Mendes, Norma Musco - Roma Republicana

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PR INCÍPlOS

Norma

Musco MendesProfessoradeHistória

daUniversidade FederaldoRiode Janeiro

ROMA.

REPUB L I C ANA  

edit ora ática

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DireçãoBenjamin Abdala J unior

Samira Youssef CampedelliPreparação de texto 

Cecília Bittencourt ThesbitaCoordenação de composição

Neide Hiromi ToyotaCapa

Ary NormanhaAntônio Ubirajara Domiencio

©impressão e acabam ento por 

W. Roth & C ia. Ltda.

ISBN 85 08 03041 x

1988 Todos os direitos reservados

Editora Ática S.A. — Rua Barão de Iguape, 110 Tel.: (PABX) 278-9322 — Caixa Postal 8656End. Telegráfico “Bomlivro” — São Paulo

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Sumário1- I n tr o d u ç ã o ____________________________________ 5

2 . O s p r im e ir o s s é c u l o s d a R e p ú b lic aRomana (509 -367) ___________________________ 8

A formação de Roma e a influência etrusca ______ 8A passagem da Realeza para República __________ 11Patrícios e plebeus _____________________________ 13A posição romana no Lácio

_____________________14

A situação econômica e o aumento da escravidãopor dívidas______________________________________ 15A articulação entre as tensões internas e externas ea formação das instituições republicanas__________ 17Princípios básicos da religiosidade romana ______ _ 22

3 . A R e p ú b l i c a s e n a t o r i a l_____________________

30Princípios norteadores das práticas institucionais __30Os entraves à participação política do povo romano 34

4 . O d o m í n i o d o m a r M e d i t e r r â n e o __________ 39

Natureza do império do povo romano____________ 41Formas de organização das regiões conquistadas __42

Os municípios_______________________________

43As colônias __________________________________44As províncias _______________________________ 44

5 . A d e s a r t ic u l a ç ã o d o s i s t e m a r e p u b l ic a n o _ 51

Transformações sócio-econômicas_________________ 52Ordem senatorial e ordem eqüestre____________ 53

A questão agrária e a ampliação do uso da

mão-de-obra escrava_________________________

56A falência das práticas políticas tradicionais e o  fortalecimento do poder p e s s o a l_________________63

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A reforma militar de Caio Mário______________ 65

O choque entre os círculos de liderança________

66Repercussões culturais__________________________ 70

6. C onclusão _________________________________74

7. Vocabulário crítico  _______________________ 77

8 Bibliografia comentada ___________________ 83

Obras gerais__________________________________

83Obras específicas ______________________________   84

 Ao meu fi lho

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Introdução

A que se deve a atração e importância do estudo da História de Roma na Antiguidade? Roma tornou-se e permanece até nós como um mito, cuja construção articula-se à sua ação político-militar; à sistematização e teorização do Direito; ao urbanismo; aos seus preceitos morais e cívicos; ao latim, língua mãe nutriz das línguas modernas ditas neolatinas e à sua imortalidade dupla: Roma pagã, síntese e símbolo da cultura clássica helenístico-romana e Roma cristã, símbolo religioso da universalidade do Cristianismo. Desta forma, seu estudo é fundamental para a compreensão das referências 

existenciais e científicas da civilização ocidental, da qual somos herdeiros.

Dentro dos limites e objetivos deste livro, tratarei de elaborar uma síntese dos elementos sócio-econômicos e políticos formadores da estrutura republicana romana. Principalmente aqueles que viabilizaram a conquista, a unificação do mundo antigo e deram condições para a passagem do governo republicano para o monárquico. Ressaltamos ao leitor que toda manifestação econômica nas sociedades antigas repercute na ação política.

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Cabe lembrar que a reconstrução explicativa de qualquer sociedade antiga envolve dificuldades em relação à nature

za, escassez e valor histórico do material a ser investigado. As fontes escritas são repletas de detalhes imaginativos, adaptações do repertório mítico e história dos gregos à realidade romana. São, ainda, lacunosas, desiguais e permeadas de anacronismos. Neste sentido, a investigação histórica das sociedades antigas, além de exigir o exame de documentação de natureza diversa, necessita do auxílio das ciências afins, prin

cipalmente da Arqueologia, para a confirmação das conclusões alcançadas.

Para a história da República Romana, ao lado da sobrevivência de documentos oficiais escritos (Lei das Doze Tábuas, Anais Máximos, tratados, decretos senatoriais, leis), devemos destacar o trabalho de vários historiadores que, já  na República, ou mesmo durante a fase imperial, desperta

ram para a necessidade de apreender a essência daquela cidade-estadoque chegou a dominar o mundo. Entre eles alternam-se romanos, como Tito Lívio e Salústio, e estrangeiros tais como Dionísio de Halicarnasso, Políbio, Diodoro da Sicília, Apiano e Plutarco.

De grande importância, também, são as obras de Cícero, que inauguraram a reflexão política em Roma e desvelam a concepção de história que norteou o discurso histórico 

entre os romanos. Seus escritos constituem-se em importante testemunho contemporâneo.

Até o final do III1 século a história não se manifestou em Roma como gênero literário específico. A prática de elaboração de um discurso histórico foi marcada por forte influência grega e resultado da conscientização de que Roma tinha  como missão a dilatação do espírito da cidade civilizada pe

rante os “bárbaros” , demonstrada através da vitória mili

1Todas as datas do presente livro correspondem ao período antes de Cristo.

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tar. A História foi escrita pelos círculos aristocráticos e para 

divulgar a grandeza romana. Assim, a crítica histórica deve se preocupar com a mentalidade daqueles que elaboraram os escritos históricos. A historiografia romana é constituída de obras apologéticas, pragmáticas, patrióticas, onde é constante a preocupação moral de preservação dos  mos mai orum , enfatizando seu caráter cívico. A concepção romana de História pode ser plenamente resumida pelo ideal ciceroniano, diante do qual representava o testemunho das idades, a luz da verdade, a escola da vida e a mensagem da Antiguidade. É esta a historiografia a respeito da República Romana que chegou até nós. Discursos elaborados a partir de uma mentalidade que não se preocupou com o rigor científico da História dos dias de hoje, devendo ser colocados junto aos demais gêneros literários desenvolvidos em Roma, assim como, junto ao restante da documentação textual e material que nos 

possibilita desvelar a ordem social e política e os esquemas mentais desta civilização.

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2Os primeiros séculos da 

República Romana (509-367)

A formação de Roma e a influência etrusca

Tanto a tradição como a investigação moderna estão de acordo em que, no processo de urbanização do sítio arqueológico de Roma foi fundamental o elemento econômico, que significou a transformação da região dos montes tiberinos em um grande local de tráfico e a conseqüente abertura do seu horizonte cultural. Referimo-nos à influência da civilização etrusca, cuja origem pode ser explicada pela fusão de grupos heterogêneos, assimilando formas culturais itálicas, gregas e 

orientais. A prosperidade desta civilização estava relacionada com o desenvolvimento da agricultura, pecuária, comércio, artesanato e exploração dos recursos do subsolo da costa da Etrúria e da ilha de Elba: estanho, cobre e ferro. Sua expansão territorial, iniciada em fins do VIII século, provocou a etruscanização da Itália Central, desde as baixas planícies do rio Pó até a Campânia (vide mapa 2, p. 28). Nesta  época nos montes tiberinos existiam comunidades aldeãs cu

 ja população era caracterizada pela superposição de elementos pré-indo-europeus e indoeuropeus (latinos e sabinos) (vide mapa 1, p. 27). Utilizamos como modelo explicativo para a

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organização político-social destas comunidades a estrutura gentilícia. Surgida pelo processo de aglutinação de grupos por laços de sangue, por motivos econômicos ou por contigüidade. Aos poucos foram surgindo a gens (pl.  gentes), unidade sócio-econômica e política básica da sociedade aldeã, entendida como um conjunto de famílias unidas em torno de um culto e de uma suposta descendência comum. Podemos compreendê-la como um clã. Constituía-se num grupo étnico, sub

metido à autoridade do  Pater (chefe de família) que administrava os bens do clã e empreendia o culto. A base econômica era a pecuária secundada pela exploração agrícola das terras cuja propriedade era coletiva. A força de trabalho era constituída pelos membros do clã e pelos clientes. O domínio etrusco significou a passagem destas comunidades aldeãs de pastores para o agrupamento social característico da Antiguidade greco-romana: a cidade-estado. Esta transição de

ve ser entendida como um processo que, segundo os estudos do arqueólogo E. Gjerstad, começou em 575 ou, de acordo com outros especialistas, teve início entre 700 e 575, quando 

 já se percebem a expansão territorial pelas colinas e vales do sítio de Roma e progressos no artesanato. As idéias e formas de organização política e sócio-econômica trazidas por um grupo de aristocratas etruscos se difundiram, transformando uma aglomeração de choças em uma cidade com ruas, edi

fícios públicos, mercados, tendas, templos e casas.Portanto, a crítica histórica nega inteiramente a lenda que atribui a fundação da cidade de Roma a Rômulo em 21 de abril de 753.

A dominação etrusca não se restringiu apenas à transformação material. Foi acompanhada de uma surpreendente fusão cultural. A mutação da organização política das aldeias tiberinas para uma cidade-estado é paralela à fusão de 

elementos nativos, etruscos e também gregos, devido ao relacionamento etrusco com a Magna Grécia. A ocupação etrusca esteve intimamente ligada ao desenvolvimento do artesa

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nato e do comércio e à conseqüente complexidade da sociedade romana, originada pelas diferentes atividades econômicas, divisão do trabalho e desigualdade social. Neste processo, a autonomia das aldeias foi restringida pelos órgãos públicos da realeza etrusca: Rei, Conselho de Anciãos (Senado) e Assembléia das Cúrias.

A tradição historiográfica romana data do reinado de Sérvio Túlio uma série de reformas que são refutadas pela 

crítica histórica por serem caracterizadas como anacronismos, a saber: organização censitária englobando cento e noventa e oito centúrias (conforme veremos mais adiante) e a construção das muralhas da cidade. No entanto, aceita-se como obra de Sérvio Túlio (550-530) a reforma militar e política baseada na necessidade de consolidar as instituições da cidade-estado, de integrar em seus quadros os estrangeiros de condição livre domiciliados no território romano e o empreendimento de uma política externa ativa que possibilitou à Roma etrusca certa preeminência no Lácio (vide mapa 2, p. 28). Assim, a força militar romana deveria se tornar um exército nacional, o que explica a introdução por Sérvio Túlio das técnicas hoplíticas e do recrutamento militar baseado no sistema censitário ( classis e infraclassem), vinculado à criação de circunscrições territoriais novas formadas pelas tribos topográficas. 

O desenvolvimento econômico e a expansão territorial registrados durante a dominação etrusca levaram ao fortalecimento da aristocracia, seja ela latina ou etrusca, ao enriquecimento de alguns grupos voltados para as atividades urbanas, e possibilitou a formação da propriedade privada da terra ao lado da propriedade coletiva. Além disto, as reformas políticas e militares que reforçavam a organização da Urbs também contribuíram para a desagregação do sistema gentilício.

Portanto, a realeza etrusca contribuiu profundamente para a formação do sistema cultural e religioso dos romanos e forneceu os alicerces sobre os quais Roma ergueu suas instituições políticas e militares republicanas.

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A passagem da Realeza para República

Tito Lívio (I, 60) data o início da República romana, em 509, em decorrência da reação do patriciado ao poder tirânico do último rei etrusco, Tarquínio, o Soberbo. No entanto, o debilitamento da realeza etrusca a partir de fins do VI século foi resultado de um processo comum às outras cidades etruscas, no qual se articularam a pressão das 

coligações militares rivais, a depressão econômica do V século, e a hostilidade entre o rei e a aristocracia, levando à substituição gradual da realeza por um regime baseado em magistrados.

A  Res publica romana surgiu sob a influência de famílias etruscas que no lugar de monarcas vitalícios elegeram um Colégio de Magistrados Anuais, presididos por um zilax (pre

tor máximo). A substituição do nome de pretor para cônsul aliou-se à conscientização dos princípios de colegialidade e de intercessão.

Além dos cônsules (herdeiros dos poderes reais) e dos questores (acompanhantes dos cônsules nas campanhas militares que aos poucos foram se tornando magistrados encarregados da administração do tesouro), a forma inicial do regime republicano repousava na sobrevivência dos institutos 

políticos da realeza etrusca: Senado, Assembléia Curiata. Por outro lado em virtude da importância do exército desenvolveu-se o Comitatus Maximus.

O estabelecimento da República constituiu para o romano a garantia da liberdade do cidadão, ou melhor, de uma cidade livre (Tito Lívio, I, 2). A relação entre o rei eo povo era considerada análoga à relação entre senhor e escravo. Conseqüentemente, a monarquia era considerada como  dominatio (domínio). Portanto, os romanos dataram o início de sua liberdade no findar da monarquia e a relacionaram com a forma republicana de governo. O ideal de li-

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 bertas1 (liberdade) estava estritamente ligado ao conceito de 

 civ itas (cidade, comunidade), sendo que em essência a idéia  de liberdade significava o estatuto do indivíduo livre, enquanto a noção de cidade denotava sua posição em relação à comunidade. Somente o cidadão romano gozava de todos os  

direitos civis e políticos entendidos como liberdade republicana. Daí ter sido uma difícil questão a adaptação institucional da delegação do imperium (império). Poder ao mes

mo tempo jurídico, civil, militar e coercitivo, que implicava  no direito de consultar os auspícios, comandar o exército, ordenar o recrutamento militar, estabelecer os impostos, emitir editos. O império era conferido aos cônsules eleitos por  

uma lei específica votada na Assem bléia Curiata (Lei Curiata de Império) e anteriormente concentrado nas mãos dos 

reis. Como conciliar este amplo poder nas mãos dos cônsu

les sem ferir a liberdade republicana, a estabilidade do E stado e, por conseguinte, afastando qualquer ameaça de tirania? Esta preocupação é desvelada pela criação, tradicionalmente em 501, da ditadura, magistratura extraordinária e absoluta, mas limitada a seis meses e vinculada à prevenção de 

graves crises e guerras; assim como pela adoção dos princípios de controle do poder consular através da anualidade, da 

colegialidade e da elegibilidade.As circunstâncias históricas resultantes da ação política 

e militar da comunidade romana para manter sua coesão interna, abalada pela luta entre patrícios e plebeus, e a autonom ia do Estado frente às ameaças externas, levou ao esvaziamento do império consular e à criação de magistraturas 

investidas apenas do direito de agir com o povo e de recorrer  

ao Senado (potestas).

1 Todos os termos latinos que representam um conjunto de idéias, de práti

cas políticas e formas de comportamento têm o seu sentido minimizado ao  

serem traduzidos para o português.

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Patrícios e plebeus

Estes dois estamentos que compunham a sociedade ro

mana nos primeiros séculos da República não existiram ao  longo da realeza etrusca — época em que a sociedade romana já conhecia as diferenças sociais, porém em sua globalidade encontrava-se submetida ao poder monárquico.

A questão patrício-plebéia é fruto de um processo difícil de ser seguido . Teve início com a evolução gradual da República, pois apresenta credibilidade a presença de plebeus 

no consulado entre 509 e 486.Qual era a base desta divisão e quem integrava os dois 

grupos?  Patric ii significava filhos e descendentes dos  Patres (senadores) e o nome P lebs apareceu no vocabulário para designar uma realidade coletiva indiferenciada: se englobasse  a totalidade das fam ílias estrangeiras, a linhagem patrícia seria, possivelmente, mais objeto de quantificação do que de 

qualificação. O caráter patrício estava restrito aos descendentes de senadores ( gentes maiores) que herdaram certos privilégios religiosos especiais.

Com o recuo do domínio etrusco, um grupo cerrado de clãs patrícios, apoiado em seu exército de clientes, absorveu os poderes religiosos do Estado, o controle secreto da Lei,  a interpretação dos auspícios e as funções públicas mais im

portantes. Desta forma, os patrícios podiam sustentar um go verno exclusivo e autoritário, barrando o acesso dos plebeus 

ao Senado e ao consulado , m esmo sem que houvesse uma lei específica que o proibisse.

A formação da plebe está intimamente relacionada com a ocupação etrusca e a prosperidade econômica que a acompanhou. A vida econômica, que conhecemos graças à Arqueo

logia, criou novas fontes de riqueza e ampliou as tradicionais. Os estrangeiros chegados com os conquistadores etruscos ou atraídos pela prosperidade fomentada por estes últimos agilizaram e participaram intensamente da vida econô

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mica do mundo tirreno. Ao substituir as tribos com caráter 

étnico por tribos topográficas que serviam como marco para o estado civil, Sérvio Túlio integrou todos os habitantes da cidade na condição de cidadãos. Apesar de não termos dados suficientes para precisar sua origem, destaca-se sua superioridade numérica e heterogeneidade: artesãos, mercadores, ex-clientes, camponeses livres. Enfim, aqueles que se encontravam fora das famílias que monopolizaram o poder nos primeiros anos da República.

Para conter a pressão deste grupo social convertido em plebe, os clãs patrícios empregaram todos os recursos que podiam extrair de sua organização gentilícia: a coesão própria desta estrutura, seus cultos particulares, o poder econômico conferido por suas terras e clientes, o conhecimento das fórmulas jurídicas aliadas aos procedimentos de caráter ritual e o controle do Senado. Este órgão por sua preeminência fundamentada no prestígio sócio-econômico e político e na competência moral dos seus membros era a expressão da sociedade patrícia em que dominavam os chefes das famílias mais poderosas. Assim, a soberania patrícia mantinha os plebeus num estado de inferioridade e inquietação permanentes, ainda mais aguda diante dos problemas que conturbavam Roma ao longo do V e inícios do IV século.

A posição romana no Lácio

O Lácio oferecia um atrativo permanente para os povos que viviam nas montanhas e sentiam necessidade de expansão territorial em direção às planícies e ao mar. É o caso dos sabinos, que aos poucos foram assimilados por Roma, dos volscos, équos e hérnicos. Vimos que os tarquínios empreende

ram uma política expansionista, visando criar uma unidade no Lácio em torno da primazia de Roma. Era do interesse romano não somente conter a ameaça destes povos, como

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também obter terra. Fator que na Antiguidade Clássica re

presentou um dos motores da ação política e militar.Registra-se em 496 a Batalha do lago Regilo, quando o 

exército romano enfrentou uma coligação militar de cidades latinas. A conseqüência imediata foi o estabelecimento de um tratado entre Roma, que neste momento procurava se afirmar como República, e as cidades latinas (Tratado Cassiano, em 493), pelo qual ficava estabelecida uma aliança defensiva comum, baseada na igualdade em relação à divisão 

da pilhagem e ao comando do exército da Liga. Nota-se, portanto, que a posição romana já não era mais de destaque dentro do Lácio, algo que evidencia o retrocesso da influência etrusca em Roma. A Liga Latina foi muito importante para enfrentar a ameaça na fronteira oriental e sudeste do Lácio (volscos, équos e hérnicos).

Roma envolvia-se ao norte numa outra frente de luta com a cidade etrusca de Veios, em virtude da disputa pela exploração de salinas ao norte da desembocadura do rio Tibre e pelo território de Fidena que controlava o tráfico do sal e do trigo rio abaixo (vide mapa 3, p. 29). A longa duração deste conflito, impedindo que os homens voltassem para seus trabalhos regulares, tornou necessária a instituição do imposto ( tributum) e a criação de uma cavalaria suplementar, de cavalos de propriedade particular (Tito Lívio, I, 5, 7-8).

A situação econômica e o aumento da escravidão por dívidas

Paralelamente a esta conturbada situação militar, Roma enfrentava um momento de depressão econômica: as rotas comerciais com a Campânia estavam interrompidas, o co

mércio do sal foi prejudicado com as investidas dos sabinos e a ação de Veios; a Arqueologia registra diminuição das importações de cerâmica grega a partir do século V; más co

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lheitas forçavam às importações de trigo, que o Lácio sem

pre produzira em escala deficiente. Os Anais Máximos conservaram informações sobre enfermidades e graves epidemias e dificuldades de abastecimento. O desespero e a angústia repercutiram na construção de templos: em 497 em honra à Lua Saturai, buscando a purificação da cidade: e a Mercúrio, para estimular o comércio, em 495.

Os efeitos desta retração econômica aliada à conturbada situação externa são visíveis no aumento do número dos 

 nexi (escravos por dívida) recrutados, principalmente, entre os pequenos camponeses e criadores. Quando um homem contraía uma dívida tinha 30 dias para pagá-la, caso contrário seria publicamente reconhecido como devedor e obrigado a prestar seus serviços como escravo em troca do empréstimo. Recebia o nome de  nexus (homem atado), até que tivesse saldado a dívida. Trata-se, portanto, da prática da es

cravidão por dívida. As condições sócio-econômicas da sociedade romana dificilmente dariam oportunidade a este homem para obter riqueza e pagar sua dívida, deixando, desta forma, de ser um homem atado. É difícil, diante da escassez de fontes, ter uma idéia concreta da economia romana nesta época. Os dados arqueológicos e a crítica da escassa documentação histórica nos levam a crer que o território romano encontrava-se distribuído em pequenas propriedades das quais 

as mais férteis tanto para a agricultura como para o pastoreio concentravam-se nas mãos das famílias mais poderosas. A exploração destas terras processava-se através do trabalho do camponês livre, dos clientes, daqueles que foram escravizados por dívida e do escravo-mercadoria que já existia em pequena escala no IV século.

Apesar das grandes fortunas estarem ligadas à pecuária, os cereais representavam a principal produção agrícola, 

seguidos pelo cultivo da vinha e da oliveira.Devemos ressaltar a diferença entre o  nexum (escravi

dão por dívida) e a clientela. O cliente estava ligado ao clã

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na condição de submetido, tendo uma série de direitos e obri

gações frente ao seu patrono, sendo protegido por este através de um vínculo recíproco de fidelidade (fides — Boa Fé). A subordinação econômica constituía a base desta relação e a clientela foi importante força de trabalho para as famílias patrícias, sem ser uma forma de dependência escravista.

A articulação entre as tensões internasa 

e externas e a formação das instituições republicanas

As tensões provocadas pela problemática das crises econômica e militar deram lugar ao sério conflito conhecido como a Primeira Secessão da Plebe, em 494. Chegou-se a um momento de stasis (revoltas e conflitos internos). Os plebeus retiraram-se para fora da muralha das Sete Colinas, para o 

monte Aventino, ameaçando separar-se, quer dizer, recusando-se a prestar o serviço militar. Era preciso buscar soluções de compromisso. Os patrícios concederam aos plebeus magistrados especiais: os tribunos da plebe. Eram invioláveis, suas residências funcionavam como asilo (ius auxilium) e tinham o poder de veto sobre toda decisão de um magistrado referente à pessoa ou aos bens dos plebeus. Assim, criou-se um instrumento de luta. Praticamente, passou a existir um Estado dentro do Estado, ou melhor, um Estado plebeu paralelo ao Estado patrício, com seus próprios chefes (ou tribunos) e uma Assembléia própria (Concilium Plebis), que votava os desejos da plebe (plebiscita), agora usados como meio de pressão. Em seguida, foi fundado o templo de Ceres, Liber e Libera, tríade plebéia ao lado da tríade capitolina, Júpiter, Juno e Minerva, reservado aos patrícios.

Ao longo do V e IV séculos a evolução se produziu no sentido de dar maior coesão ao Estado, diante da integração conflituosa patrício-plebéia, provocada pelo endurecimento

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das posturas antagônicas e pelo crescimento numérico e for

talecimento material dos plebeus.A heterogeneidade das reivindicações dos plebeus de

monstra a desigualdade social entre eles. Esquematizando, suas principais reivindicações eram: acesso ao consulado, criação de um código escrito de leis, abolição da proibição de casamentos mistos, participação no colégio dos pontífices, abolição das dívidas e da escravidão por endividamento. Roma vivia, então, uma etapa comum na evolução das cidades- 

Estado: a luta entre os cidadãos pela igualdade de direitos civis e políticos e o momento da redação de um código de leis.

Um colégio de dez magistrados (decênviros) foi encarregado, em 451, de formular as regras fundamentais do Direito. Promulgou-se o código conhecido como a Lei das Doze Tábuas, que se constituiu na fonte do Direito público e privado. Documento importantíssimo para o estudo da sociedade romana dos primeiros anos da República, pois expressa a vontade dos patrícios para consolidar sua oligarquia, tendendo a transformar-se em “ casta” , reservando a seus membros o privilégio de matrimônio por confarreatio (única união reconhecida pelo Estado), o qual, no entanto, foi ampliado aos plebeus pela Lei Canuléia, 445, dando origem aos casamentos mistos.

Representaram as Doze Tábuas a substituição do direi

to consuetudinário, guardado e conhecido pelos pontífices e magistrados, pelo Direito escrito. Foi um conjunto de respostas a problemas jurídicos cotidianos. Encontramos artigos sobre o Direito de Propriedade, a consolidação da autoridade do chefe da família, e disposições sobre dívidas. Reflete, portanto, uma sociedade basicamente agrária. A existência deste código não foi muito significativa para os plebeus, pois sua aplicação continuou vinculada e dependente 

da interpretação dos magistrados e tribunais. Entretanto, a codificação, secularização e publicação do Direito foram decisivas para a unificação da comunidade.

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A impossibilidade dos cônsules de fazer frente a todos 

os problemas políticos e militares exigiu a multiplicação das magistraturas, a diluição do império. Isto pode ser uma explicação para a criação dos decênviros e dos questores (administradores do tesouro) em 477 — medidas estas que não foram suficientes para conter a pressão dos plebeus e satisfazer as necessidades militares e administrativas. Como vimos, Roma combatia em várias frentes, e dois cônsules eram insuficientes. Por esta razão, em 444 e depois em 438 foram 

nomeados tribunos militares com poder consular, em substituição do consulado. O número destes tribunos passou de três para quatro e depois para seis, à medida que os conflitos externos exigiam o aumento dos efetivos militares. Tudo indica que não possuíam o império e que marcaram o início do processo de esvaziamento do consulado. Paralelamente à sua criação, apareceu a censura (443), reservada unicamente aos patrícios. Magistratura responsável pelo censo da população, 

elaboração do álbum senatorial, recrutamento militar e jurisdição moral (cura morum) que deu aos censores temível autoridade. Eram eleitos de cinco em cinco anos, mas permaneciam no cargo apenas dezoito meses.

A invasão dos gauleses em 390 agravou os problemas sócio-econômicos e políticos de Roma, possibilitando o triunfo dos tribunos Licínio Stolo e L. Sexto Laterano, que conseguiram a aprovação do plebiscito conhecido como as Leis Licínia-Sêxtia em 367.

A tradição atribui às Leis Licínias disposições sobre dívidas, sobre questões constitucionais e sobre limitação do ager 

 publicus (território anexado ao Estado após a conquista e pertencente ao povo romano, ou seja, terras de domínio público). Magistrados e senadores eram os responsáveis pela administração e exploração destes domínios. A alienação destas terras podia ser feita através de venda, distribuição a título gratuito (território das colônias) e arrendamento. Neste último caso, o Estado conservava o direito de propriedade

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e o arrendatário obtinha apenas a posse sobre as terras me

diante o pagamento de uma taxa (vectigal ). No V e IV séculos os patrícios tentaram conservar o monopólio sobre as terras públicas, provocando as reivindicações agrárias da plebe aliadas ao problema das dívidas. As proporções atribuídas pela tradição às Leis Licínias, no tocante à posse destes domínios — interdição a todo cidadão de possuir mais de 500 

 jeiras (125 hectares) de terras públicas e de criar mais de 100 cabeças de gado de grande porte e mais de 150 cabeças de 

gado de pequeno porte —, são anacrônicas e incompatíveis com o tamanho do território romano naquela época, O verdadeiro das disposições agrárias das Leis Licínias, certamente, foi possibilitar aos plebeus o acesso real às terras públicas.

As disposições constitucionais desta legislação restabeleceram o consulado e possibilitaram o acesso plebeu ao mesmo. O consulado de 367 não concentrava mais a totalidade do império, como antes de 450. Os cônsules ainda 

eram os chefes do poder executivo e do exército, mas surgiram duas magistraturas que absorveram poderes anteriormente exercidos por eles: a pretura, encarregada de dizer o Direito e emitir editos tendo, ainda, o poder militar e o direito de agir com o povo e apelar ao Senado, como o consulado; e o edilato curul, que, juntamente com a questura, possuía apenas o direito de agir com o povo e recorrer ao Senado, tornando-se responsável pelo abastecimento, policiamento, conservação das obras públicas e higiene da cidade. Não foi difícil o acesso plebeu a estas novas magistraturas, depois da abertura do consulado.

Os progressos da plebe estão articulados, também, ao alargamento do horizonte romano diante de sua efetiva ação militar no Lácio, no sul e norte da Etrúria. Ao lado dos eventos militares registra-se uma expansão demográfica, traduzi

da no aumento dos efetivos militares. Um certo enriquecimento da população ao longo de meados do IV século foi conseqüência das pilhagens e da apropriação dos recursos dos

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territórios anexados. A vitória sobre Veios beneficiou o tráfico terrestre e, conseqüentemente, os comerciantes da plebe urbana. No início do IV século, embarcações romanas percorriam o rio Tibre transportando gado em troca de trigo e metais. Os  aes rude (lingotes de bronze) retidos pelas famílias deu origem à fortuna mobiliária, pois ainda não havia moeda romana, apenas circulação de peças estrangeiras. A riqueza patrícia por excelência, o gado (pecus), continuava 

sendo o meio de troca principal e o padrão de valor. No entanto, o pagamento das multas já podia ser feito em bronze. Em fins do IV século começaram a ser usados os lingotes marcados (aes adsignatum). Isto significa que um padrão novo de riqueza, associado ao desenvolvimento das atividades econômicas urbanas, ganhava força, favorecendo as ricas famílias da plebe urbana.

As reivindicações sócio-econômicas dos grupos plebeus 

menos favorecidos não tiveram, no entanto, a mesma sorte. Apesar da concessão de acesso plebeu às terras públicas, em 367, e da escravidão por dívida ter sido abolida, em 326, pela aprovação da Lei Poetelia Papiria , os conflitos sobre a terra, aliados ao problema das dívidas, continuaram a existir, sendo apenas contornados por medidas paliativas: distribuições esporádicas dos domínios territoriais públicos, limitação das taxas de juros e fundação de colônias na Itália.

A partir de 367 a República Romana possuía todas as magistraturas, reguladas pelos princípios de elegibilidade, anualidade, colegialidade, especialização e hierarquização.

Observamos, também, esforço de laicização, diante da nítida demarcação entre poder civil e atribuições religiosas.

Portanto, as dificuldades políticas encontraram solução gradativa à medida que foram necessários o aumento do efetivo militar e a contenção das desavenças internas para manter a autonomia do Estado frente às ameaças externas. A verdadeira conquista da plebe no IV século consistiu em ganhos políticos e jurídicos. Vinculou-se à ascensão de uma elite ple

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béia que ao unir-se a um grupo do patriciado, deu origem à nobreza patrício-plebéia ( nobilitas).

A preeminência do antigo patriciado passou para esta nova nobreza, cuja supremacia político-social era similar àquela do patriciado, sobretudo porque sua estrutura social e formas de conduta e pensamento permaneceram essencialmente as mesmas. Consagrou-se o caráter aristocrático da República Romana.

Princípios básicos da religiosidade romana

Apesar da laicização do poder político, a religião encontrava-se incorporada ao funcionamento da máquina governamental, pois todo ato público era precedido de tentativas de obtenção do apoio dos deuses. Na sociedade romana, 

desde o início, um pacto político vem acompanhado de um pacto religioso. Destes pactos estruturavam-se regras político- 

 jurídicas e regras religiosas, ambas visando nortear e controlar a ação social. Assim, nos parece imprescindível, mesmo que de forma esquemática, traçar algumas considerações sobre a religiosidade romana.

A religião romana é resultado de uma complexidade de influências oriundas das populações neolíticas autóctones, dos povos indoeuropeus que povoaram a Itália e dos etruscos, cujo comportamento religioso já apresentava características orientais e gregas. Efetivamente, o processo de assimilação e de integração étnica, cultural e religiosa acompanhou as etapas de expansão territorial romana.

Desde as origens os romanos apresentaram uma religiosidade marcada pela preocupação de determinar as distintas 

relações entre os homens e o mundo dos deuses. Para os romanos, como também para as sociedades agrárias em geral, a normalidade estava vinculada à seqüência ordenada das estações. Qualquer mudança representava a possibilidade de ca

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tástrofes, denunciando uma crise nas relações entre os deuses e os homens. Era preciso estabelecer formas de diálogos entre os deuses e os homens, que correspondessem à valorização religiosa das realidades naturais, das atividades humanas e dos acontecimentos. Toda ação humana deveria estar encadeada para evitar a hostilidade dos deuses assegurando a pax   deorum. Por isso, o homem devia estar atento para os prodígios ou presságios que proclamavam o descontentamento ou 

a cólera dos deuses. O significado destes signos divinos tinha de ser decifrado pelos profissionais do culto, o que explica a importância das técnicas de adivinhação, a prática da arus

 picina e a interpretação dos Livros Sibilinos. Podemos agrupar os presságios em duas categorias: os auspicia e os  omina.

Naturalmente, estruturaram-se formas para atenuar a posição hostil dos deuses. Buscava-se manter a lealdade dos deuses e a confiança nesta lealdade, através da regularidade 

dos cultos, entendidos como uma espécie de contratos recíprocos entre os homens e as divindades. Tanto que o termo  religio designa o conjunto de vínculos (ritos, cerimônias etc.) reconhecidos, que uniam a atividade humana à dos deuses.

O comportamento psicológico e religioso dos romanos em relação aos presságios é original. Inicialmente, demonstra o alto nível de ritualização e a atitude do romano perante o futuro. Enquanto os gregos tentavam desvelar o drama do 

futuro os romanos mostravam-se mais ansiosos em busca de garantias para o êxito numa ação próxima.

Outro aspecto peculiar é que os romanos mantinham- se livres para acolher ou não os presságios. Portanto, cria- se, desde cedo, um tratamento pragmático em relação aos presságios, que estavam sempre vinculados à exigência de uma resposta decidida pela vontade e expressada pela palavra humana.

A sacralização das coletividades orgânicas como a família, o clã e a pátria é marcante na mentalidade religiosa  romana. Daí a existência do culto privado e do culto público.

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O culto privado dirigido pelo pater familias baseava-se na conservação do fogo doméstico colocado no altar da casa  ao lado de pequenas divindades: Penates e Lares, personificações mítico-rituais dos antepassados que protegiam os membros da família e a propriedade doméstica. Também, o culto privado era endereçado ao Genius, ou seja, à força vital, às virtudes e à genialidade do chefe. Os rituais, as oferendas e libações empreendidas pela família consolidavam a unidade 

dos seus membros em torno do chefe da família. Acontecimentos como casamentos, nascimentos e mortes eram acompanhados de rituais específicos.

O mundo subterrâneo dos mortos era separado dos vivos, porém os mortos continuavam a ter necessidades que só poderiam ser satisfeitas pelos seus parentes através de cultos regulares. Tais cultos tinham o objetivo de torná-los benevolentes. Havia na mentalidade romana a convicção da estreita solidariedade entre os vivos e os mortos. Vincula-se a esta idéia a importância do ius imaginum na vida pública.

Os mortos benevolentes ou benfeitores eram tomados em conjunto e eram designados de Manes, enquanto que os que não tinham a proteção dos seus parentes eram temidos pelos homens.

Diante da escassez de informações o estudo sobre a na

tureza e multiplicação dos deuses em Roma é incompleto. A noção de  numen (força interior) é de grande valor para esclarecer alguns aspectos.  Numina designam forças carentes de independência e isentas de evocação física. Associam-se aos deuses e representam os diferentes aspectos da vontade particular de um deus personalizado. Indicam os diferentes poderes de uma divindade plurivalente. Assim, o Universo é conhecido como uma rede de forças invisíveis sobre as quais 

somente podem agir os  sacra (sagrados) que participam de tais forças: as magias, as imolações rituais, as cerimônias.No VI século a dominação etrusca colocou os latinos 

em contato com representações figuradas mais elaboradas,

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significando a passagem para o antropomorfismo, sem que 

a noção das forças inerentes às coisas e aos deuses fosse abandonada.

O processo de unificação da população nos quadros de uma cidade-estado empreendido pela monarquia etrusca explica a criação do culto oficial em torno da tríade latino-  etrusca: Júpiter, Juno e Minerva. Após a queda da monarquia o templo desta tríade passou a ser o centro da atividade religiosa dos patrícios. Júpiter adquiriu a imagem etruscanizada de Zeus, é o deus supremo, a fonte da sabedoria. Juno era uma deusa já conhecida no Lácio. Penetrou em Roma como a divindade da natureza feminina e do crescimento. Minerva, divindade itálica, assumiu as características da deusa grega Atena protetora das artes e das técnicas.

No início da República associado ao fortalecimento dos plebeus, instituía-se a tríade Ceres-Liber-Libera que corres

pondia à tríade agrária siciliana Demeter-Dioniso-Kore. Ceres era a deusa da fecundidade da terra. Liber e Libera eram os deuses que protegiam e garantiam as colheitas.

O panteão romano cresceu de forma contínua diante do pragmatismo e realismo que norteavam a religiosidade romana. Não se tratava de uma questão de benevolência e sim de precaução e de utilidade política a assimilação de deuses estrangeiros. Para os romanos não se devia fazer guerra con

tra os deuses do adversário, era melhor convidá-los a fazer de Roma sua segunda moradia, ou aceitar sua emigração definitiva. Trata-se da prática da evocatio. Também, reconheciam a existência dos deuses dos povos vizinhos que tinham funções semelhantes àquelas de deuses já existentes em Roma. Assim, pela interpretatio tais deuses eram assimilados e seus nomes latinizados.

Portanto, os contatos amistosos ou militares com a di

versificada população da Itália engrandeceu o panteão romano. É o caso da adoção das divindades itálicas (Fortuna e Diana) e das divindades gregas (Hércules, Apolo, Mercúrio).

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Em torno destes deuses empreendia-se o culto público,

sob o controle do Estado. Era efetuado por certo número deoficiantes e confrarias religiosas, tendendo para o fracionamento e para a especialização. Havia uma hierarquia sacerdotal constituída pelos flâmines, autônomos e ligados cadaum a uma divindade da qual tiravam o seu nome. Além dosflâmines existia o Colégio dos Pontífices que cuidava dos cultos sem titulares e fiscalizava a realização das festas. A eleestavam vinculadas as seis vestais. Protetoras do povo roma

no, alimentavam o fogo sagrado da cidade que nunca poderia extinguir-se. Acrescentam-se, ainda, as confrarias especializadas numa técnica religiosa particular, como, por exem plo, os 20 Festiales que sacralizavam as declarações de guerra e os tratados de paz.

Apesar de a religião romana ter sofrido ao longo dosséculos grande influência estrangeira, apresentou originalidade compatível com a mentalidade dos romanos. É uma religião que vinculava uma comunidade de homens com um círculo de deuses, na qual a piedade, as crenças pessoais e asrelações do indivíduo com a divindade não estavam em primeiro plano e sim, o culto, cuja principal manifestação erao cumprimento dos ritos, oferendas, sacrifícios que os homens faziam aos deuses para receber o que necessitavam.

Portanto, paralelamente à formação social estruturou-

se um pensamento religioso carente de mitos, pragmático,marcado por alto nível de ritualização e por uma ausênciade reflexão filosófica sobre o cosmo em si.

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Mapa 1 — Aldeias Tiberinas

s

V

Aldeia

do \Quirinal| Aldeia

do Císpio

oo Aldeia

do FagutalAldeia

de ópíos

Aldeiado Aventino

 y vV

S

1000 2000

Esca la

L imi tes da L iga do Sep t imon ium

Fonte : H o m o , L. La ttalia primitiva y los comienzos dei im-perialismo romano. México, UTEHA, 1960. p. 72.

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Mapa 2 — Itália no VI século a.C.

Esferas de influência

ETRUSCA

Melpum

 Acer rae Ádria A t es te 

Rimini

CARTAGINESA

HELÊNICA

V o l t e r r a

P o p u l ó n i a

Vetulónia Volsini

ELBAT a r q u í n i a

Caere Roma

Cápua

Cumae

Nápoles

Elea

Nola 

Posidônia

Tarento  Metaponte

síbaris

LÍPARISPalermo

Sel inunte  Agrigen to

Crotona

Réggio Catânia

Siracusa

Locri

Fonte: Bloch , R. Os Etruscos. Lisboa, Verbo, 1970. p. 93.

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Mapa 3 — Roma e o Lácio no V século a.C.

0 10 20 30 40 50

Escala em milhas

Fonte: MacDona ld , A. H. Roma Republicana. Lisboa, Verbo,1971. p. 137.

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A República senatorial

Princípios norteadores das práticas institucionais

A história da República Romana concentrou-se em dois aspectos essenciais: internos (sociedade camponesa) e externos (sociedade em constante guerra). Tais elementos foram fundamentais para o desenvolvimento das práticas institucionais que se articulavam à mentalidade sócio-política dos romanos, baseada no respeito à tradição e costumes dos ancestrais e na ação. Desta forma, Roma constituiu-se aos poucos 

num Estado conquistador.O exercício da soberania na República era entendido co

mo o resultado da ação conjunta do Senado (Conselho Consultivo), das Assembléias e dos Magistrados. Idéia claramente visualizada pela sigla SPQR (Senatus Populusque Romanus  — Senado e o Povo Romano), sempre presente nas insígnias militares e nas construções públicas, que demonstrava a posição de preeminência do Senado.

A separação de poderes (executivo, judiciário, legislativo) era desconhecida em Roma. No entanto, procurou-se a estruturação de regras institucionais para controlar, limitar

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e impedir o abuso de autoridade por qualquer um dos três institutos políticos: (Senado, Povo e Magistrados). Contudo, a competência de cada um nunca foi bem delimitada, pois nunca existiu uma constituição republicana instituída por ato legislativo, e sim práticas constitucionais calcadas nos costumes e na tradição, havendo sempre a possibilidade de concentração de poderes facilitada pelas conjunturas históricas, quer internas quer externas.

Teoricamente, o Estado republicano reconhecia que o Povo Romano era a suprema fonte de poder legislativo, eletivo e militar. Significava, ainda, a participação da comunidade romana na riqueza comum e nos negócios do Estado e a existência do governo para o bem do povo romano, fornecendo garantia de liberdade pessoal e proteção dos direitos de cidadão. Não implicava isto, entretanto, um governo pelo povo romano, pois para o exercício do poder era preci

so ter dignitas (dignidade) e auctoritas (autoridade), qualificações que norteavam a vida pública e privada do cidadão romano. Dignidade significava o prestígio político daqueles que tinham condições sócio-econômicas para ocupar cargos públicos. Aos poucos foi revestida de caráter hereditário, tornando-se monopólio da aristocracia. A essência da autoridade na vida política consistiu na noção de que alguns indivíduos, por sua conduta moral e ação pública e militar, de

monstraram possuir autoridade superior aos demais para o exercício do poder. Esta noção engendrou um comportamento em geral amplamente aceito de obediência àqueles que publicamente possuíam autoridade. Daí a importância política da  auctoritas patrum (autoridade dos senadores).

O Senado, desde o início da República, exerceu uma posição de destaque no controle do Estado e na sociedade de  Roma. Só tinham acesso a este órgão os membros das gran

des famílias detentoras do direito de possuir imagens dos ancestrais e indivíduos que, por algum nobre motivo, tivessem se destacado socialmente, recebendo a qualificação de  novi

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homines (homens novos). Grupo social voltado basicamente para a exploração da terra, seja a atividade agrícola ou a pe

cuária. Recrutados estes, sobretudo, entre a aristocracia italiana inscrita na ordem eqüestre, rica classe censitária. A competência do Senado era total: administração interna, política externa, finanças, manutenção e preservação dos costumes e da tradição ancestral, órgão conselheiro dos magistrados, ratificação da eleição dos magistrados superiores (cônsules, censor e pretor) através da investidura da autoridade dos se

nadores. Não havia praticamente domínio no Estado em que os senadores não fizessem sentir a sua influência, fundam entada no prestígio político-militar, moral e na condição financeira dos senadores. Com posto por até trezentos membros, o Senado era o reduto quase fechado das mais influentes famílias aristocráticas autoperpetuadas no poder.

Diante da vitaliciedade dos membros do Senado era in

teressante para a  nobilitas (nobreza patrício-plebéia) reforçar a posição política e moral deste órgão, tornando-o a estrutura básica do governo republicano e, por conseguinte, consolidando o caráter conservador da sociedade romana.

O povo romano constituía-se do conjunto de cidadãos divididos em grupos em função das necessidades do Estado. Perante a lei, completada a pacificação de direitos em fun

ção da luta entre patrícios e plebeus, todos os cidadãos romanos eram iguais. Entretanto, a organização censitária criou 

um relacionamento desigual entre os indivíduos e os grupos, pois a finalidade do censo da população, feito de cinco em  cinco anos, era de caráter militar, fiscal e político.

Os cidadãos eram divididos em recrutáveis ( adsid ui), aqueles que tinham recursos suficientes e qualificação moral e cívica para participar das legiões, em oposição aos não-re- crutáveis, isto é, que não dispunham de recursos próprios  compatíveis com o último nível censitário, sendo por isto só  convocados em momentos de desespero. Estes últimos, ainda, eram divididos em  capite censi (cujo bem maior era sua

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própria pessoa) e proletarii (os que além de sua pessoa podiam oferecer ao E stado sua prole). Também entre os recru

táveis havia a divisão em unidades militares hierarquizadas e definidas de acordo com a fortuna, tipo de armamento e, por conseguinte, participação militar, a saber: os cavaleiros  e os infantes (infantaria dividida de acordo com o armamento que o cidadão pudesse adquirir).

Chegou-se em meados do IV século à seguinte organização censitária atribuída, por Tito L ívio e D ion ísio de H ali

carnasso, ao reinado de Sérvio Túlio, conforme já mencionamos: “ formavam a primeira classe aqueles que possuíam um censo de cem mil ases ou mais: dividia-se em oitenta cen túrias, quarenta de jovens e quarenta de homens maduros,  estes ficavam encarregados da custódia da cidade e aqueles  de fazer a guerra no exterior. Deu-se-lhes como armas defensivas o capacete, escudo, botas e couraça, tud o de cobre, 

e por armas ofensivas lança e espada. A esta primeira classe acrescentaram-se duas centúrias de operários, que serviam  sem levar armas e cujo trabalho consistia em preparar as máquinas de guerra. À segunda classe pertenciam aqueles cujo 

censo era inferior a cem mil ases até setenta e cinco mil, com punham -se de vinte centúrias de cidadãos jovens e velhos. As armas eram iguais às da primeira classe, porém o escudo era 

mais largo, e não tinham couraça. Para a terceira classe se  exigia um censo de cinqüenta mil ases: o número de centúrias, a divisão de idades, o equipamento de guerra, com exceção das botas, eram iguais aos da segunda. O censo da quarta classe era de vinte e cinco mil ases, e o número de centúrias igual ao da anterior; mas as armas eram diferentes consistindo de lança e dardo. A quinta classe era mais numerosa, compunha-se de trinta centúrias: estava armada com dardos e pedras e compreendia os  accensi, os que tocavam os berrantes e cornetas, divididos em três centúrias. O censo desta classe era de onze mil ases, e o resto das pessoas pobres, cujo censo não alcançava a tanto, ficou reunido em uma única

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centúria isenta de serviço militar. Depois de organizar e equipar a infantaria, formou (Sérvio Túlio) doze centúrias de cavalaria entre os principais da cidade: das três organizadas por Rômulo formou seis...” (Tito Lívio, I, 43), perfazendo um total de dezoito centúrias de equites equo publico (o Estado fornecia os cavalos e sua alimentação).

Naturalmente, esta organização seria impossível na época de Sérvio Túlio. Foi fruto de uma evolução compatível com 

o crescimento demográfico e o amadurecimento político e militar da sociedade romana.O exército republicano, em síntese, responsável pela con

quista, apresentava, em sua composição e sentimento, o caráter cívico. Era comandado por magistrados eleitos que, apesar da anualidade, poderiam ter sua gestão prorrogada. Outrossim, era marcante a solidariedade existente entre o estatuto político-jurídico do homem, sua renda e participação na 

guerra. A ampliação das atividades militares atuou como força de diluição deste espírito cívico do exército republicano, conforme veremos mais adiante.

Os entraves à participação política do povo romano

Além da exigência de dignidade e autoridade, para o efetivo exercício do poder e da posição preeminente do Senado, a participação política do povo romano foi restringida pelas práticas que norteavam o funcionamento das Assembléias romanas: Assembléia Curiata, Assembléia Centuriata e Assembléia Tributa.

A Assembléia Curiata formada por trinta cúrias gradualmente teve suas atribuições reduzidas aos assuntos religio

sos, testamentos e adoção. Conservou a votação da Lei Curiata de Império que outorgava o poder militar em Roma e nas regiões conquistadas aos cônsules e pretores.

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A Assembléia Centuriata desenvolveu-se à medida que o exército cresceu de importância na vida pública em Roma. Por outro lado, tornou-se necessário aperfeiçoar a organização do corpo cívico romano. Daí o relacionamento existente entre a criação da censura (443) e o desenvolvimento desta Assembléia. Era composta pelo povo armado de acordo com a organização censitária descrita anteriormente e, por esta razão, se reunia no Campo de Marte, fora do pomoerium. Suas 

atribuições eram: eleição dos cônsules, pretores e censores, decisão acerca das declarações de guerra e conclusão de tratados, processos de caráter político e aqueles que implicassem em pena capital, pois nenhum cidadão poderia ser condenado à pena máxima sem o direito de apelação ao povo romano.

A Assembléia Tributa era formada por todos os cidadãos agrupados nas tribos territoriais (total de trinta e cinco a partir de 241), quer dizer, segundo o local de residência. 

Também chamada de Conselho dos Plebeus, quando era presidida pelo tribuno da plebe, transformou-se na fonte essencial da legislação romana depois da aprovação da Lei Hortensia (287), que reconhecia legalmente os plebiscitos, abolindo a ratificação senatorial. Era de sua competência, ainda, a eleição dos magistrados inferiores (edis curuis e questores), além de julgar os crimes que implicassem em multas.

Para a compreensão das limitações da participação po

lítica do povo é fundamental o exame do funcionamento dessas Assembléias, assim como do sistema de votação. Obviamente, não reuniam a totalidade dos cidadãos. Muitos viviam longe da cidade e não dispunham de recursos, ou mesmo, não podiam abandonar suas tarefas para dirigir-se à cidade. O cidadão não possuía a iniciativa de propor candidatos para os cargos públicos, nem de introduzir projetos de lei ou levantar sugestões. Não havia debate. O cidadão ape

nas votava para eleger o candidato previamente indicado pelo magistrado responsável pela convocação da Assembléia ou para aprovar um projeto de lei. Todavia, isto também ocor

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ria em parte em Atenas. A grande limitação para a participação popular em Roma deve ser atribuída a outras práticas: inexistência de data fixa para as reuniões — estas podiam ser invalidadas ou suspensas diante de auspícios desfavoráveis. A contagem final dos votos baseava-se em grupos e não no voto individual. Na Assembléia Centuriata a votação era por centúria. Começava pelo voto das centúrias mais ricas (cavalaria e primeira classe), onde se obtinha a maioria 

absoluta por congregarem o maior número de centúrias. Freqüentemente não se fazia necessário convocar as outras centúrias para continuar o escrutínio. Os cidadãos mais ricos impunham, desta forma, sua vontade ao resto da população. Algo, também, constatável nas decisões da Assembléia Tributa, pois apesar de democrática em sua composição apresentava os mesmos problemas quanto ao seu funcionamento. Na prática, a inscrição em uma tribo dependia da vonta

de dos censores. Além disto, havia desproporção em relação ao número de tribos: trinta e uma tribos rurais ou rústicas e quatro tribos urbanas. Sem dúvida, a maioria permanecia com as tribos rústicas, onde os grandes proprietários de terras estavam inscritos. Pelo sistema de clientela, a Assembléia cada vez mais se prestava a manipulações eleitorais.

A instituição do tribunato da plebe teve como principal objetivo proteger o povo contra as ações dos senadores e ma

gistrados. Porém, diante do controle da máquina governamental pela aristocracia, os tribunos e demais magistrados passaram a ser agentes executores da vontade do Senado e, conseqüentemente, da aristocracia, da qual estes magistrados eram recrutados.

O primeiro estudo das instituições romanas foi feito pelo historiador grego Políbio de Queronéia. Relacionou o sucesso de Roma e a continuidade do seu crescimento com a 

sua constituição política, elaborada através de lutas e dificuldades. Considerou o sistema de governo romano ideal porque conseguiu ser a combinação dos três regimes políticos,

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formando uma “ constituição mista” . Políbio afirmou ter a 

constituição romana três institutos políticos soberanos: consulado revestido de caráter monárquico, Senado representando um governo aristocrático e o poder do povo evidenciando uma democracia. Analisou as atribuições de cada um destes institutos, concluindo que cada fonte de poder agindo de forma equilibrada, exercia controle efetivo sobre a outra. Assim, os aspectos aristocráticos, monárquicos e democráticos

 APARELHO GOVERNAMENTAL REPUBLICANO

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da constituição romana ficavam contrabalançados (Políbio, 

IV, 11-18).Todavia, conforme já demonstramos, tratava-se de um 

sistema de governo onde o espírito de eqüidade estava comprometido pelo controle do Senado sobre a política e a vida pública.

A possibilidade de evolução de um modelo democrático em Roma foi anulada pelos seguintes fatores: o funcionamento político-institucional da comunidade romana, as formas de relacionamento social baseadas na clientela, os mecanismos ideológicos e jurídicos que justificavam a obediência e desigualdade social, as exigências oriundas da conquista e expansão territorial (vide gráfico, p. 37).

Durante o III século a República Senatorial forneceu os instrumentos político e militar propícios para a conquista e a construção do império do povo romano, que no entanto 

acabou por comprometer a sua própria existência.

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4O domínio do mar 

Mediterrâneo

Inicialmente, Roma preocupou-se em afastar a ameaça de seus vizinhos próximos ao lado da Liga Latina: sabi

nos, équos, volscos e hérnicos. Paralelamente, envolveu-se na luta com as cidades de Veios e Fidena. A vitória sobre estas cidades e o sucesso sobre as investidas dos gauleses foram etapas importantes para a consolidação da posição romana no Lácio, desequilibrando suas relações com as demais cidades da Liga Latina, principalmente, Preneste e Tibur. Ambas disputavam, juntamente com Roma, a hegemonia na Liga. Este momento, cerca de 351, foi fundamental na his

tória da expansão romana. Época caracterizada pela ampliação das perspectivas políticas da cidade que buscou sair do estreito marco formado pelo Lácio e Etrúria meridional. Em 348, Roma firmou um tratado com Cartago cujo objetivo foi a delimitação de áreas de influência para ambas. Pretendeu- se manter a costa tirrena livre da ação cartaginesa (vide mapa 2, p. 28).

Penosos e confusos conflitos e batalhas levaram Roma 

a afirmar seu domínio sobre o Lácio e a Campânia. A Liga Latina, em 338, transformou-se em uma federação de cidades sob hegemonia romana.

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A intervenção de Roma na Campânia foi essencial para 

o cerco do Lácio, porém desencadeou o conflito com os samnitas. A vitória sobre os samnitas, após árduo e longo conflito (343 a 290), fortaleceu o domínio romano em toda a Itália Central, alargou sua área de influência na costa adriática e abriu caminho para a Magna Grécia (vide mapa 2, p. 28).

A intervenção militar romana nesta última região foi facilitada pelas dissensões existentes entre as cidades gregas, sobretudo Tarento. Esta cidade tinha no sul da Itália e no comércio do mar Adriático condições de manter uma posição hegemônica. Sentiu-se ameaçada pelo crescimento das áreas de influência romana na Itália Central. O conflito entre Roma e Tarento era iminente. Provocou o envolvimento de Pirro, rei do Épiro, no contexto itálico, projetando a imagem de Roma em escala internacional. Os romanos receberam embaixadores do Oriente e despertaram o interes

se do grego Timeu, que escreveu sobre sua civilização. Este período denotou progressos decisivos na expansão da economia monetária. Data-se de 287 a instituição dos  triunvi ri monetales e, da época de Pirro, a primeira emissão de didracmas de prata provenientes das oficinas de Nápoles e Cápua. Os problemas financeiros causados pelas guerras levaram ao início da cunhagem do denário. Estejamos de acordo com a tradição, que a data na época do Cônsul Q. Ogúlnio 

(269) ou com a crítica histórica que registra seu uso a partir de 214.Por outro lado, a despeito da expansão pelo sul da Itá

lia, as exigências da plebe eram no sentido de uma política orientada para a aquisição de terras ao norte. O ager gallicus e o  ager picenus sobre o tribunato de C. Flamínio (232) foram distribuídos em lotes para os cidadãos pobres a título individual e sem perda de cidadania. A ocupação dessas ter

ras provocou o retorno do perigo gaulês e a ação romana estendeu-se à Gália Cisalpina, com a fundação no vale do Pó das colônias de Cremona e Placência em 219.

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A política romana no mar Adriático para exterminar a ação dos piratas ilírios (229) revela a preocupação de proteger os comerciantes italianos, trazendo, como conseqüência, o envolvimento de Roma com a Península Balcânica (vide mapa 4, p. 48).

Em síntese, podemos dizer que na Itália e na costa tirrena Roma converteu-se em herdeira dos etruscos. Ao dominar a Magna Grécia assumia os interesses e problemas das 

colônias gregas. Conseqüentemente, seria a herdeira dos gregos contra Cartago na luta pela posse da Sicília (Primeira Guerra Púnica — 264-241).

As Guerras Púnicas marcaram a orientação política romana à escala mediterrânica. Após o primeiro conflito com Cartago, a Sicília foi transformada na primeira província romana, e as ilhas de Córsega e Sardenha também entraram na área de domínio romano. Depois da Segunda Guerra Pú

nica (218-202) as tropas romanas permaneceram no território da atual Espanha. Diante de suas riquezas e excelente posição estratégica, Roma expandiu sua área de influência e criou, em 197, duas províncias;  Hispania Ulterior (sul) e His

 pania Citerior (nordeste).Inicia-se, portanto, um período de mudança radical. A 

 jovem República, até então unicamente continental e agrícola, tornou-se senhora do Mediterrâneo Ocidental, engajou- 

se na economia helenística e, por conseguinte, não pôde evitar envolver-se na conjuntura oriental.

O declínio econômico, as tensões sociais e a discórdia que se propagavam pelo Oriente entre os reinos helenísticos (Macedônia, Egito e Síria) e a ameaça que estes exerciam sobre os pequenos Estados, facilitaram o êxito romano no Oriente.

Natureza do império do povo romano

Uma explicação para a formação do império do povo

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romano, ou hegemonia romana sobre áreas conquistadas e anexadas, fenômeno tão longo no tempo e de grande abrangência territorial, envolvendo tantos e mutáveis interesses dos mais variados grupos sociais e respondendo a circunstâncias diversas, conforme a evolução da conjuntura, não pode ser unilateral. Cabe lembrar que Roma foi levada, inicialmente, à conquista por necessidades vitais (defesa nacional, obtenção de terras, manutenção de pontos comerciais e estratégi

cos importantes, interesses da aristocracia pelos recursos provinciais) e, também, por mecanismos ideológicos, tais como o patriotismo e a necessidade de glória militar, indispensável para a obtenção da dignidade e da autoridade. Ainda, devemos examinar a ação diplomática, militar, fiscal, a interrelação existente entre a conquista e unificação do mundo mediterrâneo, e as instituições e práticas políticas republicanas responsáveis por sua execução e orientação.

O relacionamento de Roma com as áreas dominadas e reinos vizinhos delineou, desde o início, as etapas de sua ação militar e criou, pouco a pouco, um Direito comum a todos aqueles que não eram cidadãos romanos, originando o ius 

 gentium (origem do Direito Internacional).

Formas de organização das regiões

conquistadas

Roma, diante das circunstâncias históricas de determinados momentos e das especificidades apresentadas pelos territórios e cidades vencidos, estruturou dois sistemas distintos para organizar as áreas conquistadas na Itália: anexação e federação.

Parte do território anexado converteu-se no ager romanus, ou melhor, formava as trinta e cinco tribos. Todos os seus habitantes, com exceção dos escravos, eram cidadãos romanos com plenos direitos, ou seja, possuíam os direitos po-

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líticos (jura publica): direito de participar das Assembléias romanas e de eleger os magistrados (ius suffragii) e de ser eleito (ius honorum). E, também, os direitos civis (iura privata): direito de matrimônio romano (ius conubii) e direito de propriedade (ius commercii).

Os municípios

Todas as cidades preservadas por Roma e localizadas no território anexado foram transformadas em municípios. A  criação do sistema municipal correspondeu à conscientização da política unificadora de Roma. Os municípios tornaram- se parte de um Estado unificado, cujo único elo de ligação era Roma. E esta é a idéia de município, que em sua essência sobrevive até hoje. O município era uma cidade autônoma com suas próprias leis, costumes, magistrados e Assembléias. 

Seus habitantes possuíam a civitas sine suffragio (cidadania incompleta, quer dizer, sem os direitos políticos). Outros municípios chamados de prefeituras eram administrados por prefeitos enviados de Roma. Estatuto aplicado, principalmente, como castigo depois das deserções.

Todos os cidadãos, inclusive aqueles que possuíam a cidadania incompleta, deviam pagar impostos e ser recrutados para as legiões.

A relação de dependência entre Roma e as aristocracias que administravam os municípios fortaleceu os laços de fidelidade a Roma, consolidando seu domínio na Itália. A partir do II século aqueles que exerciam magistraturas locais tornavam-se automaticamente cidadãos romanos. Acelerava-se, assim, o processo de expansão da cidadania — um dos fatores que, entrementes, contribuiu para descaracterizar a estrutura republicana romana.

As cidades federadas teoricamente eram independentes de Roma, mas ligadas a ela por tratados de aliança, revogáveis de acordo com o arbítrio romano. Os habitantes destas

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cidades eram designados de socii (aliados) e deviam abastecer Roma de contingentes para as tropas auxiliares.

 A s colônias

A fundação de colônias revelou-se importante mecanismo de romanização da Itália. As colônias foram cidades fundadas por Roma, povoadas por cidadãos romanos que con

servavam a cidadania (colônia romana com objetivos militares), ou por latinos e romanos que perdiam a cidadania (colônias latinas com objetivos agrícolas). Assim, nasceu o conceito jurídico de direito latino. Tinham autonomia interna total, com seus próprios magistrados, beneficiavam-se com o direito de propriedade e matrimônio com Roma, mas deviam fornecer homens para os corpos auxiliares. Já no III 

• século Roma manifestou o interesse de enviar grupos de ci

dadãos romanos, ou latinos para fundar colônias fora da Itália. Foi, entretanto, no II século que estas colônias marítimas ou de povoamento revelaram-se numa forma de enviar para longe os proletários, objetivando descongestionar Roma.

 A s províncias

A expansão fora da Itália implicou na criação de um sis

tema que assegurasse e reforçasse a autoridade romana nestes territórios anexados, chamados de províncias. A vitória significou a perda da independência local e este estado de submissão era traduzido pela presença do governador (procônsul ou propretor designado para uma determinada província pelo Senado), representante da majestade do povo romano e pelo pagamento do imposto, cuja cobrança dependia do estatuto da cidade provincial perante Roma. As atribuições dos 

governadores eram amplas: controle administrativo geral da província, comando da guarnição militar permanente e administração da Justiça.

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Não existiu um sistema provincial unificado, nem uma 

homogeneidade de estatutos das cidades provinciais perante Roma. A definição do estatuto de uma província e das suas respectivas cidades dependeu das circunstâncias históricas do processo de conquista. Geralmente a organização da província dependia do promagistrado que a conquistou, auxiliado ou não por uma comissão senatorial e passível de ratificação pelo Senado de Roma.

Em linhas gerais, as cidades provinciais foram divididas em: federadas, imunes e estipendiárias. Somente estas últimas encontravam-se submetidas, sem limites, à autoridade do governador e pagavam a totalidade dos impostos diretos e permanentes (sobre as pessoas —  tributum per capita — e sobre a produção da terra —  decumana ou vicesima — e sobre a exploração das minas — metalla) e os impostos indiretos (principalmente os direitos alfandegários — portoria). A organização fiscal das províncias deu início à exploração sistemática, por Roma, do mundo mediterrânico, possibilitando um equilíbrio financeiro do Estado.

As finanças públicas ficavam sob a responsabilidade dos magistrados (censores e questores), mas o Senado tinha o controle absoluto do Tesouro de Saturno. A organização financeira do Estado era regulada por dois princípios fundamentais. As despesas ordinárias (despesas religiosas, cons

truções, festas públicas) deveriam ser cobertas tanto quanto possível pelas rendas provenientes do arrendamento das terras públicas, excluindo todo o imposto direto e regular, que era visto como uma forma de submissão, conforme frisamos acima. No entanto, os impostos indiretos e taxas aceitáveis eram entendidos como uma forma de empréstimo ao Estado, para fazer frente às despesas extraordinárias, sobretudo aquelas decorrentes das guerras. Desta forma, o impos

to direto proporcional à renda do cidadão não feria o espírito cívico, sendo revestido de caráter temporário e extraordinário. Não significava, como no caso das províncias,

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uma apropriação do Estado sobre os bens particulares, tan

to que poderia ser reembolsado ou suspenso, como aconteceu de 167 a 43. Tal suspensão foi possível diante dos ingressos provenientes da conquista e exploração das províncias, pois os encargos fiscais passaram a recair sobre os aliados e vencidos.

Até meados do II século o direito internacional e a diplomacia romana fundamentavam-se em um princípio de fundo religioso e moral, que norteou as relações com os aliados e seu rei. A Boa Fé era uma relação recíproca, que implicava, por parte do vencedor, obrigações de clemência, proteção, moderação, e selava os compromissos diplomáticos. Podemos compará-la aos laços de clientela, bases da vida social, econômica e política da aristocracia romana. Ao ser aplicada em política externa criou, como nos mostra E. Badian, uma clientela estrangeira. Reforçou-se, então, a noção de 

guerra justa e a justificativa jurídica e religiosa da ação militar romana em defesa dos seus sócios e reinos aliados.Entretanto, ao passo que se consolidava na mentalida

de dos dirigentes romanos a idéia da missão de Roma, predestinada a formar o império universal, e que se desenvolvia uma economia dependente dos recursos provenientes das províncias, notamos uma mudança nos argumentos que defendiam a guerra. Nos discursos aparecem então a noção de guer

ra preventiva, pois Roma não poderia ter como vizinho um rei ou uma cidade militarmente forte, que pudesse vir a contestar sua hegemonia ou ocupar locais estratégicos, tanto do ponto de vista militar como econômico. Transformação perfeitamente visualizada nas etapas da ação romana no Oriente. Inicialmente, Roma procurou defender-se dos desejos expansionistas dos reinos da Macedônia e da Síria, convertendo- se em protetora das cidades gregas e pequenos Estados hele

nísticos. O protetorado configurou-se numa relação de “vassalagem” e ao suscitar revoltas consagrou a dominação absoluta de Roma. Neste contexto inscrevem-se a formação da

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província da Macedônia em 149, a destruição de Corinto e 

Cartago e a criação da província do Norte da África em 146. Roma passou a ser guiada pela doutrina segundo a qual os reis ou os povos livres, independentes e amigos de Roma, deviam esta situação à vontade do povo romano. Tal postura explica a configuração do Estado romano como explorador e orientou, juntamente com as ambições dos imperatores (generais), as conquistas e anexações do I século.

Ao proceder desta forma, Roma adquiriu territórios na Ásia e os converteu em províncias: primeiro o Reino de Pérgamo, que ao ser doado pelo rei Átalo III aos romanos em 133 converteu-se na província da Ásia; a Cilícia em 100; Cirene em 74 e Chipre em 58. A vitória sobre Mitrídates, rei do Ponto, após um conflito que prolongou-se de 87 a 63, teve como resultado a organização, por Pompeu, das províncias da Bitínia-Ponto e Síria.

Durante estes mesmos anos, Roma teve de combater os gauleses na região da Gália Cisalpina e Transpadana. A grande preocupação era manter livre a comunicação entre a Itália e as províncias da Espanha, cuja resistência só terminou com a destruição de Numância em 133 por Cipião Emiliano.

Contudo, o domínio romano na Gália meridional foi estendido até o rio Reno graças às vitórias de Júlio César entre 58 e 51. Sob a ditadura de Júlio César a única anexação foi  

a província da África Nova (46). O Egito, possivelmente desde 168 sob protetorado informal de Roma, continuou como reino “vassalo” . Talvez, César tivesse resguardado a independência do Egito para transformá-lo em área de sua influência pessoal, conforme faria mais tarde Otávio Augusto.

A Roma republicana conseguiu realizar a unificação da  oik om éné , extrapolando os limites da pólis (cidade-estado) clássica e transformando-se em cosmopólis (cidade universal).

1 Roma passou a gerir as riquezas das comunidades organizadas do Oriente e das regiões tribais do Ocidente.

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Mapa 4 — Roma e a Itália no III século a.C.

Cartago

Messana^ y Rég io

Tauromenio

Siracusa

Mar Mediterrâneo

Fonte: C r a w f o r d  , M. La República Romana. Madrid, Taurus,1981. p. 202.

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   M  a  p  a

   5  —

   A  s

  c  o  n

  q  u   i  s   t  a  s

   d  a

   R  o  m  a

   R  e  p  u   b   l   i  c  a  n  a

49

       2 , 

  c  o  n  q  u   i  s   t  a

  s

   d  o

   I   I  s   é  c  u   l  o  :   3 ,  c  o  n  q  u   i

  s   t  a  s

   d  o

   I  s   é  c  u   l  o ,  a  n   t  e  s   d  o

  c  o  n  s  u   l  a   d  o

   d  e

   C   é  s  a  r   (   5

   9   )  ;

       4 , 

  c  o  n  q  u   i  s   t  a

  s

  r  e  a   l   i  z  a   d  a  s

  p  o  r

   C   é  s  a  r

  e

  c  o  n  s  e  r  v  a   d  a  s

  p  o  r

   A  u  g  u  s   t  o .

       F     o     n       t     e     :

  a  y  m  a  r   d ,   A .  e  a  u   b  o  y  e  r ,   J .   R  o  m  a

  e  s  e  u

   I  m  p   é  r   i  o

 .   S   ã  o

   P  a  u   l  o ,   D   i   f  e   I ,   1   9   7   4 .

   t .   I   I ,   1 .  v .  p .   9   0 .   C  o   l  e  ç   ã  o

   H   i  s   t   ó  r   i  a

   G  e  r  a   l    d  a  s

   C   i  v   i   l   i  z  a  ç   õ  e  s

 .

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Não conseguiu apoderar-se de todo o antigo Oriente 

Próximo, limitando suas aquisições às terras a oeste do rio Eufrates. Dos impérios que a precederam, Roma conservou apenas as regiões gregas e helenizadas. Porém, a perda das regiões além daquele rio foi compensada pela expansão no Ocidente, proporcionando à Roma edificar de forma original e determinar, por muitos séculos, o destino de um império mediterrânico.

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5A desarticulação do sistema republicano

O mundo mediterrânico unificado por Roma, desde oII e I séculos (vide mapa 5, p. 49), não se constituiu numasociedade global. Podemos falar de unificação política e administrativa de um conjunto de cidades e monarquias de etnias diversas repartidas em várias formas lingüísticas ou culturais, com estruturas sócio-econômicas próprias. Roma permitiu a existência de diversas formas econômicas e sociais adaptadas a realidades regionais, sem transformar a estrutura de produção, como por exemplo no Egito. No entanto,a unidade política levou à formação de um sistema de mer

cados interlocais e interdependentes generalizando as formasde trabalho e agilizando as atividades mercantis e financeiras. O Império constituiu-se num importante mercado parao escoamento da produção agrícola e inversão da riqueza daaristocracia italiana. A criação dos mecanismos de exploração sistemática através do sistema fiscal canalizou para a Itáliaos recursos provinciais.

Gradualmente, a economia romana passara a depender 

em escala crescente das províncias. É neste sentido que podemos falar em imperialismo romano, qualificando-o comoelemento mantenedor do Estado e da aristocracia.

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Os frutos da vitória, apesar da divisão de pilhagem en

tre os soldados e da isenção do pagamento pelos cidadãos romanos do imposto, a partir de 167, foram distribuídos de forma desigual entre o Estado e os cidadãos. Os ingressos provenientes da exploração permanente dos recursos provinciais foram retidos pelo Estado e sua aristocracia, contribuindo para acentuar a divisão entre ricos e pobres.

As tentativas de adaptação da administração e conservação do Império aos quadros institucionais tradicionais deu início a um processo de mudanças que desarticulou as bases sócio-econômicas, políticas, administrativas, militares e culturais da estrutura republicana. A vida simples ou mesmo rude que levava nos campos o proprietário/cidadão/soldado, atendendo às necessidades de seu rebanho e manejando com suas próprias mãos a charrua, permaneceu como uma espécie de ideal. Ideal que simbolizou o tradicional Estado camponês 

republicano romano.

Transformações sócio-econômicas

Ao analisarmos as fontes, principalmente Catão, Salústio, Cícero, Apiano e Plutarco, nos deparamos, a partir de meados do II século, com uma realidade sócio-econômica de 

crise gerada por um processo de mudança, na qual atuaram de forma articulada os seguintes fatores: cisão de interesses políticos no interior da classe dirigente romana, crescente demanda militar que afastava o camponês de suas terras, afluxo de riquezas para a Itália e sua inversão na compra de terras, formação de vastas propriedades agrícolas, cuja produção em grande escala voltava-se para uma economia de mercado, crescimento da escravidão, êxodo rural em direção aos 

grandes centros urbanos, empobrecimento do campesinato e aumento do proletariado urbano que congestionava as grandes cidades, principalmente Roma.

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Ordem senatorial e ordem eqüestre

Tem-se comumente a idéia de que a nobilitas (aristocracia) sofreu como conseqüência do imperialismo romano uma cisão que comprometeu o equilíbrio político: senadores detentores do controle da política romana e eqüestres encarados como uma nova classe social emergente. Alguns historiadores acreditam que a aprovação da Lei Cláudia, em 218, 

pela qual os senadores e seus filhos estavam proibidos de possuir navios com capacidade superior a 80 hectolitros (Tito Lívio, 63, 3), foi uma demonstração do poder dos eqüestres. Assim, os cavaleiros (eqüestres), elementos mais ricos depois dos senadores, desfrutariam, para compensar a perda do poder político, do monopólio e benefícios das atividades financeiras nas áreas conquistadas.

É evidente que tais conclusões carecem de críticas. A Lei 

Cláudia não funcionou na prática, pois os senadores, através de agentes, não deixaram de participar das lucrativas atividades comerciais, financeiras (empréstimo a juros), do arrendamento de impostos provinciais e outros serviços públicos. Além disto, esta explicação nos parece muito sistemática e insuficiente para a compreensão de um fenômeno social de grande importância política para a desagregação do sistema republicano.

A distinção entre senadores e eqüestres é fruto de um processo global de mudança da sociedade romana, no qual é óbvio que a conquista tem uma importância capital ao lado da formação de mecanismos de exploração e de grupos que cada vez mais lucravam e buscavam controlar e monopolizar a exploração do Império. Cabe lembrar que a organização censitária incluía 18 centúrias de cavalaria mantidas pelo Estado. Tradicionalmente, aceita-se que em 400 esta força foi suplementada por homens que podiam manter seus próprios cavalos. O censo exigido era igual, tinham os mesmos privilégios e prestígio, mas não faziam parte das 18 centúrias

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eqüestres. A partir de fins do III século os cavaleiros romanos tornaram-se essencialmente uma classe da qual Roma extraía seus oficiais para o exército, comandantes militares e governadores de província. As 18 centúrias de cavalaria mantidas pelo Estado permaneceram com seu importante papel de voto na Assembléia Centuriata. Eram recrutados pelos censores entre aqueles cuja elevada posição sócio-econômica e política era o pré-requisito. Os senadores podiam ser recru

tados nesta classe. Nos últimos 150 anos da República a fonte de bens materiais individuais destes eqüestres variava muito: uns tinham suas riquezas baseadas nas atividades ligadas à exploração da terra, outros lucravam com o desenvolvimento das atividades financeiras e mercantis. Dentre estes últimos, devemos considerar um número bastante significativo de homens provenientes dos municípios italianos. Sem dúvida, seus lucros também eram investidos na compra e explora

ção da terra, que continuava sendo o padrão de riqueza. Portanto, o Senado era formado em parte por famílias de origem eqüestre, muitas das quais derivadas dos homens novos. É preciso, por outro lado, levar em conta que certos indivíduos, procedentes de família senatorial, ou mesmo, simplesmente, da aristocracia não se interessavam, por uma razão ou por outra, pela carreira das honras, preferindo ser apenas cavaleiros. Além disto, não podemos desconsiderar a existência 

entre eqüestres e senadores de laços estreitos diante das relações de parentesco e alianças. Portanto, não existia uma oposição formal entre senadores e eqüestres, que desfrutavam do mesmo gênero de vida, tinham os mesmos gostos e idéias políticas. Inicialmente, o que distinguia o cavaleiro do senador, não era sua origem, fortuna, parentesco, mas a ausência de honras públicas. No entanto, a divergência entre senadores e eqüestres começou a ficar mais clara e concreta em meados do II século: em 129, um plebiscito ordenou aos senadores entregarem os cavalos pertencentes ao Estado, consolidando a exclusão convencional dos senadores dos contratos públicos.

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A ausência de funcionalismo obrigou o Estado Romano a lançar mão da iniciativa privada para realizar a administração fiscal e demais serviços públicos nas áreas conquistadas. Assim, no final do III século começaram a surgir as chamadas sociedades de publicanos, cuja atividade principal era a adjudicação de serviços públicos ligados ao suprimento de víveres e equipamentos para o exército em campanha. O arrendamento de negócios públicos implicava garantias, 

tanto em terras como em dinheiro. Não era necessário ser eqüestre para efetuar os contratos públicos.As novas conquistas da primeira metade do II século fa

voreceram as atividades dos mercadores e publicanos, ampliando suas áreas de atuação pelo mar Mediterrâneo.

As grandes fortunas — deixando de lado a agricultura e os lucros gerados pelos encargos públicos, principalmente o governo de uma província — apareceram com a adjudica

ção pelos publicados dos contratos públicos para construção de edifícios, estradas, exploração das minas, pedreiras e florestas e, sobretudo, da arrecadação dos impostos das províncias. Aos poucos, diante do seu enriquecimento e de sua crescente importância econômica dentro do Estado, os publicanos foram se transformando num poderoso grupo dentro da “ordem” eqüestre. O termo ordem (ordo) aplicado a senatoriais e eqüestres começava a ganhar maior força. Im

plicava na noção de um grupo juridicamente determinado e recrutado pelo Estado em função das suas necessidades públicas e militares, a partir de critérios: censitários (censo mínimo de 1 000 000 de sestércios para ingressar na ordem senatorial e 400 000 sestércios para a ordem eqüestre, a partir de meados do II século), morais e cívicos. A vida do cidadão é articulada e definida pela sua participação no Estado.

Diante da ação dos publicanos não é difícil concluir que 

o Estado romano dependia deles para a exploração dos recursos provinciais. Por outro lado, os publicanos encontraram-se dependentes dos senadores, responsáveis pela conces

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são dos contratos públicos. O fortalecimento econômico e social deste grupo começou a provocar medidas restritivas, por parte do Senado, para a concessão da fiscalização dos contratos públicos: em 167 recusou-se a arrendar aos publicanos a exploração das minas de ouro e prata da Macedônia; em 149, foram criados os tribunais permanentes compostos de senadores, encarregados de julgar os casos de extorsão nas províncias.

Portanto, a cisão no seio da elite romana é fundamentada na função exercida na vida pública, afiançando-se à medida que a ordem senatorial se transformou numa oligarquia que monopolizava o controle da política interna e externa de Roma. As divergências entre o Senado e a ordem eqüestre se manifestaram na luta pelo exercício do poder, sendo caracterizadas não como rivalidades sociais e sim políticas e circunstanciais.

Marco Túlio Cícero (106-43), apesar da sua posição de homem novo pertencente à ordem eqüestre, conseguiu penetrar nas fileiras da aristocracia romana, alcançando os mais elevados cargos públicos. Colocou sua inteligência, sabedoria e eloqüência em defesa da República Senatorial. Desta forma, durante o seu consulado em 63, defendeu inutilmente uma política moderada, cuja essência era a união da ordem senatorial e da ordem eqüestre (concordia ordinum), objeti

vando buscar uma solução para pacificar a República.

 A questão agrária e a ampliação do uso da 

mão-de-obra escrava

A tendência para a formação dos latifúndios começou no II século, estendendo-se ao longo da fase imperial. Foi uma evolução lenta e variável de acordo com as regiões da Itália. Os mecanismos de concentração de terras utilizados pela aristocracia romana e italiana variaram: ocupação de terras abandonadas pelos camponeses que não voltaram da guer

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ra ou que não tiveram condições para recuperar suas terras; compra de terras como forma de inversão de riquezas obtidas pelas atividades financeiras ou cargos públicos e usurpação de terras do domínio público. O crescimento do latifúndio foi acompanhado por mudanças na forma de utilização mais lucrativa do solo, através do cultivo da vinha e da oliveira e da incrementação da pecuária extensiva, sobretudo, no sul da Itália. Produção que encontrou melhor colocação 

nos mercados urbanos, principalmente Roma, diante da concorrência dos cereais provenientes das províncias. Não podemos dizer, porém, que o cultivo de cereais tenha desaparecido, assim como também não desapareceu da Itália a exploração em pequenas propriedades.

Concomitantemente, desenvolvia-se a utilização da mão- de-obra escrava. Não aceitamos a idéia de que a introdução em larga escala do escravo-mercadoria teve como conseqüên

cia a expulsão do camponês de suas terras. Preferimos aceitar as explicações de M. Finley, que demonstram a necessidade de utilização de mão-de-obra extrafamiliar desde o V século, como foi o caso da escravidão por dívidas e da clientela. Naturalmente, diante das transformações da economia agrária italiana no II século, houve necessidade crescente de utilização de uma força de trabalho regular e permanente que pudesse atender a uma produção em grande escala. O apri

sionamento do vencido e a perda de sua liberdade aliada às condições resultantes da conquista propiciaram a formação de uma estrutura de produção cuja força de trabalho predominantemente constituiu-se de escravos, ou seja, em termos marxistas, criaram as condições necessárias para o desenvolvimento do modo de produção escravista.

Tomou-se necessário buscar fora da sociedade romana uma fonte de mão-de-obra, algo que não poderia ser consti

tuído pelo mercado de trabalho livre, mesmo diante da existência de grande número de cidadãos sem terra ou subempregados que viviam às custas da clientela e das liberdades

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do Estado, num ambiente de mendicidade e ociosidade. A  noção, de cidadão, já tornava impossível utilizá-los como força de trabalho regular; estavam expostos ao recrutamento militar e “o homem livre era o que não vivia sob o domínio de outrem em benefício deste; que vivia preferivelmente da herança de seus ancestrais, com seus templos e tumbas familiares” (M. Finley).

Na condição de mercadoria, o escravo era uma proprie

dade, assim como sua força de trabalho que poderia ser utilizada sem restrições. Além de empregado no campo, encontramos também o trabalho escravo monopolizando a produção em grande escala dos setores urbanos (atividades mercantis e financeiras). Desta forma, achamos a força de trabalho escravo distribuída em todos os setores da economia romana, em condições de vida e trabalho extremamente variáveis.

Havia uma considerável minoria de escravos que tinham 

prestígio, poder e influência social muito significativa. A escravidão levou para Roma indivíduos de grande cultura (filósofos, professores, médicos). Da mesma forma que um homem livre poderia tornar-se escravo, também a escravidão não era necessariamente eterna. Foi uma originalidade da civilização romana permitir que o liberto chegasse a ser cidadão, diferentemente da Grécia, onde o ex-escravo passava à condição de meteco. Eram várias as formas de manumissão, 

sendo a por testamento mais comum.A instituição do peculium desenvolveu-se mais em Ro

ma do que na Grécia. Aquele que o possuía tinha total liberdade no seu uso. Tratando-se de um escravo, poderia comprar sua liberdade com os lucros obtidos e continuar administrando os lucros oriundos do pecúlio, na condição de liberto. Desta forma, a utilização pelo escravo ou liberto de um pecúlio lhe dava uma vantagem decisiva sobre os homens 

livres e constituiu-se num fator básico para o predomínio no comércio e no artesanato de tais escravos e libertos. Uma explicação para a significativa quantidade de manumissões no

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final da República baseia-se no fato do liberto continuar ligado ao seu antigo amo e à sua família por um conjunto de obrigações, que inclusive passavam para seus herdeiros.

Torna-se importante mencionar que as revoltas de escravos do final do período republicano, principalmente a rebelião de escravos na Sicília (135) e o movimento liderado por Espártaco (73), não podem ser encaradas como lutas de classes. Veremos adiante que os conflitos entre os círculos 

de liderança formados pela elite romana que disputavam direitos e privilégios foram os responsáveis pelas crises do final da República. As revoltas de escravos representaram tentativas de busca de liberdade individual e não de abolição da escravatura como instituição.

Cabe ressaltar a coexistência do trabalho livre assalariado e do trabalho escravo, tanto no campo como na cidade. Enquanto a mão-de-obra escrava se relacionava em parte com 

a produção em grande escala e era caracterizada como a única forma de trabalho obrigatório e constante, podemos qualificar a mão-de-obra livre assalariada como esporádica e irregular, mas fundamental tanto para a agricultura como para serviços especializados.

Por que a questão agrária, problema crônico da cidade romana, adquiriu diante desta conjuntura de mutação sócio- econômica um aspecto de violenta crise política? Sua expli

cação envolve a análise do movimento recíproco de camponeses sem terra, terras sem camponeses e concentração das terras públicas.

Os acontecimentos em torno das tentativas de reforma agrária empreendidas pelos Gracos entre 133 e 122 foram determinados pelas seguintes características estruturais: onipotência da oligarquia senatorial, que transformava o poder das Assembléias em puramente formal, para a aprovação das leis; os tribunos da plebe, transformados em agentes da nobreza, distanciavam-se, cada vez mais, da sua real competência de proteção dos interesses específicos do povo, preocupando-se

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em percorrer os cargos públicos para ascender ao Senado; o empobrecimento do campesinato afetou o exército romano, ao dificultar o recrutamento, debilitar seu poder combativo e comprometer a disciplina; a concentração das terras públicas pela aristocracia, que com toda impunidade não cumpria as disposições que procuravam regular sua posse (le

 gislação de modo agrorum) e não pagava os impostos devidos. Aos poucos estas terras eram incorporadas aos domí

nios privados desta aristocracia que julgava, assim, ter sobre elas os direitos de propriedade privada.Cabe lembrar que a situação jurídica destas terras, co

mo bem coletivo do povo romano, somente conferia ao seu ocupante a posse e não a propriedade — justificativa suficiente para legitimar sua redistribuição. Baseando-se neste aspecto jurídico, Tibério Semprônio Graco elaborou em 133 um projeto de lei diferente da legislação precedente que pro

curava regular a sua posse. Desafiando a tradição, não consultou o Senado, apresentou seu projeto diretamente a o povo romano reunido na Assembléia Tributa. Insultou, mais ainda, a tradição ao quebrar o veto do tribuno Otávio, que colocou-se contra o projeto de lei de Tibério e, ao ser acusado de estar agindo contra o interesse do povo, foi deposto.

A Lei Semprônia foi uma proposta de reforma agrária: determinou a redivisão das terras públicas retidas ilegalmen

te, em pequenos lotes inalienáveis de 30 jeiras, aos cidadãos pobres que pagariam ao Estado uma renda fixa. Lembrava as disposições da Lei Licínia ao estipular que cada cidadão não poderia ocupar mais de 500 jeiras (125 hectares) de terras públicas, ou o máximo de 1 000 jeiras se tivesse dois filhos. Sobre estas terras o cidadão teria a propriedade privada. Com o objetivo de realizar a recuperação das terras públicas e sua redivisão, foi criada uma comissão de três membros com 

plenos poderes. Acentuou-se a inquietação e oposição quando Tibério, além de estar ameaçando a ocupação da terra, invadiu a jurisdição do Senado ao propor ao povo uma lei pela

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qual o Tesouro do Reino de Pérgamo deveria ser usado para 

financiar a reforma agrária e o estabelecimento dos novos camponeses. Os senadores não puderam impedir a aprovação da Lei Semprônia, mas assassinando Tibério e dificultando os trabalhos da comissão procuraram impedir sua prática.

Dez anos mais tarde Caio Graco apresentou um programa de reformas mais abrangente e sistemático. Tentou unir ao seu redor todas as forças antagônicas à oligarquia senatorial, elaborando projetos de lei que interessariam tanto 

àqueles que queriam terras, quanto ao proletariado urbano e aos eqüestres.

Tibério, além de quebrar a tradição e pôr em questão a propriedade privada de parte das terras da elite, ensaiou desviar para a Assembléia Tributa a decisão sobre a administração financeira e provincial, prerrogativa exclusiva do Senado, Caio Graco feriu mais ainda o poder dos senadores com a lei judicial, que substituía os senadores pelos eqüestres na composição dos tribunais permanentes. Caio levou para a Assembléia Tributa a decisão sobre a criação da província da Ásia (região do Reino de Pérgamo), e sobre a forma de percepção dos seus impostos. Abriu esta rica região para a ação das sociedades de publicanos. Além de insistir na reforma agrária, conseguiu a aprovação da Lei Frumentária (o Estado venderia o trigo abaixo do preço para os cidadãos roma

nos), que evoluiu mais tarde para a distribuição gratuita do trigo, constituindo-se em importante arma política. Elaborou projetos de construções públicas e de colonização fora da Itália como forma de escoamento do proletariado urbano. Estas disposições revelam o objetivo evidente de ter ao seu lado o campesinato sem terra e o proletariado urbano.

Na ação de Tibério e Caio Graco podem estar entrelaçados sentimentos de ambição pessoal, vingança, influência 

de princípios filosóficos, mas sobretudo o desejo de normalizar a situação sócio-econômica e conter o exclusivismo da oligarquia senatorial.

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Objetivaram reconstruir a classe média rural através do 

estabelecimento de pequenas propriedades, incentivando o retorno à terra de um campesinato convertido em proletariado urbano, o que dificultava o recrutamento e depreciava o potencial do exército romano. Para conter o monopólio senatorial, buscaram reforçar a atuação política da Assembléia Tributa, através da obtenção da maioria de votos, do desvio para esta Assembléia das prerrogativas principais do Senado e ampliando o número de cidadãos com a extensão da cidadania romana aos italianos.

Por que a crise provocada pelas tentativas de reformas dos Gracos é considerada como o período que inaugurou o século de ilegalidades e lutas entre os círculos de liderança que levou o sistema republicano à total desarticulação?

O problema agrário não foi resolvido e o conflito pela propriedade privada da terra na Itália constituiu-se num ele

mento fundamental na atividade política. O exemplo dos tribunos Gracos demonstrou à sociedade romana a importância de um líder para conter o exclusivismo político senatorial. A preeminência política que os Gracos quiseram dar à Assembléia Tributa investiu, na verdade, o tribuno que por sua eloqüência, genialidade, popularidade, se colocava acima dos seus colegas, afirmando seu poder pessoal sobre uma base civil. Demonstrou ser o tribunato da plebe importante 

instrumento na luta contra o Senado.Ao pretender estender a cidadania romana aos italianos, Caio perdeu grande parte de sua popularidade e apoio político, além de fortalecer o descontentamento dos “sócios” (italianos). Esta questão evoluiu até transformar-se num conflito armado contra Roma (Guerra Social — 91-89) e, por conseguinte, abrir caminho à extensão da cidadania romana a todos os habitantes livres da Itália.

Com a aprovação de medidas que lhes eram favoráveis, os eqüestres, sobretudo os publicanos, se conscientizaram de sua força e importância política.

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Procurando conter e anular a atuação de Tibério e Caio 

Graco, o único recurso do Senado foi declarar a República em perigo e autorizar os cônsules a utilizarem o exército para restabelecer a ordem na cidade. O Senado criava, então, uma nova arma: o senatus consultum ultimum , ressurreição da antiga ditadura, ou melhor, um golpe de Estado que legalizava o assassinato de cidadãos romanos. Daí em diante, a violência não se desligou mais da vida política em Roma.

A violenta reação senatorial, os assassinatos de Tibério 

e Caio e o fracasso dos objetivos que nortearam as Leis Semprônias demonstraram a impossibilidade de reconstrução das bases do Estado camponês romano, destruídas pela nova posição cosmopolita de Roma. A atuação dos Gracos transformou o problema agrário numa questão político-jurídica de interesse dos aristocratas romanos, desviando-se das reais necessidades sócio-econômicas do campesinato.

Portanto, o momento dos Gracos ilustra a interseção dos conflitos políticos com a nova realidade econômica.

 A falência das práticas políticas tradicionais e o fortalecimento do poder pessoal

Paralelamente a este momento de transformação e forte 

tensão social, o sistema institucional republicano que permitira a centralização do poder no Senado sofria uma conjuntura de crise, cujos principais agentes foram: a formação de coligações políticas entre os círculos de liderança; o uso da violência na vida pública; a prática de ilegalidades constitucionais e o surgimento das bases essenciais para o poder pessoal.

Ficou claro, depois dos Gracos, a divisão dos romanos em duas facções: Optimates (Ótimos) e Populares, que atra

vés de programas de reformas buscavam o apoio do povo. Segundo Cícero, os Populares eram aqueles que por seus atos e discursos queriam agradar o povo, ao contrário dos Óti

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mos que, dizia, visavam o bem público procurando captar 

as pessoas honestas. Não devemos pensar que havia uma adesão regular entre os componentes destas facções, entendidas como agrupamentos políticos, surgidos das querelas entre os nobres, motivados pelo desejo de obtenção de vantagens políticas. Estes agrupamentos eram formados pela totalidade da família, incluindo os clientes e amigos, sendo baseados na fidelidade e na amizade e nas relações de dependência. Na realidade existiu uma política de coligação entre os grupos 

que compunham a sociedade romana, dependendo do tipo de lei que seria votada. Um determinado projeto de lei que ferisse tanto os interesses da oligarquia senatorial como dos eqüestres, por exemplo, a reforma agrária, unia os senadores e os eqüestres contra o povo. Deve ser ressaltado que todos os líderes populares não eram homens do povo, mas membros da aristocracia. Eram generais transformados em líderes do povo, que combatiam a oligarquia senatorial, utilizando-se do povo para reforçar seu poder pessoal. A manipulação era feita mediante a apresentação de projetos de leis interessantes à plebe urbana, controladora da Assembléia Tributa, tais como: distribuição do trigo, inicialmente a baixo preço e, depois, gratuitamente à plebe urbana; lei agrária, ou melhor, distribuição de terras aos veteranos do exército.

O objetivo central dos Ótimos era manter ou restaurar 

o poder do Senado, associando a existência de um Senado  poderoso à manutenção da liberdade republicana.Veremos que, ao lutarem pela supremacia, estas facções 

abandonaram os debates políticos, passando a combater pelas armas sob a orientação de seus líderes. A vitória de um destes possibilitava a dominação de uma só facção e a instalação de um regime absoluto, seja em benefício do Senado, seja em benefício de uma só pessoa, ou, mais precisamente, 

neste último caso, de um general.Gradualmente, o poder pessoal se afirmava. Já em 180, para barrar as ambições individuais foi aprovada a Lei Villia

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 Annalis que estabelecia o  cursus honorum, ou seja, fixou a 

idade mínima para o exercício das magistraturas: quarenta e quatro anos para os cônsules, quarenta anos para os pretores e trinta e sete anos para os edis curuis e o interstício de  dois anos entre a ocupação de uma magistratura e outra. É interessante observar que esta lei revela uma precaução tomada pelos nobres e contra eles mesmos. Contudo, foi em vão, pois as infrações foram numerosas, baseadas nos méritos e popularidade dos candidatos, no consentimento do Se

nado ou da Assembléia Tributa e exigidas pelas circunstâncias históricas.

 A reforma militar de Caio Mário

As necessidades oriundas das conquistas, quer dizer, as guerras constantes e longínquas, os comandos militares prorrogados e ampliados, a criação de poderosos governadores de províncias, fizeram com que o poder pessoal se tornasse uma realidade. Porém, a etapa decisiva para o seu desenvolvimento foi a inovação realizada por Caio Mário ao recrutar seu exército. As novas condições militares eram inconciliáveis com a concepção de um exército cívico.

A reforma militar de Caio Mário em 107 consagrou a lenta proletarização do exército romano, aliada ao empobre

cimento progressivo do campesinato italiano. Mário alistou os proletários como voluntários, abolindo a exigência de se possuir bens para participar do exército. Os voluntários viam no alistamento militar uma boa chance de enriquecimento, não com o soldo, mas graças às pilhagens, aos presentes dos generais e às distribuições de terras após a liberação do serviço. É interessante observar que o conflito sobre a terra foi  resolvido ao ser associado ao novo sistema militar.

Realmente, o que foi novo e excepcional na reforma de Mário, foi o resultado. Os soldados distanciaram-se da vida civil e o exército transformou-se numa profissão. Criou-se

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um forte laço de fidelidade e dependência entre o general e 

o soldado, e não mais entre o Estado e o soldado. Enfim,  possibilitou a formação dos exércitos particulares.

A importância do novo exército foi demonstrada por Sila que o utilizou, pela primeira vez, como instrumento de obtenção do poder. Tornou-se evidente a frágil posição do Estado romano, diante de um general ambicioso e possuidor de poderoso e fiel exército.

A Lei Valéria (82) tornou Sila ditador para legislar e reconstituir a República. Representou uma anomalia constitucional, pois conferia a Sila uma ditadura sem limitações temporais e sem precedentes. Legalmente, Sila converteu-se num verdadeiro soberano de Roma e de seu império.

Entretanto, a sua constituição não foi monárquica, ao contrário, pretendeu devolver ao Senado sua posição de outrora, afastando qualquer possibilidade de oposição ao poder senatorial.

No passado, a autoridade dos senadores baseava-se largamente no costume. Sila transformou o costume em lei, tornando ilegal qualquer interferência no governo senatorial. Contudo, não conseguiu restituir à oligarquia senatorial a força, o prestígio e a capacidade para governar o Estado. A constituição de Sila demonstrou a incoerência, com a nova situação de Roma, de uma forma de governo baseada no Senado. 

O resultado mais significativo do seu governo foi abrir caminho ao despotismo militar.

O choque entre os círculos de liderança

Sila deixou a Itália em condições críticas em decorrência da guerra civil e das confiscações. A agitação interna ficou ainda mais séria, por causa da péssima situação decor

rente da má administração da Itália, amedrontada e devastada pelos ataques dos bandos de escravos liderados por Espártaco (73-71). A problemática externa (conflitos na Espa

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nha, Macedônia, ameaças de Mitrídates, rei do Ponto) con

tribuía, também, para gerar maiores conflitos. O Senado não pôde evitar a formação simultânea de novos e poderosos generais que cada vez mais se distanciavam da ordem republicana tradicional. Refiro-me a Pompeu, lugar-tenente de Sila, e Crasso, general enriquecido pela compra dos bens confiscados por Sila, que ao ocuparem o consulado, em 70, aboliram a constituição silaniana. Crasso possuía influência no Senado, graças aos empréstimos a baixo preço ou sem juros 

concedidos aos senadores. Para facilitar sua penetração entre os Populares, Crasso valeu-se da união com o jovem Caio Júlio César, que via em Crasso a solução para os seus problemas financeiros e aspirações políticas. De origem patrícia, César destacava-se na vida pública pela eloqüência utilizada em favor das massas e, incondicionalmente, contra os Ótimos.

A posição de Pompeu foi reforçada pelas leis Gabínia (67) e Manília (66) que lhe conferiam um poder militar ilimitado. A situação econômica na Itália tornava-se ainda mais crítica com a ação dos piratas que devastavam o mar Mediterrâneo e, novamente, com a expansão de Mitrídates e Tígranes (rei da Armênia) no Oriente. Os publicanos viam seus negócios prejudicados, assim como o povo romano, em decorrência da falta, ou mesmo da flutuação do preço dos cereais. Além disso, os piratas e o ataque à posição romana no 

leste abalavam a imagem do poderio romano. Aproveitando- se deste clima de insatisfação geral, o tribuno Gabínio propôs à Assembléia Tributa um projeto de lei conferindo a Cneu Pompeu poder militar ilimitado sobre todos os mares para combater os piratas. Um ano depois, com a aprovação da Lei Manília, o comando militar de Pompeu foi estendido ao continente para deter Mitrídates.

Até mesmo o respeitável defensor da autoridade sena

torial, porém velando pelos interesses dos eqüestres, Cícero, colocou-se vigorosamente a favor da proposição de Manílio. Em O Império Cneu Pom peu , além de engrandecer as quali

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dades de Pompeu, não negou o caráter monárquico dos po

deres que a ele seriam concedidos. No entanto, a concentração de poderes, para Cícero, era algo acidental e temporário, pois deveria durar até que a ordem fosse restabelecida. O restabelecimento da ordem implicaria na reconstituição do governo nos moldes da constituição tradicional. Cícero escreveu Da República objetivando racionalizar e moralizar a vida pública em Roma, através da redação de um diálogo sobre o melhor governo da cidade e o melhor governante, cidadão virtuoso e sábio que teria o poder do magistrado e a autoridade moral do Senado. Este cidadão completo, descrito em sua obra Do orador teria o poder de colocar sua inteligência e potencialidade a serviço da cidade. O primeiro dos cidadãos a ser inscrito no censo, ou seja, o  Princeps Sena tus, deveria encarar o poder como um encargo e não como  um bem pessoal. Mais uma vez, Cícero preconizou a utilização das elites existentes, permanecendo firme em sua preferência pela autoridade superior dos aristocratas, pois o príncipe seria o primus inter pares (primeiro entre iguais).

A situação de Pompeu não tinha precedentes na tradição republicana, pois nenhum general havia reunido sob seu comando tantos territórios, nem acumulado maiores recursos. Ao vencer os piratas (66) e Mitrídates (63), Pompeu consagrou a importância do sucesso de um só homem, demons

trando que as práticas republicanas já não poderiam manter o Império romano. “Roma descobrira, sem dúvida, que um rei não podia ser combatido senão por um príncipe” (Cl. Nicolet). De certa forma, a posição do príncipe foi personificada em Pompeu. Porém, quem se utilizou e desenvolveu as idéias políticas ciceronianas e a figura do príncipe foi Otávio Augusto.

Seria incoerente por parte do Senado reconhecer a posi

ção eminente de Pompeu. Mostrou-se relutante quanto à ratificação dos seus atos no Oriente e não quis lhe conceder o triunfo, nem terras aos seus veteranos na Campânia. Em su

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ma, a atitude do Senado em relação a Pompeu aproximou-o de Crasso e Júlio César. Criou-se um pacto secreto entre os três, chamado impropriamente de primeiro triunvirato (60), pois não foi estabelecido por uma lei.

Neste momento, a República deixou de existir. Roma estava nas mãos dos triúnviros, cujo poder repousava na forma militar e na popularidade. A hostilidade e a ambição de cada um destes generais tornavam o equilíbrio entre eles frá

gil. A morte de Crasso rompeu este equilíbrio, colocando Pompeu e César frente a frente.Roma transformou-se num campo de batalha entre as 

facções de Milon (agente do Senado) e Clódio (agente de César). Toda a máquina governamental foi atingida, impedindo que as eleições para o tribunato da plebe e para o consulado fossem realizadas. Novamente, Cícero empenhou-se para buscar uma solução política. Soube explorar os acontecimen

tos, mostrando ao Senado que Pompeu era a única solução, não só para restabelecer a paz na cidade, como também contra César. O Senado não hesitou em desrespeitar mais uma vez as instituições republicanas, quando conferiu a Pompeu, em 52, poderes sem precedentes (quer dizer, Pompeu tornou- se cônsul único), para utilizá-lo contra César.

Todavia, não é nosso objetivo analisar as manobras políticas empreendidas pelos oligarcas ou cesaristas, e o desen

rolar dos acontecimentos, que culminaram na travessia do rio Rubicão em 49, é suficiente ressaltar que a oligarquia senatorial, para se defender de César, colocou-se ao redor de um chefe que dizia servir à “constituição” contra um déspota. Por outro lado, César afirmava defender a liberdade do Estado contra a dominação dos oligarcas, unindo sua dignidade à causa popular, da qual se tornou protetor. Notamos ser um traço característico do cesarismo a identificação 

com o povo.As partes adversas se propunham, ambas, a defender a 

República. Teoricamente, a guerra civil opôs César ao Sena

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do defendido por Pompeu, mas na realidade foi um encontro entre os exércitos particulares de Pompeu e César. Ambos ambicionavam o poder pessoal. A vitória significou a dominação de uma facção: a de Júlio César e, por conseguinte, a instalação do regime autocrático, fruto da própria desagregação do regime republicano.

Repercussões culturais

Não apenas as instituições políticas, sociais e econômicas foram abaladas durante o II e I séculos. O alargamento do horizonte romano também foi responsável pelo desgaste e dissolução do tradicional ideário moral da República, modificando a mentalidade e criando um novo cenário público e intelectual.

Naturalmente, a helenização de Roma não se constitui, neste momento, num fenômeno novo. Porém, acentuou-se vertiginosamente com a conquista do Oriente, quando Roma foi atingida por uma cultura helênica repleta de influências orientais. Este movimento teve etapas distintas e foi responsável por modificações culturais, religiosas e morais que abalaram a sociedade romana em todos os níveis de sua hierarquia. Torna-se uma tarefa difícil analisar os efeitos da he

lenização, principalmente diante dos limites deste livro.Inicialmente, com o contato cada vez mais direto com 

a cultura grega, Roma elevou sua vida intelectual, engrandecendo e animando seu panteão sem enfraquecer o sentimento religioso. Desenvolvia-se a produção intelectual e a reflexão filosófica entre os romanos. Ocupou lugar de relevo o grupo de intelectuais em torno de Cipião Emiliano, designado como o “ Círculo dos Cipiões” .

Um movimento geral levou Roma a ter uma literatura e uma arte capazes de assemelhar-se às dos gregos. As comédias de Plauto (254-184) se inspiraram em argumentos e au

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tores gregos, o poeta épico Ênio (239-169) foi o tradutor e adaptador de Eurípedes, além de se ter inspirado nos poemas homéricos. A poesia se desenvolve servindo à religião dos ancestrais e exaltando o orgulho cívico.

Roma, também, foi herdeira das concepções gregas que nortearam a elaboração do discurso histórico. Políbio, historiador grego do II século, introduziu em Roma o gênero literário chamado de História. Os romanos o adaptaram às 

circunstâncias históricas do momento, objetivando dar a Roma um passado glorioso compatível com a sua posição de cidade unificadora e universal, assim como explicar e justificar os povos dominados e o poderio romano. O discurso historiográfico de Políbio constituiu-se num modelo, pois a posição hegemônica de Roma é vista como a dilatação do espírito da cidade e como a forma de exaltação da civilização perante os “bárbaros” . Tornou-se possível pelo sistema ideal 

de governo dos romanos e, conseqüentemente, pela vitória militar. Também, a influência do historiador grego Tucídides é marcante na construção do discurso historiográfico de Salústio (87-35), assim como percebemos, na estruturação do pensamento político e filosófico de Cícero (106-43), o conhecimento profundo das obras de Platão, Aristóteles e da doutrina estóica. Da mesma forma, quando Cícero discursa sobre a importância, a função e a utilidade do conhecimento 

histórico para a formação de um orador, ou seja, de um político, notamos a influência da concepção histórica grega.

Como nos mostra Salústio (Guerra de Jugurta, 41), as rígidas regras de conduta da moral patriarcal foram afrouxadas pela adoção de novos hábitos e costumes que levavam à busca do prazer, do luxo, do ouro e da ostentação. O novo gênero de vida, unido ao monopólio da nova cultura e da fortuna pela elite romana, aumentou o fosso entre as clas

ses sociais.À medida que os deuses romanos eram assimilados aos 

dos gregos, novos cultos orgiásticos e o misticismo orien

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tal difundiam-se, principalmente, pelos setores sociais menos favorecidos que, cada vez mais, se distanciavam dos deuses e do sentimento religioso tradicionais. Isto significou uma tendência a satisfazer o prazer pessoal em detrimento do prazer social.

A difusão dos principais sistemas filosóficos provocava a descrença crescente nos cultos tradicionais: o epicurismo concebia o Mundo feito de átomos e negava a participação 

dos deuses na formação das coisas; o estoicismo evocava a idéia de Deus como ser completo, fundamento da Lei, do Mundo e do Logos Universal.

O estoicismo, o sistema filosófico mais difundido no Mediterrâneo Oriental, teve maior repercussão em Roma. Apresentava a noção de uma comunidade universal, onde viveriam em harmonia todos os povos de um império. Obviamente, o cosmopolitismo estoico foi facilmente articulado à po

sição de Roma como cidade universal. Transformou-se num instrumento insuperável de legitimação da hegemonia romana, consolidando a idéia de imperium iustum (império justo).

Por outro lado, a doutrina estóica foi facilmente absorvida pela aristocracia romana, pois baseava seus preceitos morais numa lógica que colocava a virtude como o único bem e afirmava que o homem devia alcançar a perfeição pelo exercício das quatro virtudes principais: prudência, justiça, tem

perança e seriedade, rechaçando qualquer paixão. Tais preceitos morais coincidiam com o ideário moral tradicional baseado no vir romanus e, portanto, com a mentalidade sócio- política romana voltada para a ação política dos homens em benefício da pátria.

A penetração destes sistemas filosóficos ao lado da realidade política e social do final da República desenvolveu o individualismo em detrimento do espírito de coletividade. A  

noção estóica da preeminência do Sábio, homem superior, favorito da divindade e por ela inspirado, que favorecera a divinização do soberano helenístico, associou-se ao conceito

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de Genius que, ultrapassando o marco familiar, foi atribuído 

ao Estado, ao povo romano e a determinados homens. Formou-se, assim, uma ideologia que serviu de base para a heroicização dos generais romanos (Sila, Pompeu e Júlio César).

No entanto, tais transformações foram captadas pelos contemporâneos suscitando oposição.

A submissão, o respeito e a manutenção dos costumes e sentimento religioso tradicionais eram objeto de orgulho e estavam vinculados às formas de comportamento social que propiciaram a grandeza de Roma. A reação à penetração da cultura helenística tida como responsável pela corrupção dos princípios morais e religiosos é desvelada por uma série de fatos: a recepção hostil pelo Senado à vinda, em 155, de uma embaixada de filósofos gregos; em 151, o Senado manda destruir o teatro de pedra que estava a erigir-se; legislações contra o luxo. Entre os que tomaram estas medidas, destacou-se 

Catão, o Antigo ou Catão, o Censor (234-149), considerado pelos autores latinos como o representante das antigas virtudes romanas. Utilizou a eloqüência para defender a criação de uma literatura inspirada unicamente nas antigas tradições romanas. Catão não poderia ter êxito, pois o helenismo e as novas práticas sociais já haviam conquistado Roma.

Portanto, as transformações sócio-econômicas, a falência das instituições republicanas diante das exigências impe

riais e a difusão de novas idéias e costumes procedentes do contato com o mundo helenístico, geraram um contexto histórico propício para a dominação de um único chefe.

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6Conclusão

Os conflitos sócio-políticos do início da República entre patrícios e plebeus tiveram como resultado a estruturação dos elementos fundamentais da ordem política republicana.

Na luta por sua autonomia, Roma teve necessidade de minimizar os conflitos sociais através da integração dos plebeus nos quadros da Civitas, e de reformular, aperfeiçoar e ampliar seu aparelho governamental a ponto de criar um sistema político e militar propício para a conquista.

Todavia, os conflitos políticos do final do período republicano, que desencadearam as guerras civis, foram impulsionados pela incompatibilidade entre as práticas institucionais republicanas e a nova realidade imperial romana. Portanto, buscava-se uma forma alternativa de governo.

Caio Júlio César (49-44) conseguiu perceber esta problemática, pois segundo Suetônio considerava a República uma palavra vã, sem consistência nem realidade. Sabia ser o governo dos nobres anacrônico perante as exigências imperiais. Por outro lado, não acreditava em um governo controlado pelo povo romano, cuja heterogeneidade, miséria e degradação moral não oferecia condições para o exercício da soberania. Restava-lhe a autocracia militar. Através do po

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der ditatorial, inicialmente por dez anos e depois vitalício, 

teve condições de manejar e tutelar as instituições em benefício do fortalecimento do seu poder pessoal. Agiu sem se preocupar com as aparências, transformando os institutos políticos em instrumentos que pudessem conceder-lhe poderes, honras e títulos. Assim, concentrou em sua pessoa o poder civil (tribunicia potestas), o poder militar (imperium) e a chefia da religião do Estado (pontificatus maximus). Enfim, reuniu todos os poderes sobre os quais se fundamentaria a magistratura imperial romana.

A ditadura vitalícia de Júlio César, ao paralisar o sistema republicano, ameaçava a posição sócio-econômica da aristocracia romana. O presente para os republicanos era insuportável, e o comportamento de César tornava o futuro sem esperança. A possível vitória contra os partos e dácios e o domínio do Egito consolidariam a posição autocrática, ou mesmo monárquica, de César. Tornava-se urgente para os republicanos a eliminação do ditador. Os assassinos de César agiram pela dignidade, liberdade e pelos interesses de sua classe, pois para um “ ... senador romano a res publica era ao mesmo tempo uma forma de governo e um estilo de vida” (Ch. Wirszubski). Os conjurados dos Idos de Março de 44 não conseguiram, entretanto, recuperar o controle do governo, que passou para as mãos de Marco Antônio, Otávio 

e Lépido, transformados em triúnviros pela Lei Títia aprovada em 43 pela Assembléia Tributa.No lugar de um ditador, em Roma havia, agora, três di

tadores cujas atividades abriram novo período de guerra civil.Em síntese, o programa de governo de César constituiu- 

se num exemplo, mas sua morte numa advertência.Otávio Augusto fundou a monarquia que seu pai adoti

vo quis fundar. Seguiu, no entanto, métodos diferentes. Após 

vencer Marco Antônio na Batalha de Ácio em 31, Otávio percebeu que em sua ação política não poderia menosprezar os sentimentos enraizados no cidadão pela tradição republica

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na e deveria considerar que aqueles que combateram ao seu 

lado desejavam, juntamente com a paz, a manutenção de suas prerrogativas e privilégios sócio-econômicos. Daí, a interpretação marxista que vincula o regime político do Principado com a consolidação do modo de produção escravista.

Otávio Augusto, aos poucos, estruturou um regime híbrido, misturando novidades com permanências, quer dizer, conservou as instituições republicanas, criando, porém, uma administração imperial, acabando assim com o amadorismo 

republicano. Mas por consenso universal o Estado foi colocado sob a tutela do príncipe do Senado.

O sistema político do Principado constituiu-se, na realidade, numa monarquia fundamentada em um compromisso hipócrita entre o poder militar e a liberdade republicana.

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Vocabulário crítico

 Ager gallicus: território localizado na costa do mar Adriático habitado por tribos gaulesas.

 Ager picenus: território localizado na costa do mar Adriático habitado pelos picenos.

 Ager romanus: território formado pelas quatro tribos urbanas e trinta e uma tribos rurais.

 Anais máximos: lista dos principais magistrados anuais, cuja autenticidade é discutida, onde registravam-se os principais acontecimentos. Eram guardados pelo Colégio dos Pontífi

ces e foram editados em 130 pelo pontífice P. M. Scaevola. Aruspicina: exame das vísceras dos animais consagrados aos 

sacrifícios. Acreditava-se que a consagração da vítima pro jetava em seus órgãos uma visão do mundo. Os arúspices interpretavam, baseando-se no estado do fluxo sanguíneo, na cor ou na forma das partes do fígado do animal, que davam indicações sobre a ordem, a desordem ou o caos do Universo. Trata-se de uma prática etrusca assimilada 

pela religião romana. Ases: moeda de bronze.

 Auspicium (pl. auspicia): presságio visível enviado pelos deu

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ses. Estava ligado inicialmente ao vôo das aves, mais tarde se estendeu aos fenômenos atmosféricos. Tais signos determinavam o futuro e eram interpretados pelos magistrados que possuíam o ius auspiciorum, ou seja, os ditadores, cônsules, censores e pretores.

Centúria: destacamento militar, composto por 100 homens, formado pela subdivisão das  classis.

Civitas: termo de sentido bastante amplo e abstrato. Pode ser definido como “a constituição” ou forma de organização do povo, como a condição daqueles que são cidadãos e como o conjunto dos cidadãos que formam uma coletividade.

Classe (pl.  classis): unidade militar composta pelos cidadãos que tinham condições econômicas para prestar serviço militar, seja na cavalaria ou infantaria.

Colegialidade: princípio baseado na noção de que os magistrados são iguais. Portanto, cada colega tem o poder de opor-se e mesmo vetar qualquer ação ou decisão do outro (prohibitio e intercessio).

Comitatus Maximus: reunião do exército para deliberar ou receber ordens. É considerado o embrião da Assembléia Centuriata.

Cúria: de acordo com a tradição historiográfica, o sítio de Roma era habitado por três tribos e trinta cúrias. Cada cúria era formada por um número determinado de gentes e, possivelmente, tinha a propriedade de certa extensão de terras. Assim, compunham grupos étnicos homogêneos que se estabeleceram numa determinada localidade. Representava uma unidade votante na Assembléia Curiata e foi a base do recrutamento militar até a criação da organiza

ção censitária e tribal por Sérvio Túlio.Cursos honorum: carreira das honras constituída pela ocu

pação hierárquica das magistraturas.

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 Denário: unidade monetária de prata. Um denário valia dez ases.

 Edilato curul : magistratura ocupada pelos edis curuis. Équos: povo de origem indo-européia que chegou à Itália por 

volta do IX século, localizando-se no Lácio, próximo à região do rio Anio.

 Evocatio: invocação por ritos e promessas solenes feita pelos romanos e outros povos indoeuropeus como, por 

exemplo, os hititas aos deuses dos adversários. Frugalitas: valorização de uma vida simples sem extrava

gâncias.

Gauleses: tribos celtas que no início do IV século se movimentam da região da Gália até o vale do rio Pó e, depois, em incursões de pilhagem avançaram pela Itália até saquear Roma no ano de 390.

Gravitas: seriedade do comportamento do homem em relação às suas responsabilidades familiares e em relação à sua comunidade.

 Hérnicos: povo indo-europeu que chegou à Itália por volta do IX século, dirigindo-se para o Lácio e ocupando a região leste dos Montes Albanos.

 Infraclassem: categoria formada pelos cidadãos cujo censo não permitia que servissem ao exército.

 Interpretatio: assimilação, ou melhor, designação com nomes latinos das divindades pertencentes a outros povos cu

 jas funções eram semelhantes àquelas de deuses já existentes entre os romanos.

 Ius imaginum: direito de culto à imagem dos ancestrais que exerceram cargos públicos.

 Libertas: inicialmente, significa o status daquele que é livre, 

ou que não é escravo. Garante o gozo dos direitos civis e políticos do homem livre de qualquer submissão. Na mentalidade romana o conceito de libertas associa-se ao

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de  civitas. Libertas determina o estatuto do homem, enquanto  civitas deve ser entendida como a posição do homem em relação à sua comunidade. Somente um cidadão romano gozava de todos os direitos pessoais e políticos que consistia na libertas. Daí sua real existência ser determinada pela natureza e forma do sistema republicano de governo.

 Livros Sibilinos: também designados livros fatais, pois neles estava registrado o destino do povo romano. Constituíam 

um patrimônio sagrado. Seu conteúdo era um segredo, cuja violação era castigada com extremo rigor. Ficavam sob custódia, e a interpretação era da competência exclusiva do Colégio Quindecenviral que somente poderia consultá-los em caso de suma gravidade, após aprovação do Senado.

 Magna Grécia: região de colonização grega no sul da Itália.

 Manumissão ou alforria: o direito romano reconhecia três formas de libertar o escravo: o amo autorizava o escravo a se inscrever no censo perante o censor, transformando-o num cidadão; o escravo comprava perante o pretor a sua liberdade; a alforria era concedida por testamento.

 Mos majorum: tradição; conjunto de regras e práticas de costume dos ancestrais.

Omen (pl.  omina): presságio ouvido e interpretado pelos ma

gistrados e chefes militares.Organização censitária: cadastramento da população de acor

do com a realização do censo, quando o cidadão declarava sua riqueza (imóvel ou móvel).

 Pater familias: chefe da família. Não podemos relacioná-lo simplesmente ao pai, pois esta função podia ser exercida pelo filho mais velho, pelo tio etc., uma vez que a suces

são somente era proveniente da linhagem masculina (os  agnatas).

 Pax deorum: paz dos deuses. Assegurava que os romanos não

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enfrentariam uma vontade oposta dos deuses aos seus desejos e empreendimentos. Aqui, também, estaria implícita a garantia contra uma reação hostil dos deuses dos seus adversários.

 Peculium: constituía-se de uma propriedade ou dinheiro confiado para uso próprio a alguém que se encontrasse sujeito ao domínio do pater (patria potestas), ou seja, os filhos e os escravos.

 Pomoerium: território sagrado da cidade onde era proibido o acesso do exército.

 Res publica: as coisas que pertencem ao povo.

Samnitas: povo indo-europeu que chegou à Itália por volta do IX século, ocupando os Apeninos Centrais.

Senatus consultum ultimum: pode ser entendido como “decreto final do Senado” que declarava a República em pe

rigo e encarregava os cônsules de tomarem medidas de “emergência” .

Técnicas hoplíticas: são caracterizadas pelo uso do escudo redondo, armadura metálica defensiva para o corpo e a cabeça e uma lança longa.

Triunviri monetales: magistrados designados pela Assembléia Tributa para cunhar as moedas.

Urbs: significa o espaço eminentemente urbano da cidade e 

designa Roma a cidade por excelência.Vir romanus: conjunto das virtudes essenciais que um roma

no deveria ter. Entre elas destacamos:  Pietas — significa atitude daquele que cumpre pontualmente todas as obrigações em relação às divindades e à sua família.  Fides — apresenta um significado fundamentalmente moral e pré- 

 jurídico, que eqüivale a um tipo de relação social pessoal 

baseada num juramento de fidelidade. Virtus — qualidade e capacidade do homem demonstradas na ação eminentemente militar. Sua existência vincula-se a uma série de

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regras de comportamento em relação à vida privada e pública: Fidelidade, Sabedoria, Modéstia, Disciplina, Eqüidade e Honestidade.

Volscos: povo de origem indo-européia que chegou à Itália por volta do IX século, localizando-se no Lácio próximo ao litoral do mar Tirreno e ao sul dos Montes Albanos.

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Bibliografia comentada

Obras gerais

Combés , R.  La República en Roma (509-29 a.C.). Madrid, Edaf, 1977.Excelente manual, pois analisa todos os aspectos da sociedade republicana romana, proporcionando boa visão de conjunto.

G r i m a l , P.  La civilisation romaine. Paris, Arthaud, 1960.

Abordagem de boa qualidade sobre os aspectos culturais da civilização romana, tanto do período republicano co

mo da fase imperial.J o n e s , A. H. M.  A history o f Rome through the fifth cen

 tury. London, Macmillan, 1968. v. I.Coletânea de fontes primárias cobrindo todos os aspectos da civilização republicana.

M a c D o n a ld , A.  Roma Republicana. Lisboa, Verbo, 1971. Síntese factual sobre o período.

R o l d á n , J. M.  La República romana. Madrid, Cátedra, 1981.Síntese bem elaborada sobre o povoamento da Itália, a ci

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vilização etrusca e o processo histórico de Roma republicana. Apresenta excelentes mapas e atualizada bibliografia incluindo as fontes primárias.

Obras específicas

B a y e t , J.  La religión romana (historia política y psicológica). Madrid, Cristiandad, 1984.

Importante interpretação sobre os elementos formadores da religião, assim como dos princípios que nortearam o comportamento religioso da sociedade romana.

B r u n t , P. A. Conflits sociaux en République Romaine. Paris, Maspero, 1979.Abordagem de grande relevância, pois articula as transformações político-constitucionais com o contexto sócio- econômico.

C a r c o p i n o , J.  Júlio César, el proceso clásico de Ia concen tración del poder. Madrid, Rialp, 1974.Obra clássica, porém muito útil para o estudo das mudanças do comportamento político e das práticas institucionais que comprometeram o sistema republicano. 

C a r d o s o , Ciro F. S.  A cidade-estado antiga. São Paulo, Ática, 1985.

Síntese das principais características e trajetória histórica das cidades-Estados clássicas típicas.

F i n l e y , M.  Esclavitud antigua y ideologia moderna. Barcelona, Crítica, 1982.Obra importante para a compreensão das condições que levaram ao desenvolvimento da escravidão e seu real significado no mundo clássico.

____. A política no Mundo Antigo. Rio de Janeiro, Zahar, 1983.

Estudo comparativo sobre a história e as práticas político- institucionais das três pólis clássicas típicas: Atenas, Esparta e Roma.

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H e u r g o n , J.  Roma y el Mediterrâneo Occidental hasta las  guerras púnicas. Barcelona, Labor, 1971.Livro fundamental para o estudo das questões relacionadas com o povoamento e conquista romana da Itália e com o processo de formação sócio-econômica e política da sociedade republicana até o III século.

H o m o , L .  Las instituciones políticas romanas de la ciudad   al Estado. México, UTEHA, 1928.

Trata-se de uma obra clássica sobre a formação e transformações das instituições políticas romanas durante os períodos republicano e imperial.

H o p k in s , H . Conquistadores y esclavos. Barcelona, Península, 1981.Nos dois capítulos iniciais encontramos uma análise sociológica das transformações da estrutura social republicana, enfatizando as questões relacionadas com o empre

go da mão-de-obra escrava. N i c o l e t , C l .  L ’ordre équestre à l'époque républicaine 

(312-43 av. J.C.). Paris, Boccard, 1974.O autor realiza um estudo crítico sobre as posturas historiográficas e nos apresenta uma análise explicativa bastante complexa sobre a formação e importância sócio-econômica e política dos eqüestres.

____

 Le métier de citoyen dans la Rome Républicaine. Paris, Gallimard, 1976.O autor preocupa-se em analisar o papel do cidadão comum na vida política e militar da sociedade republicana.

____. Rome et la conquête du monde méditerranéen (264-27av. J.C.): les structures de l’Italie romaine. Paris, PUF, 1977.Análise complexa dos aspectos sócio-econômicos e políti

cos dos três últimos séculos da República.____ Rom e et la conquête du monde méditerranéen (264-27

av. J.C.): Genèse d’un empire. Paris, PUF, 1978.

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Excelente estudo sobre as etapas e os métodos de conquista 

e exploração das áreas anexadas por Roma fora da península Itálica.

O g i l v i e , R. M.  R om a Antigua y los etruscos. Madrid, Taurus, 1981.Livro que nos apresenta um estudo detalhado e atualizado, enfatizando a importância da Arqueologia e da crítica histórica da documentação textual para a reconstrução 

explicativa sobre a formação sócio-econômica e política de Roma até a invasão dos gauleses.P a l l a t i n o , M.  La civilisation étrusque. Paris, Payot, 1949. 

Obra clássica sobre a civilização etrusca.R i c h a r d , J. Cl.  Les origines de la plèbe romaine. Paris, 

Boccard, 1978.Além do autor apresentar complexo estudo crítico sobre as posturas historiográficas, realiza valiosa análise expli

cativa sobre o dualismo patrício-plebeu.S a l m ó n , E. T.  Roman colonization under the Republic. 

London, Thames and Hudson, 1969.Importante estudo sobre: as etapas e formas da expansão romana pela Itália, a fundação e tipos de colônias e a organização municipal.

S a n c h o R o c h e r , L. El Tribunado de la Plebe en la Repúbli

 ca Arcaica (494-287 a.C.). Zaragoza, Departamento de Historia Antigua, Universidad de Zaragoza, 1984. Trata-se de uma tese de doutoramento onde a autora analisa as fontes primárias e explicações historiográficas, elaborando uma síntese crítica sobre o surgimento e o significado do Tribunato da Plebe no contexto histórico da República Arcaica.

S t o c k t o n , D. The Gracchi. Oxford, Clarendon Press, 1979. 

Importante análise do contexto sócio-político de Roma na segunda metade do II século e da atuação dos irmãos Gracos.

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U t c h e n k o , S. L. Cicerón y su tiempo. Madrid, Akal, 1978. Livro que nos proporciona uma explicação marxista sobre a crise da sociedade republicana.

W a ts o n , A.  Rome o f  the X II Tables. Princeton, Princeton University Press, 1975.Excelente livro para o estudo da sociedade republicana inicial, pois o autor preocupa-se em analisar e interpretar as Leis das 12 Tábuas de acordo com as evidências históri

cas, arqueológicas e religiosas da época.W ir sz u b s k i , Q.  Libertas as a political idea at Rome during  the Late Republic and Early Principate. Cambridge, Cambridge University Press, 1968.Leitura imprescindível para o estudo dos princípios políticos que nortearam a vida pública do cidadão romano, assim como o funcionamento dos institutos políticos durante a República e nos primeiros anos do Principado.