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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Adriana Silveira Cogo O psicólogo com atuação em emergências: experiência e significado MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2010

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    Adriana Silveira Cogo

    O psiclogo com atuao em emergncias: experincia e significado

    MESTRADO EM PSICOLOGIA CLNICA

    SO PAULO 2010

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    Adriana Silveira Cogo

    O psiclogo com atuao em emergncia: experincia e significado

    Dissertao apresentada Banca Examinadora, como exigncia parcial para obteno do titulo de Mestre em Psicologia Clnica, sob a orientao da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco

    SO PAULO 2010

  • Cogo, Adriana Silveira O psiclogo com atuao em emergncia: experincia e significado. Tese (mestrado). So Paulo. 2010. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. 132p. The psychologist with expertise in emergency:

    experience and meaning. Palavras-chave: Psicologia das emergncias. Psicologia dos desastres. Psiclogos e emergncia.

  • Comisso Examinadora

    ________________________________

    ________________________________

    ________________________________

  • DEDICATRIA

    Aos meus pais, Vera (in memorian) e Cevi,

    pelos ensinamentos e trocas, que me possibilitaram crescer,

    pelo respeito s minhas escolhas e o apoio para elas darem certo e,

    pelo amor incondicional, que guardei aqui dentro e que me d energia pra viver.

  • AGRADECIMENTOS

    Professora Dra. Maria Helena Pereira Franco, mais que orientadora... Pela

    aposta e confiana, sempre muito bem combinadas sutileza com que me

    assegurava nos momentos de hesitao. Meu agradecimento e respeito por todos

    esses anos de formao.

    banca examinadora desta pesquisa, Professora Dra. Rosane Mantilla de

    Souza e Professora Dra. Sandra Regina Borges dos Santos, que me conduziram de

    forma segura e acolhedora durante o exame de qualificao e me ajudaram a

    clarear idias e a seguir em frente.

    Ao meu amore!!! Suportando ansiedade, falta de tempo, nervosismo... E

    sempre respeitando meu espao. A gente consegue!

    Ao meu pai, por ter me ajudado a crescer de uma forma digna e ter me

    ensinado que a vida vale a pena, apesar das dificuldades.

    minha me, que mesmo no estando fisicamente presente, est em todos

    os minutos da minha vida, tendo me deixado a certeza de que os sonhos da gente

    so tudo e que ir alm bom demais.

    Ao meu irmo Rodrigo, meu irmo gmeo, irmo de luta, de choro, de garra,

    de corao. Aquele que est em todos os momentos que preciso. Voc muito!

    Ao meu irmo Giuliano e meu sobrinho Pietro, com quem compartilho muitas

    alegrias e momentos de afetividade. A longa distncia em km proporcional ao

    amor e ao carinho que temos. Vocs tambm esto aqui!

    minha vozinha Eronda, o melhor exemplo que uma fortaleza se faz com

    muita fragilidade bem administrada... Eu te agradeo!

  • Ao Frederico e Francisca, meus filhos mais amados! Indescritvel o que

    sinto. Vocs so o meu brilho, a minha energia. Obrigado por existirem!

    Ao Marcelo, meu cunhado, que por ter passado pelo mesmo processo de

    finalizao de mestrado, me acalmou em alguns momentos que estava inquieta..

    Aos colegas do grupo IP, psiclogos com quem aprendi muito (quase tudo)

    sobre o tema desta pesquisa e aprendo at hoje sobre solidariedade, carinho e

    respeito ao profissional, sempre pautados em uma tica indiscutvel.

    s minhas colegas de mestrado, Juliana Leite, Ligiane Castro e Viviane

    Torlai, pelas trocas e empurres (muitos deles!!) sempre que necessrios. Nossos

    cafs, almoos e afins foram parte desta construo.

    minha psicloga, Sueli Martini, que semana a semana est l, pronta me

    ouvir repetir, repetir e repetir meus medos e inseguranas e me fortalecendo para

    esta caminhada.

    s professoras do 4 Estaes Instituto de Psicologia, Gabriela Casellato,

    Luciana Mazorra, Maria Helena Pereira Franco e Valria Tinoco, que me apoiaram

    desde que comecei a descobrir os caminhos dos estudos em luto e perdas e que,

    com carinho e muita competncia, me contaminaram desses saberes to

    preciosos. Admiro vocs!

    participante dessa pesquisa, com especial carinho, que muito me ajudou a

    concretizar este trabalho e to prontamente compartilhou suas idias, sentimentos e

    prticas.

    CAPES, pela bolsa de estudos que me proporcionou chegar at aqui.

    A todos que no citei aqui, mas que colaboraram para este percurso e para

    que este trabalho pudesse se concretizar, com questionamentos, ideias e muita boa

    vontade diante da minha ansiedade.

  • Um acontecimento no o que se consegue ver ou saber dele,

    ele o que fazemos dele

    na necessidade que temos dele para virmos a ser algum.

    Boris Cyrulnik (O Murmrio dos Fantasmas, 2005)

  • RESUMO

    A psicologia das emergncias e desastres se apresenta como um novo

    campo de atuao para o profissional de psicologia, como uma conseqncia lgica

    de vrios estudos e experincias que mostram que eventos desse porte no apenas

    causam a perda de vidas, colocando em perigo a integridade fsica das pessoas,

    causando danos e perdas econmicas, mas tambm causam um profundo impacto

    emocional sobre os indivduos, comunidades, socorristas e demais profissionais

    envolvidos, como os psiclogos. Neste estudo, portanto, a partir de um estudo de

    caso, verificou-se a experincia e o significado de atuar em emergncia para o

    psiclogo com longo trabalho na rea e atuao de atendimento psicolgico em

    diferentes situaes. Pode-se entender como , do ponto de vista do profissional, a

    atuao nesta rea, destacar sua experincia e, ainda, conhecer o percurso para

    atuao e formao do profissional. Demonstrou-se a necessidade de embasamento

    e aprofundamento nas questes pertinentes ao desastre e emergncia, como

    trauma, luto, transtorno de estresse ps-traumtico para que o profissional possa

    atuar com a segurana necessria e fazer um trabalho de qualidade.

    Palavras-chave: Psicologia das emergncias. Psicologia dos desastres. Psiclogos e

    emergncia.

  • ABSTRACT

    The psychology of emergencies and disasters is presented as a new playing field for

    the psychologist, as a logical consequence of various studies and experiments

    showing that events of this magnitude not only cause loss of lives, endanger the

    physical integrity of people, causing damage and economic losses, but also cause a

    profound emotional impact on individuals, communities, first responders and other

    professionals such as psychologists. In this study, therefore, from a case study, it

    was the experience and meaning of work in emergency psychologist with extensive

    work in the area and performance of psychological care in different situations. One

    can understand how, in terms of training, performance in this area, highlight your

    experience and also know the route to performance and professional training.

    Demonstrated the need for grounding and depth on issues relevant to disaster and

    emergencies, such as trauma, grief, posttraumatic stress disorder for which the

    trader can act with the necessary security and do a quality job.

    Keywords: Psychology of emergencies. Psychology of disasters. Psychologists and

    emergencies.

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................13

    PARTE 1

    Conhecendo o campo da emergncia, desastre

    e acidente e seus desdobramentos e

    a psicologia das emergncias e desastres ................................................20

    CAPTULO 1 Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente ............21

    1.1 Contextualizando emergncia, desastre e acidente .......................................22

    1.2 Emergncia/Desastre/Acidente Crise ..........................................................25

    CAPTULO 2 Sobre trauma e estresse ................................................................28

    2.1 Situao traumtica Trauma Psicolgico ....................................................29

    2.2 Estresse traumtico ........................................................................................32

    2.3 Transtorno de Estresse Ps-Traumtico TEPT ...........................................33

    CAPTULO 3 Consideraes sobre o processo de luto.....................................36

    3.1 Luto .................................................................................................................37

    3.2 Luto e trauma ..................................................................................................41

    3.3 O luto traumtico .............................................................................................42

    3.4 Luto e Resilincia ............................................................................................43

    CAPTULO 4 - Consideraes sobre a formao

    profissional do psiclogo ............................................................................45

    CAPTULO 5 A psicologia das emergncias ou desastres ..............................50

    5.1 Contexto histrico ...........................................................................................51

    5.2 Conceitualizao da psicologia das emergncias e desastres ......................56

    5.3 Particularidades da atuao .......................................................................... 57

    5.4 Habilidades profissionais ................................................................................61

  • 5.5 Pensando sobre a ps-graduao ara atuao em

    emergncias e desastres.................................................................................62

    PARTE 2

    A Pesquisa .....................................................................................................65

    CAPTULO 6 A pesquisa

    6.1 Objetivos .........................................................................................................67

    6.2 Mtodo ............................................................................................................68

    6.2.1 Tipo de Estudo .....................................................................................68

    6.2.2 Participante ..........................................................................................69

    6.2.3 Procedimentos .....................................................................................70

    6.2.4 Instrumento ..........................................................................................70

    6.2.5 Anlise dos dados ................................................................................71

    6.2.6 Cuidados ticos ................................................................................... 72

    CAPTULO 7 Apresentao dos dados coletados..............................................74

    CONSIDERAES FINAIS ...........................................................................93

    REFERNCIAS ..............................................................................................96

    ANEXOS

    ANEXO 1 PROTOCOLO DE APROVAO DO COMIT DE TICA......103

    ANEXO 2 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...104

    ANEXO 3 CONSENTIMENTO PARA ATUAR COMO

    PARTICIPANTE NA PESQUISA .............................................105

    ANEXO 4 FORMULRIO PARA ENTREVISTA:

    DADOS DE IDENTIFICAO .................................................106

    ANEXO 5 - ENTREVISTA ..........................................................................107

    ANEXO 6 - TRANSCRIO INTEGRAL DA ENTREVISTA ......................109

  • INTRODUO

  • Introduo

    14

    INTRODUO

    Quando estava no ltimo ano de formao no curso de psicologia, ainda

    no Rio Grande do Sul, tive contato, atravs de um mini-curso oferecido em um

    congresso, com o tema perdas e luto. Desde ento o meu interesse pelo tema e

    seus desdobramentos s cresceram e precisei ir em busca desse novo

    conhecimento para contribuir com minha formao. Foi quando tomei

    conhecimento do trabalho e formao oferecidos pelo 4 Estaes Instituto de

    Psicologia e fui fazer um curso de frias, que muito colaborou para uma mudana

    na maneira de entender a psicologia e onde me apoiei para concluir meu trabalho

    final de graduao.

    Desde essa poca passei a estudar e tomar conscincia da necessidade

    de aprofundar meus conhecimentos e incorporar novas habilidades para trabalhar

    com luto. Entrei ento para a Especializao em Teoria, Tcnica e Interveno

    em Luto do 4 Estaes. Nesse perodo trabalhava em clnica com pacientes

    enlutados e em posto de sade com agentes comunitrios de sade que faziam

    atendimentos domiciliares, o que confirmava a cada dia a necessidade de

    aprofundamento na rea para prestar um servio de qualidade.

    Em busca de qualificao do conhecimento, ingressei no Mestrado em

    Psicologia Clnica, da qual esse trabalho parte importante. Com a mudana de

    residncia para realizar o curso de ps-graduao, passei tambm a trabalhar na

    rea de perdas e luto em So Paulo, com atendimento clnico e como membro do

    Grupo IP1 Intervenes Psicolgicas em Emergncia, onde tive experincia de

    1 Grupo de psiclogos com formao para atuar em emergncia, iniciado em 2001 atravs do LEL Laboratrio de Estudos em Luto da PUC-SP, sendo hoje parte do 4 Estaes Instituto de Psicologia, com profissionais de diversas regies.

  • Introduo

    15

    atuar nessas situaes e, desde quando senti necessidade de estudar e

    examinar qual o significado de trabalhar em emergncia e quais os cuidados

    pessoais e formao profissional necessrios para que o psiclogo possa atuar

    nesses momentos de crise.

    Vivemos uma poca com alta violncia urbana, acidentes tecnolgicos

    areos, rodovirios ataques terroristas, desastres naturais terremotos,

    alagamentos e podemos perceber que a morte natural, esperada, tende a

    diminuir, dando lugar s mortes violentas e inesperadas e, em grande parte,

    traumticas.

    De acordo com o Ministrio da Sade DATASUS, no ano de 2007, as

    mortes causadas por violncia, acidentes em geral no envolvendo nenhum tipo

    de doena, sendo mortes classificadas como de causas externas, chegaram a

    131.032 casos (12,5%) em todo o Brasil, de um total geral de ocorrncias de

    1.047.824, somente na Regio Sudeste, foram 54.801 casos (11%), de um total

    geral de 496.513 ocorrncias.

    No Brasil, o Centro de Investigao e Preveno de Acidentes

    Aeronuticos - CENIPA, registrou em 2007 e 2008 os maiores ndices de

    acidentes areos dos ltimos 10 anos.

    Diante desses nmeros v-se a grande necessidade de explorarmos

    maneiras de intervir psicologicamente, como forma de ajudar a populao

    atingida, tanto preventivamente quanto no ps-desastre, pois esses so nmeros

    que envolvem morte, de maneira repentina e inesperada, que modificam uma

    srie de crenas do indivduo, estabelecidas no decorrer da vida, afetando o seu

    mundo presumido, definido por Parkes (1998) como concepo pessoal de

    realidade, aquilo que se acredita que a vida e o modo como se cr que as

  • Introduo

    16

    coisas so. O mundo presumido um conjunto de crenas psicolgicas que nos

    d segurana para agirmos e vivermos no mundo.

    Eventos de natureza grave ou catastrfica, envolvendo morte ou ameaa

    integridade fsica pessoal e dos demais, caracterizados por serem inesperados,

    incontrolveis e que tiram, de maneira intensa, a sensao de segurana e

    autoconfiana, provocando medo, sensao de vulnerabilidade, desesperana e

    horror intenso, so classificados como eventos traumticos (GRGIO, 2005).

    Eles marcam a vida das pessoas, atingindo-as de modo irreversvel, e exigindo

    uma adaptao nova realidade. As pessoas afetadas no se resumem quelas

    envolvidas diretamente com o fato ocorrido, mas tambm aquelas que o

    testemunharam, que tiveram pessoas prximas envolvidas ou que souberam do

    ocorrido, segundo o Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-

    IV (1994).

    Para Franco (2005), ningum fica imune ao impacto de uma crise, mas

    cada pessoa a enfrentar com seus recursos, mesmo que em circunstncias

    semelhantes. Franco (2005) define trauma como uma ruptura no tecido vivo,

    causado por um agente externo, como resultado de uma cirurgia, um ato violento,

    um desastre. Geralmente leva a um estado de crise, um perodo de desequilbrio

    psicolgico, resultante de um evento ou situao danosa, assim constituindo um

    problema significativo que no pode ser resolvido com estratgias de

    enfrentamento conhecidas. Qualquer pessoa pode viver um trauma, dependendo

    do momento de vida que esteja passando, da intensidade e rapidez da situao e

    do quanto se sentiu vulnervel diante dela.

    Bromberg (1994) ressalta que o desastre provoca uma ruptura na vida das

    pessoas envolvidas, um intenso estresse, constituindo-se num marco por ser uma

  • Introduo

    17

    situao extraordinria que atinge no s o individuo, mas a sociedade como um

    todo.

    Dentre aqueles que podem sofrer com uma situao traumtica, temos os

    profissionais envolvidos na emergncia ou os que participaram da equipe de

    voluntrios, ou os profissionais chamados para atender a emergncia que, ainda

    que preparados, podem ficar traumatizados. Profissionais que trabalham nessas

    situaes de crise, como bombeiros, policiais, mdicos, enfermeiros, psiclogos,

    assistentes sociais, apresentam um grande risco de desenvolver um traumatismo

    psicolgico (CALAIS, 2002)

    Como vemos, trata-se de um tipo de transtorno diferente do habitualmente

    enfrentado pela psicologia e, por isso mesmo, as intervenes para esses casos

    devem ser objeto de estudo e debate especficos. No Brasil, percebe-se um

    crescimento no interesse dos profissionais para trabalhar e se aprofundar na rea

    de emergncia, seja pelos diferentes congressos, encontros e cursos sobre o

    tema, seja pelos questionamentos levantados sobre o trabalho que pode ser

    desenvolvido pelos psiclogos, apoiados em uma equipe multidisciplinar. Esses

    questionamentos se fazem necessrios diante de situaes de emergncia e

    desastres, pois para atender pessoas que enfrentam essas situaes

    indispensvel entender como elas podem atingir os indivduos, encontrando

    meios eficazes de trabalhar com essa populao.

    Uma situao de desastre pode significar a perda de muitas vidas, alm de

    outros tipos de perdas, fazendo com que os envolvidos sofram, influenciando no

    seu processo de luto. Perdas nesta situao merecem grande ateno, tendo em

    vista que suas caractersticas podem trazer vrios impactos na sade mental dos

    envolvidos (PARKES, 1998). Um ambiente insalubre pode levar uma pessoa ao

  • Introduo

    18

    adoecimento e a realidade mostra casos em que essa relao acontece em

    propores maiores, afetando populaes inteiras e gerando um adoecimento

    coletivo.

    Portanto, levando-se em considerao que a populao de risco no se

    resume somente queles que viveram a situao diretamente, a vivncia de

    trabalho em uma situao de emergncia merece uma ateno aprofundada. A

    relevncia desta pesquisa tambm se d em funo de poder colaborar para se

    pensar na formao e preparo dos profissionais que atuam em emergncia,

    minimizando riscos para a sade mental, tanto da populao assistida quanto do

    prprio profissional.

    Durante as pesquisas para levantamento de bibliografia a ser utilizada

    neste trabalho, percebeu-se que no Brasil so poucas as publicaes sobre o

    tema, sendo mais pesquisado e com maior nmero de publicaes nos Estados

    Unidos, Chile, Colmbia e tambm Europa. Utilizando sites de pesquisa na

    internet como da Biblioteca Virtual em Sade - Psicologia2 (BVS Psi), que utiliza

    diferentes buscadores, ao inserir como palavra-chave: psicologia das

    emergncias, encontrou-se 11 resultados, entre eles somente 3 mais prximos

    ao tema de interesse, que tratavam de emergncia em hospital. Com o descritor

    psicologia dos desastres, encontrou-se 17 resultados, entre eles 3 relacionados

    ao tema porm nenhum falando sobre o profissional que atua nessa rea. Com o

    descritor psiclogo e emergncia, encontrou-se 109 resultados, sendo muitos

    descartados por no terem a ver com o tema, alguns sobre atendimento de

    emergncia em hospitais, os mesmo encontrados com o primeiro descritor, os

    que mais se aproximavam eram manuais e guias com passos para trabalhar com

    2 http://www.bvs-psi.org.br/

  • Introduo

    19

    vtimas de desastres e um artigo relacionado ao tema, que fala sobre

    atendimento em acidente de aviao.

    Nas pginas que se seguem apresenta-se: na parte 1 do trabalho, o

    captulo 1 fazendo-se uma contextualizao sobre desastre, emergncia e

    acidente, relacionando-os com situao de crise, para podermos pensar nas

    situaes que a psicologia pode intervir; o captulo 2 apresenta-se uma breve

    reviso terica sobre situaes traumticas e trauma psicolgico, estresse

    traumtico e transtorno de estresse ps-traumtico; no captulo 3 consideraes

    breves sobre o processo de luto, incluindo luto e trauma, luto traumtico e por fim

    luto e resilincia; o captulo 4 com consideraes sobre a formao do psiclogo,

    passando por questionamentos sobre as reas de atuao; o captulo 5

    apresentando a psicologia das emergncias ou psicologia dos desastres, com o

    contexto histrico, particularidades da atuao e habilidades profissionais

    necessrias para este trabalho; na parte 2 do trabalho, o captulo 6 com a

    pesquisa, apresentando os objetivos, o mtodo, onde descrevo o tipo de estudo,

    questes sobre a participante, procedimentos, instrumento utilizado para coleta

    dos dados, mtodo para anlise dos dados e consideraes ticas; o captulo 7

    com a apresentao dos dados coletados e, por fim, as consideraes finais.

  • PARTE 1:

    CONHECENDO O CAMPO DA EMERGNCIA,

    DESASTRE E ACIDENTE E SEUS

    DESDOBRAMENTOS E A

    PSICOLOGIA DA EMERGNCIA OU DESASTRES

  • CAPTULO 1

    Consideraes sobre emergncia,

    desastre e acidente

  • Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    22

    CAPTULO 1 Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    1.1 Contextualizando emergncia, desastre e acidente

    Para apresentar esta pesquisa se faz necessrio contextualizarmos o que

    entendemos por emergncia, desastre e acidente, para ento podermos

    aprofundar nas questes especficas de psicologia das emergncias e dos

    desastres.

    Conforme a Secretaria Nacional de Defesa Civil (2007):

    Emergncia definida por uma situao crtica, acontecimento perigoso ou fortuito;

    caso de urgncia. Reconhecimento legal pelo poder pblico de situao anormal,

    provocada por desastre, causando danos suportveis comunidade afetada.

    Desastre o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem,

    sobre um ecossistema vulnervel, causando danos humanos, materiais e

    ambientais e conseqentes prejuzos econmicos e sociais. A intensidade de um

    desastre depende da interao entre a magnitude do evento adverso e a

    vulnerabilidade do sistema e quantificada em funo de danos e prejuzos.

    O termo desastre considera que so eventos de grande magnitude, com alto

    nmero de vtimas fatais. De acordo com a definio de desastre utilizada pela

    Organizao Mundial de Sade, trata-se de um evento traumtico, em virtude do

    carter disruptivo e agressivo que este evento exerce sobre os indivduos afetados,

    que pode lev-los ou no a uma situao de trauma (OMS, 2009).

    Acidente um evento definido ou uma seqncia de eventos fortuitos e no

    planejados que gera uma conseqncia especfica quanto aos danos.

  • Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    23

    A Secretaria Nacional da Defesa Civil (2007) define o desastre pelos 3

    seguintes critrios: 1. intensidade, 2. evoluo e 3. origem.

    1. Intensidade, que abrange quatro nveis:

    Nvel I: desastres de pequeno porte ou intensidade, tambm chamados de

    acidentais. So aqueles nos quais os danos e prejuzos causados so pouco

    importantes; nessa condio a situao de normalidade facilmente restabelecida.

    Nvel II: desastres de mdio porte ou intensidade so caracterizados quando os

    danos causados so de alguma importncia e os prejuzos conseqentes, embora

    no sejam vultuosos, so significativos. Nessas condies, a situao de

    normalidade pode ser restabelecida.

    Nvel III: desastres de grande porte ou intensidade, com danos importantes e os

    prejuzos conseqentemente vultuosos. Apesar disso, esses desastres podem ser

    suportveis e superveis. Nessas condies, a situao de normalidade pode ser

    restabelecida.

    Nvel IV: desastres de muito grande porte ou intensidade, so caracterizados por

    importantes danos causados, assim como por vultuosos prejuzos e, por isso, no

    suportveis e superveis pela comunidade afetada, mesmo quando bem

    informadas, preparadas, participativas e facilmente mobilizadas. Nestes casos o

    restabelecimento a normalidade depende da mobilizao e ao de instncias

    maiores.

    2. Evoluo:

    Desastres sbitos ou de evoluo aguda: caracterizam-se pela subtaneidade, pela

    velocidade de evoluo do processo e, normalmente, pela violncia dos eventos

    adversos causadores dos mesmos.

  • Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    24

    Desastres graduais ou de evoluo crnica: caracterizam-se por serem insidiosos e

    evolurem por etapas de agravamento progressivo.

    Desastres de somao de efeitos parciais: caracterizam-se pela repetio

    freqente de acidentes, casos ou ocorrncias, com caractersticas semelhantes,

    cujos danos, quando somados, ao trmino de um perodo determinado definem um

    desastre importante.

    3. Origem:

    Naturais: so aqueles produzidos por fenmenos e desequilbrios da natureza,

    causados por fatores de origem externa que atuam independentemente da ao

    humana.

    Humanos ou Antropognicos: so aqueles resultantes de aes ou omisses

    humanas e esto intimamente relacionados com as atividades do homem,

    enquanto agente ou autor.

    Mistos: so aqueles resultantes da somao interativa de fenmenos naturais com

    atividades humanas.

    A Organizao Mundial de Sade OMS (2010) define desastre como: 1

    uma ruptura grave do funcionamento de uma comunidade ou uma sociedade,

    situao generalizada, perdas econmicas ou ambientais, que excedem a

    capacidade da comunidade afetada ou a sociedade a lidar com seus prprios

    recursos; 2. situao ou evento, que supera a capacidade local, exigindo um

    pedido de nvel nacional ou internacional de ajuda externa; 3. um termo que

    descreve um evento que pode ser definido espacialmente e geograficamente, mas

    que h demandas que produzem evidncias. Implica a interao de um estressor

    externo com uma comunidade humana e leva o conceito implcito de no-

    gerenciamento.

  • Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    25

    As pessoas envolvidas em uma situao de desastre podem ser atingidas

    de diferentes modos, podendo ser vtimas fatais; feridos fisicamente em grau leve

    ou grave; enfermos; mutilados; desassentados; desalojados; desabrigados;

    deslocados; desaparecidos e vtimas psicolgicas. E tambm so considerados

    vtimas os socorristas de diversos servios; pblico com diferente grau de

    envolvimento e a mdia.

    A postura atual recomenda (FIGLEY, BRIDE E MAZZA, 1997;

    HODGKINSON e STEWART, 1998; LEWIS, 1994; STEIN, 2002a; YOUNG, 1998

    apud FRANCO, 2005) que a resposta ao desastre, com cuidados em situaes

    traumticas, se destine a sobreviventes machucados ou no machucados;

    parentes e amigos enlutados e traumatizados; equipe de assistncia emergencial;

    membros da equipe de resgate e outros servios de apoio; membros da mdia que

    cobriram o fato; vtimas secundrias. Como se observa, amplo o espectro de

    pessoas atingidas por um desastre.

    1.2 Emergncia/Desastre/Acidente Crise

    importante observar que uma situao de emergncia, desastre ou

    acidente gera uma crise, que se d a partir da percepo ou experincia de um

    evento ou situao to crtica que as habilidades e mecanismos de superao da

    pessoa passam a no ser suficientes (JAMES E GILLILAND, 2001), ou seja, a

    percepo de um evento ou situao como tendo uma dificuldade intolervel, que

    excede os recursos e mecanismos de enfrentamento da pessoa.

    Parkes (1998), citando Caplan (1961 e 1964) traz que os pesquisadores, ao

    desenvolverem um trabalho no Laboratrio de Psiquiatria Comunitria, na Escola

  • Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    26

    de Medicina de Harvard, usam o termo crise para abranger situaes importantes

    de estresse na vida, de durao limitada, que colocam em risco a sade mental.

    Dizendo ainda que essas crises alteram os modos habituais de comportamentos

    das pessoas envolvidas, alteram circunstncias e planos, e levam necessidade

    de um trabalho psicolgico que requer tempo e energia. Oferecem ao indivduo a

    oportunidade e a obrigao de abandonar velhas concepes sobre o mundo e,

    assim, descobrir novas, constituindo por si s um desafio.

    Crises normalmente imobilizam as pessoas e as impedem de,

    conscientemente, controlar suas vidas. A palavra crise geralmente est associada

    aos sentimentos de medo, choque, sofrimento sobre uma interrupo na vida

    normal. Ningum fica imune a uma crise, porm a maneira de enfrentamento que

    varia conforme os recursos de cada um. Isso influenciar para que a situao seja

    mais ou menos traumtica. Nessas circunstncias, o equilbrio emocional de todos

    os indivduos submetidos situao-limite desestabilizadora tende a ficar

    fragilizado, portanto, desestabilizado. E, para uma parcela significativa da

    populao, a desorganizao psquica poder permanecer comprometida durante

    um perodo determinado, subseqente ao trauma, ou de forma permanente

    (THOM, 2009).

    A Organizao Mundial de Sade (2010), citando a Inter-Agency

    Contingency Planning Guidelines para Assistncia Humanitria de 2001, traz que

    necessrio um plano de emergncia para atuao em situaes de crise

    ocasionadas por desastres e emergncias, plano este definido como o processo de

    estabelecimento de objetivos, abordagens e procedimentos para responder a

    situaes ou eventos que possam ocorrer, incluindo a identificao desses eventos

    e o desenvolvimento de cenrios provveis e planos adequados para se preparar e

  • Consideraes sobre emergncia, desastre e acidente

    27

    responder a elas de forma eficaz. Nesse momento importante a atuao

    interdisciplinar, numa unio de saberes e fazeres para que se estabelea uma

    maneira de intervir positivamente.

  • CAPTULO 2

    Sobre trauma e estresse

  • Sobre trauma e estresse

    29

    CAPTULO 2 Sobre trauma e estresse

    2.1 Situao traumtica Trauma psicolgico

    Todas as situaes que envolvem emergncia podem ser vistas como

    situaes traumticas, tanto na esfera pessoal ou familiar, quanto na esfera da

    comunidade, com alcance varivel. Salienta-se, porm, que pessoas diferentes

    reagem de maneiras diferentes em eventos similares. Uma pessoa pode sentir como

    traumtico um evento que outra pessoa pode no sentir, e nem todas as pessoas

    que passam por experincias traumticas podem se tornar psicologicamente

    traumatizadas. Desastres diferem de outros tipos de trauma, com relao sua

    escala e efeitos, o que vai implicar um apoio diferenciado daquele oferecido em

    situaes de perda e stress (FRANCO, 2005).

    Coletivamente, so considerados traumticos, os desastres que

    sobrecarregam os recursos disponveis da comunidade e quando colocam em risco

    a capacidade de enfrentamento das pessoas e da prpria comunidade. A

    diversidade de reaes das pessoas situao de desastre pode ser dividida entre

    aquelas que aparecem no perodo imediato da emergncia, as que aparecem aps

    72 horas ou poucas semanas depois do evento traumtico e as seqelas a longo

    prazo (GABORIT, 2006).

    So esperadas reaes emocionais intensas diante da vivncia do desastre e

    na maioria das vezes estas manifestaes podem ser consideradas normais diante

    do momento traumtico vivenciado. No entanto, a abordagem precoce e a ateno

    sade mental a maneira mais efetiva de prevenir srios transtornos que costumam

    aparecer a mdio e longo prazo aps um evento traumtico (WERLANG et al, 2008).

  • Sobre trauma e estresse

    30

    Trauma psicolgico um tipo de dano emocional, que ocorre quando os

    eventos traumticos superam as capacidades adaptativas s condies da vida do

    indivduo, podendo vir acompanhado de trauma fsico ou existir de forma

    independente. O trauma a condio em que o indivduo sente que o sistema de

    crenas e a estrutura de significados que fundamenta sua vida foram abalados. H a

    perda da capacidade de confiar e de sentir-se seguro e sua possibilidade de

    encontrar solues fica impedida. Pode promover reaes estranhas e anormais,

    mas, na realidade, a condio desencadeadora que anormal e deixa a pessoa

    sem respostas para ela.

    A exposio ao evento traumtico tambm vai diferenciar a experincia

    traumtica de cada indivduo e do coletivo, pois quanto mais alta a exposio,

    maiores os riscos. O que nos claramente remetido a pensar nos efeitos tambm da

    mdia para risco de um trauma coletivo, ao exporem os fatos para a comunidade,

    que estabelece experincias e vivncias emocionais geradas como base em fatos

    retratados, provocando, na maioria das vezes, percepes ameaadoras da

    realidade. A exposio prolongada das populaes a acontecimentos

    desorganizadores, sejam naturais ou provocados, representa condio com evidente

    potencial de adoecimento fsico e principalmente de desequilbrio emocional e/ou

    psquico (THOM, 2009).

    Intensa angstia diante de situaes que lembrem o momento traumtico, ou

    mesmo algum aspecto referente a ele; reao fisiolgica diante desta exposio -

    como ansiedade, sensaes fsicas, sensao de pnico - ; diminuio do interesse

    e participao nas atividades rotineiras; sensao de estranhamento diante das

    outras pessoas, retraimento e isolamento; inabilidade para fazer projetos e medo de

    morrer so reaes tpicas ao trauma (HODGKINSON e STEWART, 1998).

  • Sobre trauma e estresse

    31

    Franco (2005) relata que as reaes a um desastre podem ser diferentes em

    cada indivduo, no sendo, portanto, possvel prever o tempo que as pessoas

    traumatizadas necessitam para se recuperar. Existem alguns fatores que podem

    contribuir ou dificultar a recuperao de cada um, sejam os fatores externos como o

    tipo, a durao e a severidade do desastre, sendo com ou sem vtimas: o tempo de

    durao dos efeitos sociais produzidos pelo desastre; o grau de perdas ocorrido

    como ter sofrido ou no ferimentos e sua gravidade, ou perdas e ferimentos de

    pessoas prximas ou ainda perda significativa de patrimnio; o grau de ameaa

    vida tendo provocado medo e/ou terror; e a exposio a cenas de horror. Igualmente

    devem ser levados em conta a existncia de sistemas de apoio de dentro e de fora

    da comunidade envolvida e os processos judiciais subseqentes, pois importante

    que o indivduo sinta que a justia est sendo feita. E, tambm, os fatores internos

    como o papel do sobrevivente e sua capacidade de enfrentamento; ter enfrentado

    eventos traumticos anteriormente; apresentar doenas recentes ou alguma

    condio crnica de sade; dispor de sistemas de apoio sociais e psicolgicos,

    percepo e interpretao do desastre pelo sobrevivente, entre outros. Idosos,

    crianas, pessoas com histria anterior de doena mental ou pessoas que

    enfrentavam crises no perodo anterior ao desastre podem precisar de maior

    ateno e cuidado.

    Segundo Thom (2009), estudos realizados pela Comisso de Sade Mental

    das Naes Unidas revelam que 40% a 60% das populaes expostas a situaes-

    limite desenvolvem ou desenvolvero algum tipo de patologia relacionada sade

    mental nos anos posteriores aos acontecimentos. Caso essas populaes estejam

    expostas a repeties dessas vivncias, a porcentagem provavelmente atingir

    patamares maiores, ou seja, so pessoas saudveis que precisam de

  • Sobre trauma e estresse

    32

    acompanhamento ou assistncia psicolgica para prevenir ou minimizar sua

    propenso ao adoecimento mental.

    Estudos (GREEN, 1994; GIEL, 1990; FREEDY, SALADIN, KILPATRICK,

    RESNICK e SAUNDERS, 1994 apud FRANCO, 2005) apontam que 75% das

    pessoas expostas a uma situao traumtica necessitam ser adequadamente

    avaliadas quanto possibilidade de apresentarem distrbios psquicos, com as

    complicaes associadas: depresso, ansiedade e fobia, abuso de drogas e lcool.

    Com todos esses dados, ressalta-se a importncia de um apoio psicolgico

    especializado, pois o papel do psiclogo na interveno de emergncia permite

    identificar as pessoas em risco para o desenvolvimento de quadros psiquitricos,

    oferecer suporte e, se necessrio, realizar o encaminhamento para outros

    profissionais especializados.

    2.2 Estresse traumtico

    Estresse Traumtico, pela American Academy of Experts in Traumatic Stress

    (2009), a experincia emocional, cognitiva e comportamental de indivduos que

    vivenciaram ou testemunharam eventos extremos ou ameaadores da vida.

    Segundo Grgio (2005), a avaliao de uma situao e a interpretao dos

    estmulos quanto ao seu nvel de estresse esto baseadas na idia subjetiva de

    mundo, nas crenas pessoais relativas a como o mundo e a como os fatos da vida

    se desenrolam. A ao adaptativa ser baseada nessa idia de mundo, a qual

    tambm inclui a viso que o indivduo tem de si mesmo. Assim, as pessoas que

    possuem um conceito de mundo positivo, ou que confiam em sua auto eficincia,

    geralmente desenvolvem mais aes adaptativas, e tendem a ser menos vulnerveis

  • Sobre trauma e estresse

    33

    ao estresse do que aquelas que se concebem como frgeis e incapazes de enfrentar

    as ameaas da vida, ou que vem o mundo como devastador.

    Como nossa sobrevivncia depende de aprendermos sobre o perigo, no

    surpresa perceber que situaes de perigo, mesmo que superadas, possam

    persistir. Da mesma maneira, pessoas que conseguiram evitar uma situao de risco

    ou estiveram prximas de outra, e ficaram traumatizadas, podem ter uma imagem

    mental do trauma, mesmo sem t-lo vivido diretamente. Essa pode ser a explicao

    para a persistncia de lembranas e imagens traumticas, o que caracterstica de

    Transtorno de Estresse Ps-Traumtico (PARKES, 1998).

    2.3 Transtorno de Estresse Ps-Traumtico TEPT

    O trauma atinge a vida do indivduo de maneira total, como vimos

    anteriormente, nos mbitos fsico, social, psicolgico, familiar, ocupacional, fazendo

    com que depois de tal experincia poucas coisas e conceitos permaneam como

    eram anterior situao traumtica, ocasionando mudanas internas e externas na

    vida deste indivduo. Assim, a experincia traumtica traz muito ao que se adaptar e

    isso gera um alto nvel de estresse que pode comprometer os mecanismos de

    adaptao do indivduo. Isso ocasiona em algumas das situaes o desenvolvimento

    do Transtorno de Estresse Ps-Traumtico TEPT (GRGIO, 2005).

    Vieira (2003) refere estudos epidemiolgicos indicando que o Transtorno de

    Estresse Ps-Traumtico afeta aproximadamente 15% a 24% das pessoas expostas

    a eventos traumticos. Percebe-se, portanto, que a maioria das pessoas expostas

    vivncias traumticas no desenvolve TEPT, o que nos demonstra existirem outros

    fatores e outras variveis influindo nas respostas emocionais aos traumas, como por

  • Sobre trauma e estresse

    34

    exemplo, caractersticas da personalidade, sensibilidade pessoal afetiva e

    emocional, estrutura de apoio familiar e social e, obviamente, a prpria natureza do

    trauma.

    As marcas caractersticas do Estresse Ps-Traumtico ou, em ingls, Post-

    Traumatic Stress Disorder, so as lembranas aterrorizadoras do acontecimento

    traumtico, lembranas essas to vvidas que a pessoa tem a impresso de estar

    passando pelo trauma repetidamente. Podem ocorrer de dia e noite e se parecem

    com pesadelos, sendo to dolorosas que a pessoa faz de tudo para evitar qualquer

    coisa que possa provoc-las, porm sente como se estivesse esperando pela

    prxima tragdia, sobressalta-se por qualquer motivo e est sempre em estado de

    alerta (PARKES, 1998).

    Para o diagnstico do Transtorno de Estresse Ps-Traumtico TEPT,

    usamos um conjunto de critrios estabelecidos pelo DSM-IV (1994), sendo

    necessrio que hajam todos para ser considerado como tal:

    Critrio A: Exposio a um estressor traumtico que leva a um conseqente

    distress emocional.

    Critrio B: Sintomas de reexperimentao do trauma (presena de um

    sintoma ou mais);

    Critrio C: Sintomas de evitao e embotamemto (presena de trs sintomas

    ou mais).

    Critrio D: Sintomas de hiperativao autnoma/excitao (presena de dois

    sintomas ou mais);

    Critrio E: Presena do quadro de sintomas por um ms ou mais

    Critrio F: Presena de sofrimento ou prejuzo clinicamente significativo no

    funcionamento social, ocupacional e outros.

  • Sobre trauma e estresse

    35

    Importante salientar que a vivncia de uma situao traumtica necessria,

    porm no suficiente para o desenvolvimento do TEPT, que se soma aos diversos

    fatores que vimos acima, podendo ou no influenciar no estabelecimento do quadro.

    Conforme Parkes (1998), o Transtorno de Estresse Ps-Traumtico muito comum

    em conseqncia de lutos causados por mortes inesperadas e violentas, como no

    caso de desastres e acidentes. Porm o Transtorno de Estresse Ps-traumtico

    seria uma das mltiplas formas de resposta possvel vivncia traumtica, existindo

    outras formas igualmente importantes de ansiedade, de depresso e conflitos no

    resolvidos, outras mltiplas formas de apresentao emocional atravs de sintomas

    somticos, de transtornos na relao interpessoal, de disfunes familiares, entre

    outras (BALLONE, 2005).

  • CAPTULO 3

    Consideraes sobre o processo de luto

  • Consideraes sobre o processo de luto

    37

    CAPTULO 3 Consideraes sobre o processo de luto

    3.1 Luto

    O luto pela perda de uma pessoa amada a experincia

    mais universal e, ao mesmo tempo, mais desorganizadora e

    assustadora que vive o ser humano. O sentido dado vida

    repensado, as relaes so refeitas a partir de uma avaliao de

    seu significado, a identidade pessoal se transforma. Nada mais

    como costumava ser. E ainda assim h vida no luto, h esperana

    de transformao, de recomeo. Porque h um tempo de chegar e

    um tempo de partir, a vida e feita de pequenos e grandes lutos e o

    ser humano se d conta de sua condio de ser mortal, porque

    humano.

    Maria Helena Pereira Franco, texto de introduo no site do 4

    Estaes Instituto de Psicologia3

    Parkes (1998) relata que o luto uma reao normal e esperada para o

    rompimento de vnculo e Bromberg (1994) acrescenta dizendo que o luto definido

    como uma crise, por ocorrer um desequilbrio entre a quantidade de ajustamento e

    os recursos disponveis, encarando como um processo, como uma necessidade

    psicolgica para que possamos elaborar nossas perdas.

    Segundo Parkes (1998), luto uma importante transio psicossocial, com

    impacto em todas as reas de influncia humana. uma experincia subjetiva,

    particular na sua forma de vivenciar e que provoca uma srie de reaes. O autor

    afirma ainda que a dor do luto o custo do compromisso, pois s se perde aquilo

    que se tem, aquilo com o qual estabeleceu um vnculo.

    Quando falamos em luto fala-se de um processo, que tanto individual

    como social, conforme aborda Bromberg (1994). A autora denomina o luto como

    um tempo de elaborao e transformao que atinge os indivduos e os grupos,

    3 http://www.4estacoes.com/textos.asp

  • Consideraes sobre o processo de luto

    38

    desestruturando-os pela falta e desestabilizando seu funcionamento, ou seja, o luto

    no um estado esttico. um conjunto de reaes a uma perda significativa. Ela

    ressalta ainda, que o processo de elaborao e cura composto basicamente por

    duas mudanas, as quais levam tempo para serem realizadas durante o perodo de

    luto: reconhecer e aceitar a realidade; e experimentar e lidar com todas as

    emoes e problemas que advm da perda.

    Bowlby (1984) afirma que os vnculos so construdos ao longo de toda vida

    e que o sofrimento acaba sendo a reao universal perda de algo com o qual se

    tinha um vnculo estabelecido. O vnculo um investimento afetivo e quanto maior

    este investimento, maior energia necessria para seu desligamento. As

    dependncias fsicas ou psquicas so fatores que podem agravar o desligamento

    com o objeto amado (KOVCS, 2002).

    Como o luto envolve o rompimento de um vnculo, ou seja, havia um

    investimento afetivo, esperado que a nova situao suscite diversos sentimentos

    e traga dor. Kovcs (1992) menciona alguns desses sentimentos: angstia, medo,

    tristeza, desespero, solido, abandono, raiva, culpa e esperana. necessrio um

    tempo para a elaborao e todos esses sentimentos se fazem necessrios para

    ajudar nesse processo.

    Robbins (1993) destaca a importncia do enlutado ter um apoio social, e

    ressalta que isso vlido inclusive no caso do profissional e no s dos familiares.

    Afirma que quando h uma rede de apoio segura h maior possibilidade de

    passarem pelo processo de uma forma mais saudvel. No caso dos profissionais

    coloca ainda que ter um espao para compartilhar e trocar experincias ajuda no

    enfrentamento das situaes, ou seja, torna-se um elemento facilitador.

  • Consideraes sobre o processo de luto

    39

    De acordo com Pitta (1994), lidar no trabalho com situaes de perda

    transforma a prpria existncia humana e, muitas vezes, o impacto da situao e o

    estresse de todos os envolvidos podem contribuir para gerar maior ansiedade. Por

    entender que os profissionais que atuam esto tambm em contato com o

    sofrimento, possvel afirmar que surgem suas ansiedades, angstias e a

    dificuldade de lidar com elas.

    Bowlby (1997) destaca que s vezes somos educados para sufocar os

    sentimentos. Carvalho (1996) tambm relata que um valor observado na nossa

    cultura a no aceitao de que profissionais expressem seus sentimentos e

    emoes, principalmente no ambiente de trabalho, o que faz com que se reprimam

    as emoes quando no h um espao para abord-las.

    A compreenso do luto como um processo permite entend-lo ao longo de

    fases, das quais a primeira a que mais toca de perto a realidade do atendimento

    em desastres areos: a fase de entorpecimento, na qual a reao encontrada de

    choque e descrena. O enlutado tem dificuldade em entrar em contato com a nova

    realidade e esta dificuldade acentuada em situaes de perda repentina ou

    inesperada. As fases seguintes, anseio e protesto, desespero e recuperao e

    restituio, podem se intercalar e tm durao variada (FRANCO, 2005).

    Parkes (1998) coloca que h uma variao na durao e no grau de

    evitao da realidade da perda, uns expressam mais os sentimentos, outros

    inibem, outros ainda se mantm mais ocupados para evitar entrar em contanto com

    seus sentimentos. Enfim, cada um reagir de um modo. Isso faz pensar

    naturalmente que cada profissional tambm ter sua maneira de lidar com a morte

    e com o luto derivado de situaes de emergncias e desastres, devido suas

    questes e o que vem tona diante da situao; e ainda sofrer influncias do

  • Consideraes sobre o processo de luto

    40

    local, a forma como encaram isso no ambiente em que se encontram, podendo ter

    possibilidade de apoio por reconhecerem seu luto, ou no.

    Freud (1974), no artigo Luto e Melancolia, traz a primeira explicao para o

    processo de luto, caracterizando o luto como um estado depressivo que no deve

    ser tratado como uma patologia, mas como uma fase de inibio do Ego, que de

    modo geral, uma reao perda de um ente querido, objeto libidinoso, ou

    alguma abstrao associada a este ente, o que de carter particularmente

    doloroso at que, em um dado perodo, o Ego fique outra vez livre e desinibido.

    Esta fase marcada pela ausncia e a doravante inexistncia do objeto amado, da

    retirada de toda libido de suas ligaes com o mesmo e o deslocamento para outro

    objeto.

    Quando as reaes perante as perdas no so as esperadas, isto , fogem

    da sintomatologia e do processo natural, encontrado um processo de luto

    complicado. H fatores de risco para a instalao do luto complicado, entre os

    quais se encontram aqueles relativos s circunstncias da perda: mortes

    repentinas, violentas, consideradas prematuras pelo enlutado; a causa da morte e

    seu significado; o tipo da morte, destacando-se exposio mdia, mortes

    estigmatizadas ou causadoras de vergonha ao ambiente social; existncia de

    segredos relativos morte ou sua causa; falta de rituais; falta de suporte; outras

    perdas concomitantes a morte (FRANCO, 2005).

    A reao ao luto inclui elementos que podemos chamar de no especficos,

    ou seja, o luto evoca o alarme (proveniente do estresse) e suas respostas

    caractersticas; pode tambm trazer lembranas ou fantasias intrusivas e causar

    comportamento de aproximao ou afastamento. A forma que essas respostas

    tomaro que ser em parte especfica do estressor, isto , da natureza da

  • Consideraes sobre o processo de luto

    41

    situao ocorrida, e em parte especfica do indivduo, derivando de suas

    predisposies pessoais (PARKES, 1998).

    3.2 Luto e trauma

    Em situaes de desastres encontramos o trauma e luto

    concomitantemente, pois nesse caso ficamos impactados principalmente pelo

    grande nmero de vtimas fatais. O luto por desastre nos chama a ateno por ser

    um luto por morte repentina o que pode ser risco de luto complicado.

    Conforme Parkes (2009), todos os lutos so traumticos, mas alguns so

    mais traumticos do que outros e para algumas pessoas que enfrentam perdas, o

    luto se desenvolve num processo considerado normal, como um processo de

    reajustamento e readaptao saudvel, sem que sejam necessrias intervenes,

    podendo desenvolver sintomas afetivos como ansiedade, culpa, raiva, hostilidade,

    depresso, falta de prazer, solido, ou sintomas comportamentais como agitao,

    fadiga e choro e, ainda, baixa auto-estima, desamparo. J para outras pessoas

    uma interveno se faz necessria quando essa sintomatologia excede em

    intensidade e durao, o que se caracteriza atualmente como luto complicado,

    como no caso do luto traumtico por morte repentina. Muitos so os fatores que

    podem desencadear um luto complicado, Bolwby (2004) cita aspectos que podem

    influenciar nesse processo como a identidade e o papel que a pessoa que morreu

    tinha; a idade e o sexo do enlutado; as causas e circunstncias da perda; as

    circunstncias sociais e psicolgicas que afetam o enlutado na poca e aps a

    morte; a personalidade do enlutado.

  • Consideraes sobre o processo de luto

    42

    As experincias traumticas contribuem para causar problemas

    psiquitricos, portanto podemos esperar mais sofrimento emocional em pessoas

    enlutadas que experienciaram luto traumtico do que naquelas cujo luto foi menos

    traumtico. E, tambm esperamos uma maior incidncia de perdas traumticas em

    pessoas que procuraram ajuda psiquitrica aps o enlutamento do que as que no

    procuraram (PARKES, 2009).

    O trauma segundo Parkes (2009) aumenta a intensidade e durao do luto e

    contribui com um diagnstico clnico de luto crnico.

    3.3 O luto traumtico

    Uma das caractersticas dos desastres o fato de acarretar perdas

    inesperadas, repentinas e em sua maior parte violentas gerando muitas vezes uma

    reao de choque aos indivduos que perdem familiares e entes queridos.

    Hodgkinson e Stewart (1998) confirmam relatando que a sensao de choque piora

    em mortes por desastres por serem repentinas e acompanharem uma sensao de

    descrena, j que em grande parte ocorrem quando as pessoas esto em

    situaes vistas como seguras e rotineiras. Franco (2005) afirma que a fase que

    mais toca de perto a realidade no atendimento em emergncia esse primeiro

    perodo de entorpecimento e descrena.

    Percebe-se na literatura que o trauma destri significados construdos ao

    longo da vida e que as pessoas afetadas no se percebem mais como

    invulnerveis aos danos causados por um desastre. Confirmando essas

    informaes, Hodgkinson e Stewart (1998), nos trazem que as perdas repentinas,

    inesperadas ou fora de hora, que trazem muito sofrimento ou que se do de forma

  • Consideraes sobre o processo de luto

    43

    aterrorizante so as que representam maiores riscos para uma m resoluo do

    luto, podendo tornar-se um luto complicado. Notam-se trs tipos de perdas

    consideradas fora de hora: as perdas prematuras como de crianas e jovens e que

    so tidas como contrrias natureza humana; as mortes inesperadas como as que

    ocorrem repentinamente; e as mortes calamitosas que alm de imprevisveis so

    violentas, destrutivas e sem sentido. E diante dessas definies percebe-se que o

    luto por desastre, pode reunir, ao mesmo tempo, esses trs tipos de perdas, sendo

    um maior risco para tornar-se luto complicado, neste caso traumtico.

    3.4 Luto e Resilincia

    Resilincia definida pela capacidade de responder de forma mais

    consistente aos desafios e dificuldades, de reagir com flexibilidade e capacidade de

    recuperao diante desses desafios e circunstncias desfavorveis, tendo uma

    atitude otimista, positiva e perseverante e mantendo um equilbrio dinmico durante

    e aps os embates uma caracterstica de personalidade que, ativada e

    desenvolvida, possibilita ao sujeito superar-se e s presses de seu mundo,

    desenvolver um autoconceito realista, autoconfiana e um senso de autoproteo

    que no desconsidera a abertura ao novo, mudana, ao outro e realidade

    subjacente (TAVARES, 2001). Traduz-se, por conseguinte, numa capacidade

    pessoal de enfrentar a adversidade, de modo no s a resistir ou ultrapassar com

    xito, mas a extrair uma maior resistncia a condies negativas subseqentes,

    tornando os sujeitos mais complexos e menos vulnerveis em funo daquilo que

    se modificou aps terem sido submetidos a esse tipo de experincia.

  • Consideraes sobre o processo de luto

    44

    Situaes de perdas que acarretam luto so inevitveis em nossa vida e em

    situaes de emergncias e desastres ainda trazem a carga de serem um evento

    estressor de grande magnitude, o que, dependendo da percepo que o indivduo

    tem da situao, da sua interpretao do evento estressor e do sentido a ele

    atribudo, teremos ou no a condio de estresse, podendo acionar a nossa

    capacidade de resilincia diante do ocorrido. Costuma-se dizer que as pequenas

    perdas, como no caso das normativas (nascimento, sada da infncia para a

    adolescncia, etc) nos preparam para perdas maiores no decorrer da vida,

    colaborando para o desenvolvimento de maior resistncia frente s situaes, o

    que podemos entender como resilincia.

    O profissional que trabalha em situaes de emergncias e desastres,

    dependendo da maneira que interprete a situao, tambm pode desenvolver sua

    capacidade de resilincia frente s situaes da atuao, desenvolvendo maior

    capacidade para enfrentamento em situaes futuras.

  • CAPTULO 4

    Consideraes sobre a formao profissional

    do psiclogo

  • Consideraes sobre a formao profissional do psiclogo

    46

    CAPTULO 4 Consideraes sobre a formao profissional do psiclogo

    A formao dos cursos de graduao em psicologia oferecidos no Brasil se

    d de forma generalista, ou seja, os cursos privilegiam o conhecimento genrico

    em temas psicolgicos, proporcionando uma formao cientfico-metodolgica e o

    desenvolvimento de habilidades tcnicas que sero teis nas intervenes do

    psiclogo em geral, sem a delimitao de reas de atuao especficas.

    No Manual de Orientaes disponibilizado pelo Conselho Regional de

    Psicologia da 6 Regio, elaborado a partir das principais informaes contidas nas

    diferentes Resolues elaboradas pelo Conselho Federal de Psicologia,

    principalmente, o Cdigo de tica, indicando-as como referncias privilegiadas

    para que o exerccio profissional possa ser bem conduzido de forma tcnica e

    tica, temos no Captulo II que fala sobre os requisitos para o exerccio profissional

    em psicologia: II.1 Formao de Psiclogo: para ser um profissional psiclogo

    obrigatria a concluso do Curso de Psicologia em uma Faculdade autorizada e/ou

    reconhecida pelo MEC e ter a formao de psiclogo obtida aps os cinco anos de

    durao do curso. E ainda, conforme define a Lei n. 4.119, de 27/08/1962, em seu

    Captulo III Dos direitos conferidos aos diplomados, no Artigo 13:

    1 - Constitui funo privativa do psiclogo a utilizao de mtodos e

    tcnicas psicolgicas com os seguintes objetivos:

    a) diagnstico psicolgico: o processo por meio do qual, por intermdio de

    Mtodos e Tcnicas Psicolgicas, se analisa e se estuda o comportamento de

    pessoas, de grupos, de instituies e de comunidades, na sua estrutura e no seu

    funcionamento, identificando-se as variveis nele envolvidas;

  • Consideraes sobre a formao profissional do psiclogo

    47

    b) orientao profissional: o processo pelo qual, com o apoio de Mtodos e

    Tcnicas Psicolgicas, se investigam os interesses, aptides e caractersticas de

    personalidade do consultante, visando proporcionar-lhe condies para a escolha

    de uma profisso; seleo profissional: o processo pelo qual, com o apoio de

    Mtodos e Tcnicas Psicolgicas, se objetiva diagnosticar e prognosticar as

    condies de ajustamento e desempenho da pessoa a um cargo ou atividade

    profissional, visando alcanar eficcia organizacional e procurando atender s

    necessidades comunitrias e sociais;

    c) orientao psicopedaggica: o processo pelo qual, com o apoio de Mtodos e

    Tcnicas Psicolgicas, proporcionam-se condies instrumentais e sociais que

    facilitem o desenvolvimento da pessoa, do grupo, da organizao e da

    comunidade, bem como condies preventivas e de soluo de dificuldades, de

    modo a atingir os objetivos escolares, educacionais, organizacionais e sociais;

    d) soluo de problemas de ajustamento: o processo que propicia condies de

    auto-realizao, de convivncia e de desempenho para o indivduo, o grupo, a

    instituio e a comunidade, mediante mtodos psicolgicos preventivos,

    psicoterpicos e de reabilitao.

    2 - da competncia do psiclogo a colaborao em assuntos

    psicolgicos ligados a outras cincias.

    A Lei no 4.119 de 27 de agosto de 1962 dispe sobre os cursos de formao

    em psicologia e regulamenta a profisso. Ela determina funes privativas do

    psiclogo e, entre outras, a trade de ttulos que o profissional graduado pode

    obter: o bacharelado, a licenciatura e o ttulo de psiclogo. O esprito da lei volta-se

    formao generalista, medida que habilita o profissional psiclogo a atuar em

    qualquer rea da Psicologia.

  • Consideraes sobre a formao profissional do psiclogo

    48

    Corroborando com a regulamentao da profisso, 23 anos aps, o

    Conselho Federal de Psicologia elaborou um documento para integrar o Catlogo

    Brasileiro de Ocupaes do Ministrio do Trabalho, onde se identificam as

    seguintes reas de atuao: Psiclogo Clnico (onde j se vem descries de

    atividades tpicas do que se vem denominando Psicologia Hospitalar ou Psicologia

    da Sade), Psiclogo do Trabalho, Psiclogo do Trnsito, Psiclogo Educacional,

    Psiclogo Jurdico, Psiclogo do Esporte, Psiclogo Social e outros psiclogos,

    onde se encaixam os psiclogos no classificados anteriormente. Uma leitura

    detida nas atribuies destes muitos profissionais com uma mesma habilitao

    leva-nos a concluir que a prtica da Psicologia vem-se consolidando e ampliando

    em nossa sociedade com o passar das dcadas. Ao lado das reas de atuao do

    psiclogo que podemos chamar de "tradicionais" - quais sejam, a clnica, a escolar,

    a do trabalho e a social - comeam a configurar-se "reas emergentes" no mercado

    de trabalho.

    A atuao do psiclogo em situaes de emergncia uma atuao que

    podemos classificar nas chamadas reas emergentes, sendo uma formao que

    vem sendo buscada aps a graduao, como uma forma digamos de especialidade

    que, porm, ainda no abrangida pelo Conselho Federal de Psicologia, mesmo

    que este no desconsidere a importncia quando apia seminrios e discusses

    sobre o tema.

    Carvalho e Sampaio (1997) afirmam que a emergncia de uma nova rea de

    atuao do psiclogo depende em grande parte do trabalho de pioneiros. Ou seja,

    na medida em que psiclogos, solicitados a desenvolver determinada atividade,

    mostram competncia nesta atividade, e mesmo a sua viabilidade, que se abrem

    possibilidades a novos colegas.

  • Consideraes sobre a formao profissional do psiclogo

    49

    No Cdigo de tica do Profissional de Psicologia, na verso de agosto de

    2005 determina que, dentre as suas responsabilidades, um dos deveres

    fundamentais do psiclogo assumir responsabilidades profissionais somente por

    atividades para as quais esteja capacitado pessoal, terica e tecnicamente.

    Portanto, no crescendo da demanda ao trabalho de emergncia e seguindo as

    responsabilidades estabelecidas que surgem, em geral, as inquietaes sobre a

    formao do profissional que dever atuar nesta rea.

    Precisamos , primeiramente, considerar que uma boa formao

    universitria e um constante aprimoramento terico e tcnico so fundamentais

    para que o psiclogo possa oferecer servios profissionais qualificados nos

    diversos contextos e espaos em que esteja atuando, de modo a contribuir para

    uma melhor qualidade de vida e sade para a populao em geral.

    Diante do exposto, algumas perguntas surgem: a qualificao recebida pelo

    psiclogo nos cursos de graduao oferecidos no Brasil realmente lhe confere uma

    base slida, lhe capacita pessoal, terica e tecnicamente, para o exerccio de

    qualquer uma das reas de atuaes? Uma vez graduado o recm psiclogo pode

    aceitar o encargo de psiclogo de emergncias, por exemplo? Ele dispe de um rol

    de conhecimentos e tcnicas que lhe permite realizar minimamente seu encargo?

    As interrogaes multiplicam-se e so necessrias para que possamos aprimorar

    os servios oferecidos e os estudos em torno da rea.

  • CAPTULO 5

    A psicologia das emergncias ou desastres

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    51

    CAPTULO 5 - A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    5.1 Contexto histrico

    A psicologia das emergncias e desastres se sustenta em uma ampla

    bagagem de investigaes e construes tericas, que tem revolucionado os

    estudos, desde os trabalhos mais descritivos e individuais aos sociolgicos e

    estatisticamente significativos (LAMO, 2007).

    Os registros iniciais, segundo lamo (2007), de estudos psicolgicos sobre os

    desastres, iniciaram no ano de 1909 quando o mdico psiquiatra e pesquisador

    Edward Stierlin, de Zurique, desenvolveu os primeiros ensaios sobre atendimento

    aos sobreviventes de uma mina em 1906 e para cerca de 135 pessoas aps um

    terremoto na Itlia em 1908.

    Na Primeira Guerra Mundial, sculo XX, tem-se os primeiros dados de

    intervenes in situ com combatentes, na qual o objetivo era tratar o transtorno por

    estresse agudo. J na Segunda Guerra Mundial, foram efetivamente utilizadas as

    primeiras intervenes psicolgicas, realizadas por meio do desabafo nos campos

    de batalha (GUIMARES et al, 2007).

    Um dos estudos que se considera pioneiro do mdico psiquiatra

    Lindermann em 1944 que trabalhou com sobreviventes e familiares de vtimas de um

    incndio do Clube Noturno Coconut Grove, em Boston, EUA. Este trabalho

    averiguou que os sintomas psicolgicos dos sobreviventes se tornaram a base para

    as teorizaes subseqentes sobre a psicologia das emergncias e desastres

    (LAMO, 2007).

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    52

    As investigaes descritas vo descobrindo posteriormente que as reaes

    das vtimas no so as mesmas durante o impacto do evento e o ps-desastre e,

    neste sentido, Friedman e Linn, em 1957, trabalhando com sobreviventes do navio

    "Andrea Dorian", descrevem que ao lidar com vtimas de eventos traumticos deve

    se levar em conta as suas diferentes respostas s fases de choque inicial e

    recuperao em uma situao de desastre (LAMO, 2007).

    Anos aps, por volta dos anos 60 e 70, a Psicologia direcionou-se para

    anlise das reaes individuais no ps-desastre (LAMO, 2007). A partir da dcada

    de 70, comea-se a delinear a necessidade de desenvolverem-se tcnicas mais

    complexas e programas multicomponentes com a finalidade de tratar

    sistematicamente as pessoas expostas a experincias traumticas (GUIMARES et

    al, 2007).

    Lifton Robert, em 1967, comea a descrever a conduta que se apresenta nas

    fases e perodos posteriores ao impacto do desastre, com o estudos dos problemas

    psicolgicos a longo prazo apresentados por indivduos depois do bombardeio

    atmico em Hiroshima (LAMO, 2007).

    Em 1970, a Associao de Psiquiatria Americana publicou um manual de

    Primeiros Auxlios Psicolgicos em Casos de Catstrofes, adaptado no Peru pelo

    mdico psiquiatra Baltazar Caravedo, onde so descritos diversos tipos de reaes

    possveis aos desastres e os princpios bsicos para identificao de riscos das

    pessoas afetadas psicologicamente. Os primeiros esforos como modelos de

    resposta so feitos para as vtimas do terremoto em Mangua na Nicargua em

    1972, quando um psiclogo e um psiquiatra viajam para a Nicargua em 1973 com o

    objetivo de desenvolver um projeto de sade mental para as vtimas (LAMO, 2007).

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    53

    Em 1974, atravs do Instituto de Sade Mental do Departamento de Sade

    dos Estados Unidos, surgiu a primeira lei de atuao e ajuda em desastres, na qual

    consta uma seo sobre orientao psicolgica aos atingidos. Em janeiro de 1982,

    uma tempestade inundou a costa da Califrnia, deixando mais de 100 famlias

    desabrigadas. Aps vrios dias, lanou-se o projeto COPE - Counseling Ordinary

    People in Emergencies, para coordenar os servios de mais de 100 profissionais

    particulares de sade mental, com os recursos dos governos federal e local,

    trabalhando durante mais de um ano, proporcionando assessoramento individual e

    em grupo, sem nenhum custo para os interessados. (LAMO, 2007).

    Em 1985, aps o terremoto ocorrido na Cidade do Mxico, a Faculdade de

    Psicologia da Universidade Autnoma do Mxico, com ajuda de Israel, do Instituto

    Mexicano de Psicanlise e do Instituto Mexicano de Segurana Social, deu incio a

    um programa de intervenes em crises, com o intuito de oferecer apoio psicolgico

    aos afetados pela tragdia (CARVALHO, 2009). No mesmo ano, na Colmbia, o

    vulco Nevado Del Ruiz entrou em erupo e arrasou o povoado de Armero. Ento,

    em agosto do ano seguinte, o Ministrio da Sade da Colmbia, com o

    assessoramento da Organizao Pan-Americana de Sade - OPAS, e de psiquiatras

    pesquisadores na rea, estabeleceu um programa de ateno primaria em sade

    mental para vtimas de desastres (LIMA et al, 1989).

    Em 1991, a Cruz Vermelha criou o Centro de Copenhague de Apoio

    Psicolgico. Em 2001, ocorreu um incndio no mercado popular Mesa Redonda,

    localizado no centro de Lima, Peru. Neste episdio, a Sociedade Peruana de

    Emergncias e Desastres foi acionada e atuou no sentido de conscientizar a

    populao das reaes normais de luto. Para isto foi criada uma linha telefnica

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    54

    chamada de infosade, que funcionou com atendimento de psiclogos durante 72

    horas aps o desastre (CARVALHO, 2009).

    Em 2002, ocorreu o I Congresso de Psicologia das Emergncias e dos

    Desastres em Lima, Peru. Nele foi criada uma entidade denominada Federao

    Latino-Americana de Psicologia das Emergncias e dos Desastres FLAPED, com

    o objetivo de reunir psiclogos de diferentes nacionalidades no Peru e fazer com que

    os psiclogos que retornassem aos seus pases tambm fossem despertados pela

    mesma inteno. Em 2004, foi criada a Sociedade Chilena de Psicologia das

    Emergncias e Desastres SOCHPED, com os objetivos de descrever e explicar

    processos psicolgicos que aparecem nas emergncias; desenvolver, aplicar e

    ensinar tcnicas psicolgicas para situaes de emergncia; selecionar pessoas

    para integrar grupos de resgate e trabalhos de risco em geral; e capacitar

    psicologicamente a comunidade para enfrentar emergncias (CARVALHO, 2009).

    No Brasil, o primeiro registro do processo histrico de insero da psicologia

    no estudo, pesquisa e interveno nas emergncias e nos desastres datado de

    1987, com o acidente do csio-137, em Goinia, o maior acidente radioativo do pas.

    Em 1992, a UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UnB Universidade

    de Braslia e a UCG Universidade Catlica de Goinia, em conjunto com uma

    equipe de psiclogos cubanos, que j havia atuado no Acidente Nuclear de

    Chernobyl, realizaram atendimento aos atingidos pelo csio-137, adaptando o

    mesmo programa utilizado em 1986 s necessidades da comunidade afetada.

    Em So Paulo, em 1996, um desastre areo causou a morte de 99 pessoas,

    entre passageiros, tripulantes e um morador das casas atingidas e, neste episdio,

    um grupo de psiclogos atendeu familiares dos passageiros, funcionrios da

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    55

    empresa area e moradores das ruas atingidas, a partir da experincia clnica j

    obtida com pessoas enlutadas (Franco, 2005).

    O atendimento se deu de maneira pontual, nos dias imediatos ao desastre, e

    tambm com contornos clnicos tradicionais, ao longo de meses aps o mesmo para

    as pessoas que apresentaram condies de risco para luto complicado (DOKA, 1996

    apud FRANCO, 2005). A experincia diante desta atuao levou o grupo a

    importantes reflexes sobre o atendimento a emergncias e gerou reformulaes e

    desenvolvimentos tericos importantes para situaes futuras (FRANCO, 2003).

    Segundo Franco (2005), a partir de 1998 no Brasil, formou-se um outro grupo

    de psiclogos, especificamente com o objetivo de preparar-se para atuar em

    situaes de emergncia, relacionadas a desastres, traumas e luto traumtico, que

    fazia parte do LEL Laboratrio de Estudos em Luto da PUC-SP. A proposta deste

    grupo era oferecer atendimento psicolgico visando a uma ao preventiva para

    situaes de stress ps-traumtico e luto traumtico; desenvolver habilidades nos

    profissionais envolvidos com essa atividade, de maneira a terem uma atuao

    eficiente, com risco controlado para sua sade mental.

    Em 2001, foi estabelecido em So Paulo, pelo 4 Estaes Instituto de

    Psicologia, partindo do grupo formado pelo LEL em 1998, o Grupo IP

    Intervenes Psicolgicas em Emergncias, com o propsito de oferecer cuidados

    psicolgicos especializados a pessoas e comunidades vtimas de desastres,

    acidentes e incidentes crticos geradores de stress, trauma e/ou luto. Esse grupo

    tem como propsito apoiar as organizaes e comunidades atingidas por

    emergncias e desastres, na sua capacidade de responder com prontido e

    eficincia a essas situaes (site do 4 Estaes Instituto de Psicologia4).

    4 http://www.4estacoes.com/nucleo_intervencoes.asp

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    56

    No ano de 2006, realizou-se o I Seminrio Nacional de Psicologia das

    Emergncias e dos Desastres, em Braslia, em uma parceria entre a Secretaria

    Nacional de Defesa Civil e o Conselho Federal de Psicologia, discutindo-se vrias

    questes sobre o desenvolvimento desta rea no Brasil. Neste mesmo momento,

    aconteceu a 1 Reunio Internacional por uma Formao Especializada em

    Psicologia das Emergncias e Desastres, procurando sistematizar elementos

    curriculares para comporem a formao dos futuros profissionais que podero

    colaborar com a Defesa Civil.

    Entre os dias 18 e 20 de novembro de 2009, realizou-se, em So Paulo, o V

    Seminrio Internacional de Defesa Civil DEFENSIL, onde houve na sesso de

    psteres a apresentao sobre o Grupo IP, falando sobre atuao psicolgica em

    emergncias e desastres.

    5.2 Conceitualizao da psicologia das emergncias e desastres

    Entendemos a psicologia das emergncias e desastres como um ramo da

    psicologia que tem como objetivo estudar as reaes de indivduos e grupos

    humanos no antes, durante e depois de uma situao de emergncia ou desastre,

    assim como implementar estratgias de interveno psicossocial que visem

    atenuao e preparao da populao, estudando como os seres humanos

    respondem aos alarmes e como otimizar o aviso, preveno e reduo de respostas

    inadequadas durante o impacto do evento e facilitando a posterior reabilitao e

    reconstruo (LAMO, 2007).

    A psicologia das emergncias e desastres interage com a psicologia clnica,

    psicologia da sade, psicofisiologia e psiconeuroimunologia para compreender

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    57

    melhor a curto, mdio e longo prazo o estresse traumtico. Interage com a

    psicologia do desenvolvimento para compreender melhor as caractersticas de

    desenvolvimento bio-psico-social de seres humanos e para identificar os grupos

    mais vulnerveis ao impacto de crises situacionais. Interage com a psicologia social

    para assumir a importncia das redes de apoio social, sua dinmica e sua

    configurao e do papel que desempenham como estratgia de sobrevivncia em

    situaes de crise. Ela tambm usa os conceitos relacionados distoro da

    comunicao social como o rudo e seus efeitos sobre grupos humanos, e conceitos

    relacionados com atitudes, motivao e comportamento do grupo. Usa auto-

    conceitos ligados psicologia organizacional relacionados ao comportamento

    organizacional, comunicao organizacional, motivao no trabalho, liderana,

    trabalho em equipe, o clima de trabalho e trabalhar sob presso, esta aplicada

    principalmente a todas as equipes de primeira resposta.

    5.3 Particularidades da atuao

    A interveno psicolgica em emergncia procura reduzir o stress agudo,

    causado pelo impacto do trauma, por meio de: restaurar a dominncia do

    funcionamento cognitivo sobre reaes emocionais; facilitar a restaurao do

    funcionamento das instituies sociais e da comunidade; e facilitar o reconhecimento

    cognitivo do que aconteceu. A interveno psicolgica em emergncia procura

    tambm restaurar ou aumentar as capacidades adaptativas, por meio de: oferecer

    oportunidades para as vtimas avaliarem e utilizarem apoio familiar ou da

    comunidade; oferecer educao sobre expectativas futuras; e oferecer oportunidade

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    58

    para os sobreviventes organizarem e interpretarem cognitivamente o evento

    traumtico (FRANCO, 2005).

    James e Gilliland (2001) fizeram uma importante reviso sobre as abordagens

    utilizadas na compreenso e na atuao em situaes de crise e afirmam que

    interveno em crise diferente de psicoterapia do luto e de psicoterapia focada no

    problema, ressaltando a importncia de fatores sociais, psicolgicos, ambientais,

    situacionais e de desenvolvimento que fazem com que um dado evento seja

    percebido e vivenciado como uma crise. Recomendam que um trabalho de

    interveno em crise, como o atendimento psicolgico em emergncias, deve

    utilizar-se de uma abordagem focal, embora problemas concomitantes sejam

    reconhecidos como importantes na dinmica da situao-problema, o objetivo

    nestas situaes no a modificao de caractersticas peculiares da pessoa em

    crise ou de seu padro de personalidade. Portanto, necessrio perceber a

    configurao da situao de crise, sempre levando em considerao as condies

    individuais, porque a interveno deve contemplar ambos os aspectos, o genrico e

    o especfico, fazendo uso de tcnicas que considerem essa demanda

    (HODGKINSON e STEWART, 1998). Os profissionais da sade mental precisam

    deixar de lado os mtodos tradicionais, evitar o uso de rtulos da sade mental e

    usar uma abordagem eficaz para intervir no desastre com sucesso.

    Ainda segundo Hodgkinson e Stewart (1998), o trabalho de interveno em

    crise deve considerar diferentes necessidades, especficas s fases de atendimento

    como impacto, retrao ou recuo e perodo ps-traumtico. Tambm deve seguir as

    orientao do grupo NOVA National Organization for Victims Assistance (Young,

    1998) sobre a seqncia no atendimento a vtimas de desastres areos, ao

    considerar que muitas dessas aes se sobrepem e no sempre possvel

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    59

    estabelecer limites cronolgicos ou seqenciais rgidos diante das especificidades

    do desastre. Nossa atuao como psiclogos, se apresenta, ento, no segundo

    momento, denominado de interveno psicolgica em emergncia (interveno em

    crise), antecedido do resgate fsico e seguido de psicoterapia ou aconselhamento

    quando necessrio.

    O psiclogo de emergncia e desastres, no desempenho do seu trabalho,

    deve interagir com profissionais que se especializaram em emergncias e desastres,

    como mdicos de emergncia, enfermeiros, assistentes sociais, professores,

    jornalistas, socilogos, engenheiros, gelogos e membros dos socorristas (militares,

    policiais, membros da Cruz Vermelha, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, entre

    outros), para o qual ele deve ser capaz de se comunicar em uma lngua comum

    partilhada por todos esses profissionais que esto ligados de uma forma ou de outra

    em emergncias e desastres.

    Como um novo campo em desenvolvimento, a psicologia das emergncias e

    desastres abre portas de trabalho relacionadas rea de interesse Desta maneira,

    os psiclogos que trabalham com emergncia podem desempenhar aes em

    equipes de primeira resposta, como um psiclogo que integra a equipe participando

    de seus programas de capacitao, elaborar programas de apoio psicolgico para

    ajudar as operaes de retorno rotina de trabalho e de ajuda s famlias na ps-

    emergncia ou desastre; atuar em emergncias hospitalares e em suas diversas

    reas como triagem, recepo, observao, cuidados intensivos, cuidados

    intermedirios, internao, com aplicao de tcnicas de interveno em crise e

    primeiros auxlios psicolgicos, tanto para os pacientes como para os familiares

    destes, assim como orient-los na obteno de ajuda complementar e assistncia

    social. Pode ainda trabalhar com equipes de sade na preveno da sndrome de

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    60

    Burnout e atuar como especialista na rea de preveno de acidentes no campo

    organizacional e das foras armadas, desenvolvendo programas de sensibilizao e

    motivao destinados mudana cognitivo-comportamental, a fim de incorporar os

    princpios de segurana no seu trabalho dirio. Tambm possvel atuar como

    consultor no setor de educao, em temas relacionadas com a Defesa Civil em

    escolas, organizando treinamento para professores e alunos, orientando na

    implementao de estratgias psicoeducacionais para o ensino da Defesa Civil, bem

    como cuidados a crianas e adolescentes vtimas de emergncias e desastres; alm

    de ser professor especialista em escolas de formao de paramdicos, bombeiros,

    voluntrios da Cruz Vermelha e Defesa Civil, Bombeiros, bem como vrios

    programas de treinamento e de entidades governamentais e no-governamentais.

    A OMS (2009) atua junto aos pases membros e todas as organizaes

    relacionadas que possam integrar medidas de preveno de desastre aos seus

    planos de desenvolvimento, recomendando que tenham a capacidade para

    gerenciar com eficincia as emergncias com o mximo de autoconfiana. A

    capacidade mencionada neste contexto, resume 4 elementos importantes:

    informao sobre o problema a ser resolvido; autoridade para agir; planos, recursos

    e protocolos a serem aplicados e parcerias.

    Para fortalecer as capacidades regionais, nacionais e internacionais para que

    possam atuar em situaes de desastres e emergncias, a OMS (2009) identifica 5

    objetivos operacionais importantes: promover legislao e estratgias; promover

    planos e procedimentos para ao coordenada; fortalecer recursos humanos e

    institucionais; promover programas para educao, conscincia e participao das

    populaes e promover a coleta, anlise e disseminao de informao.

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    61

    5.4 Habilidade profissionais

    Segundo o Inter-Agency Standing Committee IASC (2007), todos os

    trabalhadores desempenham um papel essencial na prestao de servios de sade

    mental e de apoio psicossocial em contextos de crise como casos de emergncias e

    desastres. Portanto, eles devem estar equipados com conhecimentos e aptides

    necessrias. O treinamento deve preparar para fornecer as respostas consideradas

    como prioridades para a avaliao das necessidades.

    Embora o contedo da formao possa ter alguns componentes

    semelhantes em diferentes tipos de emergncias, a maioria dos itens deve ser

    alterado dependendo da cultura, do contexto, das necessidades e capacidades da

    populao local e da situao e no pode ser transferido automaticamente de uma

    situao de emergncia para outra. As decises sobre quem deve ser treinado na

    modalidade e o contedo e a metodologia de aprendizagem vo variar de acordo

    com condies de emergncia e as capacidades dos prprios trabalhadores. Se os

    trabalhadores so mal educados e treinados ou h falta de habilidades e motivao

    adequadas, pode haver danos severos para as populaes as quais tentar ajudar

    (IASC, 2007).

    No Brasil, o Grupo IP, de psiclogos com treinamento para atendimento a

    situaes de luto e emergncia, enfatiza sua experincia a partir de diversos

    acidentes areos, acidente rodovirio, acidente de construo e outros, ressaltando

    sobre as consideraes da inexistncia de dois desastres iguais, o que leva,

    necessariamente, flexibilidade na atuao, mesmo que seja pautada em um

    protocolo (Franco, 2005).

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    62

    Neste sentido, cabe ressaltar a importncia de se ter conhecimento profundo

    das tcnicas abordadas. O profissional deve ter conscincia dos aspectos relevantes

    de sua condio pessoal para este tipo de atividade, identificando suas

    necessidades de descanso, alvio, at mesmo de afastamento da atividade, pois

    um indivduo em risco (Franco, 2005).

    O profissional que atua exposto a situaes de stress, como o que atende

    vtimas de emergncias e desastres, apresenta tambm reaes que podem ser,

    segundo Lewis (1994) e Hodgkinson e Stewart (1998): emocionais, fsicas e

    cognitivas.

    Dentre as habilidades profissionais necessrias para a atuao psicolgica

    em emergncia, pode-se destacar a importncia do contato visual com a pessoa

    atendida, o respeito e no julgamento diante da situao, o interesse genuno pelo

    que o outro est trazendo, a flexibilidade para o trabalho em um setting diferente do

    habitual e com situaes concomitantes tambm diferentes e conhecer os prprios

    limites para que consiga julgar com clareza no que, at onde e quando pode intervir

    e o que pode ser feito naquele momento.

    5.5 Pensando sobre a ps-graduao para a atuao em emergncias e

    desastres

    A formao sugerida pelo IASC (2007), pode ser organizada atravs de

    workshops e seminrios, formao de curta durao, seguido de um trabalho de

    apoio e acompanhamento permanente. Os workshops devem ser orientados para a

    ao e concentrarem-se nas competncias, conhecimentos bsicos e normas ticas

    fundamentais e ainda orientaes necessrias para resposta a crises. Os seminrios

  • A Psicologia das emergncias ou Psicologia dos desastres

    63

    devem ser participativos, adaptados cultura local e contexto de aprendizagem e

    utilizao de modelos nos quais os prprios profissionais participantes so os

    formadores e formandos.

    Pessoas que trabalham em situaes de emergncia ficam frequentemente

    muitas horas sob presso e, por vezes com ameaas sua segurana. Muitos

    profissionais tm um suporte organizacional inadequado, e muitas vezes relatam

    acabar com uma situao de estresse importante. Alm disso, o contato com a

    misria, o horror e o perigos a que so