Mente de Antigamente

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MENTE DE ANTIGAMENTE Julia Oliveira Costa Nunes Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Linguística Orientadora: Profa. Doutora Maria Maura Cezario Co-Orientadora: Profa. Doutora Maria Antónia Mota Rio de Janeiro Fevereiro de 2014

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Tese de Doutorado

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MENTE DE ANTIGAMENTE Julia Oliveira Costa Nunes TesedeDoutoradoapresentadaaoProgramadePs-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Doutor em Lingustica Orientadora: Profa. Doutora Maria Maura Cezario Co-Orientadora: Profa. Doutora Maria Antnia Mota Rio de Janeiro Fevereiro de 2014MENTE DE ANTIGAMENTE Julia Oliveira Costa Nunes Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Co-Orientadora: Professora Doutora Maria Antnia Mota TesedeDoutoradosubmetidaaoProgramadePs-GraduaoemLingustica, FaculdadedeLetras,daUniversidadeFederaldoRiodeJaneiroUFRJ,comopartedos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Doutor em Lingustica. Examinada por: _________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Maria Maura da Conceio Cezario _________________________________________________ Profa. Doutora Maria Clia Lima-Hernandes USP _________________________________________________ Prof. Doutor Ivo da Costa do Rosrio UFF _________________________________________________ Profa. Doutora Clia Regina dos Santos Lopes PPG Vernculas - UFRJ _________________________________________________ Profa. Doutora Christina Abreu Gomes - UFRJ _________________________________________________ Profa. Doutora Maria Jussara Abraado de Almeida UFF, Suplente _________________________________________________ Profa. Doutora Deise Cristina de Moraes Pinto UFRJ, Suplente Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 ii Costa Nunes, Julia Oliveira. Mente de Antigamente/ Julia Oliveira Costa Nunes. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2014. xiv, 182 fl.: il.; 34 cm. Orientador(a): Maria Maura da Conceio Cezario Tese (doutorado) UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Ps-Graduao em Lingustica, 2014. Referncias Bibliogrficas: f. 174-182. 1. Construo Xmente. 2. Mudana construcional. 3. Lingustica Funcional Centrada no Uso. I. Cezario, Maria Maura da Conceio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Ps-graduao em Lingustica. III. Ttulo. iii Aos meus pais, por tudo o que sempre fazem por mim. iv AGRADECIMENTOS Agradeo,emprimeirolugar,aosmeuspais.Alistagrandedemaisenocabe aqui,masvocssabemquesougrataportudoquefizerampormimnesses12anosde UFRJ.Nessaencarnao,mamis,nosoubemosmuitobemseguirasregraseresolvemos que iramos inverter os papis de vez em quando, mas no h como negar que voc sempre foi meu forte, meu norte, minha sorte, meu consolo. Papito querido, sempre com as piadas maissemgraadomundo,teamomaisquetudotambm,mesmoquevocnoacredite muito! Voc foi meu professor, me educou para a vida e eu sou muito grata. s amigas queridas, Juliana e Mariana, agradeo por sempre estarem dispostas a me darabraosdepiscina,acompanhandoaminhafrustraoporsimplesmenteodoutorado no acabar! E olhe, no que acabou? E vocs acompanharam tudinho, mesmo comigo em Portugal. Juliana, agradeo por se fazer interessada e ouvir minhas apresentaes, captulos datese,entre outrascoisaschatssimaspravoc.Mariana,obrigadapormefazerrireser uma boa companheira (no s de bar, ok?), e por estar sempre disponvel. Desde2011quetemospiadasinternas,norikaeNatalia?Pois,colocovocs duas na minha mala. Tiro todos os italianos que rika botou, l em Roma, e carrego vocs duas, sempre! Alis, melhor carregar no corao, pois tem mais espao. Amo vocs duas de formasmuitodiferenteseemescaladiferente,edigoissopararikanoreclamar!So Paulinas!Oquefazerdessascriaturas,noNat?Enfim,stenhoaagradecer...eavisar quevocssoasprximas(achoquecabeaquiumarisadamaligna).Eportabela, Fernando-da-Eugnia-vulgo-marido-de-Erika,teagradeotambm.Eprecisaderazo? Simplesmente assim. MiniMeePolvinho(a.k.a.RosanaeDennis),vocsdoissomaravilhosos. Obrigado por revisarem a tese, conferirem todas as contas (n, Dennis?)e ajeitar todos os v nmerosdosexemplos(quantotrabalho,Rosana!).Continuemaestudarmuitoesejam sempre assim, integrantes (super) ativos do D&G, e o futuro de vocs ser brilhante. Julinha!Achoqueeutenhoqueteagradecerpelasuadissertao!Bom,porvoc ser essa pessoa maravilhosamente figura, tambm, mas a dissertao... Que venham muitas colaboraes (depois que eu me recuperar da overdose de advrbios... tipo, ms que vem). Bruna Cezario. Tenho que te agradecer tambm... por voc ser quem . S isso. J muito.Falasrio!Mauranoseriaamesmaenoteriapacinciacomigosevocno existisse! Voc parte essencial desse grupo, no por nada no! Maura,Maura,Maura!Oquedizerdevoc?Euameiaexperinciadesersua orientanda(issoacabaumdia?)poressesquase10anos.Obrigadaportudoe,maisuma vez,agradeoporvoctersidominhameacadmica,porsempremeaguentarepor compartilharseusconhecimentoscomigo.Vocadoravelmentepentelha!Senofosse assim, a gente no aprendia tanto, no se arriscava tanto, no era to recompensado. Minha prima querida, minha aluna, minha amiga... adolescente histrica e pentelha! Sofia, voc uma das pessoas que mais amo e admiro nesse mundinho nosso de cada dia. Adorocadasegundoquepassocomvoc,adoroverseussuperchiliquesquandov Sherlock, seus usos estranhos de nunca mais e sua fonte inesgotvel de grias esquisitas. UmdiaaindatefaogostardeDoctorWhoeSenhordosAnis.Sporissovocno perfeita. Pronto, falei! DinahCallou,CliaLopeseMariaAntnia.Semvocs,nohaveriaPortugalpra mim.E,semdvidaalguma,foramseismesesmuito,muitofelizes.Comoqueriaque fossemmais!MariaAntnia,suadouraementeafiadasoumacombinaoperfeita! Obrigada por tudo! Por me receber, por me ensinar, por me darideiasincrveis e dicas de passeio em Lisboa, claro! Kellen,Nubia,Rogrio,Thiago,Ftima,Alexandre,Cassiano,Viorel,Ramesh,e todososqueeuconheciouencontreiemLisboa(epelaEuropaafora).Foramaltas vi aventuras, risadas, viagens, trabalhos, aulas, loucuras, vinhos, pastis e comida italiana (n, Kellen?). Enfim, perfeito! AgradeoaindaaogrupomaravilhosodaCasaFraternaAllanKardec,pois,sem vocs,achoqueatesenosairia;aomeuamigoRoberto(semcimes,Marques!Sem cimes!), a quem sempre admirei,mas s agora posso dizer que conheci; aomeu av, por ser meu av; a Cristina Abreu, por ser esse exemplo de profissional; a Afrnio Barbosa, por simplesmenteexistir;aVeraParedes,porsempretentarentenderasminhasmilhesde palavras por segundo nas apresentaes; a Conceio Paiva (e famlia), por me receber com tanto carinho e me fazer gostar de Paris de novo; a minha famlia, por estar sempre presente e por atravessar um oceano para matar a saudade;e a Maria Luza Braga, por compartilhar tanto conhecimento com os alunos e sempre ser to entusiasmada com Lingustica. Eclaro...agradeoaogrupoD&G.Karen,Gabi,Pri,Carol,Carolzinha,Fernanda, Deise,Bruna,Simone,Nathalie,Thiago,Maringela,Ivo,BiaArena,AnaCludia, Monique, Maria Anglica, Romerito, Edvaldo, Leonor e todos os que fazem desse grupo o mais acolhedor ambiente de trabalho do mundo. Porfim,agradeoaDeuspelaforaediscernimento,eporcolocartodasessas pessoas maravilhosas no meu caminho. vii SINOPSE Estudoacercadamotivaodaordenao dosadvrbiosemmentedetempoe aspecto (construo Xmente), bem como da mudana semntica dos mesmos, com base nospressupostosdaLingusticafuncional BaseadanoUso,noportugusescritode cartas diversas dos sculos XVI ao XX. viii RESUMO MENTE DE ANTIGAMENTE Julia Oliveira Costa Nunes Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Co-Orientadora: Professora Doutora Maria Antnia Mota ResumodaTesedeDoutoradosubmetidaaoprogramadePs-GraduaoemLingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Lingustica. Opresentetrabalhotemporobjetivoinvestigarospossveisconjuntosdefatores quepodemmotivarasdiferentesposiesdosadvrbioscomsufixomente(construo Xmente)comvalortemporalouaspectual(comofrequentemente,continuamentee atualmente)emdiferentessincroniasdoportugusescrito(dosculoXVIaosculoXX), bemcomoanalisarapossveltrajetriademudanasemnticadasmesmasconstrues. UtilizamosospressupostostericosdaLingusticaCentradanoUsoouLingustica Funcional Centrada no Uso, na qual, tendo em vista que a linguagem um instrumento de interaosocial,seconsideraqueainvestigaolingusticaestalmdaestrutura gramatical, contemplando as motivaes para os fatos da lngua no contexto discursivo. Propomosnossatesearespeitodaconstruoestudadacombaseemduas premissas:(i)advrbiosdeaspecto(eospolissmicos)passaramaocuparasposies imediatasaoverboaolongodossculos,principalmenteaps-verbal,acompanhandoa mudanageralefixaodeordemvocabular,assimcomoosadvrbiosqualitativos(cf. Martelotta, 2004; Moraes Pinto, 2008; Vlcek, 2010), por teremnatureza semelhante. J os advrbiosdetempo,porseremperifricosestruturadaclusula,somaislivresna ordenao, poisse relacionam ao evento como um todo, portanto, esperamos um aumento donmerodeadvrbiosemposiomarginal;(ii)aconstruoXmenteperdeu analisabilidade,masaindaparcialmentecomposicional.Mentenopodemaisser recuperadocomoosubstantivo,masaconstruoaindamantmaspropriedades semntico-morfolgicasdabaseadjetival.Seabasemonossmica,oadvrbiotambm ser.Osadvrbiosdebasepolissmicasomaispropensosmudanadoqueaqueles considerados monossmicos. Palavras-Chave:construoXmente,mudanaconstrucional,LingusticaFuncional Centrada no Uso. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 ix ABSTRACT MENTE DE ANTIGAMENTE Julia Oliveira Costa Nunes Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Co-Orientadora: Professora Doutora Maria Antnia Mota Abstract da Tese de Doutorado submetida ao programa de Ps-Graduao em Lingustica, FaculdadedeLetras,daUniversidadeFederaldoRiodeJaneiroUFRJ,comopartedos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Lingustica. Thisthesisfocusesoninvestigatingofthepossiblegroupoffactorsthatcould motivatedifferentpositionsofadverbswiththesuffixmente(Xmenteconstruction), specifically those of time and aspect (such as frequentemente, continuamente e atualmente), indifferentsynchroniesofwrittenPortuguese(from16thto20thcentury),aswellas analyzing the possible course of semantic change of such constructions. We are considering Usage-basedLinguisticsorUsage-basedFunctionalLinguisticsapproachwherein,taking into account that language is an instrument for social interaction, linguistic investigation is beyondgrammaticalstructure,contemplatingmotivationstolinguisticeventsina pragmatic context. We propose our thesis regarding the given constructionbased on two premises: (i) throughoutthecenturies,adverbsofaspect(andpolysemicones)startedfillingverb-adjacent positions, especially post verbal, following the general change and fixing of word order, same as qualitative adverbs (cf. Martelotta, 2004; Moraes Pinto, 2008; Vlcek, 2010), due to their similar nature. Adverbs of time, on the other hand, are peripheral to the clause structure and consequently freer in order once they relate to the event as a whole, therefore we expect an increase in occurrences of such adverbs in marginal positions; (ii) the Xmente constructionhaslostanalyzability,butitisstillpartiallycompositional.Mente(mind) cannotbeperceivedasanoun,buttheconstructionsustainsthesamesematic-morphological properties of the adjective base. If the baseismonosemic, so is the adverb. Adverbswithpolysemicbasesaremoresusceptibletochangethanthoseconsidered polysemic. Key-words:Xmenteconstruction,constructionalchange,Usage-basedFunctional Linguistics. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 x RSUM MENTE DE ANTIGAMENTE Julia Oliveira Costa Nunes Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Co-Orientadora: Professora Doutora Maria Antnia Mota RsumdaTesedeDoutoradosubmetidaaoprogramadePs-GraduaoemLingustica, FaculdadedeLetras,daUniversidadeFederaldoRiodeJaneiroUFRJ,comopartedos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Lingustica. La presente tude a comme obejctif faire des recherches possibles sur les ensembles de facteurs qui peuvent motiver des diffrentes positions des adverbes avec le suffixe- ment (constructionXment)aveclavaleurtemporelleouaspectuelle(comme:frqumment; continuellementetactuellement)endiffrentessynchronisationsdelalangueportugaise crite (du XVI sicle au XX sicle), ainsi qu analyser la possible trajectoire de changement smantiquedummetypedeconstruction.Nousutilisonsleshypothsesthoriquesdela linguistique centre autour de lutilisation du code ou linguistique fonctionnelle centre sur lutilisation du code laquelle Il est prvu que loutil de la langue est linteraction sociale. Sinousconsideronsquecetterecherchelinguistiqueaudeldelastrucuturegramaticale contemple les motivations pour les faits de langue dans un contexte discursif. Nousvousproposonsnotrethsesurlabasededeuxhypothses:(i)adverbes daspect(etlespolysmiques)ilsontoccuplespositionsimmditduverbeaucoursdes sicle,principalementpost-verbaux,lasutedelamodificationgnraleetlafixation delordrelexical,ainsiquelesadverbesqualitatifs.(cf.MartelOtta,2004;MoraesPinto, 2008; Vlcek, 2010), pour avoir unenature similaire. Par contre, les adverbes de temps,ils sontpriphriquesastructuredeclausure,sontpluslibresdanslacommandecarilsse rapportentlvnementdanssonensemble,parconsquent,nousnousattendonsune augmentation du nombres des adverbes en position marginale; ii) la construction X ment a perduelanalysabilit,maiselleestencorepartiellementcompositionnel.Lemotmente en portugais ne peut pas tre recuperer com nom, mais la construction du suffixe conserve lesproprietsmorphologiquesdelabasessmantiquesdeadjectivale.Silabaseest univoque,ladverbelesergalement.Adverbedelabasepolysmiquesontsucptiblede changer au contraire de ces qui ne le sont pas. Mots-cl: constructionX ment, changement constructionnel, linguistique fonctionnelle centre sur luse. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 xi SUMRIO LISTA DE TABELAS .................................................................................................... xiii LISTA DE FIGURAS E QUADROS .............................................................................. xiv INTRODUO ............................................................................................................... 15 I. Objetivos e Hipteses .......................................................................................... 18 1. REVISO DA LITERATURA .................................................................................... 25 1.1. Conceito de tempo aspecto ............................................................................... 25 1.2. Literatura de Advrbios .................................................................................... 29 2. PRESSUPOSTOS TERICOS .................................................................................... 46 2.1. Lingustica Funcional Centrada no Uso ............................................................ 47 2.1.1. Os conceitos de Iconicidade e Marcao ................................................... 53 2.1.2. O contnuo lxico-gramtica ..................................................................... 56 2.2. Consideraes sobre a mudana lingustica ...................................................... 58 2.3. Gneros e Tipos Textuais ................................................................................. 68 3. METODOLOGIA E PARMETROS PARA A ANLISE.......................................... 73 4. ANLISE DE DADOS ................................................................................................ 82 4.1. Aspectos gerais da anlise dos advrbios .......................................................... 82 4.1.1. Posio da construo ............................................................................... 83 4.1.2. Tipos textuais ........................................................................................... 86 4.1.3. Semntica da construo ........................................................................... 92 4.1.4. Tipos semnticos de verbos .................................................................... 100 4.1.5. Tipo de modificao ............................................................................... 105 4.2. Anlise das sincronias e cruzamento dos fatores ............................................. 111 4.2.1. A construo Xmente nos sculos XVI e XVII ........................................ 111 xii 4.2.2. A construo Xmente nos sculos XVIII e XIX ...................................... 123 4.2.3. A construo Xmente no sculo XX ........................................................ 133 4.2.4 - Tipo do verbo e a construo: comparao de duas sincronias distantes.139 4.3. Anlise das microconstrues e mudana semntica ....................................... 143 4.3.1. Novamente, Ultimamente e Geralmente .................................................. 151 4.3.2. Primeiramente e Finalmente.................................................................... 157 5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 166 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................ 174 xiii LISTA DE TABELAS Tabela 1: Posio do Advrbio em Relao ao Verbo....................................................... 85 Tabela 2: Distribuio das ocorrncias por sequncia tipolgica ....................................... 89 Tabela 3: Tipo Textual X Posio do Advrbio ................................................................ 89 Tabela 4: Ocorrncias de posio pr-verbal .................................................................... 91 Tabela 5: Semntica do advrbio .................................................................................... 100 Tabela 6: Tipo de Verbo................................................................................................. 104 Tabela 7: Tipo de Modificao ....................................................................................... 110 Tabela 8: Relao semntica e posio no sculo XVI ................................................... 113 Tabela 9: Relao tipo de modificao e posio no sculo XVI .................................... 115 Tabela 10: Margens da orao X tipo de modificao, sculo XVI ................................. 116 Tabela 11: Relao semntica e posio no sculo XVII ................................................ 119 Tabela 12: Relao tipo de modificao e posio no sculo XVII ................................. 120 Tabela 13: Margens da orao X tipo de modificao, sculo XVII ................................ 122 Tabela 14: Relao semntica e posio nos sculos XVIII e XIX.................................. 125 Tabela 15: Relao tipo de modificao e posio no sculo XVIII ................................ 127 Tabela 16: Margens da orao X tipo de modificao, para o sculo XVIII .................... 128 Tabela 17: Relao tipo de modificao e posio no sculo XIX .................................. 130 Tabela 18: Margens da orao X tipo de modificao, para o sculo XIX....................... 131 Tabela 19: Relao semntica e posio no sculo XX ................................................... 134 Tabela 20: Relao tipo de modificao e posio no sculo XX .................................... 136 Tabela 21: Margens da orao X tipo de modificao, para o sculo XX ........................ 138 Tabela 22: Relao tipo do verbo e da semntica da construo no sculo XVI .............. 140 Tabela 23: Relao tipo do verbo e da semntica da construo no sculo XX ............... 141 Tabela 24: Frequncia de tipos de microconstrues ...................................................... 143 xiv LISTA DE FIGURAS E QUADROS Figura 1: Os sentidos de tempo......................................................................................... 26 Figura 2: Esquema de Nveis da Construo ..................................................................... 52 Figura 3: Metfora ......................................................................................................... 159 Quadro 1: Corpus e dados ................................................................................................ 79 Quadro 2: Microconstrues estudadas nos sculos XVI e XVII .................................... 112 Quadro 3: Microconstrues estudadas nos sculos XVIII e XIX ................................... 124 Quadro 4: Microconstrues estudadas no sculo XX .................................................... 133 INTRODUO Para cada estudo envolvendo advrbios e locues adverbiais necessrio levar em contaocontextodeuso.Cadasituaocomunicativa,sejaoralouescrita,apresentaum conjuntodecaractersticasquedevemserlevadasemcontanaanlisedosadverbiais. Segundo Martelotta (2012:13): (...)acategoriadosadvrbiosreconhecidamenteamenos homogneae,portanto,amaisdifcildeserdefinida.(...)o rtuloadvrbiodesignaumconjuntomuitodiferenciadode elementos,constituindoumacategoriafluidaquetendease adaptar s intenes comunicativas envolvidas no discurso. AindaemMartelotta(2012),sendooquechamamosdeadvrbiosumacategoria fluida, preciso levar em conta as noes de gradualidade e continuum, pois os advrbios soelementosqueoratendemaolxico,umavezqueexpressamcircunstncias,ora gramtica,poispodemapresentarcaractersticasdeclassesconsideradasmaisfechadas, confundindo-se, em alguns casos, com conjunes1. Sendo assim, os advrbios so termos intermedirios, j que possuem ao mesmo tempo caractersticas do lxico e da gramtica. Apesar de haver um nmero considervel de estudos realizados acerca da ordenao dos advrbios (em geral) em portugus sob o ponto de vista da lingustica (principalmente funcional), sobretudo a partir da ltima dcada do sculo XX (Ilari et alii, 1990; Martelotta, 1994;Castilho,1999;MoraesPinto,2002e2008;Freitas,2004;Barbosa,2006;Cezario, Ilogti&CostaNunes,2005;CostaNunes,2009),haindaumgrandecampodepesquisa acercadotema,umavezqueosadvrbiossoitensdenaturezadiversificada,dedifcil 1 Brinton e Traugott (2005), Heine (2003), Martelotta (2008) 16 classificao e que apresentam funes variadas na lngua. Com o advento da Gramtica de Construeseaeventualaplicaodamesmaaosprincpiosfuncionalistas(cf.Bybee, 2010),humvislumbredeumnovocampodeaplicaonoquedizrespeitoaosestudos dos adverbiais em geral (cf. Campos, 2013). Opresentetrabalhotemporobjetivoinvestigarospossveisconjuntosdefatores quepodemmotivarasdiferentesposiesdosadvrbioscomsufixomente(construo2 Xmente)comvalortemporalouaspectual(comofrequentemente,continuamentee atualmente)emdiferentessincroniasdoportugusescrito(dosculoXVIaosculoXX), bem como analisar a possvel trajetria de mudana semntica das mesmas construes. Emnossaanlise,tomaremosporbasealgumasdasquestesabordadasem trabalhos anteriores, mas com a aplicao de um vis terico mais recente (comoa questo daconstrucionalizaoabordadaprincipalmenteemTraugott,2008ae2008b;Traugott, indito; Traugott & Trousdale, 2013), buscando assim contribuir, atravs de um novo olhar acerca da mudana lingustica em geral, com o estudo dessa categoria de difcil definio (umaconstruointermediriaentreolxicoeagramtica).Paratanto,utilizamosparte dos corpora do projeto PHPB (documentos oficiais, cartas particulares), o Corpus Histrico doPortugusTychoBrahe(documentosoficiais,cartasparticulares),oscorporados projetos CARDS e FLY, alm de documentos do acervo da Biblioteca Nacional de Portugal e cartas disponveis no projeto Brasiliana (USP).Sabemosqueamencionadaconstruopodeocorreremdiferentesposiesna orao,exemplificadode(1)a(4)aseguir,noentanto,precisamosdelimitarospossveis fatoresquemotivamasdiferentesordensnostextosestudadosedepoisverificarseas 2 Entendemos como construo o pareamento forma e funo, conforme Croft (2001), Goldberg (1995 e 2006), Bybee (2010) e outros autores, como abordaremos na seo 2.2. 17 tendnciasdeusocontinuamasmesmasapontadasemtrabalhossobreoutrostiposde advrbios,bemcomotrabalhossobreaprpriaconstruoXmente,masemtextosde domniosdiferenciados(comotextoseclesisticos,peasdeteatro,diferentestextos falados, etc). (1) Sernomundomaisditoso,nosermaisditoso,padecermaistempoa ocasiodesermofino.Quivemdeaqueordinriamenteosgrandesso maisgloriosos;porqueosgrandessoemserdeordinrioosaquemseprepara maior penalidade. (sculo XVII) (2) Movidodasrazosponderadas;econciderando,quehumMandiocalestando de vs rende cemsacos defarinha, eno estando apenas 25, que osLavradores desmanchando asmandiocasintempestivamentepara conseguirem o alto preo das farinhas (...). (sculo XVII) (3) (...) todas de Francisco que homem de poucas palavras, chefe de numerosa familia e constantemente visita o estabelecimento de Vossa Merc (...) (sculo XIX) (4) Respondosemsacrificiosasuacartafriaebemraciocinada.Significando portanto,querespondoporquequero.Senolheescrevianteriormente foi devido falta do seu endereo ou portador de minha confiana. (sculo XX) Nosexemplosanteriores,retiradosdanossaamostracompostadecartasdiversas comoespecificadoanteriormente(equeserretomadonocaptulo3destatese), 18 exemplificamos que a construo Xmente tende a aparecer em quatro posies diferentes na clusula,sendo(1)e(3)posiespr-verbaise(2)e(4)posiesps-verbais. Detalharemosaquestodaposiodaconstruonoscaptulos3e4,sendonesteltimo apresentado os resultados por sculo. Utilizamos os pressupostos tericos daLingustica Centrada no Uso ou Lingustica Funcional Centrada no Uso3 (cf. seo 2.1), na qual, tendo em vista que a linguagem um instrumentodeinteraosocial,seconsideraqueainvestigaolingusticaestalmda estruturagramatical,contemplandoasmotivaesparaosfatosdalnguanocontexto discursivo.Almdisso,vlidoressaltarquenossopontodepartidafoiapesquisade Costa Nunes (2009) acerca da ordenao dos advrbios de tempo e aspecto emmentena escrita jornalstica contempornea, pesquisa de Mestrado, que, por sua vez, teve como base o trabalho desenvolvido na Iniciao Cientfica acerca da ordenao de advrbios de tempo e aspecto terminados em mente na escrita religiosa contempornea. I. Objetivos e Hipteses Os objetivos gerais da anlise dos usos das construes Xmente com valor temporal e aspectual ao longo dos sculos so: (i) caracterizar as posies assumidas pela construo Xmente de tempo ou aspecto, apresentandoafrequnciadeocorrnciadecadaposio,almdetentardefiniras estruturas prototpicas em cada sincronia estudada; 3 O segundo termo uma proposta do Grupo Discurso & Gramtica e est expressa em Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013). 19 (ii) analisar tal construo de acordo com sua funo semntico-pragmtica;(iii) observar at que ponto a base adjetiva da construo influencia sua posio; (iv) observar os contextos crticos4 de mudana semntica, ou seja, contextos de uso atpico nos quais so atribudas diferentes interpretaes a certas microconstrues5; (v)verificaraprodutividadedaconstruoXmenteaolongodossculos, observando os tipos diferentes de elementos que preenchem o slot X da construo; (vi)relacionarafunodiscursivaegramatical/procedural(ouprocedimental)dos advrbios e sua posio na orao, assim como o papel (inter)subjetivo do contexto na mudana das microconstrues. A partir desses objetivos esperamos responder aos seguintes questionamentos: 1.QuaissoaspossibilidadesdeordenaodaconstruoXmenteequaisassuas motivaes?2.QualocomportamentodaconstruoXmentenoportugusdosculoXVI,primeiro sculo que estudamos? 3. Qual a trajetria de mudana dessas construes e quais so as motivaes para tal? 4.Estavamasposiesdeadvrbiosencontradasnoportuguscontemporneoj estabelecidas nos sculos XVIII e XIX? 5.Comoocorreapassagemdeumadvrbiodemodo(qualitativo)aumadvrbiode aspecto, ou a mudana semntica em geral? 4Contextocrtico,segundoTraugott(indito),dizrespeitoainstnciasdeusosatpicostantopragmtica quanto distribucionalmente. So estes contextos atpicos o locus propcio para a mudana. 5OtermoutilizadocombaseemTraugott(indito),Traugott(2008ae2008b),TraugotteTrousdale (2013), dentre outros, e ser explicado no captulo 2, seo 2.2. 20 6.possvelestabelecerumcontnuodeusodosadvrbiosemmente,tendoemvistao contnuo lxico gramatica? Taisquestionamentosnosfizeramlevantarumasriedeconjecturasparaguiara anlise da construo estudada. A base da nossa anlise reside em duas hipteses gerais que compem nossa tese a respeito da construo estudada, sendo elas: A.Advrbiosdeaspectosoconstruesmaisintegradasestruturadaclusula (adjuntivos), assim como os qualitativos, pois agem diretamente no feixe semntico do verbo.Osadvrbiosqualitativospassaramaocuparasposiesimediatasaoverboao longodossculos,acompanhandoamudanageraleafixaodeordemvocabular. Segundo Martelotta (2004), entre outros, os advrbios qualitativos, em sincroniasmais remotasdoportugus,ocupamasposiespr-verbais.Aolongodossculos, possvelperceberumamudananesseaspecto,jqueessesmesmosadvrbios,em sincroniasmais recentes, passam a ocupar as posies ps-verbaisemais prximasao verbo.Aanlisediacrnicadosadvrbiosaspectuaisdevemostrarqueatrajetriade mudanadosmesmosseriasimilarqueladosqualitativos.Josadvrbiosdetempo, por serem perifricos estrutura da clusula (disjuntivos), so mais livres na ordenao, pois se relacionam ao evento como um todo. A anlise diacrnica deve apontar para um aumento do nmero de advrbios em posio marginal, seguindo uma direo diferente dosaspectuaisepolissmicos.Aconstruo[adjetivo+mente]eraprototipicamente qualitativaefoiampliandoasemnticadeacordocomocontexto.Acreditamossera partir da temporal que surgem o que chamamos "sequenciais" (conjuntivos), advrbios de posio fixa (margem esquerda) na orao. 21 B.A construo Xmente perdeu analisabilidade6, mas ainda parcialmente composicional. Mentenopodemaisserrecuperadocomoosubstantivo,masaconstruoainda mantmaspropriedadessemntico-morfolgicasdabaseadjetival.Seabase monossmica, o advrbio tambm ser. A recproca se torna verdadeira, uma vez que se a basefor polissmica, o advrbio ter omesmocomportamento. Para que abase seja consideradamonossmica,precisoqueoadjetivotenhaemsiumaspectomarcado, comoocasodasmicroconstruesantigamente,eternamente,continuamente,nas quaisnohpossibilidadedeambiguidadedevidoaforteinflunciadasemnticada base.Poroutrolado,microconstruescomoregularmentetemumescopomaior, portanto h possibilidade de polissemia dependendo do contexto. Os advrbios de base polissmicasomaispropensosmudanasemnticadoqueaquelesconsiderados monossmicos. Combasenessasduaspremissas,postulamosqueopapelsemnticoexercidopela construoXmenteinfluencianaposioqueesteocupanafrase,principalmentena medida em que est relacionado ao grau de integrao entre a construo e o verbo ou entre a construo e a clusula. Com isso, esperamos que: (a)osadvrbiosseapresentem,emsuamaioria,nasposiesimediatasaoverbo, principalmentenoquedizrespeitoaosaspectuaiseaospolissmicos(aspecto+ modo), sendo estes elementos semanticamente ligados ao verbal. 6 Os conceitos de analisabilidadee composicionalidade (Bybee, 2010) sero explicados no captulo 2, seo 2.1. 22 (b) os elementos tidos como sequenciais (quemais se assemelhamaos conectores) tendem a ocorrer topicalizados, na margem esquerda da orao. (c) em relaoaos advrbios temporais, podemosdizer que estes seriam elementos maislivresnoquedizrespeitosuaposio,noentanto,esperamosqueestes ocorrammaissmargens(tantodireita,quantoesquerda)porseremelementos disjuntivos, ou seja, fazem referncia ao evento como um todo. (d) o tipo de modificao que um advrbio exerce num determinado contexto deve ter relao com a posio que este ocupa na orao, ou seja, se o advrbio assume a funodecontraste,isto,estabeleceumcontrastetemporalcomoutrareferncia diticajmencionada,oitemtenderiamargemesquerdadaorao.Omesmo aconteceria com a funo de retomada anafrica. As funes da construo Xmente so explicadas na seo 4.1. Trabalhamos com a questo funcional e gramatical/procedural juntas em uma mesma classificao, da o termo tipodemodificao,comoserexplicadonoscaptulos3e4.Assim,consideramos necessriotambmanalisarasemnticadoverbo,paravermosarelaoentreesteea posio da construo Xmente. Com isso, postulamos que: (e)amudanadeordenaosedariacomostiposverbaismenosfrequentes,com baseemBybee(2010),quepostulaquenamorfologiaenasintaxefrequnciaalta de um tipo pode manter estruturas mais antigas. 23 Tambmverificaremosseaprodutividadedaconstruoaumentouduranteos sculos.Paraissopretendemosverificaronmerodiferentedemicroconstruesemcada sculo, observando os adjetivos diferentes que preenchem o slot X da construo Xmente. Os trabalhos da linha da Lingustica Funcional Centrada no Uso demonstram que em geral haumentodeprodutividadedeumaconstruo(cf.Bybee,2003e2010;Traugott, indito).Aprofundaremosaanlisedasmicroconstruesmaisfrequentesnasamostras estudadas (cf. seo 4.3). Almdisso,comopretendemosanalisarasmicroconstruesquesoframmudana sinttico-semntica e acompanhar os processos envolvidos nessamudana, estudamos no s aqueles itens aos quais so paulatinamente atribudos valorestemporais e/ou aspectuais, mastambmaquelesqueperdemosmencionadosvalores.Dessaforma,esperamos estabeleceratrajetriadaconstruoXmente,noqueconcerneumapossvelmudana sinttica e/ou semntica desses elementos paramelhor compreendermos sua ordenaono portugus contemporneo. Nocaptulo1,apresentaremosarevisodaliteraturadoestudodosadverbiaisem geral, apresentando suporte bsico das noes de tempo e aspecto e suas implicaes para a anlise,almdostrabalhosmaisrecentesdentrodosmodelosdelingusticacentradano uso.Jnocaptulo2,faremosumarevisodospressupostostericosdalingustica funcional baseada no uso, conceito de lngua e consideraes acerca da mudana lingustica alm das noes gerais de gnero e tipo textual, importantes para esta pesquisa. Nocaptulo3,exporemosametodologiautilizadanacoletaeanlisedosdados considerados nesta pesquisa, alm de abordarmos algumas questes acerca docorpus e de umabreveexplicaoarespeitodosfatoresconsideradosimportantesnoexameda construoXmentedetempoouaspecto.Ocaptulo4consistedaanlisedosdados,no 24 qualapresentaremosnosavisogeraldosfatoresprincipaisconsideradosemnossa anlise,mastambmosresultadosporsculoeumaseoemdestaqueparaabordara questo da mudana das microconstrues mais frequentes. J no captulo 5, apresentamos nossas consideraes finais e, por fim, as referncias bibliogrficas. Esta tese se prope a descrever eanalisar os usos dasconstrues com Xmente ao longodahistriadoportugus,sobavisodeumnovomodeloparaexplicarmudana lingusticadentrodaLingusticafuncionalcentradanouso:omodeloda construcionalizaoedamudanaconstrucional.Nossaintenoincorporartudooque vem sendo estudado acerca da gramaticalizao de advrbios, sobretudo dos advrbios em mente e verificar como a abordagem construcional pode contribuir para uma anlise ainda mais profunda. 1. REVISO DA LITERATURA Sabemos que, nas gramticas normativas do portugus, os advrbios so itens pouco explorados,sendoumtpicorestritointerpretaosemnticaesintticabsicas.Aoque dizrespeitoasuamobilidadenasentena,essesmesmoscompndiosgarantemsua flexibilidadeposicional.Noentanto,comomencionado,nosopoucososestudos realizadosacercadaordenaodosadvrbiosemportugussobopontodevistada lingustica, sobretudo a partir da ltima dcada do sculo XX. Neste captulo apresentaremos uma breve reviso da literatura dessa construo em pesquisasquepriorizamalnguaemusocomoobjetodeestudo,masprimeirofaremos algunsapontamentosarespeitodosconceitosdetempoedeaspectoquenorteiamnossa anlise. 1.1. Conceito de tempo aspecto Asdefiniesdadasaoaspectonoportugussodiversificadase,segundo Travaglia(1994),algunspontosemcomumentreasdiferentesconceituaespodemser tomados como os seguintes: a) aspecto seria a maneira de ser da ao; b) a indicao da durao do processo de sua estrutura temporal interna; c) aindicao dos graus de desenvolvimento, de realizao do processo, o modo de conceber o desenvolvimento do processo em si; 26 d) aspecto envolve tempo; e) definido como marcador de oposies entre certas noes simples: trmino/no-trmino, incio, resultado, etc. O primeiro ponto (a) se mostra pouco til na definio do aspecto por se confundir com elementos no-aspectuais ligados tanto ao modo verbal e modalidade (tais como dvida, necessidade, obrigao, volio, etc), quanto ao que chamado de modo de ao (noes como progresso, conao, diminuio, etc). Da mesmaforma, o ltimo ponto (e) apenasnosauxilianamedidaemquepodenosajudaraperceberageneralizaoque envolveasoposiesenoescitadas.Apenasospontosintermedirios(b,c,d)nosdo elementos de partida para conceituar aspecto. Emprimeirolugar,precisoesclarecerqueaspectoumacategorialigadaao TEMPO. Tal termo pode ser dividido em trs sentidos bsicos7: Figura 1: Os sentidos de tempo 7 Usamos formatao diferente para cada tipo de tempo apresentado. Tempo 1 categorial verbal (passado, presente e futuro), ao qual o autor sereferecomotempo.Usamosformataodiferentepara cada tipo de tempo apresentado. Tempo 2 flexotemporal(agrupamentodeflexesdaconjugao verbal), referido como tempos flexionais Tempo 3 idia geral e abstrata (sem considerao de sua indicao pelo verbo), ao qual o autor se refere como TEMPO. 27 OaspectoentoumacategoriaverballigadaaoTEMPO,poisindica,antesde maisnada,oespaotemporalocupadopelasituaoemseudesenvolvimento,marcando sua durao. Tanto tempo quanto aspecto so categorias de TEMPO, entretanto as duas no se confundem: (i)tempo situa o momento de ocorrncia da situao em relao ao momento da fala como anterior (passado), simultneo (presente) ou posterior (futuro) a esse momento. uma categoria ditica, umavez queindica omomento da situao de enunciao. Aqui temos a datao; (ii)aspectonoumacategoriaditica,poisserefereasituaoesi.Soas diferentesmaneirasdeveraconstituiotemporalinternadasituao,sua durao. Sendoassim,temostempocomoalgoexternosituaoeaspectocomoalgo interno. A sntese da definio de aspecto para Travaglia (1994:93) : AspectoumacategoriaverbaldeTEMPO,noditica, atravsdaqualsemarcaaduraodasituaoe/ousuas fases,sendoqueestaspodemserconsideradassobdiferentes pontosdevista,asaber:ododesenvolvimento,odo completamento e o da realizao da situao. Asnoesaspectuaisnormalmenteindicamfasesdasituao,havendotrspontos de vistas diferentes: a)desenvolvimento da situao, o que nos d trs fases: inicio, meio e fim; 28 b)completamento da situao, o que nos d duas fases: a da situao incompleta e a da situao completa; c)realizao da situao, o que nos d trsfases: ada situao por comear, a da situao comeada ou no acabada, e a da situao acabada. Segundo Travaglia, qualquer tentativa de descrever sentenas que contm advrbios detempo,nopodeignoraroaspecto.Ainda,hcasosemqueoadjuntoadverbialo responsvel pelo aspecto na frase e que tais adverbiais envolvidos na expresso do aspecto so sempre temporais. Os aspectos expressos pelos adverbiais so o iterativo, o habitual, o durativo, oinceptivo,o terminativoeoacabado.Taisadverbiaisenvolvidosnaexpresso do aspecto exercem sempre uma das trs funes: a)evitar ambiguidades; b)marcar o aspecto por si ou em combinao com outro elemento; c)reforar um aspecto expresso por outro elemento, tornando-o mais patente. SegundoMartelotta(2012:72),(...)osadvrbiosaspectuaissimplesexprimem essencialmentefrequncia(sempre,nunca,raramente,etc.),iteratividade(repetidamente, anualmente,semanalmente,etc.)edurao (demoradamente,muito,etc.).vlidoainda ressaltarque,nocasodaslocues,hmaiordiversidadenaexpressodeaspectodoque nos advrbios simples (incluindo a construo Xmente). Emnossotrabalho,estamospartindodoprincpiodequeosadvrbiosaspectuais tem forte relao com os qualitativos, uma vez que modificam a ao verbal, apresentando umadaspossibilidadesdecomoelapodeocorrer.AindasegundoMartelotta(2012:73), (...) o que individualiza os aspectuais que a caracterizao da ao reflete, de ummodo 29 geral, aspectos associados a noes relacionadas ao tempo de durao da ao, s suas fases de efetivao, sua finalizao ou no e interrupo iterativa ou no, Em relao aos advrbios temporais, partimos do princpio de que estas construes indicam noes de tempo sem modificar essencialmente a estrutura semntica. A expresso de tempo comumente associada aos pontos de referncia (antes ou depois do momento da enunciao, por exemplo). Martelotta afirma que: Essepontoderefernciapodeserfixo,nosentidodeque reflete indicaes temporais culturalmente delimitadas (depois daesquina,depoisdofinaldanovela).Podetambmse referiraoaqui-e-agoradofalante,comonocasodosditicos (ontem,hoje,amanh)epode,porextensodesentido,estar indicadonainformaoprecedenteouprocedente,como ocorre nos usos discursivos (antes, depois, ento, etc.), j que diticostendemaassumirvaloresanafricosoucatafricos (MARTELOTTA, 2012, p.75). Em nosso estudo acerca da construo Xmente com valor temporal ou aspectual, as noesapresentadasporTravaglia(1994)edesenvolvidasporMartelotta(2012)so fundamentaisparaacompreensodasemnticadamencionadaconstruoeasrelaes estabelecidasdeordemsintticaepragmtica.Nocaptulo4(seo4.1)exporemose explicaremos essa relao. 1.2. Literatura de Advrbios Bomfim(1988)comparadiferentesconceitosdagramticatradicionalnoquediz respeitoaosadvrbios,procurandoconfront-loscomsuasprpriasconsideraesa respeitodanaturezaefunodesseselementosemgeral.Emespecial,dentreasvrias 30 menesaosadvrbiosemmente,focodopresentetrabalho,devemosconsideraras questes sobre os itens adverbiais de tempo e lugar.Aautoracomentaqueestesnosonecessariamenterelacionadosaoverbo, exemplificandocomadvrbioscomoatualmente,antigamenteefuturamente.Nestes,a ideiadoadjetivodebaseaindaseriapredominantesereferindo,respectivamente,a presente,passadoefuturo,ligadosaotempodemaneirageral.Comisso,noesto diretamente relacionados ao verbo da orao na qual se apresentam, mas sim ao evento em si.Almdisso,afirmaqueesseselementosnopoderiamserconsideradosditicos (temporais),justamenteporsereferiremaotempodeformatoampla.Partilhamosas ideiasdaautoranamedidaemqueconsideramososadvrbiostidoscomodetemporeal (cronolgico)itens ambguos e pouco especficos, e quefazem referncia ao evento como um todo, e no so modificadores de um verbo.JMartelotta(1994)estudaaordenaodoscircunstanciadorestemporais (advrbios,adjuntosadverbiais,oraesadverbiaiseoperadoresargumentativosque expressamanoodetempo),sobaperspectivafuncional,emumcorpusconstitudode entrevistaselaboradaspeloCensodeVariaoLingustica,CompetnciasBsicasdo Portugus e NURC.Oobjetivodaanliseerabuscarfatoresdiscursivosquepudessemmotivara colocaodessescircunstanciadoresnasentena,seguindoateoriadaGramaticalizao. Assim, o primeiro processo de mudana consiste em um elemento de valor espacial assumir um sentidotemporal e, depois, passar a expressar relaeslgicas no discurso, seguindo a metforaespao>(tempo)>texto(Heineetalii,1991).Josegundoseriaaquestoda pressodeinformatividade(Traugott&Heine,1993),ouseja,umelementolingustico 31 adquireumnovovaloratravsdeumprocessodeinfernciaconversacionalemcertos contextos. Oautorressaltaquegeralmenteessesdoisprocessosdemudanaocorremjuntos quandosetratadoaparecimentodeoperadoresargumentativosquetendemaperdersua mobilidadeoriginalparaassumirposiesmaisfixasnasentena.Almdisso,Martelotta adotaasnoesdefiguraefundodeHopper&Thompson(1980).Dessaforma,como objetivodeverificarastendnciasdeposiesdessescircunstanciadoresdetempo, Martelottaclassificou-osem:(i)circunstanciadoresdetempodeterminado(comohoje, ontem, semana passada) os quaisindicam, deforma precisa, omomento em que ocorre o evento; (ii) circunstanciadores de tempo indeterminado (como sempre, geralmente, nunca), osquaisexpressamanoodequeoseventosesituaesperduramnotempo indeterminadamente;(iii)circunstanciadoresiterativos(comosvezes,duasvezespor semana, de vez em quando), que denotam a frequncia com que os eventos no-especficos ocorremaolongodotempo;(iv)circunstanciadoresdesimultaneidade(comoenquanto isso, ao mesmo tempo), os quais expressam a concomitncia entre eventos e situaes; e (v) circunstanciadoresdelimitativos(comohtrsanos,athoje,durantetrsmeses),que delimitamoseventoseassituaes,indicandooincioe/oufimdesuapermannciano tempo.Apartirdessaanlise,oautorconcluiqueh umatendnciadeterminadaparaa colocao dos circunstanciadores temporais na sentena e que essa depende da fora que a informao desses adverbiais assumem dentro da estrutura do discurso em queele ocorre. Ocircunstanciadortendeaapareceremposiespr-verbaisquandotrazinformaes temporaisanlogasaostraossemntico-gramaticaisdodiscursoemqueocorre.No 32 entanto, se no h essa relao semntica, o circunstanciador tende a ocorrer nas posies ps-verbais. Assim, os circunstanciadores de tempo determinado tendem a ocupar posies pr-verbais em figura narrativa e no-narrativa, uma vez que a fora informativa que assumem nestescontextososlevaaseremtopicalizadosouenfatizados.J circunstanciadoresde tempoindeterminadoecircunstanciadoresdesimultaneidadetendem posiopr-verbal emfundonarrativoeno-narrativo,devidotambm forainformativaassumidaqueos leva topicalizao ou nfase. Em relao aos circunstanciadores iterativos, esses apresentam maior ocorrncia nas posies pr-verbais emfundo narrativo eno-narrativo e emfigura no-narrativa,j que esses tipos de discursos so marcados pelo trao [-especfico], estimulando a iteratividade. Emcontraste,oscircunstanciadoresdelimitativospossuemumamobilidadedecolocao maior,jqueapresentamduascaractersticasdistintas:porumlado,funcionamcomoum circunstanciador de tempo determinado (indica o momento especfico em que se inicia e/ou termina o evento). Por outro lado, apresentam caractersticas semntico-gramaticais tpicas de fundo. Quantocolocaodosoperadoresargumentativos,Martelottaafirmaque,devido aoprocessodegramaticalizaoquesofrem,noseguemasmesmastendnciasde ordenaodoscircunstanciadorespropriamenteditos.Agramaticalizaofazcomqueo elementoexerafunesargumentativas,restringindoasuapossibilidadedecolocaona sentena. Diferente de Bonfim e Martelotta, no entanto, nosso trabalho tem como foco apenas nasconstruesXmentedetempoeaspecto,oquenospermiteoaprofundamentoda 33 anlisedasfunessemntico-pragmticasdesseselementos,almdeumesbooda trajetria de mudana atravs da histria do portugus. EmFreitas(2004),aordenaodosadvrbioscomosufixo-menteemrelaoao verbo tratada sob uma perspectivafuncionalista, considerando os contextos nos quais os advrbios se encontram. A autora utilizou os corpora dos projetos Discurso e Gramtica e Nurc-RJ,encontrando29itensadverbiaisdistribudosem280ocorrncias,osquais classificouemseucontextocomoexpressesdetempoouaspecto,ouaindasentido polissmicoquandoumitemexpressavaaomesmotempomaisdeumanoo,como rapidamente, que apresenta a noo de modo e tempo. Desses29itensdiferentes,aautoraaprofundouaanlisedosusosde apenas7 itens,verificadoscomosendoosmaisfrequentes:antigamente,atualmente,novamente, finalmente,geralmente,ultimamenteenormalmente.Comisso,onmerodeocorrncias dositensnocorpuspassoude280para219.Freitasverificou,ento,queh alguns advrbiosem-mentecomfunodeelementoconectivo,identificandoumprocessode gramaticalizao, e que estes aparecemnormalmente eminicio de orao. Verificou ainda umatendnciapr-verbaldositenstemporaiseaspectuais,comexceodaquelesde polissemia tempo/modo. Aautorapercebeapredominnciaeregularidadedaposiopr-verbaldoitem temporal e aspectual e afirma que, para que essa regularidade seja mantida, a lngua utiliza-se deseus prpriosmecanismos. Quando algunsfenmenosfogem regularidade, talfato podeserexplicadoatravsdamotivaoencontradanouso,sendo,nocasodeFreitas,a estrutura de clusula. Quando verificada a estrutura SVO, a autora afirma que foi possvel perceber que o advrbioocupaqualquerposio,comumatendnciapr-verbal,sejaelaantesdosujeito 34 ou entre o sujeito e o verbo. Quando no se pde verificar tal ordem,foi constatado que o item em -mente era motivado a ocupar a posio deixada vazia, principalmente na posio ps-verbal, levando-a a afirmar que essa categoria vazia do argumento posterior ao verbo motivao para a posposio do item em mente. Retomando algumas questes que Freitas apontou na modalidade oral do portugus, emCostaNunes(2006),apresentadoumestudodosadvrbiosemmentedetempoe aspecto na escrita religiosa. Os itens mencionados foram analisados segundo a estrutura da clusula, o papel semntico assumido pelo advrbio, a transitividade (no sentido de Hopper &Thompson,1980,eThompson&Hopper,2001),otipodesujeitoeotipode complemento. Tal estudo foi justamente o ponto de partida de nossa anlise dos adverbiais naescritajornalsticacontempornea(CostaNunes,2009),poisbuscamosidentificar alguns dos parmetros apresentados em nosso corpus. Naanlisedodiscursoreligioso(CostaNunes,2006),foiencontradoumgrande nmerodeadvrbiosemmentetidoscomoaspectuaisetambmaquelestidoscomo polissmicos(quetrazemaomesmotempoanoodeaspectooutempoeanoode modo).Pudemosverificarqueosadvrbioserampredominantementepr-verbais,masos aspectuais e os polissmicos se dividiam entre as posies adjacentes ao verbo. Em relao aosadvrbioschamadosconectivos,observamosquenohumnmerosignificativode ocorrnciaspraafirmarqueoitemestgramaticalizado,noentanto,todasasocorrncias encontradas so de itens no-inseridos pr-verbais, ou seja, ocupam a margem esquerda da orao. Vale ressaltar que, no presente trabalho, estamos trabalhando com a lngua escrita e buscamos, ao tentar comparar o comportamento dos advrbios em diferentes momentos da 35 histriadalnguaportuguesa,iralmdadescriodassincroniasetentartraaruma trajetria de mudana da construo, observando principalmente a sua semntica. Martelotta& Vlcek (2006) e Vlcek& Martelotta (2009) analisamas tendncias de ordenaodeadvrbiosqualitativosem-menteemtextosdossculosXVIIIeXIX.De acordocomsuashipteses,adiferenadeordenaoseriaumdosaspectosqueapontam para a importncia da teoria da gramaticalizao, e tambm estaria relacionada existncia deusosdiferentesdositensemestudo,queassumemdeformaprogressivavalores gramaticais em funo da atuao de processos cognitivos no ato da comunicao. Segundoosautores,osculoXVIIImarcadoporumcertoequilbriode ocorrncias pr e ps-verbais. Alm disso, constatam que, na primeirafase do sculo XIX (18081840),hmaisocorrnciasdeposiespr-verbaisdoquenasdemaisfases(a segundacorrespondeaoperodode1841-1870eaterceiraaoperodode1871-1900). Ainda, na terceira fase, h uma predominncia alta de ocorrncias ps-verbais, o que, para osautores,apontariaparaumamudananaordenaoparaasposiesps-verbais (caractersticas do portugus atual) ao longo do sculo XIX.Os autores afirmam tambm que ummaior graudeformalidade do texto analisado podeinterferirnaordenaodemodoaevitaraordenaomaisinovadora,poiseles encontrarammaisanteposiesdosadvrbiosemestudonascartasderedatores,escritas porpessoasquetrabalhamnessesjornaisereproduzemoidealdeescritaporeles veiculado. As ocorrncias pr-verbais exclusivamente nas cartas de redatores na 2 ena 3 fases do sculo XIX foram tomadas como um uso conservador e de carter formal. Vlcek&Martelottamostramque,nastrsfasesdosculoXIX,diferentementedo sculoXVIII,nohocorrnciasdeposioVXA,oquereforariaahiptesedequeh ummovimento do advrbio em direo posio adjacenteao verbo, que se consolidano 36 sculo XX. Alm disso, alegam que os significados dos advrbios tendem a avanar rumo a uma maior subjetividade, a se associar com a atitude do falante, apontando para a existncia de uma trajetria unidirecional advrbio interno clusula > advrbio sentencial. Emnossatese,estamosanalisandoaquestodaposiodaconstruoXmente, assimcomoMartelotta&Vlcek(2007)eVlcek&Martelotta(2009),noentanto,como mencionamos, trabalhamos com advrbios de tempo e aspecto. Nossa hiptese, como vista anteriormente, a de que a construo tenha sofrido o mesmo tipo de mudana no que diz respeitoordem,passandodepr-verbalaps-verbale,principalmentesposies adjacentesaoverbo.Aposiovaivariar,principalmente,deacordocomotipode modificao, como ser mostrado no captulo 4. J Luquetti(2008)procuraobservarasdiferentesposiesquetaisadvrbios tendem a assumir em diferentes momentos histricos, com a inteno de verificar se houve mudananaestruturadasoraesnalnguaportuguesacomrelaoaoselementos mencionadosanteriormente.Paraisso,coletoudadosdoportugusemumcorpusescrito formado por textos dos sculos XVI ao XIX, at o portugus atual. Ao analisar o portugus atual, a autora alega queas posies ps-verbaissomais frequentesdoqueaspr-verbaisequeh predominnciadousodeadvrbiosaspectuais. Afirma ainda que, quando os advrbios so basicamente aspectuais, comofrequentemente, estes no tm posio predominante. No entanto, quando os advrbios apresentam a noo ditica (temporal) ou hbrida, como antigamente e rapidamente, respectivamente, a posio tpica ps-verbal. Luquetti (2008) procura fazer uma trajetria demudana dos advrbios emmente de tempo e aspecto,mas o faz a partir de poucos dados. Alm disso, no h um fator que tornecoesaaescolhadegnerostovariadosemcadasincroniaparaacomparao. 37 Buscamos,emnossotrabalho,montarumcorpuscoesoecomasmesmascaractersticas porsculo,combasenatipologiatextual(cf.captulo3),paraquepudssemosdisporde uma base para algumas comparaes. Outro ponto que difere nossa anlise da de Luquetti anfasequedaremosmudanasemnticadealgumasdasmicroconstrues,comoser mostrado no captulo 4 (seo 4.3). Outra questo est no fato de termos encontrado na anlise de um corpus de textos jornalsticosdosculoXX(CostaNunes,2009)elementosadverbiaisqueseidentificam comaspectocoesivo,inicialmenteapontadosporFreitas(2004)nafaladoPortugus contemporneo. Luquetti no aborda o contnuo lxico-gramtica na anlise dos adverbiais enomencionaositenssupracitadosemsuapesquisa.Trazemosaquiumaanlisedesses elementosbuscandooscontextosquepossamterservidodeestopimparaumapossvel mudana que afasta alguns desses advrbios do polo mais lexical. Assim com o avano da linha terica adotada, hoje denominada Lingustica (funcional) centrada no uso (cf. Bybee, 2010, Martelotta, 2011), podemos dar novas contribuies para a histria da ordenao do portugus, sobretudo em relao ao advrbio em mente. Segundo Paiva (2007), ao analisar a fala e a escrita contemporneas no portugus do Brasil,oscircunstanciaisdetempotendemsposiespr-verbais,principalmente margemesquerdadaorao.Aautoraafirmaque,quandopossuemsuperposiocom aspecto, os circunstanciadores temporais tendem a ocupar posies adjacentes ao verbo.Aoidentificaraordemno-marcadadocircunstancial,aautoraindicaqueos circunstanciadores possuem uma funo determinada, que no seria apenas de ligao entre os discursos. Essa funo poderia ser: 1)Retomadaanafrica:quandoocircunstancialretomainformaesapresentadas anteriormente no discurso, atuando de forma importante para a coeso textual;38 2)Especificaodepredicao:quandoocircunstancialapenassituanum determinado tempo o evento, atuando apenas como circunstanciador;3)Segmentaotpica:quandooadverbialestpresenteemumatransioentre tpicos do discurso, anunciando o incio de um novo assunto;4)Mudanadeplanodiscursivo:estabeleceoinciodeumanovaunidade discursiva,ocorrendoumadescontinuidadedatemticadoeventoesendouma espcie de fronteira para o ouvinte;5) Demarcao de pontos: acontece frequentemente nos textos narrativos nos quais oscircunstanciaisestoextremamenterelacionadoslinhadotempo,marcando pontos ou perodos de tempo em que a ao ocorre;6)Focalizao:quandoocircunstancialintroduzumainformaoemformade tpico, ou seja, que deva ser destacada;7)Contraste:quandoocircunstancialestabeleceumaoposioentreduas informaes, a mencionada anteriormente e a nova. A autora apresenta o exemplo a seguir, no qual o sintagma preposicionalna estria remeteparaodiscursoantecedente,estabelecendoumaligaoentreaoraoemquese encontra e as informaes contidas no texto. (i)Fomosjogar.EstreamosnaEuropa,naTurquia.Nessaaltura, eu era jogador e treinador, Eu era jogador, porque eu j tinha jogado em selees cariocas, entendeu? Eu era um jogador de maior cartaz na equipe. (...) Bom, ajogamos.Na estria, perdemosde quatro a um. Uma vergonha! (Amostra Censo 80, Fal. 14) 39 Afirmaquetalretomadaanafricapodeocorrerdeformamenosdireta, sustentando-senacorreferencialidade entresintagmasdistintosepossibilitadapelo conhecimento de mundo partilhado pelos interlocutores. Ao definir o tipo demodificao exercida pelo advrbio (cf. seo 4.1), utilizamos comobaseasfunesidentificadasporPaiva.Noentanto,valeressaltarqueaautora trabalhoucomadverbiaismistos,entreadvrbiossimpleselocues,almdetrabalhar desde os locativos at os temporais, portanto, a classificao usada por Paiva (2007) mais geral e engloba todos os tipos de adverbiais. Ao analisarmos a construo Xmente de tempo easpecto,noencontramosomesmoconjuntodefunes,excetopoucos.Comisso, mesclamosasnoesapontadasporPaivacomaclassificaodafunogramaticaldos adverbiais em geral apontada por Quirk et alii (1985 e 2007), e criamos o nosso fator tipo de modificao, como veremos no captulo 4. Moraes Pinto (2008) observa as diferentes ordenaes que os advrbios qualitativos emodalizadoresem-menteassumemeanalisaapolissemiaeoprocessode gramaticalizao desses advrbios em textos escritos em portugus dos sculos XV a XX. Napesquisa,aautoraobservaoprocessodemudanadecolocaodosadvrbios qualitativos emmente, no qual esses elementos passam da posio pr-verbal para a ps-verbal. A mudana se d, primeiramente, nas oraes menos gramaticalizadas (em posio pr-verbal).Emseguida,asocorrnciasemposiopr-verbalnasoraesmais gramaticalizadas.H,emseusachados,quantidademaiordepr-verbaisnassincroniasmaisantigas doquenasmaisrecentes.Dessaforma,MoraesPintopercebequeasocorrnciaspr-verbaisvoserestringindosclusulasmaisgramaticalizadas.Aautoracomprovou tambmosubprincpiodaproximidade,vinculadoaoprincpiodaiconicidade,poisem 40 absolutamentetodasassincronias,agrandemaioriadosadvrbiosqualitativosocorreo mais prximo possvel de seus alvos, ou seja, advrbio aparece imediatamente anteposto ou posposto ao termo ao qual faz referncia. Comseutrabalho,demonstraquevriositensemmentesopolissmicoseque algunsdeles(taiscomo:certamente,seguramenteeligeiramente),seguemumatrajetria unidirecionaldemudanaporgramaticalizao(qualitativo>modalizador),vistoque atravsdotempopartemdeusosmaislexicaisparaoutrosdevalormaisabstrato.A mudanasemntica dos elementos que seguemessa trajetria tem relao comamudana de ordenao sofrida pelos mesmos. Seu estudo se tornaimportante para nossa pesquisanamedida em que tratamos de advrbiosquepodemapresentarapolissemiatempo+modo.Sendoassim,osresultados encontradosporMoraesPintocolaboranaformulaodehiptesesparaasocorrnciasa seremanalisadasemnossocorpus,noquedizrespeitoposiodessesadvrbiosemmentenasoraes,contudovaleressaltarquetratamosdeadvrbiosdediferentestipos, uma vez que nosso trabalho leva em conta apenas os temporais e aspectuais (com exceo dos itens polissmicos, os quais podem ser considerados pontos de interseo entre as duas pesquisas). EmCostaNunes(2009),comomencionadoanteriormente,investigamosas ordenaesdosadvrbiosdetempoeaspectoemmentenaescritajornalstica contempornea,baseando-nosemduashipteses:aprimeirapostulavaqueopapel semntico exercido pelo advrbio deveria influenciar na posio que este ocupa na frase na medidaemqueestrelacionadoaograudeintegraoentreoitemeoverboouentreo item e a clusula. J na segunda, o gnero textual, em virtude de caractersticas especficas, teriarelaocomasemnticadosadvrbios,aopassoquecadagnerodeveter 41 predominnciadeumtiposemnticoououtrodeadvrbios.Apoiando-nosnaquestoda intertextualidade de gneros proposta por Marcuschi (2002) (com base em Bahktin), isto , umgneropodeserapresentadocomafunodeoutro,ascaractersticasquecadatexto apresentavaforamverificadas,organizando-osdeformaaterumaanlisevlidado comportamento dos advrbios de tempo e aspecto. Quando analisado o papel semntico em relao aos gneros, foi observado que h predominnciadeadvrbiosdetemporealnasnotcias,correspondendosexpectativas, poisasnotciaspossuemumcarterinformativo,poucosubjetivoepreferencialmente breve, no qual fatos so apresentados cronologicamente. No houve um grande nmero de advrbiospolissmicosnestestiposdetextos.Esseselementoscaracterizamuma interferncianotexto(comentrioseclassificaes),doisaspectosquenoestavam sendoatribudossnotcias.Emcontrapartida,ocorreuumgrandenmerodeadvrbios com a polissemia tempo/aspecto + modo nos artigos, assim como houve um grande nmero deadvrbiosaspectuais,poissoestesostextosqueapresentamumcarterparcialno posicionamento diante do fato, um ambiente propcio para tais tipos de advrbios. Ao relacionarmos a noo semntica do advrbio com a posio deste em relao ao verbo,podemosperceberqueessasposiesadjacentesaoverbosoaspreferenciaisdos advrbios tidos como aspectuais e polissmicos. Alm disso, observamos que os adverbiais diticostendiamaocuparaposiopr-verbal,aocontrriodoqueLuquetti(2008) encontrounaescritareligiosacontemporneaemconcordnciacomCostaNunes(2006). Issosignificaqueprecisoseficaratentoaogneroeao tipodetexto,poisaordenao dos advrbios parece estar muito vinculada a esses fatores. Naavaliaodarelaodasemnticaapresentadapeloitemadverbialeaposio queesteassumenaorao,percebemosquedentreostiposdeadvrbiosaspectuaisno 42 h muitas diferenas entre as posies quando analisado o tipo de aspecto que apresentam. Tanto aqueles considerados reiterativos, quanto os durativos, tendem posio ps-verbal. As variaes no que diz respeito s posies dos aspectuais tinham mais relao com o item e com a sintaxe da clusula do que com o tipo de aspecto que apresentava. A anlise desenvolvida mostrou que h outras motivaes, de cunho sinttico, alm daquelesaspectoscontroladoscomofatoresdapesquisa.Almdaprpriasemnticado advrbio, o tipo de estrutura tambm tem influncia na ordenao do mesmo. Nas reduzidas de particpio, o advrbio atua como pr-modificador, pois tende a ocupar a posio AdvV. J nasreduzidasdeinfinitivo,oadvrbio ps-modificador,vistoqueassume preferencialmente as posies ps-verbais, sobretudo VAdv. Algumasquesteslevantadasnesseestudoseroabordadasnopresentetrabalho, principalmente no que diz respeito influncia exercida pelo contexto na interpretao dos advrbios.Partimosdoprincpiodequeamudanasemnticanoprevatrocadeuma microconstruo (cf. seo 2.2) pela outra deformacategrica,mas sim umacrscimo de sentidos desenvolvido com o tempo a partir do processo de (inter)subjetificao, no qual a noo de inferncia sugerida aponta para o fato de que os movimentos de mudana ocorrem por motivaes contextuais, como ser apresentado no captulo seguinte. Campos (2013) faz um estudo da gramaticalizao da construo adverbial Xmente, desdeosurgimentodestanolatim,ataformaodeadvrbiosemmentenoportugus arcaico. A autora buscamostrar, atravs do estudo de duassincronias dolatim (clssico e medieval)eumadoportugus(arcaico,comoOrtodoEsposo),queaformaode advrbios em -mente surgiu no latim vulgar (lngua falada). Alm disso, procurou definir o contexto de uso no latim que deu origem ao padro construcionalXmente, defendendo que essaconstruotevesuaorigemnosintagmaadjetivaladjetivo+mente(construocom 43 sentidomais composicional) quefoimudando atravs das diferentessincronias atformar um padro lingustico. SegundoCampos,ocontextodeusodaconstruoadjetivo+mentese gramaticalizou.Houveumaumentodostiposdeadjetivosquepodiamparticiparda estrutura,oquesuscitouamudanatambmnosentidodosubstantivomodificado,que passouanomaisdesignarestadomental.Apartirdessenovocontexto,noprevisto anteriormente, h uma srie de mudanas tais como: mudana categorial, perda de contedo semntico, perda da liberdade sinttica, coalescncia entre os elementos formadores, perda deanalisabilidadedoscomponentes,etc.Essesfatores,acrescidosdafrequnciadeuso, propiciaramacriaodeumaestruturanovanalnguaXmente.Sevalendodosprocessos cognitivosgeraisespecificadosemBybee(2010),aautoraafirmaquesequncias lingusticasquesousadasjuntastendemaformarunidadeslingusticascomplexas.A repetio frequente da estrutura adjetivo + mente faz com que ela seja vista como um nico blococognitivo,isto,esseselementosestoestocadosjuntosnamemria(chunking,cf. Bybee, 2010). Ainda,combasenosubprincpioicnicodaproximidade,oqualestintimamente relacionado ao processo anteriormente citado, a autora afirma que o modo de representao lingustica desses elementos reflete a proximidade cognitiva entre eles. Inicialmente, eram duas palavras que passam a ser representadas juntas quando este contexto se gramaticaliza, formandoopadroXmente.NovamentecombaseemBybee(2010),quepostulaqueo membromaisfrequentedeumacategoriaoelementocentraldestaeassimnovas expressessurgemporanalogiaaestemembro,Camposafirmaquetendemosaassociar elementosporsimilaridadeeenquadr-losemcategoriasquepossuamcomportamento semelhante;assim,oitemmaisfrequentenaconstruoXmentepodeterservidocomo 44 instanciador de novas construes. Com a anlise dos dados do Latim, a autora constata que oadjetivototafoiomaisfrequentedentrodaconstruoadjetivo+menteemambosos perodosestudados,umadjetivoqueapresentaumasemnticabastantedescritiva, significando: toda, completa, total. O segundo mais frequente foi o adjetivoea (a prpria, estamesma),tambmdescritivo.Emumtotalde274adjetivosespecificandooento substantivomente,apenasosdoismencionadossodescritivosenquantoosdemaisso avaliativos e esto em acordo semntico com o substantivo mente. Campos afirma que o adjetivo tota serviu de input para a criao do padro Xmente ejustificaestadeclaraoemquatropontos:(i)totafoioadjetivomaisfrequente encontradonocorpusdapesquisa;(ii)outrosadjetivosdescritivos,noesperados inicialmente na construo, passaram a ser aceitos por analogia ao membro mais frequente, ouseja,houveexpansodaclassehospedeira;(iii)adjetivonodescreveexatamenteum estadomentaldepessoas,nodesempenhandodeformaperfeitaafunodeumadjetivo (caracterizarosubstantivo)fazendocomquemente,nessecontexto,passasseaser interpretado como algo diferente de um substantivo, facilitando a mudana categorial deste item; e por fim (iv) o adjetivo totus, -a, -um no tinha um correspondente adverbial como, porexemplo,certus,-a,-um>certe(advrbio).ConformeafirmaCampos,erauma tendnciadolatimutilizarconstruesperifrsticas,inclusivecomfunoadverbial.A construo perifrstica tota mente encontrou um vcuo na lngua, e por essa razo veio a se tornar muito produtiva na funo de advrbio qualitativo. BuscandodarcontinuidadeaostrabalhosacercadaconstruoXmenteesuas consequentesmodificaesnahistriadoportugus,passamosaanalisarossculos subsequentesquelesestudadosporCampos.Emnossaanlise,comojmencionado, focamosapenasaconstruocomvalortemporalouaspectuale,almdisso,estamos 45 considerandoqueaconstruoXmentecomvalordetempoouaspecto,apesardeter perdidoanalisabilidade,aindamantmcomposicionalidadeparcial(cf.seo2.2desta tese), ou seja, o sufixo-mente pode no sermaisanalisvel como o substantivo que o deu origemeobviamentenocompeosignificadodaconstruo,masascaractersticasda base adjetiva se mantm, em muitos dos construtos. Portanto, inclumos em nosso trabalho, asnoesdemudanaconstrucionaleconstrucionalizaopropostas(principalmente)em Traugott(2008ae2008b),Traugott(2012),Traugott(indito)eTraugotteTrousdale (2013),comosermostradonocaptuloseguinte,umpassoalmdoquefoiprevistoe proposto por Campos em sua anlise. 2. PRESSUPOSTOS TERICOS Essapesquisatemcomopressupostostericosbsicosoquerecentementeos linguistastemsereferidocomoLingustica(funcional)CentradanoUso.O termousage-basedmodelfoiutilizadoinicialmenteporLangacker(1987)paradesignarmodelos tericos que privilegiam o uso da lngua. Alguns autores tm usado o termo para se referir sanlisesque,deummodogeral,refletemumatentativadeunioentreastradiesda lingustica funcional e da lingustica cognitiva. Bybee(2010:195)afirmaqueateoriaBaseadanousosedesenvolveuapartirdo funcionalismoamericano, que temse consolidado aolongo das ltimas dcadas como um modelo terico altamente produtivo (cf. Givn, 1979; Heine, 1991; Traugott, 1993; Bybee, 2003; etc.), e de trabalhos vinculados linha cognitivista (cf. Goldberg, 1995; Croft, 200 e 2001; etc.). Segundo a autora: OprimeirolinguistadosculoXXatrabalharcomomodelo baseadonousofoiJosephGreenberg.Apesardeelesermais conhecidoporseustrabalhoemtipologiaeuniversais,tambm mostrou interesse nos efeitos da frequncia no auxlio da explicao depadrestranslingusticos(Greenberg,1966).Outroslinguistasa trabalharem com o modelo, e que tambm so tiplogos, incluem T. Givn(1975,1979),SandraThompson(1988,1998),PaulHopper (HopperandThompson1980,1984),JohnHaiman(1985),e William Croft (2003).8 (BYBEE, 2010:195) Estamosentoconsiderando,nestetrabalho,omodelodeLingusticafuncional centrada no uso. Apresentamos neste captulo as caractersticas do que deve ser uma teoria 8The first usage-based linguist of the twentieth centurywasJoseph Greenberg. Although he is better known for his studies in typology and universals, he also showed an interest in frequency effects in helping to explain cross-linguisticpatterns(Greenberg1966).Otherusage-basedlinguistswhoarealsotypologistsincludeT. Givn (1975, 1979), Sandra Thompson (1988, 1998), Paul Hopper (Hopper and Thompson 1980, 1984), John Haiman (1985), and William Croft (2003) 47 centrada no uso (de acordo com Kemmer e Barlow, 1999), aspectos tericos que norteiam nossapesquisa,comomudanasconstrucionaiseconstrucionalizao,almdeconceitos clssicoscomooprincpiodaiconicidadeeoprocessodegramaticalizaoqueesto envolvidos na viso que adotamos de mudana lingustica. Por fim, trataremos das questes tericas dos gneros e da tipologia textual. 2.1. Lingustica Funcional Centrada no Uso DeacordocomKemmereBarlow(1999),existempelomenosduasgrandes tradies que so centradas no uso, no sentido de focalizarem atos de uso lingusticos (acts of language use): (i)Atradiofirthiana9,queenfatizouaimportnciadocontexto,incluindo seus aspectos sociais. (ii)Alingusticadaenunciao,caracterizadapelahiptesegeraldequea estruturadalnguasebaseiaematosdefala,praticadaporBenveniste, Ducrot, Culioli, entre outros. Ambastmmantidoinfluncianalingusticamoderna,incluindo(masnose limitando) algumas abordagens centradas no uso. No entanto, os caminhos dominantes em lingusticafocalizavamalnguacomoumsistemamaisoumenosfixo,quepoderiaser estudadoindependentementedocontextodeusoeindependentementedesuasinteraes com outros aspectos da cognio. 9JohnRupertFirth(ouJ.R.Firth)foiumlinguistainglsqueinfluenciouachamadaescolalondrinade lingustica, tendo influenciado a obra de autores como Halliday. 48 Recentementeocaminhodalingusticatendeaabordagensmaiscentradasnouso. NovamentecombaseemKemmereBarlow,podemoslistaralgumascaractersticasque assinalam essa abordagem: a)osistemalingusticodofalantefundamentalmentecriadoapartirdoseventosde uso; b)arepresentaomaisabstratadagramticadofalanteeoseventosdeusoporele experienciadosvistacomosendomuitomaisdiretadoquenormalmentese assume; c)os eventos de uso so cruciais para a continuidade da estruturao do sistema, j que no representa apenas o produto do sistema lingustico do falante, mas prov o input para os sistemas de outros falantes; d)afrequnciadasinstnciasumfatorcrucialnasuaestruturaefuncionamento, sendo assim sistema amplamente visto como orientado pela experincia; e)a estrutura do sistema lingustico no separada, de nenhuma maneira significativa, dosatosdeprocessamentomentalenvolvidosnousolingustico,porque consideramos que os eventos de uso orientam a formao e o funcionamento interno desse sistema; f)asinstnciasdalngua,porexercerempapelcentralnaestruturaodosistema lingustico,devemserentendidascomoespecialmentesignificativasparaa aquisio da linguagem,; g)porfim,oprocessamentocompreendidoapartirdeumalgicaconexionistaem quediferentesreasdacogniohumanainteragemparaquesechegueaum resultado final que envolva produo e compreenso de um enunciado qualquer. 49 Paraestetrabalho,estamoschamandodelingusticacentradanousoumtipode abordagem que considera haver estreita relao entre a estrutura lingustica e o uso que os falantes fazem dela em contextos reais de comunicao, um tipo de abordagem que no se limitaobservaodeaspectosformais,oudadifusodasformaspelaestruturasocial, incorporando, em suas anlises, dados semnticos, pragmticos e discursivos (Martelotta, 2011: 56). Porcontadeosistemalingusticoestartofortementeligadoaousodalngua, entende-se, consequentemente, que uma teoria da linguagem deveria estar sempre baseada emprodueslingusticasreaisenoconstrudaspormeiodeexemplosinventados, baseados apenas na intuio do falante. Ousolingusticovistocomoolugaremqueamudanaocorre,umavezqueo falante, ao produzir sua lngua, de certa forma atua como agente da mudana, promovendo alteraesmnimasemseusistemaenosistemadeseusinterlocutoresoquemotivao surgimento de variantes e na frequncia de uso dessas, o que mais tarde pode vir a gerar um novo padro na lngua. Tomasello(1999)afirmaquealinguagemnaturalumainstituiosocial simbolicamenteincorporadaquesurgiuhistoricamentedeatividadessociocomunicativas preexistentes.A produo e o entendimento de umalnguaso, por natureza, dependentes docontexto.Esseaspectoentendidocomocomplementaraofatodainevitvel subespecificao do significado lingustico. Nesse sentido, entende-se que o significado de umaforma dalnguano carrega o sentido em si,mas simplesmentefornece pistas para a construo do significado dentro de uma situao comunicativa especfica. 50 Segundo Bybee (2010), a linguagem fruto de processos de domnio geral (domain-generalprocesses),ouseja,processosehabilidadequeestoligadoscognio, responsveis por modelar a estrutura e o conhecimento da linguagem, em oposio franca noo formalista de que haveria um sistema especfico no crebro que desse conta somente da linguagem. Para Bybee, ao procurarmos por tais processos gerais, ns no s estreitamos abuscapelosprocessosespecficosdalinguagem,mastambmasituamosdentrodeum contexto maior do comportamento humano10. Utilizamoscapacidadeshumanasgerais,comohabilidadesdeleituradeintenes (ouTeoriadaMente;Tomasello,1999)ehabilidadesrelacionadasbuscadepadres (como categorizar e fazer analogias) a favor da linguagem. Dentre os processos cognitivos gerais,citamoscategorizao,chunking,eanalogia,almdoricoarmazenamentode memria(armazenamentoricodedetalhesrelacionadosaexperincialingustica)e associaotransmodal(habilidadedeatribuirsentidosformas),osquaisso determinados por Bybee (2010) como aqueles que semostraram teis para a compreenso decertosaspectosdalinguagem,masquenoesgotamtodososprocessoscognitivos envolvidos na produo da mesma. Porcategorizao,entende-seaassociaoporidentidadeousimilaridadeque ocorre quando palavras,frases, construes e suas partes componentes so reconhecidase relacionadasacategoriasjexistentes.dedomniogeralumavezquecategorias perceptuais e de sentido so criadas a partir da experinciaindependente dalinguagem. J chunking,dizrespeitoaoprocessopeloqualunidadeslingusticasquesousadasjuntas, emsequncia,tendemsercompreendidascognitivamentecomoumaunidadelingustica 10 By searching for domain-general processes, we not only narrow the search for processes specific to language, but we also situate language within the larger context of human behavior. (BYBEE, 2010:7). 51 complexa,umprocessobsicoparaaformaodeconstrues.Porfim,analogiao processopeloqualnovasenunciaessocriadasapartirdeenunciaespr-existentes, anteriormente experimentadas. Tanto chunking quanto analogia requerem categorizao. Naliteraturamaisrecentedentrodosmodelostericosbaseadosnouso, primordialanoodeconstruo.Bybee(2010:9)afirmaqueaideiaportrsdoque chamamos construo o pareamento direto de forma e significado (ou funo), que no stemumaestruturasequencial,mastambmpodeincluirposiesquesofixasassim comoposiesabertas(noodeconstruomaisoumenosesquemtica).Apesardea abordagemconstrucionaledemudanaconstrucional,dentrodaconstruoterico-metodolgicaqueestamospropondonopresentetrabalho,serrecente(Traugott,2008; Bybee, 2010; Traugott & Trousdale, 2010; etc.), sabemos que a formalizao da abordagem construcionista da gramaticalizao advm das contribuies da Gramtica das Construes (Goldberg, 1995 e 2006; Croft, 2001; Croft & Cruise, 2004), que adota a noo de que as construessoasunidadesbsicasdalnguacujosignificadonodadosomentepela somadossentidosdosseuscomponentes,equeadescriodestasdevalevaremconta, portanto, a forma e as condies semntico-pragmticas de construo do sentido. DeacordocomTraugott(2008ae2008b),apartirdomodeloCroftianopara construes,paraotratamentodepadresconstrucionais,precisoconsiderartrs dimenses, da mais abstrata e geral at a mais especfica e efetiva, ligada ao uso lingustico propriamentedito:macro,mesoemicroconstrues.Oprimeironvelrelativoaoplano maisgenricoevirtual,sendocompostopelasconstruesmaisesquemticas,altamente abstratas.Osegundonvelcompostodegruposdeconstruesrelacionadas,ainda abstratas,quepossuemsemnticae/ousintaxesemelhanteequeserealizamdefatono nvelmicroconstrucional,relativosconstruesindividuais(types).Nesteterceironvel, 52 temosaindaanoodeconstructos,quedizemrespeitoaostokensempiricamente comprovados, locus, por exemplo, da mudana. EmnossaabordagemdaconstruoXmentedetempoouaspecto,referimo-nosa essa diviso denveis enomenclatura proposta por Traugott. Emnossaviso, apresentada na presente tese, quando aplicamos esses conceitos construo Xmente, temos o esquema como representado na figura a seguir: Figura 2: Esquema de Nveis da Construo Percebemosnonvelmicroconstrucionalasrealizaesdessaconstruocomcada adjetivo (types) como frequentemente, rapidamente, finalmente, cujas ocorrncias (tokens) so considerados constructos. J no nvel mesoconstrucional, teramos a prpria construo Xmente, que pode ser qualitativa, temporal, aspectual e etc e menos esquemtica, pois s haberturadeumslot.OslotX(adjetivo),umdosnossosfocosnestetrabalho, preenchido especificamente por adjetivos,mas cuja alteraolevariaafunes semnticas diferentesdoadvrbionocontextodeuso.Porltimo,nonvelmacroconstrucional, Radical + Sufixo Adj + mente (Xmente) Finalmente Frequentemente Eternamente Rapidamente 53 estaramosfazendorefernciaconstruoabstrataRadical+Sufixo.Talaplicaode conceitos,pornsidealizada,serpontoderefernciaparaodesenvolvimentodaanlise da construo, apresentada no captulo 4. 2.1.1. Os conceitos de Iconicidade e Marcao No modelo terico baseado no uso, desenvolvido da lingustica funcionalista, como abordado anteriormente, defendida aideia de que a estrutura dalngua reflete, de algum modo,aestruturadaexperincia.Comoalinguagemumacaractersticahumana,a suposiogeraladequeaestruturalingusticarevelaofuncionamentodamente,bem como as propriedades da conceptualizao humana do mundo. Inicialmente, a iconicidade pode ser definida como a correlao natural entre forma e funo, entre cdigo lingustico (expresso) e seudesignatum (contedo)11, sendo oposta a arbitrariedade. Sendo assim, pode-se dizer que, de forma radical, a iconicidade pressupe que para cada forma da lngua h uma funo correspondente. No entanto, h contextos em queacodificaomorfossintticaopacaemtermosdafunoquedesempenha.Isso ocorreporqueaiconicidadedocdigolingusticoestsujeitaapressesdiacrnicas corrosivas tanto na forma quanto na funo. a)O cdigo (forma) sofre constante eroso pelo atrito fonolgico, tendo sua forma diminuda. 11Furtado da Cunha, Oliveira &Martelotta, 2003, p.29 54 b)A mensagem (funo) constantemente alterada pela elaborao criativa atravs de processos metafricos e metonmicos. Emsuaversomenosradical,oprincpiodaiconicidadeestrelacionadoatrs subprincpios fundamentais: a)Subprincpiodaquantidade:quantomaioraquantidadedeinformao,maiora forma,demodoqueaestruturagramaticalindicaaestruturadoconceitoqueela expressa,ouseja,ainformaomaissimpleseprevisvelexpressacomuma estrutura mais simples e a informao mais nova, menos previsvel codificada por mais quantidade de palavras ou estruturas mais complexas.b)Subprincpiodaintegrao:contedosmaisprximoscognitivamentetambm estomaisintegradossintaticamente.Evice-versa:oqueestmaisafastado cognitivamente tambm estar separado na estrutura.c)Subprincpiodaordenaolinear:aordemdoselementosdeumenunciado revelaasuaordemdeimportnciaparaofalante,ouainda,revelaaordemdos acontecimentos. Combasenesseprincpio,podemosorientaraanlisedaconstruoXmentede tempoouaspectodeformaainvestigaroconjuntodefatoresquepossammotivarsua posionoenunciado.Utilizamosoprincpioicnicodaproximidade(subprincpioda integrao), ao relacionar a posio do advrbio com a semntica do mesmo, por exemplo. Joconceitodemarcao,herdadodalingusticaestruturaldesenvolvidapela Escola de Praga, postula que determinadasformas so maismarcadasnalngua por serem 55 menoscomuns,emalgunscontextos.Givn(1990)propeumconjuntodepressupostos para distinguir categorias marcadas e no marcadas. So eles: 1-Complexidadeestrutural:aestruturamarcadatendeasermaiscomplexae,por vezes, at maior que a sua correspondente no-marcada; 2-Distribuiodefrequncia:acategoriamarcadatendeasermenosfrequentedo que a no-marcada; 3-Complexidadecognitiva:acategoriamarcadarequermaisateno,umesforo mentalmaioreotempodeprocessamentomaisestendido,oqueafazseruma estrutura cognitivamente mais complexa. Dessemodo,umaestruturano-marcadaseriaaquelacomumaousurio,sendo frequentementeempregadanoseudia-a-dia,oqueacarretaummenoresforoparaa compreenso.Jasestruturasmaismarcadasestodiretamenterelacionadassuabaixa frequncianalngua,oqueconsequentementelevaousurioaumesforomentalmaior para a assimilao do contedo. Afrequnciaeasimplificaodaformarelacionamaumcustomenor,emtermos deesforomental,atenodemandadaetempodeprocessamento.Ouseja,uma informao muito esperada em um determinado contexto no causa maiores problemas para os usurios da lngua tanto em termos de produo quanto de compreenso. Givn(1995)admitequeumamesmaestruturapodesermarcadanumcontextoe no-marcadaemoutro,sendoassim,amarcaoumfenmenoquedeveserexplicado combaseemfatorescomunicativos,socioculturais,cognitivosoubiolgicos.Outra observaoimportantequeoconceitodemarcaonoserestringescategorias 56 lingusticas,maspodeestender-seaoutrosfenmenos,comoadistinoentreodiscurso formal e a conversao espontnea, por exemplo. NoquedizrespeitoconstruoXmenteestudada,aoobservarmosoportugus contemporneo,consideramosque,paraosadvrbiosdetempoasposiesno-marcadas seriam s margens da orao, uma vez que a construo fazreferncia ao evento como um todo,essaseriaaposiodemenorcomplexidadecognitivaeamaisicnica.Jos aspectuaisepolissmicos,asno-marcadasseriamasadjacentesaoverbo,umavezque estamosconsiderandotaisadvrbioscomointernossituao,diretamenteligadosao verbo. 2.1.2. O contnuo lxico-gramtica Comovisto,asunidadeslingusticassovistascomorotinascognitivas,padres recorrentesdeativaomental.Asformaslingusticaseaestruturasintticaseriamum reflexodeprocessoscognitivosedasintenescomunicativasqueofalanteorganizano momentodainteraodiscursiva.Segundoestaviso,agramticaestemconstante mudanaafimdeatendersnecessidadescomunicativasdosfalantes,ecategoriasso construdas atravs da experincia. Esta viso sobre a gramtica remete noo de continuum, no sentido de que no h categoriasgramaticaisestanques,massimumagradinciacategorialque,orapode assemelhar-secomumacategoriax,oracomacategoriay,trabalhando,portanto,com conceitos de prototipicalidade efluidez categorial, pois alngua est a todo o momento se 57 reestruturandoereafirmandoseucartermutatrio,permitindoamudananasfronteiras que separam uma categoria de outra. Umexemplodestafluidezcategorialestrelacionadodistinodecategorias lexicais e gramaticais, ou seja, quais categorias so consideradas pertencentes gramtica e quais so pertencentes ao lxico. Brinton & Traugott (2005) reforam que no h distino categricaentrelxicoegramtica,umavezqueagramticaacristalizaodeformas queumdiaestavamaserviododiscursoetinhampapissemntico-discursivosmais explcitos. Dessaforma,no h como considerarestas duas categorias como estanques, s sendo possvel defini-las dentro de um contnuo que vai do mais lexical ao mais gramatical. Afirmarquehumaorganizaogramaticalfluidaentreessasduasdimensesda lnguanosignificanegaraexistnciadolxicooudasintaxe,massimdeassumir,com basenaobservaodosdados,queexistemunidadesmaislexicais,isto,menos esquemticas(maispreenchidas)e,poroutrolado,unidadesmaisgramaticais,isto, maisesquemticasouabstratas(Croft&Cruise,2004).Haindaunidadesquenoesto nemdeumladonemdeoutro,situando-senomeiodessesdoisextremoseformando, assim, um contnuo entre informao lexical e informao gramatical. Aotratarmosdeadvrbios,precisamoslevaremcontaessadefiniodecontnuo, uma vez que a construo Xmente parte de uma categoria fluida, como mencionado, que oratendeaumpolo,oraaoutro.Acreditamosqueaoscilaodaconstruoentreesses doisextremoscategoriaistemprofundarelaocomoquetradicionalmentereferido comoflexibilidadeposicional.Hsimdiversasposiesquepodemserassumidaspelos advrbios em mente, mas h constructos mais gramaticais que teriam posio mais fixa na sentena, exercendo um papel mais coesivo. 58 DeacordocomaGramticadeconstrues(Goldberg,1995e2006),noh distinoentrelxicoegramtica,sendoaunidadelingusticamnimaaconstruo,que pode ser desde ummorfema preso a uma construo abstrata. Segundo Traugott (indito), hconstruescomfunesmaislexicais,comocarro,bola,correr,econstruesmais gramaticais, como re (em rever) e SN V SN. 2.2. Consideraes sobre a mudana lingustica A lngua est sempre em fluxo. Com o tempo, a emerso de novos padres pode ser observada,sendoestesorapequenasmodificaesnosistemalingustico,comoquandoo significadodeumitemdolxicomuda,oramudanasmaiores,comoquandoocorrem mudanas na ordem vocabular. Traugott&Dasher(2002)apontamalgunscaminhosprevisveisdemudana semntica, evidenciados se estivermos atentos s estruturas conceptuais e aos domnios de funodalinguagem.Asregularidadessomudanasdeumsignificadocodificado linguisticamente a outro. A mudana semntica no implica necessariamente a troca de um item pelo outro, mas um acrscimo de sentidos desenvolvido com o tempo. Aindaqueastaxonomiasinsistamqueasmudanaseossignificadossejam bidirecionais, existem estudos, fundamentados na histria dos lexemas, que atestam o valor daunidirecionalidadenosprocessosdemudanalingustica.Independentementedostatus gramaticaldolexemaemquesto,asregularidadesnosoabsolutas,hexceesque podemserinfluenciadaspeloestilodevidaeideologiadosfalantes.Asmudanasde significadoirregularesparecemocorrernodomniosujeitosespecificidades 59 extralingusticas,taiscomo,mudanananatureza,construosocialdoreferentee identificaodegrupo,porexemplo.Nestecontexto,tornam-semaispropensas generalizao lingustica. Osfalantesinternalizamumsistemaougramticae,valendo-sedediversas estratgias de produo e de percepo, usam a lngua e realizam vrias atividades por meio dela.Ofalante/escritoreodestinatrio/leitorsopeascentraisnasatividadesdeusoda lngua, uma vez que a interao s se d efetivamente se estas peas estiverem engajadas no processodeproduoeinterpretaodiscursiva.Oslocutoressepropemcomosujeitos, so capazes de faz-lo. Reconhecerarelaoentrefalante/escritoredestinatrio/leitorcomocondioou fundamentoparaqueacomunicaolingusticaseestabeleasignificaexaminara linguagemapartirdeseucarterinteracionaldeformamaisefetiva.Ainterao,por essncia,ocampodaintersubjetividade,porqueseconstitui,namaioriadasvezes,como base na ateno ao jogo de sentidos estabelecido pelos partcipes da situao comunicativa. Nasinteraescotidianas,osinterlocutoreschegamasentidosderivadosde combinaessemntico-sintticasoriundasdocontextodeproduo.Paratanto,os emissoresvalem-sedeconstituintesdisponveisnalnguaeosreorganizam,nointuitode tais termos expressarem sentidos mais comunicativos, como crenas, valores, atitudes, entre outros; trata-se do processo de (inter)subjetificao, no qual a noo de inferncia sugerida aponta para o fato de que os movimentos de mudana ocorrem por motivaes contextuais, no sentido de que falante e ouvinte negociam o sentido no ato da interao. Nasmudanasmorfossintticasefonolgicassoidentificadososmecanismosda reanliseedaanalogia.Paraamudanasemnticahosmecanismosdemetforae metonmia. Esta ltima considerada mais bsica para a cognio e a linguagem do que a 60 metfora,nosentidodequeaquelasefundamentanaconceptualizaodamudana semnticanocontextodeuso,noscontextossintagmticosdousolingusticoenvolvendo associao, contiguidade e indexicalidade12 (Traugott & Dasher, 2002:80). Assim, a partir dametonimizaoqueseestabelecemasrelaesquemarcamanegociaointeracional, caracterizadas por estratgias de subjetivao e de intersubjetivao. subjetivao:processosemasiolgicoemqueosemissoresseutilizamdetermos referenciaisparaaexpressodesentidosrelativosaseuestadointerno,crenas, valores e afins;intersubjetivao:utilizaodessesrecursosparaaatuaosobreointerlocutor, com vistas a sua adeso ou anuncia ao que declarado. Ametforaentendidacomoresultadodamudanametonmica,subversoda tendnciaoriginalnaabordagemdessesaspectos,passandoametonmiaaprevalecerna anlise e descrio interpretativa dos usos lingusticos. Comomencionado,asmudanassemnticasdentrodeumaconstruo,comoa Xmente, devem ser tratadas como mudanas construcionais (no sentido de Traugott2008 e indito,explicitadosmaisafrente).Paraostiposdemudanaabordadosnopresente trabalho,precisocompreenderdoisconceitospropostosporBybee(2010,combaseem Langacker,1987eCroft&Cruise,2004):composicionalidadeeanalisabilidade.O primeiro a medida semntica (semantic measure) e se refere ao grau de previsibilidade 12Focusofattentiononthepragmaticmeaningsthatariseinlanguageuseopenedthewayforthinking aboutconceptual,language-internalmetonymyarisingoutofthesyntagmaticcontextsoflanguageuse, association, contiguity, and indexicality. (Traugott & Dasher, 2002:80) 61 dosignificadodaconstruopelosignificadodesuaspartescomponentes.Josegundo, diz respeito um parmetro morfossinttico. Bybee (2010:57) exemplifica o primeiro conceito com palavras derivadas no ingls comohopeful,carefulewatchful,nasquaishapossibilidadedesepreverosignificado combasenos significados das partes (a soma dos significados da base e do sufixo). J em casos como awful ewonderful, essa composicionalidade se reduz, uma vez que o primeiro temvalornegativo, apesar dabase (awe)no apresentar essa caracterstica,assimcomo o segundo adjetivo uma avaliao positiva, no necessariamente presente no verbo wonder. O segundo conceito (analisabilidade), inclui, segundo Bybee, o reconhecimento por partedofalantedecadaitem(palavra,morfema,etc.)daconstruo,assimcomosua estruturamorfossinttica.Essamedidatambmseriagradienteeserelacionaaograuem quepartesdeumaexpresso(construo)ativamarepresentaodecadauma13,ouseja, emquenvelhoreconhecimentodacontribuiodecadacomponente.Porexemplo,as expressespullsomestrings(mexerospauzinhos)elendahand(darumamozinha)no ingls(etambmnoportugus)nosocomposicionaisnosentidodequehumuso metafricoparaasconstruesquenodadopeloselementosqueacompem.No entanto,ambasapresentamumgraudeanalisabilidade,poishaidentificao morfossinttica dos componentes (verbo e complemento). No caso da construo Xmente, o grau de analisabilidade baixo, ou mesmonulo, umavez que o sufixomente tevesua origemno substantivo e este no mais analisvel dentrodaconstruo.Noentanto,estamostrabalhandocomahiptesedequeaperda 13 This measure is also gradient and would relate to the extent to which the parts of an expression activate the representations of these parts (Bybee, 2010:45). 62 composicional apenas parcial, uma vez que na base adjetiva que temos, na maior parte dos construtos, a leitura do significado da construo, como j foi mencionado. Nombitodamudanalingustica,algunsconceitosclssicosatribudos lingusticabaseadanouso(ante