MENEZES, Arlete Antônia Schmidt de. - Tema da Educação na Obra de Martinho Lutero.

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MENEZES, Arlete Antônia Schmidt de. Tema da Educação na Obra de Martinho Lutero. Maringá: 2004. Disponível em: Acesso em: 12nov2008.

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TEMA DA EDUCAÇÃO NA OBRA DE MARTINHO LUTERO

Arlete Antônia Schmidt de Menezes

Prof. Dr. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo (orientador)

O presente texto tem como objetivo discutir o tema da educação na obra de Martinho Lutero, notadamente nas cartas À Nobreza cr istã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão, de 1520, Aos Conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escola cr istãs, de 1524, Uma prédica para que se mandem os filhos à escola, escrito em 1530 e nos famosos Catecismos Menor e Maior, publicados em 1529. A linguagem poderosa e irreverente de Lutero faz com que os textos continuam exercendo uma atração muito especial e sejam bastante citados por estudiosos dessa temática. (ALTMANN,1994: 279). O pensamento educacional de Lutero foi e continua sendo motivo e objeto de muitos debates, uma vez que não há em Lutero uma concepção bem elaborada e fundamentada de educação. O tema educação na sua obra esteve ligado diretamente à sua teologia e às propostas de reforma da igreja e, conseqüentemente, social. Portanto, suas concepções doutrinárias explicam ou ajudam a entender o seu pensamento educacional, e vice- versa. Para realizarmos tal propósito, fizemos um recorte de seus escritos considerados pedagógicos e que se constituíram em base estrutural para nosso estudo. Tomamos como referência os seguintes autores Daniel-Rops, Lucien Febvre, como Walter Altmann, Felipe Melanchthon, Martin Dreher, Marc Lienhard, Jean Delumeau, além dos textos do próprio Lutero, traduzidos para a língua portuguesa. Com esta base de referência buscamos trazer algumas contribuições para estudo do tema Lutero e a Educação. Ele foi um teólogo reconhecido por sua atuação frente aos embates de seu tempo e por suas propostas de mudanças, colocadas a efeito na sociedade do século XVI. Suas posições não foram as de um exilado de seu mundo, mas de alguém que viveu profundamente suas angústias, as adversidades, sobretudo tentou mudar, por meio de intensa atividade, a ordem estabelecida, tanto na Igreja quanto na sociedade. Para tratar do tema Lutero e a educação, necessário se faz nos reportarmos ao homem Lutero, seu contexto histórico, sua formação intelectual para daí entendermos seus escritos sobre educação, “pois estes só podem ser entendidos à luz de sua concepção de religião (Arnaut de Toledo. 1999: 130). Ao estudar Lutero percebe-se sua visão teocêntrica de educação. Para ele, educar deriva da própria natureza das coisas e não é uma prerrogativa dos cristãos, ou um mandato específico para os cristãos.

“Na verdade é pecado e vergonha o fato de termos chegado ao ponto de haver necessidade de estimular e de sermos estimulados a educar os nossos filhos e a

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juventude e de buscar o melhor para eles. A própria natureza nos deveria convencer disso (LUTERO, 1995 a: 307).

Vê-se que desejar o melhor para os filhos está relacionado em seu pensamento sobre educação, com a ordem natural das coisas. Em Lutero o aprender e o ensinar fazem parte do mesmo contexto da vida, como o cultivo da terra, o crescimento de uma planta, o vôo do pássaro. Para Lutero, Deus dotou o ser humano com a razão para dar conta dessa tarefa, e a educação é uma obrigação que os pais e autoridades devem cumprir junto aos jovens. Ainda que seja uma educação voltada para a fé, tendo como base do conhecimento a Sagrada Escritura. “Em primeiro lugar, nas bibliotecas, deveriam figurar a Sagrada Escritura em latim, grego, hebraico e alemão (LUTERO, 1995 a: 330). A educação para Lutero, por ter um caráter messiânico, deve estar ao alcance de todos e a escola é o meio para instrumentalizar o cristão ao livre-exame do texto bíblico. Quem conhece a palavra de Deus, viverá pela fé. Mesmo não tendo uma visão clara de educação, o papel de Lutero foi relevante para a história da educação, uma vez que sua idéia de universalização da educação básica, princípio adotado pelo reformador, visando preparar todos para a leitura do Evangelho, se tornou um importante contributo para o mundo moderno. Martinho Lutero nasceu em Eisleben, na Turíngia, em 10 de novembro de 1483. Segundo Melanchton (1983), Lutero veio de uma família numerosa e como seu pai era trabalhador de minas de cobre, logo cedo o jovem conheceu as difíceis condições de vida e trabalho, talvez isto explica a sua valorização à atividade intelectual. “Para contentar o seu espírito ávido de saber, ele passou a ler a maior parte das obras dos antigos escritores latinos, como Cícero, Virgílio, Tito Lívio e outros”( MELANCHTHON, 1983: 19). Sua formação universitária foi feita em Erfut, onde se tornou Bacharel em Artes, e nesse mesmo ano começou a lecionar na Faculdade. Iniciou seus estudos de Direito, em 1505, por sugestão do pai que almejava um cargo importante para o filho. “O pai pensava numa profissão que lhe garantisse recompensa e honrarias” (DREHER,2001:24). Contudo, Lutero, contrariando a determinação familiar, ingressou num mosteiro dos Agostinianos de Erfut, com o intuito de ser padre, o que aconteceu em 1507. Como sacerdote, prosseguiu nos estudos teológicos, o que possibilitou sua atividade de professor, atuando em cursos sobre os Salmos, os Romanos, os Gálatas, os Hebreus ( LIENHARD, 1996: 38). Mas foi em 1512, já em Wittenberg, que Lutero pode revelar de forma brilhante sua inequívoca capacidade, tanto nas atividades cotidianas da escola, como nas pregações. Um fato marcante dessa época foi a bula de Leão X, em 1514, que concedia indulgência plenária, o que significava amplo perdão para os pecadores, àqueles que colaborassem, com dinheiro, para o término da construção da Basílica de São Pedro, em Roma. Nesse período as denúncias contra os abusos da cúria, causavam um profundo descontentamento entre os cristãos que almejavam uma reforma na Igreja, visto que o comportamento de muitos clérigos não condiziam com a palavra do Evangelho. O luxo, a ambição e os anseios terrenos sobrepunham aos da busca pela fé. Entre os anos de 1515 e 1516, Lutero trabalhou intensamente em curso sobre a Epístola aos Romanos, cujo comentário é a base da teologia luterana que entende a salvação (ou

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justificação) pela fé. É daí o fundamento de suas 95 teses contra as indulgências, publicadas em 31 de novembro de 1517. Nesse texto,” Lutero denunciava a instrumentação da fé para fins pecuniários” (ARNAUT DE TOLEDO, 1999: 130). Estas teses foram o estopim para as desavenças com o papado, pois causaram grande impacto social. A partir desse episódio a discórdia se estabeleceu entre Lutero e a Igreja Católica Romana. E Lutero foi inserido em um processo por suspeita de heresia e em 1520 foi publicada a bula Exsurge Domine. Mas somente em 1521 ele foi proscrito. E mesmo considerado um herege, Lutero produziu textos importantes, não só do ponto de vista religioso, mas político- educacional, para as mudanças propostas por ele e seus seguidores. Ainda assim, muitas vezes ele se sentiu aterrorizado por remorsos e dúvidas quanto as suas convicções sobre a verdadeira doutrina. Assim, “mais de uma vez o seu conflito interior o fez buscar forças nos estudos das Escrituras, buscar respostas às dúvidas que o atormentavam”(DANIEL- ROPS, 1996: 294). De seus escritos importantes sobre a educação, À Nobreza cristã da nação Alemã, acerca das melhorias do estamento cristão, de 1520, se constitui em um verdadeiro programa de reformas sociais. Este texto foi escrito em forma de Carta aberta onde ele propunha mudanças nas escolas e universidades, a fim de melhor preparar os ministros do Evangelho para o estudo da Escritura e o ofício da palavra. Condena a supremacia de Roma sobre a interpretação bíblica e afirma que “todos os cristãos são iguais diante de Deus” (Sacerdócio universal dos crentes) e nega os privilégios até então concedidos ao clero e ao próprio papado (LIENHARD, 1996: 79). Em 1524 Lutero escreveu Aos Conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs, onde defende a criação e manutenção de escolas para todas as crianças. Aí, em nome do Evangelho, conclama as autoridades para o dever divino de educar a juventude, como ordem expressa de Deus. As autoridades, segundo Lutero, são representantes diretas de Deus na terra, portanto devem contribuir para o bem da humanidade. Outro de seus escritos ligados ao tema educação, foi publicado em 1530, Uma prédica para que se mandem os filhos à escola. Esta obra se constitui numa exortação aos pais sobre a responsabilidade de proporcionarem uma educação cristã aos filhos. Alega a necessidade de se preparar os jovens para exercerem sua vocação (ofício), tanto espiritual, como secular. Mas foi em 1529, que Lutero preparou uma obra pedagógico- religiosa, onde oferecia, além de conteúdos doutrinários, também uma metodologia para se ensinar e aprender a palavra de Deus. Escreveu os Catecismos Menor e Maior , com o objetivo de melhor preparar os pastores e as pessoas simples quanto aos rudimentos da fé. Os Catecismos “são verdadeiras súmulas do Evangelho” (LUTERO, 1995 d: 316). Esta tarefa pedagógica é estendida aos pais, que teriam que argüir pelo menos uma vez por semana, seus filhos e empregados (LUTERO, 1995 d: 330). Nesses textos, Lutero oferece um modelo instrucional sobre os saberes seqüenciais e gradativos que devem ser apreendidos no dia-a-dia, sem cessar. É a metodologia da transmissão do conhecimento pela repetição e pela freqüência do exercício. A memorização passava a ser o foco da aprendizagem na igreja, nas escolas e principalmente, nos lares, cujo objetivo era instruir a gente simples, as crianças na fé cristã. Era um modelo de educação religiosa e inovador para o seu tempo.

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Nesses Catecismos, Lutero deixou clara sua preocupação com a educação, ainda que fosse uma educação cristianizada, que atendia ao objetivo de possibilitar a todos, homens, mulheres e crianças, o acesso ao texto bíblico, a palavra de Deus . Assim, seriam homens mais tementes a Deus e melhores cidadãos para o mundo secular, segundo ele. Educação e Religião Alguns estudos realizados sobre Lutero nos apontam que o conceito de educação, embora não expresso claramente, está subjacente a todos os seus escritos. Para ele a educação se fazia no cotidiano de nossas ações, na igreja, nos lares, nas escolas. Nesse contexto, Lutero ao defender a universalização da alfabetização, toma-a como estratégia de luta pela hegemonia da cultura religiosa da época, pois a educação se constituía em um instrumento de salvação, pois aquele que conhecesse a palavra de Deus, através do Evangelho, salvar-se-ia pela fé, não mais pelo temor ao castigo. A educação traria consigo novos ideais de salvação. Acreditamos que, essa educação, enquanto subsidiária da igreja e da família, as quais são responsáveis pelo processo pedagógico, do aprender e ensinar a ser bons cristãos, se constituiu em um instrumento de formação do cidadão. Essa pedagogia voltada à família e a igreja, aos poucos foi ganhando espaço e tornou-se uma necessidade para a sociedade moderna. Essa educação passa a ser veiculada, mais tarde, como uma exigência da própria cultura que requeria desenvolver as capacidades produtivas e a participação das massas na vida política, como parte do desenvolvimento pessoal exigido pelo processo histórico (MANACORDA, 1989: 198). Portanto, ao tratarmos o tema educação em Lutero, somos levados a considerar o conceito de Educar. Para isso buscamos algumas definições sobre educação, em diferentes fontes. Segundo o verbete educação tem sua origem do latim educatione e possui os seguintes significados: “ato ou efeito de educar (se). Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual” (FERREIRA, 1975: 199). Encontramos ainda em Denzin (1990: 23), que educar também consiste em transformação. Só que, esta transformação objetivada pela educação vai além dos conceitos, atitudes e ações. É uma transformação interior, da própria alma do educando. Esse conceito é completado pelas afirmações de Lutero. “O progresso de uma cidade não depende do acúmulo de grandes tesouros, mas de homens instruídos, cidadãos ajuizados, honestos e bem educado”(LUTERO, 1995 b: 341). É nesse contexto que podemos reafirmar que Lutero não desvincula a religião da educação. Ambas devem caminhar juntas para que exista a verdadeira transformação. E o instrumento principal dessa transformação é justamente o centro da fé cristã, que deve promover, através da educação, o desenvolvimento e a paz na sociedade e conduzir o homem à eternidade que transforma e liberta. Como também, educar para Lutero compreende instruir-se na participação diária, no convívio salutar da família, no diálogo e respeito ao próximo, na obediência às leis,” pois o conhecimento, a instrução está em Jesus Cristo “(LUTERO,1995, c: 365). Ele é a essência do conhecimento e do ensino é realmente o Espírito Santo, portanto o professor é o orientador, o colaborador do processo educativo.

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Existe multiforme proveito e fruto em ler e executar todos os dias o conhecimento de Deus, visto que o Espírito Santo está presente com esse ler, recitar, e concede luz e devoção.(LUTERO, Prefácio ao Catecismo Maior, 1980: 388).

Esse modelo de educação instituído por Lutero, no século XVI, visava atender às novas aspirações para uma sociedade cristã, empreendida também por outros reformadores depois dele. O objetivo dessa educação era transmitir e formar nas novas gerações um novo pensar religioso, calcado nas verdades bíblicas e para isso, Lutero, empreendeu seriamente debates com a sociedade de seu tempo e para tanto lançou seus apelos em prol de uma sociedade renovada para o povo alemão. Nos escritos de Lutero compreende-se que a educação é dependente de sua teologia. É uma visão que muito contribuiu, não apenas para a melhoria na educação da Alemanha de seu tempo, mas também, para o surgimento de alguns elementos próprios dos tempos atuais: a universalização da escola e a idéia da obrigatoriedade da educação básica. Mesmo que para o reformador estes princípios estivessem ligados a uma economia da salvação, a partir de Lutero estes foram adotados por todos os estados modernos (ALTMANN, 1994: 203). Se tomarmos como referência a teoria marxista, de que as circunstâncias fazem mudar os homens, podemos entender melhor o sucesso da doutrina e dos ideais de Lutero, pois eles não correspondiam somente às suas aspirações, mas também às de um grande número de fiéis e representavam, portanto, a força e o alento que os cristãos buscavam para vencer o medo da morte, a ignorância sobre o Evangelho e toda sorte de superstições que os inquietavam (ALTMANN, 1994: 284). A igreja, que nesse período se constituía em intermediária e intérprete autorizada entre Deus e o homem, representante legítima do poder espiritual e temporal, se sentiu ameaçada por uma nova ordem e Lutero ocupava, pois, lugar importante nessa interconexão do novo e do velho. Portanto Lutero atendeu à emergência de um novo tempo.

O aspecto de transição marca o seu tempo, em todos os aspectos: culturais, sociais, políticos, econômicos e religioso. O sistema medieval estava chegando ao fim. Uma nova época estava em gestação e tudo se encontrava em crise (ALTMANN, 1994: 29).

Compreende-se que Lutero, ao estabelecer uma nova pedagogia que possibilitou ao povo o conhecimento às verdades bíblicas, colocou na Sagrada Escritura, a fonte de toda crença e defendeu a obrigação de dar a cada um os meios para se salvar através da instrução, isto é, pela leitura e compressão da Bíblia.

A Reforma, pois, colocou a instrução a serviço da crença revelada; o saber, ao amparo da fé. Tal atitude se chamou teísmo pedagógico, visto como via nas relações com Deus e sua revelação (a Bíblia) o propósito final do processo educativo (LARROYO, 1982: 79 )

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Emerge daí a necessidade de uma educação geral, para todos, sem distinção de idade, classe social, raça e sexo, pois entendia Lutero que a educação era essencial à sobrevivência e ao bem-estar da humanidade. Esse pensamento educacional de Lutero, ainda hoje, cinco séculos passados, continua referenciado por muitos, luteranos e católicos, por sua determinação e coragem. Ele que ousou contra a ordem estabelecida e irrompeu na história como alguém que tinha a certeza de que a verdade só seria encontrada na Escritura Sagrada, mediante persistente estudo. Daí se formar entre os cristãos reformados o hábito de leitura, a disciplina nos estudos, principalmente, bíblicos. “Os esforços e as propostas de Lutero tiveram uma influência histórica extraordinária na área da educação, tanto no interior da tradição luterana quanto além da dela” ( ALTMANN, 1996: 206). A instrução religiosa passou a ser importante e recomendada ao povo. Os novos cristãos careciam estarem aptos como leitores e para o entendimento da palavra de Deus. Ao creditar à escola um veículo de transformação religiosa e social, Lutero conclamava os cristãos: “aquele que conhece a Bíblia, pode se ufanar de conhecer a verdade, porque as línguas são a bainha na qual está guardada a espada do espírito” (LUTERO, 1995 a: 312). Segundo DREHER (2001: 28), a educação preconizada por Lutero tem como premissa formar um homem obediente às leis civis, que conheça as leis divinas, pelo estudo diário da Escritura e que sirva o próximo pela ética do amor, decorrentes da fé em Cristo, o Salvador. Ao colocar os valores religiosos no centro de seu sistema educacional ele censurava a educação monacal, por considerá-la antimundana e rígida e pior, por privar os jovens do convívio social, onde poderiam ser treinados honradamente para adquirir os princípios de amor cristão, de integridade e virtudes.

Para educar bien a los niños no es necesario encerrar-los en um colegio. El joven que separamos del mundo se parece a un árbol plantado en un vaso. Demos expansión a los niños, porque la necesitan como alimento y la bebida (FORGIONE, 1950: 346).

Assim, a escola ia se constituindo na espinha dorsal dos processos pedagógicos. Ela passava a ser o lugar de formação do cidadão e do cristão, primeiramente, numa função complementar ou subsidiária à família ou a igreja, mas aos poucos e cada vez mais, como o centro das ações educativas. Para LIENHARD (1998: 207), esse esforço da Reforma introduziu-se, sobretudo, no ensino religioso nas escolas. No que dizia respeito às matéria seculares, Lutero não inovou muito das idéias que circulavam por toda parte. Era o programa e o método dos humanistas. Na forma e na organização era a continuação da escola latina da Idade Média. Contudo, apresentou algumas reformas ao propor o ensino de história e a idéia de uma escola municipal para todas as crianças. Uma metodologia para a educação proposta nos catecismos Lutero e os partidários do movimento contestador manifestavam-se convencidos da necessidade de valorizar a catequese. Os ritos não bastavam por si só, para convencer a sociedade de sua legitimidade, era preciso explicá-los. Convinha trabalhar em favor de uma fé consciente e ocupar-se, principalmente, da juventude. Pois, as escolas reorganizadas a partir

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de 1520, segundo as idéias do “Manifesto à nobreza cr istã da nação alemã” requeria uma valorização da instrução religiosa. Pregava-se a necessidade de um catecismo para difundir os dogmas religiosos. Nesse contexto, a família representa o centro da educação, o sustentáculo da sociedade. “El gobierno de la família és la base de todos los demás gobiernos (FORGIONE, 1950: 315). Assim, o Catecismo menor e Catecismo Maior, ou Alemão, conforme foi publicado nas primeiras edições, constituem-se em sermões catequéticos e instrumentos essenciais à doutrinação. O Catecismo Menor trata essencialmente de um ensinamento oral baseado nos “Dez Mandamentos” , no “Credo” e no “Pai Nosso” conhecimento obrigatório para a época. Lutero definiu esse catecismo como “a instrução pela qual os pagãos que querem ficar cristãos são ensinados e orientados a respeito do que devem crer, fazer, evitar e saber no catecismo”(LUTERO. 2000 d. :317). Esse ensinamento deveria se estabelecer tanto em casa quanto na igreja, o que requeria a elaboração de uma espécie de manual. Cabe aqui destacar, que no período de 1522 a 1529, surgiram diversos catecismos. Entretanto, foi só em 1529, que o Catecismo Menor foi editado sob a forma de quadros que, segundo o costume medieval foram pendurados nas igreja, nas casas e nas escolas. O Catecismo Menor foi editado e tornado publico 78 vezes enquanto Lutero viveu, segundo Melanchton (1983), Delumeau (1989),Daniel-Rops (1996) traduzido para maior parte das línguas européias . Em 1534, as autoridades da Saxônia consideraram obrigatório o uso desse catecismo. Era, portanto, uma obra para o lar cristão antes de ser um manual escolar, como também, poderia servir à instrução religiosa em âmbito paroquial. Para Lienhard era ensinar “Ponto por ponto e fazê-las responder sobre o que cada parte significa e como as pessoas estão entendendo cada parte” (LIENHARD, 1998: 179). Com o título de Catecismo Alemão ou Catecismo Maior esse texto de Lutero foi produzido e publicado em 1529, diferenciado-se do Catecismo Menor por ser mais complexo, mais desenvolvido para doutrinar os jovens e as crianças . “Meu Deus, que miséria vi! O homem comum não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias”(LUTERO, 2000 d: 327). Entretanto, a ignorância não era só do povo. Lutero percebendo a ignorância de muitos pregadores e pastores escreveu o Catecismo Maior com o intuito de inculcar o ensinamento religioso e moral. Escreveu-o em linguagem clara e de fácil entendimento para que fosse reproduzido e entendido por todos os cristãos. Foi elaborado em forma de manual. “Não é por razões somenos que inculcamos o Catecismo com tanto empenho e queremos e solicitamos que seja inculcado” (LUTERO, 1980 d: 387). Nos catecismos o princípios didático- pedagógicos estabelecido foi o de que o aprender se faz continuamente, na vivência diária, ao longo da vida. O homem, ao seu ver, deve exercitar o aprendizado para que fique arraigado no âmago de seu ser. Estes preceitos contidos nos Catecismo se aplicam não somente à religião, mas na formação do homem que estaria assim, apto para o mundo espiritual e secular. “Tenho de continuar diariamente a ler e estudar, e ainda assim, não me saio como quisera, e devo permanecer criança e aluno do Catecismo” (LUTERO, 1995 d: 388)

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A idéia de que o aprendizado acontece mediante o exercício diário, também está presente na escola hoje. “Há mestres que atribuem o maior valor à análise minuciosa e fazem com que os alunos repitam de modo igual aquilo que disseram” (LUZURIAGA, 1987: 106). Portanto a metodologia de Lutero, colocada a efeito no século XVI, ainda persiste nos tempos modernos. Ao escrever os Catecismos, Lutero, propôs não um manual, mas uma nova escola religiosa-cristã e, com ela, a idéia de que na Bíblia se encontram todas as verdades para o entendimento e realização dos homens. O conhecimento da Escritura habilita e prepara o homem para o mundo espiritual e temporal.

Quem entende os dez Mandamentos, deve entender a Escritura toda, de sorte que pode aconselhar, ajudar, confortar, julgar e decidir em todas as coisas, tanto no plano espiritual quanto no temporal (LUTERO, 1986 d: 390).

Nesses textos, Lutero, valoriza o aspecto da individualidade da natureza humana, de que somos eternos aprendizes e que aprendemos no transcurso da história, isto consiste em mais um contributo marcante do Cristianismo, que valoriza a humildade e nos coloca como sempre discípulos e aprendizes. “Deus está a ensinar desde o começo até o fim do mundo” . Somos discípulos e temos de continuar a sê-los (LUTERO, 1995 d: 390). A Reforma protestante partiu do pressuposto de que todo cidadão deveria saber e compreender a doutrina para que a transmitisse de geração a geração e que o ensinamento se fizesse por meio do método da repetição, palavra por palavra, de disciplina, ordem e memorização até absorver integralmente o todo, pois aquele que desconhece as verdades da fé não poderia ser chamado de cristão. O Catecismo apresentava perguntas e repostas com uma retórica bem elaborada, com ênfase entre os extremos: ter tudo o que se ambiciona ou a ira e o castigo de Deus.

Ter fé genuína de coração no verdadeiro e único Deus , eis que aqui tens o que é a verdadeira honra e culto divino agradável a Deus e por ele ordenado sob pena de ira eterna (LUTERO, 1995 d: 397).

Segundo ARANHA (1989), Lutero se expressa dentro de um espírito humanista, pois repudia os castigos e propõe jogos, exercícios físicos e música, aliás, seus corais se tornaram famosos na posteridade. Mas a educação proposta é a de cunho religioso, portanto os Catecismos se tornaram valiosos para a divulgação da Reforma. Em todo o Catecismo se observa que Lutero valoriza muito a palavra, dada a força e o poder que a mesma possui e que o Reformador a usou habilidosamente para inculcar sua doutrina amplamente, mas carregadas de conotação e disponibilidades para persuadir o povo para o reino de Deus ou do diabo. “ As palavra não são inoperantes ou mortas, senão eficazes, vivas” (LUTERO, 1986 d: 431). Percebe-se, nos Catecismos, um forte apelo educacional e se apresentam como verdadeiros manuais metodológicos de educação religiosa, tanto para leigos quanto para o clero. Neles Lutero escreveu um texto simples: “E aqueles que não podem fazer melhor, tomem estes

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livrinhos e formas e leiam-nos palavra por palavra, fazendo que se repitam as palavras” (LUTERO, 1986 d: 461). Nestes dois excertos evidenciamos com clareza a proposta pedagógica de Lutero: “ajudeis a inculcar e fazendo que repitam palavra por palavra”. Para isso a orientação é : “Tome ao contrário, uma única forma e a ela se atenha e incuta sempre, ano após ano”(LUTERO, 1980 d: 329). Na verdade, estas palavras de Lutero não irradiam grande otimismo. Muitas passagens deixaram transparecer certa violência, em palavras como “obrigar” , “ inculcar”, “repetir” , mas refletem também a sua convicção nas mudanças em curso, pois acreditava que formaria uma juventude imbuída de valores morais. Por outro lado, essa decidida posição assumida de implementar uma pedagogia religiosa, demonstra seu inabalável amor a juventude e a crença de que a própria fraqueza humana podem ser restaurada na fé, por meio de um exercício de persistência. O Catecismo é resultado do conhecimento empírico adquirido por Lutero, por ocasião das visitações às comunidades, em 1528. Constatada a ignorância espiritual do povo, Lutero se motivou a redigir e publicar os Catecismos. Na explicação dos Mandamentos evidenciava que uma das maiores bênçãos que Deus quer dar às crianças e ao mundo, por meio dos pais e autoridades é a educação. Dessa forma, na concepção de Lutero a educação constituiu-se em dádiva de Deus repartida mediante os pais, as autoridades, os mestres. Assim a escola devia ensinar a instrução fundamental, inculcar os valores morais e religiosos, centrados no ensino da língua vernácula, contrapondo com os programas escolares da Igreja medieval, com ênfase no latim e voltado para o trivium e quadrivium. E Lutero apreendendo um momento novo, respondeu aos apelos sociais de mudança e escreveu os Catecismos em língua alemã para enaltecer o espirito nacional e facilitar o acesso ao código de leitura.

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