Mercado Brasileiro de Medicamentos Gen ricos: An lise do ... · GLOSSÁRIO ... patentes, a lealdade...
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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMP RESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM GESTÃO EMPRESARIAL
MERCADO BRASILEIRO DE MEDICAMENTOS GENÉRICOS: ANÁLI SE
DO DESEMPENHO DE UMA SUBSIDIÁRIA DE LABORATÓRIO ESTRANGEIRO
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA E DE EMPRESAS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Rio de Janeiro, 2007 CELINA MARIA DUARTE PEREIRA PINTO
ii
RESUMO
A indústria farmacêutica é um segmento dominado por grandes empresas transnacionais, sendo
que esse domínio é particularmente visível no Brasil, onde apenas três empresas nacionais
figuram no ranking das dez maiores do setor. A partir de 1970, o mercado farmacêutico mundial
sofreu profundas mudanças causadas pela elevação dos marcos regulatórios e pela queda das
patentes, que levou à entrada dos medicamentos genéricos no mercado. Em 1999, foi publicada a
lei que permitiu a introdução dos medicamentos genéricos no Brasil criando um novo mercado,
que é, atualmente, liderado por laboratórios nacionais. A proposta do presente estudo é identificar
os motivos que levaram uma subsidiária de um laboratório estrangeiro a não obter a liderança
nesse mercado. O referencial teórico aborda a questão nos âmbitos da economia política
internacional e dos negócios internacionais, ou seja, nas relações entre matriz e subsidiária, entre
empresas nacionais e transnacionais, e entre ambas e o governo. A pesquisadora, com base na
literatura disponível, apresenta quatro proposições cujas validades foram testadas a partir de
múltiplas fontes de dados. A base da pesquisa empírica foi as entrevistas realizadas com
representantes dos diversos atores envolvidos no processo, além da observação participante, que
permitiu o acesso a informações que usualmente não estariam abertas à investigação científica.
As conclusões indicam que as relações analisadas têm impacto direto no desempenho da
subsidiária ao afetarem a sua agilidade no processo de tomada de decisão, sua competitividade
em preços e a criação de um portfólio amplo de medicamentos, sendo todos esses aspectos
considerados fatores críticos de sucesso pelos respondentes. Os resultados do trabalho podem ser
utilizados em pesquisas futuras, visando ampliar o foco do estudo a respeito da dominância dos
laboratórios nacionais no mercado de medicamentos genéricos. Além disso, é sugerido o
acompanhamento da evolução dos laboratórios nacionais sob a ótica do processo de
internacionalização.
Palavras-chave: medicamentos genéricos, empresas transnacionais, subsidiária.
iii
ABSTRACT
The pharmaceutical industry is a segment that is dominated by transnational companies. This
characteristic is visible in Brazil, where there are only three domestic laboratories in the top ten
pharmaceutical companies list. From the 1970s onwards, the world pharmaceutical market went
through deep changes caused mainly to the increase of regulatory control and patent expiration
that led to the advent of generic medicaments. In 1999, it was published the law that allowed the
introduction of generic medicaments in Brazil, creating a new market that is currently dominated
by domestic laboratories. This dissertation proposes to identify the reasons for a subsidiary of
foreign laboratory does not achieve the leadership of this market. The literature is based on
international political economy and international business concepts that means, relations between
subsidiary and head office, domestic and foreign companies and government. Four propositions
are presented and tested through multiple sources of evidences. The empirical research was
mainly grounded in interviews with key persons and participant observation that allowed access
to information, which would be not available for scientific investigation. The results indicate that
the relationships considered in this study affect the subsidiary performance in generic
medicament market in regard to its ability to make decisions, price competitiveness and wide
portfolio creation. The respondents considered those three aspects as success critical factors. The
results can be used for future research, aiming to wide the focus of the study about domestic
laboratory dominance in generic medicament markets. Another suggestion is to follow this
market evolution regarding to the internationalization process of domestic laboratories.
Key words: generic medicaments, transnational company, and subsidiary.
iv
SUMÁRIO Resumo .......................................................................................... ii Abstract.......................................................................................... iii
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 08 1.1. Pergunta de pesquisa ........................................................................................... 12 1.2. Objetivos ............................................................................................................. 13 1.2.1. Objetivo final ...................................................................................................... 13 1.2.2. Objetivos intermediários ..................................................................................... 13 1.3. Delimitação do estudo ........................................................................................ 14 1.4. Relevância do estudo .......................................................................................... 14 2. REFERECIAL TEÓRICO ............................................................................. 21
2.1. As empresas transnacionais ................................................................................ 21 2.1.1. Modelos de expansão internacional ..................................................................... 25 2.1.2. Globalização e empresas transnacionais ............................................................. 28 2.1.3. Expansão das empresas transnacionais e investimento externo direto ............... 30 2.2. Modelo da diplomacia triangular ........................................................................ 34 2.2.1. As relações governo-empresa ............................................................................. 37 2.2.2. As relações empresa-empresa ............................................................................. 44 2.3. Critérios de análise ............................................................................................. 49 2.3.1. Dimensão empresa-empresa ............................................................................... 50 2.3.2. Dimensão governo-empresa ............................................................................... 52 3. METODOLOGIA ............................................................................................. 54
3.1. Tipo de empresa .................................................................................................. 54 3.2. Estratégia de estudo de caso ............................................................................... 55 3.2.1. Verificação da qualidade do estudo de caso ...................................................... 56 3.2.2. Tipo de estudo de caso ....................................................................................... 57 3.2.3. Fontes de evidência ............................................................................................ 58 3.2.4. Coleta de dados .................................................................................................. 60 3.2.5. Tratamento de dados .......................................................................................... 61 3.2.6. Limitações do método ........................................................................................ 62
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO CASO .......................................................... 64
4.1. O mercado farmacêutico mundial ..................................................................... 64 4.2. O mercado farmacêutico do Brasil .................................................................... 75 4.2.1. O mercado brasileiro de medicamentos genéricos ........................................... 77 4.3. A subsidiária do laboratório estrangeiro ............................................................ 85 4.4. O laboratório nacional ...................................................................................... 91 4.5. Análise da dimensão empresa-empresa ............................................................ 93 4.6. Análise da dimensão governo-empresa ............................................................ 99 4.7. Análise final ....................................................................................................... 103 5. CONCLUSÕES E SUGESTÕES .................................................................. 107
v
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 111
GLOSSÁRIO ............................................................................................................... 117
ANEXOS: Roteiro de entrevista ................................................................................ 119 Anexo 1: Instituição: Subsidiária ................................................................................ 120 Anexo 2: Instituição: Pró-Genéricos ........................................................................... 121 Anexo 3: Instituição: Laboratório nacional ................................................................. 122 Anexo 4: Instituição: ANVISA ................................................................................... 123
vi
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: O modelo de diplomacia triangular ........................................................... 35
FIGURA 2: Sistemas de intermediação de interesses entre público e privado ............. 42
FIGURA 3: Tipologias de papéis das subsidiárias ........................................................ 45
FIGURA 4: Classificação das subsidiárias conforme grau de autonomia e escopo
geográfico das responsabilidades ............................................................. 46
FIGURA 5: Critérios de análise adequados ao modelo da diplomacia triangular ........ 50
vii
LISTA DE TABELAS E GRÁFICO
TABELAS
TABELA 1: Entrevistas realizadas ............................................................................... 59
TABELA 2: Vendas globais do mercado farmacêutico por região ............................... 65
TABELA 3: Vendas globais do mercado farmacêutico por laboratório ........................ 66
TABELA 4: Gastos com saúde como porcentagem do produto nacional
bruto, 1960- 1997 ...................................................................................... 73
TABELA 5: Crescimento do mercado farmacêutico brasileiro em unidades vendidas .. 76
TABELA 6: Tabela de processos e petições deferidas pela ANVISA em 2006 .......... 100
GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Vendas globais do mercado farmacêutico no período de 1997 a 2004 .... 65
GRÁFICO 2: Evolução dos principais gastos com medicamentos pelo Ministério
da Saúde .................................................................................................. 79
GRÁFICO 3: Detalhamento do faturamento do negócio farmacêutico em 2006 ......... 87
GRÁFICO 4: Evolução do faturamento da subsidiária 2002 – 2006 no segmento
farmacêutico ............................................................................................ 88
GRÁFICO 5: Evolução do faturamento do laboratório nacional 2004-2006................... 91
GRÁFICO 6: Evolução do número de unidades vendidas do laboratório
nacional 2004-2006 ................................................................................. 92
1. INTRODUÇÃO
A saúde é uma necessidade básica de todo ser humano. Para mantê-la ou recuperá-la, diversos
meios são utilizados, desde a realização de exercícios físicos, a adoção de hábitos de higiene, o
controle da alimentação até o uso de medicamentos1.
A indústria farmacêutica é, portanto, um segmento com características únicas, seja pelo seu
cunho social, ao produzir bens que estão diretamente relacionados ao bem-estar da população,
seja pelo alto impacto que representa nos gastos com a saúde pública. Essa especificidade
aumenta na medida em que se constata que esse mercado apresenta falhas, como, por exemplo, a
existência de oligopólios e monopólios de empresas transnacionais2 (ETNs), a proteção por
patentes, a lealdade a marcas, além da assimetria de informação entre fabricante, paciente,
médico e farmacêutico (Rêgo, 2000).
Apesar de sua importância, o acesso aos medicamentos ainda é restrito, como mostram os dados
de 2004 do Intercontinental Medical Statistics (IMS, 2005) em seu relatório Intelligence.360
Global Pharmaceutical Perspectives 2004. As regiões mais desenvolvidas do mundo, ou seja,
Estados Unidos, Europa e Japão, responderam, em 2004, por 88,5% do volume de vendas da
indústria farmacêutica, enquanto que a África, Ásia e Austrália responderam por 7,7% e a
América Latina, por apenas 3,8%.
Dentro dos países latino-americanos, existe uma grande diferença de consumo entre as camadas
sociais de acordo com o poder aquisitivo que resulta em uma combinação perversa de má
distribuição de renda e ausência de assistência farmacêutica por parte dos sistemas públicos de
saúde (Rêgo, 2000).
1 Ver glossário. 2 As diferentes terminologias adotadas para empresas transnacionais são tratadas no item 2.1.
9
Trata-se de um mercado dominado por grandes empresas transnacionais que possuem meios e
recursos para investir em pesquisa, desenvolvimento e marketing de seus produtos (Rêgo, 2000).
Esse domínio é particularmente visível no Brasil, onde apenas três empresas nacionais,
Laboratórios Aché, Medley e Eurofarma, figuram no ranking das dez maiores empresas do setor,
sendo que Medley e Eurofarma são laboratórios conhecidos por sua atuação do segmento de
medicamentos genéricos3 (IMS, 2006).
Esse domínio das transnacionais começou, segundo Torres (1983), a partir do final da II Guerra
Mundial, quando as multinacionais adquiriram as empresas nacionais do setor até absorverem
perto dos 85% do mercado.
A partir dos anos 1960 e 1970, o mercado farmacêutico mundial sofreu profundas mudanças
causadas, entre outros motivos, pela elevação dos marcos regulatórios, sobretudo nos Estados
Unidos, e a queda das patentes, que levou à entrada dos medicamentos genéricos no mercado
(Rêgo, 2000).
Essas mudanças foram causadas pela ocorrência de tragédias como, por exemplo, a da talidomida
aliada ao aumento dos gastos com a saúde pública. Uma das principais ações, motivada pela
queda de patentes, foi a adoção de uma política de medicamentos genéricos que busca, de um
lado, facilitar o acesso a medicamentos ao disponibilizar medicamentos mais baratos e, de outro
lado, reduzir os gastos públicos com a saúde (Godoy, Maria e Nascimento, 2004).
A indústria de genéricos nasceu nos Estados Unidos na década de 1960, mas foi somente em
1984, através de um ato legislativo, que o governo americano criou condições para a
consolidação desse mercado. Por se tratarem de medicamentos que eram cópias de patentes
expiradas e, conseqüentemente, não arcavam com os altos custos de desenvolvimento, os
genéricos rapidamente se tornaram uma alternativa de redução de custo dos tratamentos de saúde
3 Ver glossário.
10
e de ampliação do acesso da população aos medicamentos. Atualmente, nos Estados Unidos,
segundo dados de 2005 da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos ( Pró
Genéricos, 2005), 51% das prescrições médicas são emitidas utilizando o nome genérico dos
medicamentos, que já dominam 36% do mercado americano em volume.
Ainda segundo a Pró Genéricos, o mercado mundial de genéricos cresce cerca de 20% ao ano
enquanto que a indústria de medicamentos inovadores registra um crescimento médio de apenas
8%.
A introdução dos medicamentos genéricos no Brasil ocorreu três anos após o país voltar a
reconhecer o direito de patentes, a partir da publicação da Lei 9787/99, aliada à criação, no
mesmo ano, da agência reguladora do setor: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA). Ambos os fatos, a promulgação da lei e a criação da ANVISA, representaram uma
mudança significativa na política governamental sobre esse segmento e causaram grande impacto
na estrutura do mercado farmacêutico brasileiro.
Segundo a Pró Genéricos, em quatro anos, os genéricos conquistaram quase 10% do mercado
farmacêutico brasileiro, saindo de um patamar de vendas de US$ 31,653 milhões, em 2000, para
atingir US$ 404,984 milhões, em 2004. Além disso, possuem preços, em média, 45% menores
que os medicamentos inovadores correspondentes.
Apesar disso, dados de 2005 do Seminário Internacional sobre Perspectivas para o
Fortalecimento dos Mercados de Medicamentos Genéricos em Países em Desenvolvimento
(Seminário Internacional, 2005) mostram que a implantação dos medicamentos genéricos causou
uma reviravolta importante no mercado farmacêutico, mas não resolveu o problema do acesso a
medicamentos no país. Isso é devido, principalmente, ao fato de que cerca de 60% da população
brasileira ganham menos de quatro salários mínimos.
11
O outro objetivo da política de medicamentos genéricos foi criar uma nova plataforma que
permitisse a transformação da indústria farmacêutica instalada no país.
Com efeito, constata-se que, a partir de 1999, em oposição à tradicional divisão do mercado
brasileiro de medicamentos de marca, protegidos por patentes, onde as empresas transnacionais
possuem um papel predominante, o mercado de genéricos nacional mostra um claro domínio da
indústria nacional. Entre as cinco maiores empresas do segmento de genéricos, apenas uma, a
Ranbaxy, é multinacional. Em termos de unidades vendidas, 84% do mercado são dominados
pelas indústrias nacionais e, em termos de vendas, as indústrias nacionais respondem por 78% do
mercado (IMS, 2006).
Esse domínio ocorre apesar de todas as vantagens apresentadas pelas empresas transnacionais
conforme afirma Gilpin (2001, p. 284), com base na teoria de Dunning:
According to Dunning’s ecletic theory, the unique nature and extraordinary economic success of the MNC are due to particular characteristics that give the MNC important advantages over purely domestic corporations. These advantages are ownership, location, and, most important, internationalization,…
A respeito da grande vantagem das empresas transnacionais, Gilpin (2001) cita, ainda, a teoria de
Porter, segundo a qual essas empresas possuem uma grande variedade de estratégias à sua
disposição que podem ser utilizadas em qualquer ponto de sua cadeia produtiva, alocando seus
recursos da maneira mais eficiente em suas diversas filiais no mundo.
A predominância das ETNs em relação às empresas domésticas, conforme ressaltado por Gilpin
(2001), está refletida no mercado farmacêutico, conforme afirmam Rego (2000) e Torres (1983),
ambos já citados anteriormente.
Por serem as maiores detentoras de patentes dos medicamentos de referência, de quem os
medicamentos genéricos são cópias fieis, a entrada das ETNs nesse segmento deveria ser
12
acompanhada de uma vantagem competitiva adicional, além daquelas que lhes atribuem a
literatura. Essa vantagem adicional seria o completo domínio da tecnologia de fabricação do
medicamento. Conforme será apresentando no item 3.1, no caso do laboratório estrangeiro
selecionado para o presente estudo, possui mais uma vantagem que é a sua alta competitividade
no segmento de medicamentos genéricos em outros mercados. No entanto, a avaliação do
mercado de medicamentos genéricos mostra que essa não é a realidade no Brasil, onde existe um
domínio dos laboratórios nacionais (IMS, 2006).
1.1. Pergunta de pesquisa
A pergunta de pesquisa é: “Por que a subsidiária de uma empresa transnacional não lidera o
mercado farmacêutico brasileiro de medicamentos genéricos?”
A resposta para essa pergunta foi obtida por meio da realização de um estudo de caso único (Yin,
2004) para o qual foi selecionada a subsidiária brasileira de um laboratório farmacêutico, tendo
como unidades incorporadas de análise as suas relações com a matriz, com um laboratório
nacional previamente selecionado e com a agência reguladora do setor.
13
1.2. Objetivos
1.2.1. Objetivo final
O objetivo final deste projeto foi desenvolver um estudo para identificar por que a subsidiária de
uma empresa transnacional não lidera o mercado farmacêutico brasileiro de medicamentos
genéricos.
1.2.2. Objetivos intermediários
Os objetivos intermediários deste estudo são:
� analisar o papel da matriz do laboratório estrangeiro na política de genéricos desenvolvida
pela sua subsidiária no Brasil;
� identificar a influência da relação matriz-subsidiária sobre a performance desta última no
mercado doméstico de medicamentos genéricos;
� analisar como a relação com a agência reguladora do setor (ANVISA) interfere no
desempenho tanto da subsidiária quanto do laboratório nacional selecionado;
� identificar as relações existentes entre a subsidiária e os laboratórios nacionais.
14
1.3. Delimitação do estudo
O estudo limitou-se à análise de dois laboratórios farmacêuticos localizados no Brasil, que
optaram por atuar no mercado de medicamentos genéricos, sendo que um deles é uma subsidiária
de empresa transnacional e o outro, uma empresa nacional. A análise incluirá as relações da
subsidiária com a sua matriz, as relações entre os laboratórios selecionados para o estudo e de
ambos com a ANVISA no período de 2000-2006, considerando que a implantação da política de
medicamentos genéricos no Brasil iniciou-se em 1999.
Dessa forma, este estudo não abordará os laboratórios que trabalham somente com medicamentos
de marca, as relações dos laboratórios com os demais órgãos do governo federal nem mesmo com
os consumidores e a sociedade em geral. Além disso, não foi analisado o impacto das diferentes
culturas, tanto nacionais quanto organizacionais, dos laboratórios selecionados. Isso porque tais
aspectos fogem do escopo do presente projeto.
1.4. Relevância do estudo
A introdução dos medicamentos genéricos no Brasil, aliada à criação da ANVISA, ambas em
1999, representaram mudanças significativas de posicionamento do governo brasileiro frente ao
mercado oligopolista e monopolista das indústrias farmacêuticas. A primeira levou à
disponibilização de medicamentos a custos mais baixos e em condições de competir diretamente
com os medicamentos de marca. A criação da ANVISA, por outro lado, representou o aumento
da regulação e, conseqüentemente, das exigências e restrições que estão elevando o padrão do
15
mercado brasileiro de medicamentos ao nível internacional.
No entanto, esses importantes eventos ocorreram há apenas sete anos e seus reais impactos ainda
estão sendo analisados pelos diversos atores envolvidos, quais sejam: comunidade acadêmica,
governo federal, entidades de classe como, por exemplo, a Pró Genéricos e a Federação Brasileira
das Indústrias Farmacêuticas (Febrafarma), laboratórios nacionais e subsidiárias de laboratórios
estrangeiros, e o mercado consumidor de medicamentos.
Para a comunidade acadêmica, este estudo pretende contribuir para as análises feitas a respeito do
impacto da política de medicamentos genéricos no mercado farmacêutico nacional. Nesse
sentido, a produção acadêmica, a partir de 2000, foi intensa e abordou diversos aspectos do tema.
O banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
bem como a relação dos trabalhos apresentados em Encontros da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), mostra um grande número de trabalhos
acadêmicos, dentre eles Di Battisti (2003), Godoy (2002), Godoy, Maria e Nascimento (2004),
Palmeira e Capanema (2004), Silva e Cohen (2004), Souza et al (2004) e Valentim (2003).
A dissertação de Di Battisti (2003) analisou as estratégias adotadas, após o advento dos
medicamentos genéricos no Brasil, por dois laboratórios estrangeiros estabelecidos, sendo que
um deles optou por entrar nesse novo mercado e o outro decidiu manter-se no mercado de
medicamentos de marca. A metodologia adotada foi o estudo de caso, sendo que a coleta de
dados foi feita através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os diretores dos
laboratórios. O referencial teórico foi baseado, principalmente, no modelo das cinco forças
competitivas de Porter e estratégicas genéricas, para analisar as diferentes decisões estratégicas
de ambos os laboratórios.
As conclusões do trabalho apontam que, apesar de cada um dos laboratórios ter posicionado-se
16
de forma diferente diante da ameaça representada pela entrada dos genéricos, não seria possível
indicar qual deles foi mais bem-sucedido. Ao contrário, a autora atesta que ambos têm obtido
bons lucros e continuam a investir no Brasil.
Godoy (2002) fez uma avaliação da indústria farmacêutica brasileira na década de 90 levando em
consideração as diversas transformações ocorridas nesse período como: o reconhecimento de
patentes, o fim da reserva de mercado, a desregulamentação dos preços e a introdução dos
genéricos. A autora, através de métodos econométricos, buscou avaliar a influência do controle
de preços no faturamento das indústrias farmacêuticas, concluindo que esse controle é efetivo no
sentido de conter aumentos de preços e, conseqüentemente, aumentar a demanda.
Dois anos depois, com o aumento da participação dos genéricos no mercado nacional, Godoy,
Maria e Nascimento (2004) analisaram o efeito da entrada do medicamento genérico sobre os
preços dos medicamentos de marca e concluíram que houve uma redução nos preços dos
medicamentos, sugerindo, como um trabalho futuro, que se mantenha o acompanhamento da
evolução dessa tendência de queda.
Souza et al. (2004) fizeram uma avaliação do comportamento dos consumidores de
medicamentos genéricos, abordando o aspecto de marketing social e alertando para a necessidade
de uma política que disponibilize informação para a população a respeito do uso de
medicamentos genéricos.
Palmeira e Capanema (2004) avaliaram a cadeia produtiva da indústria farmacêutica e o impacto
da nova política industrial implantada pelo governo federal a partir de 2004. Essa política visava
estimular a produção nacional de medicamentos genéricos mediante uma linha de crédito com
condições especiais para financiar a expansão da produção doméstica de fármacos4 e de
intermediários de síntese.
4 Ver glossário.
17
No levantamento bibliográfico, foi identificado o estudo realizado por Silva e Cohen (2004),
cujos resultados podem contribuir para a resposta da pergunta de pesquisa.
Silva e Cohen (2004) analisam o impacto do advento dos genéricos nas estratégias da indústria
farmacêutica brasileira. Os autores baseiam sua análise na teoria de Porter, segundo a qual
existem três abordagens estratégicas genéricas – liderança no custo total, diferenciação e enfoque
– que podem ser adotadas pelas empresas dentro de uma mesma indústria. Além disso, Porter cita
treze dimensões que englobariam as diversas opções estratégicas das empresas, sendo que,
aquelas que em um determinado segmento industrial optaram por adotar estratégias idênticas ou
similares, pertenceriam ao mesmo grupo estratégico. Silva e Cohen (2004) aplicaram os
conceitos de Porter à indústria farmacêutica, classificando os laboratórios em grupos estratégicos
e fazendo uma análise longitudinal, comparando os posicionamentos estratégicos nos períodos de
1995-1998 e 1999-2002, ou seja, antes e depois da implantação dos genéricos no Brasil.
Os autores identificaram o laboratório nacional selecionado para esse estudo como pertencente ao
grupo cuja estratégia é de liderança em custos. Esse grupo é composto de oito laboratórios cujas
características são a forte atuação no mercado de medicamentos genéricos, a pequena
participação no mercado de medicamentos éticos5, o baixo nível de inovação e o menor preço
médio praticado pelo mercado. Além disso, foi o grupo que mais lançou medicamentos desde o
ano de 1999, quando foi publicada a lei que institui os medicamentos genéricos no Brasil.
Em sua conclusão, os autores mostram que, dentro de um universo de trinta e oito laboratórios,
apenas quatorze mantiveram uma estratégia consistente, permanecendo dentro do mesmo grupo
estratégico. Ou seja, a maioria mudou a sua estratégia de negócio, refletindo a grande
transformação da indústria farmacêutica brasileira.
Outro ator participante e relevante é o governo, pelo importante papel que exerce de regulador,
5 Ver glossário.
18
investidor e, ao mesmo tempo, de cliente desse segmento da indústria.
Como regulador, o governo utiliza diversos instrumentos de controle e intervenção, estimulando
a prescrição de medicamentos genéricos, controlando preços e margens de lucro, atividades de
marketing e condições de segurança e eficiência dos medicamentos (Queiroz 1993).
Com relação ao papel de cliente, Paula (2001) ressalta a alta dependência dessa indústria em
relação aos gastos do setor público com a saúde, principalmente nos Estados Unidos, onde cerca
de 14% dos gastos públicos totais vão para a saúde.
No papel de investidor, Paula (2001) relata que parte dos recursos aplicados em pesquisa e
desenvolvimento vem do setor público como, por exemplo, no Japão, onde o governo participa
com 25% e na Alemanha, onde a participação é de 33%. No caso do Brasil, um exemplo do
investimento do Estado foi a política industrial implantada pelo governo federal a partir de 2004
(Palmeira e Capanema, 2004).
Dentro do contexto brasileiro de população com baixo poder aquisitivo, a introdução dos
medicamentos genéricos no mercado nacional visou atender duas questões importantes, segundo
Valentim (2003). A primeira refere-se à necessidade de aumentar o acesso a medicamentos com
redução de preços, seja diretamente, seja através da distribuição através do governo. A segunda
fomentar o desenvolvimento da indústria nacional, visto que esse mercado não exige altos
investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Dessa forma, a produção de trabalhos acadêmicos que visam entender o mercado de genéricos no
Brasil é relevante para o governo, uma vez que tratam de um tema que envolve os diversos
aspectos da política estratégica de gestão da saúde no Brasil.
O interesse dos laboratórios farmacêuticos advém do fato de serem atores diretamente afetados
pela concorrência dos medicamentos genéricos. Silva e Cohen (2004) analisaram o impacto do
19
advento dos genéricos na indústria farmacêutica brasileira e concluíram que a maior parte dos
laboratórios reviu sua estratégia tendo em vista o aumento da competitividade do mercado.
Os medicamentos são classificados como bens credenciais, ou seja, alguns aspectos da sua
qualidade podem nunca vir a ser passíveis de avaliação pelo consumidor. Neste caso, somente um
profissional especializado estaria apto a atestar tais aspectos. Essa assimetria de informação na
demanda por medicamentos faz com que os consumidores passem a ser uma parte integrante do
público interessado na evolução desse mercado.
O interesse do consumidor final torna-se mais relevante quando se considera que, no Brasil, a
maior parte dos medicamentos é comprada diretamente pelo consumidor final e o consumo é
concentrado nas classes A e B, que respondem por 88% do consumo total e representam apenas
47% da população (Paula, 2001). Ambos os dados acima demonstram que a maior parte da
população brasileira tem dificuldades de acesso aos medicamentos necessários para garantir seu
bem-estar.
Finalmente, entre as entidades de classe, menciona-se a Pró Genéricos, criada em janeiro de 2001
e que reúne os principais laboratórios farmacêuticos que atuam no mercado de genéricos no país.
A Pró Genéricos articula-se com diversos setores da sociedade, tanto públicos quanto privados, e
pleiteia mudanças estruturais que possibilitem o acesso da população de baixa renda aos
medicamentos. A meta dessa entidade é que os genéricos elevem o percentual das unidades de
medicamentos comercializados no Brasil dos atuais 10% para 30% até o final de 2007.
Em resumo, a relevância do presente estudo reside na importância da indústria farmacêutica para
diversas audiências. A sua importância advém do fato de produzir medicamentos diretamente
ligados ao bem-estar da população, pelas falhas de mercado que apresenta e da necessidade de
um papel atuante do governo no sentido de manter esse mercado regulado.
20
Outro aspecto relevante reside no fato de que a análise dos motivos da predominância dos
laboratórios nacionais no mercado de genéricos brasileiro em relação às subsidiárias de
laboratórios estrangeiros ainda não foi investigada à luz de um referencial teórico baseado em
Gilpin (2001), Stopford e Strange (1991) que indicam a vantagem competitiva das empresas
transnacionais frente às domésticas ao mesmo tempo em que destacam a importância das relações
do tipo governo-empresa. Dessa forma, o presente estudo contribui para a pesquisa acadêmica ao
preencher uma lacuna na literatura.
21
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Para a fundamentação desta pesquisa foram usadas abordagens teóricas que estudam as empresas
transnacionais, suas relações com os governos e as vantagens comparativas e competitivas em
relação às empresas domésticas, nos âmbitos da economia política internacional e de negócios
internacionais. As principais referências selecionadas para compor tal referencial teórico são as
obras de Gilpin (2001) e Stopford e Strange (1991). A relevância das mesmas será evidenciada
nos tópicos a seguir.
2.1. As empresas transnacionais
Gilpin (2001) explica que as ETNs são empresas oligopolistas que operam em mercados
imperfeitos. A falta de modelos que expliquem esses mercados de forma satisfatória levaria os
economistas a adotarem atitudes ambíguas e contraditórias no que diz respeito a elas. O autor
esclarece que, muitas vezes, as imperfeições do mercado são criadas pelos próprios Estados,
interessados em atrair investimentos externos diretos (IED), que são a forma mais comum de
atuação das ETNs. Sem tais incentivos, uma ETN poderia decidir que a operação mais eficiente
seria exportar seus produtos diretamente do seu país de origem ou, ainda, licenciar a sua
tecnologia para outra empresa estrangeira. Tais decisões afetam profundamente as taxas de
crescimento econômico nas diversas regiões do mundo, ou seja, as atividades das ETNs têm
grande impacto nos negócios internacionais.
O autor esclarece, ainda, que as maiores ETNs do mundo respondem por, aproximadamente,
22
quatro quintos da produção mundial e empregam cerca de dois terços da sua força de trabalho
dentro dos seus respectivos países de origem. Para o autor, as ETNs têm papel fundamental no
fluxo de tecnologia entre as economias desenvolvidas e em desenvolvimento e, portanto, são
fundamentais no processo econômico, social e de bem-estar das populações de diversos países no
mundo.
Pode-se, portanto, concluir que as ETNs possuem uma inegável importância para a economia
mundial.
Contractor (2000) discute a questão da aplicabilidade dos termos “internacional”, “multinacional,
“global” ou “transnacional”. Segundo o autor, a palavra internacional seria aplicável às empresas
com uma perspectiva gerencial além das fronteiras de seu país. O termo multinacional estaria
relacionado a uma federação semi-autônoma de empresas sob a direção de uma matriz e cujas
ações sejam negociadas predominantemente em um país específico. Os termos global ou
transnacional seriam aplicáveis àquelas empresas que buscam ativamente uma integração global.
Gilpin (2001) também discute a questão das terminologias transnacional e multinacional, e
aponta para um entendimento de que o termo transnacional seria mais adequado, pois se trata de
empresas que adotam estratégias que alcançam diversos países.
O autor esclarece que alguns estudiosos entendem que as ETNs estão desvinculadas de seu país
de origem e tornaram-se forças independentes. Outros, no entanto, inclusive o próprio Gilpin,
entendem que as ETNs ainda estão ligadas às suas respectivas economias nacionais e que se trata
de empresas nacionais competindo entre si em diversos países do mundo. Neste sentido, as ETNs
não perderam os vínculos com seus países de origem no que diz respeito à história, à cultura e ao
sistema econômico.
No entanto, Gilpin (2001, p. 297) não adota nenhuma dessas terminologias ao afirmar que:
... I maintain that multinational, transnational, or, if you prefer, global firms,
23
are still nation firms conducting international business.
Para Scholte (1997), ambos os termos, multinacional e transnacional, não são apropriados, uma
vez que a maioria das empresas possui uma forte identidade nacional. Para o autor, os termos
global ou “transborder” seriam mais adequados.
Para Bartlett e Ghoshal (2000a), as classificações dentro das categorias “internacional”,
“multinacional”, “global” ou “transnacional” variam de acordo com a evolução do papel
estratégico das subsidiárias estabelecidas nos países hospedeiros. Essa evolução ocorre na medida
em que ocorrem mudanças tanto no comércio internacional quanto dentro da própria empresa. O
primeiro estágio seria de uma mentalidade internacional onde as subsidiárias são vistas apenas
como provedoras de aumentos incrementais de vendas e um instrumento para garantir o market
share no país hospedeiro. Neste caso, a empresa é reconhecida como uma empresa doméstica
com alguns apêndices estrangeiros.
O próximo estágio é uma mentalidade multinacional, onde a empresa, reconhecendo a
importância da subsidiária como fonte de lucro, decide investir recursos na mesma. A empresa
reconhece as diferenças entre os diversos mercados nacionais, é flexível com relação aos seus
produtos e adapta-os de acordo com o país. Esse modelo resulta em uma grande ineficiência
produtiva, visto que produtos específicos para um determinado país geram perda de eficiência em
diversos aspectos operacionais, tais como: logística, design e produção.
Uma empresa com mentalidade global busca enxergar o mundo como uma única unidade de
análise, ou seja, seus gerentes buscam seguir o pensamento do Prof. Theodore Levitt que afirmou
que as empresas devem “vender a mesma coisa, da mesma forma, em todos os lugares”.
Finalmente, a mentalidade transnacional surge na medida em que, no final da década de 1980, as
empresas passaram a enfrentar maiores demandas dos governos hospedeiros buscando maiores
investimentos, transferência de tecnologia e maior compatibilidade com os requerimentos
24
locais.Ao mesmo tempo, as empresas deveriam manter seus produtos com altos níveis de
qualidade e baixo custo, ambos os aspectos viabilizados pela mentalidade global. Assim, os
autores definem esse novo cenário, onde as empresas são cobradas por se adaptarem às
necessidades locais e, ao mesmo tempo, por manterem a sua eficiência global, como uma
mentalidade estratégica transnacional.
A fim de avaliar a real abrangência das ETNs e discutir o conceito de empresa global, Rugman
(2005) realizou um estudo das 380 maiores empresas mundiais e constatou que, para 320 delas,
cerca de 80% do seu faturamento provêm da sua região de origem. O autor adota a terminologia
“multinacional” e, a partir do fato de que o faturamento das grandes empresas provém,
dominantemente, de mercados regionais, conclui que apenas algumas multinacionais, como, por
exemplo, a IBM e a Coca-Cola, seriam realmente globais, ou seja, teriam a capacidade de vender
os mesmos produtos e serviços em diferentes lugares do mundo. Segundo o autor, é necessário
incluir um componente regional na estrutura das multinacionais para que as mesmas possam lidar
de forma apropriada com as características específicas de cada Estado.
No caso específico dos laboratórios farmacêuticos, Rugman (2005) afirma que nenhum deles
pode ser considerado global, principalmente devido às diferentes legislações que regulam o setor
nos diferentes países em todo o mundo. Além disso, o autor destaca que o aumento das
exigências para se obter o registro6 de um novo medicamento elevou os custos do
desenvolvimento e reduziu as margens de lucro. Em resumo, trata-se de um segmento que tem,
obrigatoriamente, de reconhecer os requerimentos específicos de cada país e, ao mesmo tempo,
buscar a eficiência de suas operações em um mercado cada vez mais competitivo, onde os custos
da inovação estão cada vez mais altos.
6 Ver glossário.
25
Por terem que se adaptar às exigências regulatórias locais e, ao mesmo tempo, buscar a eficiência
global para se manterem competitivos em relação aos concorrentes, a pesquisadora entende que
os laboratórios farmacêuticos podem ser classificados como empresas transnacionais, na
terminologia de Bartlett e Goshal (2000 a), sendo essa a terminologia que será adotada no
decorrer do presente estudo. No entanto, ao longo da revisão da literatura, serão respeitadas as
denominações usadas pelos autores.
2.1.1. Modelos de expansão internacional
Gilpin (2001) faz um resumo histórico das diversas teorias que buscam explicar os motivos que
levam as ETNs a se expandirem internacionalmente, iniciando em 1960 com o trabalho de
Raymond Vernon a respeito do ciclo de vida do produto. De acordo com essa teoria, todo produto
teria um ciclo de vida que se inicia com o processo de inovação, passa pela sua maturidade e cai
para um eventual processo de obsolescência. Em uma fase inicial, as empresas exportam seus
produtos de seus países de origem, mas na medida em que o produto vai tornando-se maduro, os
processos de padronização e a difusão da tecnologia estimulam outras empresas a entrarem nesse
mercado. A fim de deter o avanço dos competidores, as ETNs optam por estabelecer bases
produtivas em outros países. O IED, sob o ponto de vista de Vernon, seria um instrumento usado
pelas ETNs para manter seu poder monopolista.
Outra contribuição, segundo Gilpin (2001), foi a teoria eclética de John Dunning, cujo foco era o
papel da tecnologia no desenvolvimento das ETNs. Os avanços tecnológicos nas áreas de
comunicação e transportes tornaram viável a organização de negócios e produções em uma base
global. Além disso, a causa do sucesso das ETNs seria as características únicas que esses tipos de
26
empresa possuem, tais como: as vantagens de propriedade, a localização e, o mais importante, a
internacionalização. O processo de internacionalização, na grande maioria das vezes feito através
e IED, está relacionado ao fato de as ETNs optarem por se estabelecer através de plantas
produtivas em outros países, mesmo que essa não seja a opção economicamente mais atrativa, a
fim de garantirem vantagens monopolistas como uma marca ou uma tecnologia. A vantagem
relacionada à localização significa que as ETNs têm acesso a fatores de produção em diversos
locais do mundo e podem optar por aqueles com menores custos de mão-de-obra, por exemplo.
A terceira abordagem a respeito do tema mencionada por Gilpin (2001) é de Porter, que discute
as vantagens competitivas e entende que existe uma cadeia de valor associada às atividades de
negócios internacionais. As empresas podem escolher quais atividades dessa cadeia pretendem
realizar e onde as mesmas serão efetivadas. Segundo essa teoria, a grande vantagem das ETNs
sobre as empresas domésticas é a possibilidade de acesso a uma grande variedade de estratégias
que permitem escolher o local mais eficiente para a realização de suas atividades.
Essencialmente, as ETNs teriam uma maior variedade de opções estratégicas que aquelas
disponíveis, mesmo para as maiores empresas domésticas. Essas estratégias incluem não somente
o IED, mas, também, as alianças estratégicas, o outsourcing de produção de componentes e o
licenciamento de tecnologia.
Gilpin (2001) destaca, ainda, a visão dos economistas marxistas, que discutem as vantagens
comparativas entre países. Para Stephen Hymer o capitalismo monopolista é dominado por duas
leis. A primeira delas é de que as ETNs buscam sempre um crescimento contínuo tanto em escala
de produção como em escopo. Elas se expandem dentro e além das fronteiras nacionais sendo
que, no núcleo de sua estrutura, estão as economias capitalistas desenvolvidas e na periferia, os
países menos desenvolvidos. A segunda lei refere-se ao desenvolvimento desigual, ou seja, as
ETNs, que devido ao seu tamanho, mobilidade e poder exercem controle e exploram os países de
operação em interesse próprio. As suas atividades dividem o mundo em economias capitalistas
27
desenvolvidas ao norte e economias em desenvolvimento ao sul, sendo ambas aspectos
complementares do capitalismo internacional.
Finalmente, Gilpin (2001) cita a perspectiva estado-cêntrica das ETNs, cujos defensores (o autor
cita Paul Doremus como sendo um deles), acreditam que a importância das ETNs advém do
interesse dos Estados em manter e aumentar seu poder. Segundo ele, claramente como seguidor
dessa perspectiva estado-cêntrica, caso não houvesse consenso e cooperação entre os países
economicamente mais poderosos, as ETNs perderiam seu papel predominante na economia
mundial.
Rugman (2005) descreve, ainda, outro modelo de internacionalização, defendido pela Escola
nórdica e que afirma que as ETNs se estabelecem em países hospedeiros de forma gradual. O
modelo leva em consideração a necessidade de um período de aprendizagem no que se refere aos
mercados envolvidos.
É importante observar que todas as teorias apresentadas não abordam a relação das ETNs com os
governos dos países hospedeiros. No caso das ETNs, está claro que a sua estratégia de se
estabelecer em outros países visa atender ao interesse em manter seu poder monopolista, bem
como à necessidade de busca constante da eficiência de suas operações. Os interesses dos países
hospedeiros não foram discutidos, mas, como será visto nos próximos tópicos, existe uma relação
de barganha entre ambos, ETNs e países hospedeiros, cujas características mudaram a partir da
década de 90.
Outro aspecto importante, relacionado à expansão das ETNs, é a sua crescente influência no
comércio internacional que, por sua vez, se confunde com o fenômeno da globalização. Com
efeito, diversos autores entendem que a importância das ETNs no comércio mundial e o
fenômeno da globalização são aspectos relacionados entre si.
28
Rugman (2005) afirma que as empresas transnacionais são os principais atores e responsáveis
pela condução do processo de globalização. Na mesma linha de entendimento, segundo Gilpin
(2001), as ETNs são um aspecto fundamental dentro do processo de globalização da economia
mundial.
Dessa forma, a discussão a respeito das empresas transnacionais envolve, necessariamente, a
abordagem do tema da globalização.
2.1.2. Globalização e empresas transnacionais
Assim como as ETNs são um tema controverso no meio acadêmico, a globalização também é
objeto de intensa discussão, conforme pode ser visto a seguir.
Guedes (2005, p. 115) define globalização como “... o processo pelo qual as atividades estatais
são desagregadas em favor de uma estrutura de relações entre diferentes atores que operam em
um contexto global”. Refletindo a polêmica, afirma, ainda, que “...todos dizem saber que a
globalização existe, mas ninguém sabe dizer exatamente do que se trata”. A autora discute se se
trata de um “... acontecimento histórico real e extremamente significativo...” ou apenas uma “...
construção ideológica ou mítica de valor explicativo marginal...” (Guedes, 2005, p. 116).
Guedes (2005) apresenta dois pólos teóricos opostos que dominam a literatura sobre o assunto
com base em Held e McGrew (2000). O primeiro deles, defendido pelos céticos, que reconhece a
importância das fronteiras nacionais nos aspectos políticos, econômicos, sociais e legais
correspondentes. O segundo pólo é representado pelos globalistas que não reconhecem a
globalização como um constructo ideológico ou sinônimo de imperialismo ou colonialismo.
29
A visão dos céticos destaca os aspectos políticos do fenômeno e tem um caráter nacionalista
bastante acentuado. Por outro lado, os globalistas procuram entender a globalização como um
fenômeno que apresenta diversas facetas, não somente política, mas também social, econômica e
cultural.
Scholte (1997) apresenta três diferentes entendimentos a respeito do tema. O primeiro identifica
globalização como um aumento das relações transfronteiriças dos países, ou seja, um fenômeno
de internacionalização, representando um aumento de trocas entre países tanto no que se refere à
venda de bens e serviços, quanto a investimentos, trânsito de pessoas, mensagens e idéias. Dentro
do segundo entendimento, globalização seria um processo de abertura de fronteiras em larga
escala, na medida em que os Estados reduzem as barreiras regulatórias para o comércio
internacional. Nesse sentido, globalização é sinônimo de liberalização. O terceiro conceito aborda
a globalização como uma mudança fundamental na geografia humana, onde o autor afirma que
estamos em um mundo em processo de globalização e não em um mundo globalizado.
Para Gilpin (2001), a globalização tem lados opostos, uma vez que, enquanto a competição
econômica e os mercados financeiros estão tornando-se cada vez mais globais, a produção e os
serviços têm tornado-se cada vez mais regionais. O autor baseia sua afirmação na análise dos
fluxos de IED que mostram que 85% do total de investimento estrangeiro, em meados dos anos
1990, ocorreram entre os membros da chamada Tríade do Poder (Estados Unidos, Europa
Ocidental e Japão). Além disso, os fluxos de IED norte-americanos têm sido redirecionados para
o México, os japoneses preferem subcontratar empresas na Ásia e os alemães têm voltado seus
investimentos para os países da Europa Oriental como, por exemplo, a República Tcheca e a
Bulgária. A única exceção a esse movimento tem sido a China, devido ao seu baixo custo de
mão-de-obra e seu imenso mercado consumidor.
Rugman (2005) se manifesta de forma semelhante a Gilpin (2001) afirmando que o aspecto
30
regional deveria ser entendido como parte do processo de globalização e que as especificidades
de cada país devem ser levadas em consideração. O autor mostra que a grande maioria das
multinacionais consideradas como empresas globais poderia ser considerada apenas como
regionais. O autor menciona um estudo anterior, realizado em 2000, onde avaliou o perfil das
maiores 500 empresas do mundo, mostrando que quatrocentos e trinta delas, ou seja, 86% do
total, possuem seu centro corporativo em um dos países da chamada “Tríade do Poder”, ou seja,
Estados Unidos, Japão e Comunidade Européia.
À parte da discussão acadêmica a respeito da real dimensão das ETNs, é inegável que as mesmas
exercem um papel fundamental dentro do contexto do comércio internacional, conforme será
analisado a seguir.
2.1.3. Expansão das empresas transnacionais e investimento externo direto
Segundo Stopford e Strange (1991), a importância das ETNs no comércio internacional começou
a crescer a partir da década de 1970, quando se iniciou um processo que resultou em mudanças
estruturais, ocorridas em termos mundiais, no que se refere aos aspectos de segurança, finanças e
conhecimento. Os autores destacam a tecnologia como força direcionadora desse processo,
flexibilizando e agilizando os processos produtivos e, ao mesmo tempo, possibilitando a oferta de
novos produtos e serviços em substituição dos antigos de forma cada vez mais rápida. As ETNs
passaram a ter maior flexibilidade no momento da alocação de seus recursos nos diversos países,
com maior poder de decisão sobre os quatro principais fatores de produção: terra, trabalho,
capital e tecnologia. Por outro lado, esse mesmo avanço gerou um aumento dos riscos para as
ETNs, que se viram obrigadas a avaliar com maior critério suas opções de uso da tecnologia,
31
necessidades de mudanças de gerenciamento e formas de produção.
O entendimento da importância do papel da tecnologia no processo de evolução das ETNs é
compartilhado por diversos autores. Scholte (1997) entende que as inovações tecnológicas
contribuíram para o processo de globalização. Gilpin (2001) cita a teoria eclética de John
Dunning, segundo a qual a tecnologia é o fator de desenvolvimento das ETNs, sendo que a
revolução nos meios de comunicação e de transportes foi o que viabilizou a produção e o
gerenciamento dos negócios dentro de uma base global.
Sklair (1998) esclarece que, no passado, as ETNs buscavam manter suas bases produtivas
próximas ao mercado de consumo. No entanto, o avanço da tecnologia, com efeitos nas
telecomunicações e nos transportes, eliminou essa necessidade, na medida em que os sistemas de
informação estão conectados e a cadeia de distribuição foi expandida. Como exemplo, o autor
informa que, em 1960, a grande maioria dos países europeus possuía uma fábrica de sabão da
Unilever e, agora, a empresa opera de uma grande base produtiva localizada na Inglaterra, de
onde abastece toda a Europa.
Stopford e Strange (1991) ressaltam que outro fator de mudança foi a elevação dos custos de
inovação, de tal forma que a demora na decisão a respeito dessas mudanças poderia levar ao
fracasso e à perda de lucro. Os autores afirmam que as pressões de redução dos custos causadas
pelos gastos cada vez mais elevados em inovação, a redução do ciclo de vida dos produtos e o
aumento dos riscos do negócio tiveram um profundo impacto nas ETNs, gerando o que se chama
atualmente de competição global.
Diante de um cenário onde a tecnologia abriu possibilidades de as ETNs gerenciarem suas
plantas e produtos de forma global, mas que, ao mesmo tempo, passaram a enfrentar uma
competição cada vez mais acirrada, houve uma profunda transformação na relação entre as ETNs
e os governos dos países hospedeiros, ou seja, aqueles onde as empresas decidiram instalar suas
32
subsidiárias. Segundo Dunning (1998), a partir de meados da década de 80, as ETNs e os Estados
deixaram de se relacionar como adversários para atuarem de forma cooperativa. Esse tema será
analisado no momento da abordagem do modelo da diplomacia triangular no item 2.2.
A expansão das ETNs nos diversos países do mundo ocorre, principalmente, por meio de IED,
através do qual as ETNs buscam estabelecer-se de forma permanente em outras economias
(Gilpin, 2001).
Segundo Gonçalves (2005), a ETN é o principal agente de realização de IED, não somente pela
sua enorme capacidade de mobilização de recursos em escala global, como também pelas suas
relações com seus respectivos países de origem. O autor afirma, ainda, que o IED “...apresenta
um comportamento pró-cíclico, isto é, acompanha o ciclo de evolução da economia mundial”
(Gonçalves, 2005, p.182). Dentro desse contexto, constata-se um crescimento do IED,
alavancado pelo crescimento da economia americana, de US$ 332 bilhões em 1995 para US$
1.393 bilhão em 2000 (Gonçalves, 2005).
Gilpin (2001) informa que, entre 1985 e 1990, o IED cresceu com uma taxa de 30% ao ano, mas,
segundo o autor, os fluxos de IED não estão distribuídos de maneira uniforme entre os diversos
países, estando concentrados nos Estados Unidos e Europa. Mesmo entre os países em
desenvolvimento, essa distribuição é desigual e concentrada no Brasil, México e mercados
emergentes da Ásia, sendo que a China é o país que mais recebe IED.
O autor apresenta uma crítica ao processo de globalização e à distribuição desigual de IED entre
os países, especialmente quando se trata da África, onde se localizam os países menos
desenvolvidos do mundo:
...the least developed countries in Africa and elsewhere have received a pitifully small percentage of the total amount invested in the developing world. Need it be said that this skewed distribution does not fit the image of globalization! (Gilpin, 2001, p.289).
33
Outra característica dos fluxos de IED entre os diversos países é, segundo Walter (1998), a
relação inversamente proporcional entre o grau de liberdade para a entrada e saída de IED e a
importância do país como um local para o IED. O exemplo mais importante seria a China que
possui políticas restritivas ao IED e, ao mesmo tempo, os maiores fluxos de IED, tendo em vista
ser o maior mercado mundial.
No caso do Brasil e referindo-se, principalmente, ao processo de abertura da economia brasileira
através das privatizações na década de 1990, Gonçalves (2005) afirma que o fluxo de IED não
gerou aumento de capacidade produtiva, mas apenas a transferência de titularidade de empresas.
Uma das principais conseqüências do processo de privatização brasileiro foi, portanto, uma forte
desnacionalização da economia nacional, com o aumento da participação de ETNs na lista das
550 maiores empresas brasileiras com grande repercussão no comércio exterior brasileiro
(Gonçalves, 2005).
A partir de 2000, com o esgotamento do processo de privatização, observam-se uma tendência de
declínio do IED e um aumento do fluxo de capitais provenientes de paraísos fiscais, como:
Bermudas, Ilhas Virgens e Ilhas Caimã. Esse aumento pode ser explicado pela política de altas
taxas de juros adotada pelo governo federal (Gonçalves, 2005).
A explosão de IED na década de 1990 teve como conseqüência uma maior aproximação entre
ETNs e Estados, sendo que estes últimos passaram a enfrentar uma redução do seu poder de
controlar os acontecimentos econômicos. Essa mudança no balanço de forças entre os diversos
atores do comércio internacional motivou a criação de um modelo que tenta refletir o novo jogo
da diplomacia (Stopford e Strange, 1991).
34
2.2. Modelo da diplomacia triangular
Segundo Stopford e Strange (1991), mudanças na economia política internacional, ocorridas entre
as décadas de 70 e 80, alteraram completamente a estrutura das indústrias, bem como o balanço
das forças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Essas mudanças incluem o
desenvolvimento de novas tecnologias que permitiram uma dramática redução do custo dos
materiais, dos transportes e da comunicação, além do aumento dos níveis de automação com a
conseqüente redução do uso da mão-de-obra nos países desenvolvidos. Além disso, houve uma
elevação no custo da pesquisa e do desenvolvimento, a redução da vida útil dos produtos e o
aumento dos riscos para lançamentos de novos produtos.
Os países em desenvolvimento, que baseavam sua estratégia em oferecer mão-de-obra com custo
baixo, viram sua vantagem comparativa esvair-se na medida em que a demanda por mão-de-
obra pelos países desenvolvidos também caiu. Além disso, seu poder de controlar as forças
econômicas, bem como a produção, diminuiu, uma vez que a visão do mercado passou a ser
global e nem sempre os eventos produtivos ocorrem dentro de suas fronteiras. Assim, eles não
mais podem comandar, mas passam a ter que barganhar com as ETNs (Stopford e Strange, 1991).
Essa relação de barganha levou os governos a reverem seus critérios anteriormente rígidos,
buscando abrir seu mercado para investidores potenciais através de incentivos generosos
(Stopford e Strange, 1991).
O enfraquecimento do poder de barganha dos governos é explicado por Scholte (1997) através do
conceito de produção global, que levou a um cenário de mobilidade de capital e trabalho. Para o
autor, as ETNs são capazes de produzir globalmente, ou seja, têm o poder de decidir por instalar
suas bases de operação em qualquer lugar do mundo onde obtiverem as condições de custo e
35
regulatórias mais favoráveis e compatíveis com seus interesses.
Se por um lado, as ETNs viram aumentar sua força, as negociações com os governos não se
tornaram mais fáceis, uma vez que os mesmos mantiveram parte do seu poder. Conforme
esclarecem Stopford e Strange (1991), as ETNs não podem simplesmente ignorar os países em
desenvolvimento, uma vez que os mesmos representam um grande mercado potencial além de
serem fornecedores de matérias-primas.
A partir desse novo cenário, onde ETNs e governos se vêem obrigados a rever suas estratégias de
relacionamento, Stopford e Strange (1991) argumentam que uma nova forma de diplomacia
estaria sendo desenhada, onde governos não mais apenas negociam entre si, mas também com
empresas que, por sua vez, também interagem e formam alianças estratégicas.
Essas novas formas de interação estariam dentro de um novo modelo de diplomacia, denominado
pelos autores de diplomacia triangular (ver figura 1).
Figura 1 – Modelo de Diplomacia Triangular
Fonte: Compilação da autora a partir de Guedes (2004, p.6)
Na sua análise do modelo da diplomacia triangular, Stopford e Strange (1991) decidiram
concentrar-se no vértice da relação governo-empresa deixando as considerações a respeito das
outras interações como fatores que se modificam em circunstâncias específicas.
Anos mais tarde, Stopford (2005) reviu o modelo da figura 1 e sugeriu a inclusão de novos
36
aspectos a serem considerados no jogo da diplomacia internacional. Para o autor, a diplomacia
triangular aplicava-se a um mundo onde o poder era determinado pela soberania do governo,
mas, segundo o autor, a nova direção aponta para um mundo de integração. Dentro desse novo
contexto, há de serem considerados novos fatores de influência. O primeiro deles é a relação
entre os governos e destes com os Estados Unidos, a única superpotência da atualidade. O
segundo fator é o balanço de poder entre governos e mercados, e o terceiro, entre indivíduos e
governos. O autor acrescenta, ainda, a atuação das organizações não-governamentais (ONGs)
como outro importante aspecto a ser levado em consideração. Essas entidades atuam em três
áreas principais: relações trabalhistas, direitos humanos e meio ambiente. Em todas elas, as ETNs
são consideradas como adversárias.
Walter (1998) já apontava para a ação das ONGs que buscavam influenciar as cláusulas
referentes à mão-de-obra e ao meio ambiente no processo de negociação de acordos multilaterais
entre os Estados Unidos e os países em desenvolvimento.
Para Stopford (2005), as relações de barganha no futuro não estarão restritas à matriz de uma
empresa e à autoridade de um governo. Ao contrário, haverá uma grande variedade de
relacionamentos, envolvendo diversos atores.
Para fins do presente estudo, a dimensão governo-governo não será tratada, pois foge do escopo,
exigindo uma investigação em outro nível de análise.
37
2.2.1. As relações governo-empresa
Conforme já foi dito no item anterior, as relações entre governos e ETNs sofreram uma profunda
modificação a partir da década de 90, levando a uma redução do controle dos primeiros sobre os
eventos econômicos. A evolução tecnológica, que permitiu a mobilidade das ETNs, aumentou o
seu poder de barganha frente à imobilidade dos governos. Dessa forma, mantiveram controle
sobre a entrada em seus mercados nacionais, mas não podem mais controlar a produção, que
passa a ocorrer em bases globais, nem mesmo o fluxo de pessoas ou de idéias (Stopford e
Strange, 1991).
A relação governo – ETN é um tema dominante no estudo de política internacional, onde se
discute o choque entre a crescente interdependência na economia mundial e o desejo dos
governos de manter sua autonomia política e econômica. Ao mesmo tempo em que desejam
usufruir os benefícios do comércio livre e dos investimentos estrangeiros, os governos querem
manter seus valores culturais e sua estrutura social (Gilpin, 2001).
Gilpin (2001) aborda essa questão discutindo e criticando a visão de Ohmae. Segundo o consultor
japonês, as ETNs são uma poderosa força independente que rivaliza e, até mesmo, prevalece
sobre os Estados em termos de importância. Ohmae argumenta que as ETNs perderam as
características de seus países de origem na medida em que se viram obrigadas a estabelecer
alianças ou se unir a outras empresas de outras nacionalidades. Essas alianças são necessárias,
principalmente, para atender à necessidade de as empresas obterem acesso a mercados
estrangeiros e de dividir os custos crescentes de pesquisa e desenvolvimento.
Em oposição ao entendimento de Ohmae, ou seja, argumentando que os governos mantiveram
sua soberania, Gilpin (2001) posiciona-se como defensor da visão estado-cêntrica, segundo a qual
38
as ETNs são fortemente influenciadas pelo seu país de origem e que as diferenças encontradas
nas estratégias corporativas são explicadas a partir das estruturas institucionais, políticas,
econômicas e sociais de seus países de origem. Assim, as ETNs são empresas nacionais com
operações em outros países, mas que estão profundamente ligadas aos seus respectivos países de
origem. As alianças citadas anteriormente teriam valor na medida em que criam laços
transnacionais, mas são essencialmente instáveis, uma vez que as ETNs, fora do campo onde
concordaram em atuar em conjunto, mantêm suas atividades como empresas rivais. Para reforçar
essa visão, Gilpin (2001) cita, ainda, Porter (1990) que afirma que as ETNs continuam a ser
empresas nacionais uma vez que sua vantagem competitiva é criada e mantida em seu país de
origem.
Stopford e Strange (1991) também compartilham o entendimento de Gilpin (2001) e afirmam que
os governos têm atuação importante no jogo do comércio internacional.
Como foi explicado, a prevalência das ETNs sobre os governos no jogo de barganha da economia
internacional é tema de discussão do meio acadêmico. Um entendimento compartilhado entre
Dunning (1998), Guedes (2004) e Walter (1998) é de que os governos, buscando adequar-se ao
novo cenário de uma economia global e integrada, adotaram duas estratégias. A primeira foi
reduzir as barreiras ao investimento externo, mudando sua forma de se relacionar com as ETNs,
anteriormente repleta de antagonismo. Por outro lado, passaram a apresentar requerimentos que
exigem uma maior participação das ETNs nas suas respectivas economias nacionais.
Dunning (1998) faz uma revisão do relacionamento entre ETNs e Estados afirmando ser uma
relação difícil que pode chegar, em alguns casos, à hostilidade em situações de expropriação ou
nacionalização de bens de propriedade estrangeira. No caso dos países latino-americanos, existia
uma preocupação com o aumento da dependência econômica e perda da soberania em um cenário
de crescimento do IED. O autor mostra que, nos anos 90, a discussão entre ETNs e Estados
39
mudou para um contexto onde os últimos buscam promover ações para supervisionar as
atividades das ETNs.
Segundo Guedes (2004), os Estados perderam poder de barganha para as ETNs que controlam o
capital e a tecnologia. Diante desse novo quadro, os governantes dos países em desenvolvimento
mudaram seu discurso, anteriormente contra as ETNs, para uma linguagem mais amigável e
flexível.
Walter (1998) questiona as teorias de globalização que sugerem que Estados e cidadãos tenham
perdido poder frente às ETNs. O autor afirma que, se as ETNs tivessem realmente todo o poder
de barganha a elas atribuído, países com a China, que, segundo ele, não possui regras liberais
para investimentos estrangeiros, não receberiam fluxos significativos de IED.
Gilpin (2001) e Walter (1998) prescrevem a implantação de políticas regulatórias fortes que
incentivem a competição dentro do mercado doméstico como forma de minimizar o risco de
perda da soberania dos governos frente à grande concentração de poder econômico e político
pelas ETNs.
Na mesma linha de entendimento, no caso do Brasil, Gonçalves (2005) alerta que o efeito
negativo na balança de pagamentos, causado pelas dívidas das subsidiárias de ETNs com as suas
respectivas matrizes, bem como a grande concentração de IED na área de serviços não
comercializáveis internacionalmente, pode levar à necessidade de se impor critérios de
desempenho às ETNs. O autor alerta que, no entanto, esse tipo de ação pode criar conflitos de
interesses no país (lutas intra-estatais) e as relações entre o Brasil e outros países (relações
interestatais).
A relação governo-ETNs é, portanto, repleta de conflitos e interesses divergentes. A busca de um
entendimento entre ambas as partes implica em um processo de negociação que, conforme o
40
modelo da diplomacia triangular, envolve não somente o governo e a ETN, mas, ainda, a sua
subsidiária e até mesmo o país de origem da ETN.
O papel político das ETNs frente aos governos é discutido e duramente criticado por Sklair
(1998), que afirma que os métodos usados pelas ETNs para influenciar os governos a favor de
seus interesses têm tornado-se cada vez mais sutis, em contraposição às ações explícitas, como
aquela que derrubou o presidente chileno Salvador Allende, cuja queda teria sido articulada pela
empresa norte-americana ITT.
A partir da análise de um relatório do Observatório Europeu Corporativo (Corporate Europe
Observatory), Sklair (1998) afirma que as ETNs têm acesso aos mais altos escalões dos governos
e obtido considerável sucesso no atendimento de seus interesses. O autor questiona se essa ação
representa um risco para a democracia. Segundo ele, se, por um lado, as ETNs, como empresas
legalmente estabelecidas, têm o direito de defender seus interesses, há de se considerar que a
maior parte dos acordos de investimentos é altamente não-democrática em sua estrutura e
processo.
Grosse (2005) e Murtha e Lenway (1994) desenvolveram tipologias buscando analisar a relação
governo-empresa.
Buscando entender a dinâmica da relação entre governo e ETNs, Grosse (2005) elaborou um
modelo de três dimensões e, a partir da avaliação de diversos segmentos – bancos, petróleo e
computadores – concluiu que a mudança da condição econômica de um Estado parece ser o
principal direcionador da mudança de relacionamento entre este e uma ETN. Para Grosse (2005),
governo e ETN possuem recursos e interesses, e o contexto de barganha representa aqueles
recursos e interesses comuns. O Estado tem o direito de decidir a respeito do acesso da ETN ao
seu território e à sua mão-de-obra, bem como ao conhecimento local. A ETN, por seu lado,
possui o conhecimento proprietário, acesso a outros mercados e recursos financeiros. O poder de
41
barganha oscila de um lado para outro, dependendo dos interesses em jogo e o modelo acima
aplica-se não somente aos países em desenvolvimento, como também àqueles pertencentes à
“Tríade do Poder”.
Além disso, há de se considerarem as perdas que cada lado pode sofrer caso não se chegue a um
acordo negociado. No caso do Estado, essa perda pode envolver, ainda, uma deterioração no
relacionamento diplomático com o país de origem da ETN. Do lado da ETN, a perda está
relacionada à proibição de acesso a um determinado mercado, a recursos naturais e a outros
fatores de produção. No cenário acima descrito, na década de 90, o poder de barganha estava do
lado das ETNs, onde os Estados em desenvolvimento entraram em disputa por investimentos de
ETNs em seu território. No entanto, essa não é a regra, pois no caso de países como a China, a
perda do acesso ao maior mercado do mundo poderia trazer danos financeiros irreparáveis a uma
ETN (Grosse, 2005).
Murtha e Lenway (1994) desenvolveram um modelo a partir do qual analisaram como as
políticas implementadas pelos governos afetam as estratégias das ETNs. Baseando-se nas
variáveis de alocação dos direitos de propriedade entre público e privado e de alocação das
transações interorganizacionais, foi desenvolvido um modelo que busca refletir os diversos
aspectos da intermediação de interesses entre público e privado, conforme mostra a figura 2.
42
Figura 2 – Sistemas de intermediação de interesses entre público e privado
Fonte: Murtha e Lenway apud Guedes (2007, p. 89)
O princípio básico do modelo reside na teoria de Weber, que distingue as estruturas
organizacionais que englobam os diversos órgãos do governo e os grupos de decisão. Os autores
esclarecem que, para Weber, grupos de decisão são aquelas pessoas que efetivamente governam o
país, ou seja, o governo e as estruturas são o Estado. Em princípio, o Estado, por ser regido por
leis e valores, deveria permanecer estável ao longo do tempo, ao passo que os governantes
mudam periodicamente. Conseqüentemente, a habilidade de os governantes implantarem e
manterem políticas consistentes depende das estruturas do Estado, das políticas nacionais e da
expectativa da sociedade.
Os autores definem capacidade estratégica como a capacidade de o governo formular e implantar
estratégias industriais que, por sua vez, afetam as estratégias das ETNs, ou seja, levam essas
empresas a agirem de uma forma que não estava prevista inicialmente em seus critérios
43
estratégicos. As capacidades estratégicas são em função dos arranjos institucionais que podem
variar entre os diversos países. Tais arranjos referem-se à alocação dos direitos de propriedade
entre público e privado, bem como à alocação das transações interorganizacionais entre
instituições públicas e de mercado.
A implantação de políticas industriais depende principalmente de dois fatores. O primeiro deles é
a especificidade do alvo da política, fator que descreve o grau com que o governo é capaz de
desagregar e isolar as diversas atividades da economia como objeto de política de intervenção.
Assim, tais políticas podem atingir setores, indústrias ou empresas e, na medida em que a
especificidade aumenta, também aumenta a capacidade de o governo beneficiar empresas ou
indústrias e seus respectivos consumidores. Outro fator é a credibilidade política dos governantes
de estarem, aos olhos dos outros atores envolvidos no processo, realmente comprometidos a agir
de forma consistente com a política definida.
Os autores afirmam que a credibilidade política de um governo aumenta na medida em que
diminui a sua influência nas transações e o setor público reduz sua participação nos direitos de
propriedade.
Para fins deste estudo, o foco será no modo da intermediação corporativista, onde foi classificado
o Brasil, a partir do estudo realizado pelos autores. Nesse modo de intermediação, os órgãos de
controle das empresas privadas, como, por exemplo, as associações de indústrias e sindicatos,
trabalham de forma colaborativa com os governos. Além disso, a indústria e os trabalhadores
relacionam-se com o governo através de associações oficialmente reconhecidas para discutirem
políticas sociais e econômicas. Outro aspecto importante é que os países classificados como
corporativistas podem beneficiar as empresas domésticas em detrimento das estrangeiras, o que
pode afetar a competitividade das empresas nacionais.
Stopford e Strange (1991) analisaram o grau de abertura das economias nacionais, ou seja, a
44
política adotada pelos governos para incentivar ou reprimir exportações e importações, buscando
avaliar o impacto nos fluxos de IED entre os diversos países no mundo. Os autores classificam as
políticas internas dos governos nos períodos antes e depois do choque do petróleo, ou seja, 1963-
73 e 1973-85. Foram selecionadas quatro categorias, sendo um dos extremos uma política aberta,
ou seja, fortemente voltada para o ambiente externo com poucas barreiras ao comércio
internacional tanto nas exportações como nas importações. Nessa situação, classificam-se países
como: Singapura e Coréia do Sul. No outro extremo, encontram-se as economias fechadas, ou
seja, com altos incentivos para o comércio doméstico e taxas de câmbio sobrevalorizadas. Dentro
dessa categoria, encontram-se países como: Peru, Bolívia e República Dominicana. O Brasil foi
classificado como um país com uma política moderadamente aberta, o que significa que o país
favorece a produção para o mercado interno, a taxa de proteção média do mercado interno é
relativamente alta, as importações são controladas e a taxa de câmbio é ligeiramente
superavaliada.
A classificação de Sotpoford e Strange (1991) é coerente com aquela de Murtha e Lenway
(1994), uma vez que ambas enquadram o Brasil como um país com perfil relativamente
protecionista.
No caso da indústria farmacêutica, o foco principal da dimensão governo-empresa será a análise
das relações entre a ANVISA e a subsidiária do laboratório estrangeiro. As relações entre a
ANVISA e o laboratório nacional serão o foco secundário da análise.
2.2.2. As relações empresa-empresa
Para fins deste estudo, essa dimensão está refletida na relação matriz-subsidiária, tendo sido
45
analisadas as tipologias que buscam descrever o papel exercido pela subsidiária dentro da
corporação, sua capacidade de desenvolver vantagens competitivas e seu processo evolutivo
(Bartlett e Ghoshal, 2000b; Birkinshaw, Hood e Jonsson, 1998; Birkinshaw e Hood, 1998;
D’Cruz, 1986; Fleury e Fleury, 2001; Rugman e Verbeke, 2001).
A tipologia apresentada por Bartlett e Ghoshal (2000b) define os diferentes papéis que as
subsidiárias exercem de acordo com dois direcionadores. O primeiro deles é a importância
estratégica do ambiente onde a subsidiária está instalada, que pode ser um grande mercado
consumidor, a sede de um competidor ou, ainda, um mercado avançado tecnologicamente. O
segundo é a competência organizacional da subsidiária que pode estar localizada em áreas como:
tecnologia, produção, marketing, entre outras.
Os autores apresentam quatro papéis possíveis, considerando diferentes combinações de níveis de
importância estratégica do ambiente e competência local, conforme o quadro abaixo:
Figura 3 – Tipologias de papéis das subsidiárias
Fonte: Bartlett e Ghoshal apud Oliveira Jr. e Borini (p. 4, 2004)
Para Bartlett e Ghoshal (2000b), o líder estratégico é aquela subsidiária altamente competente e
localizada em um mercado estrategicamente importante. O contribuidor é aquela subsidiária que
opera em um mercado pequeno ou sem importância estratégica, mas que possui alta competência.
O implementador é aquele que se localiza em um mercado de menor importância estratégica, mas
46
que possui capacidade suficiente para manter sua operação local. A grande maioria das
subsidiárias exerceria o papel de implementadoras. Finalmente, o buraco negro são aquelas
subsidiárias que se encontram localizadas em mercados estrategicamente importantes, mas não
foram capazes de desenvolver capacidades para manter uma presença forte. Trata-se de uma
situação, segundo os autores, estrategicamente inaceitável.
D’Cruz (1986) classifica as subsidiárias quanto ao seu escopo geográfico e autonomia na tomada
de decisões. A figura 4 mostra os seis diferentes papéis que podem ser assumidos por uma
subsidiária.
Figura 4 – Classificação das subsidiárias conforme grau de autonomia e escopo geográfico das responsabilidades
Fonte: D’Cruz, J. apud Oliveira Jr. e Borini (2004, p. 4)
Conforme esclarecem Oliveira Jr. e Borini (2004), D’Cruz (1986) define as subsidiárias
“importadoras” como aquelas responsáveis por atividades locais ou, no máximo, de escopo
regional, com baixa autonomia na tomada de decisões. Os autores realizaram um survey entre as
mil maiores subsidiárias de multinacionais instaladas no Brasil, buscando identificar a sua
relevância estratégica dentro das suas respectivas corporações. Os resultados mostraram que 57%
das subsidiárias não possuíam responsabilidade internacional e poderiam ser enquadradas como
implementadoras dentro do modelo de Bartlett e Ghoshal (2000b). Além disso, o resultado do
survey mostrou que a segunda razão mais apontada por seus respondentes, para a inexistência de
responsabilidade internacional, era a centralização na tomada de decisões. Os autores, dessa
forma, estendem seu entendimento e classificam essas subsidiárias como meras importadoras,
47
dentro da tipologia de D’Cruz (1986).
Fleury e Fleury (2001) identificam três tipos diferentes de subsidiárias. O Tipo I é definido como
sendo a subsidiária como braço operacional, ou seja, aquela que apenas executa os planos
estabelecidos pela matriz. O Tipo II considera a subsidiária como uma unidade relativamente
autônoma, ou seja, possui certo grau de autonomia em relação à matriz. O terceiro e último é o
Tipo III, onde a subsidiária exerce o papel de um centro de competências, possuindo autonomia
administrativa e liderança em determinados tipos de produtos e serviços.
Além das tipologias acima descritas que tratam do papel das subsidiárias, Birkinshaw, Hood e
Jonsson (1998) analisaram como essas empresas podem contribuir para o desenvolvimento das
vantagens competitivas da ETN. Os autores identificam três perspectivas para o entendimento da
capacidade de contribuição da subsidiária, definida como sendo os recursos especializados das
subsidiárias e que são reconhecidos pela corporação, como um todo, como parte do processo de
agregação de valor. A primeira delas é o determinismo ambiental, que leva em consideração o
fato de as ETNs operarem em múltiplos ambientes, cada um com suas características próprias. A
segunda é a atribuição que a matriz determina para a subsidiária, ressaltando que cabe ao corpo
gerencial da matriz a definição das estratégias que serão implementadas em toda a ETN,
decidindo como cada subsidiária deverá atuar de forma a garantir que os objetivos sejam
atingidos. Finalmente, a escolha da subsidiária, que assume o domínio do mercado local por parte
do seu corpo gerencial, que, portanto, está em melhores condições de definir o papel da empresa
local. Os autores elaboraram um modelo que busca fazer a ligação entre os recursos da
subsidiária e as vantagens competitivas da ETN.
Segundo esse modelo, para que a subsidiária tenha recursos que possam ser considerados como
parte das vantagens competitivas da ETN, alguns requisitos devem ser atendidos. O primeiro
deles refere-se aos seus recursos, que devem ser os melhores e reconhecidos dentro da
48
organização. Além disso, esses recursos devem ser efetivamente usados pela corporação.
O modelo foi testado através de uma pesquisa envolvendo empresas do Canadá, Escócia e Suécia
sendo que, para fins do presente estudo, destacamos que a pesquisa mostrou que as subsidiárias
tinham maior probabilidade de ter um papel de contribuidor quando a competição no mercado
doméstico era fraca. Uma explicação para esse fato é que as subsidiárias que contribuem e tomam
iniciativas são predominantemente exportadoras e, portanto, não estão voltadas para o mercado
doméstico. Adicionalmente, a relação entre matriz-subsidiária tem um importante papel no
desenvolvimento da subsidiária e das iniciativas que a mesma adota dentro da corporação.
No mesmo ano, Birkinshaw e Hood (1998) apresentaram outro modelo, buscando integrar as três
perspectivas acima e que pudesse explicar o processo de evolução das subsidiárias definido como
sendo o aumento ou a atrofia das suas capacidades e o estabelecimento ou a perda de escopo. A
perda de escopo engloba mercados de atuação, produtos fabricados, conhecimento tecnológico
ou, ainda, áreas funcionais. Para os autores, a mobilidade latente de escopo e a competição entre
as subsidiárias por novos escopos são os principais direcionadores do processo de evolução. O
modelo resultou em cinco processos possíveis, considerando que a evolução ou a retração da
subsidiária pode ser conduzida tanto pela matriz quanto pela própria subsidiária. Os autores
consideram, ainda, uma situação em que a subsidiária reforça suas capacidades e consegue, dessa
forma, manter o seu escopo.
Rugman e Verbeke (2001) descrevem dez processos de desenvolvimento de vantagens
competitivas nas ETNs. Os autores consideram que existem vantagens locais e não-locais, sendo
a primeira aquela que atende às necessidades locais, mas não pode ser facilmente disseminada
dentro da corporação. Por outro lado, uma vantagem específica não-local é aquela que pode ser
explorada globalmente. Os autores mostram-se particularmente interessados naqueles processos
onde as subsidiárias, através de um comportamento autônomo, criam e retêm vantagens
49
competitivas que não são facilmente absorvidas pela corporação.
Chen e Cannice (2006) analisam o impacto nos custos operacionais da subsidiária como uma
função do processo de integração global com a sua matriz. Os autores destacam que as
subsidiárias de países em desenvolvimento têm desvantagens de custo quando são obrigadas, por
regras corporativas, a usar fornecedores definidos pela matriz e quando seus departamentos de
pessoal exercem controle através do envio de expatriados para as subsidiárias. A respeito do
primeiro item, alertam que os fornecedores, que são integrados globalmente na estrutura da ETN,
apesar de contribuírem com a elevação do nível de qualidade, muitas vezes representam opções
de custo mais elevado, principalmente devido a tarifas de importação altas, alto custo de mão-de-
obra e de matérias-primas dos países fornecedores. No caso dos expatriados, trata-se de uma
forma encontrada pela matriz para garantir que as estratégias serão corretamente implementadas.
Por outro lado, esses gerentes representam um alto custo para as subsidiárias. A partir de um
estudo realizado com as subsidiárias de países emergentes, os autores concluem, a respeito da
competição com as empresas nacionais, que nenhuma das subsidiárias era capaz de competir em
preço com os competidores nacionais, sendo que todas elas informaram possuir desvantagens de
custo e preço.
No caso da indústria farmacêutica, o foco principal da dimensão empresa-empresa será a análise
das relações entre a subsidiária e a sua matriz. A relação entre a subsidiária e o laboratório
nacional será o foco secundário da análise.
2.3. Critérios de análise
A seguir, serão apresentados os critérios adotados neste estudo, com base nas três dimensões do
50
modelo da diplomacia triangular. Para fins de coleta de dados, a dimensão governo-governo não
será tratada conforme informado no item 2.2.
Na dimensão governo-empresa, serão analisadas as relações entre a ANVISA e a subsidiária e
entre a ANVISA e o laboratório nacional, buscando avaliar como essas relações interferem no
desempenho de ambas as empresas.
Na dimensão empresa-empresa, serão analisadas as relações matriz-subsidiária, no caso do
laboratório estrangeiro, e entre a subsidiária e o laboratório e nacional selecionado.
Em outras palavras, as dimensões a serem abordadas neste estudo estão demonstradas na figura
abaixo, adaptada de Stopford e Strange (1991):
Figura 5 – Critérios de análise adequados ao modelo da Diplomacia Triangular
Fonte: Elaborada pela autora com base na Figura 1 anteriormente apresentada
2.3.1. Dimensão empresa-empresa
Como descrito anteriormente no subitem 2.2.2, Bartlett e Ghoshal (2000b) apresentaram quatro
AANNVVIISSAA –– ssuubbssiiddiiáárriiaa AANNVVIISSAA –– llaabboorraattóórriioo nnaacciioonnaall
MMaattrriizz -- ssuubbssiiddiiáárriiaa
LLaabboorraattóórriioo eessttrraannggeeii rroo -- LLaabboorraattóórriioo nnaacciioonnaall
51
papéis possíveis para as subsidiárias dentro da corporação de uma ETN. Entre eles, os autores
afirmam que o papel de implementador é o mais comumente adotado pelas subsidiárias.
Oliveira e Borini (2004) investigaram as maiores ETNs instaladas no Brasil e concluíram que a
maioria, cerca de 57%, poderia ser caracterizada dentro do papel de implementadoras conforme a
tipologia de Bartlett e Goshal (2000b) e, ainda, estabeleceram uma relação com a classificação de
D’Cruz (1986), que identifica as subsidiárias importadoras como aquelas que possuem baixa
autonomia na tomada de decisões.
No caso específico da indústria farmacêutica, conforme informa Queiroz (1993), as empresas
transnacionais centralizam em seus países de origem os dois primeiros estágios da cadeia de
produção farmacêutica, que compreendem a pesquisa e o desenvolvimento dos princípios ativos
(estágio I), e a produção dos fármacos (estágio II). Trata-se dos estágios que exigem os maiores
investimentos e requerem elevada capacitação tecnológica. Para os países hospedeiros, restam os
estágios restantes, que lidam essencialmente com os processos físicos e incluem a produção de
especialidades farmacêuticas (medicamentos), marketing e comercialização. Ou seja, pode-se
concluir que a maioria das subsidiárias de laboratórios estrangeiros localizadas no Brasil exerce o
papel de implementadora ou, ainda, importadora, significando que possuem pequena autonomia
no processo de tomada de decisão.
Portanto, é esperado que a subsidiária do laboratório estrangeiro selecionado exerça um papel de
implementadora e importadora dentro da estrutura da corporação, ou seja, não tem autonomia
para tomar decisões estratégicas. Essa é a primeira proposição deste estudo.
Ainda com foco na relação matriz-subsidiária, conforme descrito no subitem 2.2.2, Birkinshaw,
Hood e Jonsson (1998) definiram, através de um estudo realizado em empresas do Canadá,
Escócia e Suécia, quais seriam as características que levariam uma subsidiária a contribuir para a
criação de vantagens competitivas para a ETN. Os autores concluíram que a subsidiária deverá
52
estar localizada em países onde a competição doméstica é fraca, tendo suas atividades
predominantemente voltadas para a exportação. Além disso, deverá ter um bom relacionamento
com a matriz, para que suas iniciativas possam ser reconhecidas dentro da organização. Sendo
assim, considerando que o mercado brasileiro é extremamente competitivo, é esperado que a
subsidiária não contribua para a criação de vantagens competitivas dentro da estrutura
corporativa. Essa é a segunda proposição deste estudo.
No mesmo subitem 2.2.2, foi mostrado que Chen e Cannice (2006) afirmam que as subsidiárias
localizadas em países emergentes são prejudicadas pelas políticas adotadas pelas suas matrizes no
que se refere ao fornecimento de matérias-primas e o envio de expatriados. Isso teria impacto nos
custos, o que reduziria a sua competitividade em relação às empresas domésticas. No caso do
mercado farmacêutico brasileiro de genéricos, o estudo de Silva e Cohen (2004) demonstrou que
os laboratórios nacionais passaram a adotar os custos como uma arma estratégica após o advento
dos genéricos. Portanto, é esperado que a subsidiária não seja competitiva em preço quando
comparada aos seus concorrentes nacionais. Essa é a terceira proposição deste estudo.
2.3.2. Dimensão governo-empresa
No caso da dimensão governo-empresa, serão avaliadas as relações entre os laboratórios nacional
e estrangeiro com o órgão regulador dessa indústria, ou seja, a ANVISA.
O modelo de Murtha e Lenway (1994) classifica o Brasil como um país corporativista no qual o
governo tem participação ativa nas transações econômicas, mas, por outro lado, transfere a maior
parte dos direitos de propriedade para o setor privado. Por outro lado, um país classificado como
corporativista teria a tendência de beneficiar as empresas domésticas em detrimento das
53
estrangeiras.
Dessa forma, no que se refere à especificidade das políticas adotadas pelo governo, os autores
esperam que a mesma esteja mais direcionada para as indústrias. Por outro lado, a credibilidade
do governo, que para os autores depende mais da alocação dos direitos de propriedade, deverá ser
alta.
No caso do presente estudo, é esperado, portanto, que a relação entre o laboratório estrangeiro e a
ANVISA, em um país corporativista, seja mais difícil e conflitante que aquela entre o órgão
governamental e o laboratório nacional. Essa é a quarta proposição deste estudo.
54
3. METODOLOGIA
Para a definição da metodologia, foi usada a taxonomia de Vergara (2004) que utiliza dois
critérios básicos: quanto aos fins e quanto aos meios. A seguir, ainda segundo o critério de
Vergara (2004), foram determinados o universo e a amostra, bem como a seleção dos sujeitos.
Finalmente, a estratégia de pesquisa adotada foi abordada com maior profundidade utilizando as
definições e critérios de Yin (2004).
3.1. Tipo de pesquisa
A pesquisa, quanto aos fins, foi explicativa. Explicativa porque busca identificar as razões do
fenômeno utilizando-se de referenciais teóricos. Conforme ressalta Vergara (2004), a pesquisa
explicativa utiliza como base a pesquisa descritiva.
Quanto aos meios, a pesquisa foi realizada através de um estudo de caso.
A pesquisa empírica está focada na subsidiária de um laboratório estrangeiro estabelecido no
Brasil que optou por atuar no mercado de genéricos, envolvendo suas relações com a matriz, a
ANVISA e um laboratório nacional previamente selecionado (Vergara, 2004).
A seleção das amostras obedeceu ao critério de acessibilidade, levando em conta a facilidade de
acesso às informações e às pessoas da subsidiária do laboratório estrangeiro selecionado. Ao
mesmo tempo, foi considerado o critério de tipicidade, uma vez que a subsidiária selecionada
pertence a um grupo do qual fazia parte, até Janeiro/2007, um dos cinco maiores laboratórios de
medicamentos genéricos no mundo, demonstrando alta competitividade no segmento de
medicamentos genéricos em outros mercados. Por outro lado, o laboratório nacional está entre
55
os três maiores do mercado brasileiro de medicamentos genéricos e entre os dez maiores
laboratórios, considerando o mercado farmacêutico total (IMS, 2006).
Finalmente, os sujeitos desta pesquisa foram os diretores e os gerentes da subsidiária,
responsáveis pelos processos de tomada de decisão, bem como funcionários do laboratório
nacional, da ANVISA e de uma entidade ligada à indústria farmacêutica de medicamentos
genéricos, a Pró Genéricos.
3.2. Estratégia de estudo de caso
Seguindo o que indica Yin (2004), a definição da metodologia a ser adotada dependeu
primordialmente da pergunta de pesquisa. No caso da pesquisa em questão, o pronome
interrogativo “por que” poderia levar a três diferentes tipos de métodos, quais sejam:
experimento, pesquisa histórica ou estudo de caso.
Yin (2004) afirma que o estudo de caso deve ser a estratégia escolhida quando se analisam
acontecimentos contemporâneos, onde o pesquisador não tem controle sobre os comportamentos
relevantes. A pesquisa em questão atende a ambos os requisitos, ou seja, trata de um fenômeno
atual, uma vez que os genéricos entraram no mercado brasileiro a partir de 2000, cuja evolução
não pode ser controlada pelo pesquisador.
Dessa forma, não se aplicaria um experimento, para o qual existe a necessidade de controle por
parte do pesquisador. Também não se aplicaria a pesquisa histórica, uma vez que a mesma é
apropriada na análise do passado e o pesquisador deve utilizar-se apenas de evidências e
documentos.
56
A opção pelo estudo de caso representa um desafio para o pesquisador na medida em que essa
metodologia tem sido objeto de crítica por parte da comunidade acadêmica, principalmente em
função da falta de rigor que, por muitas vezes, permeou esse tipo de pesquisa. No presente
estudo, buscou-se responder a essa crítica através da verificação da qualidade do estudo de caso,
conforme descrito no subitem 3.2.1.
Outra crítica diz respeito à capacidade de generalização dos resultados obtidos, uma vez que a
base de estudos pode ser considerada muito pequena para permitir generalizações. A esse
respeito, Yin (2004, p. 30) argumenta que, ao contrário do experimento, o estudo de caso visa
“expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüências
(generalização estatística)”.
3.2.1. Verificação da qualidade do estudo de caso
A qualidade de um estudo de caso pode ser verificada através de critérios que se baseiam em
testes lógicos. Yin (2004) indica quatro testes.
O primeiro deles é a validade do constructo, que visa criar medidas que permitam validar os
conceitos em evidência. Isso é feito através da utilização de diversas fontes de evidência. O
próximo é a validade interna que se aplica somente a estudos causais, que não é o caso da
pesquisa em questão. O terceiro teste é a validade externa, que estabelece os limites permitidos
para a generalização dos resultados e é testada através da replicação dos resultados em ambientes
onde se espera similaridade de conclusões. O último teste é a confiabilidade, que se preocupa
com a repetitividade dos procedimentos do estudo e a obtenção dos mesmos resultados, sendo
garantida através da utilização de um protocolo e de um banco de dados que armazena todas as
57
informações levantadas durante a pesquisa.
Nos subitens 3.2.3, 3.2.4 e 3.2.6, a seguir, serão apresentadas as ferramentas que foram utilizadas
de forma a garantir a qualidade do estudo de caso em questão.
3.2.2. Tipo de estudo de caso
Yin (2004) identifica diversos tipos de estudo de caso, sendo que a pesquisa em questão foi
conduzida através de um projeto de caso único com três unidades incorporadas de análise,
relacionadas a duas dimensões (governo-empresa e empresa-empresa) do modelo da diplomacia
triangular. Assim, a busca da resposta à pergunta de pesquisa foi feita através da análise das
relações da subsidiária com a sua matriz, em termos da autonomia no processo decisório da
primeira, com o órgão regulador, no que diz respeito a eventuais conflitos comparativamente ao
tratamento dado ao laboratório nacional selecionado.
A escolha de um caso único deve obedecer, segundo Yin (2004), a cinco fundamentos lógicos. O
primeiro deles, quando se trata de um caso decisivo que vai testar uma teoria bem-formulada. O
segundo fundamento é aquele em que se está diante de um caso raro ou extremo. Outro
fundamento é um caso representativo ou típico; o quarto refere-se a um caso longitudinal, ou seja,
quando se analisam eventos em pontos diferentes na escala de tempo. Finalmente, o quinto
fundamento é quando se trata de um caso revelador, que ocorre quando o pesquisador tem
condições de analisar um fenômeno previamente inacessível à investigação científica.
No presente estudo, a pesquisadora, por ser funcionária da subsidiária, teve acesso a informações
que, de outra forma, não poderiam ser obtidas, aplicando-se, então, o fundamento de um caso
revelador. Dessa forma, a observação participante foi utilizada como fonte de evidência, bem
58
como a facilidade de acesso aos respondentes envolvidos no fenômeno em estudo.
3.2.3. Fontes de evidência
A fim de garantir a validade do constructo, diversas fontes de evidência foram utilizadas visando
realizar uma triangulação dos dados a fim de corroborar o fenômeno (Yin, 2004).
Dessa forma, as evidências foram coletadas em documentos, tais como: sites da Internet,
publicações especializadas, relatórios, recortes de jornais, teses e dissertações.
A maior parte dos dados quantitativos referentes ao mercado farmacêutico brasileiro foi obtida a
partir do banco de dados de 2006 do Pharmaceutical Market Brazil (PMB) publicado pelo
Institute of Marketing Research (IMS), de origem suíça e que está presente na maioria dos países
do mundo que possuem um mercado farmacêutico desenvolvido. O acesso a esse banco de dados
foi feito através de contatos da pesquisadora dentro da subsidiária.
A pesquisadora encontrou dificuldades para obter dados financeiros referentes ao laboratório
nacional. Por se tratar de uma empresa de capital fechado, não existe um meio oficial de
divulgação de dados. Dessa forma, as informações foram obtidas através do IMS, do website
oficial, de publicações da imprensa e de entrevista com o representante dessa empresa.
No que se refere aos dados qualitativos, as entrevistas foram o meio mais importante de coleta de
dados, tendo sido realizadas tanto pessoalmente como por telefone. O processo foi bastante
facilitado pelo fato de a pesquisadora ser funcionária da subsidiária e, portanto, ter acesso à maior
parte dos respondentes, que estão relacionados na tabela 1, onde os representantes da subsidiária
estão indicados através de pseudônimos.
59
Tabela 1: Entrevistas realizadas
Fonte: Síntese da autora
A tabela acima mostra uma clara concentração de respondentes na subsidiária. Isso se deve à
facilidade de acesso da pesquisadora, mas, principalmente, pelo fato de a subsidiária ser o foco
principal do presente estudo.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com diretores e gerentes da subsidiária, um
gerente do laboratório nacional e funcionários da ANVISA e Pró Genéricos. As entrevistas foram
realizadas a partir de roteiros previamente estabelecidos (ver anexo 1) sendo que, para cada
instituição e empresa, foi elaborado um roteiro de perguntas específico. No entanto, a
pesquisadora selecionou algumas perguntas-chave que foram inseridas em todos os roteiros,
buscando entender os diferentes pontos de vista de cada um dos atores a respeito do mesmo tema.
As entrevistas foram realizadas durante o mês de fevereiro de 2007, sendo que a maior
dificuldade foi a identificação de um respondente da ANVISA que pudesse discorrer a respeito
do tema de medicamentos genéricos de forma isenta, principalmente considerando o fato de a
pesquisadora ser funcionária da subsidiária de um laboratório estrangeiro. O problema foi
resolvido através da gerente de Assuntos Regulatórios da subsidiária, antiga funcionária da
ANVISA, que colocou a pesquisadora em contato com o responsável técnico pela implantação
60
dos medicamentos genéricos no Brasil e que, atualmente, não mais é funcionário desse órgão.
Não houve dificuldades na coleta de documentos internos na subsidiária, mas por outro lado,
houve a solicitação de se manter o sigilo, tanto dos nomes dos laboratórios, estrangeiro e
nacional, quanto dos respondentes.
Outra fonte de evidência foi a observação participante possível, uma vez que a autora é
funcionária da subsidiária. Segundo Yin (2004), a observação participante oferece oportunidades
inesperadas de obtenção de informações, uma vez que o pesquisador pode participar de reuniões
ou eventos que usualmente não seriam abertos à investigação científica. Nesse caso, a utilização
dessa fonte foi feita de forma intensiva e tornou-se uma importante fonte de dados.
3.2.4. Coleta de dados
A coleta de dados seguiu os princípios indicados por Yin (2004), sendo o primeiro deles a
utilização de várias fontes de evidência, conforme detalhado no subitem 3.2.3..
Outro princípio é a criação de um banco de dados que visa garantir a confiabilidade do estudo.
Esse aspecto diz respeito à forma como os dados serão organizados e armazenados, sendo a
primeira delas o relatório do pesquisador, na forma de uma dissertação, e a segunda, um banco de
dados que contenha os dados brutos coletados ao longo da realização da pesquisa.
O encadeamento de evidências é outro princípio a ser seguido, que trata de permitir ao leitor fazer
a reconstituição de toda a pesquisa a partir de sua conclusão. Dessa forma, o relatório deve
referir-se ao banco de dados que, por sua vez, deve revelar os dados reais que foram levantados.
Finalmente, todas as informações devem apresentar consistência entre si.
61
No presente estudo, o encadeamento das evidências foi obtido a partir das sucessivas leituras e
revisões do texto, principalmente do referencial teórico, proposições e resultados das análises.
Além disso, foi realizado o cruzamento das informações obtidas a partir das diversas fontes de
evidência, tornando o relatório mais robusto e coerente.
3.2.5. Tratamento de dados
Segundo Yin (2004), a análise dos dados em um estudo de caso é o aspecto menos desenvolvido
e para o qual há menos ferramentas disponíveis para utilização do pesquisador.
A primeira etapa de tratamento dos dados foi a preparação dos dados brutos levantados ao longo
da pesquisa. Isso foi feito através da transcrição das entrevistas e da organização das informações
levantadas através de documentos.
Em seguida, os dados brutos foram analisados e foram selecionadas aquelas partes que estão
relacionadas com as proposições dessa pesquisa. Dessa forma, obteve-se uma nova base de dados
reduzida com as informações relevantes para o tema de pesquisa.
O próximo passo foi analisar os dados levantados vis-à-vis ao referencial teórico com o objetivo
de confrontar realidade e teoria.
Finalmente, uma análise comparativa permitiu avaliar os resultados encontrados nas entrevistas e
identificar as diferenças e as semelhanças que poderiam fornecer subsídios para a resposta da
pergunta da pesquisa.
62
3.2.6. Limitações do método
Entre as limitações do método acima descrito, vale ressaltar que, em função do tempo e dos
recursos disponíveis, o universo da análise foi limitado a uma subsidiária e a um laboratório
nacional, sendo que o foco das entrevistas foram os respondentes da subsidiária. Isso pode
levantar questionamentos quanto à generalização das conclusões desta pesquisa.
Além disso, existe a possibilidade de os entrevistados selecionados não serem o grupo que
melhor representaria o universo respondente para a pesquisa.
O envolvimento da pesquisadora, por ser funcionária de um dos laboratórios, exigiu uma grande
capacidade de distanciamento durante o processo de tratamento de dados. Conforme ressalta Yin
(2004), em casos como este, o pesquisador pode ter dificuldades de trabalhar como um
observador externo, assumindo posições que podem ser contrárias às boas práticas científicas.
Nessa seção, tratou-se da preocupação com o rigor científico da pesquisa, visando vencer os
preconceitos existentes na comunidade acadêmica com esse tipo de método. Atendendo a esse
rigor científico, foram apresentados os critérios que permitem aferir a qualidade do estudo.
Para o atendimento ao primeiro critério, a validade do constructo, a pesquisadora detalhou as
diversas fontes de evidência levantadas, bem como foi realizada a triangulação dos dados a fim
de corroborar os fatos.
O segundo critério, a validade externa, diz respeito às generalizações que podem ser feitas a partir
do estudo em questão. No presente estudo, a pesquisadora busca uma generalização analítica, ou
seja, generalizar os resultados obtidos que refutam ou confirmam as proposições de estudo
relacionadas no item 2.3.(Yin, 2004). Sendo assim, tratando-se de um caso único, a utilização de
63
uma teoria já existente foi utilizada para tal generalização.
Finalmente, o terceiro critério, a confiabilidade, foi confirmado através não somente do
documento final a ser emitido, como também da criação de um banco de dados onde os dados
brutos levantados durante a pesquisa serão armazenados.
64
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO CASO
A organização dos dados e a análise seguiram as duas dimensões em estudo (governo-empresa e
empresa-empresa), bem como as proposições definidas no item 2.3.
Antes da coleta dos dados primários, foi desenvolvida uma breve descrição com base nos dados
secundários do mercado farmacêutico mundial e brasileiro, bem como do laboratório estrangeiro,
de sua subsidiária e do laboratório nacional selecionado. Essa descrição é apresentada a seguir,
antes das evidências empíricas obtidas nas entrevistas.
4.1. O mercado farmacêutico mundial
O mercado farmacêutico mundial movimentou cerca de US$ 550 bilhões durante o ano de 2004,
com uma curva de crescimento ascendente conforme demonstra o gráfico abaixo:
65
Gráfico 1: Vendas globais do mercado farmacêutico no período de 1997 a 2004
Vendas Globais do Mercado Farmacêutico 1997-2004
0
100
200
300
400
500
600
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
0%
3%
6%
9%
12%
15%
Vendas globais (US$BN) Crescimento relação ano anterior
Fonte: Síntese da autora a partir de dados do IMS, 2005
A tabela a seguir mostra as vendas do mercado farmacêutico por região em 2004:
Tabela 2: Vendas globais do mercado farmacêutico por região
Fonte: Síntese da autora a partir de dados do IMS, 2005
A Tabela 2 mostra que o mercado mundial é dominado pelos Estados Unidos e pela União
Européia que tiveram, em 2004, uma participação de 75,60% em volume de vendas, sendo que a
América Latina correspondeu a apenas 3,8%.
O Brasil ocupava, em 2000, o oitavo lugar entre os maiores mercados farmacêuticos mundiais,
66
sendo o único país latino-americano na lista dos dez maiores mercados mundiais. Em 2004, o
Brasil já não consta mais do ranking dos dez maiores mercados tendo sido substituído pelo
México, que passou a ocupar o décimo lugar. A previsão para 2008 também não considera o
mercado brasileiro dentro do ranking, mas mantém o México (IMS, 2005).
No que se refere aos laboratórios, o ranking do IMS mostrou que, em 2004, os dez maiores
laboratórios mundiais dominavam 48,4% do mercado em vendas, conforme a tabela a seguir:
Tabela 3: Vendas globais do mercado farmacêutico por laboratório
Fonte: Síntese da autora a partir de dados do IMS, 2005
Os dados acima mostram uma característica importante do mercado farmacêutico mundial que é a
sua concentração em termos de volume de vendas nos países industrializados e do domínio das
grandes ETNs do setor.
Além disso, Lisboa et al. (2001) e Scherer (1993) mostram, através da forma como o
medicamento é vendido ao consumidor final, que o mercado farmacêutico possui características
que o diferem de todos os outros segmentos industriais.
Segundo Lisboa et al. (2001), os medicamentos são classificados como bens credenciais, ou seja,
alguns aspectos da sua qualidade podem nunca vir a ser passíveis de avaliação pelo consumidor.
67
Neste caso, somente um profissional especializado estaria apto a atestar tais aspectos. Existe,
portanto, uma assimetria de informação na demanda por medicamentos.
Scherer (1993) esclarece que, desde os anos 30, no maior mercado farmacêutico do mundo, os
Estados Unidos, a maioria das drogas7 é vendida somente mediante uma prescrição médica.
Dessa forma, o consumidor final e o tomador da decisão de compra não são as mesmas pessoas.
Além disso, segundo o autor, em 1987, 44% das prescrições médicas foram pagas pelo governo
ou por planos de saúde particulares. Portanto, o consumidor final, além de não decidir a respeito
do medicamento, também não é responsável pelo pagamento total do produto. Segundo o autor, a
combinação desses fatos, ou seja, a decisão de compra feita pelo médico, a assimetria de
informação, além de o pagamento ser parcialmente realizado por uma terceira parte, cria
características de um mercado com pouca elasticidade de preço e demanda, e que confere
monopólio aos fabricantes.
Rêgo (2000) destaca quatro falhas desse mercado que limitariam a concorrência entre os
laboratórios. A primeira delas é a existência de oligopólios e de monopólios, sendo que a autora
destaca a concentração de produção por classe terapêutica, informando que é comum um único
laboratório dominar mais da metade do mercado de uma classe terapêutica específica. A segunda
é a proteção por patentes e a lealdade a marcas, sendo que as patentes são instrumentos usados
pelos laboratórios para proteger seu investimento em pesquisa e desenvolvimento, uma vez que,
segundo a autora, se trata de uma tecnologia facilmente copiável. Outro aspecto é a lealdade à
marca, criada e mantida por ações de marketing. A terceira falha refere-se à assimetria de
informação, uma vez que se trata de um mercado onde o consumidor final não tem a decisão da
compra, tendo uma informação limitada a respeito da qualidade, segurança, eficácia e preço. A
realidade mostra que as informações estão concentradas nas mãos dos fabricantes dos
medicamentos, advindo desse aspecto a importância de um controle efetivo feito pelos órgãos de
7 Ver glossário.
68
vigilância sanitária. Finalmente, existe uma separação das decisões sobre prescrição, consumo e
financiamento, ou seja, há um conflito de interesses nesse mercado, na medida em que quem
consome não é quem prescreve e, às vezes, quem paga é um terceiro, no caso de seguros de saúde
públicos ou privados.
As ETNs centralizam em seus países de origem os dois primeiros estágios da cadeia de produção
farmacêutica, que compreendem a pesquisa e o desenvolvimento dos princípios ativos (estágio I)
e a produção dos fármacos (estágio II). Trata-se dos estágios que exigem os maiores
investimentos e requerem elevada capacitação tecnológica. Para os países hospedeiros, sobram os
estágios restantes, que lidam essencialmente com os processos físicos e incluem a produção de
especialidades farmacêuticas (medicamentos), marketing e comercialização (Queiroz, 1993).
Rugman (2005), em um estudo onde avalia os diversos segmentos da indústria e sua real
abrangência global, conclui que o segmento farmacêutico não pode ser composto por empresas
globais devido à amplitude com que é regulado por agências reguladoras nos diversos países do
mundo. Dentre as 380 empresas estudadas por Rugman (2005), dezoito estão no segmento
farmacêutico ou químico, sendo este o segmento mais inovador entre aqueles que compõem o
conjunto das 500 maiores empresas mundiais. Além disso, trata-se de um segmento cujas
atividades de pesquisa e desenvolvimento, bem como o faturamento, estão concentradas nos
Estados Unidos e na Europa. O autor destaca a sua particularidade no que se refere à grande
concentração do mercado consumidor dentro dos Estados Unidos. Esse fato determina a
estratégia das indústrias farmacêuticas que, mesmo tendo sua origem em países europeus, optam
por estabelecer parte das suas atividades de pesquisa e desenvolvimento em território norte-
americano.
De acordo com Rugman (2005), nenhuma empresa do segmento farmacêutico poderia ser
considerada como global, sendo que a principal causa seria as restrições regulatórias dos países
69
que dificultam e, muitas vezes, impedem o desenvolvimento de produtos e estratégias globais. A
primeira restrição está no lançamento de uma nova droga, cuja aprovação é realizada em termos
nacionais, uma vez que cada país tem a sua legislação própria. Outro aspecto é a questão do
controle de preços, que pode variar dependendo da política nacional. Por exemplo, os Estados
Unidos, que representam metade do mercado farmacêutico mundial, adotam uma política de
laissez-faire. Outro exemplo é a Alemanha, onde a política é obrigar os pacientes a pagar a
diferença entre o preço do medicamento e aquele definido em uma lista de preços de referência.
Como a maior parte dos pacientes não está disposta a pagar pela diferença, os laboratórios são
obrigados a reduzir seus preços ao nível daqueles da lista de referência. A França optou por
estimular a venda de medicamentos genéricos.
Rugman (2005) esclarece que, além das restrições regulatórias no lançamento de novas drogas e
das diferentes políticas de controle de preço, os laboratórios também são obrigados a adotar
políticas de marketing locais, uma vez que o aparato regulatório alcança os aspectos da
propaganda e da distribuição de medicamentos. Uma vez lançado um novo medicamento, a
patente garantirá ao seu fabricante um retorno de seus investimentos além de um lucro
considerável durante um determinado período de tempo. Durante a vigência dessa patente, a
demanda é inelástica e, uma vez que os custos de fabricação usualmente são baixos, conclui-se
que a indústria farmacêutica depende de proteção patentária para desenvolver novos produtos e
obter lucros. A elevação dos custos do desenvolvimento de novas drogas e do aparato regulatório
tem reduzido as margens de lucros das empresas desse segmento.
As principais mudanças na estrutura dessa indústria ocorreram a partir da década de 90, por dois
motivos principais. O primeiro deles refere-se ao aumento das restrições regulatórias visando
aumentar os níveis de segurança e a eficácia dos medicamentos. O segundo, o aumento da
competição causado pelos medicamentos genéricos (Nogués, 1990).
70
Nogués (1990) esclarece que os medicamentos são fontes potenciais de risco, em função dos
danos que podem causar aos pacientes. O problema, segundo ele, é a informação incompleta,
sendo que o risco é mais alto para aquelas drogas que não foram totalmente testadas. A solução
para a redução desse risco está na melhoria da qualidade da informação no que se refere aos
efeitos positivos e negativos de uma determinada droga.
O autor entende que há dois caminhos para essa melhoria na qualidade da informação, sendo o
primeiro voltado para o mercado e o segundo, para o governo. No caso do primeiro caminho, a
quantidade e a qualidade da informação dependem, principalmente, da qualidade dos médicos e
dos profissionais das empresas fabricantes. O segundo caminho pressupõe que o mercado não é
um instrumento confiável para garantir a qualidade da informação e que a melhor situação é um
controle centralizado através de uma agência reguladora.
O segundo caminho é a opção adotada por países como, por exemplo, os Estados Unidos, através
do FDA, e, mais recentemente, o Brasil, através da ANVISA.
Para Velazquez (1999) há duas formas de intervenção do Estado no mercado farmacêutico. A
primeira é de ordem sanitária referente à qualidade do produto ofertado e à regulamentação do
seu acesso à população. A segunda é de ordem econômica ligada à produção e à distribuição dos
medicamentos pelo menor custo possível e mediante a diminuição da dependência externa.
Diversas razões são enumeradas para justificar a intervenção governamental. A primeira delas
está ligada à responsabilidade do Estado de prover condições sanitárias adequadas à população, o
que inclui a distribuição de medicamentos. Em segundo lugar, existe uma preocupação constante
com os preços ofertados para os medicamentos de tal forma que os mesmos não sejam
excessivamente elevados. Por outro lado, há a necessidade de um sistema de proteção a patentes
que garanta investimentos em pesquisa para o desenvolvimento de novas drogas. Finalmente, os
governos usam medidas regulatórias como forma de fortalecimento da indústria doméstica.
71
Para Lisboa et al. (2001) o caminho é a regulação através de um órgão governamental. Os autores
entendem que a inexistência de normas e procedimentos que regulem esse mercado cria uma
grave assimetria de informação, o que representaria uma vantagem competitiva das marcas
pioneiras. Uma vez estabelecida a reputação de uma determinada marca, existe uma grande
resistência por parte dos consumidores em substituí-la.
Em uma linha de tempo, Scherer (1993) informa que, entre os anos 30 e 40, houve uma grande
revolução tecnológica que permitiu a descoberta de diversas novas drogas. Com isso, o portfólio
de novas drogas passou a ser tão vasto que nem mesmo os próprios médicos estavam totalmente
informados a respeito das alternativas disponíveis. Assim, em 1962, as atribuições do FDA foram
estendidas e o órgão passou a ser responsável não somente pela segurança, como também pela
eficiência terapêutica das novas drogas. Antes dessa data, o autor, citando Mansfield et al.,
informa que o custo médio de desenvolvimento de uma nova droga, até a aprovação do seu
registro, era da ordem de US$ 6 milhões. Em 1991, o autor cita o estudo de DiMasi et al. que
estima um custo médio, incluindo pesquisa, desenvolvimento e testes, da ordem de US$ 53
milhões na fase de testes clínicos (com seres humanos) e de US$ 73 milhões na fase pré-clínica.
Além disso, o tempo médio de aprovação de uma nova droga excede a oito anos. Em resumo, o
desenvolvimento de novas drogas tornou-se um negócio de alto custo e alto risco.
Outro marco importante indicado por Scherer (1993) é a segunda revolução tecnológica nos
métodos de pesquisa e desenvolvimento de novas drogas, a biotecnologia, que se baseia na
descoberta de mecanismos que permitem a formulação de drogas sintéticas que interagem com os
receptores no corpo humano.
O processo de desenvolvimento de uma nova droga que se inicia com centenas de drogas
potenciais e, usualmente, termina com apenas algumas delas sendo aprovadas pela autoridade
sanitária. Isso ocorre devido à complexidade e à incerteza do processo de desenvolvimento. A
72
descoberta de uma nova droga é um processo que é iniciado com até 10.000 componentes
potenciais e cujos custos são da ordem de centenas de milhões de dólares (phRMA, 2006).
As patentes são o fator principal de sustentação de preços dos medicamentos, uma vez que a
competição dos genéricos tem reduzido os preços a ponto de aproximá-los do custo de produção
(Nogués, 1990).
Diante do quadro de aumento de competitividade e regulação, as empresas transnacionais
adotaram três estratégias básicas (Nogués , 1990).
A primeira delas foi a decisão de produzir, também, medicamentos genéricos visando garantir a
manutenção de uma participação relevante no mercado mesmo após o término da vigência da
patente, passando a vender, além do produto original, também a sua versão genérica. Essa foi a
estratégia adotada por empresas como: Squibb, Warner-Lambert, American Cynamid, Sanofi e
Abott. Em 1990, cerca de 25% das prescrições de medicamentos genéricos nos Estados Unidos já
eram supridas por essas empresas. No entanto, vale ressaltar que algumas empresas optaram pelo
caminho oposto, conforme afirma Queiroz (1993), ao mencionar o caso da Glaxo que seguiu a
estratégia de se concentrar em medicamentos patenteados e dar ênfase aos estudos de pesquisa e
desenvolvimento.
Outra estratégia foi a fusão de empresas, que ocorreu em maior intensidade em 1989 (Nogués,
1990). Essas fusões envolveram não somente a busca por aumento na participação de mercado,
mas também a ampliação de portfólio de pesquisa e desenvolvimento, redução de custos e riscos
e a obtenção de maior poder de barganha com os compradores institucionais (Rêgo, 2000).
Adicionalmente às estratégias acima, as indústrias farmacêuticas passaram a pressionar os
governos em busca de maior proteção patentária. O argumento usado era da alta taxa de retorno
social dos investimentos realizados em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, as empresas
73
buscaram subsídios governamentais para suas subsidiárias e o aumento das barreiras regulatórias
para a liberação do registro de medicamentos genéricos (Nogués, 1990).
A partir do Ato Waxman-Hatch, de 1984, ao mesmo tempo em que prorrogou o prazo das
patentes de medicamentos, o governo norte-americano forneceu um grande número de facilidades
para aqueles laboratórios que estivessem interessados em lançar medicamentos genéricos
(Scherer, 1993).
A publicação desse ato ocorreu em um momento de aumento dos gastos dos governos com a
saúde pública. Dados da OECD mostram que o aumento dos gastos com a saúde pública ocorreu
na maioria dos países pertencentes a essa organização, conforme a Tabela 4.
Tabela 4: Gastos com a saúde como porcentagem do produto nacional bruto, 1960-1997
Fonte: Fiúza e Lisboa, 2001, p. 4
Os medicamentos genéricos eram vistos como uma forma de elevar a competição no mercado,
reduzindo os índices de preços.
O impacto dos medicamentos genéricos nos preços dos medicamentos nos Estados Unidos,
segundo Scherer (1993), não foi aquele inicialmente esperado. Segundo o autor, alguns estudos
74
indicaram que os preços dos medicamentos de marca subiram quando a competição dos genéricos
surgiu no mercado. Outros estudos concluíram que os preços dos medicamentos de marca foram
reduzidos em apenas 2%. Ou seja, o cenário mais comum era da manutenção ou do aumento do
preço do medicamento de marca com o surgimento de competição com um medicamento
genérico. O autor analisa esse paradoxo e conclui que as razões podem ser encontradas em duas
características desse mercado. A primeira está no fato de que os médicos tendem a ser avessos ao
risco e insensíveis ao preço e, por isso, optam por prescrever o medicamento de marca ainda que
exista um genérico disponível a um preço menor. A segunda está no fato de que os consumidores
finais não possuem as informações necessárias para avaliar as alternativas e riscos ao substituir
um medicamento de marca pelo seu equivalente genérico. Dessa forma, o mercado de
medicamentos consiste em dois grupos diferentes – aqueles que são e aqueles que não são
sensíveis a preço. Essa divisão passa a existir a partir do momento em que um medicamento
genérico é lançado com um preço menor e o fabricante do medicamento de marca entende ser
mais lucrativo abandonar o mercado sensível ao preço do que reduzir seu preço.
A respeito do impacto dos medicamentos genéricos em outros países, Nogués (1990), citando
Taylor e Silberston, informa que os preços no Reino Unido foram reduzidos na faixa de um
quarto à metade. Ele conclui seu estudo afirmando que, aparentemente, a competição genérica é
um importante fator para levar os preços para patamares próximos àqueles dos custos de
produção, tornando o mercado mais competitivo, mas ainda distante do mercado perfeito.
As perspectivas de futuro para o mercado farmacêutico, no que diz respeito à tecnologia, residem
na biotecnologia, que é apontada, segundo um relatório da empresa de consultoria Price
WaterHouse Coopers que trata das previsões para o mercado farmacêutico até 2010, como uma
das forças de mudança desse mercado. De acordo com o relatório, publicado em 1999, a
descoberta do mapa do genoma humano foi o início do desenvolvimento de uma tecnologia que
75
será usada em pelo menos 20 entre cada 30 tratamentos em 2010 (HEALTHCAST 2010, 1999).
Outra perspectiva desse mercado é o surgimento de empresas globais a partir de países
emergentes, como é o caso do laboratório indiano Ranbaxy, que se tornou um dos maiores
fabricantes globais de medicamentos genéricos. A partir de uma base de plantas com tecnologia
de ponta, o laboratório conseguiu desenvolver habilidades que o distinguem dos demais ao poder
identificar novos processos para sintetizar drogas patenteadas e escalar a produção das mesmas
rapidamente. Com essa habilidade, o laboratório decidiu explorar mercados em outros países
chegando ao ponto em que 78% do seu faturamento são gerados fora da Índia (Sinha, 2005).
4.2. O mercado farmacêutico no Brasil
Em 2006, o mercado nacional movimentou cerca de US$ 9,8 bilhões, com 1,4 bilhões de
unidades vendidas. Esses valores representam, respectivamente, um aumento de 23,8% e 3,1%
em relação aos dados de 2005. Em 2006, o IMS identificou 305 laboratórios operando no Brasil,
sendo que 232 são nacionais de propriedade privada, 16 são públicos e 57 são estrangeiros (IMS,
2006).
Trata-se de um mercado com um baixo índice de crescimento em unidades vendidas conforme
mostra a tabela a seguir:
76
Tabela 5: Crescimento do mercado brasileiro farmacêutico em unidades
Fonte: Dados compilados pela autora a partir da base de dados eletrônica IMS, 2006
Outra característica desse mercado é o domínio dos laboratórios estrangeiros cujo faturamento
total é, aproximadamente, três vezes maior que aquele dos laboratórios nacionais (Pinto, 2004).
Trata-se de um mercado extremamente pulverizado, onde o líder em vendas possuía, no final de
2006, apenas 6,59% do mercado total. Os cinco maiores laboratórios possuem apenas 28% do
mercado (IMS, 2006). A principal razão para essa pulverização encontra-se no fato de que os
laboratórios optam por produzir medicamentos dentro de classes terapêuticas específicas. Dessa
forma, dentro de uma classe terapêutica a competição é menos intensa (Cohen, 2000).
As indústrias farmacêuticas nacionais cresceram copiando os produtos dos laboratórios
estrangeiros (Paula, 2001).
Além disso, elas sofrem uma a concorrência desfavorável, uma vez que o processo de
verticalização e domínio tecnológico das grandes empresas transnacionais começou há cerca de
60 anos e está totalmente consolidado. A necessidade constante de inovação tecnológica e os
investimentos que são necessários constituem-se em altas barreiras à participação de outras
empresas principalmente porque, para realizar as atividades do estágio I, são necessários recursos
e qualificações que extrapolam a capacidade financeira e tecnológica das empresas nacionais
(Queiroz, 1993).
77
No que se refere à atuação do Estado brasileiro, Queiroz (1993) critica a fragilidade institucional
e o casuísmo na definição de políticas.
Bermudez (1994) relaciona as diversas iniciativas governamentais que buscavam o
desenvolvimento da indústria nacional e a conseqüente redução da dependência externa. Neste
sentido, a criação do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) em 1965, extinto em 1990,
visava à criação de políticas industriais. Em 1971, foi criada a Central de Medicamentos (CEME)
e, em 1976, foi implantada a Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec), uma
empresa privada que estava inserida no contexto de prioridades estabelecidas pelo governo.
No entanto, conforme afirma o autor, todas as idéias de autonomia perderam-se devido a
restrições orçamentárias e esquemas de corrupção (Bermudez, 1994).
Como iniciativa de sucesso, pode-se mencionar o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-
Manguinhos/Fiocruz) que realiza a síntese de fármacos que hoje são produzidos em escala
nacional.
A ação do governo mais recente foi a elaboração das Diretrizes de Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior em 2003, que estabeleceram o segmento farmacêutico como
prioritário para o desenvolvimento de uma base produtiva local. Esse desenvolvimento seria feito
através de linhas de financiamento específicas.
4.2.1. O mercado brasileiro de medicamentos genéricos
Em 2006, o mercado brasileiro de medicamentos genéricos representou 10,71% do total de
vendas em dólares americanos e 13,53% do total de unidades vendidas. Esses números
78
representaram um crescimento de 23,51% em valor e 47,18% em unidades, em relação ao ano
anterior. A participação dos genéricos no mercado nacional vem crescendo de forma constante,
saindo de um patamar de 4,88% em 2002 até atingir 10,71% em 2006, em vendas. Trata-se de um
mercado dominado pelos laboratórios nacionais; os quatro primeiros laboratórios são nacionais e
dominam cerca de 80% do mercado em volume de vendas (IMS, 2006).
Diferentemente do que ocorre com o ranking geral dos laboratórios, ou seja, aquele que inclui
todos aqueles que operam no Brasil, o ranking específico dos laboratórios que atuam no
segmento de genéricos mostra o domínio dos laboratórios nacionais. Três laboratórios nacionais
dominam 70% do mercado de medicamentos genéricos, tanto em valor quanto em unidades
vendidas (IMS, 2006).
Trata-se de um mercado com características distintas daquelas do mercado de medicamentos de
marca.
A discussão a respeito da competitividade da indústria farmacêutica nacional somente faz sentido
em termos de segmento de genéricos. Ela não existe no caso dos produtos patenteados e não há
nenhuma perspectiva de deixar de sê-lo a médio e longo prazos (Queiroz, 1993)
Outro aspecto desse mercado é que as patentes eliminam a concorrência por preços, que existe
somente no segmento de genéricos. Neste caso, a capacidade de inovação e a propaganda têm
valor secundário (Velazquez, 1999).
Da mesma forma que em outros países, o Brasil também tem aumentado as suas despesas com
saúde pública e, mais especificamente, com medicamentos, conforme mostra o gráfico a seguir:
79
Gráfico 2: Evolução dos principais gastos com medicamentos pelo Ministério da Saúde
Fonte: Ministério da Saúde, 2006, p. 15
Por outro lado, o acesso dos medicamentos no Brasil faz-se de forma diferenciada nas diversas
camadas da população. Segundo Dias e Romano-Lieber (2006), citando os dados do Ministério
da Saúde, 15% da população consomem 48% da produção de medicamentos e 51% consomem
apenas 16%.
Dentro desse contexto, a introdução dos medicamentos genéricos no mercado nacional visou
atender à necessidade de aumentar o acesso a medicamentos com a redução de preços. Outro
objetivo era fomentar o desenvolvimento da indústria nacional, visto que esse mercado não exige
altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (Valentim, 2003).
Segundo Dias e Romano-Lieber (2006) a questão da dificuldade do acesso a medicamentos no
Brasil foi uma das causas da realização, em 1999, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) no Congresso Nacional. Essa CPI foi focada na indústria farmacêutica e na discussão a
respeito da redução dos preços dos medicamentos. Para os autores, esse inquérito foi um dos
deflagradores do processo de implantação de medicamentos genéricos no Brasil, visto ser esta
uma estratégia de redução de preços.
Da mesma forma que o mercado mundial, o mercado farmacêutico nacional passou por profundas
80
mudanças a partir da década de 90.
As mudanças englobaram todo o setor, ou seja, as organizações, formas de financiamento e a
entrega de medicamentos básicos para a população. A primeira mudança foi a extinção da CEME
(Central de Medicamentos), em janeiro de 1999, órgão responsável pela compra e pela
distribuição de medicamentos. Com a sua extinção, os estados e os municípios passaram a ser
responsáveis por essa tarefa. Outras mudanças importantes foram a criação da ANVISA e, ainda,
a publicação de uma lei federal destinada a promover os medicamentos genéricos no país (Cohen,
2000).
Fiúza e Lisboa (2001) fazem um resumo dos principais fatos ocorridos na década de 90 e que
afetaram o mercado farmacêutico nacional.
Segundo os autores, a legislação brasileira não reconhecia as patentes de produtos químico-
farmacêuticos desde 1945. Conforme esclarece Scherer (1993), as patentes de produtos
representam barreiras mais fortes à cópia dos produtos.
Em 1969, as patentes de processo também foram suspensas, sendo que essa situação perdurou até
1996 quando, sob intensa pressão internacional, o Brasil aprovou uma nova lei de patentes, tanto
para produtos quanto para processos. Houve uma tentativa do governo militar de desenvolver
uma indústria farmacêutica genuinamente nacional, a partir da Central de Medicamentos –
CEME, criada em 1972. As atribuições da CEME englobavam não somente a compra e a
distribuição de medicamentos, mas também o fomento ao desenvolvimento científico e
tecnológico. Sob os auspícios da CEME e sem a proteção de patentes, foram desenvolvidas cento
e quarenta tecnologias de processo a partir de uma lista de medicamentos essenciais – Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). Na década de 90, a abertura comercial
promovida pelo governo Collor, aliada à lei de patentes, decretaram o fim da CEME (Fiúza e
81
Lisboa, 2001).
Godoy, Maria e Nascimento (2004) esclarecem que o não-reconhecimento de patentes, situação
anterior a 1996, era bastante conveniente para a indústria brasileira e que a Vigilância Sanitária
concedia o direito de registro considerando apenas a similaridade a outro já registrado.
A primeira tentativa de implantar medicamentos genéricos foi através de um decreto, assinado
pelo Presidente Itamar Franco, em 5 de outubro de 1993, que estabelecia a obrigatoriedade de
destaque, tanto na bula quanto na embalagem, da denominação genérica do medicamento. Apesar
de ter sido concedido um prazo para a adaptação dos laboratórios à nova exigência, as novas
normas nunca entraram em vigor (Godoy, Maria e Nascimento, 2004).
A efetiva implantação dos genéricos no Brasil iria ocorrer somente seis anos depois, com a
publicação da Lei 9787 de 10 de fevereiro de 1999, que instituiu a Política de Medicamentos
Genéricos no Brasil.
Dias e Romano-Lieber (2006) fazem um resumo das diversas mudanças no âmbito político e
administrativo que ocorreram após a publicação da Lei 9787. Segundo os autores, a
regulamentação técnica para o registro de medicamentos foi feita através da Resolução 391 de 9
de agosto de 1999, sendo que os primeiros registros de genéricos foram publicados em fevereiro
de 2000. No entanto, houve uma forte reação da indústria farmacêutica nacional que chegou a
comunicar aos médicos e às farmácias que não se podiam substituir as prescrições sob pena de
crime hediondo. Além disso, forneceram carimbos aos médicos com frases como “Não substituir
por genéricos”. Houve, ainda, reação por parte dos prescritores e, finalmente, por parte das
farmácias. Essas reações obrigaram o governo a publicar resoluções, tais como a Resolução n.45
de 15 de maio de 2000, tornando obrigatória a afixação da relação de medicamentos genéricos
em farmácias e drogarias. Outro exemplo foi a Resolução n.78 de 21 de agosto de 2000,
obrigando os importadores e produtores de genéricos a entregarem seu balanço mensal de
82
vendas.
Os autores destacam, ainda, a publicação do Decreto n. 3.675 em 28 de novembro de 2000,
alterado pelo Decreto n. 3.718 de 4 de janeiro de 2001. A intenção do governo era agilizar o
registro de medicamentos genéricos e, para isso, permitiu o registro por um ano, por meio de um
processo simplificado e com trâmite acelerado dentro da ANVISA, de medicamentos genéricos já
registrados no Canadá, na Europa e nos Estados Unidos. Essa facilidade, conhecida como fast
track, foi concedida até 11 de outubro de 2001, sendo que, para os genéricos inéditos, foi
utilizada até 24 de abril de 2002.
Ainda sobre a evolução da regulamentação no mercado farmacêutico brasileiro, Dias e Romano-
Lieber (2006) entendem que a regulamentação dos genéricos teve um impacto mais amplo sobre
o mercado de medicamentos em geral, ampliando os requerimentos de qualidade para os
medicamentos similares8 e novos.
Um aspecto importante desse processo é que os fármacos nacionais não eram submetidos a testes
de bioequivalência9 em relação aos medicamentos de referência10, que, por sua vez, eram
aprovados de acordo com regras internacionais mais rígidas. A lei 9787/99, que criou os
medicamentos genéricos, denomina este tipo de medicamento como medicamento similar. Ao
mesmo tempo, proibia a substituição de um medicamento de referência por um similar,
atribuindo o intercâmbio com os primeiros somente para os medicamentos genéricos (Fiúza e
Lisboa, 2001).
8 Ver glossário. 9 Ver glossário. 10 Ver glossário.
83
Conforme esclarece Pinto (2004), os medicamentos genéricos devem passar, obrigatoriamente,
por testes de bioequivalência com o medicamento de referência. Por outro lado, a partir de abril
de 2001, os medicamentos similares passaram, também, a ter que comprovar sua bioequivalência
com o medicamento de referência.
Existe um consenso a respeito dos medicamentos similares de que irão desaparecer do mercado e
que, como acontece em outros mercados, os negócios serão divididos em lançamentos com
patentes e medicamentos genéricos. O custo envolvido nos novos testes exigidos pela legislação,
a serem realizados na renovação do registro do similar, pode inviabilizar o produto para os
laboratórios de pequeno e médio portes. (O futuro, 2002)
O papel dos laboratórios nacionais tornou-se mais significativo na medida em que passaram a ter
maiores chances de competir quando se trata do mercado de medicamentos genéricos. Nesse
caso, os custos referentes ao estágio I, conforme descrito acima, não existem e o problema
resume-se ao estágio II, que exige menos investimentos em tecnologia e capacitação.
Desta forma, os medicamentos genéricos representaram uma oportunidade para os laboratórios
nacionais. Com efeito, Pinto (2004) afirma que é esperado que as subsidiárias de laboratórios
estrangeiros instaladas no Brasil fabriquem mais medicamentos de referência e as nacionais, mais
produtos genéricos.
Silva e Cohen (2004), analisando o impacto do advento dos genéricos nas estratégias da indústria
farmacêutica brasileira, concluem que, a partir do aumento da oferta de medicamentos genéricos,
a partir de 1999, os laboratórios que mais lançaram medicamentos são justamente aqueles que
decidiram investir nesse novo mercado. Os autores entendem que o crescimento desses
laboratórios deveu-se à utilização da estratégia de custos, adequada para o mercado de
medicamentos genéricos. Além disso, destacam a dificuldade de as subsidiárias de laboratórios
estrangeiros adaptarem-se à mudança do ambiente gerada pelo advento dos medicamentos
84
genéricos que criou novas opções de compra para os consumidores.
Com relação aos preços dos medicamentos, apesar de os genéricos terem criado uma competição
por preços, é interessante observar que, dois anos após sua implantação, não houve a redução de
preços esperada, de acordo com o estudo econométrico de Lisboa et al.(2001). Os autores
atribuem esse fenômeno às mesmas razões apontadas por Scherer (1993), ao discutirem o
impacto desses medicamentos no mercado norte-americano. Da mesma forma que nos Estados
Unidos, Lisboa et al. (2001) afirmam que os líderes de mercado optaram por aumentar seus
preços, voltando-se para um mercado menos elástico que resiste a substituir um medicamento de
marca pelo seu genérico.
Os autores apontam para a necessidade de redução da assimetria de informação sobre a qualidade
dos genéricos a fim de se reduzir a concentração dos mercados, levando a uma diminuição dos
preços dos medicamentos líderes.
Com efeito, três anos mais tarde, Godoy, Maria e Nascimento (2004) publicaram um estudo
demonstrando que a introdução dos medicamentos genéricos resultou em uma nítida redução dos
preços dos medicamentos de referência e similares. Segundo os autores, os resultados do estudo
demonstraram que as diferenças de preços entre os medicamentos genéricos e de referência estão
diminuindo e que alguns laboratórios detentores do registro do medicamento de referência
optaram por reduzir seus preços e, conseqüentemente, a perda de receita. Os autores atribuem tais
reduções de preços a dois motivos. O primeiro é a sinalização do governo para o mercado,
através da exigência de testes mais rigorosos, de que os medicamentos genéricos possuem
qualidade. Em segundo lugar, viriam as iniciativas de propaganda governamental visando
informar o consumidor a respeito dos genéricos.
85
4.3. A subsidiária do laboratório estrangeiro
O laboratório estrangeiro é uma empresa com origem na Alemanha fundada há duzentos anos,
cuja característica principal é a diversidade de negócios, que abrangem os segmentos
farmacêutico e químico.
Dentro do negócio farmacêutico, o laboratório trabalha com a linha de medicamentos éticos, com
foco principal nas classes terapêuticas de oncologia e cardiometabólica. Além disso, produz
medicamentos genéricos, através de uma subsidiária adquirida em 1994. Dentro do negócio
químico, o principal produto é o cristal líquido, além de pigmentos, reagentes e equipamentos
destinados à pesquisa e à análise química.
O laboratório possui 12 plantas produtivas instaladas em diversos países do mundo, mas
concentra suas atividades de pesquisa na Europa. As plantas estão classificadas em globais, ou
seja, aquelas que estão autorizadas a produzir e vender medicamentos a qualquer outra
subsidiária no mundo. Nessa classificação encontram-se quatro plantas na Europa e uma na
América Latina, localizada no México. As demais plantas são classificadas como regionais, ou
seja, estão autorizadas a vender seus produtos somente dentro da sua região. Dessa forma, por
exemplo, a subsidiária brasileira, como planta regional, está autorizada a exportar somente para
os países da América Latina.
Dados do relatório anual de 2005 do laboratório mostram que seu faturamento total foi de € 5,87
milhões, com 66% vindo do negócio farmacêutico, ou seja, € 3,894 milhões, sendo que o
faturamento dessa divisão foi dividido, principalmente, entre éticos (44%) e genéricos (46%). O
negócio farmacêutico cresceu, em relação a 2004, 13% em vendas principalmente devido ao
lançamento de um novo produto da linha oncológica. No que se refere aos continentes onde atua,
86
o maior faturamento ocorreu na Europa, com 46%, seguida da Ásia, que representou 31% do
faturamento total.
No que diz respeito a medicamentos genéricos, o relatório anual de 2005 mostra que o negócio
representou 46% do faturamento da empresa naquele ano, cerca de € 1,796 milhão.
No segmento farmacêutico, o mais importante movimento estratégico foi a aquisição, em
Setembro de 2006, de um grande laboratório europeu na área de biotecnologia, ramo inovador da
tecnologia farmoquímica, cujos medicamentos possuem alto valor agregado. Segundo o anúncio
feito na época da aquisição, o objetivo é unir o conhecimento e a experiência de ambos os
laboratórios, combinando projetos de desenvolvimento clínico e orçamentos de pesquisa e
desenvolvimento. Ou seja, a aquisição faz parte de uma estratégia de aumento de portfólio, de
acordo com o entendimento de Rêgo (2000), conforme mostrado no item 4.1.
O anúncio dessa aquisição foi seguido do anúncio da venda do negócio de medicamentos
genéricos, feito em Janeiro de 2007, demonstrando o interesse do laboratório em direcionar seus
negócios para produtos de alto valor agregado.
O laboratório tinha, ao final de 2005, cerca de 29.000 funcionários trabalhando em diversas
unidades em vários países no mundo.
A subsidiária brasileira está no país há cerca de oitenta anos, com cerca de 1000 funcionários.
Possui uma planta farmacêutica, onde produz medicamentos das linhas ética, genérica e over the
counter (OTC)11 Outro segmento do negócio é a distribuição de produtos químicos e materiais de
laboratório feita através de um centro de distribuição, responsável pela venda de produtos
químicos importados diretamente da matriz na Alemanha. Finalmente, possui uma unidade de
negócio cuja planta está localizada no Nordeste.
11 Ver glossário.
87
O negócio farmacêutico representa a maior parte do faturamento, conforme gráfico 3:
Gráfico 3: Detalhamento do faturamento do negócio farmacêutico em 2006
(R$ milhões)
R$ 216,538
R$ 17,749
R$ 32,297
Éticos OTC Genéricos
81%
12%
7%
Fonte: Compilação de dados da autora a partir de relatório interno do banco de dados financeiros da
subsidiária
O Gráfico 3 mostra que o negócio de venda de medicamentos éticos no mercado doméstico
representa a maior parte do faturamento da subsidiária, 79% do negócio farmacêutico e 53% do
seu faturamento global. As exportações representam apenas 4% do faturamento do negócio
farmacêutico e 2% do faturamento global.
O negócio farmacêutico da subsidiária no Brasil passou por profundas transformações nos
últimos anos. A partir de 2002, diante dos repetidos resultados negativos, foi realizado um
profundo processo de reestruturação da empresa que envolveu não somente demissões, como
também substituição do corpo gerencial. Foram realizados diversos projetos buscando reduções
de custos e revisão de processos. Todo esse esforço teve resultados financeiros bastante
significativos, tanto no aumento do faturamento quanto no número de unidades vendidas12.
Os dados do IMS mostram que, entre 2002 e 2006, o laboratório subiu três posições no ranking
12 Informações internas obtidas pela pesquisadora como participante de vários projetos de redução de custos
iniciados em janeiro de 2007.
88
de unidades vendidas e duas, no ranking de vendas em dólares, colocando a empresa entre os
vinte maiores laboratórios nacionais (IMS, 2006). Isso representou um aumento no faturamento
de 53% em relação a 2002, conforme mostra o gráfico abaixo:
Gráfico 4: Evolução do faturamento da subsidiária 2002–2006
no segmento farmacêutico
0
100
200
300
400
2002 2003 2004 2005 2006
0%
5%
10%
15%
20%
Vendas globais (R$M) Crescimento relação ano anterior
Fonte: Compilação de dados da autora a partir de relatório interno do banco de dados financeiros da subsidiária
Apesar de todo o esforço realizado nos últimos cinco anos, um levantamento realizado pela
matriz na Alemanha em 2006 mostrou que a planta brasileira possui altos custos de produção
quando comparada às suas concorrentes na América Latina. Pressionada a reduzir tais custos a
patamares aceitáveis pela matriz, a subsidiária está, mais uma vez, buscando alternativas que
passam, novamente, pela demissão de funcionários, redução de níveis de investimento e custos
operacionais. Espera-se que todo esse esforço resulte em uma redução de custos de produção de
comprimidos da ordem de 15% ao final de 2007. Os custos altos de produção já causaram perda
de escopo da subsidiária, com a transferência de produção de um importante medicamento para
89
outra planta da América Latina13.
Essa busca por redução de custos enfrenta diversos obstáculos. O primeiro deles é a falta de
credibilidade da subsidiária perante a matriz, o que obriga a subsidiária a apresentar explicações e
justificativas detalhadas de todas as mudanças que pretende implementar. Trata-se de um
processo longo e burocrático que, muitas vezes, inviabiliza os projetos14.
Uma forma de reduzir os custos da produção é através do aumento do volume de comprimidos e
um dos caminhos encontrados foi a participação em processos licitatórios dos órgãos
governamentais. Neste caso, o obstáculo é a política de preços de transferência da matriz que a
obriga a importar fármacos de outras subsidiárias do laboratório, muitas vezes a preços pouco
competitivos quando comparados aos preços praticados pelo mercado15.
A planta brasileira produz medicamentos similares e medicamentos genéricos, mas uma
avaliação do faturamento por produto mostra que 80% do faturamento do negócio farmacêutico
estão concentrados nos medicamentos importados diretamente da matriz e em um produto cujo
princípio ativo é importado de uma subsidiária européia16.
A subsidiária entrou no negócio de medicamentos genéricos em 2001, quando foi publicado o seu
primeiro registro. Atualmente, o laboratório possui 48 registros, sendo que a maioria dos
medicamentos é importada de outras subsidiárias do grupo ou, ainda, de parceiros comerciais
localizados na Espanha e na Índia.
13 Dados confidenciais, o que impede a divulgação do país para onde será transferida a produção do medicamento. 14 Dados obtidos através de observação direta da pesquisadora, que participa, desde o início de 2007, de projetos de
redução de custo. 15 Dados obtidos pela pesquisadora a partir de sua participação na negociação dos preços, ocorrida em dezembro de
2006. 16 Dados obtidos pela pesquisadora através do acesso ao banco de dados financeiros da subsidiária.
90
A venda do negócio de genéricos foi anunciada no dia 14 de maio de 2007 pela matriz e está
gerando grande incerteza na operação brasileira, uma vez que ainda não existe uma definição
clara a respeito da continuidade desse negócio no Brasil.
A subsidiária possui um contrato comercial com o laboratório nacional selecionado que engloba
doze produtos, sendo cinco medicamentos vendidos pela subsidiária ao laboratório nacional e os
demais, ou seja, sete medicamentos, que são comprados pela subsidiária. No caso dos produtos
vendidos ao laboratório nacional, apenas um é produzido pela subsidiária na planta brasileira,
sendo os demais importados de uma subsidiária localizada no Canadá. Apesar do contrato, ambas
as empresas vendem todos os medicamentos no mercado, ou seja, são concorrentes entre si.
É interessante notar que a análise do faturamento de ambas as empresas para os medicamentos
que fazem parte desse acordo comercial mostra que, entre os doze produtos comercializados, a
subsidiária possui uma participação de mercado superior àquela do laboratório nacional para
apenas um deles (IMS, 2006).
4.4. O laboratório nacional
O laboratório nacional é uma empresa de capital fechado, fundada na década de 30, e que, até a
publicação da lei que instituiu os medicamentos genéricos no Brasil, era um laboratório de
pequeno porte com um portfólio de medicamentos similares.
A publicação da lei dos genéricos representou um marco divisório para esse laboratório, que
decidiu investir nesse novo negócio.
O crescimento desse laboratório está claramente relacionado ao lançamento dos medicamentos
91
genéricos. No período de dezembro de 2002 a dezembro de 2006, o laboratório subiu oito
posições no ranking geral de unidades vendidas do IMS, que inclui todos os laboratórios que
operam no Brasil. No ranking de faturamento em dólares americanos, o laboratório subiu sete
posições nesse mesmo período, estando, atualmente, entre os cinco maiores laboratórios
brasileiros (IMS, 2006).
Especificamente no mercado de medicamentos genéricos, em dezembro de 2006, o laboratório
estava entre os três maiores laboratórios brasileiros, tanto em unidades vendidas quanto em
faturamento em dólares americanos (IMS, 2006).
O website oficial desse laboratório informa que ele possui cerca de 1600 funcionários e 167
produtos, que tratam de aproximadamente 50 classes terapêuticas.
O gráfico a seguir mostra a evolução do faturamento do laboratório nacional no período de 2004
a 2006:
Gráfico 5: Evolução do faturamento do laboratório nacional 2004-2006
0
100
200
300
400
500
600
2004 2005 2006
40%
45%
50%
55%
60%
65%
70%
Vendas globais (US$Milhões) Crescimento relação ano anterior
Fonte: Compilação de dados da autora a partir do banco de dados IMS, 2006
92
Considerando o número de unidades vendidas, o laboratório também cresceu de forma
significativa nos últimos três anos como mostra o gráfico a seguir:
Gráfico 6: Evolução do número de unidades vendidas do laboratório nacional
entre 2004-2006
0
20
40
60
80
100
2004 2005 2006
10%
20%
30%
40%
50%
Unidades vendidas (Milhões) Crescimento relação ano anterior
Fonte: Compilação de dados da autora a partir do banco de dados IMS, 2006
Em 2006, o laboratório faturou US$ 361 milhões com o negócio de genéricos no Brasil, que
representou cerca de 70% do seu faturamento total (IMS, 2006).
Considerando que o crescimento do mercado farmacêutico brasileiro, em termos de número de
unidades vendidas, tem sido extremamente baixo (ver tabela 5, subitem 4.1.2), pode-se concluir
que o crescimento de um laboratório farmacêutico nos patamares do laboratório nacional
demonstra uma estratégia extremamente agressiva, baseada na redução da participação dos
concorrentes.
Como alternativa de expansão, o laboratório está investindo US$ 8 milhões em projetos de
ampliação da sua planta, prevendo um aumento de 30% na sua capacidade de produção,
93
conforme dados do website oficial.
Outra estratégia de crescimento é lançar mais medicamentos genéricos no mercado, aproveitando
a oportunidade oferecida pela eliminação da restrição a medicamentos genéricos hormonais, bem
como a queda de patentes. Com relação a este último aspecto, ressalta-se que o laboratório
nacional selecionado foi o primeiro a lançar no mercado o genérico de um importante
medicamento cuja patente expirou, sendo que essa agilidade somente foi possível porque foi feito
um acordo comercial com a subsidiária do laboratório estrangeiro que detinha a patente. Através
desse acordo, essa subsidiária passou a fornecer o medicamento ao laboratório nacional, que
comercializa o produto com a sua marca de medicamento genérico. Com essa estratégia, a
subsidiária evitou parte da perda de mercado já prevista com a entrada dos concorrentes
genéricos, mantendo parcialmente e de forma indireta a sua parcela de mercado17.
4.5. Análise da dimensão empresa-empresa
A primeira proposição deste estudo refere-se ao papel da subsidiária dentro da corporação.
Esperava-se que esse papel seria de implementador, de acordo com a tipologia de Bartlett e
Ghoshal (2000b) e sua interpretação para as subsidiárias brasileiras por Oliveira Jr. e Borini
(2004).
Conforme descrito no item 4.3, a matriz do laboratório estrangeiro concentra suas atividades de
pesquisa, referentes ao estágio I, na Europa, sendo que as atividades do estágio II também estão
concentradas naquele continente. Cabe à subsidiária brasileira apenas a produção dos
medicamentos, a partir de fármacos importados de coligadas européias, bem como as atividades
17 Fonte: Entrevista com Christiano, gerente de Novos Negócios do laboratório nacional, em 09/02/07
94
de marketing e comercialização.
Com relação a esse aspecto, conforme informado no subitem 4.2, a pesquisadora teve acesso aos
dados do faturamento por produto que comprovam que oitenta por cento do faturamento provêm
de medicamentos importados da matriz alemã e de um medicamento fabricado no Brasil cujo
princípio ativo é importado de uma subsidiária européia do grupo.
Ou seja, trata-se de uma subsidiária implementadora e que não possui responsabilidade
internacional.
Segundo Oliveira Jr. e Borini (2004), uma subsidiária implementadora pode ser considerada
como importadora no modelo de D’Cruz (1986), ou seja, não possui autonomia no processo de
tomada de decisão. Isso confirma a primeira proposição.
Os respondentes manifestaram-se de forma unânime a respeito do impacto da relação matriz-
subsidiária no processo de tomada de decisão, afirmando que se trata de um processo lento ao
passo que, no laboratório nacional, existe uma grande agilidade.
A frase abaixo, dita pelo diretor financeiro da subsidiária, reflete o pensamento dos respondentes
a respeito desse assunto:
Os nacionais têm uma tremenda vantagem de serem flexíveis, não precisam perguntar para a Alemanha, o chefe decide rapidamente aqui mesmo no Brasil.
Através das entrevistas, identificou-se outro fator que contribui com a demora no processo
decisório, ligado ao aspecto político da relação com outras ETNs. Um exemplo desse aspecto foi
a dificuldade encontrada pela subsidiária para lançar uma molécula genérica que não estava
coberta por patente no Brasil, mas que estava patenteada nos Estados Unidos e era
comercializada por outra ETN. O receio do conflito atrasou o processo de lançamento no
95
mercado brasileiro, fazendo com que a subsidiária perdesse uma oportunidade de mercado18.
Essa informação é corroborada em outra entrevista, onde o respondente menciona a existência de
um acordo tácito entre as ETNs que definem as classes terapêuticas em que atuam e evitam
lançar medicamentos naquelas classes que não estariam inicialmente previstas em seu portfólio.
Essa preocupação não existe entre os laboratórios nacionais19.
A segunda proposição refere-se às características que levariam uma subsidiária a contribuir com a
criação de vantagens competitivas para a ETN, conforme Birkinshaw, Hood e Jonsson (1998).
Trata de uma subsidiária que não possui perfil exportador, visto que as exportações representam
apenas 2% do seu faturamento total. Além disso, está inserida em um mercado competitivo e de
menor importância estratégica. Finalmente, há de se considerar que o relacionamento com a
matriz, que segundo os autores é importante na definição do papel da subsidiária, não é nem de
confiança nem mesmo de parceria20. Dessa forma, pode-se afirmar que a subsidiária não contribui
para o processo de criação de vantagens competitivas. Isso confirma a segunda proposição deste
estudo.
O fato de não contribuir com a criação de vantagens competitivas para a corporação reforça a
constatação anterior de que se trata de uma subsidiária implementadora sem responsabilidade
internacional, ou seja, não possui autonomia de tomada de decisão.
A terceira proposição é baseada em Chen e Cannice (2006) e refere-se à competitividade da
subsidiária em relação aos laboratórios nacionais. As entrevistas identificaram que a subsidiária
possui custos altos que se referem não somente à exigência de importação de fármacos
diretamente da matriz ou de outra subsidiária. A subsidiária também deve seguir requerimentos
com um padrão de exigência superior àquele exigido no Brasil, como, por exemplo, os padrões
18 Fonte: entrevista com João, diretor de genéricos, em 06/02/07. 19 Fonte: entrevista com Silas, gerente geral de medicamentos da ANVISA, em 07/02/07 20 Informação obtida pela pesquisadora como observadora participante.
96
de segurança, acarretando custos adicionais21.
A pesquisadora participou de diversas reuniões, realizadas a partir de janeiro de 2007 como parte
de um projeto de redução de custos, onde se debateu a questão da perda da competitividade da
subsidiária em função da obrigação de importar fármacos de coligadas do grupo. Essa perda de
competitividade torna-se mais crítica para a subsidiária na medida em que está buscando a
redução de custos fixos, o que pode ser alcançado, dentre outras formas, através do aumento do
volume de produção.
Em resumo, as entrevistas e a observação participante confirmaram que, por ser uma subsidiária
de um laboratório estrangeiro, existem custos adicionais que acarretam perda de competitividade.
Isso confirma a terceira proposição deste estudo.
As entrevistas indicaram que a agilidade e o preço são itens fundamentais para o sucesso no
mercado de medicamentos nacionais. Duas frases dos respondentes podem resumir essas
características. A primeira delas, ao ser questionado a respeito dos motivos de os laboratórios
nacionais serem os líderes do mercado de medicamentos genéricos no Brasil, Roberto, diretor de
Marketing e Vendas da subsidiária, respondeu:
Trata-se de um negócio de agilidade, de escala para poder ter margens competitivas, e os nacionais fazem isso com maestria.
O entendimento de Roberto é que esse é um mercado ágil, onde os primeiros a lançar uma
determinada molécula determinam o preço de referência e estabelecem sua participação de
mercado. Portanto, a agilidade no processo de decisões é fundamental para garantir o sucesso no
mercado de genéricos, sendo essa característica relacionada à dimensão empresa – empresa, por
envolver as relações entre matriz e subsidiária. Ele ainda menciona a necessidade de margens
competitivas, ou seja, o segundo fator de sucesso é a competitividade em preço.
21 Fontes: entrevistas com os seguintes respondentes da subsidiária: João, diretor de genéricos, em 06/02/07,
Roberto, diretor de Vendas e Marketing, em 14/02/07 e Flávio, diretor financeiro, em 14/02/07.
97
A respeito desse mesmo tema, a segunda frase foi dita por João, diretor de genéricos da
subsidiária, ao afirmar que, nesse mercado, “...vendemos parafusos”. Ou seja, as vendas baseiam-
se em preço e não na marca do medicamento, como acontece no mercado de medicamentos
similares.
A subsidiária, portanto, não possui agilidade no processo de tomada de decisões por depender do
parecer final de sua matriz em um processo que é, muitas vezes, longo e burocrático. Isso não
acontece com o laboratório nacional, uma vez que os gerentes possuem maior autonomia e,
quando necessário, o tomador da decisão está próximo e acessível22. Ou seja, a rapidez na tomada
de decisão confere ao laboratório nacional uma agilidade que é compatível com as exigências do
mercado brasileiro de genéricos.
Por outro lado, a subsidiária brasileira perde competitividade quando é obrigada, pelas regras da
matriz, a importar fármacos de outra subsidiária no exterior e a seguir regras e requerimentos
com padrões superiores àqueles adotados no Brasil. O laboratório nacional, por sua vez, não
precisa lidar com as regras de preço de transferência e tem a liberdade de escolher o fabricante
que atenda às suas necessidades de qualidade e preço23. Mais uma vez, pode-se concluir a
vantagem do laboratório nacional no item competitividade em preço.
A confirmação das três hipóteses acima mostra, através da realidade dos dados empíricos, que a
relação com a matriz é um fator que inviabiliza o aumento dos níveis de desempenho da
subsidiária no mercado de medicamentos genéricos. Trata-se de uma constatação aparentemente
contraditória uma vez que deveria ser do interesse da matriz viabilizar estratégias que
permitissem o sucesso da subsidiária dentro do país hospedeiro.
A explicação dessa contradição pode ser encontrada a partir de Oliveira Jr. e Borini (2003), que
concluíram que a maioria das subsidiárias brasileiras opera segundo o modelo do ciclo de vida do
22 Fonte: Entrevista com Christiano, gerente de Novos Negócios do laboratório nacional, em 09/02/07.
98
produto de Vernon. Assim, elas são vistas pela matriz como canais de exploração de recursos no
país hospedeiro e envio de remessas de lucros. Dentro do papel de emissora de lucros, a matriz
mantém a subsidiária sob estrito controle, obrigando-a a pagar preços de transferência, superiores
àqueles de mercado, em detrimento do seu desempenho e de suas estratégias de crescimento no
país hospedeiro24. A prática de preços de transferência representa, em última instância, a grande
motivação e, ao mesmo tempo, uma importante vantagem competitiva da ETN, tratando-se de
uma decisão estratégico-financeira que é feita à revelia das aspirações e estratégias da subsidiária.
A identificação da prática de preço de transferência como uma vantagem competitiva da ETN
contribui no preenchimento de uma lacuna na tipologia de Bartlett e Ghoshal (2000b), uma vez
que os autores não abordam a questão das motivações que levam a matriz a atribuir o papel de
implementadora a uma subsidiária.
Vale ressaltar que o laboratório nacional agrega, além da sua agilidade e competitividade em
preços, uma estratégia bastante agressiva tanto no que se refere aos aspectos regulatórios quanto
às vendas, em oposição à subsidiária que possui uma atitude mais conservadora. A atitude
agressiva significa que são assumidos riscos regulatórios que podem resultar em penalidades e
sanções a serem aplicadas pela ANVISA. Para a subsidiária, uma sanção da ANVISA é vista
como inaceitável e, para o laboratório nacional, como parte do negócio25.
Com relação ao relacionamento comercial com o laboratório nacional, existem duas visões
diferentes. Sob o ponto de vista da subsidiária, trata-se do reconhecimento que a entrada do
genérico representará a perda de participação no mercado e que, conseqüentemente, a venda
através do laboratório nacional irá garantir a manutenção dessa participação, mesmo que de
forma indireta. Por outro lado, quando o laboratório nacional vende para a subsidiária, o objetivo
23 Fonte: Entrevistas com Christiano, gerente de Novos Negócios do laboratório nacional, em 09/02/07, Roberto,
diretor de Vendas e Marketing, e Flávio, diretor financeiro, em 14/02/07, ambos da subsidiária. 24 Informação obtida pela pesquisadora como observadora participante: 25 Fonte: Entrevistas com Silas, gerente geral de medicamentos da ANVISA, em 07/02/07 e Lúcia, gerente de
Assuntos Regulatórios da subsidiária, em 08/02/07.
99
é aumentar a sua participação no mercado, reduzindo as vendas de seus concorrentes como parte
de uma estratégia agressiva26.
4.6. Análise da dimensão governo-empresa
Para essa dimensão, a quarta proposição do estudo é de que a relação da ANVISA com a
subsidiária deveria ser mais difícil e conflitante que aquela com o laboratório nacional, tendo em
vista o Brasil ter sido classificado como um país corporativista, conforme modelo de Murtha e
Lenway (1994) e moderadamente aberto, conforme Stopford e Strange (1991).
Todos os respondentes afirmaram que as empresas que eles representam possuem boas relações
com a ANVISA. Particularmente no caso da subsidiária, o bom relacionamento resultou de um
esforço realizado no sentido de se adaptar ao novo ambiente regulatório, o que envolveu a
mudança de profissionais tanto na área técnica quanto na área de assuntos regulatórios. Como
exemplo, cita-se a contratação de uma pessoa, ex-funcionária da ANVISA, que foi definida como
único ponto de contato com o órgão regulador27.
Os representantes expatriados da subsidiária possuem uma impressão de que os laboratórios
nacionais teriam um acesso mais fácil à ANVISA e que o Brasil seria um país protecionista. Há
um entendimento entre esses respondentes de que existe uma preferência pelos fabricantes
nacionais que teriam maior facilidade na obtenção de registros28.
No entanto, o respondente da ANVISA foi categórico ao afirmar que não existe nenhum tipo de
26 Fontes: entrevistas com Flávio, diretor financeiro da subsidiária, em 14/02/07 e Christiano, gerente de Novos
Negócios do laboratório nacional, em 09/02/07. 27 Fonte: Entrevista com Roberto, diretor de Marketing e Vendas da subsidiária, em 14/02/07. 28 Fonte: Entrevista com João, diretor de genéricos, em 06/02/07 e Flávio, diretor financeiro, em 14/02/07, ambos
da subsidiária.
100
preferência. A maior eficiência dos laboratórios nacionais na obtenção de respostas aos pleitos
junto à ANVISA dever-se-ia ao fato de os mesmos possuírem um volume maior de processos
junto ao órgão regulador29.
A tabela a seguir mostra que realmente os laboratórios nacionais são os maiores “clientes” do
órgão:
Tabela 6: Tabela de processos e petições deferidas pela ANVISA em 2006
Fonte: Compilação de dados da autora, com base em seminário realizado pela ANVISA em dezembro de 2006 em Brasília
O quadro acima mostra que, de um total de 6183 processos e petições, cerca de 80% foram
protocolizados por laboratórios nacionais.
Esse maior contato com a ANVISA ajudaria no estabelecimento de um canal de comunicação
mais ágil e, principalmente, na elaboração correta de dossiês30 para o registro de medicamentos.
Cabe destacar a importância do correto preenchimento do dossiê, uma vez que a inclusão de uma
informação no lugar errado pode causar um atraso no processo de até um mês, pois pode gerar
exigências desnecessárias por parte da ANVISA junto ao laboratório31.
29 Fonte: Entrevista com Silas, gerente geral de medicamentos da ANVISA, em 07/02/07 e Christiano em 09/02/07. 30 Ver glossário. 31 Fonte: Entrevista com Silas, gerente geral de medicamentos da ANVISA, em 07/02/07.
101
A importância desse relacionamento com a ANVISA e a capacidade de obter respostas rápidas
desse órgão advêm do fato de que um portfólio amplo de medicamentos, englobando diversas
classes terapêuticas, é fundamental para o sucesso no mercado nacional de medicamentos
genéricos. Esse portfólio é um importante instrumento de negociação com os distribuidores,
conforme afirma o representante do laboratório nacional, Christiano, gerente de Novos Negócios,
ao ser questionado a respeito da diferença entre o mercado de medicamentos éticos e de
genéricos:
Obviamente, nesse mercado, há a necessidade de se ter a maior cesta de produtos possível para distribuidor e para a farmácia.
Aqui, o entrevistado está referindo-se ao portfólio de medicamentos que, quanto mais amplo,
maior a possibilidade de sucesso nesse mercado. Neste caso, pode-se relacionar o fator à relação
governo-empresa, uma vez que a obtenção de um portfólio amplo depende não somente da
agilidade e da eficiência regulatória do laboratório, mas, principalmente, do relacionamento que
esse laboratório possui com a ANVISA.
Além disso, deve-se levar em consideração o fato de o laboratório nacional ter dado credibilidade
ao governo quando foi publicada a Lei 9787/99, enxergando aquele novo mercado como uma
oportunidade de crescimento32. Dessa forma, foram utilizadas todas as facilidades oferecidas pelo
governo aos primeiros entrantes, que permitiram o estabelecimento de um portfólio variado.
Além disso, esse portfólio vem sendo mantido e ampliado através de ações estratégicas do
laboratório nacional33.
Por outro lado, a subsidiária não soube aproveitar a grande vantagem competitiva que possuía por
fazer parte de um grupo do qual participava um dos maiores laboratórios de genéricos do mundo.
A principal razão foi a lentidão no processo de tomada de decisão a respeito do negócio. Assim, a
subsidiária perdeu a oportunidade de efetivar o primeiro passo na direção da liderança desse
32 Fonte: Entrevistas com Silas em 07/02/07 e Katherine em 16/02/07. 33 Fonte: Entrevista com Christiano, gerente de Novos Negócios do laboratório nacional, em 09/02/07.
102
mercado, que seria a obtenção de um portfólio amplo de medicamentos, utilizando facilidades
como o fast track.
Essa constatação está expressa na seguinte frase:
O erro foi no começo, não começamos com a velocidade e agressividade necessárias que os nacionais tiveram naquele momento por razões de temor por um novo negócio (...) . Quando o negócio começou, conseguimos registrar somente um produto no fast track. Era para termos aproveitado esse momento e registrar muitos produtos (Fonte: entrevista com João, diretor de genéricos da subsidiária, em 06/02/07).
Com efeito, em maio de 2007, a subsidiária possuía quarenta e cinco registros de medicamentos
genéricos, enquanto que o laboratório nacional, cento e cinqüenta, ou seja, cerca de três vezes
mais registros.
Na opinião da pesquisadora, não existem evidências que comprovem nenhum tipo de
favorecimento aos laboratórios nacionais em detrimento dos estrangeiros. A única indicação
nesse sentido partiu de duas entrevistas onde os respondentes são expatriados, o que pode indicar
certo preconceito com relação ao laboratório nacional ou desconhecimento da forma como as
empresas brasileiras relacionam-se com os órgãos governamentais.
A não confirmação do referencial teórico adotado frente aos dados empíricos obtidos nesse
estudo suscita questionamentos quanto a um possível viés existente no modelo de Murtha e
Lenway (1994), autores norte-americanos com uma visão pluralista e de economia de mercado,
adequada aos modelos existentes nos Estados Unidos.
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de se tratar de uma ETN de origem alemã, país
corporativista de acordo com os mesmos autores, ou seja, com as mesmas premissas de
relacionamento entre empresas e governo que o Brasil. Por esse motivo, seria esperado que os
dirigentes da subsidiária brasileira não tivessem dificuldades em lidar com o contexto brasileiro,
o que não parece ser o caso dos expatriados da subsidiária em análise nesse estudo.
103
Por outro lado, as evidências obtidas nas entrevistas34, bem como nas diferenças entre os números
de registros junto à ANVISA, conforme informado acima, indicam que os laboratórios nacionais
foram capazes de desenvolver competências e conhecimento que permitiram o estabelecimento
de canais de comunicação junto à ANVISA e são capazes de produzir dossiês de alta qualidade.
Dessa forma, no aspecto do relacionamento com o governo, a quarta proposição não foi
confirmada, uma vez que não existem evidências que apontam para um tratamento diferenciado
para os laboratórios nacionais. Também não se pode afirmar que o relacionamento com a
ANVISA depende diretamente do número de processos protocolizados no órgão regulador.
4.7. Análise final
Os resultados das entrevistas mostraram que o mercado de genéricos possui características
bastante distintas daquelas do mercado de medicamentos éticos e, por esse motivo, um
laboratório, ao decidir entrar nesse segmento, deverá adequar-se às suas exigências específicas.
Trata-se de um mercado onde o preço, o portfólio e a agilidade fazem uma enorme diferença,
principalmente em um segmento regulado onde a obtenção de um novo registro, além de ser um
processo de custos elevados, pode demorar anos.
Nesse mercado, estar entre os primeiros a lançar uma nova molécula é fundamental para definir
um preço de referência e garantir a participação. Dessa forma, aqueles laboratórios que
conseguiram lançar o maior número de moléculas logo após a publicação da lei dos genéricos,
34 Fonte: Entrevistas com Christiano, gerente de Novos Negócios do laboratório nacional, em 09/02/07 e Roberto,
diretor de Marketing e Vendas da subsidiária, em 14/02/07.
104
aproveitando-se do interesse do governo de, naquele momento, criar uma massa crítica,
conseguiram estabelecer uma posição de mercado.
A partir da análise da dimensão empresa-empresa, conclui-se que a subsidiária do laboratório
estrangeiro é implementadora e não contribui com a criação de vantagens competitivas dentro da
corporação, ou seja, não possui autonomia no processo de tomada de decisões. Além disso, tem
sua competitividade afetada pelo fato de ser obrigada a seguir regras e requerimentos de sua
matriz alemã.
Essas afirmações confirmam as três proposições elaboradas no item 2.3., referentes à dimensão
empresa-empresa, sendo que as entrevistas indicaram que têm impacto no desempenho da
subsidiária, tendo em vista a especificidade do mercado brasileiro de medicamentos genéricos,
que requer empresas ágeis e com capacidade de ofertar preços competitivos.
Conforme foi discutido no item 4.5, ao impor um papel de implementadora à subsidiária, a matriz
está colocando em prática a vantagem competitiva que o preço de transferência proporciona,
demonstrando uma priorização das decisões estratégico-financeiras sobre as possíveis intenções
da subsidiária de ampliar sua participação no mercado do país hospedeiro. Na opinião da
pesquisadora, o entendimento de que o preço de transferência é uma vantagem competitiva se
configura como uma constatação surpreendente, além de contribuir para o preenchimento de uma
lacuna da tipologia de Bartlett e Ghoshal (2004b) ao indicar a motivação da matriz ao definir um
papel de implementadora às suas subsidiárias.
A dimensão governo-empresa foi analisada à luz das relações ANVISA-subsidiária e ANVISA-
laboratório nacional. Neste caso, a proposição de que a relação ANVISA-subsidiária seria mais
conflitante que aquela do órgão regulador com o laboratório nacional não foi confirmada. No
entanto, as entrevistas apontaram para uma diferença entre ambas as empresas, subsidiária e
laboratório nacional, que fundamenta a resposta para a pergunta de pesquisa, conforme se explica
105
seguir.
Após a construção de um amplo portfólio de medicamentos, o laboratório tem que manter esse
portfólio ativo, o que implica em obter renovações de registro, autorizações da ANVISA para
mudanças de processos, de fabricantes de fármacos e todas as atividades que envolvam a
manutenção de um registro. Isso significa que um bom relacionamento com o órgão regulador é
fundamental, implicando em conhecer as pessoas certas que poderão analisar e agilizar a
avaliação dos processos. Neste sentido, o presente estudo permite pressupor que, por ter um
maior volume de requerimentos na ANVISA, o laboratório nacional consegue estabelecer um
relacionamento mais próximo, permitindo a obtenção de respostas mais rápidas.
O fato de não ter sido constatada qualquer evidência de tratamento diferenciado para os
laboratórios nacionais é surpreendente e levou a pesquisadora a sugerir a existência de um viés no
referencial teórico adotado, baseado em autores norte-americanos. Uma visão pluralista e de
economia de mercado estaria refletida na classificação dos países pelos autores, particularmente
quando atribuem um perfil protecionista a países corporativistas.
Um fator adicional que auxilia na resposta para a pergunta de pesquisa estaria relacionado ao
foco principal do negócio da subsidiária no Brasil e do laboratório nacional. No caso da
subsidiária, o foco é os medicamentos éticos e isso está refletido na participação desse tipo de
produto no seu faturamento total no Brasil, 53% em 2006, enquanto que a venda de genéricos
representou apenas 2%, conforme informado no item 4.3. No caso do laboratório nacional, a
venda de genéricos representou 70% do faturamento total em 2006, conforme informado no item
4.4.
No entanto, a pesquisadora não considera que o foco exclusivo no negócio de genéricos seja a
única razão para o sucesso de um laboratório dentro desse mercado no Brasil. Essa afirmação
baseia-se no fato de que os laboratórios indianos não tiveram, até o momento, o mesmo sucesso
106
no Brasil que obtiveram em outros mercados. Como exemplo, a Ranbaxy, laboratório estrangeiro
com foco em medicamentos genéricos e citada por Sinha (2005) como exemplo de uma ETN
indiana bem-sucedida no mercado internacional, ocupa a posição 60 no ranking geral de vendas
em dólares de laboratórios no Brasil. Uma análise do período 2002-2006 mostra que o laboratório
perdeu sete posições no ranking de unidades vendidas, caindo de 48ª para a posição 55ª, e treze
posições no ranking de vendas em dólares, caindo do 42o para 55o lugar (IMS, 2006).
107
5. CONCLUSÕES E SUGESTÕES
Pode-se concluir, respondendo dessa forma integralmente à pergunta de pesquisa, que a
subsidiária não lidera o mercado brasileiro de medicamentos genéricos porque não possui os três
principais fatores que poderiam torná-la um candidato a líder, ou seja, agilidade no processo de
tomada de decisão, preços competitivos e relacionamento com a ANVISA.
Essa conclusão baseia-se nas quatro proposições apresentadas no item 2.3, sendo que uma delas,
aquela que se refere à relação governo-empresa, não se confirmou através dos dados levantados
neste estudo.
Na análise da dimensão empresa-empresa, foram levantadas três proposições.
A primeira delas foi fundamentada no referencial teórico relativo às tipologias de Bartlett e
Ghoshal (2000b) e D’Cruz (1986), que foi confirmado através da caracterização da subsidiária
como implementadora ou importadora. Em seguida, com base no estudo de Oliveira Jr. e Borini
(2003), concluiu-se que essa caracterização permite a constatação de que a subsidiária não possui
autonomia no processo de tomada de decisão. A confirmação baseou-se na análise da composição
do escopo atual da subsidiária, bem como na manifestação unânime dos respondentes a respeito
do impacto da relação matriz-subsidiária no processo de tomada de decisão, afirmando que se
trata de um processo lento, ao passo que, no laboratório nacional, existe uma grande agilidade. A
agilidade foi apontada pelos respondentes como fator fundamental para o sucesso no mercado
brasileiro de medicamentos genéricos.
A segunda proposição referia-se ao fato de a subsidiária não possuir autonomia no processo
decisório, baseada no referencial teórico de Birkinshaw, Hood e Jonsson (1998), que se refere às
características que levariam uma subsidiária a contribuir com a criação de vantagens competitivas
108
para a ETN. A confirmação foi possível a partir da análise da composição de seu faturamento
total, onde as exportações representam apenas 2%. Além disso, foi analisado o mercado onde está
inserido, que é altamente competitivo, e o seu relacionamento com a matriz, que não é nem de
confiança, nem mesmo de parceria.
A terceira proposição baseou-se no estudo de Chen e Cannice (2006) e também foi confirmada,
quando se constata que a subsidiária não é competitiva em relação ao laboratório nacional em
função das exigências e dos requerimentos da sua relação com a matriz. Essa constatação foi
possível a partir dos resultados das entrevistas, bem como da observação participante, uma vez
que a pesquisadora, desde o início de 2007, tem participado ativamente dos projetos de redução
de custos na subsidiária. Como o preço é a base da competição no que se refere a medicamentos
genéricos, a subsidiária encontra, mais uma vez, uma barreira para o seu sucesso nesse mercado.
A triangulação dos resultados obtidos a partir das proposições acima resultou na constatação de
que preços de transferência são uma vantagem competitiva, exercida pela matriz, mesmo quando
representa um conflito com os interesses da subsidiária. Com essa constatação, o presente estudo
contribui no preenchimento de uma lacuna na tipologia de Bartlett e Ghoshal (2000b) ao indicar
as motivações que direcionam a decisão da matriz na atribuição de um papel de implementadora
a uma subsidiária.
A análise da dimensão governo-empresa foi feita à luz do referencial teórico de Murtha e Lenway
(1994), que previa uma relação entre a ANVISA-subsidiária mais conflitante que entre a
ANVISA-laboratório nacional. Essa proposição não se confirmou, mas as entrevistas mostraram
evidências que auxiliaram na resposta à pergunta de pesquisa, ao apontarem que, por ter um
maior volume de requerimentos junto à ANVISA, o laboratório nacional consegue estabelecer
um relacionamento mais próximo, permitindo a obtenção de respostas mais rápidas. Isso
contribui com a obtenção de um portfólio mais amplo de produtos.
109
O fato de o referencial teórico de Murtha e Lenway (1994) não ter sido confirmado é, também,
um resultado surpreendente na visão da pesquisadora, na medida em que suscita questionamentos
com relação a um possível viés dos autores em função da sua nacionalidade e por terem uma
visão de economia de mercado bastante ligada aos processos de intermediação entre público e
privado que ocorrem nos Estados Unidos.
Além do referencial teórico baseado na análise das relações governo-empresa e empresa-
empresa, a estratégia definida para o negócio, com foco nos medicamentos genéricos, poderia ser
um fator adicional para explicar a liderança do laboratório nacional. No entanto, a pesquisadora
entende que uma estratégia de foco no negócio de genéricos não é a única razão para o sucesso de
um laboratório dentro desse segmento.
Conforme havia sido identificado no item 1.5, o estudo realizado por Silva e Cohen (2004)
poderia contribuir com a resposta da pergunta de pesquisa. Com efeito, os autores identificaram o
laboratório nacional selecionado para esse estudo como pertencente ao grupo cuja estratégia é de
liderança em custos, forte atuação no mercado de medicamentos genéricos, pequena participação
no mercado de medicamentos éticos, baixo nível de inovação e menor preço médio praticado pelo
mercado. Além disso, foi o grupo que mais lançou medicamentos desde o ano de 1999, quando
foi publicada a lei que institui os medicamentos genéricos no Brasil.
Os autores confirmam as três características de um laboratório de sucesso no mercado de
genéricos no Brasil, conforme identificado no presente estudo. A estratégia de liderança em
custos reflete a característica primária desse mercado, ou seja, competição por menor preço. A
agilidade e o relacionamento com a ANVISA estão presentes na constatação dos autores de que
os laboratórios nacionais tiveram um grande número de lançamentos desde a implantação oficial
dos medicamentos genéricos no Brasil.
Conclui-se que o presente estudo respondeu à pergunta de pesquisa e contribui para preencher
110
uma lacuna na literatura, referente à análise do mercado brasileiro de medicamentos genéricos à
luz de um referencial teórico dos âmbitos de economia política internacional e negócios
internacionais.
A abordagem positivista adotada no presente estudo aliada a uma metodologia de estudo de caso
acabaram por suprimir a posição crítica de insider da pesquisadora, fazendo com que a análise
não se aprofundasse nas contribuições que poderiam ser agregadas considerando o papel da
pesquisadora de profissional do setor. Apesar dessa limitação, os resultados encontrados foram
surpreendentes, o que leva a pesquisadora a sugerir, como estudo futuro, uma avaliação mais
ampla do tema, o que poderia ser feito a partir de uma nova pergunta de pesquisa: Qual é o
desempenho das subsidiárias no mercado brasileiro de medicamentos genéricos?
Com relação a outros estudos futuros a respeito do tema, sugere-se avaliar o processo de
internacionalização dos grandes laboratórios nacionais, na mesma linha sugerida por Sinha
(2005), que cita a Ranbaxy como exemplo de um laboratório de país emergente que conseguiu
obter sucesso no exterior. Outro estudo sugerido é a avaliação do desempenho dos Laboratórios
Aché, que entraram nesse mercado em 2006 através da aquisição da Biosintética, laboratório com
foco em medicamentos genéricos. Por se tratar de um laboratório tradicionalmente voltado para o
mercado de medicamentos éticos, o estudo poderia avaliar a extensão do impacto do foco dentro
desse negócio. Finalmente, sugere-se analisar de forma mais detalhada o relacionamento
comercial entre a subsidiária e o laboratório nacional, buscando identificar as implicações e os
interesses para ambas as empresas.
111
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GLOSSÁRIO
Bioequivalência – Consiste na demonstração de equivalência farmacêutica entre os produtos apresentados sob a mesma forma farmacêutica, contendo idêntica composição qualitativa e quantitativa de princípio(s) ativo(s) e que tenham comparável biodisponibilidade, quando estudados sob um mesmo desenho experimental (Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999).
Dossiê - Conjunto de documentos, exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária -ANVISA, que forma um processo para o registro de um medicamento (Consulta Pública nº 99, de 16 de dezembro de 2002).
Droga - Substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária (Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973).
Fármaco - Substância química que é o princípio ativo do medicamento. (Portaria n.° 3.916/98; Resolução do CFF n° 357/01)
Farmoquímico – Todas as substâncias ativas ou inativas que são empregadas na fabricação de produtos farmacêuticos. (Portaria n° 3916/98)
Insumo farmacêutico - Droga ou matéria-prima aditiva ou complementar de qualquer natureza, destinada a emprego em medicamentos, quando for o caso, e seus recipientes (Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973).
Medicamento - Produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico (Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973).
Medicamento ético – Medicamento que necessita de prescrição médica para ser vendido (Pinto, 2004).
Medicamento genérico – Medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou a renúncia da proteção patentária, ou de outros direitos de exclusividade, sendo comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela DCB ou, na sua ausência, pela DCI (Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999).
Medicamento over the counter (OTC) – Medicamento de venda livre, também chamado de não ético. (Pinto, 2004)
Medicamento de referência – Produto inovador registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária e comercializado no país, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente no órgão federal competente, por ocasião do registro (Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999).
Medicamento similar – Aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios ativos, apresenta
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a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica, preventiva ou diagnóstica, do medicamento de referência registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, podendo diferir somente em características relativas ao tamanho e forma do produto, prazo de validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos, devendo sempre ser identificado por nome comercial ou marca (Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999).
Registro do produto - Ato privativo do órgão competente do Ministério da Saúde destinado a comprovar o direito de fabricação do produto submetido ao regime da Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976 (Decreto 79.094 de 5 de janeiro de 1977).
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ANEXOS
Roteiros de entrevista
Anexo 1 - Instituição: Subsidiária
Anexo 2: Instituição: Pró-Genéricos
Anexo 3: Instituição: Laboratório nacional
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Anexo 1:
Instituição: Subsidiária
1. A partir de 1990, quais as principais mudanças ocorridas no cenário internacional que, em sua opinião, tiveram impacto no mercado farmacêutico e, mais especificamente, na sua empresa?
2. Quais foram, se for o caso, as decisões estratégicas correspondentes?
3. No âmbito das relações entre matriz e subsidiária brasileira, poderia descrever brevemente a evolução do processo decisório, com destaque para o grau de liberdade da subsidiária na tomada de decisões e o correspondente impacto no seu negócio?
4. Em 2004 e 2005, cerca de 80% faturamento anual da empresa foram concentrados na Europa e na Ásia, e apenas 10% na América Latina.
5. Qual é, em sua opinião, a real importância estratégica da subsidiária brasileira dentro do negócio da empresa?
6. Quais os impactos da elevação dos marcos regulatórios, iniciada em 1999 com a criação da ANVISA, nos negócios da subsidiária brasileira?
7. Quais foram as ações adotadas pela empresa no sentido de se adequar ao novo panorama regulatório e ao novo modelo de relação governo-empresa?
8. Quais foram os motivos que levaram tanto a matriz quanto a subsidiária a atuarem no segmento de medicamentos genéricos?
9. Quais são as principais diferenças entre o mercado de éticos e o de genéricos, considerando todas as etapas, desde o desenvolvimento do produto, a obtenção de registro, a fabricação até a comercialização?
10. Quais foram as estratégias implementadas pela subsidiária no Brasil, no período de 2000 até 2006, para os segmentos ético e genérico, bem como seus respectivos sucessos e fracassos?
11. Como e quais são as relações entre a empresa com os laboratórios nacionais que atuam no mercado de genéricos?
12. Quais são as perspectivas do negócio de genéricos na subsidiária no Brasil?
13. Na sua opinião, quais as razões de sucesso dos laboratórios nacionais no mercado de genéricos e, ainda, quais são as vantagens competitivas desses laboratórios em relação às empresas multinacionais européias e americanas?
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Anexo 2:
Instituição: Pró-Genéricos
1. Qual é a forma de atuação da instituição no que se refere ao relacionamento com os laboratórios e os órgãos governamentais?
2. Qual é, em sua opinião, o panorama atual do mercado farmacêutico no Brasil?
3. Em outras palavras, quais são os principais desafios e oportunidades?
4. relatório da Febrafarma de 2005 mostra as exportações do mercado farmacêutico. Na sua opinião, quais são os motivos que estão levando os laboratórios a buscarem o mercados fora do país?
5. A partir de 1999 com a criação da ANVISA, pode-se afirmar que os laboratórios estão diante de marcos regulatórios cada vez mais elevados. Quais foram, na sua opinião, os impactos nas estratégias dos laboratórios?
6. Como evoluiu o relacionamento entre a sua instituição e a ANVISA desde a criação desta última e quais são os maiores problemas e perspectivas?
7. Quais as ações da instituição no sentido de se adequar a esse novo modelo de relacionamento com o governo?
8. Podemos identificar diferenças de atuação entre os laboratórios multinacionais e os nacionais em seu relacionamento com os órgãos governamentais?
. Em sua opinião, quais são as perspectivas futuras do mercado brasileiro de genéricos e os seus principais desafios?
10. Em sua opinião, quais as razões de sucesso dos laboratórios nacionais nesse mercado e, ainda, quais são as vantagens competitivas desses laboratórios em relação às empresas multinacionais européias e americanas?
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Anexo 3:
Instituição: Laboratório nacional
1. A partir de 1990, quais as principais mudanças ocorridas no cenário internacional que, em sua opinião, tiveram impacto no mercado farmacêutico e, mais especificamente, na sua empresa?
2. Quais foram, se for o caso, as decisões estratégicas correspondentes?
3. Poderia descrever brevemente o processo decisório dentro da sua empresa, com destaque para a agilidade na tomada de decisões e o correspondente impacto no seu negócio?
4. Quais os impactos da elevação dos marcos regulatórios, iniciada em 1999 com a criação da ANVISA, nos negócios da sua empresa?
5. Quais foram as ações adotadas pela empresa no sentido de se adequar ao novo panorama regulatório e ao novo modelo de relação governo-empresa?
6. Quais foram os motivos que levaram sua empresa a atuar no segmento de medicamentos genéricos?
7. Quais são as principais diferenças entre o mercado de éticos e o de genéricos, considerando todas as etapas, desde o desenvolvimento do produto, a obtenção de registro, a fabricação até a comercialização?
8. Quais foram as estratégias implementadas, no período de 2000 até 2006, para os segmentos ético e genérico, bem como seus respectivos sucessos e fracassos?
9. Como e quais são as relações entre a empresa e os laboratórios multinacionais que atuam no mercado de genéricos?
10. Quais são as perspectivas do negócio de genéricos para a sua empresa?
11. Na sua opinião, quais as razões de sucesso dos laboratórios nacionais no mercado de genéricos e, ainda, quais são as vantagens competitivas desses laboratórios em relação às empresas multinacionais européias e americanas?
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Anexo 4:
Instituição: ANVISA
1. Como era o controle regulatório sobre os laboratórios antes da criação da ANVISA?
2. Quais foram as razões que levaram o governo federal a criar a ANVISA e a promover a elevação dos marcos regulatórios a partir de 1999?
3. Qual foi a reação dos laboratórios frente a essa elevação de marcos regulatórios? Podem-se perceber reações diferentes entre laboratórios estrangeiros e nacionais?
4. Quais foram os motivos que levaram o governo federal a estimular a comercialização de medicamentos genéricos no Brasil?
5. Como e quais são as relações entre a ANVISA e os laboratórios, nacionais e estrangeiros, que atuam no mercado de genéricos?
6. Podemos identificar diferenças de atuação entre os laboratórios multinacionais e os nacionais em seu relacionamento com os órgãos governamentais?
7. Em sua opinião, quais são as perspectivas futuras do mercado brasileiro de genéricos e os seus principais desafios?
8. Em sua opinião, quais as razões de sucesso dos laboratórios nacionais no mercado de genéricos e, ainda, quais são as vantagens competitivas desses laboratórios em relação às empresas multinacionais européias e americanas?