METATEATRALIDADES NA ANDRIA DE TERÊNCIO: Tradução … · OCORRÊNCIAS EM PLAUTO E NA COMÉDIA...

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Gabriel Rossi METATEATRALIDADES NA ANDRIA DE TERÊNCIO Tradução e Estudo das Ocorrências Metateatrais na comédia • VERSÃO CORRIGIDA • São Paulo 2017

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  • Gabriel Rossi

    METATEATRALIDADES NA ANDRIA DE TERNCIO

    Traduo e Estudo das Ocorrncias Metateatrais na comdia

    VERSO CORRIGIDA

    So Paulo 2017

  • Gabriel Rossi.......

    Orientador Prof. Dr. Jos Eduardo dos Santos Lohner

    So Paulo 2017

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras Clssicas do Departamento de Letras Clssicas e Vernculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Letras Clssicas. Defendida e aprovada em 19/12/2016.

    VERSO CORRIGIDA

    De acordo,

    METATEATRALIDADES NA ANDRIA DE TERNCIO

    Traduo e Estudo das Ocorrncias Metateatrais na comdia

  • Ttulo em Ingls: METATHEATRICALITIES IN TERENCEs ANDRIA: Translation and Study of Metatheatrical Instances in this comedy. Palavras-chaves em ingls (Keywords): 1. Metatheatre, 2. Terence, Andria, 3. Comedy, 4. Latin Language, 5. Classic Literature. rea de concentrao: Letras Clssicas. Titulao: Mestre em Letras Clssicas. Banca examinadora: Prof. Dr. Jos Eduardo dos Santos Lohner (USP: orientador), Prof. Dr. Robson Tadeu Cesila (USP), Dra. Carol Martins da Rocha (externo); suplentes: Profa. Dra. Isabella Tardin Cardoso (UNICAMP), Profa. Dra. Patrcia Prata (UNICAMP), Prof. Dr. Marcelo V. Fernandes (USP). Data da defesa: 19/12/2016.

    * Esta pesquisa foi financiada pela CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior) perodo: Abril de 2014 a Maro de 2016.

    Programa de Ps-Graduao: Departamento de Letras Clssicas e Vernculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

  • SUMRIO

    Resumo I Abstract II Agradecimentos III Dedicatria IV ndice de Abreviaes V INTRODUO 1 O METATEATRO DEFINIES E TEORIAS 6 O METATEATRO EM AO OCORRNCIAS EM PLAUTO E NA COMDIA PSEUDOLUS 18 O ESTUDO DAS METATEATRALIDADES NA ANDRIA DE TERNCIO O PRLOGO E O INCIO DE UMA PEA PS-PLAUTINA 26

    OS SSIAS: INTERTEXTUALIDADE E REFERNCIAS TRADIO 30

    SIMO SPECTATOR: INTRUSO, CRTICO, POSSVEL SENEX CALLIDUS 42

    VERU VOLTU: A PEA NO ESPERADA DENTRO DA COMDIA 47

    CRITO OU DEUS EX MACHINA? 55

    CONCLUSO 62

    TRADUO DA COMDIA ANDRIA 67 PUBLIUS TERENTIUS AFER, ANDRIA 116 BIBLIOGRAFIA 165

  • I

    Resumo

    Este estudo objetiva estabelecer uma discusso acerca das referencias metateatrais e suas

    implicaes na Andria, a primeira comdia de Terncio, da qual tambm oferecemos uma

    traduo integral para a nossa lngua. Quanto ao tratamento terenciano da fabula palliata, longe

    do que se pensava sobre seu suposto afastamento das tcnicas empregadas pelos melhores

    comedigrafos do gnero, Terncio se mostra autoconsciente de sua posio em uma tradio

    literria estabilizada e aceitou o desafio de se colocar na mesma posio renomada que Nvio,

    Plauto e nio. Ao fazer isso, ele buscou criar uma comdia que no s no careceria de

    referencias metateatrais, mas que, ao contrrio, daria continuidade ao metateatro plautino. Na

    Andria de Terncio o vocabulrio do engano, espcie de aceno para uma cena metateatral,

    alerta-nos para as peas dentro da comdia presentes ou vindouras e para o conhecimento que

    um personagem tem sobre as convenes cmicas. Plauto amide nos apresenta um personagem

    que reconhece sua existncia como figura teatral em cena, mas, quando o velho Simo exibe seu

    conhecimento do personagem-tipo na pea Andria, podemos ver que ele falha ao enxergar

    enganos onde no h, interpretando a verdade como uma fico elaborada por seus escravos, e

    falha na tarefa de reconhecer que ele pertence ao acervo de personagens da tradio da palliata.

  • II

    Abstract

    This study strives for a discussion about metatheatrical references and their implication in

    Terence's first comedy Andria, of which we also aim to furnish the complete translation to

    Portuguese. About the Terentian treatment of the fabula palliata, far away of what was thought

    about his supposed departing from techniques employed by the best playwrights of the genre,

    Terence is self-consciously aware of his place in an established literary tradition and faced the

    challenge of placing himself in the same renowned position of Naevius, Plautus and Ennius. In

    doing so, he tried to create a comedy that was not only not devoid of metatheatrical references,

    but, on the contrary, fond of the Plautine metatheatre. In Terences Andria the language of

    deception, a kind of an eye blink to a metatheatrical scene, alerts us to ongoing or further plays-

    within-a-play and to character's knowledge of comic conventions. Plautus usually presents a

    character who acknowledges his existence as a theatrical figure on stage, but when the old man

    Simo displays the knowledge of the character type in Andria, we are able to see that he fails to

    see deceptions where there are none, interpreting the truth as a fiction contrived by their slaves,

    and he also fails to recognize that he also belongs to the same stock types of palliata tradition.

  • III

    Agradecimentos

    Primeiramente, gostaria de agradecer a CAPES pela bolsa concedida e ao Prof. Dr. Jos

    Eduardo Lohner pela orientao neste trabalho. Sou muitssimo grato a ambos, ao auxlio

    financeiro da bolsa e disponibilidade, ateno e dedicao do Prof. Lohner durante esses

    quase trs anos de realizao desta pesquisa.

    Meus agradecimentos aos Profs. Drs. Isabella Tardin Cardoso e Robson Cesila que

    estiveram presentes em meu Exame de Qualificao e me ofereceram excelentes sugestes para

    a melhoria deste trabalho. Tambm sou muito grato aos membros da banca examinadora, Prof.

    Dr. Robson Tadeu Cesila e Dra. Carol Martins da Rocha, sobretudo s sugestes de melhorias

    e s correes que me ofereceram.

    Sou imensamente grato minha av e minha me, sobretudo primeira, que sempre

    acreditou em mim, apoiou-me na vida e nos estudos e sempre me forneceu tudo de que precisei,

    no s um simples amor de av, mas seu amor incondicional de segunda me e que junto do amor

    de minha me me fez crer que sempre tive duas mes! Sou muito grato a minha av, a qual nunca

    desistiu de esperar por meus xitos, Maria Rossi Marchi, e tambm a minha me, Aparecida

    Eliana Marchi, por tudo aquilo que elas sempre fizeram para mim! Lamento que meu av,

    Eduardo Marchi, no esteja mais conosco, a quem manifesto tambm toda a minha gratido, o

    qual sempre me viu com olhos de admirao e labutou a vida inteira somente para poder deixar-

    me bens e seu legado: gostaria que ele pudesse ver esse trabalho concludo, e que seu nome e sua

    pessoa continuem vivos enquanto meu trabalho for lido e conhecido por algum. Um grande

    agradecimento tambm pessoa que eu amo e que esteve, est e estar sempre a meu lado me

    auxiliando, apoiando e convivendo comigo todos os dias!

  • IV

    Dedicatria

    IN MEMORIAM CARISSIMI AVI MEI

  • V

    ndice de Abreviaes

    Comdias de Terncio:

    And. Andria (A Garota da Ilha de Andros)

    Ht. ou Heaut. Heautontimorumenos (O Flagelador de Si Mesmo)

    Phor. Phormio (Frmio)

    Eun. Eunuchus (O Eunuco)

    Hec. Hecyra (A Sogra)

    Ad. Adelphoe (Os Irmos)

    Comdias de Plauto mencionadas e/ou citadas no estudo:

    Amph. Amphitruo (Anfitrio)

    Aul. Aulularia (A Comdia da Panelinha)

    Bach. Bacchides (Bquides)

    Cas. Casina (Csina)

    Cap. Captivi (Os Prisioneiros)

    Cur. Curculio (O Caruncho)

    Ep. Epidicus (Epdico)

    Mer. Mercator (O Mercador)

    Most. Mostellaria ( )

    Poen. Poenulus (O Pequeno Cartagins)

    Pseud. Pseudolus (Psudolo)

    Trin. Trinummus ( )

  • 1

    Introduo

    Podemos dizer que, durante muito tempo, foi aceita a ideia de que Terncio teria sido

    bem-sucedido graas aparente seriedade no desenvolvimento do carter dos personagens e

    progresso linear e mais realista dos enredos de suas comdias. Nos estudos atuais, j no

    mais compartilhada essa interpretao da obra terenciana e atualmente a ateno foi voltada

    para a impreciso de tais afirmaes em relao a uma comdia palliata. No passado, alguns

    crticos pareceram ter dado excessiva nfase a procedimentos, como o de contaminatio, que

    os teria levado a atribuir um amplo emprego das comdias de Menandro e de outras fontes

    gregas na criao de uma obra latina apurada, bem como o de aemulatio, que proporcionaria,

    por conseguinte, o agrupamento dos melhores elementos extrados de matrizes gregas.

    No contexto cmico das comdias convm analisarmos as situaes por meio da

    comicidade, uma redundncia que se faz necessria para falarmos de Terncio nos dias atuais.

    A fabula palliata, de modo sucinto, consistiria na reelaborao de enredos, personagens-tipo

    e cenas padro do repertrio da Comdia Nova grega, o que, no contexto romano, j indicaria

    um aceno ao humor. Com situaes assaz ficcionais e que ocorreriam em ambientes gregos

    e locais da Grcia extremamente estilizados, a comdia palliata exploraria a comicidade por

    meio de personagens trajando um manto grego, o pallium, e greguejando.1 No podemos

    nos esquecer de que as comdias apresentam uma espcie de ambiente familiar, em que os

    escravos (serui) pregariam peas nos velhos (senes) para o benefcio de seus jovens amos, os

    adulescentes. Pensarmos em uma empatia ou proximidade seria difcil, haja vista a separao

    espacial e social entre os personagens e a audincia, fatores que, contudo, teriam contribudo

    para uma maior liberdade criativa e imaginativa dos autores.2 Destarte, os personagens da

    1 Remetemo-nos ao termo pergraecari (Most. 960) de Plauto, em uma referncia a isti graeci palliati (Cur. 288), esses gregos trajando o plio, que levariam uma vida festiva maneira grega, conforme vemos em Plauto: dies noctesque bibite, pergraecamini (Most. 22), bebam dias e noites, ajam como completos gregos. Embora sejam gregos falantes de latim, agindo segundo os costumes gregos e possivelmente distanciando-se dos hbitos de espectadores romanos, eles seguiriam tradies, leis e costumes de Roma, uma mistura um tanto extica e propcia para a criao de comdias maneira romana. 2 Manuwald (2011: 148), atinente percepo de o poeta apresentar algo no se baseando na realidade e sim na coerncia, atenta: graas combinao de caractersticas apropriadas aos ambientes grego e romano, elaborao ficcional deles e s indicaes metateatrais, a ao em cena no transparece uma imagem coerente de uma sociedade em particular, ao invs disso, cria um mundo de fantasia, [...] conferindo aos dramaturgos a liberdade tanto de oferecer semelhanas quanto de desencadear modos de comportamento contrrios aos costumes usuais em Roma (Cf. Due to the mixture of features appropriate to Greek and Roman settings, their fictional elaboration and the insertion of metatheatrical remarks, the stage-action in palliata does not present a coherent picture of a single society, but rather creates a fantasy world [...] gives playwrights the freedom both to provide parallels and to set off modes of behaviour against the usual customs in Rome).

  • 2

    comdia estariam separados no apenas por uma quarta parede imaginria, responsvel pelo

    estabelecimento da iluso/pretenso dramtica e que traaria uma linha divisria imaginria

    entre o proscnio e a audincia, mas tambm pelas vestes, mscaras e o ambiente em que

    vivem, bem como pela existncia temporria deles em cena que, apesar de destinada ao

    entretenimento, no lhes impossibilitaria uma tentativa de aproximao por meio de um

    dilogo com a audincia e do convite para todos conhecerem a fico de seus mundos.3

    Estudos realizados h mais de vinte anos atrs parecem ter olhado para Terncio com

    muita seriedade, sem notar metateatralidades subentendidas, fazendo da ausncia de grandes

    rupturas na iluso/pretenso dramtica um indcio de que o comedigrafo intentaria criar uma

    obra mais realista e sria, no obstante seja cmica. Duckworth (1952) comentou que

    Terncio, com o objetivo de elaborar uma comdia de mais alto nvel, destituda de elementos

    farsescos e bufonaria, teria feito todo o possvel para evitar improbabilidades de diversos

    tipos, incluindo a violao da iluso dramtica, e teria ento recorrido a um tratamento

    mais realista do dilogo e da ao em cena: [...] enquanto Plauto graceja com as convenes

    e desenvolve possibilidades cmicas a partir delas, Terncio se voltou, todavia, s variaes

    dos antigos temas.4 Wright (1974) parece ter conduzido seu estudo da obra terenciana

    detendo-se no pressuposto de que o ingresso tardio do autor em uma tradio consagrada e

    praticada h tempo, durante um perodo de exaltao da cultura helenstica, teria resultado

    em um rompimento com as tradies do teatro cmico romano sem precedentes.5 Desse

    modo, continua o estudioso, o contraste seria imenso entre Plauto e Terncio na tcnica

    dramtica, [...] neste ltimo, qualquer gracejo, ou caracterizao cmica, seria estritamente

    subordinado aos requisitos do enredo e ao realismo verbal e psicolgico: uma superioridade

    3 Segundo Manuwald (2011: 105), a audincia poderia estar envolvida na pea por meio de personagens se dirigindo aos espectadores, chamando-lhes a ateno para experincias pessoais ou estabelecendo uma relao de confiana, [...] o que conferiria encenao uma dimenso interativa (Cf. Audiences might be involved in the play, for instance, by characters addressing them, appealing to their own experiences or drawing them into confidence [...] this could give performances an interactive dimension). 4 Cf. Duckworth (1952: 137): Terence, striving to write a higher type of comedy that was devoid of farce and slapstick, took pains to avoid improbabilities of various kinds (roman references, indoor scenes on the stage, buffoonery in connection with running slaves, violation of the dramatic illusion), and he aimed at a more realistic treatment of conversation and action [] but whereas Plautus made fun of the conventions and developed their comic possibilities, Terence sought rather for new variations on old themes.

    Parecer irnico, mas veremos como as aes ocorridas no interior das casas oferecem, na comdia Andria, situaes para Terncio gracejar com a conveno, como na cena do parto e no desfecho com uma fala direcionada audincia e na qual o seruus terenciano esclarece que o final transcorrer dentro da casa. 5 Cf. Wright (1974: 126): The complete break with the traditions of the Roman comic stage was not to come until the time of Terence.

  • 3

    do contedo, no do estilo.6 Tambm Conte (1952) avaliou as falhas na encenao da

    comdia Hecyra como um indcio de que o drama terenciano aceitaria a convencional e

    repetitiva estrutura de tais enredos, sem tentar qualquer esforo no sentido da originalidade.

    O estudioso ainda nos diz que interessaria ao comedigrafo a compreenso psicolgica dos

    personagens, e por causa disso, teria rejeitado mecanismos disruptivos, como o metateatro, e

    sobretudo a exuberncia da imaginao que contribuiu muito para o sucesso de Plauto.7

    Presenciamos uma mudana nos estudos do metateatro com anlises que procuravam

    ler as comdias terencianas ressaltando a importncia da presena tanto de conflitos entre

    certos opostos como natural-cenogrfico, real-ficcional e realstico-enganador , quanto de

    aluses encenao de papis e disfarces, arte de iludir e, por conseguinte, capacidade

    de os personagens pregarem peas uns nos outros, instaurao de peas dentro da pea

    principal, tambm s falas de personagens que sinalizariam um conhecimento de mecanismos

    e inconsistncias provenientes da natureza intencionalmente mecnica e artificial da comdia

    palliata. Em 1994, em seu artigo, Frangoulidis ressalta o intento de demonstrar que, na pea

    Eunuchus terenciana, certa linguagem chamaria a ateno para um aspecto metateatral.8

    Tivemos tambm uma reavaliao da obra de Terncio em 2004 com a publicao da

    trigsima terceira edio da revista Ramus, Rethinking Terence, ed. A. J. Boyle, e em 2006,

    em lngua espanhola, com o lanamento do livro Estudios sobre Terencio, ed. A. Pocia, M.

    F. Silva, B. Rabaza, alm da no menos importante coleo de artigos em Terentius Poeta,

    ed. P. Kruschwitz. A obra A Companion to Terence, ed. A. Augoustakis, A. Traill, de 2013,

    j nos transparece um Terncio pouco srio e mais seguidor do modelo cmico plautino.

    Em nosso pas foram realizados recentemente vrios estudos, sobretudo aqueles

    referentes ao metateatro em obras plautinas, sem estabelecer comparaes com Terncio.

    Interessam-nos os de Cardoso (2005 e 2010), que analisam, dentre os diversos aspectos e as

    vrias caractersticas do modelo de teatro praticado por Plauto, as ocorrncias metateatrais

    em falas destinadas aos espectadores, e precipuamente o potencial do vocabulrio do engano

    para o estabelecimento de um aceno a uma nova camada de iluso que, em seu aspecto de

    6 Cf. Wright (1974: 131 a 134): tremendous contrast between Plautus and Terence in dramatic technique [...] Any joking or comic characterization is strictly subordinated to the requirements of the plot and to psychological and verbal realism. Content, rather than style, is paramount. 7 Cf. Conte (1994: 94): Terence's drama accepts the conventional, repetitious framework of these plots, without making any effort at originality. The author is interested above all in the psychological understanding of the characters [...], and for this reason he rejects the comic exuberance of imagination that had contributed so much to Plautus' success. 8 Cf. Frangoulidis (1994: 122): to demonstrate that such language [...] calls attention to the metatheatrical aspect of both the slave's intrigue and Thais' stratagem to recover the girl.

  • 4

    uma no-iluso e de desconstruo da ficcionalidade, indicaria no uma realidade, mas

    outras camadas ilusrias em cena, como se houvesse uma proximidade entre os personagens

    enganadores e a audincia enquanto eles compartilham informaes sobre as aes e reaes

    atuais e previsveis dos personagens que esto sendo iludidos sem saberem que se encontram

    em uma pea encenada dentro da pea principal. As referncias aos estudos das comdias

    plautinas e terencianas so em grande nmero, e no se restringem s anlise do metateatro,

    porm, citar e comentar cada estudo em particular fugiria ao propsito desta introduo.

    Nosso estudo concentra-se nas metateatralidades na comdia Andria, da qual

    realizamos tambm uma traduo para o portugus, em que mantivemos o ttulo grego,

    Andria, que poderia ser vertido por A Garota da ilha de Andros, ou grafado ndria. Fizemos

    o uso de teorias e de noes recentes sobre o metateatro, termo moderno, e de exemplos de

    sua aplicao em comdias de Plauto, a fim de (re)estabelecer o que nos parece ser essencial:

    a filiao de Terncio a uma tradio cujos cnones ele mesmo menciona e dos quais ele

    pretenderia emular certa negligncia, que poderia ser entendida como uma liberdade na

    converso para o latim de obras da Comdia Nova grega. Ao utilizarmos o termo liberdade,

    queremos indicar certa caracterstica presente nos grandes autores dos quais Terncio

    seguiria os passos, segundo ele prprio afirma no prlogo de sua pea Eunuchus, em

    referncia a antagonistas qui bene uortendo et easdem scribendo male / ex Graecis bonis

    Latinas fecit non bonas (Eun. 7-8), eles que bem convertendo e mal escrevendo essas

    mesmas comdias, fizeram de boas gregas outras comdias em lngua latina no boas.

    Estamos nos referindo queles que seriam rivais de Terncio, adeptos talvez de outra vertente

    e de um estilo de composio que no seria aquele praticado por Nvio, nio e Plauto.9

    O sistemtico e programtico emprego do modelo de prlogo adotado por Terncio

    teria ocorrido devido necessidade de o comedigrafo estabelecer um vnculo intertextual

    com a obra dos trs autores precedentes a que ele se refere como modelos, dos quais apenas

    nos foi legada uma pequena parcela da obra de Plauto. Veremos como o metateatro em uma

    pea plautina que o explora bastante, como ocorre na Pseudolus, est tambm presente, ora

    assinalado, ora subentendido, na comdia Andria, que seria melhor compreendida, portanto,

    mediante o conhecimento de mecanismos metateatrais, como o vocabulrio do engano que

    assinala situaes de ludbrio em uma pea dentro da comdia, presente em cena ou na fala

    de um personagem, bem como comentrios acerca da ficcionalidade de recursos e do uso de

    9 Valendo-se da argumentao no prlogo da Andria, encontramos a afirmao de Terncio sobre seus precursores supracitados: quorum aemulari exoptat neglegentiam / potius quam istorum obscuram diligentiam (And. 20-21), dos quais o nosso autor procura emular a negligncia ao invs da diligncia obscura dos outros.

  • 5

    cenas e de personagens padres do repertrio da comdia palliata. Dentre as particularidades

    terencianas na elaborao de suas comdias, a partir de uma frmula consagrada e de sucesso,

    encontramos o esmero em incluir na progresso dos enredos os acenos metateatrais, os quais

    eram antes em Plauto estabelecidos entre os personagens e os espectadores. Temos tambm

    em Terncio um trabalho de escrita objetivando a criao de obras que se referem no apenas

    a outras da tradio da comdia palliata, mas tambm ao repertrio da Comdia Nova grega.

    Nosso estudo contempla uma leitura e compreenso dos conceitos e teorias sobre o

    metateatro, as aplicaes e desenvolvimentos do termo aplicado s obras de Shakespeare e

    posteriormente s obras da Antiguidade. Prosseguimos com uma breve anlise do metateatro

    na comdia Pseudolus de Plauto demonstrando a transparncia da impresso de ruptura na

    pretenso/iluso dramtica e que seria uma particularidade da arte plautina, termo

    emprestado tese de doutorado de Cardoso (2005): Ars plautina. Observaremos como o que

    denominamos que seria a potica terenciana visaria a mudanas e a reformulaes a fim de

    nos apresentar personagens que (re)conheceriam as convenes de que temos conhecimento

    graas presena em situaes metateatrais plautinas nas quais elas so jocosamente

    expostas e questionadas. Em nosso estudo do metateatro na Andria procuramos enfatizar esse

    aspecto de pea ps-plautina e que pressupe uma continuidade da tradio da palliata.

    Em nossa traduo tentamos destacar os aspectos metateatrais da Andria e oferecer

    uma verso da obra em nossa lngua. Como ponto de partida e referncia, fizemos uso do

    texto latino estabelecido e traduzido para o espanhol por Lisardo Rubio.10 No obstante a

    prtica pouco frequente do estudo e do cotejo direto de manuscritos nas edies em lngua

    espanhola, Rubio realizou esse trabalho e nos oferece, alm disso, uma boa introduo no

    apenas da obra de Terncio, mas tambm de sua fortuna crtica. interessante atentar para o

    fato de que, diferentemente da reduzida quantidade de manuscritos preservados das peas de

    Plauto, podemos contar com vrios cdices que contm as comdias de Terncio, dentre tais

    um deles bem antigo, o Escurialensis S. III. 23, do sculo XI. Rubio esclarece ter feito ligeiras

    mudanas no estabelecimento de seu texto, a fim de que esse no se distanciasse dos demais

    que se valem dos manuscritos coligidos por Umpfembach. Esperamos que nossa traduo,

    acompanhada do texto latino e disposta de modo justalinear em relao aos versos latinos,

    possibilite uma leitura fluente e tambm favorea a percepo das ocorrncias referentes s

    metateatralidades mencionadas e assinaladas em nosso estudo dessa comdia.

    10 Cf. Rubio, Lisardo (1991). Terncio: Comedias - La Andriana El Eunuco, vol. 1, 2 edicin. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientficas.

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    O Metateatro

    Definies e Teorias

    Dispomos de muitas definies de metateatro elaboradas por diversos estudiosos e

    tericos, e seria profcuo para nossa compreenso uma leitura delas como desenvolvimentos

    e aprimoramentos de uma noo bsica e ampla, de incio empregada e desenvolvida pelo

    estudioso Leonel Abel (1963) ao se referir s peas de Shakespeare em que se possvel

    notar aspectos do topos modernamente denominado theatrum mundi (o teatro do mundo).

    Trata-se de ocorrncias em cenas em que transparece a impresso de uma teatralizao da

    vida, que se torna mais ntida na medida em que os personagens das obras dramticas se

    referem tanto artificialidade das convenes quanto a caractersticas fabulares e ficcionais

    de seus mundos. Partimos do pressuposto de que, em maior ou menor intensidade, a vida e

    nossa realidade so refletidas nos contornos do proscnio, local onde os personagens atuam,

    e por meio de gestos e falas desempenham seus papis, no muito diferentes daqueles que

    assumimos em nosso cotidiano, seja como um pai de famlia (pater familias), seja como um

    jovem apaixonado (adulescens amans), dentre outros. Veremos que nas ocorrncias de

    metateatro os personagens tecem comentrios referentes ao papel que lhes ou ser atribudo

    no decorrer da encenao e acenam para o que seria o modo de realizao, modus operandi,

    de uma ao em cena. Em nosso caso, em uma comdia romana (sc. II a.C.), do gnero

    fabula palliata, que oferece uma suposta representao estilizada e artificial de um modo de

    vida grego semelhana daquele do sculo III a.C. em locais da antiga Grcia, temos casos

    em que os personagens indicariam caractersticas e hbitos que os caracterizariam como

    personagens-tipo pertencentes a um acervo predefinido e do conhecimento de uma audincia

    da poca e tambm discorreriam sobre cenas ou sobre episdios comuns do repertrio.

    Temos o surgimento e a proeminncia do prefixo meta- na crtica a partir de meados

    do sculo XX, antecedido pelos estudos de ocorrncias de pea dentro da pea principal no

    artigo de Frederick S. Boas de 1927,11 um trabalho precursor nos estudos do metateatro,

    sendo tambm importante mencionar as teorizaes sobre pinturas abstratas de Clement

    Greenberg em 1960,12 referentes a obras cujo propsito era menos a representao do mundo

    e mais da arte em si mesma. O surgimento da obra de Leonel Abel13 certamente foi um divisor

    11 Boas, Frederick S. (1927). The Play within the Play in A Series of Papers on Shakespeare and the Theatre. London : published for the Shakespeare Association by H. Milford, Oxford University Press, 1927. 12 Greenberg, Clement (1960). Modernist Painting, Forum Lectures, Washington D.C, Voice of America. 13 Abel, Leonel (1963). Metatheatre: a New View of Dramatic Form. New York: Hill and Wang Pages.

  • 7

    de guas nos estudos de metateatro, ou metapea, de incio destinados anlise e aplicao

    nas obras de Shakespeare, posteriormente em dramas da Antiguidade, precipuamente nas

    comdias plautinas. Abel tinha em mente peas teatrais que continham uma ocorrncia de

    pea dentro da pea, a qual era considerada um mecanismo, e no um pr-requisito,

    entretanto, para o metateatro. Interessavam ao estudioso, por conseguinte, precipuamente as

    obras dramticas que apresentavam certa caracterstica em comum: peas de teatro sobre a

    vida que j se apresentava teatralizada. Como esse tipo de obra carecia de uma denominao

    especfica, o estudioso ento props denomin-las metapeas, obras de metateatro.14

    Para o estudioso a metapea seria a forma necessria para dramatizar personagens

    que, em sua total autoconscincia, no podem seno participar de sua prpria dramatizao.

    Na ausncia de um gnero trgico moderno, e Abel se referiria ao modelo de tragdia greco-

    romana, no haveria, portanto, uma alternativa filosfica para dois conceitos por meio dos

    quais ele definiria uma metapea: o mundo como um proscnio, a vida como um sonho.15

    Essa afirmao, de que, autoconsciente, o personagem no conseguiria fugir dramatizao,

    encontraria uma excelente exemplificao na figura do seruus callidus ou fallax da comdia

    plautina: artfice, ele um tipo de architectus que engendra tramoias, elabora e dirige peas

    dentro das comdias como um diretor e contrarregra no palco preparando um ator para

    determinado papel que dever ser encenado; cnscio de sua condio subalterna, o escravo,

    como um personagem literalmente margem e, portanto, fora das convenes sociais e das

    hierarquias da sociedade, dispe de total mobilidade em todo o cenrio, bem como para

    dentro e para fora da pea em si. O seruus tambm um personagem propenso a assumir, a

    qualquer instante, outras identidades (personae), sempre atento presena e importncia

    da audincia para a efetivao de um engano, da ironia dramtica e da comicidade de uma

    performance. Comumente em Plauto, medida que os personagens armam uma tramoia, eles

    relatam os preparativos e a maneira como a executaro para audincia, incluindo-a no

    espetculo: os enganadores ora assumem um papel, ora assistem pea que planejaram, e as

    vtimas do engano, por sua vez, acabam agindo conforme o papel atribudo a eles e elaborado

    14 Abel (1963: 60 e ss.): Algumas delas podem ser, de fato, classificadas como ocorrncias de pea-dentro-da-peca, porm o termo, bem conhecido, indica apenas um mecanismo, no uma forma definida (Some of them can, of course, be classified as instances of the play-within-a-play but this term, also well known, suggests only a device, and not a definite form). Cf. Yet the plays I am pointing at do have a common character: all of them are theatre pieces about life seen as already theatricalized [...] I shall presume to designate them. I call them metaplays, works of metatheatre. 15 Cf. Abel (1963: 78 a 83): the metaplay is the necessary form for dramatizing characters who, having full self-consciousness, cannot but participate in their own dramatization [] there is no philosophic alternative to the two concepts by which I have defined the metaplay: the world is a stage, life is a dream.

  • 8

    pelos prprios enganadores, como se estivessem em uma encenao em miniatura (um ator

    que encena personagem encenando outro papel) dentro da comdia que encenada.16

    Em anlises ulteriores, outros estudiosos elaboraram e precisaram a designao do

    termo e delimitaram o escopo e a aplicao do termo metateatro. Segundo Calderwood

    (1971), a partir do prprio significado do sufixo meta, um gnero dramtico que vai alm

    do drama (ao menos do modelo mais tradicional), tornando-se uma espcie de antiforma em

    que so desfeitas as fronteiras entre a pea como uma obra de arte circunscrita e a vida.17

    Hornby (1986) se refere, como Calderwood, s ocorrncias metateatrais shakespearianas, e

    observa que o metadrama ocorreria quando o assunto da pea se torna, em certo sentido, o

    drama em si:18 estaramos diantes, por conseguinte, de comentrios e de acenos, visuais ou

    textuais que interferem direta e indiretamente no desenvolvimento do enredo, por meio do

    uso de um vocabulrio especfico do engano, como, por exemplo, os compostos da raiz lud-

    (ludos, illudo-are, ludificare), fabulam facere, fallacia, dolus. Diante da indicao de que um

    personagem se disfarar (ornare) ou fugir aos pressupostos do papel, assumindo a

    identidade de outro personagem-tipo ou se passando por um espectador, acrescenta Hornby

    (1986), teramos uma terceira camada metadramtica somada experincia da audincia:

    um personagem assume um papel, mas o personagem em si encenado por um ator.19

    Quanto s autorreferncias teatrais, ou ao metateatro em obras dramticas, Taplin

    (1986) diz que elas seriam expedientes para chamar a ateno para a prpria encenao da

    pea (playness), para o fato de serem artifcios apresentados sob circunstncias especiais e

    16 Na comdia plautina Casina, a matrona (mulier) e sua criada (ancilla) assumem o papel do personagem-tipo o seruus callidus, e elaboram uma tramoia contra o marido da primeira. A ancilla, em solilquio, diz: neque usquam ludos tam festiuos fieri / quam hic intus fiunt ludi ludificabiles. (Cas. 760-61), nunca alguma vez sequer ocorreu um ludbrio to festivo quanto aqui os ludbrios ludibriantes que ocorrem l dentro. Depois do jocoso jogo de palavras (ludi ludificabiles, peas enganadoras, possvel referncia aos Ludi: eventos em que eram encenadas as comdias plautinas e terencianas), a criada relata os preparativos para pea dentro da comdia e o modus faciendi: uilicus is autem cum corona, candide / uestitus, lautus exornatusque ambulat (Cas. 768-89), o caseiro, vestido de branco com coroa, entretanto, perambula atraente e enfeitado. Assistindo pea, ou seja, vendo que o marido age com total credulidade que dormir com uma moa e no com o caseiro disfarado de mulher, a matrona observa: nec fallaciam astutiorem ullus fecit / poeta, atque ut haec est fabre facta ab nobis (Cas. 860-1), poeta algum criou uma armao mais ardilosa, como essa criada por ns com malcia. Cf. Rocha, Carol. M. (2010). Perfume de mulher: riso feminino e poesia em Csina. Campinas-SP: Unicamp, Dissertao de mestrado para um estudo de vrios aspectos e traduo integral da pea em apreo.

    Alm das palavras do que convencionamos chamar de vocabulrio do engano e que com frequncia assinalam ocorrncias metateatrais, teramos um aceno ao fato de a adaptao plautina teria tornado o engano mais engraado e engenhoso que o original, extrado de uma pea da Comdia Nova grega. 17 Cf. Calderwood (1971: 04): a dramatic genre that does go beyond drama (at least drama of a traditional sort), becoming a kind of anti-form in which the boundaries between the play as a work of self-contained art and life are dissolved. 18 Cf. Hornby (1986: 17): whenever the subject of a play turns out to be, in some sense, drama itself. 19 Cf. Hornby (1986: 68): adds a third metadramatic layer to the audience's experience: a character is playing a role, but the character himself is being played by an actor.

  • 9

    controladas. Termos como sonho e imaginrio no seriam pertinentes aos dramas da

    Antiguidade, uma vez que pressupem uma noo nica, e no scio-histrico-cultural de

    relao entre o real e o imaginrio. Mais importante para o estudioso, dentre os termos que

    so aplicados s definies de metateatro, o de iluso inadequado, devido periculosa

    ambiguidade em seu uso para um teatro altamente no-naturalista.20 Conforme argumenta

    Arnott (1962), os gregos no teriam um conhecimento de um cenrio realista, nem esperariam

    assistir representao de dramas imitando diretamente a vida. A audincia ateniense

    comparecia ao teatro, observa o estudioso, preparada para usar a sua prpria imaginao a

    fim de preencher a lacuna entre as realidades poticas e as convenes do palco, e os

    espectadores seriam convidados a imaginar frequentemente, sendo iludidos por uma forma

    de drama anti-ilusionista, e por uma pea em assdua atividade de construo do mundo

    fantstico do poeta.21 Os gregos no contavam com um termo correspondente a nossa

    iluso dramtica e as noes sofsticas de ser enganado, como a de aptema ( de

    , engano, cf. Gorg. fr. B 23, 41-57.), eram alheias nossa e/ou distintas do que

    entendemos por iluso dramtica, ou de outro modo, conforme as palavras de Dover (1972),

    por iluso no queremos dizer ingenuidades visuais de uma produo, [...] mas a ininterrupta

    concentrao dos personagens fictcios da pea em suas situaes fictcias.22 Quanto

    ruptura da iluso dramtica, ou da pretenso dramtica (como sugere Moodie, 2007),23 essa

    ocorreria quando um personagem reconhece sua existncia como uma figura teatral durante

    uma performance teatral, ou quando um personagem se dirige audincia ou juiz.24

    Cardoso (2005: 40-41), em seu estudo sobre a Ars Plautina, dentre os diversos

    aspectos e atributos do teatro plautino que analisa, no tocante s origens dos estudos

    relacionados s ocorrncias metateatrais nas comdias plautinas, segundo a estudiosa: em seu

    20 Cf. Taplin (1986: 164): theatrical self-reference, or metatheatre at the ways in which plays may, or may not, draw attention to their own playness, to the fact that they are artifices being performed under special controlled circumstances [...] because illusion is a badly ambiguous term to use of a highly non-naturalistic theatre.. 21 Cf. Arnott (1962: 107 a 122): prepared to use its own imagination in order to bridge over the gap between poetic realities and stage conventions [...] deluded by a basically anti-illusionistic form of drama, and play an active role in constructing the poets world of fantasy. 22 Cf. Dover (1972: 56): by illusion we do not mean visual ingenuities of production [...] the uninterrupted concentration of the fictitious personages of the play on their fictitious situation.. 23 A estudiosa se vale do termo pretense (praetensus, de praetendo-ere: alegar, encobrir, cf. Moodie, 2007: 15), haja vista a quantidade de estudiosos que no diferenciam a ruptura da pretenso dramtica e o reflexivo comentrio metateatral (many scholars have not differentiated between the rupture of the dramatic pretense and self-aware metatheatrical commentary). Bain (1977: 6-7), apud Moodie (2007), considera mais satisfatrio o uso da palavra pretenso pela crtica (dramatic critics had used the word pretence), pois os atores pretendem estar no papel dos personagens e a audincia aceitaria a pretenso. 24 Cf. Taaffe (1987: 156): it occurs when a character either acknowledges his existence as a theatrical figure in a theatrical performance or when a character addresses the audience or judge, apud Moodie (2007: 17 n31).

  • 10

    artigo Plauto e il metateatro antico (1970), M. Barchiesi inaugurou o uso do termo

    metateatro aplicado s comdias plautinas e para o estudioso o metateatro ocorreria depois

    que o eu-pico penetrou progressivamente no drama, exprimindo-se na autoconscincia de

    mais planos de realidade e na tendncia, j agora dominante, que o teatro tem de representar

    a si prprio.25 Slater (1985), em seu livro dedicado s metateatralidades plautinas, vale-se

    da seguinte definio de metateatro: um teatro teatralmente autoconsciente, que reconhece

    sua prpria natureza como um meio de comunicao e apto a explorar suas prprias

    convenes e recursos para efeitos cmicos e ocasionalmente patticos.26 O estudioso

    menciona tambm o que seria um paradigma do teatro plautino: o fato de que ele no seria

    mimtico em sua concepo, mas metateatral, Plauto, portanto, no imitaria a vida, mas um

    texto precedente e, portanto, no obstante o contato com o texto ou sua representao, os

    elementos narrativos da maioria, se no de todas as peas, preexistiram como texto.27

    Segundo a observao de Slater, apesar da impossibilidade de verificar o contato de Plauto

    com encenaes de dramas greco-romanas, podemos notar que os enredos (argumenta), as

    circunstncias, os recursos, os mecanismos, o modus operandi, e os personagens configuram

    um repertrio pr-existente, delimitado e do conhecimento comum, e amide as referncias

    so textuais e endereadas a outros textos de comedigrafos gregos da Comdia Nova, Na.

    Atinente s obras da Antiguidade, para Gentili (1979: 15, apud Slater, 1985) o

    metateatro se referiria a peas construdas a partir de peas previamente existentes (plays

    constructed from previously existing plays). Semelhante assero seria pertinente ao modus

    faciendi da comdia palliata, pois sabemos que os comedigrafos, s vezes, indicam a pea

    grega que lhe serviu de modelo: embora sejam poucos os casos em Plauto assinalados por

    meio da expresso uortit barbare (verteu para a lngua brbara), em quase todas as peas

    de Terncio temos os termos transtulisse e scribere para dizer que ele transferiu, converteu

    e (re)escreveu suas obras a partir de matrizes gregas. Essa relao intertextual se assemelharia

    a aemulatio: no conviria falarmos de traduo, mas de recriao e de reelaborao com a

    finalidade de cultivo e desenvolvimento do gnero e superao do modelo. Nas palavras de

    25 Lio epico penetrato progressivamente nel dramma, esprimendosi nellautoconsapevolezza pi piani di realt e nella tendenza ormai dominante del teatro a rappresentare se stesso traduo Isabella T. Cardoso. A estudiosa tambm acrescenta: Como Abel, Barchiesi considera desvantajoso o uso do termo pea-dentro-da-pea, por esse se limitar a descrever um recurso dramtico, enquanto metateatro representaria una drammaturgia estremamente sfumata e complessa (uma dramaturgia extremamente matizada e complexa).. 26 Cf. Slater (1985: 103): theatrically self-conscious theatre, theatre which is aware of its own nature as a medium and capable of exploiting its own conventions and devices for comic and occasionally pathetic effect. 27 Cf. Slater (1985: 118): Plautine theatre is not mimetic in conception it is metatheatrical. Plautus does not imitate life but a previous text. Whether that text came to him in written form or through the performances [...] the narrative elements of most if not all of his play preexisted as text..

  • 11

    Cesila (2008: 49) e consideraes de Conte & Barchiesi (1989), pode-se dizer que o autor

    escreve como o autor do modelo, tratando esse modelo como matriz gerativa: o imitador

    extrai do modelo certos traos, selecionando-os e individualizando-os, constituindo a matriz

    da imitao. Interpreta, assim, o modelo no como um texto exemplar, uma totalidade

    concreta, mas como um conjunto de traos distintivos, uma estrutura gerativa.28

    Retornando s observaes de Hornby (1986), num cotejo entre obras aparentemente

    realistas e outras que exploram as fices e irrealidades em sua forma e contedo, o estudioso

    afirma que nenhuma forma de drama ou teatro seria mais prximo ou distante da vida que

    outro: nenhuma pea, apesar de realista, reflete a vida diretamente: todas as peas,

    contudo, conquanto sejam no realistas, so dispositivos semiolgicos para classificar e

    mensurar a vida diretamente.29 Seria um pouco equivocada a assero de que poderamos,

    por meio de todas as peas no realistas, avaliar a vida, mas a impresso que o metateatro

    pode nos causar de que, em uma inverso da frmula, a vida imitaria a arte e esta ltima

    nos possibilitaria, portanto, uma reflexo e um raciocnio mais abstratos concernentes

    primeira. Porm, Hornby (1986) nos alerta de que o coeficiente de abstrao metadramtica

    proporcional ao reconhecimento, por parte dos espectadores, da aluso literria em si.30

    Partindo da expresso shakespeariana, usada por Leonel Abel, de que o mundo seria um palco

    de teatro (the world's a stage), Slater (1985), redirecionando-a e aplicando-a das obras de

    Shakespeare s de Plauto, afirma: se as comdias plautinas representam um mundo, o do

    proscnio em si, [...] a transformao da realidade ocorre s no teatro e por meios teatrais: o

    proscnio seu mundo.31 Podemos concluir, por sua vez, que, como comenta Franko (2013),

    cientes dessa natureza fictcia e da tradio da comdia palliata a que pertencem, os

    personagens plautinos reconheceriam sua origem fictcia e a temporalidade de sua existncia

    para agradar o pblico e nos convidarem para nos unirmos na diverso.32

    Nas palavras de Rosenmeyer (2002), a noo mais amplamente aceita associada ao

    metateatro a de uma pea reconhecer sua prpria condio ficcional e efetuar hermenuticas

    28 Cf. Conte & Barchiesi (1989: 94-5): una totalit concreta, ma un insieme di tratti distintivi, una struttura generativa, apud Cesila (2008: 49). 29 Cf. Hornby (1986: 14) no form of drama or theatre is any closer or farther from life than any other. No plays, however realistic, reflect life directly: all plays, however unrealistic, are semiological devices for categorizing and measuring life directly. 30 Cf. Hornby (1986: 88) The degree of metadramatic estrangement generated is proportional to the degree to which the audience recognizes the literary allusion as such. 31 Cf. Slater (1985: 140 e 148): If Plautine drama represents any world, that world is the stage itself [] the transformation of reality happens only in the theatre and through theatrical means. The stage is his world.. 32 Cf. Franko (2013: 42) In their self-awareness, Plautine characters recognize their fictive origins and their temporary existence to please the crowd, and they invite us to join the fun (cf. Moore, 1998).

  • 12

    de si mesma, examinando, julgando ou levantando questes sobre si, ou tratando de si mesma

    ou da tradio a que pertence, ou ento do teatro como um todo. Acrescenta tambm o

    estudioso: o que mais se destacaria nas ideias de metateatro e metafico seria a noo de o

    autor exercitar um controle sobre seu texto, por meio de experimentao formal e inovao

    crtica,33 deixando expostos seus mecanismos. Para Muecke (1986) uma ruptura da iluso

    revelaria uma ao como fictcia pela afirmao de uma realidade de outra fico, e a iluso

    nunca seria deveras rompida.34 Cardoso (2010) correlaciona a experincia que teramos ao

    assistirmos a um engano em cena experincia a que somos submetidos na apreciao de

    uma iluso esttica. Nas palavras da estudiosa, segundo a definio de W. Wolf, a iluso

    esttica se resumiria a uma representao imaginativa, sobretudo visual, de se entrar em

    determinados espaos do artefato, por assim dizer, de se re-centrar em seu mundo, e

    (co)experinci-lo como uma realidade.35 A estudiosa nos chama a ateno para o fato de

    que momentos de metateatro em Plauto fariam parte da iluso dramtica e, portanto, mais

    produtivo do que especular quanto a tal origem perceber o fascinante efeito ilusrio de

    passagens como tais na pea plautina: um deles, como demonstra G. Petrone, a hbil

    inverso da frmula engano teatro, que passa a equivaler a teatro engano.36

    Stephenson, atinente s observaes teatrais na obra do terico Sawomir wiontek,

    diz que, segundo wiontek, o teatro contaria com estrutura singular concernente aos

    caminhos comunicativos: em adio condio de apresentar atributos de um dilogo oral,

    o teatro tambm expressa caractersticas de um dilogo escrito. Alm de possibilitar a

    comunicao entre os personagens no mundo fictcio deles, o dilogo dramtico imita as

    palavras impressas em sua reiterativa funo de comunicao para algum que no participa

    do dilogo, algum que est excludo da original situao enunciativa, ou seja, para a

    33 Cf. Rosenmeyer (2002: 97 e 93): the most widely accepted notion associated with metatheater is that the play recognizes its own status as fiction and performs a hermeneutics of itself, examines or judges or raises questions about or is about itself or the tradition in which it stands, or about theater as a whole. [...] One of the salient points in the ideas of metatheater and metafiction is the notion that the author exercises a control over his text by means of formal experiment and critical innovation. 34 Cf. Muecke (1986: 220): breaking the illusion exposes this action as fictitious by asserting the reality of another fiction: the illusion is never really broken. 35 Traduo Isabella Tardin Cardoso apud Cardoso (2010: 106). 36 Cf. Cardoso (2010: 118). Aps oferecer exemplos e discorrer sobre como as ocorrncias metateatrais plautinas pressupem, em sua aparente ruptura da iluso, uma indicao de outras iluses, uma vez que os dilogos, previstos no texto dramtico, seriam estabelecidos entre atores encenando esse papel e uma pr-definida audincia, Cardoso conclui que reconhecer elementos da elaborao da imagem de teatro como engano na comdia plautina pode ajudar-nos, enquanto pblico moderno, a admitir a distncia entre a representao teatralizada do engano e uma mais ampla iluso dramtica da comdia de Plauto, a qual inclui o que poderia chamar hoje de iluso metapotica ou metadrama, cf. Cardoso (2010: 122).

  • 13

    audincia.37 wiontek analisa o dilogo dramtico e ressalta seu aspecto particular, de ser

    executado por um ator para outro, entre os personagens do drama, e endereado para

    algum de fora, aos olhos e ouvidos dos espectadores. O terico tambm imaginaria uma

    projeo dessa dupla funo do dilogo dramtico por meio de dois vetores comunicativos

    formando um eixo perpendicular, um partindo de um lado at o outro do proscnio (entre os

    personagens), e o outro traando um arco para alm do proscnio, do palco plateia.

    Stephenson ento cita o prprio wiontek para sintetizar a definio do terico sobre

    metateatro, e que pode ser entendida como a revelao do aspecto meta-enunciativo do texto

    dramtico em que o real destinatrio est localizado fora da situao onde algum encontra

    os participantes do dilogo. Consequentemente a expresso do dilogo direcionado a algum

    se torna simultaneamente uma expresso que visa a algum que um destinatrio externo,

    isto , para algum que se encontra fora da situao enunciativa. O aspecto meta-enunciativo

    , por conseguinte, uma marca de cada dilogo escrito. A ocorrncia metateatral surge quando

    os dois destinatrios (os eixos de comunicao) e os dois destinos da expresso que

    constituem um dilogo so revelados ou tematizados.38

    Podemos verificar tambm em Cardoso (2010: 109-110) que uma suposta ruptura na

    iluso dramtica tenderia a ser elogiada por seus efeitos de humor e como manifestao de

    certa conscincia da prpria teatralidade. No obstante se de modo direto ou indireto,

    provvel que, segundo a afirmao da estudiosa, Plauto pudesse contar com o

    conhecimento, por parte se seu pblico, do topos modernamente denominado theatrum

    mundi. Na comdia plautina, a partir das consideraes supracitadas de Sawomir wiontek,

    as ocorrncias metateatrais parecem ora avanar do proscnio em direo ao mundo fsico,

    em falas e referncias partindo do palco e direcionadas plateia, ora recuar para o interior

    do proscnio, incluindo a audincia no espetculo, ou descortinando a encenao e deixando

    37 Cf. Stephenson (2006: 117): in addition to presenting qualities of oral dialogue, theatre also expresses qualities of written dialogue. Beyond effecting communication between characters in the fictional world, dramatic dialogue mimics the printed word in its reiterative function of communicating to someone who is not a participant in the dialogue, someone who is at a remove from the original situation of enunciation, that is, for the audience. 38 Cf. Stephenson (op. cit.): wiontek envisions this dual function of dialogue as two communicative vectors forming perpendicular axes; one traversing the stage (stage-stage) and the other arcing past the proscenium (stage-house). [...] metatheatre can be understood as the revelation of the meta-enunciative aspect as dialogic text in which the true addressee is situated outside the situation where one finds the participants in the dialogue. Consequently, dialogic utterance addressed to someone becomes simultaneously an utterance aimed at someone else who is its external addressee, that is, to someone who finds himself outside the situation of enunciation. The meta-enunciative aspect is therefore a mark of each written dialogue. Metatheatricality appears when the two addresses (axes of communication) and two destinations of the utterances that constitute dialogue are revealed or thematized..

  • 14

    visveis seus mecanismos, em situaes em que o ator chama a ateno da plateia para a

    ficcionalidade e/ou artificialidade de objetos, gestos/acenos, e de situaes/acontecimentos

    em cena. Vejamos exemplos desses dois tipos de situaes metateatrais. Na pea plautina

    Aulularia, j no incio da pea somos inteirados da sovinice de Euclio, um senex auarus.

    Depois de descoberta a existncia de um pote de ouro escondido em sua propriedade, o velho

    se torna obsessivo, preterindo todos para ficar a ss e com seu dinheiro. Perante o sumio do

    ouro e a sensao de ter sido roubado, o velho entra em pnico e diz, endereando-se aos

    espectadores em uma ocorrncia metateatral, sem fugir iluso de que haveria uma pr-

    determinada audincia:

    .......................................................obsecro uos ego, mi auxilio, oro obtestor, sitis et hominem demonstretis, quis eam abstulerit. quid est? quid ridetis? noui omnes, scio fures esse hic complures, qui uestitu et creta occultant sese atque sedent quasi sint frugi. [...] tibi credere certum est, nam esse bonum ex uoltu cognosco (Aul. 715-19). ................................................Eu imploro a vocs, em meu auxlio, rogo e peo que e me revelem quem o homem que roubou os meus bens. Como? Por que riem? Conheo todos, sei que h ladres aos montes aqui, que se escondem em trajes distintos e se sentam como se fossem honestos. certo eu crer em voc, pois eu sei pela sua cara que uma boa pessoa.

    Por meio da metateatralidade da cena, como espectadores, somos includos na pea,

    ou, de certa forma, a linha que separa o proscnio da audincia passa a no existir e a pea

    se estende do palco plateia. Encontramos outro exemplo semelhante no prlogo da comdia

    Poenulus, e que ilustra bem a construo de uma camada de iluso em uma fala dirigida a

    uma audincia pr-definida. O ator que profere o prlogo solicita aos presentes que se

    sentem em seus assentos na plateia com boa vontade e graceja ao se referir queles que

    supostamente vieram de barriga vazia. Ele ento como que faz uma recomendao para que

    os famintos encham a barriga com as cenas cmicas.39 Temos uma referncia a um tipo de

    pblico, talvez de frequentadores poca plautina, embora fosse pouco provvel prev-los e

    encontrar sempre os mesmos espectadores, que parecem tipos, aos quais o prlogo se refere:

    39 Cf. sileteque et tacete atque animum aduortite, audire iubet uos imperator histricus, bonoque ut animo sedeate in subselliis, et qui esurientes et qui saturi uenerint: qui edistis, multo fecistis sapientius, qui non edistis, saturi fite fabulis (Poen. 4-9), Aquietem-se, faam silncio e prestem ateno, pede para que vocs ouam o imperador o cmico, e com boa disposio se sentem em seus assentos: aos que vieram com fome e queles com a barriga cheia, os que comeram, fizeram isso mais sabiamente que os demais, aos que no comeram, encham a barriga com as cenas cmicas.

  • 15

    scortum exoletum ne quis in proscaenio sedeat, neu lictor uerbum aut uirgae muttiant, neu dissignator praeter os obambulet neu sessum ducat, dum histrio in scaena siet. (Poen. 16-20) que nenhum prostituto velho se sente no proscnio, nenhum litor e seus porretes cochichem uma palavra sequer, nenhum lanterninha fique perambulando na frente da viso dos outros e nem conduza algum a seu assento enquanto o ator estiver em cena.40

    Algumas ocorrncias metateatrais podem exemplificar um movimento que se daria

    em direo ao proscnio, convidando-nos a participar do espetculo e/ou a conhecer os

    mecanismos da palliata. Na pea Captiui, na fala do personagem parasita-tipo, temos uma

    referncia a uma conveno: nunc certa res est: eodem pacto ut comici serui solent, /

    coniciam in collum pallium (Capt. 778-9), agora uma coisa certa: da mesma maneira que

    os escravos da comdia costumam fazer, vou ajustar o plio ao redor de meu pescoo.

    Tambm na Poenulus, em uma cena em particular, quando os personagens estariam

    conferindo as moedas de ouro dentro de um saco, nessa ocorrncia metateatral vemos um

    gracejo referente representao de um objeto em cena: aurum est profecto hoc, spectatores,

    comicum: / macerato hoc pingues fiunt auro in barbaria boues (Poen. 597-98), sem dvida

    ouro, espectadores, mas dos cmicos: com esse mesmo ouro bem modo os bois ficam

    gordos nos pastos do exterior. E temos uma observao quanto iluso e simulatio

    necessrias durante a atuao: uerum ad hanc rem agundam Philippum est: ita nos

    adsimulabimus (Poen. 599), na verdade, para que essa situao seja encenada, trata-se de

    moedas Philippus, e assim ns fingiremos. Teramos ocorrncias metateatrais em um

    comentrio encenao, a elementos do cenrio ou do enredo, em cenas em que os

    personagens espreita assistem s aes de outros (eavesdropping), os quais se

    encontrariam, portanto, em uma pea dentro da comdia. Restringem-se, entretanto, s obras

    plautinas as referncias a pessoas do mundo externo e a objetos situados fora do palco e

    comentrios sobre a encenao e o cenrio.41

    Papaioannou (2014) atenta para o fato de que em Terncio o auto-reconhecimento da

    teatralidade seria um tanto dominante no corpus de seis peas, porm, expresso de um modo

    40 Encontramos na sequncia uma recomendao jocosa: serui ne opsideant, liberis ut sit locus, / uel aes pro capite dent; si id facere non queunt, / domum abeant, uitent ancipiti infortunio (Poen. 23-25), que os escravos no se acerquem dos assentos, para haver lugares para os homens livres, ou ento paguem o valor pela liberdade de suas cabeas, caso no sejam capazes, vo para a casa e evitem uma desgraa em dobro. 41 Na comdia de Plauto Mostellaria, depois de enganar o senex, o seruus callidus por excelncia, maneira plautina, jocosamente comenta sua reflexo sobre o que o outro deveria fazer, incluindo referncias externas: si amicus Diphilo aut Philemoni es, / dicito eis, quo pacto tuos te seruos ludificauerit (Most. 1149-50), se voc for amigo dos comedigrafos Dfilo ou Filemo, diga-lhes de que maneira o seu escravo o enganou.

  • 16

    diferente, mais sutil e mais sofisticado quando se comparado com o que a crtica literria veio

    a definir como metateatralidade com base na arte plautina (e nas precedentes, como a de

    Aristfanes).42 Especificamente na comdia Andria, como veremos, as metateatralidades

    no revelam uma realidade por detrs das mscaras, da cenografia e da encenao. Em

    Terncio o metateatro parece funcionar de modo diferente, sem convidar a audincia a

    participar da pea, nem criar uma expanso da pea do proscnio em direo audincia. O

    comedigrafo se encontra na sucesso do teatro plautino e, como continuador e adepto do

    modus faciendi consagrado e que o comedigrafo consideraria inerente comdia palliata,

    as peas terencianas, por conseguinte, pressupem no apenas um conhecimento do efeito do

    metateatro, mas as implicaes e os resultados das ocorrncias metateatrais. O vocabulrio

    do engano nas falas de Simo na Andria de Terncio, a proximidade entre a sua linguagem e

    o jargo tcnico, expresso, sobretudo, pelos personagens trapaceiros em Plauto (serui callidi

    ou fallaces), evidenciaria que Simo (re)conhece as aes, armaes e ludbrios perpetrados

    pelos escravos: conhecimento proveniente certamente da tradio teatral cmica, e, portanto,

    tambm de Plauto.43 Como visto anteriormente, as rupturas plautinas da pretenso/iluso

    dramtica preveem uma construo de outra camada de iluso com a aparncia de realidade,

    e temos a impresso de que, no obstante a interao com a audincia, isso j estaria previsto

    no texto, apenas criando a impresso intencional de expanso da pea e/ou incluso da

    audincia no espetculo em andamento. As cenas de improviso, de espreita e de dilogo com

    os membros da plateia, conquanto paream fugir ao enredo e aos papis dos personagens,

    apenas reafirmam, contudo, uma proximidade com a audincia e amplificam a comicidade,

    tendo em vista a criao de efeitos nos espectadores, como a sensao de estarem mais

    prximos ou distantes do mundo dos personagens-tipo em cena: quanto mais irreal a situao,

    mais prximos das figuras e das aes em cena a audincia se encontraria perante o

    estabelecimento de um dilogo e de uma empatia com os personagens que amigavelmente

    nos tornam testemunhas e cmplices da irrealidade que ilude os outros personagens do drama.

    A comdia Andria de Terncio pressupe uma familiaridade com esses mecanismos e

    42 Cf. Papaioannou (2014: 99): self-awareness of theatricality is quite pervasive in the six-play corpus, but it is expressed in a different, more subtle and more sophisticated way when compared to what literary criticism came to define as metatheatricality on the basis of Plautus (and earlier, Aristophanes) artistry. 43 Cf. McCarthy (2004: 104): Simo expressa suas suspeitas contra Davo numa linguagem que chega a ser quase um jargo tcnico dos trapaceiros plautinos: sceleratus (trapaceiro), doli (tramoias) [] Ao faz-lo, Simo est tornando claro no s que est por dentro dos atos do escravo e dos truques dele, como tambm que sua fonte de conhecimento a tradio cmica. (Cf. Simo expresses his suspicions of Davos in the language that has come to be almost a technical jargon for the Plautine trickster: sceleratus, doli [...] In doing so, Simo is making clear not only that he's on to the slave and his tricks, but that the source of his knowledge is the comic tradition).

  • 17

    recursos para que as referncias sejam percebidas e se concretize uma relao intertextual

    ou, mais precisamente, seja facultada a jocosa e cmica subverso de valores da conveno,

    a fim de se frustrar as expectativas (fugindo quilo que os espectadores esperariam assistir)

    criadas a partir de experincias advindas do conhecimento de comdias precedentes.

    Ser profcuo para nossa compreenso da dimenso do metateatro em Plauto verificar

    ocorrncias na comdia Pseudolus, destarte, poderemos perceber como as metateatralidades

    plautinas no ocorrem amide sem um contato e uma comunicao com os espectadores. Em

    solilquio, elucubrando sobre o papel do poeta e a potencialidade enganosa da poesia (Pseud.

    401-05), na fala do escravo Psudolo vemos que o assunto da pea se torna o drama em si

    (Hornby, 1986), e seriam desfeitas as fronteiras entre a pea como arte circunscrita e a vida

    (Calderwood, 1971). Endereando-se ad spectatores, o escravo cogita a hiptese de prometer

    faanhas para entreter o pblico (Pseud. 562-65), espcie de reconhecimento de o teatro

    como meio de comunicao (Slater, 1985). A tematizao ou a revelao da fico ocorre

    s expensas da construo de novas camadas ilusrias (cf. Cardoso, 2010), e no haveria uma

    realidade, somente a construo ficcional daquilo que enganosamente seria considerado real

    (cf. Duarte, 2000). assaz interessante observar que, durante as supostas intimidades com a

    platia, teramos ocorrncias metateatrais segundo os comentrios de Stephenson (2006)

    sobre wiontek: a metateatralidade surge quando os eixos de comunicao e os destinos da

    elocuo so revelados e tematizados: o destinatrio ausente da comunicao, a audincia,

    indicado e mencionado, tambm transparece o destino do dilogo, entre personagens,

    porm aos espectadores, como se o drama se expandisse realidade dos ouvintes.

    Veremos como o que podemos denominar a fatalidade de um desfecho favorvel

    est presente na comdia Andria de Terncio, junto das insinuaes sobre supostas atuaes

    e situaes forjadas pelos personagens, tambm junto do vocabulrio do engano e de peas

    dentro da comdia mencionadas e encenadas. Conquanto desprovida de falas ad spectatores,

    exceto uma prxima ao final, o engajamento dos ouvintes , de certa forma, semelhante. A

    denncia da fico evidencia, todavia, outras fices, e no haveria uma realidade: h uma

    nfase na apresentao de situaes pouco provveis e de uma irrealidade non ueri simile

    que, contrariamente ao esperado pelo pblico e pelos personagens mais sagazes, torna-se ou

    revela-se algo concreto no mundo da comdia. Para a percepo de que a Andria de Terncio

    d continuidade a procedimentos plautinos de composio, resgata e se vale de elementos

    disruptivos como o metateatro, vejamos uma breve anlise da comdia Pseudolus.

  • 18

    O metateatro em ao

    Ocorrncias em Plauto e na comdia Pseudolus

    homines amplius oculis quam auribus... credunt, deinde quia longum iter est per

    praecepta, breue et efficax per exempla44

    No estudo da comdia latina, as diversas teorias e conceitos referentes ao metateatro

    e ocasionalmente a definies, em certa medida, equivalentes (metadrama ou metapea),

    aplicam-se a uma variedade de situaes, como a personagens dirigindo-se audincia, a

    indagaes acerca de mecanismos, do modus operandi da pea, de indumentrias, do cenrio

    e das aes em cena que se aproximariam ou se distanciariam do argumentum da comdia,45

    bem como ainda s ocorrncias de peas dentro da comdia, dentre outras. A polivalncia do

    termo metateatro facilita a identificao e o agrupamento das ocorrncias, qualquer que seja

    o critrio de seleo: segundo o estudo de Moodie (2007), a quantificao e a intensidade da

    da ocorrncia metateatral seria mensurada por meio da ruptura da pretenso dramtica.

    A escassez de evidncias, comentrios e testemunhos de eruditos da Antiguidade,

    bem como a distncia temporal e sociolingustica dificulta o esforo de apreenso acerca da

    recepo da fabula palliata e, sobretudo, das ocorrncias metateatrais poca da composio.

    Nossa interpretao , em geral, norteada por teorias modernas: a proeminncia do

    distanciamento no teatro pico de Brecht,46 o apelo empatia emocional e ao engajamento

    na iluso/encenao em Stanislavski,47 e a desconstruo e tematizao do espao cnico nas

    44 Os homens acreditam mais nos olhos do que nos ouvidos, portanto, extenso o percurso por meio dos ensinamentos, breve e eficaz por meio de exemplos (Sneca, Epstolas a Luclio. 6.5). 45 O metateatro na comdia palliata, objeto de nosso estudo, evidenciaria a artificialidade da encenao, rompendo a iluso por meio da transparncia da ficcionalidade dos mundos temporariamente criados em cena, e, por conseguinte, desse procedimento resultaria uma impresso de que na vida e na convivncia social interpretamos diferentes papis que requerem maior ou menor esforo para serem encenados por ns mesmos. Como observa Cardoso (2010: 114) a denncia da fico se evidenciaria s expensas da construo de novas camadas ilusrias, e citando Duarte (2000: 46) ela conclui: quando a iluso quebrada, o que se encontra no a realidade, mas uma segunda fico. Assim sendo, o efeito metateatral intencional e, sobretudo, uma criao do autor: embora parea fugir ao papel e ao roteiro, os personagens representam um segundo papel que prev uma interao com a audincia a fim de conquistar a simpatia do pblico. 46 Diz Brecht ([1964]/ 2005: 75 a 104) quanto ao distanciamento na estruturao de um teatro pico: o objetivo dessas tentativas consistia em se efetuar a representao de tal modo que fosse impossvel ao espectador meter-se na pele dos personagens da pea, portanto, a auto-observao praticada pelo artista, um ato artificial de autodistanciamento, de natureza artstica, no permite ao espectador uma empatia total. As condies necessrias para proporcionar um afastamento do espectador seriam: que em tudo que o ator mostre ao pblico, seja ntido o gesto de mostrar e a noo de uma quarta parede que separa ficticiamente o palco do pblico e da qual provm a iluso [...] tem de ser naturalmente rejeitada. 47 Stanislavski (1937: 57), contrrio proposta de Brecht, valoriza a empatia, a encarnao do personagem no ator, para uma impresso de realismo, diferente da atuao mecnica que utiliza esteretipos elaborados para substituir sentimentos reais. Para Marshall, a suposta polaridade que separa o que teatral do que

  • 19

    peas experimentais de Pirandello.48 Apesar da recente cunhagem do termo metateatro e

    em teorias modernas sobre o teatro, os textos remanescentes da comdia latina indicam que

    os autores reconheciam os expedientes metateatrais, como no comentrio comdia Andria,

    em que o gramtico lio Donato diz: commoui dixit apud se, ut spectator audiat, non senex

    (Ad Andriam 456, apud Demetriou 2010), eu o comovi, disse ele, consigo mesmo, para

    que o espectador o ouvisse, no o velho, referindo-se observao feita pelo seruus Davo

    em uma conversa com Simo, destinada e voltada a mscara do ator audincia.

    Cenas da comdia plautina Pseudolus, pea repleta de ocorrncias metateatrais,

    podem ser teis no entendimento da dimenso do efeito metateatral, bem como serviro de

    ponto de partida para nosso estudo, cotejando-as com cenas da Andria terenciana, de modo

    a observarmos as semelhanas e diferenas entre o metateatro em Plauto e em Terncio.49 De

    modo geral, na comdia plautina, particularmente na pea Pseudolus, as ocorrncias

    metateatrais que mais nos interessam so referentes s tramoias/armas e ao engano: quando

    um personagem se dirige ou no audincia e relata uma trapaa contra outro personagem.

    Cardoso (2010: 116 a 118) sintetiza o efeito de teatralizao do engano em Plauto observando

    que: o personagem inventor da tramoia se compara a um poeta; os executores (disfarados

    ou no) so tratados como atores. Vemos esses personagens mudarem de atitude, como que

    dramtico [Brecht e Stanislavski] prev que incomensurvel a apreciao intelectual da audincia quanto habilidade que ator tem na avaliao emocional da situao do personagem; ao contrrio, ambos os nveis de compreenso so mantidos ao mesmo tempo pela audincia. (Cf. Marshall (2000: 326) The supposed polarity that separates what is theatrical from what is dramatic [] assumes that an audience's intellectual appreciation of an actor's craft is incommensurate with an emotional appreciation of the character's situation. On the contrary, I believe both levels of awareness are maintained simultaneously by individual audience members). 48 Segundo observa Jestrovic (2006: 39): Pirandello nos apresenta o teatro dentro do teatro no formato da ironia romntica; [...] o dramaturgo coloca a audincia em uma situao ambgua, contemplando a teatralidade como uma metfora e cedendo ao mundo como se que a pea tem a oferecer. Esse procedimento desempenha uma inverso na fronteira que delimita o teatro e a vida, a iluso e a realidade, (Cf. Pirandello presents theatre within theatre in the form of romantic irony [] the playwright [leaves] the audience in a state of ambiguity between contemplating theatricality as a metaphor and indulging in the as-if world that the play has to offer. The process serves to shift the line between theatre and life, illusion and reality). 49 Na contramo de muitas teorias e estudiosos que enxergam em Terncio um retorno e uma adeso converso fiel de peas gregas como um autor tardio, em uma tradio j consagrada e existente h muito tempo e na qual procura se inserir por meio da prtica j consagrada pelos antecessores e/ou por meio de inovaes , atentemos para a apropriao de Plauto por Terncio, de modo que as metateatralidades na comdia Andria dependem de um (re)conhecimento de ocorrncias metateatrais nas peas plautinas. No ao acaso que reiteradamente Terncio frisa sua filiao a um cnone de autores que ele mesmo cria. Lemos no prlogo da Andria, alterando a polaridade do termo, fazendo de um vcio mencionado de modo pejorativo pelos rivais uma virtude de sua composio, Terncio dizer: uituperant factum atque in eo disputant / contaminari non decere fabulas (And. 15-6), criticam-no e discutem nisso o fato de no se dever contaminar as comdias. Valer-se da contaminatio implicaria uma anuncia a um modelo consagrado, pois redargi: qui quom hunc accusant, Naeuium, Plautum, Ennium / accusant quos hic noster auctores habet, / quorum aemulari exoptat neglegentiam, (And. 18-20), aqueles que o acusam, Nvio, Plauto e nio que acusam, os quais nosso poeta tem como autoridades, cuja negligncia o poeta prefere emular.

  • 20

    assumindo outro papel para si na comdia e no raramente os papis correspondem queles

    do acervo de personagens-tipo. Exemplos dessa troca de papis compreendem os serui callidi

    disfarando-se, amide fazendo referncia ao figurino (ornamenta) e passando-se por

    personagens da mesma pea; ou ainda um seruus comum, mediante uma necessidade, ora se

    torna um seruus currens (apressado), ora apresenta-se como callidus (manhoso). Retornando

    s palavras de Cardoso (2010), o efeito de ludbrio gerado nas peas dento da comdia

    plautina, na dissimulao elaborada por personagens plautinos, seria o equivalente iluso

    esttica a que so submetidos os espectadores. Passemos ento s ocorrncias metateatrais

    na comdia Pseudolus e observemos as implicaes e a dimenso do metateatro. Notaremos

    como as cenas metateatrais, contrariamente simples ruptura da iluso/pretenso dramtica,

    influenciam na trama modificando nossa percepo/interpretao da pea e instauram novos

    planos de iluso, por meio da suposta incluso da audincia, como cmplices dos ardis ou

    cientes do porvir, por meio da incluso da realidade externa na trama, em um movimento

    do teatro ao proscnio, bem como por meio do movimento de estender a trama na direo da

    plateia, como se a pea se expandisse do proscnio vida.

    O escravo Psudolo d incio pea plautina homnima, a comdia Pseudolus,

    questionando a taciturnidade e o estranho comportamento do adulescens:

    ...responde mihi: quid est quod tu exanimatus iam hos multos dies gestas tabellas tecum, eas lacrumis lauis, neque tui participem consili quemquam facis? (Pseud. 8-11)

    ...responde-me: por que voc, desanimado j durante muitos dias, traz consigo essas tabuinhas, banha-as com suas lgrimas e no faz de um qualquer seu comparsa em suas armaes?

    Depois de vrias interrupes comentrios sobre o aspecto da carta, o contedo e a

    forma: as letras que parecem garranchos ,50 finalmente o seruus procede leitura do

    contedo da carta: leno me peregre militi Macedonio / minis uiginti uendidit, uoluptas mea;

    50 Sem deixar escapar um ensejo para gracejar, Psudolo retarda a leitura das tabellae (a carta) em voz alta, e comea a tecer comentrios acerca da escrita cursiva da garota, criticando primeiramente a disposio, ut opinor, quaerunt litterae hae sibi liberos: / alia aliam scandit (Pseud. 23-24), na minha opinio, essas letras querem ter filhos: uma est montada sobre a outra depois a legibilidade: nisi Sibulla legerit, / interpretari alium posse neminem (Pseud. 25-26) a menos que uma Sibila venha a l-la, ningum mais capaz de decifr-la. A meno da Sibila, uma profetisa do deus Apolo, anteciparia a comparao da fala do escravo com um orculo de Delfos. Temos a indagao do jovem acerca do motivo de censurar tais tabuinhas graciosas escritas por uma mo graciosa, lepidis tabellis lepida conscriptis manu? (Pseud. 28). Ao final, o seruus pergunta se as galinhas teriam mos (habent quas gallinae manus?), ento, muito brincalho, ele argumenta: nam has quidem gallina scripsit (Pseud. 29-30), pois, de fato, uma galinha as escreveu.

  • 21

    / et prius quam hinc abiit, quindecim miles minas / dederat; nunc unae quinque remorantur

    minae (Pseud. 51-54), o rufio me vendeu a um soldado estrangeiro da Macednia, meu

    querido. Antes de sair daqui o soldado deu quinze minas, agora essas nicas cinco restantes

    me retm aqui. Depois de tentativas frustradas de reverter a venda, sem ter a que recorrer

    neque paratast gutta certi consili, (Pseud. 397), nem um bocadinho pronto de uma armao

    adequada , em um solilquio ou no que seria um dilogo consigo mesmo segundo Slater:

    tu astas solus, Pseudole. (Pseud. 394), est sozinho, Psudolo ,51 o escravo plautino ento

    sugere a seguinte possibilidade:

    sed quasi poeta, tabulas cum cepit sibi, quaerit quod nusquamst gentium, reperit tamen, facit illud ueri simile, quod mendacium est, nunc ego poeta fiam: uiginti minas, quae nusquam nunc sunt gentium, inueniam tamen. (Pseud. 401-05)

    Mas como um poeta, quando apanha essas tabuinhas, busca o que no existe em lugar algum, porm encontra, e torna algo verossmil aquilo que uma falsidade, agora eu me tornarei um poeta: as vinte minas que no existem em lugar algum, eu, porm, as encontrarei.

    A aparente reflexo sobre o suposto ofcio do poeta se revela um gracejo: depois de

    afirmaes de que o dinheiro certamente aparecer em referncias ao modus operandi da

    comdia palliata e ao xito do adulescens amans ,52 na falta de uma armao, o personagem

    pensa em assumir um papel semelhante ao que ele descreve ser o de um poeta. Ignoremos as

    noes poticas modernas do romantismo literrio no pertinentes comdia palliata e s

    obras da Antiguidade em que imperava o conceito de aemulatio, imitao ou criao

    51 Cf. Plauto Epidicus: quo in loco haec res sit uides, / Epidice: ... neque ego nunc quo modo / me expeditum ex impedito faciam, consilium placet. (Ep. 81-2 e 85-6), veja a que ponto chegou essa situao, Epdico ... nem uma maneira de fazer desvencilhar-me desse empecilho, nem uma armao que me agrade. Slater (2000: 19 a 28; 104 a 110) considera a cena acima um dilogo entre o ator e a mscara (as a dialogue between the player and his mask): aps debater consigo mesmo, adotaria o papel (role) do seruus callidus at o final da pea, excetuando quando assume a funo de um escravo apressado (seruus currens). Psudolo, menciona o estudioso, necessitaria do poder potico (he needs poetry) e de suas fices semelhantes realidade (and the power of its truth-seeming fictions), e, tal como um poeta, ele necessita de um enredo (argumentum) e tambm de um ator versado ao qual confira um papel, aes, falas e aes em cena. 52 Diversas referncias metateatrais sinalizam o habitual triunfo do seruus callidus e o final sempre favorvel ao jovem amante da pea.

    Psudolo age em prol da causa do adulescens e lhe promete ajuda: spero alicunde hodie me bona opera aut hac mea / tibi inuenturum esse auxilium argentarium. / atque id futurum unde unde dicam nescio, / nisi quia futurum est (Pseud. 104-107), espero que hoje de algum lugar, graas boa ateno ou a essa minha habilidade, esse auxlio monetrio ser encontrado para voc. Porm, no sei dizer onde e de onde surgir, exceto que surgir. Aps o excerto sobre a funo do poeta, j descartada a hiptese de se tornar um poeta, quanto obteno das minas para aquisio da moa, o seruus diz que: atque etiam certum, quod sciam, / quo id sim facturus pacto nil etiam scio, / nisi quia futurumst (Pseud. 566-68), alm disso, certo que eu saiba, mas eu no sei nada sobre a maneira como isso possa acontecer, a no ser que acontecer.

  • 22

    segundo os padres do gnero com vista superao do modelo e insero em uma prtica

    consagrada da tradio literria e verificaremos uma comicidade: sob uma premissa de uma

    liberdade potica total que possibilitaria ao poeta imaginar, inventar, escrever e, por meio do

    registro grfico (ou de uma fala recitada em cena), criar um objeto ou uma situao, Psudolo

    estaria possivelmente nos enganando ao fingir enganar a si mesmo, uma vez que mencionou

    a inevitabilidade do surgimento do dinheiro, o que se deve tanto ao que prev a carta (i.e., o

    retorno do soldado e a possibilidade de engan-lo)53 quanto ao fato de se tratar de uma

    encenao de um texto criado a partir de um argumentum de uma comdia modelo grega.

    Apesar das referncias ao processo criativo e materialidade (tabulas cum cepit),

    imagem que poderia sugerir uma inspirao potica, corroborada pela assero de que o poeta

    procuraria (quaerit) criar algo inexistente (nusquam est gentium), o mbito permanece o da

    fabula palliata: o seruus callidus atenta para o processo criativo, insinua a hiptese de

    assumir o papel (officium) de um poeta e, maneira de um architectus, (re)escrever a pea,

    ou alterar o script (como um provvel porta-voz ou alter-ego de Plauto), porm nada

    acontece, embora no podemos ignorar as diversas demonstraes de versatilidade do seruus

    que, no decorrer da pea, assume diferentes papis.54 A reflexo do escravo, de que o poeta

    produz algo verossmil (facit illud ueri simile), a partir do que falso (quod mendacium est),

    poderia remeter-nos s referncias, desde Homero, potncia ficcional da poesia55

    Mediante o pedido do adulescens, aps gracejos e zombarias, Psudolo consente em

    ajud-lo (Pseud. 103-7), porm ambos fracassam na tentativa de convencer o rufio (leno) a

    53 interessante observar que, a despeito das diversas tentativas de se obter o dinheiro necessrio para a compra da moa, e o rufio aceitar vend-la para aquele que lhe trouxer primeiro o valor de vinte minas, apesar do acordo firmado com o soldado, ela quem daria as instrues para a elaborao da tramoia. Depois de alertar o adulescens que o leno a vendeu, ela diz na carta: ea causa miles hic reliquit symbolum, / expressam in cera ex anulo suam imaginem, / ut qui huc adferret eius similem symbolum, / cum eo simul me mitteret (Pseud. 55-58), por causa disso, o soldado deixou aqui um smbolo, uma imagem de seu sinete impresso na cera, para que aquele que trouxer um smbolo semelhante me levar de uma s vez junto dele. 54 O personagem Psudolo assume diversos papis, porm no chega a se disfarar por meio da troca de suas vestimentas, apenas recebe diferentes designaes. O senex da pea, o velho Simo, adverte o outro senex, amigo dele, de que o seruus fallax Psudolo: conficiet iam te hic uerbis, ut tu censeas / non Pseudolum, sed Socratem tecum loqui (Pseud. 464-65), acabar j com voc aqui usando palavras, como se voc achasse que conversa no com Psudolo, mas com Scrates. Aps ser comparado a Scrates, o escravo assevera que: quod scibo, Delphis tibi responsum dicito (Pseud. 480), o que saberei, h de ser-lhe dito tal como uma resposta do orculo de Delfos. Depois das referncias bem-humoradas a Scrates e ao orculo de Delfos, prximo ao trmino da pea o senex Simo diz: uiso quid rerum meus Vlixes egerit (Pseud. 1063), eu hei de ver quais foram as aes de meu Ulisses. Na sequncia o velho exclama: superauit dolum Troianum atque Vlixem Pseudolus (Pseud. 1244), Pseudolo superou o ludbrio dos Troianos e tambm Ulisses. 55 Segundo as Musas na Teogonia de Hesodo narrando a genealogia dos deuses: sabemos falar muitas mentiras semelhantes s verdades, (Theog. 27); ou conforme o verso de Calmaco possivelmente composto em referncia s Musas: que cantando eu crie fices para persuadir o ouvinte, . (Hymns 1 to Zeus, 64).

  • 23

    anular a venda da garota amada (Pseud. 241-335), tambm no uso da flagitatio, a fim de

    insultar e humilhar o leno (Pseud. 351-370), e a ineficcia se deve ao mau carter do rufio

    que ele prprio reconhece (Pseud. 371-75).56 Na sequncia do monlogo supracitado de

    Psudolo sobre o ofcio potico, em uma cena de espreita (eavesdropping), Psudolo

    primeiramente se inteira da precauo do velho em relao s aes do escravo non potest

    / argentum auferri (Pseud. 504-05), ele no conseguir tomar o dinheiro e, muito faceto,

    lana um desafio que se assemelha s imprecaes dos amos contra os escravos.57 Por fim, o

    escravo se enderea aos espectadores e tece a seguinte observao:

    suspicio est mihi nunc uos suspicarier, me idcirco haec tanta facinora promittere, quo uos oblectem, hanc fabulam dum transigam, neque sim facturus quod facturum dixeram. (Pseud. 562-65)

    Tenho a suspeita de que vocs esto suspeitando agora de que, por causa disso tudo, eu prometi todas essas faanhas a fim de entret-los, enquanto encenarei essa comdia, e eu nem haveria de fazer o que disse que estou para fazer.

    Novamente temos a impresso de que a pea no passa de um ensaio sobre o

    metateatro, e Psudolo estaria a todo momento se dirigindo audincia para inclu-la na pea,

    inteirando-a dos acontecimentos, dos mecanismos e do modus operandi de uma comdia

    palliata, ao mesmo tempo que, tornando-a tambm parte da pea, tentaria enganar os

    espectadores fingindo no ter um plano, referindo-se ao que ele afirma que decerto

    acontecer, ao passo que tenta semear dvidas quanto aos acontecimentos vindouros.58 Sua

    fala, mencionada acima, precede a chegada do personagem Hpax, que surge de sbito

    56 Psudolo e seu jovem amo adulescens procuram o rufio, oferecem-lhe alternativas algumas inviveis, como protelar a venda, algo que esse personagem-tipo, o auarus leno, recusaria de imediato , e de diversas maneiras tentam dissuadi-lo em vo. Perante a intransigncia do leno, a dupla recorre flagitatio, na tentativa de difam-lo publicamente com xingamentos: Pseudole, adsiste altrim secus atque onera hunc maledictis (Pseud. 357), Psudolo, posicione-se do outro lado e encha-o de palavres. A soluo parece surtir algum efeito, malgrado o leno considere ambos apenas bons na hora de falar (cantores probos. Pseud. 367), fazendo-o deliberar e ento decidir: quem trouxer primeiro a quantia de vinte minas comprar a moa. 57 Psudolo fala ao senex Simo: numquam edepol quoiquam supplicabo, dum quidem / tu uiues. tu mihi hercle argentum dabis (Pseud. 507-08), jamais, cus, suplicarei a ningum, enquanto ainda voc estiver vivo. Voc, por Hrcules, que vai me entregar o dinheiro. Aps a assero, e que alude maneira formular de os amos ameaarem os escravos (dum ego uiuo...), o escravo faz uma aposta: seruitum tibi me abducito, ni fecero. (Pseud. 520), que eu seja levado consigo como escravo, se no conseguir. Apesar da estranheza, o senex faz um gracejo: nam nunc non meu's (Pseud. 521), pois agora no mais meu [escravo]. 58 Em uma ocorrncia metateatral, Psudolo se enderea audincia e diz: in hunc diem a me ut caueant, ne credant mihi (Pseud. 128), para que no dia de hoje tomem cuidado comigo e no creiam em mim. O escravo tambm se enderea a seu velho amo Simo e dirige palavras semelhantes: iam dico ut a me caueas (Pseud. 511), agora digo para que tome cuidado comigo.

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    para possibilitar o plano de trapacear o leno e conseguir as minas e, por conseguinte, adquirir

    a moa antes do soldado, que tambm acaba sendo enganado, junto do amo e do rufio.

    Hpax, ajudante do miles, procura o rufio: erus meus miles ubi ille habitet leno, quoi

    iussit / symbolum me ferre et hoc argentum (Pseud. 596-98), o soldado, meu amo, indicou a

    localizao onde aquele rufio estaria morando, ao qual ordenou trazer esse smbolo e a quantia

    em dinheiro. Inteirado de quem seria o personagem e do provvel motivo da chegada dele,

    por meio dos detalhes da transao contidos na carta da amante (amica) do jovem, lida ao incio

    da pea, Psudolo percebe a necessidade de uma mudana de planos