Mensagem

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Fernando Pessoa “Mensagem” Que importa o areal e a morte e a desventura Se com Deus me guardei? É O que eu me sonhei que eterno dura, É Esse que regressarei. “D. Sebastião”, «Os símbolos», in “Mensagem”, Fernando Pessoa

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Fernando Pessoa

“Mensagem”

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.

“D. Sebastião”, «Os símbolos», in “Mensagem”, Fernando Pessoa

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A saudade de uma Pátria Nova ressuscita valores considerados perdidos. É neste

âmbito que se traz, de novo, D. Sebastião, não como prenúncio de desgraças e

tragédias, mas como anunciador de um novo espírito lusitano.

FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Fernando Pessoa liga-se ao Saudosismo por

entendê-lo realmente português e por achar que se identifica

com aquilo que a alma portuguesa necessita – um alento forte,

uma orientação segura face aos acontecimentos vividos.

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

É, portanto, deste espírito nacionalista que surge:

obra inspirada por todos estes ideais nacionalistas; obra emblemática, cuja divindade

é a pátria e cuja “religião” é o patriotismo .

“Mensagem”

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Vejam-se algumas afirmações de Pessoa:

“ O meu intenso sofrimento

patriótico, o meu intenso

desejo de melhorar a

condição de Portugal provocou

em mim (...) mil projetos...”

“Jamais saberei exprimir o fervor, a intensidade –

terna, revoltada e ansiosa – , do meu

patriotismo.”

“E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova

que não existe no espaço, em naves que são construídas

daquilo que os sonhos são feitos”.

“O sofrimento que isto produz não sei se poderá

ser definido como situado aquém da loucura.”

“O rosto com que fita é Portugal”, Miguel Yeco

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Pessoa acreditou sempre que, através do mito, poderia orientar os

portugueses neste sentido patriótico. É assim que, centrado na

figura de D. Sebastião, recupera o Mito do Encoberto.

MAS...... O que é o mito?

É um texto respeitado, mas pouco

verosímil à luz da ciência, e que

pretende explicar um fenómeno real.

“The myth is nothing that is all”, Greg Gierlowski

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

“O mito é o nada que é tudo.”

Fernando PessoaO mito, diz Pessoa, é o nada, pois não é real, no entanto, pelo que representa

é tudo, já que tem a força de preencher vazios, de nos explicar o real e incutir o

sonho.

Pessoa encontrou o caminho, reavivando, como já vinha acontecendo

na época, o mito português:

o Sebastianismo

“D. Sebastião: o Encoberto”, Lima de Freitas( Painel em Azulejo na Estação de Caminhos de Ferro do Rossio)

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Origens do mito sebastianista:

As suas raízes mais profundas encontramo-las nas Trovas de Bandarra que, num

tom profético, anunciou a vinda do Salvador, do Encoberto.

DEVER-SE-Á CONSIDERAR A EXISTÊNCIA DO:

Pré-sebastianismo: Trovas do Sapateiro Bandarra (meados do séc. XVI), que

anunciam o Encoberto e que são interpretadas, posteriormente à perda da

independência (1580), em relação a D. Sebastião.

Leva a um

•Sebastianismo profético: após a perda da independência, as Trovas são

interpretadas em relação a D. Sebastião, cujo regresso se profetizava. Mas a

independência consegue-se a 1 de dezembro de 1640, com D. João IV, é então que

algumas pessoas passam a identificar este rei (caso de Pe. António Vieira) com o

Encoberto. Há, no entanto, quem ainda leia nas Trovas o anúncio do regresso de D.

Sebastião.

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UM MITO MESSIÂNICO

A esta evolução da crença após a sua morte chama-se também pós-sebastianismo,

que é o que constitui propriamente o mito: o regresso do rei, misteriosamente

desaparecido nos areais de Alcácer-Quibir, para resgatar o seu povo do marasmo e

da apatia em que se encontra. Daí que se trate de:

ou seja, uma crença que se funda na vinda de um Salvador, que virá libertar o

povo e restaurar o prestígio nacional.

«Fernando Pessoa encontra D. Sebastião num

caixão sobre um burro ajaezado à andaluza», Júlio

Pomar

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

D. Sebastião mítico:o Encoberto, é aquele que há-de regressar “o que há”, isto é, que vive na

lenda que fecunda o sonho.

Mas convém clarificar a diferença entre:

D. Sebastião, rei de Portugal:figura histórica; este é o “ser que houve”, que morreu em Alcácer-Quibir.

Elmo de D. Sebastião

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Diz a lenda que D. Sebastião regressará, num dia de nevoeiro...

...e quando D. Sebastião voltar, estará, então, fundado o

“Quinto Império”

“A divisão: Império Grego (...); Império Romano (...); Império Cristão (...);

Império Inglês (...) e o Quinto Império, que necessariamente fundirá esses

quatro impérios com tudo quanto esteja fora deles, formando pois o império

verdadeiramente mundial, ou universal.”

“Todo o Império que não é baseado no Império Espiritual é uma Morte em

pé, um Cadáver mandado.”

“Só pode realizar utilmente o Império Espiritual a nação que for pequena,

e em quem, portanto, nenhuma tentativa de absorção territorial pode nascer.”

“Grécia, Roma, Christandade, / Europa – os quatro se vão / Para onde

vae toda a edade. / Quem vem viver a verdade / Que morreu D. Sebastião?”

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Este “Quinto Império” é, pois, espiritual. Tal como espiritual é a mensagem

de

Mensagem.Mas... afinal que mensagem é essa?

É a do nacionalismo, não aquele exacerbado e perigoso, mas um nacionalismo

simbólico, de apelo à alma portuguesa.

Em poemas curtos, carregados de sentido, Pessoa vai reabilitar os heróis

nacionais, sobretudo aqueles que se destacaram na construção da nação.

Estes heróis surgem como referências para um futuro

glorioso que possa ultrapassar o presente moribundo.

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Porque

assente

no mito do

Encoberto

Porque plena de

simbologia e de

conhecimentos

ocultos

Porque um

conjunto de

44

pequenos

poemas

Porque, tal como Camões com “Os Lusíadas”, também aqui se glorifica Portugal, no

entanto, em moldes diferentes:

Camões cantou os feitos de heróis e navegadores que criaram um Império baseado

no material que se dissipou.

Pessoa, tentando ultrapassar uma situação de instabilidade, revitaliza alguns desses

heróis, mas de forma a que eles sirvam de pilares seguros a um novo Portugal, centro

de um Império, desta vez fundado em valores espirituais (o Quinto Império).

Comecemos pela classificação da obra, diz-se dela que é:

uma obra épico-lírica

MÍTICA SIMBÓLICA LÍRICA ÉPICA

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

Nada na “Mensagem” foi deixado ao acaso, nem sequer a data da sua

publicação: 1 de dezembro (1934), feriado nacional em que se comemora a

restauração da independência.

Composta por 44 poemas, cuidadosamente construídos ao longo de 21 anos

(1913-1934), a “Mensagem”, que esteve para se chamar Portugal, apresenta uma

estrutura que obedece a uma ordem específica:

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

MENSAGEM

“Benedictus dominus Deus noster qui dedit nobis signum”

Bendito Seja Deus, Nosso Senhor, que nos deu o sinal – anuncia o

messianismo da obra.Brasão – símbolo da fundação da nacionalidade, dedicada àqueles que a

ajudaram a erguer

“Bellum sine bellum” (Guerra sem guerra)

Mar Português- símbolo de vida/ morte, refúgio, reflexo do céu. Simboliza

o domínio português dos mares. Dedicada à expansão marítima.

“Possessio Maris” (Posse do mar)

O Encoberto – aborda o mito sebastianista.

“Pax in Excelsis” (Paz nos Céus) – a paz Universal

Termina com:

“Valete Fratres” , ou seja, Felicidades, Irmãos

Coragem, Irmãos

O que nos remete para a Fraternidade desse Quinto Império.

“É a Hora!”

3

P

A

R

T

E

S

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FERNANDO PESSOA, “MENSAGEM”

O esforço é grande e o homem é

pequeno.

Eu, Diogo Cão, navegador, deixei

Este padrão ao pé do areal moreno

E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.

Este padrão sinala ao vento e aos céus

Que, da obra ousada, é minha a parte

feita:

O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano

Ensinam estas Quinas, que aqui vês,

Que o mar com fim será grego ou romano:

O mar sem fim é português

E a Cruz ao alto diz que o que me há na

alma

E faz a febre em mim de navegar

Só encontrará de Deus na eterna calma

O porto sempre por achar.

1. Indique as funções atribuídas ao “Padrão” neste poema.

2. Comente o significado dos versos: “Que o mar com fim será grego ou

romano / O mar sem fim é português”.

GAVE, exame 139 /2ª fase -2000

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Fernando Pessoa, Mensagem

Proposta de correção do poema “Padrão”

1. As funções atribuídas ao “padrão” são, por um lado, assinalar a passagem de

Diogo Cão, revelando o cumprimento do dever da parte “da obra ousada” que lhe coube

e, por outro, testemunhar, pelas quinas gravadas no monumento, o domínio português

do oceano.

Finalmente, o monumento manifesta, através da cruz que encima o padrão, a

transcendência do objetivo último da navegação do “eu”, ou seja, a demanda de Deus.

2. Contrapondo o “mar com fim”, “grego ou romano”, ao “mar sem fim”, “português”,

o poema enaltece as viagens marítimas dos portugueses, afirmando a sua superioridade

relativamente às dos povos da antiguidade clássica: estes dominaram apenas o que era

conhecido, o “mar com fim”; os portugueses, pelo contrário, apropriaram-se do

desconhecido, do “mar sem fim”, que desvendaram, acentuando-se, assim, a sua

dimensão épica.

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Fernando Pessoa, Mensagem

Triste de quem vive em casa,

Contente com o seu lar,

Sem que um sonho, no erguer de

asa,

Faça até mais rubra a brasa

Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz –

Ter por vida sepultura.

Eras sobre eras se somem

No tempo em que era vem.

Ser descontente é ser

homem.

Que as forças cegas se

dormem

Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro

Tempos do ser que sonhou,

A terra será teatro

Do dia claro, que no atro

Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,

Europa – os quatro se vão

Para onde vai toda idade.

Quem vem viver a verdade

Que morreu D. Sebastião?

Fernando Pessoa, “O Quinto

Império”,

in Mensagem,

Ática, Lisboa

1. Mostre de que modo se estabelece uma relação de oposição entre as estrofes

1 e 2, por um lado, e a estrofe 3 por outro.

2. “A terra será teatro / Do dia claro, que no atro / Da erma noite começou.”

2.1. Identifique a figura de estilo presente nos versos transcritos, apontando o

seu valor expressivo.

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Proposta de correção do poema “O Quinto Império”

1. A relação de oposição baseia-se em diferentes conceções de vida.

Por um lado, o comodismo, a segurança do conhecido, do aconchego do lar, a

certeza da sucessão cíclica e cronológica do tempo, bem patentes nas estrofes 1 e 2:

“Vive porque a vida dura. / Nada na alma lhe diz / Mais que a lição da raiz - / Ter por

vida sepultura.”

Por outro lado, o inconformismo, a inquietação são apresentados na estrofe 3 como

a única forma de se “ser homem”.

Em última instância, o sujeito poético revela-nos que a verdadeira felicidade só se

alcança pelo desassossego.

A figura de estilo presente nos versos transcritos é a antítese.

Através dos versos, o sujeito épico-lírico antecipa um futuro de glória, um “dia claro”,

por oposição à situação atual de vazio, marcada pelo negativismo da “erma noite”.

Todavia, é nessa “erma noite” que existe o gérmen desse futuro.

Fernando Pessoa, Mensagem