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    22Mtodos em reabilitao neuropsicolgica*

    Gigiane Gindri

    Thirz Baptista Frison

    Camila Rosa de Oliveira

    Nicolle Zimmermann

    Tnia Maria Netto

    J. Landeira-Fernandez

    Maria Alice de Mattos Pimenta Parente

    Perrine Ferr

    Yves Joanette

    Rochele Paz Fonseca

    INTRODUO 1*

    A importncia da reabilitao neuropsicolgica como uma das intervenes possveisaps o diagnstico de dficits cognitivos derivados de quadros neurolgicos e/ou psiquitri-

    cos vem sendo cada vez mais abordada nas literaturas nacional e internacional. Correspon-de a complexo conjunto de procedimentos e tcnicas aplicados em busca de melhorar a qua-lidade uncional do paciente em seu cotidiano, luz de pressupostos tericos e abordagensmetodolgicas das neurocincias e reas afins. Esto envolvidos neuropsiclogo e pacien-te, demais profissionais da equipe interdisciplinar e cuidadores/amiliares. Neste captulo,procura-se revisar e refletir sobre aspectos histricos, pressupostos tericos e abordagensmetodolgicas da reabilitao neuropsicolgica, trazendo como ilustrao o planejamentode um programa de reabilitao de componentes comunicativos.

    ASPECTOS HISTRICOS DA REABILITAO NEUROPSICOLGICA

    O interesse pela reabilitao tem origem na Antiguidade, sendo que com o incio daIdade Moderna teve tambm origem o interesse pelo estudo sistemtico do sistema nervoso.Por exemplo, Andreas Vesalius (1514-1564) publicou um tratado com cerca de 700 pginassobre anatomia humana, grande parte era dedicada ao crebro. Suas dissecaes e investi-

    * Agradecimentos aos omentos de pesquisa da Fundao de Amparo Pesquisa do Rio Grande do Sul [Fapergs (editalARD)], do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e ecnolgico [CNPq (edital Humanas)], da Fundao deAmparo Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e do CNPq (JLF).

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    gaes neuroanatmicas resultaram em uma srie de desenhos que permanecem ainda hojecomo uma das melhores ilustraes nessa rea. O interesse pela neuroanatomia ez comque a teoria ventricular proposta por Galeno osse contestada, passando ento as dierentes

    estruturas cerebrais a ocupar lugar de destaque no controle das unes mentais.Durante o sculo XIX, grande quantidade de pesquisa tentou estabelecer possveis re-

    laes entre unes mentais superiores e estruturas cerebrais. Este tipo de pesquisa deuorigem a um dos debates mais intensos da histria da neuropsicologia, conhecido comoestrutura versusuno, e levou ormao de dois grandes grupos tericos rivais. De umlado encontravam-se os localizacionistas, que propunham que as dierentes unes inte-lectuais estariam associadas atividade de estruturas neurais especficas. Do outro lado,estavam os antilocalizacionistas, denominados holistas ou globalistas, propunham que ocrebro participaria como um todo na execuo das dierentes unes mentais.

    Franz Joseph Gall (1758-1828) deu origem a esse debate com a proposio da doutrina darenologia, termo criado por seu aluno e colaborador Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832).A renologia (do grego,frenos, mente) partiu do princpio de que dierentes regies cerebraisteriam unes mentais especficas. Para investigar tais relaes, o movimento renolgicodesenvolveu uma metodologia denominada cranioscopia, cujo propsito era o de descobrircorrespondncias entre caractersticas psicolgicas, tais como traos de personalidade ouhabilidades cognitivas, com salincias ou reentrncias especficas do crnio. O ato de noexistir nenhuma relao entre crnio e estruturas cerebrais, somadas alta de uma definio

    sistemtica das caractersticas mentais, ez com que a renologia casse em total descrdito.1

    Concomitantemente ao desmoronamento da renologia, surgiram vrios neurologistasque passaram a contestar a doutrina localizacionista proposta por Gall. Entre eles destacam--se Pierre Flourens (1794-1867) e Friedrich Leopold Goltz (1834-1902). rabalhando comleses cerebrais em animais perceberam que os prejuzos causados pela leso eram recupe-rados com o tempo. Alm disso, no havia associao direta entre a extenso da leso e osdficits motores. Esses resultados, portanto, no demonstravam nenhuma evidncia para alocalizao de estruturas neurais associadas a unes mentais especficas.

    Entretanto, a perspectiva localizacionista voltou cena. David Ferrier (1843-1928),

    calcado em experimentos anteriores realizados por Eduard Hitzig (1839-1907) e GustavFritsch (1838-1927), realizou uma srie de estudos com macacos, demonstrando que a es-timulao eltrica de determinadas reas corticais era capaz de ativar unes sensoriais emotoras muito bem localizadas no crtex cerebral.

    Alm dessas descobertas com animais, Pierre Paul Broca (1824-1880), aluno de JeanBaptiste Bouillaud (1796-1881), ervoroso deensor da renologia, ez uma descoberta emseres humanos que impulsionou de orma decisiva a perspectiva localizacionista. Ao empre-gar o mtodo anatomoclnico, o qual busca associar eventuais leses cerebrais avaliadaspostmortem a quadros neurolgicos avaliados durante a vida, em um paciente asico, Brocadescobriu, em 1861, uma estreita relao entre uma regio localizada na terceira circunvolu-o do giro rontal inerior esquerdo (rea de Broca) e aspectos motores da linguagem. Para

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    muitos, esta descoberta marca o incio da neuropsicologia.2Pouco tempo depois, em 1874,Carl Wernicke (1848-1905) identificou, na poro superior do lobo temporal esquerdo, area de Wernicke, relacionada compreenso da linguagem. ais achados ortaleceram a

    hiptese de que existem dierentes reas cerebrais, localizadas no hemisrio esquerdo, es-pecializadas para a execuo de unes lingusticas.

    Deensores da posio globalista ou holista da poca, como John Hughlings Jackson(1835-1911), Sigmund Freud (1856-1939) e principalmente Pierre Marie (1853-1940),questionaram essas concluses, postulando que a linguagem, graas a seu aspecto dinmi-co, no teria representao circunscrita ao crtex cerebral. De acordo com esta abordagem,a uno lingustica dependeria da ao integrada do crebro como um todo. Evidnciasexperimentais tambm levantaram crticas perspectiva localizacionista. Por exemplo, KarlSpencer Lashley (1890-1958), trabalhando com animais em situao de aprendizagem de la-

    birintos, concluiu que o crtex cerebral no apresenta nenhuma especializao na aquisiodesse tipo de aprendizagem. A esse princpio, Lashley denominou equipotencialidade, ouseja, qualquer rea cerebral tem a mesma potencialidade para executar determinada uno.Lashley cunhou tambm outro termo, denominado ao macia, para expressar a ideia deque a eficincia de determinada uno depende exclusivamente da quantidade de rea cor-tical recrutada para a execuo dessa uno.

    Em paralelo ao debate estrutura versusuno, ocorreram, tambm no incio do sculoXIX, as primeiras tentativas de auxiliar pacientes com leses cerebrais por meio de interven-

    es conhecidas hoje como tcnicas de reabilitao neuropsicolgica. Em 1833, JonathanOsborne descreveu um caso de um paciente asico que oi submetido a um procedimentosistemtico de repetio de palavras com objetivo de melhorar seu dficit lingustico. Esseprocedimento, denominado reeducao, partiu do princpio de que era possvel ensinar umapessoa a utilizar de orma mais eficiente uma uno residual que se encontrava prejudicada.Broca tambm empregou este tipo de reabilitao em pacientes asicos sem grande sucesso.Segundo ele, era mais dicil reeducar um asico para recuperar sua uno lingustica doque ensinar uma criana a alar. Entretanto, estudos clnicos subsequentes demonstraramque, alm de tcnicas que envolviam o treinamento progressivo e sistemtico de repetio

    de palavras, aspectos motivacionais que buscassem a iniciativa do paciente eram undamen-tais para o sucesso da reabilitao.3,4

    Os primeiros programas sistemticos de reabilitao neuropsicolgica surgiram na Ale-manha, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Walter Poppelreuter (1886-1939)e Kurt Goldstein (1878-1965) oram os principais precursores desses programas. Popelreu-ter oi responsvel pela publicao do primeiro livro sobre reabilitao neuropsicolgica(1917). Nesta obra, encontram-se descries de vrias intervenes empregadas com sol-dados que apresentavam distrbios de orientao visuoespacial. Entre essas intervenes,destaca-se a tcnica hoje denominada reabilitao vocacional, na qual o paciente com perdaou limitaes em certas habilidades, buscava adquirir uma nova atividade de trabalho eassim recuperar sua produtividade.

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    Goldstein, por sua vez, reconheceu a importncia do estado enomenolgico do pa-ciente para lidar com o que chamou de reao catastrfica.5Dessa orma, alm do oco nodficit em aspectos cognitivos, Goldstein chamou a ateno para as consequncias da leso

    cerebral sobre a personalidade do paciente. Aspectos sociais, especialmente aqueles relacio-nados capacidade do paciente de voltar s suas atividades profissionais, oi outra contri-buio significativa que Goldstein incorporou ao processo de reabilitao neuropsicolgica.

    Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) observou-se tambm grande avanona reabilitao neuropsicolgica. Nos Estados Unidos, teve incio o uso sistemtico e psi-cometricamente undamentado de testes neuropsicolgicos com o objetivo de auxiliar oprocesso de diagnstico de disunes cognitivas, bem como o de avaliar os progressos ob-servados ao longo da interveno neuropsicolgica. Durante esse mesmo perodo, Alexan-der Romanovich Luria (1902-1977), trabalhando no Hospital do Exrcito da antiga Unio

    Sovitica, dedicou-se pesquisa com soldados com leses cerebrais. Desses estudos surgiuuma srie de conceitos tericos que undamentam at hoje grande parte da rea de reabili-tao neuropsicolgica. Luria posicionou-se de orma intermediria em relao ao debateestrutura versus uno, opondo-se assim s perspectivas localizacionistas e antilocaliza-cionistas. De acordo com o seu modelo, o uncionamento normal do crebro depende detrs grandes sistemas uncionais que interagem de orma hierrquica e recproca. Leses emdeterminadas regies cerebrais levariam desorganizao aguda dos sistemas uncionais.Intervenes neuropsicolgicas, por sua vez, seriam responsveis por um processo de reor-

    ganizao desses sistemas uncionais. Nessa perspectiva, Luria desenvolveu tambm o con-ceito de adaptao uncional, em que uma habilidade j bem estabelecida pode ser utilizadapara compensar a perda de outra uno.

    Os perodos que seguiram s guerras mundiais aumentaram a demanda por reabilita-o de adultos que lutaram e apresentavam vrias sequelas decorrentes de leso cerebraladquirida. As equipes mdicas iniciavam a interveno de orma emprica e, aos poucos, osestudos oram progredindo, e a teoria pde evoluir com a empiria, no contexto de mudan-as tecnolgicas e de cuidado com a sade. Guerras mais recentes, envolvendo o Estado deIsrael a Guerra dos Seis Dias (1969) e a Guerra do Yom Kippur (1973) , fizeram com que

    novas perspectivas acerca da reabilitao neuropsicolgica pudessem surgir. Com o apoiodo Departamento de Reabilitao do Ministrio da Deesa de Israel, Yehuda Ben-Yishay,um aluno de Goldstein, empreendeu um programa de reabilitao neuropsicolgica comsoldados com traumatismo craniano. Como resultado desta experincia, Ben-Yishay, emIsrael, e Leonard Diller, em Nova York, deram incio a um programa inicialmente chamadotherapeutic milieu,6conhecido hoje como comunidade teraputica, que adota um modeloholstico de reabilitao. De acordo com esta abordagem, os aspectos emocionais e sociaiscausados pela leso cerebral, tal como preconizado por Goldstein, so levados em conside-rao no planejamento da reabilitao. Dessa orma, reorientao/reabilitao vocacional,psicoterapia em grupo com amiliares e outros pacientes, alm de treinamento cognitivo,so tcnicas comuns nessa abordagem.

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    Atualmente, a reabilitao neuropsicolgica encontra-se em estgio de proundo cres-cimento. cnicas de interveno utilizadas por todo o mundo esto cada vez mais ampa-radas em slido e rigoroso processo de diagnstico graas ao crescente desenvolvimento

    de instrumentos que permitem a avaliao cuidadosa de dierentes sistemas cognitivos,emocionais e motivacionais. A origem e o aprimoramento de novas tcnicas de neuroima-gem uncional tm possibilitado tambm o entendimento jamais antes imaginado acercada relao entre uncionamento cerebral e atividade mental. Nesse esprito interdisciplinar,a rea da reabilitao neuropsicolgica vem desenvolvendo novos parmetros intelectuaisque undamentam cada vez mais a atividade clnica.

    A teoria e a prtica so parte da reabilitao que precisam ser congruentes. A base deconhecimentos deve ser aplicada para que se consolide cada vez mais como uma cincia.Hoje, a reabilitao tem base terica slida que sustenta a prtica e os recursos de evidncia

    dos seus eeitos so promissores. Dessa orma, ensaio e erro podem ser evitados.

    PRESSUPOSTOS TERICOS DA REABILITAO NEUROPSICOLGICA: PLURALIDADECONCEITUAL

    A reabilitao neuropsicolgica pode ser conceituada de vrias ormas, podendo serdefinida como um processo ativo de educao e capacitao, ocado no manejo apropriadode alteraes cognitivas adquiridas. O objetivo obter o melhor potencial sico, mental e

    social do indivduo, para que esse possa remanescer ou integrar-se em um meio social.7

    Des-se modo, a reabilitao neuropsicolgica almeja otimizar a mxima adaptao do unciona-mento cognitivo, comunicativo e comportamental de pacientes com alteraes uncionaisconsecutivas a um dano neurolgico ou psiquitrico.8,9 Durante esse processo, importanteo raciocnio clnico com o intuito de promover a manuteno das unes total ou par-cialmente preservadas para o ensino de estratgias compensatrias, a aquisio de novashabilidades e a adaptao s perdas permanentes.10,11De acordo com Wilson,12reabilitaocognitiva reere-se qualquer estratgia de interveno ou tcnica, que torne clientes oupacientes e suas respectivas amlias capacitadas a conviver, manejar, ultrapassar, reduzir ou

    aceitar dficits cognitivos causados por leses cerebrais.Ainda, cabe enatizar que a reabilitao neuropsicolgica mais ampla do que a reabi-

    litao cognitiva, pois alm do interesse em melhorar as capacidades cognitivas, tambmenatiza os aspectos emocionais, psicossociais, comportamentais e sicos, que possam estardeficitrios aps a leso cerebral.13Mesmo rente a esta dierena conceitual e de alcance,muitas vezes reabilitao neuropsicolgica e cognitiva so consideradas sinnimas.

    Mais especificamente, a reabilitao neuropsicolgica cognitiva por definio reere-seao uso de modelos do processamento normal como base para interveno. ais modeloscontribuem como base para o desenvolvimento de tcnicas de avaliao, assim como paradefinir o oco e mtodos especficos de tratamento.14Isso porque as associaes e dissocia-

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    es entre componentes cognitivos devem ser identificadas na avaliao neuropsicolgicapara guiar o raciocnio clnico de planejamento teraputico.

    Em casos em que no haja um quadro neurolgico ou psiquitrico causador de dficits

    cognitivos, o processo de interveno conhecido como habilitao, que est relacionada aquisio e ao desenvolvimento de habilidades perceptivas, lingusticas, motoras, entreoutras. Dessa orma, no mbito da neuropsicologia, a habilitao prope-se a auxiliar naaquisio e no desenvolvimento de habilidades que no oram ainda adquiridas pelo indiv-duo ou que se encontram com desempenho raco em suas tareas dirias rente demandado ambiente.

    A habilitao neuropsicolgica, geralmente, relacionada a crianas e jovens, poisacometimentos congnitos (pr, peri ou neonatais) podem comprometer a aquisio e odesenvolvimento de dada uno cognitiva, comunicativa e/ou comportamental. Assim, a

    interveno peditrica destina-se, muitas vezes, habilitao de unes no desenvolvidas,da o termo habilitar, em contraposio recuperao de unes aetadas tardiamente emadultos por leses adquiridas, reabilitar. No entanto, deve-se salientar a demanda crescentena ase adulta na clnica neuropsicolgica: necessidade de melhorar unes como mem-ria, componentes executivos, ateno e comunicao para maior desempenho laboral, aca-dmico, entre outros contextos.

    A reabilitao neuropsicolgica um termo que vem se consolidando no Brasil. Noentanto, em nvel internacional, mesmo que esta nomenclatura esteja sendo bastante usa-

    da, sendo inclusive nome de peridico cientfico (Neuropsychological Rehabilitation), mui-tas revises tericas e estudos empricos so ainda encontrados com dierentes descritores.Destacam-se os termos associados a cognitivo(a) ou neuropsicolgico(a): reeducao,readaptao, (re)treinamento, interveno, terapia, tratamento, remediao, entre outros,como pode ser visto em revises sistemticas sobre reabilitao,15nem sempre representan-do abordagens similares. De modo geral, todo o processo de interveno neuropsicolgicaem nvel tercirio de sade baseia-se no conhecimento da plasticidade cerebral ou neural.

    Pressuposto terico neurolgico: plasticidade cerebral

    Na dcada de 1970, o advento dos estudos de neuroimagem, especialmente da ressonn-cia magntica uncional (MRI), contribuiu significativamente para a melhor compreensodos enmenos plsticos que ocorrem no crebro no desenvolvimento normal e em quadrosneuropatolgicos. Atualmente h melhor compreenso dos mecanismos neurais que unda-mentam as tcnicas e as abordagens que a neuropsicologia utiliza para reabilitar pacientescom leso cerebral. Antes das cada vez mais reconhecidas pesquisas atuais com dados sobrea eficcia da reabilitao neuropsicolgica com base em evidncias,16os estudos de plastici-dade cerebral oram introduzidos na neuropsicologia como um alicerce para a comprova-o por meio de bases biolgicas da prtica em reabilitao neuropsicolgica.17

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    O enmeno de plasticidade cerebral, neural ou neuronal pode ser caracterizado comoa capacidade do sistema nervoso central em adaptar-se em resposta a mudanas ambientais,da experincia, do comportamento ou de algum acometimento cerebral de modo dura-

    douro,18,19

    seja uma leso ou uma disuno. Em casos de patologia neurolgica, pode serdefinido como a capacidade de reorganizar-se fisiologicamente e responder uncionalmenteaps algum quadro adquirido de orma sbita acidente vascular ou isqumico e traumatis-mo cranioencelico (CE), por exemplo] ou progressiva (esclerose mltipla, por exemplo).Mais que isso, a plasticidade acompanha o desenvolvimento neurolgico durante todo ociclo vital. Estudos de neuroimagem recentes vm demonstrando que adultos idosos ativamreas cerebrais distintas quando comparados aos jovens em algumas tareas, mantendo, noentanto, o mesmo desempenho.20,21A reorganizao observada nas ativaes de reas cere-brais durante o envelhecimento normal um exemplo claro do mecanismo plstico natural

    do crebro em desenvolvimento.Kleim e Jones22propuseram dez princpios da plasticidade cerebral relacionada expe-

    rincia:

    1. A utilizao das redes neurais essencial para a manuteno da uncionalidade.2. O treino de determinada uno cerebral provavelmente a ortalecer.3. A plasticidade cerebral pode ser restrita uno treinada, dependendo da abordagem

    teraputica utilizada.

    4. O treino repetido de tareas necessrio para que a plasticidade ocorra.5. A intensidade do treino deve tambm ser observada para a induo da plasticidade.6. O tempo uma varivel importante na plasticidade cerebral, pois a intensidade e a du-

    rao do resultado comportamental e do que acontece fisiologicamente no processo deplasticidade maior quanto mais prximo do perodo ps-leso or iniciada a reabilita-o cognitiva.

    7. O programa de reabilitao deve ser envolvente, ou seja, deve ter significado para o pa-ciente, para que as inormaes sejam mais bem codificadas.

    8. A idade do indivduo em processo de reabilitao tem influncia na plasticidade, sendo

    que quanto mais jovem o indivduo, mais acilitada ser a estimulao da plasticidadecerebral.

    9. O enmeno da transerncia ocorre quando a estimulao de certo substrato neuralpromove melhoras em outras vias neurais, ou seja, quando o treinamento de uma habi-lidade unciona como um acilitador para a melhora de outras habilidades.

    10. O enmeno da intererncia caracterizado quando algumas reas do crebro so es-timuladas a partir da interao com o ambiente ou de maneira artificial e impedem queoutras reas se beneficiem do processo. Um exemplo claro em reabilitao neuropsicol-gica quando pacientes adquirem, aps a leso, estratgias compensatrias pouco efica-zes para suas dificuldades, prejudicando durante a terapia, a aprendizagem de estratgiasnovas e mais eficazes.

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    ais princpios reoram a dierenciao entre plasticidade cerebral positiva e negativa.Segundo Vance e al.,23a neuroplasticidade positiva ocorre quando as mudanas morolgi-cas e uncionais cerebrais aumentam a reserva cognitiva. Ao contrrio, a neuroplasticidade

    negativa se d quando tais mudanas cerebrais adaptativas acarretam diminuio da reservacognitiva. Por reserva cognitiva entende-se o conjunto de recursos de processos cognitivose redes neurais subjacentes ao desempenho em tareas que possibilitem ao indivduo, apsuma leso cerebral, melhor manejar as consequncias e possveis limitaes decorrentesdo acometimento neurolgico.24Inmeros atores contribuem para a reserva cognitiva, taiscomo alta e qualificada escolaridades, alta requncia de hbitos de leitura e escrita, sistem-tica e prolongada realizao de atividades sicas, entre outros. Em relao aos conceitos deneuroplasticidade e reserva cognitiva, encontra-se o enmeno de transerncia.

    Princpio da transferncia

    De acordo com a literatura, o eeito de transerncia tem sido apontado como um dosprincipais objetivos em intervenes cognitivas. Esse eeito ocorre quando um domniocognitivo, tarea ou habilidade no treinadas durante uma interveno, melhora como re-sultado do treinamento de outro domnio, tarea ou habilidade.25Dois principais enmenosde transerncia so mencionados na literatura:

    De domnios cognitivos, com desempenho mensurado por tareas ou testes, em quea transerncia caracterizada pela melhora secundria no prevista no desempenhoem provas de praxias construtivas aps a realizao de um treinamento de memria detrabalho, por exemplo.

    De comportamentos uncionais, em que em medidas de outcome ou de cognio un-cional, por escalas, inventrios ou questionrios sobre comportamentos bem-sucedidos,como retorno ao trabalho e reintegrao social, treinamentos ormais geram eeitos demelhora de tareas do cotidiano no especificamente treinadas.26

    At onde se sabe, ainda no existe um consenso exato sobre o significado do termotranserncia, que muitas vezes tem sido empregado como sinnimo de generalizao.26-28No entanto, observa-se que a literatura tem acordado que ambos os termos relacionam-se orma pela qual a prvia aprendizagem aeta as novas. Vale apontar que para atingir um dosobjetivos de maior importncia em um programa de reabilitao neuropsicolgica resta-belecer a sade e a mxima independncia uncional possvel do paciente no dia a dia necessrio que haja transerncia de tareas treinadas no contexto clnico para o cotidianode demanda cognitiva real.29

    Desde 1901, o eeito de transerncia comeou a ser estudado por Torndike e Wood-worth, que j observavam que o treino de uma tarea causava aprimoramento em outra notreinada.25Nesse contexto, esses autores levantaram a hiptese que para ocorrer eeito de

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    transerncia necessrio que as redes ou reas cerebrais das tareas treinadas e no treina-das se sobreponham.30Vrios estudos recentes, com o objetivo de verificar essa explicao,tm utilizado dados de tcnicas avanadas de neuroimagem, procurando identificar princi-

    pais processos cognitivos que possam ser treinados, obter eetiva transerncia e comparti-lhar os mesmos processos cerebrais subjacentes.31

    Os resultados de estudos que mensuram a transerncia no so consensuais, ora de-monstrando-a, ora apresentando apenas resultados positivos dos componentes cognitivosdiretamente treinados. Pesquisas na rea da psicologia cognitiva e educao tm mostradoque, embora o desempenho em tareas treinadas possa melhorar substancialmente, a trans-erncia dessa aprendizagem para outras tareas ou domnios no treinados ainda escasso.32No estudo de Jaeggi et al.,33evidncias de transerncia oram apresentadas, mesmo quando atarea treinada memria de trabalho oi totalmente dierente da no treinada intelign-

    cia fluda. Os autores concluem que possvel aprimorar inteligncia fluda sem trein-la es-pecificamente, sugerindo grande possibilidade e variedade de aplicaes. Em contrapartida,aps o treinamento de cinco semanas do componente das unes executivas updating, queenvolve regies cerebrais estriatais, oram encontradas evidncias de transerncia apenasparciais. Houve melhora do desempenho na tarea N-back, que mensura componentes damemria de trabalho e inibio, confirmada por reorganizao uncional observada em neu-roimagem uncional. Nesse estudo, porm, nenhuma transerncia oi observada nas habili-dades que no oram treinadas e que no tivessem correlatos neurais com regies estriatais.

    Esses resultados reoram a hiptese sugerida recentemente por Jonides30

    de que o eeito detranserncia s acontece se as tareas transeridas envolverem uma sobreposio de proces-samento dos componentes treinados e, pelo menos em parte, das mesmas regies cerebrais.34

    Embora esse enmeno esteja cada vez mais diundido na literatura, maior investimentoainda necessrio em busca de evidncias sobre a ocorrncia de transerncia, na medidaem que at o presente momento parece ainda no existir pesquisas suficientes apresentandoeste eeito.33Um dos mais importantes desafios para a pesquisa atual e utura nessa rea identificar ormas sistemticas de aprimoramento e replicao do eeito de transerncia.Uma das mais valorizadas estratgias para alcanar este desafio tem sido associar avalia-

    o neuropsicolgica dados de neuroimagem para identificar regies cerebrais ativadas eprocessos cognitivos em comum entre mltiplos domnios, os quais podero ser alvo deintervenes cognitivas uturas.31,34

    ABORDAGENS METODOLGICAS E TCNICAS DE REABILITAONEUROPSICOLGICA: PROPOSTA DE CLASSIFICAO MULTIDIMENSIONAL

    Atualmente existem diversos servios de reabilitao neuropsicolgica distribudos portodo mundo que utilizam tcnicas e abordagens ainda pouco discutidas na literatura quanto eficcia, validade ecolgica e potencial de generalizao para tareas e unes alm dastratadas. Diversas so as abordagens de interveno utilizadas para restabelecer as unes

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    cognitivas prejudicadas. Entre elas sero destacadas as mais utilizadas tanto no contextoclnico quanto experimental.35

    As abordagens e as tcnicas utilizadas na reabilitao neuropsicolgica podem ser ca-

    racterizadas de acordo com dierentes perspectivas. Este captulo apresenta uma propostade classificao multidimensional da reabilitao neuropsicolgica em relao a cinco pers-pectivas:

    1. Abordagem terica neurolgica de base.2. Nmero de indivduos tratados.3. Foco.4. Objetivo.5. Ponto de partida da interveno.

    Tipos de reabilitao quanto abordagem terica neurolgica

    Reorganizao funcional

    A reorganizao uncional no processo de plasticidade cerebral diz respeito s mudan-as neuroplsticas no crebro. De acordo com Graman,36existem quatro ormas de reorga-nizao uncional, conorme segue. Para melhor ilustrao desses processos em situaesclnicas, sugere-se consultar Tompson.37

    Adaptao da rea homloga: quando determinada regio do crebro lesionada, a mes-ma regio do hemisrio oposto se adapta para assumir a uno prejudicada. No entan-to, nem sempre esse processo eetivo, pois, s vezes, a regio lesionada (quando no porcompleto) pode impedir que o hemisrio contralateral assuma as unes prejudicadas.

    Redesignao entre unes: acontece quando o sujeito privado de inputsensorial e ou-tras habilidades acabam sendo potencializadas. Fisiologicamente, a rea privada de inputresponsabiliza-se pelo processamento de inormaes de outras habilidades sensoriais.

    Expanso do mapa cortical: o tamanho do mapa cortical (rea responsvel por determi-

    nada uno) pode variar de acordo com a estimulao a que submetido, aumentandono perodo de prtica e at diminuindo quando o aprendizado se torna explcito.

    Compensao mascarada: acontece quando uma nova estratgia utilizada para desem-penhar uma uno que est prejudicada, sem, no entanto, compens-la. chamadomascarado por poder ser confirmado apenas por meio de avaliao cognitiva detalhada,pois no se trata de uma compensao de uno, mas sim de estratgia utilizada.

    Compensao, adaptao e reaprendizagem

    A abordagem compensatria busca tratar ou amenizar as sequelas do dano cerebraldescritas como deficincias, inabilidades ou desvantagens conorme proposto pela Or-ganizao Mundial da Sade (OMS), em 1980, e reormulado em 2001,28,38,39com o objetivo

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    de minimizar o esoro do paciente diante do prejuzo cognitivo ocasionado pelos sistemasneuronais lesionados. Quando a uno no pode ser restaurada, utilizada a potencializa-o de dierentes mecanismos alternativos e/ou de habilidades preservadas.40

    Embora a restaurao da uno (ou parte da restaurao) seja possvel aps acometi-mentos neurolgicos, na maioria dos casos de dficits cognitivos, a reabilitao no alcanaessa meta. Nestes casos, Wilson38indica que seja ensinado ao paciente o uso de estratgiase tcnicas compensatrias como alternativa para alcanar objetivos. Pretende-se, assim,avorecer o desempenho mais satisatrio de comportamentos que dependam de unescognitivas deficitrias. O paciente passa, ento, a ser beneficiado por recursos externos a suacognio, que para atuarem recrutam tambm unes mais preservadas do encalo lesado.

    O uso de estratgias compensatrias uma tcnica amplamente utilizada na reabilitaoneuropsicolgica, atuando principalmente nos dficits mnemnicos, atencionais e execu-

    tivos. Inclui a utilizao de aparelhos eletrnicos pagers, computadores, alarmes eletr-nicos, relgios, gravadores, e recursos escritos e pictricos agendas, blocos e quadros deanotaes, calendrios, placas de sinalizao, entre outros. Essa tcnica torna possvel quepacientes que apresentam dficits cognitivos para aprender e relembrar inormaes consi-gam novamente organizar suas atividades dirias, seja planejando/lembrando de compro-missos ou a hora em que devem tomar suas medicaes.41,42

    Muitos atores podem influenciar no aproveitamento das tcnicas compensatrias. Demodo sucinto, indivduos que apresentam dficits ocais compensam de maneira mais sa-

    tisatria suas dificuldades do que aqueles com prejuzos em vrias unes. A idade do pa-ciente um preditor estudado, sendo que quanto mais cedo o adulto sore o acometimentoneurolgico, melhor o uso da compensao; entretanto, a varivel sexo no parece influen-ciar. Em complementariedade, os aspectos de sade geral e potencial cognitivo pr-mrbidoinfluenciam a reabilitao. Os pacientes com indicativos de sade positivos pr-acidentevascular encelico (AVE) e que pouco necessitavam de auxlio tm melhores chances, assimcomo aqueles sem deficincia intelectual prvia tm aproveitamento mais satisatrio daabordagem compensatria.38

    Assim, essa abordagem tem a vantagem de ser adequvel s necessidades de cada pa-

    ciente e contextualizadas ao seu ambiente. No entanto, caso haja troca de meio, o pacientefica sem este auxlio, o que uma desvantagem. Outro ponto negativo que para azer usodas estratgias so necessrias condies de aprendizagem, que requerem o uso de unescognitivas, como ateno e memria. Isso pode ser exemplificado em caso de pacientescom prejuzos de memria, pois eles podem ter dificuldades em usar apoios externos comocompensao, uma vez que requentemente no lembram de azer uso deles.27,38Modificara modalidade de interao do indivduo e estabelecer hbitos e atitudes so desafios quepermeiam a abordagem compensatria.

    Embora configure uma tcnica bastante conhecida, a adeso dos pacientes nem sempreocorre de modo cil. De acordo com um estudo de Abrisqueta-Gomez et al. 43pacientescom demncia do tipo Alzheimer demonstraram muita dificuldade em relao ao uso dos

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    suportes externos no programa de reabilitao em que estavam envolvidos. A dificuldaderesidia no treinamento em si e no tempo que era gasto para a aprendizagem de como ma-nusear esses suportes. Dessa orma, muitos pacientes acabavam abandonando tais meca-

    nismos. Pessoas com dificuldades cognitivas requentemente esquecem de anotar as inor-maes (em dirios ou outros meios de registros) e quando o azem tambm comum quese esqueam de acess-las. A dificuldade no restrita apenas aos mecanismos eletrnicos,pois suportes que envolvem apenas papel e caneta tambm podem ser utilizados de maneiradesorganizada. Dessa orma, a escolha desse tipo de tcnica deve ser bastante criteriosa parano causar rustrao ou embarao ao paciente por perceber que no consegue manusear oequipamento.42

    As modificaes ambientais, usadas muitas vezes em conjunto com as estratgias com-pensatrias, reerem-se s adequaes eitas no ambiente sico onde o paciente se encontra,

    buscando-se a reduo de dficits uncionais e comportamentais. Dessa orma, procura-setornar o meio mais seguro ao paciente, minimizando a superestimulao dos componentessensoriais, alm de modificaes direcionadas ao benecio de reas uncionais especficas,como a organizao do espao sico, adaptando-o s demandas de cada paciente. Prin-cipalmente em relao a dficits mnemnicos, atencionais e executivos, o ambiente deveconfigurar-se de modo que possa compensar dificuldades cognitivas.44Alguns exemplosde modificaes do ambiente podem ser a reduo da quantidade de objetos de um mesmocmodo para acilitar a busca de objetos-alvo; a utilizao de quadros de avisos espalhados

    pela casa; instrues de como manusear determinados eletrodomsticos; tareas cotidianasdescritas em locais de cil visualizao. Para averiguar o eeito das modificaes ambien-tais, deve-se promover a avaliao constante da eficcia e da manuteno das adequaesempregadas. Alm disso, o auxlio de amiliares e/ou cuidadores indispensvel para a me-lhor adeso e adaptao do paciente para essa tcnica.26

    No que concerne abordagem de adaptao, esta objetiva o avorecimento da (re)inser-o social e, quando possvel, retorno ao trabalho. Para tanto, so promovidas adaptaesno ambiente para evitar que problemas decorrentes dos dficits cognitivos ocorram e o indi-vduo continue suas atividades da maneira mais independente possvel. O prprio paciente

    pode adaptar aspectos de seu cotidiano, simplificando tareas, suprimindo a realizao dealgumas atividades ou mesmo realizando-as por mais tempo do que o usual.

    Outra abordagem tambm muito utilizada a de reaprendizagem. A possibilidade de(re)aprender novas inormaes ou reconsolidar inormaes antigas promissora para pa-cientes com leso neurolgica. A aprendizagem sem erro e a tcnica de aprendizagem pro-cedural so ormas de propiciar a (re)aprendizagem desses pacientes. Aprendizagem semerro: essa tcnica prope a eliminao da ocorrncia de erros por parte do paciente duranteo processo de aprendizagem.45Durante a realizao das tareas, ao perceber que o pacienteapresenta dificuldades ou no sabe como responder aos exerccios, pode-se oerecer as pos-sibilidades de respostas corretas, evitando-se que respostas incorretas sejam consolidadas.Dessa orma, permite-se que a aquisio de novas inormaes no se associe a sentimentos

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    de estresse e rustrao.44 medida que se evitam respostas por ensaio e erro, espera-se queas inormaes possam ser processadas de orma mais organizada, com armazenamentomais eetivo.46Entre as tcnicas de reabilitao utilizadas, a aprendizagem sem erro a mais

    empregada, muitas vezes em combinao com outras tcnicas para potencializar os resulta-dos.47No entanto, sua eficcia tem sido questionada por alguns autores.45,47

    Em um estudo dirigido por Metzler-Baddeley e Snowden,47um grupo de pacientes comdemncia do tipo Alzheimer oi submetido a um treino de memria baseado na tcnica deaprendizagem sem erro e outro grupo de pacientes participou de um treinamento mnem-nico que incentivava a ocorrncia de erros durante as tareas. Os resultados demonstraramque ambas as tcnicas apresentaram resultados significativos para a melhora dos dficitsmnemnicos tanto para contedos amiliares quanto novos. Apesar das crticas, inmeraspesquisas continuam a apresentar resultados positivos em relao a essa tcnica. Abrisque-

    ta-Gomez et al.,43em um estudo conduzido tambm com pacientes com Alzheimer, obti-veram resultados positivos em relao a dficits mnemnicos aps a administrao dessatcnica.

    A tcnica de aprendizagem procedural busca utilizar resqucios mnemnicos implcitosprocedurais para a reabilitao de atividades da vida diria. O tratamento aborda aspec-tos motores das tareas que so realizadas cotidianamente, j amiliares ao paciente e quevariam na complexidade, como usar o teleone, cozinhar e dirigir.48Consolida-se, assim,mediante a repetio, possibilitando que algumas aes sejam realizadas, aps determinado

    tempo, de orma no consciente. Como a memria implcita requentemente est preser-vada em pacientes neurolgicos, possvel que estes, diante de graves dficits de memriadeclarativa consigam aprender capacidades e procedimentos novos que no poderiam ad-quirir de outra orma.44

    Tipos de reabilitao quanto ao nmero de indivduos

    O processo de reabilitao pode ser conduzido com um nico paciente, em grupos compoucos ou muitos pacientes. Nesta subseo so apresentadas, de maneira breve, as princi-

    pais questes a serem analisadas no planejamento de intervenes individuais, em pequenoe grande grupos.

    Reabilitao individual

    O processo de reabilitao neuropsicolgica individual tem como principal caractersti-ca ser personalizado, pois ocado nos objetivos que o paciente e os amiliares estabelecemcom o terapeuta. Apesar de a testagem neuropsicolgica ser essencial para o entendimentodos processos cognitivos subjacentes aos dficits uncionais, os objetivos estabelecidos noplano devem ter como base as dificuldades do dia a dia do paciente. O estabelecimento demetas claras avorece a adeso e a percepo do eeito do tratamento.49Assim, a avaliao do

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    resultado da terapia deve ser eita a partir dos objetivos propostos de melhora e no somentea partir da anlise de desempenho em testes.

    Um ponto a avor ao realizar a reabilitao neuropsicolgica individual que o pla-

    no teraputico pode ser mais flexibilizado de acordo com as preerncias do paciente. Porexemplo, se um paciente gosta de utebol as tareas de reabilitao podem incluir essa te-mtica, trazendo benecios motivacionais para o tratamento. Alm disso, ao contrrio daabordagem grupal, no atendimento individual, mais vivel um acompanhamento das ne-cessidades e pontos a serem mais trabalhados com cada paciente. Um ponto negativo queo tratamento individual no contempla a socializao necessria do indivduo com lesocerebral. O isolamento social e a alta de atividades so situaes requentes nessa popu-lao pelos poucos espaos que existem direcionados a ela na sociedade. al tendncia aoisolamento pode contribuir para a dificuldade de percepo dos dficits pelo paciente e,

    consequentemente, para o desenvolvimento de quadros depressivos.

    Reabilitao em pequeno e grande grupo

    Na literatura atual, existem trs tipos de grupo que podem ser realizados no contextoda reabilitao neuropsicolgica. O primeiro o grupo de psicoeducao, em que os par-ticipantes recebem inormaes sobre as patologias, dificuldades cognitivas, emocionais ecomportamentais relacionadas ao seu quadro. O segundo tipo de grupo o de treino cog-

    nitivo, ou seja, ocado nas tareas de estimulao cognitiva estabelecidas a partir de umplano teraputico. Finalmente, o terceiro o grupo ocado na resoluo de problemas ouna elaborao de planejamento de estratgias, sendo um momento de organizao e trocade experincia entre pacientes.50Na rotina clnica, havendo organizao, tempo e estruturasica, esses tipos de grupos podem ocorrer ao mesmo tempo.

    Em centros de reerncia internacionais, os grupos de reabilitao tm um tempo esta-belecido para ocorrer, como Evans51descreve, em encontros por 12 semanas, uma vez porsemana, por duas horas, o que parece ser um perodo adaptvel realidade brasileira. Sabe--se que em estudos com grupos, o tempo e/ou a requncia das terapias so muitas vezes

    ainda maiores, mas talvez no sejam viveis na maioria dos sistemas de sade.Para a realizao da reabilitao neuropsicolgica em grupo, independente de qual seja,

    alguns atores devem ser observados para o bom andamento do trabalho. Primeiramente,para grupos em que os pacientes so selecionados para participar, aspectos emocionais,cognitivos, comportamentais e sicos devem ser observados nesse processo de escolha. Porexemplo, no que concerne aos problemas emocionais, pacientes com labilidade emocional edisuno executiva grave, envolvendo aspectos cognitivos e comportamentais, podem pre-judicar o andamento do grupo medida que podem ter dificuldades de seguir um planeja-mento ou se manter na tarea. Em relao s dificuldades cognitivas, ressalta-se tambm quea presena de muitos estmulos no grupo pode no beneficiar pacientes com dificuldadesatencionais. Alm disso, em relao aos aspectos sicos, pacientes que utilizam cadeira de

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    rodas devem ter acesso acilitado ao local do grupo. Durante o trabalho em grupo, a adigados participantes deve ser analisada e importante que haja um profissional auxiliar quecuide de situaes de incontinncia urinria ou dor, por exemplo, pelo prolongado perodo

    na mesma posio. Limitaes relacionadas ao nvel de gravidade da ala, linguagem ou vozdevem ser observadas para que o paciente no se sinta deslocado no grupo. Os participan-tes que integrarem um grupo devem ter um nvel mnimo de uncionalidade nos aspectosdescritos, para que no prejudiquem o grupo e o grupo no o desmotive e o rustre com asdificuldades encontradas.52Apesar disso, as dierenas entre os participantes so esperadase podem contribuir para o fluxo de trocas de inormaes.51Em um grande grupo, sugere-seque haja mais de um terapeuta, que atue como acilitador de situaes, como em casos dedificuldade de iniciar ou manter a realizao de uma tarea. A presena de profissionais dereas afins da reabilitao (como onoaudilogo especialista em distrbios da comunicao

    e psiclogo) pode ser uma estratgia interessante. Ao iniciar o trabalho em grupo, todos osparticipantes devem primeiramente ser estimulados a reconhecer e respeitar as dificuldadesdos demais, at mesmo porque em geral um paciente auxilia o prximo.

    A quantidade de indivduos participantes uma varivel dicil de ser padronizada, masdeve-se considerar que a quantidade de desistncia dos participantes em grupos de cer-ca de 50% e depender de atores operacionais do local em que a reabilitao realizada.Quanto aos estudos empricos com grupos, parte agrupa participantes que realizaram pro-gramas de reabilitao individuais41,53,54e parte inclui indivduos que realizaram diretamen-

    te um programa grupal.55

    Nesses ltimos estudos, os nmeros variam de 10 a 25.Um ator atualmente apontado como importante na permanncia dos indivduos nosgrupos o cuidado que os profissionais coordenadores dos grupos devem ter com a ma-neira de expor questes e dificuldades dos indivduos com leso cerebral, o que pode gerardesconorto e aetar a autoestima dos participantes. Como a participao em grupo tem avantagem que os participantes encontram pessoas com dificuldades similares, os coordena-dores devem encorajar os participantes a alarem de suas situaes ou at mesmo convidarparticipantes que j fizeram parte do grupo para dar um depoimento. 52

    O critrio de participao no grupo de reabilitao pode ser a partir da patologia, a

    partir de uma dificuldade especfica ou de unes cognitivas especficas mais prejudicadas.Dessa orma, um grupo pode ser homogneo quanto s dificuldades cognitivas e heterog-neo quanto aos quadros neurolgicos, assim como o contrrio tambm pode ocorrer. Gru-pos de psicoeducao podem uncionar melhor quando os participantes so homogneosquanto ao quadro neurolgico. J um grupo de reabilitao ocado em tareas ou atividadespode ter um melhor andamento quando todos os seus componentes tm dificuldades cogni-tivas semelhantes. Alguns centros de reabilitao neuropsicolgica, como o Oliver ZangwillCenter, na Inglaterra, compem grupos quanto dificuldade cognitiva de ateno, mem-ria, comunicao, entre outros.

    Por fim, ainda h programas de reabilitao em grande grupo realizados em um sistemade cabines. Nesta abordagem, um ou mais terapeutas conduzem exerccios cognitivos com

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    cada caso na presena de coparticipantes, mas no em interao com estes durante toda asesso. de grande utilidade principalmente quando o grupo atinge um estgio em que seusparticipantes apresentam dierentes nveis de progresso teraputico.

    Tipos de reabilitao quanto ao foco da interveno

    Abordagem holstica

    A abordagem holstica busca trabalhar tanto os componentes cognitivos que se encon-tram prejudicados por causa de leso cerebral quanto os aspectos emocionais e psicosso-ciais advindos da ocorrncia do quadro neurolgico que podem influenciar na melhora dopaciente. Utiliza-se principalmente da conscientizao dos dficits do paciente, sendo claraa ideia de que componentes da personalidade e do estado emocional podem intererir no

    processo de reabilitao. Dessa orma, a insero da psicoterapia durante essa etapa ou acincia da influncia de componentes psicolgicos, independentemente da linha teraputi-ca, sendo a associao mais tradicional a terapia cognitivo-comportamental,56torna-se peaundamental para a compreenso da motivao e do engajamento do paciente no processode reabilitao neuropsicolgica.

    Prigatano57 um dos principais deensores dessa abordagem, postulando undamentosque guiam a reabilitao neuropsicolgica, sendo alguns deles: o terapeuta precisa conhecera experincia subjetiva do paciente em relao a sua patologia; o quadro sintomatolgi-

    co do paciente uma mistura de caractersticas cognitivas e personalidade pr-mrbidas;a reabilitao deve ocar tanto a remediao das dificuldades cognitivas quanto o manejodestas em situaes interpessoais; necessrio educar o paciente acerca da sua patologiapara que ele possa reconhecer seus eeitos diretos e indiretos em sua orma de pensar, de secomportar e de sentir; intervenes psicoteraputicas so importantes visto que auxiliamos pacientes a lidar com os dficits decorrentes do quadro neurolgico; o trabalho com pa-cientes neurolgicos produz reaes emocionais tanto nos amiliares quanto na equipe dereabilitao; cada programa de reabilitao deve ser dinmico.

    Como uma das poucas desvantagens desta abordagem, em vista de se caracterizar como

    um tipo de interveno que abarca aspectos mais amplos do que apenas os prejuzos cogni-tivos, torna-se tambm um tratamento mais dispendioso que as intervenes no holsticas.

    Abordagem no holstica

    A interveno no holstica est ocada principalmente na recuperao das habilidades cog-nitivas deficitrias aps um quadro neurolgico, no considerando necessariamente aspectosemocionais. Pode ser baseada tanto em treinos cognitivos especficos (como programas elabora-dos de memria de trabalho ou componentes comunicativos) quanto no uso de psicoeducao.

    Ressalta-se que esses dois mtodos no so excludentes, sendo bastante comum o em-prego de ambos durante a reabilitao. Embora um dos pontos negativos da abordagem no

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    holstica seja no abordar diretamente componentes emocionais decorridos aps quadroneurolgico, a psicoeducao auxilia a diminuir a ansiedade, tanto do paciente quanto dosamiliares, visto que ornece inormaes acerca da patologia cerebral e desmistifica pos-

    sveis crenas acerca da doena, como acreditar que o paciente jamais ter condies deretornar ao trabalho.

    Abordagem uni ou multimodal

    O tratamento neuropsicolgico pode ocar apenas um componente cognitivo (como aateno) ou pode procurar intervir em diversos componentes cognitivos em um mesmo pro-grama (ateno, memria e unes executivas, por exemplo). No entanto, embora os construc-tos sejam abordados de maneira independente, sabe-se que interagem entre si, influenciando

    o desempenho em determinadas tareas. Assim, mesmo que um terapeuta busque trabalharapenas atividades que estimulem componentes mnemnicos, deve estar ciente de que, durantea realizao dessa tarea, o paciente tambm recruta, por exemplo, habilidades atencionais.

    No que diz respeito ainda classificao de abordagens de reabilitao quanto ao oco,em associao s abordagens uni e multimodais, podem ser encontradas, tambm as abor-dagens top-down versus bottom-up. A top-down est mais relacionada multimodal e abottom-up unimodal.

    Abordagemtop-down ou bottom-up

    As abordagens bottom-upenatizam a remediao de dficits, enquanto as top-downeno-cam o desempenho deficitrio que aeta o cotidiano dos pacientes. Assim, os tratamentos combase na abordagem bottom-uppresumem que se unes cognitivas de base estejam desen-volvidas, aquelas mais metacognitivas se desenvolvero e, consequentemente, o desempenhovai melhorar. Em contrapartida, os tratamentos baseados nas abordagens top-downpartemda hiptese de que se estratgias cognitivas para melhora do desempenho orem estimuladascom base na demanda cognitiva ambiental, habilidades mais complexas sero desenvolvidas.58

    Em complemento, de acordo com Langhammer,59esta classificao de abordagens dereabilitao, com base na terminologia da linguagem computacional, tenta caracterizartambm como as estratgias de planejamento teraputico podem ser norteadas. A aborda-gem top-downnorteia esse planejamento a partir de um processo de compartimentalizaro grande conjunto de dificuldades em partes menores e tratveis. Dessa orma, pode serinterpretada como uma abordagem holstica que investiga a teoria de sistemas, ou seja, ummodelo que possibilita a anlise de um grupo de unes que trabalham em conjunto paraproduzir um resultado em comum.

    Quanto avaliao, a abordagem top-downinicia com o exame das habilidades cog-nitivas nas atividades do cotidiano em busca do entendimento dos atores subjacentes quepodem estar contribuindo para a ocorrncia do dficits, por meio de testes de desempenho

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    e cognio uncional (medidas de habilidades de vida diria, de qualidade de vida etc.). Poroutro lado, a abordagem bottom-upnorteia o tratamento a partir dos pequenos sistemas embusca da reorganizao dos sistemas maiores. Na avaliao, exames sicos e de unes cog-

    nitivas especficas so eitos para a compreenso diagnstica do dficit-alvo da reabilitao.Dessa orma, como ilustrao, na abordagem bottom-up, um paciente que tem habilidadeslingusticas escritas preservadas pode us-las para acilitar o desempenho mnemnico, en-quanto na abordagem top-down, um paciente que tem dificuldades de linguagem oral podeusar recursos lingusticos e estratgias internas para dominar uma comunicao alternativa.

    Abordagens de reabilitao quanto ao objetivo da interveno

    Frente necessidade de alcance de metas de curto, mdio e longo prazos no programa

    de reabilitao, dierentes abordagens quando ao manejo de estabelecimento de objetivospodem nortear o tratamento. A prpria alta pode ser acordada como uma meta a ser alcan-ada em longo prazo, definindo-se claramente os critrios com o paciente, seus cuidadores edemais profissionais da equipe. Assim, pode ser definida como critrio de alta a melhora dealgumas habilidades cognitivas, com base no desempenho neuropsicolgico esperado paraa idade e a escolaridade do paciente ou, ainda, no objetivo do paciente com a interveno,como conquista de um nvel de desempenho satisatrio para as suas atividades dirias.

    McMillan e Sparkes60propem quatro princpios para o alcance das metas no plane-

    jamento da reabilitao. Primeiramente, o paciente deve ser a reerncia na definio deseus objetivos. Em segundo, as metas estabelecidas devem ser razoveis ou alcanveis ecentradas nas caractersticas do paciente. Em terceiro, o comportamento do paciente deveser descrito quando um objetivo or alcanado. Finalmente, o mtodo a ser utilizado parao alcance dos objetivos deve ser coerente. Alm disso, as metas devem ser especficas e terprazo definido. Na maioria dos centros de reabilitao, as metas de longo prazo so aquelasque se esperam que o paciente seja capaz de atingir at o momento da alta do programa,enquanto os objetivos de curto e mdio prazos so os estabelecidos para etapas de tempomenor, em busca do alcance gradativo das metas de longo prazo. O acrnimo SMAR (do

    ingls specific, measurable, achievable, realistice timely) sintetiza a proposta de que os obje-tivos sejam especficos, mensurveis, realizveis, realistas e exequveis dentro de um tempoestimado para cada paciente.27Sugere-se realizar reavaliaes peridicas dessas metas.

    Objetivos de reabilitao quanto s caractersticas do quadro

    Na interveno em quadros sbitos, como AVE e CE, a interveno deve ser iniciadao mais brevemente possvel para minimizar as sequelas neurolgicas e auxiliar na recupera-o de habilidades. Entretanto, nas doenas neurodegenerativas, como demncias e escle-rose mltipla, o objetivo principal retardar ao mximo possvel a perda das habilidadescognitivas e prolongar a qualidade de vida.

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    Os dficits neuropsicolgicos que podem acompanhar quadros psiquitricos recebeminterveno segundo as caractersticas das dificuldades cognitivas e emocionais/comporta-mentais que acompanham cada quadro. A proposta auxiliar a minimizao dos dficits e

    maximizar a (re)insero social.61

    Na medida em que muitas alteraes cognitivas decor-rentes de transtornos psiquitricos de eixos I e II ainda no se encontram descritas comsuficiente especificidade, espera-se grande desenvolvimento dos mtodos e abordagens dereabilitao de unes cognitivas deficitrias em quadros psiquitricos.

    Alm dos dierentes objetivos dependentes do quadro neurolgico ou psiquitrico debase, h metas a serem planejadas para aqueles casos em que no diagnosticada nenhumapatologia especfica. Apresentam como demanda a necessidade de aprimorar determinadashabilidades cognitivas em uno de maior demanda social, educacional e/ou laboral. Po-dem ser realizados treinamentos de habilidades especficas, como ateno e memria, tan-

    to na modalidade individual quanto em grupo. Os estudos de treinamento cognitivo comadultos idosos saudveis tm demonstrado que esta populao se beneficia desse tipo deinterveno, mesmo na ausncia de quadros patolgicos diagnosticados.62Bherer et al.63ob-servaram que tanto adultos jovens quanto idosos, durante treinamento de controle atencio-nal com um programa computadorizado individual de dupla tarea, apresentaram melhorana acurcia e na velocidade de resposta. Do mesmo modo, Carvalho et al.,64realizaram umestudo com idosos neurologicamente saudveis a fim de investigar o eeito de um treinode memria episdica tendo como base o uso de estratgias de categorizao. Os idosos

    demonstraram melhor desempenho mnemnico episdico, alm de aplicarem a estratgiade categorizao aprendida para memorizao em seu cotidiano.

    Tipos de reabilitao quanto ao ponto de partida

    H duas principais abordagens teraputicas quanto ao ponto de partida uncional narelao entre componentes cognitivos preservados e deficitrios ps-quadro neurolgicoou psiquitrico. A abordagem baseada no ponto de partida de habilidades conservadas temcomo pressuposto que a interveno pode partir das habilidades cognitivas remanescen-

    tes em estado uncional semelhante ao perodo pr-mrbido, estimulando e procurandoexpandir aquelas unes cognitivas mais prejudicadas, partindo de possibilidades que opaciente j tem para desenvolver aquelas que so alvo da reabilitao. Por outro lado, h aabordagem baseada no tratamento direto das unes prejudicadas ou deficitrias por causado quadro de base. Estas so representadas principalmente pelos treinos cognitivos diretosuni ou multimodais, tais como de ateno e unes executivas, memria e linguagem. 15As-sim, o processo teraputico pode ser iniciado pelas dificuldades neuropsicolgicas que o pa-ciente apresenta, desafiando-o diretamente nas habilidades que se encontram prejudicadas.

    Na medida em que estas duas abordagens no so excludentes, so requentemente as-sociadas considerando-se momento do tratamento, nveis motivacionais e de tolerncia rustrao. Dessa orma, requente no comeo do tratamento o uso da primeira aborda-

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    gem, para estimular a motivao do paciente e gerar menos rustrao. Em segunda ase,parte-se para tcnicas da segunda abordagem, estimulando os componentes mais aetadosa partir do nvel de complexidade imediatamente inerior aquele em que o paciente apre-

    sentou prejuzo (erros e/ou lentido processual). al seleo e alternncia de abordagens comum na dinmica e complexa conduo de um processo de reabilitao neuropsico-lgica. Para ilustrar, esse dinamismo e complexidade, na prxima subseo apresenta-se oplanejamento de um programa de interveno comunicativa.

    Modelo compreensivo de reabilitao neuropsicolgica

    Na tentativa de unificar por representao grfica os aspectos explorados at o momen-to como essenciais para um bem-sucedido programa de reabilitao neuropsicolgica, a

    Figura 1 mostra o fluxograma adaptado de Wilson e Gracey.65Como possvel observar, talprocesso no engloba simplesmente a avaliao cognitiva do paciente, mas tambm apontaa necessidade da compreenso global das caractersticas de personalidade, alteraes emo-cionais e comportamentais presentes que possam influenciar na maniestao dos prejuzoscognitivos.

    De acordo com o modelo compreensivo de reabilitao neuropsicolgica visualizadona Figura 1, este processo envolve a participao tanto do paciente quanto de seus amilia-res, assim como o entrosamento e a comunicao constante da equipe de tratamento, que

    composta, muitas vezes, por profissionais de dierentes reas (onoaudilogos, psiclo-gos, mdicos, terapeutas ocupacionais, entre outros). Primeiramente, necessrio analisara natureza e a gravidade da leso, diagnosticando tambm a extenso e a localizao. Esselevantamento pode ser realizado a partir da investigao neurolgica, seja pela observaoclnica ou por meio de tcnicas de neuroimagem estrutural e/ou uncional. A partir dessaanlise possvel hipotetizar o quanto de recuperao se pode esperar (prognstico neu-ropsicolgico).

    necessrio, ainda, azer um levantamento das dificuldades cognitivas, emocionais,psicolgicas e comportamentais observadas pela amlia e pelo paciente. Essa avaliao ser

    embasada em modelos do uncionamento cognitivo, modelos psicolgicos e emocionais, emodelos comportamentais. A partir dessa avaliao necessrio investigar se os prejuzoscognitivos ou possveis alteraes emocionais/comportamentais j no eram caractersticasno quadro pr-mrbido, ou seja, pr-leso cerebral. Por exemplo, possvel que os dficitscognitivos encontrados durante o processo de avaliao j ossem presentes no cotidiano dopaciente, como raquezas cognitivas, assim como caractersticas de personalidade podemintererir no engajamento na interveno neuropsicolgica.

    Aps a ase de avaliao, o programa de reabilitao planejado junto com a amliae com o paciente, pensando-se nos objetivos e nas metas que ambos almejam alcanar. necessrio ter clareza, tanto da equipe de tratamento quanto da amlia e do paciente, queem muitos casos no possvel alcanar a recuperao total das habilidades cognitivas e

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    Figura 1 Modelo compreensivo de reabilitao neuropsicolgica. Fonte: adaptada de Wilson e Gracey.65

    Personalidade, cognio e intelignciapr-mrbida e estilo de vida

    Investigao doperl cognitivo

    pr-mrbido comfamlia e paciente

    Diculdades atuais:- Cognitivas- Emocionais- Psicolgicas- Comportamentais

    Avaliao comportamental- Observaes- Medidas de autoavaliao- Entrevistas

    Reavaliao

    O quanto derecuperao esperar?

    Avaliar para identicar detalhadamentedissociaes e perl cognitivo

    Avaliaoneuropsicolgica

    Durante o processode avaliao poder

    ser necessrio revisarabordagem

    Modelos dofuncionamento cognitivo

    Deve-se focar:- Os dcits?

    - As inabilidades?- As habilidades preservadas?

    Como ensinar/alcanar isso?(teorias de aprendizagem)

    Como avaliar se a reabilitaoobteve sucesso ou no?

    Modelos psicolgicose emocionais

    Deve-se tentar:- Restaurar as funes perdidas?

    - Estimular reorganizao anatmica?- Utilizar habilidades residuais mais ecientes?- Encontrar um meio alternativo para a meta nal?- Modicar o ambiente?- Utilizar combinaes das opes acima?

    Qual evidncia h de eccia/efeito teraputicodestas abordagens?

    Modeloscomportamentais

    Quais diculdades sodecorrentes do quadro?

    Quais eram ascaractersticas cognitivas

    pr-mrbidas?

    Deciso do tratamento (negociar e gerenciarmetas com o paciente, famlia e equipe)

    Teorias de recuperaoCausa do dano cerebral

    Estudos de follow up

    Investigao neurolgica,clnica e de neuroimagem

    Avaliao de personalidade

    Natureza da leso cerebral- Severidade- Extenso- Localizao

    Pacientee famlia

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    uncionais, mas pretende-se ampliar, ao mximo possvel, a qualidade de vida do pacien-te. Dessa maneira, o tratamento dever ser pautado nos dficits, nas inabilidades ou nashabilidades preservadas de modo a atingir os objetivos elencados. Independentemente do

    oco, possvel incluir mtodos de tratamento para alcanar as metas escolhidas, como acompensao de unes cognitivas prejudicadas por outras preservadas ou ainda modifi-caes ambientais (auxlio externo) para acilitar a realizao das atividades da vida diriaou a combinao de dierentes mtodos. Alm da escolha da abordagem, o terapeuta deveestar atento a quais apresentam maiores evidncias de eficcia ou eeito teraputico e comoavaliar a resposta do paciente para o tratamento proposto.

    Nesse contexto, o terapeuta deve procurar criar medidas que possam acompanhar aevoluo do paciente durante o processo de reabilitao neuropsicolgica, ou seja, no devepautar seu julgamento acerca do avano apenas pelos resultados da reavaliao nos testes

    cognitivos. Dessa orma, o plano de reabilitao deve ser constantemente revisto de acordocom o progresso, ajustando-se tcnicas e abordagens a fim de adequ-las s respostas decada paciente, no sendo a reabilitao neuropsicolgica ormada, portanto, por mtodosestanques.

    PROGRAMA DE REABILITAO NEUROPSICOLGICA DA COMUNICAO: UMAILUSTRAO

    Frente grande demanda de interveno para melhora uncional de dficits comunica-tivos adquiridos ps-AVE unilateral de hemisrio direito,66,67elaborou-se um programa dereabilitao neuropsicolgica da comunicao a ser promovido em grupo com esta popula-o. Apresenta-se esta proposta, enocando sua construo, seus objetivos e sua aplicabili-dade, bem como exemplificando atividades que podem ser desenvolvidas.

    O Programa de Reabilitao Neuropsicolgica da Comunicao com nase no discurso(PRNC-d) uma proposta desenvolvida para melhorar o desempenho comunicativo depacientes neurolgicos, como os que apresentam sequelas de AVE e CE. Seu objetivo geral estimular e melhorar o processamento comunicativo discursivo conversacional, melho-

    rando indiretamente aspectos pragmticos, prosdicos e lexicosemnticos da linguagem,assim como mnemnicos (memria de trabalho e episdica) e componentes das unesexecutivas (iniciao, inibio e planejamento verbais, entre outros), com aprimoramentoda qualidade de vida e interao social dos pacientes.

    Os objetivos especficos do programa so:

    Aumentar a autoconscincia dos pacientes sobre suas dificuldades neuropsicolgicas,mais especificamente, comunicativas discursivas.

    Promover psicoeducao do paciente relacionada a uncionamento cerebral, AVE e pos-sibilidades de reabilitao.

    Favorecer a capacidade de realizar automonitoramento durante o discurso conversacional.

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    Desenvolver a habilidade de realizar monitoramento do interlocutor durante a comuni-cao discursiva, podendo beneficiar-se dofeedbackcomunicativo e do uso de habilida-des de contato visual e expresso acial.

    Reabilitar a capacidade de manuteno do turno comunicativo. Estimular habilidades atencionais, especialmente de ateno concentrada para estmulos

    verbais. Possibilitar o desenvolvimento e o uso de flexibilidade cognitiva voltada para a comuni-

    cao (estimulao de unes executivas).

    Quanto classificao multidimensional deste programa, caracteriza-se por seguir a abor-dagem neurolgica de reorganizao uncional associada de reaprendizagem, ser planejadopara um pequeno grupo de no mximo dez pacientes com semelhanas quanto ao quadro

    neurolgico e ao perfil comunicativo (com dficits predominantemente no componente dis-cursivo e em unes executivas a este ltimo relacionadas), com oco holstico incluindo trei-no cognitivo multimodal, com nase no discurso e tcnicas, como aprendizagem sem erro eapagamento de pistas.27Apresenta metas de curto e mdio prazos para pacientes com quadroneurolgico sbito e segue a abordagem de ponto de partida na estimulao de dficits.

    Os encontros teraputicos so realizados na modalidade de grupo e conduzidos por umterapeuta auxiliado por um coterapeuta durante quatro meses, em 16 sesses, com requn-cia semanal e durao de 90 minutos cada. No programa de reabilitao so enocadas as

    habilidades neuropsicolgicas prejudicadas e os amiliares recebem orientaes de manejo.A interveno observa as seguintes etapas:68,69

    1. Sensibilizao para o problema.2. Suporte aos problemas cognitivos de base.3. Hierarquizao das tareas de interveno.4. Generalizao das aquisies.

    No programa, inicialmente so utilizadas tcnicas no nvel da sentena, seguindo para o

    nvel do discurso, alm de observar a complexidade comunicativa do discurso conversacio-nal e narrativo (textos menores para maiores, com menor grau de inerenciao para maiorgrau). O uso de apoio visual e auditivo incentivado e, gradativamente, a modalidade duplade inputpode ser diminuda at que o paciente aa uso maior da pista auditiva. Entre osmateriais que podem ser utilizados, encontram-se vdeos, materiais para simulao de trei-namentos, livro de registro de relatos, materiais lingusticos no literais (piadas, episdiosde programas humorsticos etc.), propagandas, entre outros. Exemplificando-se, na primei-ra sesso, o PRNC-d apresentado ao grupo com inormaes sobre modalidades discur-sivas, estilos comunicativos, com discusso sobre o nvel de compreenso dos pacientes dogrupo e de seus interlocutores mais usuais no meio social, assim como sobre acometimentosque podem dificultar a comunicao e demais unes cognitivas associadas, como o AVE,

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    suas caractersticas e fisiopatologia. promovida uma apresentao dos membros do grupoentre si. As explicaes orais e grficas em um material impresso escrito so construdasem linguagem acessvel. Por fim, so orientados na realizao de uma tarea em casa de

    observao quanto ao seu discurso conversacional no cotidiano, respondendo um brevequestionrio sobre preerncias. A segunda sesso retoma a apresentao dos membros dogrupo e a proposta do PRNC-d, bem como a tarea de casa de observao do prprio discur-so. Inicia-se com o esquema de interlocutores para o discurso conversacional, relacionandoesquema com pergunta e resposta sobre o tema de preerncias pessoais, como lazer, cor,msica, alimento, bebida, viagem, esporte, entre outros. A atividade exemplificada peloterapeuta e um voluntrio, sendo realizada em duplas. Introduz-se, em seguida, o trabalhocom atos de ala diretos (interlocutor A ala ao B uma sentena), passando a ideia de estarem contexto como o de pessoas que esto se encontrando e se conhecendo, com o apoio de

    desenho. As trocas de turnos entre os membros da dupla devem ser observadas. Aps osexemplos pelos terapeuta e coterapeuta, introduzido o conceito de turnos comunicativosusando o apoio dos exemplos. Gradativamente nas sesses posteriores, a complexidade dis-cursiva vai aumentando, com assuntos mais complexos que demandem conhecimento com-partilhado entre componentes do grupo, aumento do nmero de componentes, apagamentode pistas visuais de cenas de contextos comunicativos, entre outros critrios. Salienta-seque esta proposta pode ser adotada tanto em modalidade grupal quanto individual, sendosempre adequada s caractersticas do(s) paciente(s) em interveno.

    Alm da avaliao inicial e do planejamento e execuo de um programa de reabilitaobaseado em critrios tericos e metodolgicos bem undamentados, h grande necessidadede se avaliar os resultados do tratamento conduzido. Para tanto, deve-se promover proce-dimentos que mensurem os dados de desempenho e cognio uncional ps-reabilitao.

    MENSURAO DOS RESULTADOS DA REABILITAO NEUROPSICOLGICA

    Na literatura mundial, notria e cada vez mais requente a publicao de revisessistemticas ou metanlises de resultados de estudos baseados em evidncias sobre a pr-

    tica de interveno neuropsicolgica por quadros neurolgicos, psiquitricos ou por un-o deficitria.15Isto porque a preocupao com a necessidade da constante reavaliao dashabilidades deficitrias e preservadas permeada deve ser promovida durante o processo dereabilitao. Nestas publicaes, destacam-se os conceitos de eeito teraputico, eficcia eeetividade, assim como o estabelecimento de nveis de evidncia para estudos com dieren-tes delineamentos de verificao dos resultados da reabilitao neuropsicolgica.

    Efeito, eccia e efetividade

    O eeito teraputico est relacionado com por que o tratamento produz resultados. Des-sa orma, depende do desenvolvimento de hipteses, protocolos e mtodos para determinar

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    e dierenciar aqueles que respondem daqueles que no respondem interveno, incluindoa intensidade e a durao ideais da interveno para que seja observado o eeito. A eficcia,por sua vez, a possibilidade que um indivduo de determinada populao, em condies

    ideais, tem de se beneficiar da reabilitao.70

    A eetividade teraputica reere-se probabi-lidade de um indivduo de uma populao clnica, em condies tpicas de ter benecioscom uma interveno de rotina.28,70Andrews71sintetiza estas definies: a eficcia diz res-peito pergunta se o programa pode uncionar em contexto ideal, enquanto a eetividaderelaciona-se pergunta se a interveno unciona na prtica e a eficincia pergunta se valea pena promover a interveno.

    Na pesquisa em reabilitao, em ases dierentes, so avaliados cada um destes concei-tos. O eeito teraputico mensurado na primeira ase de ensaios clnicos, com participan-tes de uma populao definida, no sendo necessria a comparao com grupo controle, em

    que a linha de base dos pacientes empregada como medida de comparao do resultadofinal, ou seja, o mesmo grupo, em geral pequeno, comparado pr e ps-interveno. Emum nvel mais complexo de delineamento, aps a verificao de resultados positivos doeeito teraputico, a eficcia observada na segunda ase de ensaios clnicos, com o usode protocolos e participao de grupos comparativos maiores submetidos a intervenesparalelas. Por fim, a eetividade avaliada na terceira ase de ensaios clnicos, com delinea-mento ainda mais rigoroso, estudo de grupos clnicos randomizados, com amostras maiorese replicao dos resultados.70,72Entretanto, estudos de casos simples e de pequenos grupos

    podem ser teis para mostrar a eetividade da reabilitao cognitiva, segundo Wilson.27,28

    Nota-se, ento, que h dierentes delineamentos e nveis de evidncias possveis dependen-do da caracterstica que se mensura aps a reabilitao neuropsicolgica.

    Nveis de evidncia

    Avaliaes sobre a qualidade de pesquisas baseiam-se normalmente em nveis de evi-dncias que seguem determinada hierarquia. Geralmente, as avaliaes disponveis na li-teratura so baseadas em evidncias de acordo com rigor metodolgico, variando de opi-

    nies de especialistas a ensaios clnicos randomizados. Recentemente, tem havido vriastentativas para desenvolver critrios de avaliaes de qualidade de estudos, principalmentena rea da reabilitao. Muitas vezes, os estudos nesta rea reportam concluses dierentesdependendo do delineamento e dos nveis de evidncias ornecidas.73

    O estabelecimento de recomendaes baseadas em evidncias para a prtica clnica dereabilitao cognitiva tem sido eetuado por vrias revises sistemticas.74,75Entre elas asque mais se destacam tem sido as de Cicerone et al.,35,76derivadas a partir de revises meto-dolgicas da literatura cientfica sobre a eficcia da reabilitao cognitiva para pessoas comCE ou AVE. Cicerone et al.76reconhecem que a prtica da reabilitao cognitiva baseia-seno julgamento e na adaptao de abordagens de tratamento para necessidades especficasdo paciente. Para esses autores, o aumento de especificaes das caractersticas do paciente,

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    intervenes e resultados acilita a transerncia do conhecimento adquirido na pesquisapara a prtica clnica e permite aos clnicos mais bem adequarem intervenes especficaspara dierentes aspectos da disuno cognitiva e metas uncionais dos pacientes.

    Cicerone73

    reere-se, ento, a quatro nveis de evidncia, descrevendo-os do mais com-plexo ao mais simples. O nvel I inclui estudos com delineamento prospectivo, randomiza-do, ensaio clnico controlado, em uma populao representativa com:

    Resultados primrios claramente definidos. Critrios de excluso/incluso claramente definidos. Nmero mnimo de participantes, com estimativa adequada de desistncias. Relato das caractersticas relevantes da linha de base, equivalentes entre grupos compa-

    rativos de tratamentos.

    O nvel II engloba estudos prospectivos de coorte com grupos pareados, de um grupopopulacional representativo com avaliao cega de resultados, atendendo todos os critriosj apresentados no nvel I; no nvel II, podem ainda ser includos ensaios clnicos randomi-zados de uma populao representativa que carecem de um dos critrios citados no nvel I.O penltimo nvel, nvel III, composto por todos os outros ensaios controlados (incluindocontroles histricos e pacientes que so seus prprios controles) em uma populao repre-sentativa, cujos resultados so avaliados de orma independente ou so derivados de me-

    didas objetivas, reduzindo a possibilidade de serem aetados por vis. O nvel IV, o ltimo,consiste de evidncias de estudos no controlados, tais como, estudos de casos mltiplos,individuais ou opinio de especialistas.

    Esses nveis de evidncia so baseados no conhecimento de variveis intervenientes quepodem enviesar resultados de intervenes neuropsicolgicas. Os principais atores causa-dores de vis esto relacionados a caractersticas do paciente.

    Fatores biopsicossociais a serem controlados em estudos de evidncias

    Diversas variveis podem intererir na reabilitao neuropsicolgica, tais como, carac-tersticas do quadro neurolgico, por exemplo, local, extenso e gravidade da leso, etiologiae curso de progresso do processo patolgico, idade de incio, tempo transcorrido desde oincio do quadro, entre outros. Alm disso, podem ainda intererir caractersticas biolgicase sociodemogrficas do paciente, entre elas, idade, escolaridade, requncia de hbitos deleitura e escrita, variaes anatomofisiolgicas na organizao cerebral das unes, estilode vida, sade geral e reao a condies ambientais.77,78ais atores devem, ento, essencial-mente ser considerados na escolha do mtodo de interveno.

    No que diz respeito idade em que a leso neurolgica ocorre, quanto mais precocemaiores so as possibilidades de recuperao. Como um grupo, adultos jovens mostrammelhores nveis de recuperao que indivduos mais idosos. Sohlberg e Mateer26comentam

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    que os adultos idosos podem ser mais vulnerveis aos eeitos da leso cerebral, mas poroutro lado, podem ter melhor capacidade de enrentamento e menores exigncias de vidado que os mais jovens.

    A capacidade cognitiva e o nvel educacional anterior ao acometimento neurolgicoinfluenciam tambm na reabilitao. Parente et al.,79relatam que quanto maior o nmero deanos estudados melhor tende a ser o desempenho em adultos neurologicamente saudveisnas tareas neuropsicolgicas, com mudanas cerebrais estruturais volumtricas e uncio-nais. Os autores observam que em participantes de grupos clnicos, embora os achados nosejam consensuais, possvel encontrar a tendncia de sobreposio do eeito da educaosobre o da leso propriamente dita em pacientes com leso cerebral e de a relao de maiorescolaridade com o aumento da reserva cognitiva nos quadros demenciais.

    Quanto s caractersticas da leso neurolgica, o grau de recuperao normalmente

    maior nos estgios iniciais aps a leso, sendo que a recuperao espontnea mais r-pida durante os primeiros seis meses, e h a recuperao significativa, porm mais lenta,aps este intervalo.26Por exemplo, h indcios de eetividade de reabilitao de linguagemmesmo em pacientes asicos crnicos.80Em complementaridade, o grau e a extenso darecuperao variam com a gravidade da leso, assim, indivduos com leses leves, em geral,recuperam-se mais rapidamente. Em um estudo com 229 adultos com AVE, Schepers et al.81encontraram que a janela de tempo para recuperao oi menor para pacientes ps-AVEisqumico em comparao com pacientes ps-AVE hemorrgico.

    H ainda atores psicossociais importantes que podem mudar radicalmente o rumo dareabilitao, potencializando a influncia de atores anteriormente mencionados. Conside-rando-se que a doena neurolgica traz mudanas transitrias ou permanentes ao quadrosico, cognitivo e emocional, azendo do indivduo um ser temporria ou definitivamentedependente de outras pessoas, az-se necessria a insero do grupo de amiliares e amigosmais prximos (que so, em geral, as pessoas que convivem mais tempo ao lado do paciente)no processo de reabilitao. Assim, o grau de comprometimento amiliar ou de cuidadoressecundrios (profissionais contratados para atendimento personalizado) no processo atorundamental no sucesso teraputico. uno do terapeuta ornecer a essas pessoas dados

    a respeito do quadro neuropsicolgico instalado, auxiliando os cuidadores na busca porinormaes da doena em questo, assim como orient-los no manejo mais adequado dopaciente em ambiente domiciliar ou social. Quanto mais instruda a amlia estiver, melhorpoder seguir as orientaes dadas pela equipe multidisciplinar e mais rapidamente poderajudar o paciente a solucionar suas dificuldades.

    Evidncias comportamentais e de neuroimagem

    Em todos os nveis de evidncia, estudos tm relatado achados comportamentais deeeito, eficcia ou eetividade da reabilitao neuropsicolgica. Nestas pesquisas, em geral,o desempenho em tareas cognitivas comparado pr e ps-interveno, sendo medidas de

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    acurcia e velocidade processual obtidas em instrumentos padronizados associadas a me-didas de outcomeou cognio uncional. Por exemplo, Ho et al.,82mostraram eeito de umprograma de tratamento para dificuldades de memria prospectiva para crianas ps-CE,

    com melhora deste tipo de memria, da ateno e do humor.Em complementaridade, em uno dos limites financeiros e operacionais em pesquisas

    com tcnicas avanadas de neuroimagem, tem sido cada vez mais apresentadas na literaturaevidncias de eeito teraputico de programas de reabilitao com dierentes populaes clni-cas, principalmente em estudos de casos simples, mltiplos e estudos de grupo nico. Mudan-as na reorganizao cerebral da dinmica de ativao e desativao de determinadas regiestem sido relatadas, a partir de estudos de MRI.83Estudos iniciais vm sendo conduzidosprincipalmente com animais para mostrar mudanas estruturais ps-tratamento motor, comtcnicas avanadas de neuroimagem estrutural. Pesquisas equivalentes com pacientes clnicos

    devem se consolidar nos prximos anos. Sendo uma nova erramenta de avaliao, as tcnicasde neuroimagem associadas a tareas cognitivas bem planejadas enrentam o desafio de auxi-liar na identificao de eeito teraputico ps-intervenes cognitivas, a partir da caracteriza-o de reorganizao uncional ou estrutural. Nesse intuito, destaca-se o trabalho de Beeson eRobey84que apresentam uma rmula para calcular o tamanho do eeito, ou seja, o impacto daterapia de linguagem em pacientes asicos, por meio da anlise de imagens cerebrais.

    CONSIDERAES FINAIS

    Pelos aspectos tericos e metodolgicos brevemente revisados neste captulo sobre rea-bilitao neuropsicolgica, pode-se observar como este processo pode ser complexo, subje-tivo, dicil de mensurar e dependente de muitos atores individuais do paciente, da equipede atendimento e das condies ambientais e psicossociais. Para Wilson,85 quase imposs-vel tornar as pessoas com dficits cognitivos exatamente como eram antes do acometimentoneurolgico. O retorno s atividades realizadas antes da doena nem sempre se az possvelprincipalmente pelas limitaes sicas, cognitivas e emocionais experimentadas pelo pa-ciente. Para um retorno ao maior nmero de atividades possveis, necessrio cada vez mais

    se investir em mtodos de reabilitao das unes executivas e da comunicao, alm dosdficits mnemnicos e atencionais alvos da maioria das tcnicas de reabilitao j descritasna literatura e mais consolidadas.

    Independentemente da tcnica a ser escolhida, deve-se possuir como meta o resta-belecimento mximo possvel da independncia do paciente. Neste contexto, as tcnicasmencionadas nesse captulo no so aplicveis somente a um componente cognitivo, pelocontrrio, atendem aos diversos prejuzos uncionais que o paciente possa apresentar, sendomodeladas de acordo com o enoque a ser dado pelo terapeuta. Ademais, as tcnicas podemser combinadas entre si, potencializando seus benecios.

    No entanto, no apenas a escolha da tcnica que determinar se a interveno serou no eficaz. Aspectos ormais do tratamento, como requncia e durao das sesses,

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    alm do engajamento de amiliares e/ou cuidadores durante esse processo, possuem papelundamental na reabilitao. importante, ainda, que o plano de reabilitao seja reava-liado requentemente, sendo adaptado e reormulado sempre que necessrio, uma vez que

    as unes deficitrias podem ser gradativamente minimizadas e novas disunes seremdiagnosticadas rente s novas demandas ambientais.

    Os estudos reerentes reabilitao neuropsicolgica vm crescendo atualmente tantono contexto internacional quanto nacional. Aliada s pesquisas de plasticidade cerebral eneuroimagem, a reabilitao tem demonstrado resultados significativos para a melhora decomponentes cognitivos deficitrios, contribuindo para a melhor qualidade de vida de pa-cientes e seus amiliares.

    Em ace da ainda grande distncia entre o contexto clnico de reabilitao e a neces-sidade de controle de variveis no contexto de pesquisa sobre resultados de programas de

    reabilitao, mais estudos precisam ser promovidos, desde estudos de caso a ensaios contro-lados, em busca do entendimento mais detalhado dos eeitos isolado e combinado de atoresintervenientes no processo de interveno neuropsicolgica. As pesquisas sobre reabilitaode dficits cognitivos rumam a uma ase de maturidade metodolgica, procurando maisconsistncia nas investigaes comportamentais, em associao, tambm, com achados detcnicas avanadas de neuroimagem. Resta, ainda, como grande desafio, encontrar manei-ras de controlar as inmeras variveis individuais e ambientais na conduo de estudosbrasileiros de reabilitao neuropsicolgica em grupos, destacando-se o ator desistncia ao

    longo do processo.

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