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MESTRADO EM CONTABILIDADE E CONTROLO DE GESTÃO
O Abandono e o Retorno do
Orçamento: Um Estudo de Caso
Maria Regina Moreira da Silva Alves Mota
M 2018
O ABANDONO E O RETORNO DO ORÇAMENTO: UM ESTUDO DE CASO
Maria Regina Moreira da Silva Alves Mota
Dissertação
Mestrado em Contabilidade e Controlo de Gestão
Orientado por
Professor Dr. João Pedro Figueiredo Ferreira de Carvalho Oliveira
2018
i
Agradecimentos
Em primeiro lugar uma palavra de sincero agradecimento ao meu orientador Professor Dr.
João Pedro Oliveira. Cedo me apercebi que seria a pessoa certa para comigo formar uma boa
“equipa” e para me acompanhar nesta fase que certamente se tornou menos complexa e
“penosa” graças à sua constante disponibilidade, ajuda, motivação e sugestões construtivas.
Muito obrigada por tudo, Professor!
À Calçamoda, em especial ao seu Diretor Geral, não só pela sua permissão para a realização
deste estudo de caso, mas também pela disponibilidade na entrevista realizada, assim como
aos restantes entrevistados, pelo tempo disponibilizado e pela ajuda que se prontificaram em
prestar desde o primeiro momento em que tiveram conhecimento da presente dissertação.
À minha família pelo apoio e confiança que me deram ao longo deste tempo, em especial à
minha tia Maria Cecília Silva, por ter plantado a semente na realização do mestrado e me ter
dado força para avançar, e também por todo o acompanhamento e encorajamento que
sempre me deu e me dá.
Finalmente (mas não os últimos), aos meus amigos, pela paciência e por perceberem a minha
ausência em alguns momentos de maior aperto. Um agradecimento especial à minha amiga
Raquel, não só por ter percebido algumas ausências minhas, mas também por ter sido uma
grande impulsionadora e motivadora nesta reta final do mestrado.
ii
Resumo
A presente investigação aborda a temática orçamental, investigando a importância e as
práticas orçamentais numa empresa do setor do calçado. Esta análise reveste-se de particular
interesse uma vez que o orçamento, em moldes considerados “tradicionais”, existiu até 2016,
foi abandonado em 2017 e voltou a ser adotado em 2018. Desta forma, o propósito deste
trabalho é compreender as causas e as consequências, quer do abandono do orçamento, quer
do seu retorno.
A literatura apresenta uma variedade de posições face ao orçamento existindo, por um lado,
autores que defendem o orçamento tradicional, e outros que o consideram ultrapassado,
sugerindo abordagens alternativas ao mesmo. Desta forma, este estudo numa empresa
específica será mais um contributo para a discussão desta temática, nomeadamente em
explorar as condições em que a existência, ou ausência, do orçamento pode trazer, ou não,
vantagens para as organizações.
Esta investigação qualitativa utiliza o método de estudo de caso exploratório e explanatório,
cujas técnicas de recolha consistiram em entrevistas, análise documental e observação
participante.
Como principais resultados, é de referir que a ausência de orçamento em 2017 deveu-se
essencialmente a inércia interna, aliada a alguma insatisfação relativamente ao modelo
orçamental existente. Tal facto despoletou ações para refletir no negócio, no que era
efetivamente necessário controlar e num melhor modelo de orçamento, que acabou por ser
aplicado já em 2018.
Desta forma, este estudo conclui que a ausência, em boa parte não planeada, do orçamento
tradicional durante um ano teve algum impacto, mas limitado, na atividade da empresa em
causa, não a comprometendo de forma significativa. Todavia, apesar desta experiência pouco
problemática de uma gestão sem recurso ao orçamento, constata-se que os gestores
continuam a considerar que o orçamento mantém a sua relevância, tendo-o adotado
novamente, em moldes revistos e mais adaptados à organização. Não está, no entanto,
excluída a possibilidade de complementar o orçamento com outras ferramentas, e mesmo de
explorar, agora de modo mais intencional, alternativas às práticas orçamentais.
iii
Palavras-chave: Modelo de Orçamento Tradicional, Abordagens alternativas ao Orçamento
Tradicional, Abandono de Orçamento, Cultura Organizacional, Alterações ao modelo
orçamental
iv
Abstract
The present research deals with budget, investigating its importance and the budgetary
practices in a footwear sector company. This analysis is of particular interest since the
"traditional" budget, existed until 2016, was abandoned in 2017 and was adopted again in
2018. Thus, the purpose of this research is to understand the causes and the consequences
of both, the abandonment of the budget and its return.
The literature presents a variety of positions vis-a-vis the budget, on the one hand, authors
who defend the traditional budget, and others who consider it outdated and suggest
alternative approaches to it. Thus, this study in a specific company will be a further
contribution to the discussion of this subject, namely in exploring the conditions in which
the existence or absence of the budget may or may not bring advantages to organizations.
This qualitative investigation uses the exploratory and explanatory case study method, whose
collection techniques consisted in interviews, documentary analysis and participating
observation.
As main results, it should be noted that the absence of budget in 2017 was mainly due to
internal inertia, coupled with some dissatisfaction with the existing budget model. This
triggered actions to reflect the business, what was effectively needed to control and to find a
better budget model, which was implemented in 2018.
This study will show that the unplanned absence of the traditional budget for a year had
some, but limited, impact on the business and did not significantly compromise it. However,
in spite of this somewhat problematic experience with non-budget management, managers
still believe that the budget maintains its relevance and have adopted it again, in a revised
form more adapted to the organization. However, the possibility of complementing the
budget with other tools and even intentionally exploring alternatives to budgetary practices
is not excluded.
Keywords: Traditional Budget Model, Alternative Approaches to Traditional Budget,
Budget Abandonment, Organizational Culture, Changes to the Budget Model
v
Índice
Agradecimentos............................................................................................................................ i
Resumo ......................................................................................................................................... ii
Abstract ....................................................................................................................................... iv
Índice ............................................................................................................................................ v
Índice de tabelas ......................................................................................................................... vi
1. Introdução ............................................................................................................................. 1
2. Revisão de Literatura ........................................................................................................... 3
2.1 O Orçamento – Uma Visão Introdutória .................................................................. 3
2.2 O Orçamento Tradicional ............................................................................................ 3
2.3 Abordagens Alternativas ao Orçamento .................................................................. 10
3. Metodologia ........................................................................................................................ 16
3.1 Objetivo da Investigação ............................................................................................ 16
3.2 Método da Investigação .............................................................................................. 16
3.3. Técnicas de Recolha de Informação ........................................................................ 17
3.4 Tratamento e Análise dos Dados .............................................................................. 19
4. Estudo do Caso .................................................................................................................. 20
4.1 Enquadramento e Apresentação da Empresa ......................................................... 20
4.2 O Objeto da Investigação – Uma Visão Introdutória ............................................ 21
4.3 Descrição da Evolução Orçamental 2016-2018 ...................................................... 22
4.3.1 O Orçamento: Questões Genéricas ................................................................... 22
4.3.2 O Orçamento em 2016 ........................................................................................ 26
4.3.3 A Ausência de Orçamento em 2017 .................................................................. 30
4.3.4 O Retorno do Orçamento em 2018 .................................................................. 33
5. Discussão do Caso e Propostas de Melhoria ................................................................. 37
5.1 Reflexões Teóricas ....................................................................................................... 37
5.2 Sugestões de Melhoria ................................................................................................. 39
6. Conclusão, Limitações e Pistas para Investigação Futura ............................................ 41
Apêndice – Guião para as Entrevistas ................................................................................... 43
Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 46
vi
Índice de Tabelas
Tabela 1. Entrevistados, data e duração das entrevistas ............................................................ 18
Tabela 2. Tempo anual despendido com o orçamento .............................................................. 23
Tabela 3. Motivações na elaboração do orçamento ................................................................... 25
Tabela 4. Principais rúbricas no orçamento, por departamento ............................................... 26
1
1 – Introdução
O tema deste trabalho prende-se com o orçamento. De uma forma geral, o orçamento
tradicional, com a sua vertente essencialmente financeira, ajuda os gestores das empresas a
controlar os seus gastos e rendimentos, permitindo comparar o que estava planeado com os
valores reais alcançados. A elaboração do orçamento está de tal forma enraizada no seio das
empresas, que Burns e Scapens (2000) falam da institucionalização de práticas, como a
orçamental, sugerindo que a utilização deste instrumento nas empresas muitas vezes nem é
sequer posta em causa, pois faz parte das rotinas e até da cultura das empresas, sendo um
dado adquirido.
Por outro lado, alguns críticos do orçamento tradicional, como Hope e Fraser (2003), alegam
que o orçamento é um modelo inflexível e que não se adapta às necessidades das empresas,
dada a crescente concorrência e volatilidade na economia. Desta forma, os mesmos autores
sugerem um novo modelo, o Beyond Budgeting, para responder de forma mais eficaz e eficiente
aos atuais desafios.
A evidência empírica é mista quanto às vantagens e desvantagens da prática, e do abandono,
do orçamento tradicional. A título exemplificativo, Becker (2014) estudou quatro casos de
empresas que abandonaram o orçamento, analisando as causas, as consequências e a
sustentabilidade dessa mudança organizacional, sendo de referir que em dois casos as
empresas decidiram voltar ao orçamento tradicional.
Este breve enquadramento da literatura sugere que o presente estudo é pertinente, pois visa
perceber porque uma empresa do setor do calçado (Calçamoda, nome fictício para manter o
seu anonimato), parte de um grupo de raiz industrial, abandonou o orçamento em 2017,
quais as consequências desse abandono e em que informações e técnicas a gestão se baseou
durante esse ano. Como para 2018 o orçamento já foi elaborado, pretende-se analisar
também se as práticas anteriores foram recuperadas na íntegra ou se foram implementadas
algumas alterações, dada a experiência da sua ausência no ano anterior. Sob o ponto de vista
teórico, o caso afigura-se como adequado para analisar a temática da institucionalização nas
organizações (Burns e Scapens, 2000) e como essa prática institucionalizada, mas
interrompida, volta a ressurgir posteriormente, sob que forma, e que efeitos produziu (ou
não) essa interrupção.
2
Pretende-se então, através do método de estudo de caso explanatório e exploratório,
perceber o motivo e as consequências, quer da ausência de orçamento em 2017, quer do seu
retorno em 2018.
No capítulo seguinte é efetuado um enquadramento teórico do orçamento tradicional e de
abordagens alternativas ao mesmo.
O capítulo 3 descreve o método da investigação, as técnicas de recolha e análise dos dados.
No capítulo 4 apresenta-se a empresa em estudo, e é efetuada a descrição da evolução das
práticas orçamentais para o período em análise (2016-2018).
No capítulo 5 é efetuada a discussão do caso e são apresentadas propostas de melhoria.
Por fim, no capítulo 6, são indicadas as principais conclusões deste estudo, as suas limitações
e pistas para investigação futura.
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2 - Revisão de Literatura
2.1 – O Orçamento – Uma Visão Introdutória
O orçamento é uma ferramenta de planeamento e controlo de resultados, que envolve o
estabelecimento de metas, a execução do plano para atingi-las e a análise dos resultados
previstos versus os reais (Pereira, 2013). No entanto, não é apenas uma ferramenta de
controlo do que foi alcançado face ao planeado, mas também um sistema de controlo de
gestão, uma vez que pode influenciar comportamentos no seio de uma organização,
nomeadamente quando o orçamento está relacionado com a avaliação de desempenho dos
colaboradores (Pereira, 2013).
O orçamento é uma das tarefas mais relevantes do controlo de gestão e que foi evoluindo
com o tempo, pelo que importa não só abordar o chamado orçamento tradicional, mas
também os novos métodos que surgem, quer para complementá-lo, quer para substituí-lo.
2.2 – O Orçamento Tradicional
O chamado orçamento tradicional, para além da principal função de controlar se os gastos
efetivos estão em linha com o planeado (Pereira, 2013), assume também a função de
planeamento das atividades da empresa. Idealmente, e conjugadas estas duas funções, o
orçamento deve traduzir as linhas orientadoras da estratégia, para que todos estejam
alinhados e envolvidos com o rumo a seguir. Outra função que existe, mas nem sempre
aplicada em todas as empresas, é a da avaliação de desempenho, sendo um instrumento que
define objetivos que, quando atingidos, é a base para atribuir prémios aos responsáveis.
De acordo com Garrison et al. (2012), as principais vantagens do orçamento tradicional são
as seguintes:
- Permite dar conhecimento aos colaboradores das empresas de qual a estratégia definida
pela administração, de forma a coordenar todos os envolvidos para a prossecução dos
objetivos estratégicos;
- Permite gerir os recursos de forma mais eficiente, alocando-os de acordo com as principais
atividades;
4
- Traça as metas para a avaliação de desempenho.
Por outro lado, existe literatura que indicia que o orçamento já não responde totalmente e
de forma eficaz às necessidades das organizações, considerando-o ineficiente (demorado e
dispendioso), ineficaz (inflexível e não focado em termos estratégicos) e disfuncional
(produtor ou promotor de efeitos indesejáveis).
Jensen (2001) considera que as medidas de avaliação de desempenho e os respetivos bónus
atribuídos quando as metas do orçamento são alcançadas, são um processo falhado pois
criam disfuncionalidades. Segundo o mesmo autor, o orçamento encoraja os gestores a
mentir aquando da divulgação de metas a atingir, por forma a facilitar que as mesmas sejam
alcançadas e assim obterem o bónus. Pode também acontecer que, para os gestores
alcançarem os objetivos de determinado período, a empresa incorra em gastos
desnecessários. Por exemplo um colaborador faz uma venda de produtos cujo embalamento
não está finalizado, com base na contratação desse serviço, permite que tenha a venda que
pretende, mas faz com que a empresa incorra num gasto que seria desnecessário, não fosse
a questão de alcançar o valor estipulado para o período. Outro comportamento disfuncional
que pode acontecer, caso o colaborador já não consiga atingir as vendas do período, é tentar
diferir as potenciais vendas para o período seguinte, tendo assim mais hipótese de conseguir
o bónus no futuro. No fundo não é o orçamento propriamente dito, por si só, que leva a
ações contraproducentes para a empresa, mas sim o seu uso na atribuição de bónus.
Por sua vez Fisher (2002) (cfr. Zambon e Fassina, 2014), critica o demasiado tempo
despendido pelos gestores na análise de valores já ocorridos e no ajuste do orçamento,
dizendo mesmo que é uma perda de tempo. A ideia é que se está a analisar algo passado, que
já aconteceu e as decisões aí baseadas a tomar para o futuro podem-se tornar desajustadas
no tempo.
Os mais críticos são Hope e Fraser (2003), pois argumentam que o orçamento contribui com
pouco valor para as organizações, que gera comportamentos disfuncionais, que a sua
elaboração é uma tarefa demorada e que retira tempo que deveria ser alocado às atividades
que criam valor à empresa. Os autores mencionam ainda que os colaboradores da área
financeira apenas investem 21% do seu tempo a analisar os valores, sendo o restante tempo
alocado a atividades de menor valor acrescentado, pelo que com a imprevisibilidade
5
característica dos mercados, é essencial que a empresa tenha um instrumento de gestão que
se afigure flexível.
Noutra perspetiva, e segundo Neely et al. (2001) (cfr. Hansen et al., 2003), os principais pontos
fracos do orçamento tradicional são os seguintes:
- São um processo que demora muito tempo a elaborar;
- Por norma apenas são revistos anualmente, pelo que poderão ficar rapidamente
desatualizados;
- São baseados em pressupostos pouco fiáveis;
- Constituem, ou poderão constituir, um impedimento à mudança;
- Não estão alinhados com a estratégia das empresas;
- Privilegiam a redução de gastos, ao invés de acrescentar valor;
- Podem potenciar a manipulação (gaming) e consequentes comportamentos disfuncionais.
Para além das críticas apontadas por Jensen (2001), em que a avaliação de desempenho gera
comportamentos disfuncionais, e por Hope e Fraser (2003), mencionando que a elaboração
é muito custosa, existe também a crítica de que o orçamento tradicional é particularmente
desadequado em ambientes instáveis.
Assim, um estudo a referir é o de Sandalgaard (2012), que analisou a relação entre o ambiente
de incerteza e o abandono do orçamento tradicional nas empresas dinamarquesas, tendo
concluído que afinal o orçamento ainda está bem “vivo”, pois a maior parte das empresas
deste estudo não o abandonou, nem considerou fazê-lo. Ou seja, a aparente insatisfação com
o orçamento tradicional por não se ajustar rapidamente às constantes mudanças, neste
estudo, não faz com que as empresas o abandonem (mas sim com que o melhorem, como
veremos no ponto seguinte).
Burns e Scapens (2000) adotam a teoria institucional para explicar a estabilidade, a não
mudança, descrevendo o orçamento como prática frequentemente institucionalizada nas
organizações. Isto significa que o orçamento é muitas vezes elaborado porque faz parte da
cultura, dos hábitos da empresa e está instituído em cada colaborador e na organização como
um todo. É algo dado como adquirido, que não se põe em causa, uma vez que o orçamento
sempre foi elaborado. Para melhor entender como esta institucionalização se processa,
6
consideremos a chegada de um novo colaborador a uma empresa. Certamente lhe serão
incutidas as normas internas e regras a ter em conta. Assim sendo, o cumprimento repetido
dessas regras torna-se num comportamento habitual, numa rotina, ficando os procedimentos
institucionalizados. Havendo alguma mudança, uma desinstitucionalização, defendem os
autores, esta resulta tipicamente de causas externas à empresa (como por exemplo uma fusão
ou uma crise económica). As regras, rotinas e o que está institucionalizado nas empresas, não
é possível de captar apenas pela observação empírica, pois são mais que a soma dos
comportamentos de cada indivíduo. Reconhecendo que os procedimentos do controlo de
gestão estão de acordo com as regras e rotinas da organização, podemos então considerar a
mudança desses sistemas de controlo como fazendo parte de um processo contínuo, ao invés
de ver estes controlos como um resultado, final e estável, de uma mudança.
Becker (2014) elaborou um estudo de caso múltiplo com quatro empresas que abandonaram
o orçamento tradicional. No entanto, duas dessas empresas posteriormente voltaram a
elaborar orçamentos, tendo o autor tentado perceber porque nuns casos o orçamento voltou
(e em que circunstâncias) e noutros não, mas também quais os antecedentes do abandono
do orçamento, quais os processos de mudança e as consequências da desinstitucionalização
do mesmo.
De uma forma geral, os antecedentes ao abandono do orçamento tradicional, neste caso de
estudo múltiplo, prenderam-se com os seguintes fatores:
- Era um sistema de controlo inflexível, que não respondia a mudanças de mercado nem a
acontecimentos inesperados;
- Havia insatisfação com o valor funcional do orçamento e números desatualizados do
mesmo;
- O processo orçamental era muito dispendioso;
- Ocorreram outro tipo de acontecimentos, como encerramento de sucursais, fusões,
pressões da concorrência e uma nova equipa de gestão com outras ideias.
Em suma, pressões funcionais (como a insatisfação com a eficiência, eficácia e
disfuncionalidades), interesses internos diferentes (por exemplo devido à nova gestão e à
pressão para a empresa se destacar no mercado) e motivos da esfera política (encerramento
de filiais, fusões) são impulsionadores para a mudança. O processo de mudança pode ser
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muito intenso, abrangendo toda a organização (por exemplo, com a descentralização), mas
também pode ser mais suave, apenas focado numa área, financeira, e não tanto na cultura da
empresa.
Se por um lado estes motivos foram suficientes e o abandono do orçamento tradicional
vingou nestas duas organizações, por outro lado, em outros dois dos quatro casos estudados
por Becker (2014) a opção foi voltar ao orçamento tradicional, fundamentalmente por dois
motivos:
- Surgimento de uma nova equipa de gestão, já quando o orçamento foi abandonado,
e que querem o orçamento tradicional de volta, pois para além de não estarem familiarizados
com a sua ausência, o facto de ter orçamento dá-lhes a noção do estado da empresa em
relação ao esperado;
- Com uma crise no setor, e consequente baixa de resultados, é transmitida a ideia de
que sem orçamento, não existe controlo, nomeadamente o controlo de gastos.
Este estudo de caso, ao indicar também fatores internos como causa de mudanças nos
processos orçamentais, vem complementar literatura anterior, nomeadamente a de Burns e
Scapens (2000), que aponta sobretudo para a desinstitucionalização como fruto de causas
externas.
Outro exemplo que reforça esta ideia de que a mudança, seguida da institucionalização, não
advém apenas de causas externas, mas também da dinâmica interna de cada organização, é o
caso de Ozdil e Hoque (2017) que estudaram a implementação de um novo modelo de
orçamento numa universidade australiana. Um dos principais focos deste estudo era analisar
o papel dos colaboradores da universidade na mudança orçamental, processo que estava
institucionalizado. Desde os anos 80 que começaram a ser implementadas reformas no
ensino superior australiano de forma a aumentar a eficiência e fomentar o controlo de gastos.
Ainda assim, os constantes cortes do governo, aliados à fraca situação financeira e modelo
básico de orçamento da universidade, para que esta “sobrevivesse” era imperativo uma
alteração ao seu modelo de orçamento. Com o modelo existente não havia um grande
controlo dos gastos existentes, por exemplo, na alocação dos gastos em função da faculdade
a que diziam respeito. Desta feita, foram contratados consultores externos para implementar
um novo modelo orçamental, que possibilitasse alocar corretamente os rendimentos e gastos
a cada faculdade, tendo um maior controlo financeiro. Para ajudar a institucionalizar este
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novo modelo, que requeria relatórios mensais, foi contratado um novo diretor financeiro que
dava formação de como o novo modelo se processaria. Todos os processos de mudança têm
aliada alguma resistência por parte dos colaboradores, e neste caso tal não foi exceção,
principalmente nas áreas mais operacionais, mas com o tempo foram percebendo que tal era
benéfico para a universidade. Assim, se por um lado se pode dizer que a mudança ocorreu
dadas as pressões externas que afetam a universidade e as suas práticas, por outro lado neste
estudo particular a principal motivação para alterar o sistema de orçamento, foi a necessidade
em ter um melhor controlo financeiro. Desta forma, e contrastando com a teoria
institucional, as mudanças não são necessariamente consequência de causas externas, pois
podem também advir de uma mudança interna, de uma necessidade dentro da organização,
pelo que é importante considerar ambas, quer a envolvente externa, quer a dinâmica interna.
Neste ponto importa desenvolver um pouco a temática do isomorfismo, que de acordo com
Dimaggio e Powell (1983), é um processo em que uma organização age de acordo com outra
que atua num ambiente organizacional idêntico. Como referido por Granlund e Lukka
(1998), há uma tendência global da chamada homogeneização das práticas das empresas,
onde os pontos convergentes tendem a superar os divergentes. Importa mencionar duas
perspetivas distintas que têm um importante papel na análise desta homogeneização global
do comportamento das empresas. Por um lado, a perspetiva económica tem como principais
fatores de convergência as flutuações económicas globais (por exemplo uma recessão em
determinada região rapidamente prolifera, afetando outros mercados), os avanços quer
tecnológicos quer na produção de informação estandardizada, a globalização dos mercados
e da concorrência (por exemplo investimentos estrangeiros e joint-ventures). Por outro lado, a
perspetiva institucional fornece uma ferramenta de análise da convergência das práticas e dos
comportamentos das empresas, provendo a sua homogeneização (Dimaggio e Powell, 1983;
Oliveira e Drury, 2006).
Existem três mecanismos de isomorfismo institucional, de homogeneização global, coercivo,
normativo e mimético, que Granlund e Lukka (1998) aplicaram à contabilidade de gestão:
O isomorfismo coercivo resulta de pressões que uma empresa enfrenta, por exemplo, para
responder a imposições regulamentares, de legislação, de acordos internacionais ou de
harmonização de políticas contabilísticas. Para além destes, outro aspeto que potencia a
homogeneização é a influência da casa mãe para que as suas filiais adotem políticas
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semelhantes à sua (em especial quando se situam em diferentes países), para que exista uma
convergência de relatórios (Granlund e Lukka, 1998).
Quanto ao isomorfismo normativo, o que está em causa é a homogeneização das práticas da
contabilidade de gestão, sendo crucial a profissionalização dos contabilistas/controllers (que
têm um papel cada vez mais ativo dentro das empresas) e o facto das instituições de ensino
terem programas e abordagens idênticas no que lecionam. É certo que são reconhecidas as
particularidades existentes, quer da cultura da empresa, quer do próprio país, que podem
levar à manutenção da diferenciação, mas a ideia principal é que para assegurar a
competitividade de cada país, há que acompanhar a tendência global.
Por fim, existe o isomorfismo mimético, cujo principal fator de convergência é a imitação de
práticas de outras empresas. Isto é aplicado sobretudo em empresas que estejam em ambiente
de alguma incerteza, pelo que adotar as práticas de organizações bem-sucedidas lhes confere
alguma legitimidade (Dimaggio e Powell, 1983; Granlund e Lukka, 1998). Outro aspeto ainda
no isomorfismo mimético é o facto de existirem soluções idênticas, por parte dos
consultores, para as principais questões e problemas que habitualmente surgem no seio das
empresas.
Voltando ao estudo de caso de Becker (2014), e no que diz respeito à sustentabilidade do
abandono do orçamento das empresas que optaram por voltar ao orçamento tradicional, tal
deveu-se à mudança de pessoal chave (administração) e por terem passado por uma crise,
em que essa administração quis reintroduzir o controlo de custos fixos (e não conseguiam
fazê-lo sem o orçamento tradicional). Isto sugere a ideia de que, em cenário de crise, o
orçamento confere alguma segurança no que concerne ao controlo do negócio e na gestão
da empresa. Assim, o orçamento tradicional, pelo menos na sua função de controlo (neste
caso, de gastos fixos), ainda se pode afigurar como relevante, possibilitando que os gestores
se sintam na sua zona de conforto, tendo noção do que será atingido em termos de gastos.
Por outro lado, o regresso ao orçamento pode também estar relacionado com as dificuldades
encontradas na desinstitucionalização, devido à ideia de que sem orçamento não há controlo,
ou com a dificuldade na mudança completa nos controlos administrativos e culturais da
organização.
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2.3 Abordagens Alternativas ao Orçamento
Para fazer face às críticas apontadas pelos diversos autores, assim como com a crescente
insatisfação no seio das organizações relacionada com o orçamento tradicional, surgem duas
perspetivas de acordo com Hansen et al. (2003):
- Adaptar o orçamento tradicional, com o intuito de o melhorar, ou então;
- Numa vertente mais radical, abandoná-lo.
Enquadrados nesta ideia de abandonar o orçamento tradicional, Hope e Fraser (2003)
propõem um novo modelo, o Beyond Budgeting, cujas premissas base são o trabalho em equipa
(envolver os colaboradores e dar autonomia aos responsáveis de departamentos) e o
desenvolvimento de planos estratégicos (potenciando o crescimento e a criação de valor). A
ideia é aumentar a motivação intrínseca de cada colaborador, levando cada um a
comprometer-se com a empresa em alcançar o melhor resultado possível (Pereira, 2013).
É um modelo de gestão que potencia uma maior descentralização e flexibilidade às empresas
e que, de acordo com Beyond Budgeting Round Table (2016) assenta em princípios de liderança
e princípios de gestão.
No que diz respeito aos princípios de liderança, são de destacar a preocupação em envolver
os colaboradores em prol de um propósito comum, em vez de o foco serem os objetivos
predefinidos (de curto prazo) no orçamento, assim como incentivar a responsabilização de
cada departamento, em detrimento de uma chefia centralizadora. No seguimento destas
ideias, outros princípios são a partilha de informação no seio da empresa (e não escondê-la),
a criação de um clima de confiança entre todos e a delegação de tarefas e o seu
acompanhamento, ao invés de simplesmente controlar.
Quanto aos princípios de gestão, importa mencionar a definição de metas relativas (e não
metas fixas), assim como os indicadores relativos de avaliação de desempenho, estando
subjacente a ideia de que o importante é o comportamento da empresa face aos concorrentes
e não face ao orçamento. Na alocação de recursos, estes devem ser utilizados apenas quando
necessário e não simplesmente como consequência do previsto em orçamento. Finalmente,
o ritmo da empresa deve ser dinâmico, de acordo com o mercado e com acontecimentos
relevantes e não apenas suportado pelos habituais ciclos anuais.
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Hope e Fraser (2003) consideram que este novo modelo é adaptável às constantes mudanças
dos mercados, flexível, atualizado com os valores reais do último trimestre da empresa e evita
possíveis manipulações, pois não tem metas fixas (isto é, não prevê bónus, nem penalizações
associadas às estimativas iniciais), mas sim metas relativas. Por exemplo, pode ser
considerado que uma empresa teve um bom desempenho, mesmo que o seu resultado fique
aquém do esperado, caso tenha um desempenho superior à da concorrência, ou do mercado.
É igualmente considerado um modelo que, em tempo útil, se aproxima à realidade do
mercado, pelo que os gestores podem mais rapidamente efetuar a tomada de decisão.
Em suma, são de destacar como principais diferenças face ao orçamento tradicional, as metas
serem relativas e não fixadas anualmente, assim como o modo de atribuição das
recompensas. Outra questão importante é a alocação de recursos ser de acordo com as
necessidades e não simplesmente com o previsto em orçamento. É também de mencionar a
questão da descentralização, na medida em que enquanto no orçamento tradicional existe
uma centralização na gestão, com o beyond budgeting as tarefas são delegadas e as decisões
partilhadas, distanciando-se do tradicional modelo top-down.
De acordo com Hope e Fraser (2003), substituir o orçamento tradicional e optar pelo Beyond
Budgeting traz um melhor e mais sustentável nível de desempenho, pois confere às empresas
uma alternativa que lhes permite reagir rapidamente e em tempo útil a possíveis ameaças ou
oportunidades que surjam, assim como potencia uma dinâmica empresarial mais atrativa para
os diversos stakeholders (clientes, colaboradores, investidores).
Bourmistrov e Kaarboe (2013) efetuaram um estudo no qual analisaram o porquê de duas
empresas multinacionais alterarem o seu sistema de controlo de gestão, adotando as ideias
de Beyond Budgeting, e de que forma isso alterou a mentalidade e comportamento dos gestores.
Nas empresas alvo desse estudo havia descontentamento geral com o orçamento tradicional,
pois este era muito virado para “dentro”, apenas para o controlo de gastos e onde a estratégia
da empresa não estaria bem espelhada. Neste estudo retoma-se a ideia de que com o
orçamento tradicional, os gestores, os tomadores de decisão, estão na sua zona de conforto,
pois é algo com que estão familiarizados. Esta zona de conforto pode ser danosa e limitadora
na prossecução da estratégia da empresa. No entanto com a volatilidade dos mercados,
impõe-se um maior dinamismo e rapidez na obtenção da informação e na consequente
tomada de decisão. Outro aspeto importante é poder ter mais autonomia, por exemplo, para
aceitar um novo projeto ou investimento, mesmo que tal não esteja previamente
12
orçamentado (algo que no caso do orçamento tradicional seria invalidado de início). Ou seja,
uma questão fundamental nesta mudança prende-se não tanto com os aspetos técnicos
(contabilísticos, financeiros) mas com a necessidade de mudança de mentalidades e de
comportamentos da gestão, saindo da chamada zona de conforto. Com a obtenção de
informação de forma diferente e mais célere, as decisões podem ser antecipadas, alteradas, e
serem definidos melhores objetivos (targets), estimativas (forecasts) e alocação de recursos, de
acordo com os mercados e a concorrência. Esta mudança pode dar aos gestores capacidade
de conhecerem as dinâmicas empresariais, de se adaptarem, reagirem e assim poderem
decidir melhor e mais rapidamente.
Se existem autores, como Hope e Fraser (2003), que defendem o abandono do orçamento
tradicional, surge a ideia, segundo Libby e Lindsay (2010), de que o orçamento continua a
ser usado como ferramenta de controlo, apesar das críticas existentes. Ou seja, em vez de o
abandonar, as empresas consideram adaptá-lo e melhorá-lo. Estes autores efetuaram um
estudo em empresas norte americanas relativo às práticas orçamentais, mais concretamente
no que diz respeito ao orçamento com a funcionalidade de controlo. Este estudo indica que
mais de 80% das empresas usam o orçamento como ferramenta de controlo e destas, 94%
não considera abandoná-lo. No entanto cerca de 46% pondera efetuar alterações, sendo as
principais razões as críticas já abordadas, tais como:
- É um processo que consome demasiado tempo e o benefício esperado pode não
compensar tal esforço;
- Não é flexível, não é fácil antecipar mudanças no ambiente externo às empresas; no
limite, o orçamento pode-se tornar obsoleto ao longo do ano;
- Quando usado para fins de avaliação e consequentes incentivos, pode ser alvo e
potenciar manipulações;
- O orçamento não está alinhado com a estratégia e pode ser limitador no que diz
respeito a oportunidades que surjam (e que, não estando previamente contempladas, se
excluirão à partida).
Importa ainda referir que as principais alterações que as empresas alvo do estudo
mencionaram como benéficas são:
- A existência de uma dinâmica bottom-up, envolvendo mais os colaboradores;
13
- Ter a estratégia alinhada com o orçamento;
- Implementar rolling forecasts e optar por orçamentos menos minuciosos, com menor
detalhe e que serão melhorados gradualmente.
Outra conclusão deste estudo de Libby e Lindsay (2010) refere que o orçamento é efetuado
pois as empresas acreditam que o benefício do controlo supera os custos da sua elaboração,
pelo que é uma tarefa que acrescenta valor. Desta forma, se por um lado o orçamento
continua a desempenhar um papel de relevo nas empresas, pois poucas tencionam abandoná-
lo, por outro começam a existir casos de empresas que pretendem melhorá-lo ou
complementá-lo, ou até implementam ideias oriundas do beyond budgeting, para fazer face aos
seus pontos fracos.
O estudo de Sandalgaard (2012) mencionado no ponto anterior mostra que não há relação
entre o ambiente de incerteza e o abandono do orçamento tradicional, mas sim entre a
concorrência e a opção pelo rolling forecast. Isto para tornar o processo orçamental menos
detalhado, mas revisto e atualizado de forma muito mais amiúde. Ou seja, as empresas deste
estudo não abandonaram o orçamento, mas melhoraram-no, tornando-o numa ferramenta
mais flexível e adaptável às circunstâncias, combatendo assim a rigidez do orçamento
tradicional.
Outra abordagem a ter em consideração é a de Henttu-Aho e Jarvinen (2013), que estudaram
como a prática institucionalizada do orçamento muda e quais as implicações nas suas funções
de planeamento, controlo e avaliação. Para tal optaram por estudar o caso de cinco empresas
industriais onde o orçamento estava muito enraizado. Essa institucionalização do orçamento,
baseada na contínua prática de atos no seio de uma empresa, está ligada à ideia de
isomorfismo e de estabilidade (Dimaggio e Powell, 1983; Burns e Scapens, 2000). No
entanto, as práticas orçamentais tendem a alterar-se, ainda que lentamente, pelo que
começam a surgir novos métodos (rolling forecast e o beyond budgeting em geral) que olham para
o futuro, e que tanto podem estar alinhados com o orçamento tradicional e complementá-
lo, como substituí-lo. Por exemplo o controlo de custos, especialmente custos fixos, pode
ter no orçamento tradicional um bom suporte de análise, enquanto que o rolling forecast pode
ser uma boa ferramenta na função do planeamento, fornecendo uma maior proximidade à
realidade do negócio e dos mercados. Daí que os autores falam de uma “separação” das
funções do orçamento tradicional. Neste estudo de cinco empresas, o orçamento tradicional
14
não foi completamente abandonado mas, como já mencionado, as funções de planeamento,
controlo e avaliação, foram sendo “separadas” em algumas das empresas. No caso de
empresas que começam a adotar ideias de beyond budgeting, a separação do objetivo traçado
(target) das previsões (forecast) pode ser um fator importante, enquanto que no orçamento
tradicional permanecem em conjunto.
No seguimento desta ideia, Henttu-Aho (2016) estudou as implicações dessa “separação”
das funções do orçamento no papel do controlo de gestão numa empresa finlandesa e a
implementação do rolling forecast como forma de complementar a informação gerada pelo
orçamento tradicional. Como uma das tarefas de maior relevo no controlo de gestão está
relacionado com o orçamento, os indícios de uma “separação”, fragmentação do orçamento
tradicional em vários métodos do controlo de gestão, tais como rolling forecast, rolling budgets,
target setting, balanced scorecard, podem trazer alterações no papel desempenhado pelo controlo
de gestão. Fala-se de uma abordagem mais positiva e proativa, isto é, enquanto que com o
orçamento tradicional o controlo de gestão limitava-se a apresentar as contas e a elaborar
relatórios com os desvios, com a nova abordagem, o controlo de gestão torna-se mais ativo
nas tarefas, desenvolvendo melhores relatórios, mais atualizados, para que a administração
tenha mais informação para as tomadas de decisão. Na empresa alvo deste estudo, o
orçamento tradicional foi fragmentado em quatro componentes: o rolling forecast; definição
dos objetivos a atingir; planos de ação; e orçamentação dos gastos fixos (importante tarefa
de controlo de gastos). De acordo com Adler e Borys (1996) (cfr Henttu-Aho, 2016) existem
quatro características que abordam a questão da alteração do papel do controlo de gestão
com a nova abordagem orçamental:
- Reparação: em que os colaboradores conhecendo o processo, podem efetuar alterações,
correções, com o intuito de melhorar. Isto contribui para que exista diálogo bottom-up e top-
down, uma descentralização, sendo que dessa forma existe grande interação dentro da
empresa;
- Transparência interna: os colaboradores devem estar preparados para responder a possíveis
dificuldades que surjam. Mais uma vez é muito importante o conhecimento dos processos
chave por parte de todos;
15
- Transparência global: colaboradores com o conhecimento do funcionamento de todo o
processo, para além de se sentirem parte integrante do mesmo e mais motivados, são uma
mais-valia;
- Flexibilidade: os desvios que possam existir são encarados como oportunidades de
aprendizagem para os colaboradores e existindo flexibilidade podem ser tomadas, de forma
mais célere, ações corretivas.
No caso do estudo da empresa finlandesa, de Henttu-Aho (2016), a implementação do rolling
forecast traz mais informação e complementa a informação existente, enquadrando-se com a
característica da reparação. As transparências interna e global, permitem melhores previsões
e uma visão estratégica para o que se quer atingir, com o adequado envolvimento de todos.
E a flexibilidade é importante para adaptar os planos de ação a desenvolver.
Desta forma com a alteração do processo orçamental, o controlo de gestão desenvolve novas
competências, pelo que para alguns controllers, a alteração de mentalidade pode ser algo
relevante.
16
3 – Metodologia
3.1 – Objetivo da Investigação
O presente estudo recai sobre a empresa Calçamoda (nome fictício), que faz parte de um
conjunto de empresas na qual a investigadora exerce a sua atividade profissional. A empresa
tem cerca de uma década e nos primeiros anos tinha como atividades principais a prestação
de serviços de design e de análises técnicas de calçado. Entretanto a estratégia da Calçamoda
foi repensada, e em 2014, após trespasse, passou a comercializar calçado de moda de marca
própria (que até essa data era comercializado pela empresa mãe). O principal propósito foi
proporcionar maior visibilidade à marca e desagregar os negócios da empresa mãe (produção
de solas e calçado e comercialização de solas) dos negócios da Calçamoda (comercialização
de calçado de moda de marca própria).
O principal objetivo da investigação é perceber o motivo da ausência de orçamento em 2017,
assim como do seu retorno em 2018, e quais as consequências deste processo de mudança
sobre o processo orçamental.
A Calçamoda, assim como o grupo de empresas em que está inserida, sempre teve como
prática enraizada a elaboração de orçamentos. Desta forma, estas descontinuidades na prática
orçamental e de como afetou os departamentos e a empresa como um todo revelou-se como
um contexto particularmente interessante para investigar as práticas orçamentais, assim
como perceber quais as ilações retiradas neste processo.
3.2 – Método da Investigação
De acordo com Yin (2009), existem 3 tipos de pesquisa para uma investigação: a descritiva,
utilizada quando se destaca a descrição de determinado caso que se afigura como
significativo; a explanatória, que visa uma explicação de determinado facto e das suas causas;
e a exploratória, que visa a descoberta de um fenómeno particularmente desconhecido. Neste
caso, estamos perante um estudo de caso explanatório e exploratório, que tenta explicar a
realidade.
A metodologia utilizada foi a do estudo de caso, que, segundo o mesmo autor, é um método
de investigação qualitativo que permite aprofundar, em contexto real, determinado caso em
17
concreto. Sendo a abordagem de investigação qualitativa, as conclusões foram obtidas a
partir da geração e análise dos dados, através de um modelo indutivo.
3.3 – Técnicas de Recolha de Informação
As técnicas de recolha de dados utilizadas foram a observação, a análise de documentos e
entrevistas.
A observação, no caso em apreço, é observação participante, pois foi desenvolvida no local
de trabalho da investigadora. Em relação a estes dados observacionais, foi por exemplo
importante perceber que o responsável de um departamento (e parte envolvida na elaboração
do orçamento) não teve conhecimento que o mesmo não existiu em 2017. Outro fator a
reportar foi o facto de a investigadora ter estado presente em várias reuniões com o objetivo
de identificar potenciais melhorias, alinhar processos e otimizar quer o modelo de
orçamento, quer algumas questões específicas no seu conceito base.
Finalmente, a observação participante foi muito importante, tendo sido um fio condutor ao
longo de todo o processo, permitindo perceber melhor a evolução da questão orçamental
deste estudo.
A análise de documentos incidiu sobretudo em demonstrações de resultados e ficheiros do
controlo de gestão, nomeadamente modelos de orçamento e relatórios mensais relativos ao
período anterior ao abandono do orçamento (2016), ao ano da sua ausência (2017), e do
período em que este retorna (2018).
As entrevistas, semiestruturadas, foram baseadas num guião (em apêndice) com questões
abertas mas bastante direcionadas, para combinar um alinhamento entre os objetivos da
investigação e potenciar alguma flexibilidade ao longo das entrevistas. O guião teve
primeiramente questões genéricas acerca da temática orçamental, e numa segunda fase as
perguntas colocadas estavam ordenadas cronologicamente, ou seja, eram referentes a 2016
(com o orçamento existente), 2017 (ausência) e 2018 (retorno do orçamento).
Apesar do guião existente, em determinados momentos relevou-se interessante questionar o
entrevistado com perguntas específicas decorrentes da evolução da entrevista e que se
afiguraram como pertinentes. De referir ainda que posteriormente à realização das
entrevistas, e já durante a escrita do caso, alguns esclarecimentos pontuais foram solicitados,
18
numa abordagem mais informal. As entrevistas foram efetuadas pessoalmente, gravadas
(tendo sido obtido o devido consentimento), e posteriormente transcritas. Ainda no decorrer
das mesmas, foram escritas pequenas anotações que se consideraram importantes no
decorrer das entrevistas.
As entrevistas foram realizadas aos responsáveis dos departamentos financeiro, de sistemas
de informação, de marketing e ao Diretor geral. Estava também planeada a entrevista ao
responsável de logística, mas tal não foi possível, coincidindo com o timing da saída do
colaborador da empresa. A escolha dos entrevistados está relacionada com o papel de relevo
que cada um desempenha na elaboração do orçamento da empresa, sendo quem está bastante
envolvido no processo orçamental. Assim, não foram entrevistados colaboradores que não
desempenham função de chefia e cujo papel neste âmbito é muito reduzido ou praticamente
nulo. Finalmente, há que referir que a autora faz parte integrante deste processo, o que
naturalmente lhe faculta um particular e próximo conhecimento sobre o mesmo; todavia,
reconhece-se que em relação às perguntas-chave e fundamentais desta investigação o seu
conhecimento era muito reduzido, pelo que os restantes métodos de geração de dados se
mostraram fundamentais para a compreensão do caso.
Apresenta-se de seguida um resumo da data e duração das entrevistas:
Entrevistado Dia Duração
Responsável Financeiro 15/03/2018 1h3min
Responsável Sistemas Informação 27/03/2018 25min
Responsável Marketing 04/04/2018 40min
Diretor Geral 21/05/2018 32min
Tabela 1: Entrevistados, data e duração das entrevistas (elaboração própria)
Sendo a entrevista uma técnica com muito potencial, importa mencionar alguns aspetos
considerados relevantes, fazendo a “ponte” para este caso. Em primeiro lugar, segundo
Rowley (2012) uma das vantagens das entrevistas (apesar de se obterem menos respostas do
que num questionário) é que sendo bem preparadas e com os entrevistados adequados,
fornecem mais informação e com maior detalhe. As entrevistas são úteis quando os objetivos
da investigação estão focados na compreensão de experiências e processos, que é o caso
deste estudo. Outro aspeto muito importante é a escolha das questões a serem colocadas,
que devem ser claras para os entrevistados e ir ao encontro do que se pretende responder.
De salientar que a preparação do guião foi efetuada com base nestes conceitos, para que no
tratamento dos dados a sua categorização já estivesse facilitada.
19
Em suma, a “triangulação” dos dados obtidos com as entrevistas, a observação participante
e a análise documental, permitiu fazer a ligação entre alguns aspetos, complementar e validar
a informação obtida e assim melhorar a objetividade e credibilidade do estudo.
3.4 – Tratamento e Análise dos Dados
Para o tratamento de dados, segundo Rowley (2012), devem ser seguidas três orientações.
Sendo as entrevistas gravadas, ouvi-las e de seguida transcrevê-las facilita a familiarização
com os aspetos chave e perceber e contextualizar todo o texto. Trata-se da chamada leitura
flutuante, um primeiro contacto com os dados obtidos. No caso em apreço, a chamada leitura
flutuante foi efetuada em Word, após a transcrição das entrevistas, evidenciando a negrito os
principais pontos-chave.
Para a organização dos dados obtidos poderia ter sido usado o Nvivo (software de análise de
dados qualitativos), mas tal não se justificava, pelo que foi efetuada de forma manual, em
Word complementado com Excel para uma melhor organização visual dos dados. A
organização dos dados prende-se com a pesquisa das palavras-chave, a codificação já
mencionada e a organização do texto. Neste ponto, o suporte base foi o Excel onde foram
sendo identificados, resposta a resposta, os pontos comuns mencionados por cada
entrevistado.
Para classificar, codificar e interpretar os dados, o foco reside em estruturar a informação.
Os temas chave (categorias) devem ficar definidos, sendo de seguida codificados, isto é,
agregados em unidades de registo (que poderá ser uma palavra, um tema ou uma frase). Após
esse trabalho, todo o texto é novamente percorrido e codificado. Tal já dará pistas para
compreender o que os entrevistados disseram acerca dos temas e será possível, por exemplo,
identificar quantas vezes cada entrevistado mencionou determinado aspeto. Bardin (2011)
apresenta os critérios de categorização, isto é, da escolha de categorias, que são tidas como
rubricas que agregam determinados elementos com características comuns. Com o material
recolhido, é efetuada análise do seu conteúdo, passando pela codificação e categorização (ou
seja, organizar o material por categorias), para facilitar a análise e a comparação. Como o
guião já estava estruturado, esta tarefa foi de certa forma antecipada e facilitada, estando
identificadas, para cada questão, as potenciais categorias de resposta, tendo depois da sua
análise, sido tiradas as devidas conclusões.
20
4 – Estudo do Caso
Este capítulo aborda o estudo empírico, onde será efetuado um breve enquadramento e
apresentação da empresa alvo deste estudo, uma descrição da evolução do seu processo
orçamental e de como a empresa geriu o seu negócio ao longo dos anos de 2016 a 2018, com
a particularidade já mencionada da inexistência de orçamento em 2017.
4.1. Enquadramento e Apresentação da Empresa
A empresa alvo deste estudo de caso faz parte de um conjunto de empresas nas quais exerço
a minha atividade profissional, mantendo-se o anonimato destas organizações, por questões
de confidencialidade.
A Calçamoda, nome fictício, tem cerca de uma década de existência e opera na área da
indústria de calçado, mais concretamente no calçado de moda, com expectativas de
consolidação e crescimento. Nos primeiros anos tratava-se de uma empresa que prestava
serviços de design, de análises técnicas de calçado e outras atividades de consultoria, mas em
2014 foi alvo de uma reorganização estratégica que envolveu a aquisição, por trespasse, de
um estabelecimento suscetível de constituir um ramo de atividade independente. Desta
forma, em 2015 iniciou a comercialização de calçado de marca própria (produzido pela
empresa mãe), que até essa data era comercializado pela empresa mãe (industrial) do grupo.
Os principais objetivos desta reorganização foram aumentar a visibilidade da marca e
“separar” os negócios das empresas, ficando a empresa mãe com a produção de solas e
calçado e comercialização de solas e a Calçamoda com a comercialização de calçado de moda.
Em 2018, foi também decidido desagregar os negócios wholesale e e-commerce, de forma a
perceber, a realidade de cada um, e particularmente a sua rentabilidade. Assim, toda esta
reestruturação potenciava também uma melhor análise e atuação da gestão.
21
4.2. O Objeto da Investigação – Uma Visão Introdutória
Na investigação em causa o foco foram os anos de 2016, ano até ao qual existiu um
orçamento; o ano de 2017 com o seu “suposto” abandono; e 2018, onde o mesmo ressurge
reformulado.
Em 2016 a Calçamoda ainda estava numa fase de re-arranque, com a reorganização recente
e o novo foco estratégico, pelo que ainda não se sabia exatamente o que se queria controlar,
o que era prioritário e como o fazer. O orçamento era uma ferramenta muito baseada no que
existia há anos na empresa mãe, mas tal não se coadunava com as necessidades do novo
modelo de negócio.
Assim sendo, a conjugação de uma insatisfação com o orçamento e alguma inércia interna,
contribui para que em 2017 o orçamento não fosse elaborado na Calçamoda. Deste modo, a
análise que a gestão fez durante esse ano foi baseada nos dados históricos e, face à
importância que as vendas tinham nesta fase, o diretor geral baseava-se num simples
confronto entre uma previsão informal que tinha das mesmas com o que realmente a
empresa ia alcançando. Assim, a análise dos gastos foi uma tarefa não muito aprofundada
nem debatida em 2017, fundamentalmente fruto de os resultados terem sido bons.
O novo modelo de orçamento existente em 2018 surge, após reuniões (nas quais estive
presente) com os principais envolvidos nesta tarefa, para colmatar as lacunas e falta de
informação encontradas durante 2017. Importa referir que atualmente o orçamento preenche
os requisitos pretendidos, tendo atingido um modelo base robusto para que a gestão tenha a
informação necessária para gerir o negócio da melhor forma. O que não invalida serem
encontradas novas formas, ou outras alterações de maior ou menor relevo, com a perspetiva
de continuar a melhorar o modelo orçamental.
Finalmente, refira-se que o orçamento passou de uma tarefa muito centralizada no
departamento financeiro até 2016 (que se suportava em grande parte no histórico, sem
grande noção do que cada área planeava fazer), para algo mais abrangente, em 2018, em
consonância com os diversos departamentos que prestavam os dados mais relevantes para a
elaboração do mesmo.
Após este breve enquadramento, nos pontos seguintes será desenvolvido
pormenorizadamente todo o processo orçamental dos últimos três anos.
22
4.3. Descrição da Evolução Orçamental 2016-2018
A descrição da evolução orçamental vai ser dividida em quatro secções. Na primeira, serão
abordadas questões genéricas sobre o orçamento na Calçamoda; a segunda secção estuda
2016, ano com orçamento e anterior à ausência do mesmo; na terceira, o foco é 2017, período
em que a empresa não elaborou orçamento; e a última secção analisa 2018, ano em que o
orçamento voltou a ser elaborado.
4.3.1. O Orçamento: Questões Genéricas
Neste ponto de cariz mais genérico sobre o orçamento, o principal objetivo é tentar perceber
qual a visão da empresa em relação à ferramenta do orçamento, destacar alguns aspetos que
se evidenciaram ao longo das entrevistas realizadas, assim como os aspetos comuns referidos
pelos entrevistados.
De uma forma geral, o orçamento é considerado uma ferramenta flexível na medida em que
tem vindo a ser alterado e adaptado às exigências do negócio e à evolução da empresa. Essa
flexibilidade está também associada à forma como o orçamento é elaborado, pois parte do
histórico, como suporte base, para a partir de aí se efetuarem as reflexões e considerações
que se afigurem como mais relevantes para posteriormente nele se expressarem as intenções
futuras.
No que diz respeito ao tempo que cada departamento investe na sua elaboração, importa
destacar que a ideia transmitida é que não despendem demasiado tempo, exceto na visão do
departamento financeiro, cujo tempo exigido tem vindo a aumentar de ano para ano (dados
os sucessivos ajustes feitos, já mencionados no ponto 4.2). Ainda assim, uma ideia partilhada
pelo Diretor Geral é que “acho que se perde menos tempo do que aquilo que deveria”, por motivos
que serão desenvolvidos à frente.
Para se ter noção das horas efetivamente investidas, quer na elaboração do orçamento, quer
no seu acompanhamento ao longo do ano, foi solicitada aos entrevistados essa informação.
Ainda que sejam meras estimativas, fica-se com uma ideia geral com o seguinte resumo na
Tabela 2:
23
Exigência de tempo Financeiro Informática Marketing Diretor Geral
Total
Horas totais a elaborar orçamento
80h 24h 64h 40h 208h
Horas totais a acompanhar
orçamento ao longo ao ano
240h 48h 208h 96h 592h
Pessoas envolvidas 2 2 2 2 8
Tabela 2: Tempo anual despendido com o orçamento (elaboração própria)
De referir que este tempo mencionado pelos entrevistados, tem como base o ano de 2016 e
anteriores.
De salientar que o tempo investido pelo diretor geral inclui também o tempo da área
comercial, da qual é responsável. No que respeita ao departamento de marketing, as 208
horas despendidas a acompanhar o orçamento já não existem em 2018, pois o controlo que
era efetuado do orçamento face aos gastos já não é realizado, como será referido adiante.
O tempo acima exposto é o tempo que cada departamento suportaria para as tarefas, caso
estivessem apenas focados no orçamento. Por exemplo as 80 horas que o departamento
financeiro investe a elaborar o orçamento, distribuem-se ao longo de 2 meses, visto que é
uma tarefa que se prolonga no tempo.
Resumidamente, os intervenientes do processo orçamental não o consideram uma tarefa
muito complexa, exceto o responsável financeiro, que ainda assim acredita que com o tempo
e aprendizagem o orçamento vai ficando mais alinhado com o pretendido e, portanto,
tenderá a tornar-se numa ferramenta cada vez mais estrategicamente relevante.
No que diz respeito à fiabilidade do orçamento, a opinião geral é de que a mesma poderia
ser melhor, e que apesar de atualmente o modelo já ser mais adequado à realidade da empresa,
segundo o responsável financeiro e o diretor geral as projeções de vendas podem falhar dado
o negócio em causa, pois muitas vezes o mercado comporta-se de uma forma que não é
expectável. Apenas por esse motivo consideram que a fiabilidade não é a melhor, pois nos
restantes aspetos esta tem sido satisfatória. Como mencionado pelo responsável financeiro:
“Quanto mais se compreende a empresa, mais fiável o orçamento se torna; no entanto muitas
vezes o mercado comporta-se de uma forma que não é previsível. A forma como o mercado se
comporta, até do tempo está sujeito; por exemplo, se chove muito, vende-se mais.”
24
Outro ponto fulcral quando se fala em orçamento tem a ver com a sua ligação à estratégia
da empresa, pois quando está alinhado, potencia uma melhor prossecução das tarefas de cada
um. Isto na medida em que, como refere a literatura revista, se todos souberem qual o
objetivo máximo e o que é necessário para o alcançar, as ideias ficam mais claras, a
comunicação dentro da empresa melhora e pode ser um veículo motivacional para os
colaboradores ao sentirem-se envolvidos. No entanto, tal não acontece na Calçamoda, como
se verifica nas seguintes citações do responsável financeiro:
“A administração terá uma ideia do que pretende, mas não existe um plano estratégico no qual
se baseie o orçamento”.
“Há algo de estratégia no início do orçamento, mas não está clarificado nem comunicado à
restante estrutura…”
Na mesma linha está o responsável de marketing e o dos sistemas de informação,
respetivamente:
“Não se sabe qual a estratégia.”
“Não conheço a estratégia, nem os objetivos estratégicos.”
Como já referido no capítulo 2, o orçamento pode desempenhar diferentes funções, de
controlo, planeamento, de estabelecimento de objetivos estratégicos e da avaliação de
desempenho. No caso em apreço, o orçamento é fundamentalmente usado como ferramenta
de controlo para:
- Aferir se o que estava preconizado efetivamente ocorre;
- Perceber se os resultados reais estão acima ou abaixo do orçamento;
- Analisar os desvios existentes e definir consequentes medidas a tomar.
A função de planeamento apenas é mencionada pelo responsável de marketing como:
“O orçamento é a base do planeamento de comunicação nos diferentes mercados onde estamos
inseridos.”
Neste contexto foi solicitado aos entrevistados que, dadas as seguintes afirmações, as
pontuassem na escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), sendo os
resultados apresentados na Tabela 3:
25
Orçamento é elaborado porque:
Financeiro Informática Marketing Diretor Geral
- é uma ferramenta de controlo 5 4 2 5
- ajuda no planeamento 5 3 4 4
- faz parte da cultura 3 na 3 5
- vai ao encontro estratégia 4 na na 4
- a maioria das empresas o faz na na 4 1
Tabela 3: Motivações na elaboração do orçamento (elaboração própria)
De forma a sintetizar as funções indicadas, pode afirmar-se que é predominante a opinião de
que a utilização do orçamento é motivada sobretudo por questões de controlo, planeamento
(sobretudo no departamento de marketing), como fazendo parte da cultura da empresa e
finalmente como promotora do atingimento de objetivos estratégicos. Este último ponto,
apenas mencionado pelo Diretor Geral, é patente nesta sua afirmação:
“O momento de elaboração do orçamento acaba por ser um momento de reflexão e de criação
de alguns objetivos estratégicos.”
A questão cultural, ou seja, se o orçamento é elaborado porque sempre se fez, mereceu
particular atenção aquando das entrevistas. Segundo o responsável financeiro:
“O orçamento vem da parte industrial, na qual é uma prática corrente há muitos anos, é algo
que não se põe em questão...e a Calçamoda vem com essa cultura…”
Outro aspeto prende-se em saber se o orçamento cria ou não valor no desempenho das
tarefas de cada departamento. Exceto o departamento de marketing, que considera que não
cria valor e apenas lhe dá a noção de quanto pode investir no seu plano de comunicação, os
restantes (responsável dos sistemas de informação, financeiro e diretor geral) afirmam que
lhes é útil:
“O orçamento permite ter noção dos investimentos em sistemas de informação que cada
departamento quer fazer e com isso consegue-se priorizar aquilo que é mais importante para a
empresa…”
“É mais fácil ter um caminho traçado…o orçamento cria valor para a informação de gestão.”
“Muito, sobretudo no acompanhamento. Não viveria sem orçamento, seria muito difícil.”
Existe ainda a ideia de que o orçamento cria ainda mais valor em negócios com alguma
volatilidade, como este, com grande utilidade no controlo e acompanhamento, para se aferir
26
se o que está a acontecer está de acordo com o previsto. Ou seja, a simples comparação com
o histórico (dispensando a comparação com o valor orçamentado, o que dispensaria por sua
vez a produção do orçamento em si) faria mais sentido, caso se perspetivasse que os anos
seriam idênticos. Ainda assim, a opinião geral é de que a elaboração do orçamento faz
sentido, pois é também onde estão concretizadas as metas e os objetivos para a empresa.
4.3.2. O Orçamento em 2016
Neste ponto tenta-se perceber como estava a empresa em 2016 e os aspetos que se
evidenciam no que diz respeito ao orçamento elaborado, nomeadamente as rubricas mais
relevantes, em que informações eram baseadas as decisões e qual a utilidade do orçamento.
De uma forma geral, é unânime que em 2016 a Calçamoda, sendo um projeto recente e em
crescimento, se debatia com alguma turbulência e desorganização, pois estava-se a tentar
otimizar processos (nomeadamente logísticos) e perceber o que seria melhor controlar em
termos orçamentais.
As principais rubricas no orçamento, para cada departamento, estão indicadas na Tabela 4:
Departamento Rúbricas
Diretor Geral Vendas
Financeiro Vendas, Consumos, Pessoal, Marketing
Marketing Feiras, Assessorias de Imprensa, Moldes
Sistemas de Informação Contratos de Manutenção e Investimento em tecnologias de informação
Tabela 4: Principais rúbricas no orçamento, por departamento (elaboração própria)
Neste sentido e citando, respetivamente, o diretor geral e o responsável financeiro:
“O que foi mais importante foram as vendas, muito mais que a monitorização dos gastos, pois
estava tudo num bolo, não havia uma distinção clara dos centros de custos. A base foram as
vendas, tudo o resto era secundário nesta fase.”
“Em primeiro lugar vendas e consumo, pois é a partir da margem bruta que o orçamento se
faz. Depois gastos com pessoal, para aferir eventuais contratações. Finalmente os gastos de
marketing, para perceber onde investir, por exemplo em termos de publicidade.”
27
Identificadas as rubricas mais importantes, importa averiguar em que informações eram
suportadas as decisões tomadas ao longo de 2016 e se o orçamento se afigurava como fator
decisivo para tal.
Para o departamento de informática, o orçamento era apenas utilizado como um guia para
alocar os colaboradores do departamento aos projetos que surgiam, tendo em conta as
prioridades. O departamento de marketing afirma que o orçamento não é fator decisivo, pois
não havendo uma estratégia definida, as decisões tomadas são de acordo com a
administração, falando ainda de um “marketing reativo”. Para o departamento financeiro há
decisões tomadas em função da comparação entre o valor orçamentado e o real,
nomeadamente, caso as vendas não correspondam ao expectável, a empresa retrai-se em
relação a determinados gastos que estariam previstos. Mas tal não é o único fator de suporte
de decisões pois, “nem só o orçamento faz com que se tomem decisões”, e são referidos outros fatores
a ter em conta como a carteira de encomendas e o feedback dos comerciais e agentes (que
estão em contacto direto com os clientes). Finalmente, para o Diretor Geral o prioritário
eram as vendas e como fazer o projeto crescer:
“O orçamento não era tão decisivo, estávamos no arranque do projeto, e tínhamos um
orçamento paralelo de marketing (em Excel) que dava alguma ideia do controlo dos principais
gastos. Nesta fase o fundamental era ver o que se faturava.”
O orçamento existente em 2016 era um orçamento que, apesar de com alguns ajustes, era
essencialmente elaborado nos moldes da empresa-mãe, uma empresa industrial, com práticas
enraizadas nesta temática (pois a existência de orçamento é algo vincado no grupo e que se
faz há muitos anos na empresa-mãe, com mais de 40 anos de existência). Todavia, tal
orçamento não estava ajustado à reorganização do modelo de negócio da Calçamoda, como
partilhado pelo diretor geral aquando da entrevista:
“Estava-se a ver como fazer um orçamento nesta empresa, foi mais a olho.”
“O orçamento foi feito com base na indústria que tínhamos, já aí começámos mal pois tentou-
se replicar o que existia. Nessa altura não sabíamos exatamente o que controlar.”
28
Esta ideia também foi transmitida pelo responsável financeiro:
“A Administração quando nos pediu o orçamento também não tinha noção de como queria o
processo, pelo que foi efetuado com base no que vinha da empresa mãe…e depois fomos
adaptando ao longo do tempo.”
Nesta fase o orçamento era elaborado pelo departamento financeiro, com um ou outro
contributo da administração e do departamento de marketing, mas fundamentalmente com
base no histórico, sendo grande parte da sua elaboração da responsabilidade do
departamento financeiro:
“No início era mais concentrado na área financeira, com base em históricos existentes da
empresa mãe.”
Esta forma de orçamentar, para além de exigir demasiado tempo do departamento
financeiro, não estava a produzir informação suficiente para a gestão, pois o detalhe não era
o pretendido. Ou seja, não se detetavam determinados pormenores importantes de cada uma
das áreas (marketing, comercial, administração), algo que apenas seria colmatado com a
envolvência de todos os departamentos. De facto, reconheceu-se que o responsável de cada
área melhor saberia o que queria controlar e que rubricas se afiguravam como mais relevantes
para serem espelhadas no orçamento.
Mesmo entre 2015 e 2016, a administração mostrava intenção de querer outro tipo de
informação, mais pormenorizada, ainda que sem noção clara de qual exatamente, pelo que o
orçamento em 2016 já foi contemplando alguns ajustes nesse sentido. Citando o responsável
financeiro:
“Entretanto a estrutura foi aumentando, o segundo orçamento passou a ser um mix entre os
contributos das áreas financeira, marketing e comercial, até este último orçamento (2018) em
que cada área dava o seu orçamento…e depois o departamento financeiro juntou tudo e
preencheu as lacunas.”
Em suma, a ideia global transmitida é que o orçamento nos moldes em que estava elaborado
em 2016, não conferia a informação da melhor forma (e ainda não se sabia bem qual o molde
ideal), pelo que o principal foco de atenção eram as vendas e a partir daí se desenrolavam (ou
não) algumas ações que implicassem gastos (nomeadamente de marketing) para a empresa.
29
As citações seguintes permitem perceber o nível de utilidade que cada departamento retirava
do orçamento:
“Utilidade baixa, apenas é útil para o planeamento das atividades.” – Responsável de
marketing;
“É útil pois permite saber se o que foi estimado está a ser cumprido e para saber a nível de
projetos se vamos ter recursos internos para os desenvolver ou não. Para a gestão do dia-a-dia
é importante.” – Responsável de informática;
“O orçamento é sempre útil, pois é um barómetro mental. No entanto nem só do orçamento se
suportam as decisões…umas vezes tem utilidade marginal, outras mais efetiva.” –
Responsável Financeiro;
“Em 2016 o orçamento teve uma relevância menor, pelos moldes em que estava, o que queria
era garantir vendas e saber minimamente os gastos…ter um orçamento como o de 2016 não
valia a pena, havia uma necessidade completamente diferente da análise industrial, ainda
assim, é sempre útil, é melhor ter do que não ter, para perceber se o que projetamos se
concretiza.” – Diretor Geral
De uma forma geral, o orçamento era considerado uma ferramenta útil, ainda que se
reconhecesse que deveria ser alvo de algumas alterações para melhor responder às
necessidades do negócio em causa.
No seguimento desta ideia, algo a ser realçado é o facto de que enquanto os responsáveis
informático e de marketing não consideraram a possibilidade de fazer alguma alteração ao
orçamento, o responsável financeiro e o Diretor Geral abordaram várias vezes ao longo da
entrevista essa necessidade. Possivelmente esta divergência esteja justificada no facto de o
orçamento não ser elaborado com uma estratégia definida nem alinhada entre todos os
intervenientes, daí as necessidades sentidas serem diferentes. Aliás, o responsável de
marketing quando questionado sobre a possibilidade de o orçamento ser elaborado noutros
moldes, menciona mesmo:
“Nem perco tempo com isso porque é algo que tem de vir de cima…o primeiro passo para
termos uma organização alinhada é ter uma estratégia definida.”
Resumidamente, é de salientar que em 2016, ano de crescimento na recente reestruturação
da Calçamoda, a elaboração de um orçamento no mesmo modelo da empresa mãe, com
30
atividade industrial, revelou-se pouco funcional. Nesta fase o orçamento não era fator crucial
para a tomada de decisão; todavia, existindo e sendo os seus valores minimamente
concordantes com o que efetivamente a empresa alcançava, conferia maior segurança à
gestão da empresa. Outro ponto a destacar é o facto de que o foco eram as vendas e como
as fazer crescer, sendo a análise dos gastos relegada para segundo plano. Gradualmente foram
ponderadas formas de alterar o orçamento, nomeadamente entre o departamento financeiro
e o Diretor Geral (mas que apenas vieram a ser implementadas em 2018, como se verá
abaixo).
4.3.3. A Ausência de Orçamento em 2017
Importa agora perceber porque o orçamento não foi elaborado, se foi sentida a sua falta (e
em que aspetos) e como foi efetuado o controlo de gestão na empresa durante esse ano.
Relativamente ao motivo pelo qual não existiu orçamento em 2017, existem duas situações
distintas. Por um lado, os responsáveis de marketing e de informática efetuaram de igual
forma o orçamento do seu departamento, como anteriormente, sem nunca terem obtido
alguma resposta/aprovação. Por outro lado, quer o responsável financeiro, quer o diretor
geral acreditam que a ausência do orçamento global, não tendo sido intencional, se deveu a
alguma inércia interna e à existência de outras prioridades, nomeadamente questões do
âmbito industrial e logístico da empresa-mãe. Segundo o responsável financeiro:
“Não se pôs em causa que o orçamento não seria importante fazer, mas chegou-se a um ponto
em que no final do primeiro trimestre o orçamento não estava feito…aliado a isso, como 2016
foi um ano atípico em termos de resultados, não se sabia bem a recetividade das coleções, pelo
que existia dificuldade em perspetivar como seria 2017.”
E de acordo com o diretor geral:
“Para ter um orçamento como o de 2016, não valia a pena.”
No que diz respeito à gestão ao longo do ano, nos departamentos de marketing e de
informática, os únicos que elaboraram o orçamento, não houve impacto significativo nestes
departamentos. No entanto, como não obtiveram a aprovação do orçamento, qualquer
atividade (por exemplo de marketing) que fosse necessária, teria sempre de ser submetida ao
Diretor Geral para aprovação prévia, criando um trabalho acrescido. Ou seja, a não
31
aprovação do orçamento geral teve impacto nas atividades e na rotina da empresa durante
2017, com maior relevância no departamento de marketing, dado o dinamismo existente com
as iniciativas e ações publicitárias, eventos com agentes, entre outras. Se tivesse havido um
orçamento geral aprovado, e a menos que sejam um gasto adicional, não planeado, ou que
se tratem de valores acima do orçamento, tais atividades já estariam previamente aprovadas
pelo diretor geral, pelo que a aprovação do orçamento geral ajuda no dia-a-dia da Calçamoda.
Ainda assim, o maior impacto foi sentido na área financeira e na direção, em que o controlo
de gestão foi efetuado por comparação face ao histórico, ou seja, com os valores reais do
ano anterior. Tal situação originou um maior trabalho ao diretor geral:
“Na gestão do negócio eu tinha a previsão das vendas e confrontava com as vendas reais. Da
parte dos gastos tinha o orçamento dos principais gastos de marketing. E depois via os
resultados globais ao longo dos meses. Tinha noção dos gastos que se poderiam ter com as vendas
que íamos tendo, de uma forma muito geral, nada pormenorizada. Mas isto apenas foi possível
porque estava na minha mão, se fosse outro gestor sem estas informações, não era possível gerir
o negócio.”
Como colaboradora do departamento financeiro, comprovei diversas vezes o trabalho
adicional que o departamento teve. Como não existia o orçamento geral, uma das principais
formas de análise por parte da gestão foi face ao histórico. Mas como o orçamento de 2016
não estava com o detalhe departamental necessário, existiu trabalho adicional ao refazer o
histórico, para que fosse comparável a 2017.
No seguimento disto, percebe-se que a ausência do orçamento geral foi mais penalizadora
para o diretor geral e o departamento financeiro, e que praticamente não foi sentida pelo
departamento de informática nem de marketing (pois balizaram-se pelo que elaboraram,
ainda que sem aprovação final). A falta sentida do orçamento foi sobretudo, dada a sua
função de controlo, em aferir desvios entre o expectável e o real, o que é considerado como
uma importante valia.
Um dado interessante nesta investigação é que apesar de, quer o responsável financeiro, quer
o diretor geral, mencionarem que o orçamento fez falta e que é claramente melhor ter do
que não ter, concordam que não foi desastroso e que foi ultrapassado por dois grandes
motivos. Primeiramente com a comparação do real de 2017 face ao real de 2016, mas também
32
com os bons resultados obtidos em 2017, não se colocavam grandes problemas que
exigissem uma análise mais detalhada.
Citando o Diretor Geral:
“Senti falta na gestão dos gastos correntes, mas não foi dramático…e tal situação foi
ultrapassada através dos resultados que foram razoáveis, caso contrário ter-se-ia de ir mais a
fundo.”
Dada a turbulência instalada entre 2016, com um orçamento que não satisfaz as necessidades
à gestão, e 2017, onde o mesmo não é elaborado, importa perceber se foi equacionada a
possibilidade de uma nova forma de abordagem ao orçamento. Apenas o responsável
financeiro abordou esta questão:
“O orçamento é uma ferramenta que cria valor para a empresa. Poderíamos fazer de outra
forma, por exemplo, a partir de dados reais de 3 ou 6 meses, extrapolar para o período seguinte.
Não fosse a questão do período anual (por questões contabilísticas e fiscais), a gestão seria
muito mais fluída e mais flexível com uma projeção de 3 ou 6 meses do que vai acontecendo na
realidade.”
O Diretor geral não tem conhecimento de novas abordagens, mas mostrou-se claramente
entusiasmado em saber e aprofundar esse assunto.
Em suma, os pontos de maior relevância relativos a 2017 foram:
- O orçamento não foi elaborado fundamentalmente por questões internas de inércia
e porque o modelo precisava de ser revisto e melhorado;
- Foi no topo da empresa e no controlo de gestão onde se sentiu mais falta do
orçamento, principalmente para avaliar se o caminho que a empresa estava a levar era o
previsto;
- Tal ausência levou a um volume de trabalho adicional entre os diversos
intervenientes;
- Uma nova abordagem orçamental era reconhecida como uma possibilidade a ter
em conta no futuro.
33
4.3.4. O Retorno do Orçamento em 2018
No ano em que regressa o orçamento, 2018, importa perceber o porquê de tal regresso e se
surge com alguma alteração de relevo ou se mantém os mesmos moldes.
O retorno do orçamento não se aplica aos departamentos de informática e de marketing,
pois, como já referido anteriormente, elaboraram o seu orçamento como habitualmente pelo
que, não tendo sentido a ausência, também não sentiram o reaparecimento. Apenas a
anotação de que, no seguimento do já referido no ponto anterior, com o orçamento aprovado
em 2018, as despesas de marketing já estavam devidamente autorizadas, pelo que apenas em
situação excecionais (iniciativas não previstas ou acima do planeado) teriam de ser aprovadas
pelo diretor geral. Em termos operacionais, a existência de orçamento aprovado, reduz o
trabalho adicional que foi necessário em 2017 e contribui para a existência de maior fluidez
nas práticas da Calçamoda.
O mesmo não acontece no departamento financeiro e na direção, que concordam que o
retorno acontece pela importância que o mesmo exerce no controlo do negócio, mas também
porque faz parte da identidade da empresa. De salientar ainda que como a análise de 2017
foi baseada na comparação com o histórico de 2016, tal critério não se afigurava como o
ideal, em especial quando se perspetivam resultados bem diferentes. Citando o responsável
financeiro:
“Volta a existir orçamento pois houve uma perspetiva de que 2018 iria ser um ano muito
melhor que 2017 e isso faria com que a análise do histórico fosse pouco comparável…Por outro
lado, existe a cultura de se fazer o orçamento, mas não foi por isso.”
Esta afirmação poderia levar à questão de que caso 2018 se perspetivasse (em termos de
resultados) idêntico a 2017, a empresa poderia equacionar não elaborar o orçamento agora
de forma deliberada. No entanto a Calçamoda não se enquadraria nesse contexto, nem
mesmo com a alternativa de analisar face ao histórico seria viável, não só porque quer ver o
caminho que traça para o ano e a sua prossecução, como também faz parte da sua cultura.
Mesmo com os gastos e dispêndio de tempo inerentes à sua elaboração, os entrevistados
acreditam que são menores do que a utilidade que se retira de um orçamento fidedigno.
Como partilhado pelo diretor geral:
“Surgiu porque já devia ter existido em 2017…e também pela necessidade de ter um modelo
melhorado, ajustado ao negócio, pois não poderíamos viver sem ele.”
34
O orçamento revisto que surge em 2018 contempla alterações quer no seu modelo, com
novas rúbricas e nova forma de apresentação, quer no seu conceito, nomeadamente com a
desagregação dos negócios wholesale e e-commerce.
Como colaboradora da área financeira, saliento que várias vezes constatei as alterações ou
informações adicionais que a administração questionava. Dessa forma se foi limando e
melhorando o modelo de orçamento, até ao novo modelo em 2018, que surge após reuniões
(nas quais estive presente) entre os principais intervenientes de cada departamento.
Nestas reuniões cada responsável de departamento dava o seu contributo acerca das rubricas
mais relevantes para o orçamento, para posteriormente fazer a devida monitorização ao
longo do ano. Um aspeto a salientar é que com a alteração do modelo de orçamento em 2018
(e a ausência de orçamento em 2017), era importante ter os dados históricos de 2017 no novo
modelo, pelo que o departamento financeiro teve de elaborar um reporte com os dados reais
de 2017 agrupados de acordo com a nova estrutura para 2018, antes do orçamento definitivo
de 2018 ser aprovado. Uma tarefa adicional de relevo, e que se revelou muito trabalhosa,
exigindo alguns dias de trabalho a uma colaboradora do departamento financeiro.
Resumidamente, ao longo de 2017 foi-se refinando e percebendo que rubricas eram mais
relevantes (que o histórico de 2016 não continha) para controlar e evidenciar no orçamento,
ao contrário do que existia anteriormente, quando os valores eram muito agregados. Outra
questão a salientar é o facto de passar a existir, para além da distinção das principais rubricas
por departamento, um orçamento por canal de vendas. Enquanto que antes havia apenas um
orçamento global, em 2018 os dois negócios, wholesale e e-commerce, passam a estar
desagregados. Este ponto é uma alteração de relevo, pois permite monitorizá-los
separadamente e ter uma perspetiva da rentabilidade de cada um.
Com estas alterações, a Calçamoda pretende garantir melhor fiabilidade e controlo, para, caso
assim o entenda, poder atuar perante desvios que surjam. Assim a empresa começa a
distanciar-se do modelo base (industrial) da empresa mãe, obtendo um novo modelo à
imagem do negócio em causa e com uma noção clara do que quer controlar.
Desta forma pode afirmar-se que apesar da ausência do orçamento não ter sido intencional,
contribuiu para que se refletisse sobre o negócio propriamente dito e no que é crucial
controlar para a gestão do mesmo.
35
Importa destacar algumas ideias transmitidas pelo responsável financeiro e pelo diretor geral
acerca da aprendizagem sobre o ano sem orçamento:
“Apesar de não ter sido um ano mau em termos de resultados, foi uma navegação mais à
vista…”
“É difícil gerir um negócio sem perceber o que acontece…é possível, mas não tem lógica. Foi
um ano terrível nesse sentido, acabamos por gerir no ar.”
As consequências da ausência de orçamento só não se agudizaram mais, pois o diretor geral
estava muito envolvido nas principais áreas do negócio e só dessa forma conseguia ter noção
do que ia acontecendo. Para o diretor geral não fazia sentido continuar a analisar face ao
histórico, pois a informação tal como era apresentada anteriormente, com poucas rúbricas e
muito pouco aprofundadas, não trazia grande valor. Note-se que uma grande mais-valia dos
negócios, com a complexidade atual e mercados muito ativos, é a qualidade da informação.
O diretor geral menciona mesmo:
“Não imagino alguém que não estivesse no terreno, como eu, gerir assim…”
Outro ponto que contribuiu para que não se sentisse mais a falta de orçamento foi o facto
de ter sido um ano bom em termos de resultados. Se assim não fosse, o controlo teria sido
muito mais apertado, nomeadamente no controlo de gastos. Mas como os resultados
superaram os do ano anterior, tal ausência foi amenizada.
Desta forma, e resumidamente, destacam-se as seguintes ideias:
- A ausência do orçamento em 2017 despoletou um trabalho adicional (no
departamento financeiro e no diretor geral) e ajudou a perceber as lacunas orçamentais
existentes e a pensar na forma de as colmatar;
- O orçamento retornou porque fez falta para aferir entre o que se esperava para a
empresa e o real, mas também porque fazia parte da identidade da empresa;
- A questão da relevância de os valores efetivos poderem ser muito diferentes dos
históricos é um ponto interessante no que diz respeito à utilização do orçamento, estando
subjacente a ideia de que a utilidade do orçamento é tanto maior, quanto mais diferentes do
passado se perspetivem serem os valores efetivos (pois inviabilizaria a abordagem alternativa
de simplesmente se compararem os valores efetivos e os passados, o que poderia dispensar
36
a comparação com os valores orçamentais e assim reduziria a necessidade de produzir um
orçamento);
- Em 2018 o orçamento surge renovado, na apresentação e no conceito, evidenciando
as rubricas que se afiguram mais importantes para o controlo de gestão e dada a necessidade
de desagregar os negócios wholesale e e-commerce;
- A empresa não pondera abandonar o orçamento. No entanto está recetiva em
conhecer novas abordagens que poderão complementar e melhorar a análise ao serem mais
dinâmicas e flexíveis.
37
5 – Discussão do Caso e Propostas de Melhoria
No seguimento do capítulo anterior, em que foi efetuada uma descrição do caso em apreço,
torna-se agora interessante fazer uma análise do mesmo, encontrando, nuns casos, alguns
pontos em comum com a literatura e noutros, contrariando a mesma. Conjugando a revisão
de literatura com algumas ideias identificadas no estudo empírico, é também de mencionar
uma sugestão de melhoria ao processo orçamental.
5.1 – Reflexões Teóricas
Tendo em conta as diferentes funções que um orçamento pode assumir, a principal
funcionalidade retirada do orçamento na Calçamoda é a de controlo, ou seja, de aferir se os
gastos planeados e efetivos são minimamente concordantes (Pereira, 2013). A função de
planeamento tem um papel secundário (apenas mencionada pelo departamento de
marketing) e o orçamento como ferramenta de estabelecimento de objetivos estratégicos é
diminuta. No que diz respeito à sua utilização para avaliação de desempenho, nem sequer é
utilizada na empresa estudada.
Podemos falar do orçamento como uma prática institucionalizada no seio da empresa (Burns
e Scapens, 2000) pois, com a reorganização instaurada, o orçamento nem foi posto em causa,
tendo sido elaborado em 2016 muito por razões de cultura do grupo organizacional, por ser
algo que sempre se fez, mas que não foi pensado de forma a garantir a informação e utilidade
necessárias ao seu novo contexto. Neste caso de 2016, e de acordo com Granlund e Lukka
(1998), pode-se então falar de isomorfismo normativo, sendo a influência da cultura
organizacional da Calçamoda um fator de grande importância, uma vez que o orçamento foi
reproduzido na base do existente na empresa mãe (mas sem produzir informação totalmente
adequada para o negócio em causa). Dentro deste contexto de isomorfismo institucional, e
pelo facto de o orçamento da Calçamoda ter sido uma “cópia” do da empresa mãe, pode-se
considerar que apesar de a literatura (Granlund e Lukka, 1998) mencionar a influência da
empresa mãe nas restantes empresas do grupo como isomorfismo coercivo, neste caso não
existiu qualquer imposição nem coercividade. Assim sendo, considerar que esta influência
também se trata de isomorfismo mimético será a opção que melhor se adequa nesta situação,
em que a Calçamoda, num contexto de alguma incerteza, imita o processo orçamental da
38
empresa mãe, conferindo-lhe alguma segurança (Dimaggio e Powell, 1983; Granlund e
Lukka, 1998).
Ao contrário do sugerido por Burns e Scapens (2000) que defendem que mudanças são
tipicamente despoletadas por fatores externos, neste estudo o abandono deveu-se a razões
do foro interno, de inércia, de expectativas diferentes em termos de resultados e de como se
impunha uma renovação do modelo de orçamento existente. Ou seja, não houve nenhum
acontecimento marcante externo nem em 2016 com orçamento, nem em 2017, que
justificasse o abandono nesse ano, nem em 2018 que explicasse o regresso.
Esta ideia corrobora Becker (2014), que estudou empresas que abandonaram o orçamento
tradicional fundamentalmente por razões internas, e também Ozdil e Hoque (2017), em que
a motivação de abandono pode advir de uma motivação interna, de uma necessidade da
empresa ter, por exemplo, um melhor controlo financeiro. Assim, nesta presente
investigação, o orçamento surge em 2018 com modelo e conceitos renovados, dada essa
necessidade sentida em ter melhor informação para a gestão. Ainda no seguimento desta
ideia, e de acordo com Becker (2014), há empresas que optam por voltar a ter um orçamento
tradicional pois este lhes confere alguma segurança no que diz respeito ao controlo de gastos
e à gestão do negócio. Desta forma, a gestão está na sua zona de conforto, pois para além do
orçamento ser uma ferramenta que dá noção do que é razoável, por exemplo, a empresa
gastar, é também algo com o qual estão familiarizados (Bourmistrov e Kaarboe, 2013). E,
mais uma vez, temos a ideia de isomorfismo normativo (Granlund e Lukka, 1998) pois o
regresso do orçamento também acontece pois faz parte da identidade e da cultura da
Calçamoda.
Uma ideia interessante transmitida aquando das entrevistas e que importa realçar é que em
2017 o impacto da ausência de orçamento não foi tão crítico pelo facto de os resultados
globais da Calçamoda terem sido bons. Por isso mesmo, o controlo de gastos não foi alvo
de grande análise, estando a empresa focada nas vendas. No entanto, caso os resultados não
tivessem sido bons, a análise dos gastos teria certamente sido alvo de minuciosa análise. No
seguimento disto e como já referido, uma das formas que a empresa encontrou para lidar
com a inexistência de orçamento foi confrontar os valores reais de 2017 com os de 2016,
com o histórico. Esta situação é algo que já foi ponderado numa empresa portuguesa (caso
Nors), aquando da sua transição do orçamento tradicional para o beyond budgeting (Nagel,
2017; Oliveira e Nagel, 2018). Neste caso, a direção decidiu avançar com a implementação e
39
respetivas alterações no controlo de gestão, mas com a noção de que, caso tal não resultasse
e quisessem recuar, teriam os dados do ano anterior como suporte. Citando Nagel (2017):
“A direção da Nors está convencida que caso surjam dificuldades com a implementação do
beyond budgeting, poderão reverter para os moldes anteriores e existirão os dados históricos do
ano anterior para comparar o desempenho da empresa.” 1
Por fim, importa ainda referir que o retorno do orçamento em 2018, mais concretamente a
sua aprovação, gerou algum impacto nas rotinas da Calçamoda. Para além da principal função
de controlo que a empresa retira do orçamento, uma perspetiva interessante é a de verificar
como esta ferramenta interage com a empresa e com as suas atividades diárias. Ou seja, o
facto de não ter havido orçamento (nem sua aprovação nos departamentos de marketing e
de sistemas de informação, que o elaboraram em 2017), gerou um maior dispêndio de tempo,
quer aos respetivos departamentos, quer ao diretor geral, ao lhe ser solicitado, despesa a
despesa, a devida aprovação. Pelo que se pode concluir que no caso da Calçamoda, o
orçamento assume-se não só como uma ferramenta de controlo, mas também como um
meio facilitador (devido à sua aprovação prévia) que agiliza a prossecução das iniciativas da
empresa.
5.2 – Sugestões de Melhoria
Um aspeto mencionado pelo diretor geral foi o facto da fiabilidade do orçamento,
nomeadamente na projeção de vendas, não ser a melhor, pois as projeções feitas são baseadas
em expectativas e em negócios muitas vezes ainda não concluídos. Isto pode levar às duas
perspetivas que Hansen et al. (2003) aborda para fazer face às críticas apontadas ao orçamento
tradicional: melhorá-lo ou abandoná-lo. Abandonar o orçamento tradicional não se afigura
como uma intenção que esteja em mente da gestão da Calçamoda, que afirma ser muito difícil
gerir sem orçamento e que é uma ferramenta, quando bem construída, essencial. Poder-se-ia
então, equacionar a possibilidade de o manter como ferramenta de controlo e melhorá-lo,
tornando-o mais fidedigno nas suas projeções. Como referido no capítulo 2, segundo Libby
e Lindsay (2010), mais de 80% das empresas estudadas usam o orçamento como ferramenta
de controlo e destas, 94% não considera abandoná-lo. O mesmo acontece com a Calçamoda,
1 Tradução da autora
40
que acredita que o benefício do controlo associado ao orçamento é superior aos gastos
inerentes à sua elaboração. Assim, e de acordo com os mesmos autores, uma das vantagens
que pode advir de uma melhoria ao orçamento é um maior envolvimento dos colaboradores
com uma dinâmica bottom-up e não tanto top-down. Esta situação é algo que já se observa que
tem vindo a acontecer na empresa de 2016 a 2018, com a participação no orçamento de mais
departamentos, para além do financeiro.
Outro aspeto que se afigura como vantajoso à prática orçamental, é ter uma estratégia
alinhada com o orçamento, que é claramente algo a desenvolver no seio da Calçamoda, que
terá de passar da gestão para os restantes intervenientes, para que todos estejam em sintonia
com os objetivos da empresa. Finalmente, complementar o orçamento tradicional existente
e implementar o rolling forecast, pode ser um passo importante para colmatar algumas
dificuldades nas projeções de vendas.
Existe abertura por parte do diretor geral para conhecer novas abordagens orçamentais e tal
facto também foi referido pelo responsável financeiro aquando da sua entrevista, pelo que a
inclusão de um rolling forecast, aliado ao orçamento tradicional, pode ser um ponto a ter em
conta na empresa. Sandalgaard (2012) é outro autor que concluiu que a insatisfação que possa
existir com alguns aspetos do orçamento tradicional não faz com que as empresas o
abandonem, mas sim que o melhorem. Esta ideia vai ao encontro do estudo de Henttu-Aho
e Jarvinen (2013), em que as práticas orçamentais tendem a alterar e surgem novos métodos
que podem estar alinhados com a prática tradicional já existente. Os autores falam ainda de
uma “separação” das funções do orçamento tradicional, mantendo-se o orçamento
tradicional como controlo de gastos e utilizando o rolling forecast como ferramenta de
planeamento, que melhor responderia à realidade do negócio.
Esta nova abordagem poderia originar alterações no departamento financeiro e na direção,
desenvolvendo novas competências, passando a ser mais proativos e com melhor noção da
realidade do negócio, não analisando apenas o que já aconteceu face ao planeado (Henttu-
Aho, 2016). Acrescendo a isto, haveria mais envolvimento de todos, com um diálogo top-
down e bottom-up, que estimularia o contributo de sugestões de melhorias nos processos da
Calçamoda. Isto potenciaria maior transparência e motivação dentro da empresa, gerando o
sentimento de os intervenientes estarem envolvidos na prossecução dos objetivos comuns.
41
6 – Conclusão, Limitações e Pistas Investigação Futura
A maioria das empresas mantém o orçamento tradicional como uma ferramenta de suporte
às decisões da gestão (Libby e Lindsay, 2010). Com o orçamento, e apesar de todos os seus
pontos fracos já referidos neste estudo, os gestores das empresas estão na sua zona de
conforto pois é algo com o qual estão familiarizados e no qual se apoiam na aferição do
desempenho da empresa.
No entanto, e tendo em conta as limitações inerentes ao orçamento tradicional e as
características voláteis dos mercados atuais, surgiu a necessidade de um modelo mais flexível.
Começaram então a surgir alternativas, sendo as mais radicais defensoras do abandono do
orçamento tradicional, e outras adeptas de melhorá-lo ou complementá-lo com outras
ferramentas.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi perceber porque o orçamento na Calçamoda
foi abandonado em 2017, e depois retomado em 2018, e qual o impacto desta
descontinuidade nas práticas orçamentais. No decorrer da investigação apurou-se que a
ausência de orçamento em 2017 se deveu essencialmente à inércia dos principais
intervenientes deste processo e ao facto de o modelo existente não transmitir a informação
mais adequada para a gestão. Para tal teve também influência a reestruturação de que a
Calçamoda foi alvo, tendo passado de uma empresa que apenas prestava serviços de design e
de consultoria técnica, para agregar também a comercialização de calçado de marca própria.
Após esta transformação na sua atividade, adotou um modelo de orçamento à imagem da
empresa mãe, empresa industrial, de produção de solas e de calçado e de comercialização de
solas, o que se revelou não totalmente adequado.
Por sua vez, a ausência de orçamento em 2017 acabou por ser colmatada simplesmente pela
análise das vendas, pelo confronto com os dados históricos e pelo facto de esse ano ter sido
um ano favorável em termos de resultados. No entanto, a principal ilação a tirar desta
interrupção, foi que ajudou a que se ponderasse o que efetivamente se queria controlar, tendo
em conta a realidade específica da empresa, para apurar o modelo ideal de orçamento,
implementado já em 2018.
Fruto da evolução do processo orçamental, este passou a englobar mais departamentos, e
não somente o financeiro como anteriormente. Procura agora ir ao encontro das
necessidades de cada área, não apresentando apenas os valores globais de cada uma, mas
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especificando as suas principais rubricas, para uma maior clareza dos dados. Por último, exige
um envolvimento de todos, podendo facilitar e potenciar um futuro alinhamento estratégico
organizacional.
Finalmente, é de realçar ainda que o diretor geral da Calçamoda, apesar de concordar que o
presente modelo orçamental está claramente melhor, não exclui a análise de possíveis
abordagens alternativas que possam complementá-lo.
A principal limitação deste estudo prende-se com o facto de terem sido realizadas poucas
entrevistas. No entanto, as entrevistas foram efetuadas aos atores efetivamente relevantes,
isto é, aos responsáveis dos departamentos, que estão diretamente envolvidos no processo
orçamental. Outra questão a mencionar é que somente o responsável financeiro e o diretor
geral têm uma visão abrangente de todo o processo, sendo que quer o responsável de
marketing, quer o responsável dos sistemas de informação, apenas visionam os respetivos
departamentos.
Como sugestões para investigação futura, poderá ser interessante aferir como continuará a
decorrer o processo de retoma orçamental e se as alterações implementadas estão a
corresponder às expectativas da empresa. Outro aspeto merecedor de atenção é poder
analisar se a Calçamoda vai adotar alguma abordagem alternativa ao orçamento,
nomeadamente na projeção de vendas, com o rolling forecast, como complemento ao
orçamento tradicional, possibilidade que foi aflorada durante o trabalho empírico.
Numa perspetiva mais generalizada, será também aliciante tentar perceber se, num futuro
próximo, o número de empresas que tende a utilizar outras alternativas ao orçamento
tradicional aumenta, seja pelo seu abandono, seja como forma de o melhorar.
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Apêndice
Guião para as entrevistas
Parte I - Questões genéricas à temática orçamental
1) No que diz respeito ao processo de elaboração do orçamento, como o caracteriza?
- Quanto à flexibilidade/rigidez? Em que aspetos?
- Quanto ao tempo que exige, as exigências ao nível administrativo
- Modo geral, é um processo “pesado”?
2) O orçamento é usado para quê?
3) Em média, quanto tempo é investido e quantas pessoas, até ao orçamento ficar
finalizado? E depois no acompanhamento?
4) Como caracteriza o orçamento, como ferramenta de gestão, em termos de
fiabilidade?
5) Como caracteriza o alinhamento do orçamento com a estratégia da empresa? Em que
aspetos?
6) Considera que o orçamento cria valor ao seu trabalho? Em quê, especificamente?
7) Comparando o valor gerado (pergunta anterior), com o investimento na elaboração
e acompanhamento do orçamento, qual a sua avaliação global?
(1 ferramenta não válida - 5 válida)
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8) O orçamento é elaborado porque:
(Escala 1-5 (discordo totalmente / concordo totalmente)
- É uma ferramenta de controlo
- Ajuda no planeamento das atividades/setores da empresa
- Vai ao encontro da estratégia da empresa
- Faz parte da cultura, sempre se fez na empresa
- A maioria das empresas (do setor) o fazem
Parte II- Antes da ausência do orçamento (2016)
9) Como estava a empresa em 2016?
10) Com o orçamento existente, quais as rúbricas/itens chave que considera mais
importante/s? E porquê?
11) Em que eram suportadas as decisões a tomar ao longo de 2016? Considera que o
orçamento era fator decisivo para tal? Porquê? Em quê?
12) Como caracteriza a utilidade do orçamento para o desempenho das suas tarefas?
13) Foi considerada a possibilidade de o orçamento ser elaborado noutros moldes, uma
vez que tal como estava não lhe traria grande mais-valia? O que alteraria no
orçamento?
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Parte III - Durante a ausência do orçamento (2017)
14) No início de 2017 porque o orçamento não foi elaborado?
15) Quando se assumiu que não existiria orçamento para 2017, de que forma o controlo
de gestão era elaborado?
16) Em que aspeto/s foi sentida a sua falta? E como a empresa ultrapassou o facto de
não as ter?
17) Foram consideradas outras formas de abordagem ao orçamento?
Parte IV - O retorno do orçamento (2018)
18) Porque surge de novo o orçamento?
19) Foi efetuada alguma alteração face ao seu layout inicial? Qual? E Porquê?
20) Que balanço faz da experiência do ano sem orçamento?
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