitos pertencentes à cultura Congadeira; análises estas que buscam privilegiar o olhar das camadas populares. Entendemos que a partir da década de 1980, houve uma grande revisão da historiografia e, consequentemente, das análises que abordam a temática da escravidão. Estudos tendo por referências os teóricos da história cultural, como Ginzburg e Thompson, foram intensamente utilizados pela 1 Gostaria de agradecer a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e ao Programa Nacional de Cooperação Acadêmica - PROCAD o apoio para pesquisa que resultou neste artigo. 2 Agradeço aos entrevistados e Congadeiros que cederam seu tempo e conhecimento para a realização da pesquisa. 3 É formada pela união de 36 municípios agrupados em três microrregiões: Lavras, Barbacena e São João del Rei.

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MEMÓRIAS DO CATIVEIRO NOS CANTOS DO CONGADO:

A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA FÍLMICA1

Samuel Pereira Avelar Júnior (Curso de História - UFSJ)

Prof.ª Dr. ª Silvia Maria Jardim Brügger(orientadora – DECIS-UFSJ)

RESUMO

O Presente trabalho analisa a memória da escravidão difundida pelas canções de Congadeiros da

região das de Minas Gerais, a partir da construção de um arquivo audiovisual relacionado ao tema.

Através de músicas e das falas dos sujeitos ligados à cultura do Congado, foram realizados dois curtas

e um longa-metragem. Neste artigo são feitas seleções de trechos destas produções, a fim de

problematizar as músicas de Congado e as memórias sobre o tempo da escravidão apresentadas por

diversos sujeitos que exibiram seus relatos orais diante das câmeras. Buscou-se evidenciar as

potencialidades de se trabalhar com a metodologia da história oral com a utilização de gravações

audiovisuais, procurando realizar críticas a fim de problematizar este novo método de pesquisa

histórica2.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objeto as memórias referentes ao cativeiro por parte dos congadeiros.

Estas análises são formuladas através da problematização das músicas de Congado da região das

Vertentes3 de Minas Gerais e também dos relatos orais de sujeitos pertencentes à cultura Congadeira;

análises estas que buscam privilegiar o olhar das camadas populares.

Entendemos que a partir da década de 1980, houve uma grande revisão da historiografia e,

consequentemente, das análises que abordam a temática da escravidão. Estudos tendo por referências

os teóricos da história cultural, como Ginzburg e Thompson, foram intensamente utilizados pela

1Gostaria de agradecer a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e ao Programa Nacional de

Cooperação Acadêmica - PROCAD o apoio para pesquisa que resultou neste artigo. 2Agradeço aos entrevistados e Congadeiros que cederam seu tempo e conhecimento para a realização da pesquisa. 3 É formada pela união de 36 municípios agrupados em três microrregiões: Lavras, Barbacena e São João del Rei.

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historiografia brasileira produzindo diversos temas e novos conceitos teóricos que visam inserir novos

agentes históricos e buscar novas perspectivas de análise social e cultural no país4. Diferentes estudos

têm apontado novos aspectos das relações entre liberdade e escravidão nas últimas décadas do século

XIX: “as visões escravas da escravidão e da liberdade, em confronto com as visões senhoriais e de

outros grupos sociais, têm sido objeto de investigação e têm propiciado diferentes questionamentos

sobre as interpretações e explicações históricas tradicionalmente aceitas a respeito do tema”, como

atesta Silvia Lara5.

Estes estudos são importantes pela proposta de analisar temas historiográficos sob diferentes

olhares e atentos as ações de pessoas que também vivenciaram a experiência histórica, mas que por

uma parte da historiografia não tiveram essas ações analisadas. É necessária a crítica destes estudos,

para que sejam produzidas novas noções de entendimento e para que não ocorram interpretações

homogêneas de memórias relativas a uma determinada temática. É o caso das memórias que reforçam

a incapacidade dos escravos de realizar ações autônomas e de produzir valores e normas próprias que

orientassem sua conduta social, como critica o historiador Sidney Chalhoub6. A crítica a esta

determinada visão historiográfica se dá na ausência analítica do caráter de ação dos escravos e ex-

cativos, dos indígenas e de outros grupos, assim também como a crítica das produções que realizam

uniformizações de memórias referentes à escravidão no Brasil.

Entendemos que os trabalhos acadêmicos que utilizam das metodologias da história oral têm

a possibilidade de produzir conhecimentos que busquem realizar também oposições e críticas às

memórias uniformizadoras que estão inseridas em determinado grau na memória coletiva nacional.

Seguindo as ideias estabelecidas por Pollack7, nota-se que as lembranças dos Congadeiros,

transmitidas e recriadas de uma geração a outra oralmente, possuem um caráter de resistência dos

descendentes de escravos. Existem ações de lutas e de estratégias para que a sua cultura e o seu

conhecimento de saberes em relação à experiência do cativeiro continuem se propagando por

inúmeras gerações familiares. Em uma espécie de memória subterrânea, são transmitidas

4VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História Ensaios de Teoria e Metodologia. Campus. 2011. P.117-151 5LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto História. Revista do Programa de Estudos

Pós-Graduados de História. ISSN 2176-2767 16 (1998). 6 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. Editora Companhia das Letras, 2011. 7POLLACK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio; Estudos Históricos, vol2.n.3,1989.P.3-15.

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cuidadosamente, por vias orais e musicais, variadas lembranças das redes familiares e de amizades

dos sujeitos congadeiros.

Ao propormos trabalhar com a análise das cantigas de congado e com a metodologia da

história oral, procuramos buscar as falas desses sujeitos e construirmos, assim, o início de um acervo

sobre a memória da escravidão e da abolição8. Entendemos que nas últimas décadas as fontes relativas

à escravidão no Brasil foram intensamente exploradas pela historiografia brasileira. No entanto, a

abordagem da oralidade é uma interessante metodologia que possibilita compreender como as

memórias são recriadas, de modos diferentes, ao longo do tempo por variados indivíduos e grupos

sociais

Partimos do princípio de que a imigração forçada de africanos escravizados para o Brasil se

estabeleceu pelo seguimento do tráfico negreiro. As memórias com referências ao continente africano

e com a experiência do cativeiro possibilitou que os sujeitos pertencentes à cultura do Congado,

elaborassem diferentes noções de identidades “negras” pelos indivíduos em seus diferentes contextos

históricos. Desse modo, esses depoimentos nos permitem uma abordagem rara sobre as disputas

simbólicas em torno das questões raciais no Brasil, de suas relações de definição de identidades

sociais e, sobretudo, com a memória do cativeiro9.

Alguns estudos no Brasil que utilizam a metodologia da História Oral possuem a característica

de revelar micros contextos históricos e uma gama de situações específicas. No país, a História Oral

se tornou uma alternativa por ter um potencial crítico que dá voz a grupos outrora silenciados10. A

América Latina é marcada pela violência, pela pobreza, pela marginalização, pelas ditaduras e pela

repressão, portanto, acreditamos que seja uma responsabilidade, como historiadores latino-

americanos, a construção da história vista sobre diferentes ângulos, a história que foi oculta e

silenciada11.

Ao realizarmos as gravações dos depoimentos dos Congadeiros na região das Vertentes, não

apenas as fizemos por meio de gravadores de áudio. Gravamos, também, os relatos orais com câmeras

8 A pesquisa desenvolve atividades com a História Oral, contendo o testemunho dos congadeiros em gravações audiovisuais

realizadas para produções de documentário da pesquisa: Memórias do Cativeiro, orientado pela Professora Sílvia Brugger, tendo

como alunos que contribuem na pesquisa, Samuel Avelar e Simone de Assis(Curso de História da UFSJ). 9 MATTOS, Hebe. Os combates da memória: escravidão e liberdade nos arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros;

Revista Tempo, vol 3.n.6, 1998.P 119- 138 10MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Desafios da história oral latino-americana: o caso do Brasil. História oral: desafios para o século

XXI [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 204p (2000). 11 AMADO, Janaína. Nós e o espelho. História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz (2000): 105-112.

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e gravadores12, sempre com preocupações estéticas e tendo como principal referência para nossos

trabalhos, os filmes historiográficos da coleção "Passados e Presentes", produzidos pelo LABHOI da

UFF13. Dentre estes filmes, o que mais nos influenciou diretamente no projeto foi o "Jongos, Calangos

e Folias", pelo seu caráter histórico e musical, mas principalmente pela característica de utilizar o

audiovisual como meio de uma nova pesquisa com múltiplos fins14.

Ao realizarmos as gravações audiovisuais dos indivíduos que assim nos forneceram suas

visões e histórias, tivemos cuidado com o ato de analisar o papel da memória desses sujeitos e também

os aspectos culturais que os envolvem. A memória é um dos elementos para a construção da

identidade, individual ou coletiva; as histórias de vida, baseadas na memória individual e lastreada

em uma construção social e coletiva, permitem o estabelecimento dos traços de historicidade

presentes nas falas desses sujeitos e nas construções audiovisuais15. Essa memória individual está

ligada aos aspectos culturais que envolvem os personagens selecionados para os filmes, logo, é

importante refletir sobre os processos complexos da cultura que se estabelecem. Nas culturas

populares, na qual o congado se encontra, existe uma arena dinâmica de elementos conflituosos

localizados dentro de específicas relações de poder, de exploração e resistência à exploração16.

É neste sentido que a nossa pesquisa se direcionou para a memória coletiva e individual dos

entrevistados, atentos às perspectivas das negociações culturais e relações sociais expostas diante das

câmeras, iremos analisar alguns trechos destes “escritos” audiovisuais, dentre eles, temos dois curtas

(Festa do Divino - 09:29 e Visita à cidade de Piedade do Rio Grande - MG - 15: 16) e um longa

metragem (En Cantos do Congado- 54:23:00). Todavia, antes de realizarmos as análises de nossas

produções audiovisuais, fazem-se necessárias algumas considerações sobre o desenvolvimento de

alguns trabalhos anteriores a estes que foram fundamentais para os resultados obtidos. É também

necessária a realização de abordagens sobre o Congado e o desenvolvimento do olhar historiográfico

relativo às produções audiovisuais de estilo documentário.

12Ao todo foram feitas mais de 25 entrevistas gravadas no projeto, incluindo congadeiros, professores de história e alunos do curso

de história da UFSJ. 13 Foram criados ao todo 4 filmes historiográficos que formam a caixa de DVDs "Passados e Presentes". As principais articuladoras

deste projeto são Hebe Mattos e Martha Abreu, professoras titulares do departamento de História da UFF e Isabel Castro, do

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ. 14MATTOS, Hebe; ABREU, Martha; CASTRO, Isabel." Da História Oral ao Filme de Pesquisa: o audiovisual como ferramenta do

Historiador". Revista Manguinhos, 2016. No prelo 15MAUAD, Ana Maria.; DUMAS, Fernando; SERRANO, Ana Paula da Rocha. Video-História e Historia Oral: experiências e

reflexões. História Oral: Teoria educação e sociedade. 2006 P. 33-57. 16ABREU, Martha. Cultura popular: um conceito e várias histórias. Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de

Janeiro: Casa da Palavra (2003): 83-102.

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TRABALHO E EXPERIÊNCIA

Anteriormente a estes trabalhos audiovisuais relativos ao Congado, foram desenvolvidas

atividades importantes vinculadas ao programa PROCAD17 que contribuíram para a estruturação dos

filmes e da pesquisa. No ano de 2014, foram feitas gravações de vídeos nos arredores da cidade de

Carrancas- MG, dirigidas pelo professor titular do curso de história da UFSJ, Marcos Ferreira de

Andrade. Ao todo, realizamos nesse contato dez entrevistas com moradores da região, na qual o

projeto tinha como objetivo a valorização da diversidade cultural e social e a pluralidade das

dinâmicas sociais através das memórias destes sujeitos. No decorrer do ano de 2015 foram feitas as

decoupagens18 destas entrevistas, baseadas nos trabalhos do Labhoi da UFF, realizando assim, uma

estruturação de um arquivo audiovisual pelo curso de história da UFSJ.

Outros trabalhos importantes para esta pesquisa se deram através das matérias do curso de

história ministradas pelas professoras Cássia Palha e Sílvia Brugger. Nas matérias de "Ensino de

História e Produção de Documentário" e "História e Documentário" foram trabalhados as teorias da

linguagem audiovisual documentária, o olhar do historiador relacionado à produção audiovisual e a

realização de produções audiovisual historiográficas19 orientados pela Professora Cássia Palha. Entre

as matérias desenvolvidas pela Professora Sílvia Brugger, a que se destaca para esta pesquisa, é a

matéria "Escravidão e Cultura Negra no Brasil" vinculada e desenvolvida em conjunto com a matéria

de "História e Documentário". Estas experiências acadêmicas são fundamentais para todo o projeto

da pesquisa, principalmente na formulação e montagem dos filmes desenvolvidos, sendo base teórica

e metodológica de grande parte dos projetos.

Foi realizado no decorrer do ano de 2015 uma espécie de banco de dados com músicas

registradas em CD´s, sítios eletrônicos e gravações audiovisuais da equipe de pesquisa, relativos às

músicas de congados em Minas Gerais. Ao todo foram analisadas 8220 músicas que nos deram um

17Programa Nacional de Cooperação Acadêmica. O Programa Nacional de Cooperação Acadêmica tem por objetivo apoiar projetos

conjuntos de pesquisa utilizando-se de recursos humanos e de infraestrutura disponíveis em diferentes IES, estimulando a cooperação

entre Programas de Pós-Graduação. 18Trabalho de decoupagem foi feito conjuntamente com o bolsista André de Sá do curso de História da UFSJ. 19 Produção do filme "Tiradentes sob óticas", produzido por Joarez Torres, Rafael Sabino e Samuel Avelar. Curta metragem sobre o

processo de gentrificação ocorrido na cidade de Tiradentes-MG < https://www.youtube.com/watch?v=26v-Jl7aXos> 20 Os registros são gravações realizadas para a produção de documentário da pesquisa: Memórias do Cativeiro nos cantos de congado,

orientado pela Professora Sílvia Brugger, tendo como alunos que contribuem na pesquisa, Samuel Avelar e Simone de Assis(Curso de

História da UFSJ). Por ora encontram-se no Laboratório de Imagem e do Som- LIS História-UFSJ, como parte do acervo sobre as

memórias da escravidão em Minas Gerais.

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melhor entendimento sobre as temáticas abordadas pelas músicas de congado, sendo uma experiência

fundamental para que entendêssemos como elas poderiam contribuir para as análises históricas sobre

a escravidão e sobre a cultura negra no país21. Por último, é importante ressaltarmos o contato

realizado com os pesquisadores deste projeto e com o departamento de História da UFF em Niterói-

RJ. Em abril de 2016, foi realizada uma visita de campo, na qual os pesquisadores tiveram um maior

contato com as pesquisas desenvolvidas sobre o Congado em Minas Gerais22 pela pós-graduação da

UFF, com pesquisadores que desenvolvem projetos na área de cultura negra no Brasil e articulam

estes conhecimentos com a produção audiovisual historiográfica.

O CONGADO

Em 2002, Marina de Mello e Souza publica um estudo sobre a história da festa da coroação

de rei do Congo no Brasil23. Nele, a autora faz uma interpretação da presença no Brasil, do século

XVII ao XIX, da prática de comunidades negras escolherem um rei e outras figuras principais, que

estavam à frente da realização de uma festa anual, na qual saíam às ruas festejando-os.

Marina de Mello e Souza parte do entendimento de que as festas que envolviam os reinados

negros seriam uma espécie de simulacro das formas de organização social, cultural e política que

existiam na África, porém, com elementos europeus inseridos na realidade africana, em muitos casos,

antes mesmo da chegada a terras brasileiras como cativo. Nestes momentos, africanos e seus

descendentes, realizavam a festa anual que homenageava o santo de devoção do grupo. O rei desfilava

em cortejo pela cidade, seguido de sua corte, de seus músicos, de seus dançadores, que podiam

apresentar encenações24. Este santo católico de devoção homenageado representava o orago25 e, para

estes africanos, esta prática cultural e religiosa era uma possibilidade de manifestar as suas referências

religiosas em solo brasileiro, expressando práticas de devoção católica, interpretada e vivida à luz de

seus respectivos universos culturais.

A autora parte da análise de que os africanos escravizados no Brasil, ao terem que

obrigatoriamente assimilar as devoções católicas impostas pelo colonizador cristão, tiveram que

21ASSIS, Simone. Memórias do Cativeiro nos Cantos do Congado: Cultura e Pertencimento. 2016. No Prelo. Relatório de iniciação

científica – PIBIC-FAPEMIG/UFSJ. 22 Visita a Biblioteca Nacional do Brasil; Museu Histórico Nacional; Departamento de Pós-Graduação de História da UFF; Defesa de

Doutorado de Lívia Nascimento sobre o congado na cidade de Piedade do Rio Grande; Pequena África região da Gamboa RJ; Museu

do Amanhã. 23 SOUZA, Marina de Mello. Reis do Congo no Brasil, séculos XVIII e XIX. Revista de História 152 (2005): 79-98. 24 Ibidem, p. 12. 25 Segundo o costume católico, Patrono, orago ou padroeiro é um santo ou anjo a quem é dedicada uma localidade, povoado ou

templo (capela, igreja etc). A palavra orago é derivada de oráculo.

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produzir traduções religiosas. Estes escravos atribuíam diferentes significados aos santos católicos e

dar sentido aos elementos da cultura europeia incorporadas nas lógicas das comunidades

afrodescendentes, esta análise evidencia o que autora define como “Catolicismo Negro”26.

Devemos ter o cuidado ao lidarmos com a história da África, de não reproduzir uma

simplificação do que seria esse continente. É necessário compreender que as culturas africanas são

amplas e diversificadas, pois no extenso continente africano existia uma pluralidade de manifestações

e princípios culturais diversificados entre si. Logo, os elementos referentes à cultura, política e

sociedade recriados na realidade brasileira são reelaborados e apropriados de maneiras distintas, pois

sabe-se que para Brasil vieram como escravos milhares de africanos de diferentes nações. Os

encontros de africanos de vinte ou mais sociedades diferentes uns com os outros e com seus

dominadores europeus não podem ser interpretados em termos de dois "corpos" diferentes de crenças

e valores, sendo cada um deles coerente, funcional e intacto27.

Assim, multidões heterogêneas de escravos se encontravam em solo brasileiro. Este conjunto

de pessoas, apesar de possuir alguns núcleos de valores comuns e sujeitos que possuíam uma origem

também comum, no começo da escravidão não formavam uma comunidade – o que compartilhavam

de início era apenas o fato de serem escravos. As culturas afro-americanas foram sendo construída

aos poucos, sendo moldada e transformada constantemente, na qual intensos processos de mudanças

culturais eram realizados dia a dia28. Esses novos grupos que se estabeleciam no Brasil foram, aos

poucos, definindo as suas maneiras de expressarem seus sentimentos e cultura. O Congado é uma

interessante forma de pensarmos sobre estas novas culturas que se desenvolviam no Brasil. Tendo

como referência a diversificada África, as festas destinadas a coroação de reis negros é uma expressão

cultural negra que se estabeleceu por diversos estados do Brasil e, por inúmeras gerações, tiveram

essas expressões reelaboradas, negociadas e rearticuladas.

Foi no interior das irmandades católicas que parte destas expressões culturais puderam ser

desenvolvidas e negociadas. Questões relativas à identidade e à diversidade étnicas e a alianças

interétnicas foram constantes na vida dos irmãos negros, como o foram os enfrentamentos e as

negociações com os brancos. Estas instituições dedicadas à devoção de santos católicos funcionavam

26SOUZA, Marina de Mello. Catolicismo negro no Brasil: Santos e Minkisi, uma reflexão sobre miscigenação cultural. Revista Afro-

Ásia 28 (2002): 125-146. 27MINTZ, Sidney Wilfred; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica. Pallas

Editora, 2003. 28 Ibidem, p. 27

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como sociedades de ajuda mútua. Seus associados contribuíam com objetos de valor monetário e

taxas anuais, recebendo em troca assistência quando doentes, quando presos, quando famintos ou

quando mortos29.

As irmandades negras possuem uma variedade de santos de devoção, como Nossa Senhora do

Rosário, Santo Elesbão, São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio e outras. Porém, o culto em que

há mais devotos dos negros no Brasil e mais recorrente nas Irmandades compostas pelos escravos é

o de Nossa Senhora do Rosário. As irmandades e as festas estavam vinculadas à perspectiva católica,

como a devoção aos santos católicos e o cumprimento das leis da igreja. Para além de ser um espaço

no qual laços entre os irmãos negros eram criados, nas irmandades era constituído um local de

vivência religiosa, cujas tradições africanas e portuguesas eram constantemente relidas e

reinterpretadas30.

Estas instituições católicas também se desenvolveram na região de São João del Rei. Sílvia

Brugger e Anderson de Oliveira, através de registros paroquiais de óbito e da documentação da

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de São João del Rei, analisam a dinâmica do tráfico atlântico

de cativos e os processos de constituição de identidades étnicas na região, na virada do século XVII

para o XIX31. Os historiadores utilizam como fonte de pesquisa, um livro de certidões do começo do

século XIX que traz à tona a existência de uma congregação de caráter étnico instituída por escravos

e forros procedentes da região de Benguela, na África Ocidental, na Vila de São João del Rei.

Os Benguelas reforçam o que vem sendo afirmado pela historiografia brasileira quanto às

irmandades terem sido espaços privilegiados para a afirmação de identidades coletivas,

principalmente para africanos e seus descendentes. É interessante para as análises deste trabalho, a

relação entre a religiosidade dos africanos de origem Benguela e suas relações com a igreja católica32.

Os africanos da ”Nobre Nação Benguela” promoviam missas católicas, nas quais, uma das

preocupações era o destino dos mortos deste grupo. Os autores realizam a interpretação de que o culto

aos mortos traduzia uma leitura do catolicismo a partir da importância que o culto aos ancestrais tinha

nas sociedades africanas, principalmente na África Centro-ocidental. Este estudo realizado na região

das Vertentes, na qual nossas atuais investigações etnográficas foram realizadas, é importante para

29 REIS, João José. Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão. Revista Tempo 2.3 (1996). 30MONTEIRO, Lívia Nascimento. Escravidão e Liberdade nas Festas do Rosário. 6º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil

Meredional. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. 2013. 31BRUGGER, Silvia; OLIVEIRA Anderson. Os Benguelas de São João del Rei: tráfico atlântico, religiosidade e identidades étnicas

(Séculos XVIII e XIX). Revista Tempo 13.26 (2009). 32 Ibidem, p. 31.

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que possamos compreender as origens políticas e culturais dos congados na região. Pois, foi na

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de São João del Rei que as primeiras manifestações da

cultura do congado se estabelecem na Vila, sendo marcadas desde o início pelo catolicismo e pela

busca de referências das culturas africanas.

Vale lembrar que os africanos no Brasil tiveram que conviver com um regime escravocrata,

onde o trabalho forçado não se fundamentou somente na base do castigo e de punições. Antes mesmo

que o primeiro escravo desembarcado no país se rebelasse, os senhores e autoridades coloniais já

sabiam ser necessário controlar seu corpo e seu espírito33. Assim, uma espécie de controle era

necessária, pois havia resistências dos escravos ao fato de serem cativos. Adaptações e revoltas foram

modos de lidar com esse controle exercido sobre eles, sendo duas formas de resistência das culturas

africanas no Brasil.

As festas de comemorações de reis negros na realidade escravista brasileira eram pólos

aglutinadores de comunidades que construíam novas identidades a partir de seus legados africanos,

estas práticas culturais ajudaram na construção de identidades elaboradas e reproduzidas por meio

dos reinados negros realizados nas irmandades34. A irmandade representava um espaço de relativa

autonomia negra, uma espécie de família-ritual, em que africanos desenraizados de suas terras viviam

e morriam solidariamente. Idealizadas pelos brancos como um mecanismo de domesticação do

espírito africano, através da africanização da religião dos senhores, vieram a construir um instrumento

de identidade e solidariedade coletivas35.

As manifestações do congado na região das Vertentes são realizadas ainda hoje de maneira

intensa e dinâmica, porém, é lógico, que estas manifestações foram transformadas e rearticuladas de

variadas formas ao longo da história. Vários são os indivíduos que promovem as festas de reis negros,

organizam e lideram ternos; realizam encontros e disseminam os valores da cultura negra nos

arredores da cidade. Em São João del-Rei, todo ano no bairro Matosinhos é promovida a Festa do

Divino, na qual se tem como momento de máxima expressão da cultura do Congado, o Dia Maior36.

HISTÓRIA E PRODUÇÂO AUDIOVISUAL

33 REIS, João José. Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão. Revista Tempo 2.3 (1996). 34SOUZA, Marina de Mello. Reis do Congo no Brasil, séculos XVIII e XIX. Revista de História 152 (2005): 79-98. 35 Ibidem 34. 36 Dia Maior, Domingo de Pentecostes. Dia de Festa religiosa no bairro do Matosinhos de São João Del Rei. O dia tem como

programação missas e cortejos desde as seis da manhã até nove da noite; todo o dia é embalado pela presença de inúmeros ternos de

Congado da região das Vertentes, do Sul de Minas e Centro-Oeste.

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A historiografia contemporânea realiza análises com novos objetos, fontes e com novas

formas narrativas de conhecimento histórico. Dentre eles, se destacam as pesquisas com músicas e

filmes de diversos estilos. Essa busca teve início a partir da década de 1960, quando estudos sobre a

cultura popular começaram a ser disseminadas pelo mundo ocidental, tendo diversos textos que

buscavam abordagens que não deixassem de fora a história cultural das pessoas comuns e as suas

culturas. Essas buscas também revelam uma crítica à história política e econômica que até então era

hegemônica nos estudos relativos à história37. Nesta mesma década ocorre nos Estados Unidos uma

intensa luta pelos direitos civis das populações de origem negra e a criação de currículos de Estudos

Afro- Americanos e Negros nas universidades do país, uma espécie de explosão de interesse geral

pela História Negra38.

Nossas propostas teóricas e práticas estão vinculadas nesses desenvolvimentos intelectuais e

sociais que atingiram também uma parte da sociedade brasileira. Temos o objetivo de procurar

valorizar as análises historiográficas a respeito da cultura popular e as ações ativas de pessoas que

vivenciam ou vivenciaram a experiência relativa à memória do cativeiro, problematizando

criticamente estes elementos com o objetivo de produzir trabalhos éticos e significativos

academicamente. É neste sentido que pensamos a produção de nossos filmes históricos, utilizando de

novos meios instrumentais para uma ampliação do entendimento sobre as memórias de sujeitos

comuns e de suas culturas. Entretanto, é importante entendermos como se dão as construções

audiovisuais. São necessários um entendimento e um aprimoramento destas novas ferramentas para

o enriquecimento da produção de uma narrativa fílmica historiográfica.

O estilo documentário se diferencia da ficção principalmente por estabelecer proposições

assertivas sobre o mundo e de realizar uma espécie de indexação pragmática. O documentário realiza

asserções, pois transmite saberes nas formas de afirmações sobre o universo a que se designa e

também efetua indexações; ou seja, indexações no sentido de que o espectador ao assistir um

documentário historiográfico pode ter um saber prévio sobre a temática abordada pela produção

audiovisual. Assim, geram-se reações críticas e interpretativas a partir do saber que foi posto em

debate no filme.

37BURKER, Peter. O que é história cultural?. Zahar, 2005.

38DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Revista Tempo 12.23 (2007): 100-122.

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Entendemos que filme documentário é um modo de transmissão de entendimentos sobre a

sociedade e o mundo, com características assertivas e um produtor de indexações39; este modo de

transmissão se dá de forma que produtores de documentário, ao formularem os temas e os fatos em

diálogo com as opiniões de personagens e com determinados contextos históricos e sociais, ao

produzir um filme documentário sob uma determinada lógica, reformula e produz novos

conhecimentos. Estes saberes são recebidos e também reformulados por quem assiste. Em constantes

processos os saberes se comunicam e se propagam por diferentes formas e formatos. O documentário

tem a potencialidade, portanto, de ser uma fonte de análise histórica ou também uma interessante

ferramenta de produção de conhecimentos.

Concordamos com o pensamento de Fernão Ramos no sentido de entendermos o

documentário marcado pela singularidade de manifestar uma intenção social, que está indexada à

obra. Logo, o documentário possui características próprias desta forma narrativa: a possibilidade da

presença de locução over, de entrevistas ou depoimentos e as formas de intensidade da dimensão da

tomada40 são marcas deste campo estilístico.

A diferenciação entre ficção e documentário se constitui, de maneira genérica, em relação

àquilo que se filma ser de natureza espontânea ou simulada das situações capturadas pela câmera.

Existem diferentes maneiras de se estabelecer uma tipologia dos documentários: pelo tom geral da

narrativa (épico, trágico, cômico, satírico, suspense, etc.) ou, pelo modo de relacionar com as imagens

retratadas na tela (expositivo, observacional, interativo, reflexivo, etc). De qualquer forma, o que é

importante para o nosso trabalho é que qualquer audiovisual produzido contém exposições de

argumentos. Assim, a "verdade" deve ser relativizada41; pois, ao montar um filme, existe um processo

de edição e de organização na qual a manutenção das imagens, trilhas sonoras, textos e outros são

construídos para alcançar um determinado sentido.

É importante compreendermos a existência de diferentes padrões de documentários.

Documentários marcados pela presença da voz off ou “voz de Deus”, possuem a característica da

qual os registros se dão de forma factuais e assim, as interpretações do filme são direcionadas de

acordo com o desejo dos próprios produtores. Na forma documentária interativa, o cineasta possui o

39RAMOS, Fernão Pessoa; CATANIC, Afrânio. O que é documentário. Estudos de cinema SOCINE (2000), Porto Alegre, Editora

Sulina, 2001, pp192/207. 40 Ibidem, p 39. 41HAGEMAYER, Rafael. A História nos meios audiovisuais: entre a veracidade do registro e o poder evocativo das simulações.

Coleção História e Reflexões UDESC. Autêntica Editora LTDA , 2012: p.107 -151.

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papel de agenciador oculto das imagens sonoras e visuais, tendo a possibilidade de se exibir como

um ser humano implicado no que esta sendo proposto a análise documental. Através de entrevistas

das quais o cineasta deixa claro sua participação e mediação, o documentário pode ir além do registro

factual, desenvolver a busca das memórias dos personagens e de suas expectativas futuras, além de

ter a possibilidade de abrir-se à fantasia42.

A construção de um documentário é complexa e demanda diversas práticas que se assemelham

a de uma construção textual. Para a realização de um filme, é necessário que seja feito uma sequência

de fragmentos de diversos textos, como manifestos, pinturas, fotografias, filmagens. Essas imagens

articuladas de forma fílmica realizam exposições de ideias e conceitos através da apresentação-

narração e do processo de edição, conferindo sentido e coerência43. É neste sentido que pensamos a

produção historiográfica audiovisual: através de novos métodos e práticas, acreditamos que o

historiador possa realizar uma espécie de artigo historiográfico a partir da realização de um filme,

podendo assim, transmitir conhecimentos e informações que por outros meios não poderiam ser

expressos ou o seriam de forma distinta.

Para os trabalhos desenvolvidos com a História Oral, a abordagem audiovisual acaba sendo

uma aliada que contribui de maneira interessante para os estudos relativos à história. Do ponto de

vista narrativo, a memória transmitida de geração a geração possui elementos que somente a câmera

poderia captar. Interpretações e formas de contar histórias coletivas que não seriam possíveis de ser

registradas com a simples transcrição das falas44. Ao realizarmos a construção de nosso filme,

notamos que dois dos nossos personagens (Prego45 e Belinha46), de maneiras semelhantes e utilizando

de gestos comuns, contam o mesmo "causo".

Esses relatos são referentes às práticas de alguns capitães de congadas que manipulavam o

controle de marimbondos, lançando ou se protegendo de feitiços47. O Capitão Prego comenta que

escutou relatos de seu pai e avô de que em determinada apresentação, o grupo fora atingido por um

42 DA-RIN, Silvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário. Verdade e Imaginação. Azougue, 2004.p.149-167. 43Ibidem, p. 41. 44 Ibidem p, 15. 45 Entrevista concedida em 04/11/2015 de Claudinei Matias do Nascimento (Prego), Capitão do Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia de Tiradentes-MG. Entrevista disponibilizada para Joarez Torres, Samuel Avelar. Silvia Burgger e Simone de Assis. 46 Entrevista concedida em 17/05/2016 de Maria Isabel da Anunciação (Belinha), Bandeireira do Congado Moçambique Catopé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito – São João Del Rei. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar e Simone de Assis.

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enxame de marimbondos – ataque possivelmente feito por demandas lançadas por outro terno de

congada. Porém, o ataque fora controlado pelo avô de Prego que teve habilidade de fazer com que os

marimbondos se direcionassem para a caixa de tambor e assim ficassem presos. Prego explica: “meu

avô pediu para eles repicar a caixa de tambor, os marimbondos vieram e ficaram todinhos nas caixas”.

A depoente Belinha, que possui a idade próxima de 80 anos, também relata sobre as demandas

envolvendo ataques de marimbondos vista por ela própria em sua infância, ao contrário de Prego que

escutou as histórias de seus familiares. Ela comenta que alguns grupos de congados, ao se

apresentarem, acabavam lançando demandas um para o outro, no entanto, faz muito tempo que já não

se vê mais esta prática de feitiço. Belinha relata: “Antigamente a gente via eles atravessarem nuvem

de marimbondo e caia em outras guardas de Congada, mas eu era criança, hoje a gente não vê isso

mais não”48.

Essas falas revelam a existência de uma interessante coincidência narrativa que, captada por

câmeras, possibilita a visualização do modo com que os personagens expressam os assuntos, além

dos gestos e feições destes e de todo o contexto do cenário das entrevistas, na qual o espaço, os objetos

e as imagens presentes se comunicam com o que é expresso. Esta característica nos fornece uma

maior amplitude do significado desses “causos” relatados pelos entrevistados e nos ajuda a pensar

nos elementos inovadores que a produção audiovisual historiográfica nos fornece. Decidimos em

nosso documentário, “En Cantos do Congado”, colocar estes dois relatos em sequência e assim,

adentrar ainda mais no que estava sendo discutido no filme a respeito de feitiçarias realizadas por

grupos de congados. A coincidência narrativa encontrada é posta em diálogo com o tema, as fontes

imagéticas e musicais, com o objetivo de amplificar os entendimentos perceptivos dos conhecimentos

anexados ao filme e promover a problematização do porquê estas falas possuem semelhanças e

diferenças.

Entendemos que um dos principais atos de transmissão cultural se encontra na linguagem,

logo, a expressão oral tem uma dimensão privilegiada nos trabalhos audiovisuais historiográficos.

Mas a linguagem não se limita apenas nas expressões orais, ela também é transmitida por aspectos

imagéticos (linguagens corporais e iconográficas). Estes elementos carregados de expressões são para

esses trabalhos vídeo-históricos, interessantes aliados para uma abordagem que privilegia a

intertextualidade. Faz-se necessário nestes estilos de trabalho, promover a interação entre os textos,

48 Ibiden 46.

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na busca de um diálogo que realiza a organização dos signos e obtém a transmissão de mensagens49.

Um conjunto de diferentes textos simbólicos, carregados de saberes e ações de grupos e de indivíduos

foram analisados no decorrer desta pesquisa, assim, as abordagens analíticas não foram realizadas

apenas pelas falas orais dos sujeitos e nas suas expressões. As músicas, fotos, bandeiras de ternos,

roupas, apetrechos e textos acadêmicos formaram um conjunto de signos na qual foram realizadas

investigações constantes para o desenvolvimento da organização e construção de nossas narrativas.

Foi necessária a realização de diversas análises sobre todas as entrevistas feitas pelo projeto,

debates entre os participantes da pesquisa, decoupagens dos vídeos, leituras de textos e de filmes.

Todas essas etapas foram de grande importância para que pudéssemos desenvolver nossas mensagens

e intenções como historiadores, as quais acreditamos serem importantes para uma melhor

compreensão sobre a cultura negra apresentada nas ruas de diversas cidades de Minas Gerais.

FILMES PRODUZIDOS E A MEMÓRIA DA ESCRAVIDÃO

Foram produzidos no total desta pesquisa cinco documentários, sendo quatro curtas metragens

e um longa50. Todos esses vídeos estão vinculados como tema do Congado, buscando compreender

os sujeitos que participam desta cultura, as referências ao cativeiro, os elementos religiosos e culturais

presentes, as suas músicas, roupas, instrumentos, posicionamentos e identidades. Tendo como

instrumentos apenas uma câmera, um microfone e o conhecimento que adquirimos no decorrer da

pesquisa e no curso de História, saímos à procura de inúmeras pessoas que nos deram a oportunidade

de contar suas histórias e trajetórias de vida.

Realizamos ao todo mais de 25 entrevistas com congadeiros, professores de história e alunos

que tiveram a oportunidade de ter um contato maior com o Congado no curso de graduação. Assim,

os três filmes possuem abordagens sobre as festas de reis do Congo, porém, cada um deles realizado

com objetivos distintos e com resultados diferenciados entre si. Em uma espécie de trabalho

49Ibidem p. 41. 50 Os filmes produzidos em ordem respectiva foram: 1. “Festa do Divino” (Curta-Metragem 00:09:30); 2. Visita à cidade de Piedade do Rio Grande - MG" (Curta Metragem 00:15: 16); "(En) Cantos do Congado" (Longa Metragem 00:54:23); 4. “Semana de História UFSJ 2016: Congada de Piedade do Rio Grande e a Escrita Videográfica na História” (Curta-Metragem 00:09:51); 5. “Visita de cidade do Rio de Janeiro – RJ – PROCAD História UFSJ E Pós-Graduação UFF” (Curta-Metragem 00:16:22). Neste trabalho serão analisados os filmes 1, 2 e 3.

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experimental, o grupo de pesquisa foi aos poucos encontrando as pessoas e aprendendo a cada

filmagem diversas experiências e conhecimentos sobre o Congado.

O primeiro filme foi produzido e finalizado em 201551, tendo como principal característica

uma espécie de primeiro contato com o Congado em São João del-Rei. Com o intuito de realizar uma

pesquisa de campo, fomos às ruas do bairro Matosinhos, na Festa do Divino e assim, nos deparamos

com uma enorme festa que ocorria desde o começo da manhã até o fim da noite. Este momento foi

um "choque" cultural que os pesquisadores tiveram com o Congado da região, fazendo filmagens de

modo frenético e buscando informações sobre os grupos de Congado que participavam da festa.

Nesse dia, realizamos diversas imagens e registros musicais de ternos de Ibituruna - MG,

Passa Tempo - MG, São Gonçalo do Amarante - MG e de São João del-Rei - MG. Essa experiência

foi muito valiosa no sentido de deixar mais clara a diversidade de grupos existentes e a variedade de

estilos musicais presentes no Congado. E o mais importante, nos deu noção da força cultural da festa

do Reino do Congo na região, além de perceber a vontade dos Congadeiros de falar sobre a sua

história e cultura.

Assim, o documentário "Festa do Divino" (09'20'') foi uma seleção de imagens de diversos

ternos da região das Vertentes, Centro Oeste e do Sul de Minas, com o relato oral do Segundo e

Terceiro Capitão do terno de Congado "Os Virgilhos" (Matheus Ferreira e Cristiane Santo)52. Nesse

filme podemos compreender o quanto a História Oral pode contribuir para a pesquisa histórica, da

cultura católica brasileira com referenciais africanos, recriada nos grupos de Congada, as devoções

às entidades e a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito; o orgulho que os congadeiros têm de fazer

parte desses grupos, os temas musicais mais explorados e o quanto a pesquisa seria valiosa para uma

melhor compreensão da história da população negra em Minas Gerais. O relato musical e oral do

segundo capitão do Congado "Os Virgilhos" (Matheus Ferreira) nos apresenta a ideia inicial do que

seria o congado nos tempos de hoje, o quanto ele é amplo e significativo para a cultura brasileira e o

quanto a memória da escravidão está presente para estas populações.

"Quando eu era pequenino/um dia papai me falou/ quando veio a liberdade e o cativeiro

tombou/ Despedindo da senzala/preto velho tudo chorou, chorou, chorou./Despedindo da

senzala, os preto velho tudo chorou’ (parte cantada e lamentada). Então ela[a música] conta

51 . “Festa do Divino” (Curta-Metragem 00:09:30) 52 Entrevista Concedida em 24/05/15. Com Matheus Antônio Ferreira e Cristiane Aparecida Santos, respectivamente o segundo e terceiro capitão do Terno Os Virgilhos de Bom Sucesso – MG. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar e Simone de Assis.

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a libertação dos escravos, quando saíram da senzala, do cativeiro. Que na nossa interpretação,

a Princesa Isabel saiu de senzala em senzala, ao redor delas e libertando os escravos. Porque

ela não só assinou uma carta, mas teve a pretensão de ir nas senzalas para libertar os escravos,

então os escravos na emoção de saber da liberdade choraram demais. Então, a gente pega a

história deles e transforma elas em música, em cantos, que a gente chama de Jomba, para

expor à sociedade como era a escravidão".53

Entendemos que os pontos cantados de Congada são formas de contar a história da escravidão

e do pós-abolição. Nesta cantiga e nas falas entoadas pelo capitão Matheus Ferreira podemos realizar

análises que dialogam com o que até agora tentamos construir: a experiência do cativeiro na ótica dos

sujeitos que possuem entendimentos e interpretações relativos a escravidão e ao pós abolição no

Brasil. Nota-se, pelo lamento cantado, a emoção do escravo ao adquiri a liberdade. Este sentimento

pela conquista da liberdade se dá através da difusão de conhecimentos entre familiares, pois é o pai

que conta como foi a liberdade para o seu ‘pequenino’ filho. A emoção embala toda a cantiga, os

Pretos Velhos ao se despedirem das senzalas e chorarem, fornece a nós as dimensões do quanto foi

importante e significativa toda uma luta pela conquista da liberdade e da nova perspectiva do início

de novos tempos para essas pessoas ligadas a estas memórias.

É interessante para a nossa análise a explicação da cantiga feita pelo capitão de congado. Ao

mencionar o papel exercido pela Princesa Isabel ele vai além de dar credito a ela pela liberdade

concedida aos escravos. Matheus explica que a Princesa foi de senzala em senzala para conceder

pessoalmente a liberdade aos escravos. Este depoimento deve ser problematizado para que

historicamente possa ser analisado o quanto à imagem da autoridade monárquica foi importante

naquele período e também no pós-abolição, na qual houve intensas disputas políticas e simbólicas

entre os defensores da monarquia e da república. Portanto, a canção e depoimento registrado acionam

memórias relativas à escravidão e ao pós-abolição, os aspectos religiosos afro-brasileiros

relacionados com a memória do cativeiro na figura dos “Pretos Velhos”, a importância dada a

Princesa Isabel, as ações dos sujeitos ao fazerem das músicas traços de memórias, além dos aspectos

musicais afro-brasileiros e de todo contexto de imagens interligadas ao registro, passíveis também de

análise. Todo este conjunto de elementos contribuiu para um esboço inicial da pesquisa, a montagem

53 Ibidem p;50.

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do primeiro filme produzido foi o resultado deste primeiro contato, logo, as análises são incipientes,

mas se tornaram um registro importante desta primeira etapa.

O segundo filme feito pela pesquisa se deu mais propriamente na área da educação. Tendo o

roteiro feito pela orientadora Sílvia Brugger, entrevistamos cinco alunos do curso de Licenciatura em

História da UFSJ, buscando opiniões e visões destes alunos sobre o contato com o Congado de

Piedade do Rio Grande - MG. Em maio de 2014, foi feita uma visita de campo na cidade pelos os

alunos que cursavam a matéria "Escravidão e Cultura Negra", ministrada por Sílvia Brugger. Este

contato foi possível, devido ao fato de ser realizado uma pesquisa de doutorado sobre Congado de

Piedade do Rio Grande, pela então doutoranda em História da UFF, Lívia Nascimento, tendo como

orientadora a Professora Martha Abreu. A visita se deu a partir do contato da professora Silvia com

a pesquisadora Lívia, que acompanhou e orientou o grupo, durante a festa do Rosário daquele ano,

na cidade.

O filme "Visita à cidade de Piedade do Rio Grande - MG" (15' 16'') retrata esses olhares dos

estudantes de história sobre a festa do Congado. Neste filme é interessante perceber as mudanças e

quebras de preconceitos de alguns alunos com o Congado, o quanto a abordagem do congado pode

ser interessante nos trabalhos em salas de aula, a surpresa pelo primeiro contato com a festa e a

ampliação de seus conhecimentos sobre o que é o Congado e sobre a cultura negra em Minas Gerais.

Além disso, a realização de um contato direto com estas manifestações culturais demonstra outras

formas eficazes de aprendizado histórico, para além das leituras textuais. Ainda nesta produção, uma

fala que se destaca é do aluno João Paulo Freitas, que faz uma análise da visita:

"E também fica naquela expectativa de como levaremos isso para a sala de aula, é subjetivo,

mas também é algo que a gente tem que pensar em passar para os nossos futuros alunos e

para as próximas gerações. Geralmente o Congado é visto como um enfeite, como algo

puramente folclórico, que não tem uma visão, que não tem uma essência e esse é nosso maior

desafio para a sala de aula, como a gente vai levar o Congado, mas não como algo decorativo,

não como algo folclórico desta cultura negra. Mas algo assim que tem uma essência e que

mexe com a subjetividade das pessoas".54

A fala do graduando em História, João Paulo, é interessante pelo fato de colocar o

conhecimento relativo ao congado como algo subjetivo e marcado pela característica de poder acionar

54 Entrevista concedida em 18/04/2016. Com João Paulo de Freitas, aluno do curso de história da UFSJ. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar, Silvia Brugger e Simone de Assis.

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interpretações e saberes para os alunos que estudam a história da Brasil. Para o estudante em história,

é necessário que sejam utilizadas nas aulas de história as manifestações da cultura brasileira, mas de

forma problematizadora e não apenas como algo folclórico daquela cultura. A partir da Congada é

possível então realizarmos construções de conhecimento interligado aos diferentes contextos

históricos. Este relato foi importante para os desdobramentos futuros desta atividade, contribuindo

para a montagem do filme no sentido de pensarmos nossa produção como o registro de uma

experiência pedagógica e de que modo esta experiência marca a formação dos alunos da graduação

em História. Na fala da também graduanda em história, Sônia Maria Diniz, aluna de idade próxima

aos 45 anos, de origem mineira e de religião evangélica e que tinha referências do congado como algo

negativo, é possível ter a dimensão da marca desta experiência pedagógica.

“Eu senti e estava junto com meus amigos, eu vi que todo mundo se sentiu emocionado,

porque é algo assim, que às vezes a gente não valoriza por não ter o devido conhecimento e

aqui no curso de história, é tanta coisa que eu não sabia, que eu não tinha um conhecimento

em relação à cultura negra que me tirou assim muitos, eu posso citar isso, preconceitos que

eu tinha. Eu achava assim...eu não tinha conhecimento, então eu achava que certas coisas não

eram muito corretas, muito certo, e a medida que eu fui fazendo o curso, que eu fui

conhecendo...quebrando esses paradigmas, essas coisas que até então eu julgava não tão

importantes, passei a enxergar de uma forma tão diferente que hoje em dia isto me agrada,

eu acho bonito”55.

O último filme feito pelo projeto é denominado "(En) Cantos do Congado", um longa, tendo

direção e roteiro feito pelos bolsistas Samuel Avelar e Simone de Assis e orientado pelas professoras

Sílvia Brugger e Cássia Palha. Este filme é o resultado da pesquisa realizada desde o início de 2015

"Memória da Escravidão nos Cantos de Congado", coordenada pela Profa. Silvia Brügger e

apresentado para as matérias de "Cultura Negra e Escravidão" e "História e Documentário". O

documentário aborda de forma ampla a manifestação cultural do Congado da região das Vertentes,

através das músicas e dos relatos orais de congadeiros, historiadores e pesquisadores.

Neste filme, é possível identificar o quanto a memória acerca da escravidão está presente nas

músicas de Congado, tendo diversas delas que lamentam o período do cativeiro. É nítida para estes

indivíduos a importância de retratar as violências que os seus antepassados sofreram no período,

demonstrando que as marcas da escravidão ainda estão presentes no cotidiano da população negra

55 Entrevista concedida em 18/04/2016. Com Sônia Maria Diniz, aluna do curso de história da UFSJ. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar, Silvia Brugger e Simone de Assis

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brasileira. Maria Auxiliadora56 ao cantar uma música de congado referente ao tempo do cativeiro

apresenta um entendimento deste sentimento relativo ao tempo da escravidão e a devoção a Nossa

Senhora do Rosário. No filme, a partir dos 00:15:30, foi feita uma montagem na qual o canto da

congadeira se dava de maneira sobreposta a canção apresentada pelo grupo de Congado Escrava

Anastácia e Nossa Senhora do Rosário de Tiradentes –MG. Ao mesmo tempo em que Maria cantava

a canção sobre o tempo no cativeiro, é sobreposta a mesma canção entoada pelo grupo de congado

de Tiradentes- MG. O que demonstra o quanto a música é reconhecida e intensamente apresentada

por grupos de congado da região das Vertentes57.

"No tempo da escravidão ai/ Quando o senhor me batia/ Gritava por Nossa Senhora/ Quando

a chibata doía/ Um dia o negro sonhou ioiô/ Sonhou com a Nossa Senhora/ Ela me dava uma

rosa/ Cheirava negro de Senzala [música] - Cheirava Negro de Senzala, quer dizer... tanto os

negros apanhava né, sofria tanto né...ela cheirava, tinha esse cheiro, do sofrimento [fala]".58

Ao perguntarmos para o entrevistado José Roberto, pertencente ao grupo de Congado do Rio

das Mortes, sobre a temática da escravidão, ele faz uma comparação entre música e lamento nos

fornecendo as transformações que vão ocorrendo no campo da cultura e da linguagem, mas também as

permanências que, no caso, seria o ato de lamentar o período da escravidão.

"É lamento, mas a gente fala música que é mais fácil de entender. Porque se você falar

lamento... Porque na época não era música, eles não tinha o que cantar, vai cantar sofrimento?

Então era lamento. De lamento veio modificando a linguagem, aí é as mudanças que vão

tendo. Mas o certo mesmo é os lamentos, lamentos dos negros...porque era muito sofrido

(...)".59

56 Entrevista concedida em 17/05/2016 por Maria Auxiliadora Mártir, Capitã do Congado Moçambique Catopé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito – São João Del Rei. Entrevista disponibilizada a Samuel Avelar e Simone de Assis. 57 A música “Tempo do Cativeiro” também foi catalogada pela pesquisa em outras Guardas de Congado de Minas e em terreiros de Umbanda, evidenciando o quanto esta cantiga é conhecida e disseminada em diversos grupos de congado e em diferentes espaços culturais. 58Entrevista concedida em 14/06/2016. Com Maria Auxiliadora Mártir, Capitã da Congada Moçambique Catopé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de São João Del Rei. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar e Simone de Assis. 59 Entrevista concedida em 23/05/2016 de José Roberto da Silva, Percussionista do Congado de Santo Antônio do Rio das Mortes -MG. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar e Simone de Assis, orientada pela Professor Sílvia Brugger.

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No filme, este discurso foi interligado com a fala de André Mendes, mestre em música pela

UFMG na área da etnomusicologia. Ao perguntarmos também ao entrevistado sobre a música

congadeira, este faz um depoimento que se aproxima com a com a fala de José Roberto a respeito da

característica de lamentos nas cantigas, além disso, André Mendes faz uma comparação da música

congadeira com a do blues americano, como sendo duas formas musicais de lamento da escravidão.

Porém, a pergunta feita fez com que o entrevistado acionasse outros conhecimentos a respeito dos

grupos de congado e da questão da felicidade e tristeza transmitidas pelos grupos, tentando articular

diferenças de valoração das práticas e gestos na cultura ocidental e no universo africano.

“Muitas vezes, é a questão de cultura ocidental e não ocidentais. Muitas vezes a gente vê o

congado e associa a alegria, pelo fato deles estarem tocando instrumentos de percussão,

pulando, cantando...Porque a gente em nossa cultura hegemônica ocidental associa blocos de

pessoas cantando à alegria de carnaval. O africano lamenta dançando e cantando, o africano

ele reza dançando e cantando. Ás vezes é um desencontro de culturas a gente pensar pelo fato

deles estarem naquela situação que eles estão alegres, muitas vezes eles estão mesmo, mas

muitas vezes não”60.

Esta fala de André Mendes relativa aos sentimentos de alegria e tristeza em relação à

expressão cultural de grupos congadeiros é sobreposta a diversas imagens selecionadas pela produção

do filme. Dentre essas imagens selecionadas encontram-se uma pintura produzida em 1835 pelo

pintor Jean Baptiste Debret, intitulada como “Cortejo Fúnebre do Filho de um Rei Negro”61. Nessa

pintura é reproduzido um velório de um Africano no Brasil, a imagem é marcada por indivíduos de

origem africana tocando tambores, dançando e de certa forma festejando. Logo após, inserimos

imagens do Congado de Santa Efigênia de São João Del Rei, nas quais os congadeiros se encontram

extasiados e empolgados, cantam, pulam, e tocam seus tambores, alguns estão sorrindo, já outros tem

a feição marcada pela seriedade.

Estes trechos do filme produzido pela equipe são exemplos do quanto a construção da

narrativa fílmica historiográfica possui elementos interessantes para o conhecimento histórico; nota-

60 Entrevista concedida em 03/06/2016 de André Mendes, mestre em música pela UFMG na área de etnomusicologia. Entrevista disponibilizada para Samuel Avelar e Simone de Assis, orientada pela Professora Sílvia Brugger. 61 SILVA, Luiz Geraldo. Tópicos Especiais em História do Brasil (HH077). Universidade Federal do Paraná – Setor de

Ciências Humanas, Letras e Artes – Departamento de História. Descrição da imagem “Jean Baptiste Debret. Cortejo fúnebre do filho de um rei negro, c. 1835. ” Disponível em https://docs.ufpr.br/~lgeraldo/upoimagens3.html

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se que articulamos os depoimentos do congadeiro José Roberto com as falas do professor de música

André Mendes, além de interligarmos estes depoimentos com outras imagens, tendo como intenção

a busca do enriquecimento compreensivo destes relatos. Ou seja, a fala dos entrevistados é articulada

com o tema abordado, buscando as interpretações de cada sujeito sobre um determinado aspecto

histórico. Estes relatos são interligados com outras fontes imagéticas que possuem relação com o que

está sendo expresso. A possibilidade de utilizar este recurso como construção de uma pesquisa

historiográfica é rica, visto que as falas das diferentes pessoas, pinturas e vídeos são interligadas de

forma lógica e intencional. Por fim, associamos todo este trecho complexo do filme à outra fonte de

conhecimento histórico para finalizar a discussão a respeito do lamento, inserimos no filme a música

“Pintura sem Arte” do compositor portelense Candeia, na qual o cantor expressa musicalmente que

“Não basta ter inspiração/ Não basta fazer uma linda canção/ Pra cantar samba é preciso muito mais

/ samba é lamento, é sofrimento/ é fuga dos meus ais”.

Além das memórias que os depoentes trazem relativas a este período, existem diversas

músicas e relatos sobre a libertação concedida pela Princesa Isabel. Esses são relatos mais animados,

como comemoração da libertação e do fim do cativeiro, mas essas músicas não são cantadas por todos

os grupos. No terno de Tiradentes - MG, Escrava Anastácia e Nossa Senhora do Rosário, as canções

são todas em forma de lamentos, com ritmo e melodias lentas e com músicas que remetem ao

sofrimento. Os cantos são entoados de forma triste, tendo somente os ritmos do tambor de base. Prego,

o capitão do grupo, ao ser questionado sobre a relação entre Congado e a sociedade, nos fornece um

relato que nos ajuda a compreender quais os sentimentos que embalam as ações dos congadeiros, em

suas formas de devoções e nas construções de narrativa próprias de sua história.

"Os diretores ou os prefeitos, vamos falar direto para os diretores. Eles não dão muito valor

em nossa cultura brasileira, em nossa cultura afro-brasileira não. Eles dão valor é na cultura

europeia, é japonesa, é tudo. Falou tudo que é de outro país eles dão valor. A gente mesmo

eles não dão valor não. A capoeira, eles pedem capoeira na escola só pra pedir mesmo, mas

vai um grupo de capoeira lá: A gente está precisando de um espaço aqui pra dar

aula...dificilmente eles deixam. Congado então? Na escola em Tiradentes mesmo tem muita

gente que não conhece o Congado, tem aluno que não conhece o Congado. Porque o professor

só ensina a cultura de outro país, eles não ensinam a cultura brasileira, é pouco. Ainda mais

em se tratar de cultura de negro, infelizmente...e não vai mudar não"62.

62 Entrevista concedida em 04/11/2015 por Claudinei Matias do Nascimento, Capitão do Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia de Tiradentes-MG. Entrevista disponibilizada a Samuel Avelar e Simone de Assis, e Sílvia Brugger.

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O relato do Capitão Prego de certa forma é uma denúncia da falta de importância dada à

cultura negra brasileira, sendo valorizado e ensinado nas salas de aula de história da cidade de

Tiradente-MG e do Brasil preferencialmente culturas estrangeiras. O capitão entende que o congado

e a capoeira têm uma importância cultural para a população brasileira e que é capaz de articular

saberes históricos. Este prossegue dizendo que não é reconhecido pelos educadores e políticos

brasileiros a importância da cultura negra, estes intelectuais preferem dar valor a outras culturas. A

fala do capitão Prego pode ser relacionada com que estávamos discutindo sobre os lamentos da

escravidão e a questão do sofrimento, no qual os congadeiros têm como intenção transmitir os

sentimentos relativos à escravidão de forma triste, sofrida e lamentada. O que de certa forma é

também uma denúncia feita por estas pessoas, são nas ações destes grupos que estão inseridas a

necessidade destas memórias estarem vivas, isto porque elas possuem conexões lógicas e históricas

com o presente destes grupos, sendo essas noções de conhecimento uma forma de realizar ações com

características sociais, culturais e políticas.

Além da temática do cativeiro, o filme tem a proposta de abordar outros elementos, como as

devoções católicas com referenciais africanos praticado por estes sujeitos. Também se buscou no

filme a singularidade de cada grupo e seus modos particulares de se expressarem religiosamente.

Foram abordados os problemas relativos à periferia, o esclarecimento sobre os diferentes grupos de

congado, as mudanças da tradição cultural e outros diversos temas. Ao selecionarmos algumas das

falas destes sujeitos, realizamos a construção da narrativa audiovisual que achamos ser as mais

importantes para o entendimento e objetivo do trabalho sobre a relação do Congado da região com a

temática do cativeiro. Mas, estas entrevistas ainda podem ser trabalhadas de outras maneiras na

história, assim, elas devem ser arquivadas para que novas pesquisas possam surgir a partir dessas

músicas e relatos orais.

As produções dos documentários se deram através de poucos recursos e materiais para as

filmagens, porém com uma enorme vontade de realizar um trabalho audiovisual historiográfico de

qualidade e sempre preocupado com as estéticas videográficas. A experiência com os filmes foi de

grande importância no sentido de nos dar a noção da enorme capacidade de contribuição para as

abordagens históricas que as gravações de vídeos vinculados com os métodos da história oral nos

fornecem. A cada filmagem que realizávamos aprimorávamos mais nossas habilidades de registros e

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os nossos métodos de abordagem, sendo essas experiências um fator de enorme motivação, uma

experiência importante para nós, bolsistas, que temos o desejo de seguir a carreira de historiador.

CONCLUSÃO

As músicas de Congados e os relatos orais que coletamos em toda a pesquisa demonstram

uma clara referência ao período do cativeiro. Esta referência sempre é realizada de uma forma triste

e melancólica. Nas poucas vezes em que se nota uma alegria ao se falar da escravidão, a referência é

feita de forma festiva por alívio dos negros terem sido libertos.

Nota-se que a temática da escravidão é abordada com grande ênfase por esses sujeitos, pelo

possível fato de que essa história ocorrida com os seus antepassados ainda possuir marcas profundas

na atualidade da sociedade brasileira. Existe o sentimento de que a cultura negra não é valorizada de

forma devida pelas instituições políticas e sociais no Brasil. É perceptivo para eles que houve

processos de mudanças nos últimos tempos, porém essas mudanças ainda não são suficientes para

uma real valorização da cultura afro-brasileira.

Assim, as gravações audiovisuais têm muito a contribuir para as análises históricas. As lentes

das câmeras capturam as falas, mas também os gestos dos personagens, as feições que demonstram

sentimentos, que por outros meios não seriam possíveis de serem explicados. É necessário que os

cursos de história, além das pesquisas historiográficas, saibam cada vez mais lidar com essas novas

ferramentas, se mantendo atentos em relação ao contexto histórico e às leituras de textos; com o

objetivo de realizar problematizações, análises e abordagens que dialoguem com os conhecimentos

de diferentes grupos culturais brasileiros.

Os filmes produzidos foram construídos de forma lógica e intencional. Para estas construções

foram necessárias diversas pesquisas para que tal lógica complexa fosse transmitida de forma clara e

objetiva. Entendemos que seja interessante indicar os filmes como possível recurso didático para

serem utilizados nas salas de aulas, a fim de contribuir para o ensino relacionado com a cultura

brasileira.

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