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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Faculdade de Arquitetura e UrbanismoPrograma de Ps-Graduao em Urbanismo PROURB - FAU / UFRJDoutorado em Urbanismorea de Estruturao, Morfologia e Projeto do Espao Urbano

Jos Barki

O RISCO E A INVENO: UM ESTUDO SOBRE AS NOTAES GRFICAS DE CONCEPO NO PROJETOTese submetida ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Segre

agosto, 2003i

Barki, Jos O Risco e a Inveno: Um Estudo sobre as Notaes Grficas de Concepo no Projeto / Jos Barki - Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. viii, 270 p. : il.; 22 cm. Orientador: Prof. Dr. Roberto Segre. Tese (Doutorado em Urbanismo) - UFRJ - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Programa de Ps - graduao em Urbanismo, 2003. Referncias Bibliogrficas: p. 260 - 265 1. Desenho - Arquitetura. 2. Projeto Arquitetnico e Urbanstico. 3. Lucio Costa - Braslia. I. Segre, Roberto, orient. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Ps - graduao em Urbanismo. III. Ttulo.

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FOLHA DE APROVAOPostulante: Jos Barki Tese submetida ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Urbanismo. Aprovada por:

Prof. Dr. Roberto Segre Orientador

Prof. Dr. Fernando Rodrigues Lima

Prof. Dr. Lauro Cavalcanti

Prof. Dr. Lcia Maria S Antunes Costa

Prof. Dr. Rachel Coutinho Marques da Silva

Rio de Janeiro, 20 agosto de 2003

Prof. Dr. Denise Pinheiro Machadoiii

Com a lembrana terna de meus pais [in memoriam], dedico este trabalho aos meus filhos, Gabriel e Victor.

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AGRADECIMENTOS Um dos privilgios em escrever uma Tese, que o trabalho oferece a oportunidade ao autor para registrar o seu reconhecimento queles que o ajudaram ao longo do caminho. Assim, manifesto o meu sincero agradecimento: Ao professor Roberto Segre, pela orientao segura, estmulo, ateno e, sobretudo, pela amizade. Ao professor Fernando Rodrigues Lima, pela dedicada ateno durante minha passagem pelo Programa de Ps-Graduao de Engenharia de Produo da COPPE. s professoras Denise, Rachel, Lcia, Margareth e Ana Lcia pelo ensino, conselhos, sugestes, incentivo, amizade e por me receberem na primeira turma do programa de Doutorado do PROURB. A todos meus amigos do Departamento de Anlise e Representao da Forma da FAU UFRJ, em especial: professora Ana Maria, pelo primeiro incentivo ; s queridas Maria e Norma, pelo carinho fundamental; Wanda,Andra ao Haimo, Eduardo e Weber, pelo apoio,nos momentos certos, inestimvel; Letcia, por me substituir no perodo de licena; Maria Lcia pelos acertos de ltima hora e,particularmente, aos meus caros companheiros Maurcio, James, Jos Ks,Beatriz e Giselle, pelas saudveis discusses e pelos conselhos e sugestes valiosas. Aos meus colegas da pesquisa CNPq cones Urbanos e Arquitetnicos do Sculo XX, Naylor, Rodrigo, Adriana, Niuxa, Mrio e aos pesquisadores bolsistas do LAURD, pela agradvel convivncia. Isabela, ao Ricardo e aos colegas e professores que conheci durante meus estudos na COPPE, pela descoberta de caminhos inesperados. Aos meus colegas da primeira turma de doutorandos do PROURB, pelo privilgio de conviver, ainda que por um perodo muito curto, com um grupo muito especial. Thereza Arteiro e Patricia Barata, pela gentileza ao revisarem meu texto se os erros persistem, a responsabilidade exclusivamente minha. Finalmente, aos meus irmos, Cludio e Dborah, Ceclia, familiares e amigos pelo incentivo, tolerncia e compreenso. v

RESUMO Esta tese prope uma contribuio terica acerca da gerao e da natureza dasnotaes grficas de concepo. O interesse compreender a lgica, os procedimentos de busca e sntese, a tomada de deciso e os recursos de representao daqueles envolvidos com o processo projetual nos momentos iniciais de concepo.A partir dos interesses dos prprios projetistas e do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo, a investigao enfoca os atos iniciais de concepo: a construo da representao da imagem do projeto. A suposio que fundamenta esta tese que, devido ausncia de relatos rigorosos e confiveis de um processo de concepo, os registros grficos empregados numaconcepo podem ser analisados e interpretados para reconstituir uma cronologia longa e complexa. Ou seja, que possvel, tomando-se o devido cuidado para no colocar ocontexto no lugar do texto, tratar uma notao de concepo como umaobra aberta, disponvel e pronta para ser [re-] interpretada. Para essa interpretao, que tambm no deixa de ser uma anlise crtica, ser necessrio estabelecer relaes,tanto num quadro geral de referncias tericas,quanto nos vestgios,obstculos e indicaes que fazem parte da prpria notao. No de posse de uma metodologia sistemtica, mas num contnuo movimento entre amplas referncias externas e questes internas da prpria notao tratada comoobra aberta. Entendeu-se que essa ao de crtica e interpretao pode ser exercida por uma operao mediadora, que combina concomitantemente uma espcie deapropriao edistanciamento. O recurso escolhido se deu pela interferncia no prprio desenho para, redesenhando-o e substituindo-o, tentar explic-lo e compreend-lo para,assim,deslindar alguns dos motivos,mtodos e tcnicas que constituram a mecnica do processo criativo. A pea central de estudo e aplicao nesta tese so os desenhos inditos da concepo de Braslia, recentemente exibidos na exposio comemorativa do centenrio de Lucio Costa. Como alguns autores vm demonstrando exatamente pela investigao de situaes notveis e exemplares, que se poder entender a importncia da notao grfica para os arquitetos e lanar alguma luz sobre o tema. vi

ABSTRACT The purpose of this thesis is to investigate the implications of graphic notations in a practical use for problem structuring, problem solving, creativity and conceptualization in architectural and urban design. These graphic notations are here defined as the initial written annotations coupled with the free-hand drawn externalizations produced by a designer for an envisioned or partially envisioned entity. This study assumes that architects depend on drawing and other forms of drafting media as fundamental tools in design. Architects regularly both use imagery to generate new formal combinations, which they represent through sketching, and sketch to generate images of forms and organizations in their minds. Through graphic notations architects discover and consider design issues, speculate as to their resolution, generate form, evaluate what has been proposed and communicate conclusions. Acknowledging the great effect or consequence of graphic notations to processes of design, conceptualization, design thinking and form generation, significant issues are raised. With analysis and interpretation, graphic notations allows one to peer onto the references, methods, procedures and motives that are the functional and technical aspects of an, otherwise, inconspicuous creative process. It has been considered, also, that in the absence of reliable or rigorous accounts of a design process, these graphic notations can be analyzed to reconstruct a complex chronology of ideas, methods and circumstances that informed the conception and development of a project. For that matter, this thesis documents and critically examines the role of graphic notations through the study of Lucio Costas unpublished graphic notations for the capital-city of Braslia schematic design (1957), discussed from a methodological perspective of design research that scrutinizes the design logicof that invention. vii

SUMRIO

APRESENTAO ARGUMENTO INICIAL 1 INTRODUO 2 UMA ABORDAGEM METODOLGICA O PROJETO E O DESENHO COMO TEMA DE INVESTIGAO PROPOSTA METODOLGICA E ESCOPO DO ESTUDO 3 A CONCEPO DO PROJETO E O SEU REGISTRO COGNIO, PENSAMENTO VISUAL E REPRESENTAO MODELAGEM E REPRESENTAO CONCEPO DO PROJETO REGISTRO DA CONCEPO 4 O DESENHO E O RISCO DA CONCEPO EVOLUO DO DESENHO E O PROJETO DE ARQUITETURA NOTAO GRFICA E CONCEPO DO PROJETO DESENHO, PROJETO E RECURSOS DIGITAIS 5 A INVENO DE BRASLIA: O RISCO DE LUCIO COSTA CARACTERSTICAS DO RISCO DE LUCIO COSTA AS CIRCUNSTNCIAS AU DESSUS DE LA MLE OS INGREDIENTES DA INVENO O RISCO DA INVENO 6 CONCLUSO ANEXO 1: MAIS COMENTRIOS SOBRE O RISCO DA CONCEPO ANEXO 2: O CONCURSO PARA A CIDADE-CAPITAL BIBLIOGRAFIA CONSULTADA viii

APRESENTAO O desenho, na arquitetura, acabou por se impor como instrumento de memria, educao, experimentao, comunicao e como meio para dirigir e controlar a construo de edifcios. Imps-se como um modo dominante de concepo do projeto e como um smbolo daquilo que torna o ofcio do arquiteto uma prtica nica. Sem dvida, o registro evocativo mais importante do desenho para os arquitetos, se d na forma de um tipo de registro, que se pode denominar notaes grficas. So desenhos imediatos, rpidos, intuitivos e aparentemente simples, principalmente quando se trata de apontamentos e anotaes esquemticas de estudo inicial de projeto. A quantidade considervel de publicaes que discutem os arquivos pessoais de arquitetos notveis e o cuidado especial que, de maneira geral, eles manifestam com esse tipo de registro, certamente demonstra sua importncia simblica. Por se tratar de um tipo de registro que combina pequenas ilustraes e esquemas grficos de natureza variada, palavras e anotaes, nmeros e operaes de clculo, alm de riscos e marcas pessoais, de maneira livre e com poucas convenes, essas anotaes podem ser denominadas de vrias formas: esquemas, diagramas, esboos, croquis, entre outras. O arquiteto Michael Graves (1977), no artigo The Necessity of Drawing: Tangible Especulation, chama esse tipo de apontamento de desenho referencial [referential drawing] e o define como um registro taquigrfico ou pictogrfico. Ou seja, uma espcie de registro abreviado, simplificado e de natureza fragmentada, com a qual possvel notar e anotar com a mesma rapidez do pensamento. Graves compara, de forma enftica, esta maneira de representar com a estruturao de um dirio ou com uma espcie de registro de descoberta. J o mestre Lucio Costa define este tipo de registro de forma mais simples e precisa, como o risco do projeto e prope que ... o risco um risco. No campo da arquitetura sempre houve um grande interesse em colecionar, divulgar e apreciar essas notaes grficas de concepo com um tipo de enfoque mais inspirador e elogioso,1

NOTAO:[Do lat. notatione.] S.f. 1. Ato ou efeito de notar. 3. Conjunto de sinais com que se faz essa representao ou designao.

GRFICA:[Do gr. graphiks, pelo lat. graphicu.] Adj. 1. Respeitante a grafia. 2. Representado por desenho ou figuras geomtricas. 5. Representao grfica de fenmenos fsicos, econmicos, sociais, ou outros.

PICTOGRAFIA:[Do lat. pictus, part. de pingere, pintar, + -o- + -grafia.] S.f. 1. Sistema de escrita de natureza icnica, baseada em representaes bastante simplificadas dos objetos da realidade.

RISCAR:[Do lat. resecare, cortar separando.] V.t.d. 1. Fazer riscas ou traos em. 2. Fazer riscos ou traos por cima de; expungir ou apagar com traos. 3. Fazer os traos gerais de; debuxar, bosquejar. 4. Fazer o risco1 (4) de; projetar, planejar. 5. Planejar, planear, projetar, traar. 6. Marcar, assinalar, indicar. 7. Apagar, expungir (um trecho escrito). 8. Acender, deflagrar, friccionando. 9. Eliminar ou expulsar duma agremiao, duma sociedade. 10.Bras. Fazer risco1 (7) em. 11.Fazer parar (a cavalgadura) sbita e espaventosamente. V. t.d. e c. 12. Bras. Fazer a excluso de; suprimir, eliminar; excluir. V. int. 13. Deixar de merecer a amizade, ser excludo das relaes de algum. 14. Entrar em conflito; brigar, lutar. 15. Dirigir ou lanar desafios ou provocaes; provocar. 16. Manobrar com a navalha antes de golpear. 17. Bras. AM Comear a descer ou vazar (a mar, as guas de um rio), deixando vestgio na vegetao das margens. 18. Bras. N.E. Sofrear o cavalo sbita e espaventosamente. 19. Bras. N.E. Chegar ou aparecer inesperadamente. V.p. 20. Desvanecer-se; apagar-se, desaparecer. 21. Pedir demisso; demitir-se, sair.

do que crtico ou analtico. Hoje, o interesse por esse tipo de registro extrapolou o mbito da arquitetura, e estudiosos de outras reas de conhecimento, principalmente aqueles envolvidos com a Cincia da Cognio, tm dado ateno considervel a esse tipo de representao. Esse interesse renovado influiu no tratamento dado aos registros grficos por esses pesquisadores, interessados na concepo do projeto. Assim, este trabalho pretende trazer uma contribuio terica acerca da gerao e da natureza das notaes grficas de concepo, dos riscos produzidos pelos arquitetos, principalmente daqueles registros de estudo inicial, empregados no processo de elaborao de um produto que , ele mesmo, nada mais do que um conjunto de representaes: o projeto que, por sua vez, intermediar a concretizao de um outro produto: um edifcio ou um espao urbano. O interesse enfocar particularmente, do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo, o ato inicial da concepo do projeto: a construo da representao da imagem do projeto. O interesse buscar, se possvel, a substncia da potncia e do ato do projetista. De qualquer maneira, importante ressaltar, que o termo notao usado aqui como ato ou efeito de notar (perceber e atentar), ao mesmo tempo que anotar (registrar), tambm se refere ao conjunto de marcas e sinais grficos, que do origem a esse registro. Mesmo considerando a possibilidade do uso de um sistema pessoal de notao, o termo no referir-se- ao emprego de algum sistema de representao ou designao convencional institucionalizado.

RISCO (1):[Dev. de riscar.] S.m. 2. Qualquer trao em cor, ou sulco pouco profundo, na superfcie de um objeto; risca. 3. Delineamento, debuxo, traado, esboo. 4. Arquit. O projeto, a planta ou o plano de uma construo, ou de parte dela, especialmente o desenho de sua forma caracterstica e visvel. 5. Cada um dos traos verticais que formam colunas, nos trabalhos de pautao. [Cf. tirante (8) e pauta (2).] 6. Gr. Facada ou navalhada. 7. Bras. Bord. Desenho de um motivo decorativo, que se destina a ser bordado. 8. Bras. BA Linha do horizonte visual ou geogrfico.

RISCO (2):[Do b.-lat. risicu, riscu, poss. do lat. resecare, cortar; ou do esp. risco, penhasco alto e escarpado.] S.m. 1. Perigo ou possibilidade de perigo. 2. Situao em que h probabilidades mais ou menos previsveis de perda ou ganho como, p. ex., num jogo de azar, ou numa deciso de investimento. 3. Em contratos de seguros, evento que acarreta o pagamento da indenizao. 4. Jur. Possibilidade de perda ou de responsabilidade pelo dano.

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ARGUMENTO INICIAL Os indivduos talvez s possam compreender a realidade em que vivem atravs de representaes. Provavelmente o prprio ato de representar faz com que os indivduos se dem conta da sua capacidade de raciocnio e desenvolvam seu potencial cognitivo. No entanto, uma representao no a realidade em si, no pode ser o objeto em si e ser sempre menos do que aquilo a que se refere. Uma representao , pela sua prpria natureza, reduzida de seus referentes. Para se representar qualquer aspecto de uma situao ser natural filtr-la, deixando includas nesta seleo apenas as caractersticas e propriedades que so fundamentais para obter um determinado entendimento sob uma tica especfica. Apesar de ser um processo que, em essncia, redutor, a partir deste recorte,reduzido e orientado, que se forma uma imagem representativa, que pode ser, ento, manipulada. Na questo da concepo do projeto, a representao materializada ser o veculo e meio de trabalho de demandas prticas e reais. Esta condio gera um resultado ricamente paradoxal: Por um lado, ao eliminar detalhes ou fatores complexos, o arquiteto poder lidar com imagens distorcidas ou empobrecidas de uma dada realidade. Apesar do inegvel poder de sntese, aquilo que o arquiteto no consegue ou no pode registrar poder ser um empecilho para o processo de concepo. Por outro, esses registros so pensamentos exteriorizados que, ao sintetizarem uma grande quantidade de informao, permitem ao arquiteto recriar uma determinada realidade. So as prprias imagens que se oferecem de maneira clara e evidente avaliao crtica e abriro caminho para o inesperado, para o inslito, para a descoberta.

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O scrittore, con quali lettere scriverai tu con tal perfezione la intera figurazione qual fa qui il disegno? Anotao de Leonardo da Vinci em um dos seus cadernos de anatomia

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1 INTRODUO Pode parecer inslita a prpria proposio de uma tese que trata de notaes grficas simples j que, atualmente, a representao grfica na arquitetura vem sofrendo transformaes significativas com os novos recursos digitais. Na virada do sculo, houve novos avanos, prometendo simulaes grficas, as quais devero ser apreendidas pelos sentidos com uma intensidade cada vez mais prxima real. bem verdade que, embora essas mudanas tecnolgicas ofeream novas oportunidades e desafios intelectuais, seu impacto real no processo de concepo do projeto ainda no foi completamente entendido ou mensurado por pesquisas que empreguem modelos clssicos de investigao. Nos ltimos anos, as conferncias internacionais em Projeto Arquitetnico Assistido por Computador [CAAD/Computer-Aided Architectural Design] ACADIA (Amrica do Norte), ECAADE (Europa), CAADRIA (sia) e SIGRADI (Amrica Latina e Pennsula Ibrica) tm produzido um grande nmero de artigos, que lidam com os mais diversos aspectos do CAAD e com o processo de concepo do projeto num sentido bem amplo. No entanto, o tratamento investigativo da grande maioria terico-descritiva, de carter mais especulativo, propondo novos sistemas e abordagens. Poucas pesquisas de natureza emprica, com hipteses estatisticamente testadas, foram apresentadas tanto nestes congressos como na literatura especializada (Hanna e Barber, 2001). Um dos mais importantes temas de debate questiona se o CAAD de fato um instrumento de concepo ou um apoio de desenho para o desenvolvimento do projeto. A divergncia de opinio continua entre os profissionais que do mais nfase fase conceitual e os que conferem um enfoque mais amplo ao processo do projeto, reconhecendo o impacto do CAAD, no s nas reas do desenho e desenvolvimento, mas tambm na visualizao, na modelagem tridimensional e na avaliao de desempenho. No entanto, se a grande maioria dos artigos acadmicos, divulgaes especializadas ou at mesmo propagandas e material de divulgao das software houses for levada em conta, constata-se que os aplicativos disponveis e as formas de uso do meio digital ainda no5

CAD / CAD-CAMEstrangeirismo [Sigla do ingl. Computer-Aided Design/ Computer-Aided Manufacturing, projeto auxiliado por computador, fabricao auxiliada por computador.] Inform. 1. Conjunto de tcnicas, programas e equipamentos especializados, us. para a realizao computadorizada de projetos de arquitetura ou de engenharia.

superaram os recursos de representao tradicionais. Grande parte da produo digital atual se d de uma maneira paralela, recriando, por uma espcie de mimese, os recursos tcnicos de representao tradicionais. Aparentemente, h um ganho produtivo de tempo, mas alm do fato das pranchetas terem cedido lugar as workstations, no se pode afirmar ainda que tenha ocorrido uma mudana fundamental na prtica conceptual da arquitetura. Trabalhos recentes de autores como Lawson (With Design in Mind, 1994), Frazer e Henmi (Envisioning Architecture, 1994), Laseau (Graphic Thinking for Architects and Designers, 1989), Robbins (Why Architects Draw, 1994) e Herbert (Architectural Study Drawings, 1993), muito embora sem comprovao emprica significativa, so unnimes em constatar que, apesar do uso intensivo de sistemas CAD na manipulao e edio de desenhos, na criao de imagens foto-realistas, em animaes e walk-through, os mtodos convencionais de desenho so os mais recomendados, tanto para os primeiros riscos como para o desenvolvimento criativo da concepo do projeto. Essa constatao indica que importante continuar desenvolvendo pesquisas voltadas para a compreenso do uso dos desenhos produzidos pelos arquitetos, tanto quanto para o aprimoramento do realismo na computao grfica. Contudo, num mundo profundamente modificado pela ao humana, qualquer ao construtiva equivocada pode por em risco seu prprio equilbrio. So muitos os desafios, tanto ticos quanto estticos, com os quais os projetistas se defrontam. importante encontrar e propor modos de representar no s a interveno transformadora, mas tambm a simulao de seus efeitos e impactos de uma maneira legvel e com menos margem de erro. Nas dcadas de 60 e 70, algumas tentativas interessantes foram realizadas; no entanto, pouco ou quase nunca aplicadas devido a dificuldades na implementao. Hoje, com os novos recursos digitais, talvez essas idias possam ser revistas, seus obstculos transpostos e caminhos abertos para novas maneiras de modelar e representar. Mesmo assim, bem provvel que o melhor recurso para a concepo do projeto de intervenes no ambiente humano continue sendo preferencialmente o da notao grfica simples, j que representaes grficas, como pictogramas ilustrativos e diagramas abstratos, so particularmente vantajosas para a descrio de padres espaciais complexos. No entanto, at que as relaes complexas dos processos de concepo de projetos incorporados ao uso habitual do desenho sejam esclarecidas e seus efeitos na produo da arquitetura seja compreendida, no ser possvel avaliar taxativamente o quanto o atual modo de uso do6

desenho pode limitar a prtica ou se h possibilidade de introduzir novos modos, que poderiam potencializar a prtica do projeto. H muita discusso terica no campo da arquitetura, relacionada prtica da representao em termos sociais, tcnicos e institucionais, mas o papel que o desenho desempenha nessa prtica no muito discutido. O meio pelo qual a prtica se d, o desenho, no questionado para avaliar se, de fato, ele aproximaria o ato artstico e criativo da arquitetura de sua produo tcnica e social. Na verdade, para muitos, o exerccio do desenho, como instrumento de estudo e representao do objeto, constitui-se cada vez mais na nica relao concreta e real que o arquiteto pode manter com a matria fsica que dever criar. A expresso de sntese e liberdade, a rapidez e a intimidade com que a mo trabalha o lpis sobre o papel e o simples prazer do risco natural, so, e provavelmente devero continuar sendo, insubstituveis para um grande nmero desses profissionais. A notao grfica imediata, como um croquis por exemplo, um veculo que, alm de assumir um papel significativo, quando utilizado para a representao de edificaes existentes ou na anlise e observao de stios ou paisagens, nas quais se pretende intervir, continua e continuar tendo sua utilidade reconhecida como ferramenta bsica para a concepo arquitetnica.

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GUISA DE NOTA: Este um trabalho sobre o desenho elaborado mais com palavras do que com desenhos e, infelizmente, o autor desenha melhor do que escreve. por este singelo motivo que o leitor paciente encontrar ao longo do texto, junto quelas palavras que o autor considera importantes, os respectivos verbetes extrados do inestimvel dicionrio AURLIO. Na medida do possvel, mas contrariando o padro usual da academia, houve um esforo considervel para se evitar o uso de notas de p de pagina a presente uma dessas excees. tambm importante ressaltar que todas as passagens extradas da literatura em lngua inglesa, castelhana, italiana e francesa foram vertidas pelo autor visando uma leitura mais fluente do trabalho com todos os equvocos que isso possa implicar, mas, enfim, traduzindo aquilo que o autor entendeu dos textos. Alm disso, esta tese se socorreu no desenho magnfico de Steinberg, um desenhista arquiteto por formao que conquistou inegvel importncia artstica e cultural com o seu singelo trao de cartunista, para abrir e, de certa maneira, explicar em um nico gesto cada captulo.8

CINCIA:[Do lat. scientia.] S.f. 1. Conhecimento (3). 2. Saber que se adquire pela leitura e meditao; instruo, erudio, sabedoria. 3. Conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmisso, e estruturados com mtodos, teorias e linguagens prprias, que visam compreender e, poss., orientar a natureza e as atividades humanas. 4. Campo circunscrito, dentro da cincia (3), concernente a determinada parte ou aspecto da natureza ou das atividades humanas, como, p. ex., a qumica, a sociologia, etc. 5. A soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto. 6. Pop. Habilidade intuitiva, sabedoria. Cincia aplicada. 1. Cincia (3) que produzida com a inteno de ser aplicada a objetivos prticos. [Cf. tecnologia e cincia pura.] Cincia bsica. 1. Cincia (3) que trata dos aspectos mais gerais ou fundamentais da realidade, ger. sem preocupao com as suas aplicaes prticas a curto prazo. 2. Cincia (3) que tem participao fundamental nos conhecimentos necessrios ao exerccio de um campo de atividade: a anatomia, a bioqumica, etc. Cincias empricas. 1. As cincias v. cincia (4) que so formadas pela observao da natureza e por teorias e hipteses que podem ser com ela diretamente confrontadas. [Cf. cincias formais.] Cincias exatas. 1. As cincias [v. cincia (4)] que se baseiam em teorias, normalmente expressas matematicamente, capazes de fornecer conceitos precisos. Cincias experimentais. 1. Aquelas cujo mtodo exige o recurso da experimentao. Cincias formais. 1. As cincias v. cincia (4) que tm como objetivo de estudo sistemas matemticos, lgicos e similares, que no se referem, diretamente, realidade fsica. [Cf. cincias empricas.] Cincias humanas. 1. As cincias [v. cincia (4)] que tm como objetivo de estudo o comportamento do homem e os fenmenos culturais humanos: a psicologia, a antropologia, a histria, a sociologia, etc. Cincias morais. 1. As que estudam os sentimentos, pensamentos e atos do homem, aquilo que constitui o esprito humano. Cincias naturais. 1. As cincias v. cincia (4) que tm como objetivo de estudo a natureza em torno do homem, sendo este includo apenas na condio de animal natural: a fsica, a qumica, a astronomia, a geologia, a biologia. [Cf. histria natural.] Cincias normativas. 1. Aquelas que, como a lgica e a moral, traam normas ao pensamento e conduta humana. Cincias sociais. 1. As cincias v. cincia (4) que tm como objetivo de estudo os grupos humanos: a sociologia, a antropologia, a geografia humana, a histria, a lingstica, a pedagogia, a psicologia social.

2 UMA ABORDAGEM METODOLGICA 2.1 O PROJETO E O DESENHO COMO TEMA DE INVESTIGAO I Talvez o ttulo mais adequado para este captulo fosse cautelas metodolgicas com o desenho e o projeto. Tratar do projeto e do desenho como assuntos de investigao dentro do prprio campo de conhecimento da arquitetura e urbanismo, e a partir dos interesses daqueles que desenham e pensam o projeto, requer algumas precaues. Com efeito, o desenvolvimento desta tese est marcada por um compromisso com a prtica e com a prpria atitude projetual, entendendo-a como um modo especfico da compreenso, mais do que com a concreo de hipteses e argumentos; ou seja, com a admisso da dvida e da contingncia como princpios de trabalho. Mesmo assim, preciso reconhecer que uma abordagem cientfica, de acordo com a maioria dos tericos, visa obter conhecimentos a partir de um processo de investigao suportado por mtodos de pesquisa e observao sistemticos, rigorosos, verificveis e validados pela comunidade de pesquisadores. Esses conhecimentos, em geral, resultam da construo de modelos, que tornam inteligvel um determinado recorte da realidade observada e, dentro de limites determinados, podem possibilitar algum tipo de generalizao e previso. Para Lungarzo (1984): [O] conhecimento cientfico procura bases slidas, justificaes claras e exatas, o que no possvel em todos os casos. A tendncia do cientista, porm, se aproximar gradativamente de fundamentos fortes para seus conhecimentos. O conhecimento cientfico submetido a uma srie de testes, anlises, controles que garantam pelo menos uma chance alta de obter informaes verdadeiras e justificadas [] As caractersticas que fixam a fronteira entre o conhecimento cientfico e o senso comum no tm sua origem apenas nos fatos ou objetos9

estudados, mas esto relacionados com a maneira de conhecer ou de justificar o conhecimento [] O conhecimento cientfico organizado, crtico, prognosticador [sic], baseado em certos princpios ou leis, geral, conhecimento de conjuntos ou classes de fatos e situaes e tem carter metdico. II Se as Cincias Naturais pretendem estabelecer algum conhecimento que descreva e explique os objetos naturais e fenmenos do mundo sensvel, o objetivo central das atividades daqueles que concebem projetos o de idealizar como devem ser sistemas ou objetos que possuam propriedades predefinidas, atinjam determinadas metas e funcionem como previsto. No fim dos anos 60, Herbert Simon, com a primeira verso de seu The Sciences of the Artificial, ao buscar fundamentar um questionamento relativo ao processo de concepo, rejeita a limitao do campo de investigao cientfica ao como so as coisas? e abre caminho para o como poderiam/deveriam ser as coisas?. Simon argumenta que o aspecto final de um artefato realizado, e satisfatoriamente (em termos funcionais) bem sucedido, ser a interface entre o meio interno do artefato e o seu meio externo, o ambiente no qual o artefato desempenha seu fim. Da mesma maneira, Christopher Alexander, em seu famoso Notes on Synthesis of the Form, citando o bilogo DArcy Thompson, reafirmar que o aspecto formal de algo concebido, realizado e satisfatoriamente bem-sucedido no mundo real ser seu diagrama de foras, dando um sentido bem amplo essa expresso. No mundo real o aspecto formal de um dado artefato e seu contexto, o ambiente de fundo, no qual ele desempenha seu fim, so interdependentes e complementares. bem verdade, que, para se conceber a forma da fuselagem de um avio, deve-se reconhecer seu desempenho aerodinmico, sem isso ele no poder voar. Da mesma maneira, para se conceber a forma do casco de um navio, preciso reconhecer seu desempenho hidrodinmico, sem o qual ele no poder flutuar e navegar. O autor Amos Rapopport (1973) define essa condio como situao crtica de desempenho [performance critical situation].10

No entanto, as coisas do mundo real devem sua existncia no s a causas fsicas, biolgicas, funcionais ou finais, mas tambm a causas socioculturais. O prprio Rapopport (1973, 1971), no seu famoso texto House Form and Culture, argumenta que a gerao da forma construtiva na arquitetura se caracteriza por uma maior liberdade de escolha e por fortes influncias de ordem sociocultural, devido baixa exigncia desse tipo de desempenho crtico. Mesmo assim, diferentemente de outros produtos, cuja forma deriva em maior ou menor grau de um desempenho crtico, a arquitetura, como toda construo, mantm uma relao simbitica, integral, singular e nica com o seu contexto ambiental. Para H. Simon (1996) atender um dado propsito objetivo ou adaptar-se a uma meta ou objetivo, visando a concretizao de algum sistema ou artefato no mundo real, envolver necessariamente trs termos: a definio do propsito ou da meta; a natureza, o carter, a qualidade ou a estrutura do sistema ou do artefato; o ambiente no qual o sistema ou o artefato desempenha sua finalidade. As Cincias Naturais vo se impor em dois termos dessa relao: a natureza do artefato e o ambiente em que ele desempenha sua finalidade. Se, na concepo de qualquer artefato, o desafio controlar e antecipar o seu desempenho antes da sua realizao, nas Cincias Naturais, o desafio controlar a consistncia interna de uma teoria. A falseabilidade ou falsibilidade ser uma noo radical introduzida por Karl Popper em Logic of Scientific Discovery de 1959, em que pretende estabelecer novos critrios de controle experimental nas cincias e que, de certa maneira, procura recolocar a prpria abordagem cientfica em outros termos. Para Japiassu (1992), Popper elaborou sua epistemologia [] ao mesmo tempo dentro e fora da corrente de pensamento chamada de empirismo lgico ou neopositivismo [] Dentro, porque um de seus primeiros integrantes e um dos defensores de suas idias essenciais; fora, porque se apresentou desde cedo como um dos mais ardorosos dissidentes . Opondo-se ao princpio da verificao, Popper argumenta que uma hiptese s pode ser considerada vlida enquanto resiste s tentativas de false-la, e isso faz com que qualquer conhecimento cientfico s possa ser fundamentado em conjecturas. Interessado em demarcar a cincia daquilo que classificaria como pseudocincia em geral e da metafsica em particular, Popper afirma que o conhecimento produzido por Einstein, por exemplo, de natureza distinta daqueles produzidos por Marx ou Freud. A construo de teorias cientficas11

EPISTEMOLOGIA:[Do gr. epistme, cincia; conhecimento, + -o- + logia.] S.f. 1. Filos. Conjunto de conhecimentos que tm por objeto o conhecimento cientfico, visando a explicar os seus condicionamentos (sejam eles tcnicos, histricos, ou sociais, sejam lgicos, matemticos, ou lingsticos), sistematizar as suas relaes, esclarecer os seus vnculos, e avaliar os seus resultados e aplicaes. NOTA: O termo epistemologia etimologicamente significa discurso (logos) sobre a cincia (episteme). Apesar de parecer um termo antigo, sua criao recente, pois surgiu a par tir do sculo XIX no vocabulrio filosfico. Colocando a questo nestes termos, pode-se confinar a epistemologia, desde o incio, nos limites do discurso filosfico, fazendo dela uma parte deste discurso. Foi assim que fizeram todas as epistemologias tradicionais, chamadas de filosofia das cincias ou de teoria do conhecimento. Todavia, colocando de outra forma a questo, caracteriza-se a epistemologia como um discurso sobre o qual o discurso primeiro da cincia deveria ser refletido. Assim, o estatuto do discurso epistemolgico, como duplo, ambguo: discurso sistemtico que encontraria na filosofia seus princpios e na cincia seu objeto (Japiassu, 1992).

consistem em elaborar conjecturas e de submet-las a procedimentos rigorosos de refutao. Muitos dos filsofos da cincia, se referem teoria planetria e ao seu desenvolvimento desde os babilnios como um prottipo exemplar de construo de conhecimento cientfico. Nesse contexto, Popper colocaria a seguinte questo: Se possvel para um astrnomo prever um eclipse, porque no seria possvel para um socilogo prever uma revoluo? Sob esse ponto de vista, uma teoria cientfica verdadeira uma descrio que possibilita uma previso, sem alterar a natureza daquilo que observado.CONSTRUTIVISMO:[De construtivo + -ismo.] S.m. 3. Psicol. Teoria que prope que o conhecimento resulta da interao de uma inteligncia sensrio-motora com o ambiente. NOTA: O termo construtivismo refere-se, genericamente, a uma teoria do conhecimento que se baseia numa concepo dialtica das relaes entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido (mundo exterior) (Japiassu, 1992). tambm a denominao dada corrente epistemolgica inaugurada por Bachelard para designar que, no processo de conhecimento, o objeto no um dado que se apresenta ao pensamento cientfico sem colocar problemas, como se fosse algo evidente mas um constructo, algo de construdo, isto , um objeto pensado, elaborado em funo de uma problemtica terica a Razo (sujeito) vai ao Real (objeto), no parte dele (Japiassu e Marcondes, 1998).

Mesmo assim, vrios filsofos da cincia (Chau 1994), dentre os quais se destaca Thomas Khun autor do clebre The Structure of Scientific Revolutions de 1962, em que apresenta a noo de paradigma discordam desta posio. De maneira geral, para Chau, uma concepo construtivista de cincia considera que o pesquisador est envolvido na construo de modelos explicativos para a realidade e no em suas representaes. O pesquisador combina procedimentos racionalistas com procedimentos empiristas e acrescenta a eles a idia de um conhecimento aproximativo e corrigvel. Na realidade deve-se reconhecer que a matriz cultural do ocidente estabeleceu dois plos que explicariam como o homem pode conhecer e refletir sobre o mundo a sua volta: o Racionalismo e o Empirismo. Para o Racionalismo a fonte do conhecimento verdadeiro a razo, operando por si mesma e controlando a experincia sensvel. Para o Empirismo a fonte de todo e qualquer conhecimento a experincia sensvel, responsvel pelas idias da razo e controlando o seu trabalho. Um dos aspectos mais interessantes da revoluo cientfica moderna a tentativa de buscar uma compatibilizao entre esses dois princpios, talvez recuperando a posio intelectualista de Aristteles. Hoje, para alguns, a Filosofia tende a tornar-se uma tica do Pensamento. Contudo, a evoluo recente da Cincia, que a fez passar do certo ao provvel e depois ao percebido, a reaproximou da Filosofia, campo do qual estava separada por muito tempo. De acordo com H. Simon (1996) a dificuldade de criar uma abordagem cientfica para a concepo do projeto seria demonstrar como fazer proposies empricas acerca de sistemas, que em outras circunstncias, poderiam ser distintos daqueles apresentados. Simon v nesta questo da artificialidade uma explicao para a dificuldade de capacitar a arquitetura, a engenharia e outras reas que lidam com um processo de concepo de projeto [design], com substncia terica e emprica prpria e distinta da natureza das substncias das cincias que lhe do embasamento (fsica, qumica, sociologia, historia, entre outras).12

Desde meados dos anos 50, diversas contribuies tericas significativas foram feitas, no mbito da metodologia da concepo [design], no sentido de racionalizar e aprimorar o processo de resoluo de problemas de projeto. Em parte o interesse era o de introduzir procedimentos que se convencionou classificar como mtodos cientficos e, por outro lado, havia o interesse em promover uma espcie de objetividade social, incorporando as figuras do usurio, do cliente e do projetista e da noo de conflito de interesses, na construo das demandas de projeto. O mtodo cientfico teve seu auge no incio dos anos 70, quando uma significativa quantidade de trabalhos tericos acabaram por definir uma posio que chegou prximo a uma forma de idolatria do mtodo. Geoffrey Broadbent, no artigo Design and Theory Building de 1980, no qual enfoca o trabalho de concepo do arquiteto, parece reconhecer tanto as argumentaes de Popper, quanto as de Simon, sugerindo que a construo de pseudoteorias, que lidam com o comportamento humano e sua aplicao na concepo do projeto, tm um potencial de outra natureza. Pelo simples fato de modificar a experincia que os homens tm de si mesmos, podem modificar o comportamento daquilo que observado: o prprio comportamento do ser humano. Nesse caso o que deve ser considerado no s um critrio de validade, mas tambm de credibilidade (ou talvez de convencimento). Prope, considerando diferentes instncias, um modelo, conforme a tabela (abaixo), para domnios de construo e aplicao de conhecimentos:Historiador Observa Descreve Explica Prediz Diagnostica Prescreve Advoga Decide Implementa Idealizador de Teoria Idealizador de Pseudoteoria Projetista Tomador de Deciso Produtor (Construtor)

III Gradativamente, a produo terica passou a no ter mais o impacto esperado na prtica profissional. De meados dos anos 80 at meados dos 90 o interesse dos pesquisadores13

arrefeceu e os trabalhos nessa rea comearam a escassear. No entanto, recentemente, com o surgimento de novas perspectivas tericas nos campos da inteligncia artificial, das cincias da informao, da computao e das cincias cognitivas, o assunto ganhou no s novo estimulo, mas tambm novos enfoques. Simpsios e congressos comearam a se multiplicar e uma nova rea de abrangncia multidisciplinar despontou: as cincias do projeto [design science]. Agora o interesse no s o de prescrever metodologias, que supostamente otimizariam o processo de concepo, mas o de efetivamente compreender a lgica, os procedimentos de busca e sntese, a tomada de deciso e os recursos de representao dos envolvidos com a atividade e o processo de concepo de projetos. Mesmo reconhecendo que os projetistas tm um papel central neste processo, algumas dessas abordagens tambm se dirigem para o contexto no qual a concepo ocorre. Tomam por base a idia de que o processo de concepo do projeto de alguma maneira se estende alm dos limites da ao dos projetistas. algo que ocorre em um amplo contexto, cujo nexo o da responsabilidade, da cultura, da linguagem e da organizao compartilhadas. Embora o pensamento acerca do processo de concepo do projeto venha recebendo contribuies dos mais diferentes campos do conhecimento, o foco do interesse permanece na capacidade de conceber, planejar e apresentar idias. IV Na literatura se encontram muitas definies para a noo de concepo do projeto [design]. bem verdade que nenhuma delas parece cobrir a diversidade de aspectos dessa atividade. Apesar de ser um tema de pesquisa que continua despertando grande e renovado interesse h poucas indicaes do que seja uma pesquisa no mbito da concepo do projeto. Poder-se-ia argumentar que uma inquirio sistemtica que possibilitar a criao de conhecimentos nos vrios aspectos da concepo do projeto. Talvez, seja possvel organizar as investigaes recentes em trs grandes temas ou ttulos: 1) prescrio de mtodos; 2) procedimentos e 3) instrumentos e meios. Isso no significa afirmar que seja possvel enquadrar uma investigao em qualquer um desses temas sem considerar os demais. Ao contrrio, ser sempre necessrio incorporar as mltiplas implicaes de um tema sobre os outros dois. No entanto, as pesquisas que se14

encontram na literatura parecem estabelecer seus pontos de partida e relevncia de enfoques a partir deles. Quanto abordagem, talvez seja possvel organizar essas investigaes em trs categorias: 1) terico-descritivos; 2) proposicionais e 3) empricos. Os estudos que lidam com prescrio de mtodos enfocam a estrutura do processo e concepo do projeto objetivando aprimorar e normatizar o seu desenvolvimento. Esse assunto atraiu muita ateno nos anos 60 e 70. Hoje, so poucos os trabalhos que estabelecem seus pontos de partida e relevncia de enfoques a partir desse tema. A maioria significativa dos trabalhos de natureza terico-descritiva. Os estudos que lidam com procedimentos enfocam o comportamento do projetista quando empenhado na concepo do projeto. Buscam registrar, descrever e at mesmo medir as estratgias empregadas por eles. A grande maioria dos trabalhos de natureza emprica clssica, nos moldes aplicados pela escola da psicologia cognitiva norte-americana, com hipteses estatisticamente testadas. A tcnica mais caracterstica a chamada anlise de protocolo [protocol analysis] expresso que tambm poderia ser traduzida como anlise de condutas ou anlise de procedimentos, j que nesse caso o termo protocolo corresponde a uma conduta ou um conjunto de prticas que pode ser identificado, decupado e codificado. Inicialmente proposta por A. Newell e H. Simon nos anos 70, esta tcnica ganhou destaque no final da dcada de 80 e vem sendo largamente adotada por diversos pesquisadores nos campos da inteligncia artificial, das cincias da informao, da computao, da psicologia, das cincias cognitivas e das cincias do projeto. A anlise envolve a montagem de experimentos, quase laboratoriais, a fim de registrar a conduta (comportamentos e procedimentos exibidos) de projetistas por meio de gravaes de vdeo e udio. Os projetistas, alm de desenhar, expressam seus pensamentos e descrevem suas aes, sucintamente, em voz alta. O objetivo compreender os processos mentais e as estratgias cognitivas da concepo, atravs dos conceitos e dos instrumentais da psicologia cognitiva, pressupondo a possibilidade de prever como os arquitetos se comportariam na elaborao de suas concepes de projeto. Os estudos que lidam com instrumentos e meios enfocam principalmente os recursos de representao, empregados na concepo do projeto pelos projetistas. A grande maioria dos15

mais recentes trabalhos tem concentrado seus enfoques em sistemas de Projeto Arquitetnico Assistido por Computador (CAAD). No entanto, um campo promissor se abre, nos ltimos anos, com as investigaes em torno das caractersticas das notaes grficas do arquiteto no incio do processo de concepo: esquemas, diagramas e croquis. Os trabalhos pioneiros de Gel, Simon, Goldschmidt, Arnheim, Gero, Schn, Herbert, Laseau, Pauly e Robbins indicam novos caminhos para uma melhor compreenso da natureza do processo de concepo. uma nova abordagem que, sem dvida, implicar no aprimoramento do processo. Ainda existe muito a ser investigado, assim, esse assunto uma rea de estudo instigante e com muita latitude para o desenvolvimento de trabalhos, quando no inditos, com uma postura polmica. H trabalhos tericos-descritivos, proposicionais e empricos, no entanto, em sua grande maioria so de natureza terico-descritiva. V De uma maneira geral as notaes grficas, em todas as suas formas de expresso, tm sido consideradas como instrumentos de enorme flexibilidade e fundamentais para a concepo, reconhecendo-se neste caso um certo pragmatismo. Mesmo assim, a partir da noo do esboo como uma forma de reflexo dialtica proposta por Goldschmidt (1991, 1994, 1997), Arnheim (1995) prope uma discusso mais ampla acerca da relao entre imagens mentais e representao visual no processo de concepo argumentando que a natureza e as funes dessas notaes grficas merecem mais ateno do que tm recebido. Atualmente, os estudos referentes relao dos arquitetos com os seus esboos e esquemas poderiam ser organizados a partir de duas questes bsicas: O que percebem nas suas notaes grficas? e O que desenham nas suas notaes grficas?. A maioria dos estudos que buscam responder a primeira questo ultrapassa os limites da pesquisa no campo da arquitetura e do projeto e se enquadra no vasto campo das cincias cognitivas. Os principais autores, entre eles Gel, Simon e Goldschmidt, so oriundos das mais diferentes reas do conhecimento e investigam a ao dos arquitetos, visando entender, de maneira bem ampla, a capacidade humana para resolver problemas [problem-solving]. J a segunda questo no suscita trabalhos com uma abordagem to geral, aparentemente porque tem seu interesse restringido ao campo da arquitetura e do projeto. No entanto, alguns trabalhos importantes, que tratam dessa questo, apresentados por autores como Herbert,16

Pauly e Robbins indicam que compreender o que os arquitetos desenham e como o fazem em suas notaes grficas poder influenciar o surgimento de uma nova gerao de sistemas de Projeto Arquitetnico Assistido por Computador [CAAD / Computer-Aided Architectural Design]. 2.2 PROPOSTA METODOLGICA E ESCOPO DO ESTUDO I O objetivo deste estudo compreender a lgica, os procedimentos de busca e sntese, a tomada de deciso e os recursos de representao daqueles envolvidos com a atividade e o processo de concepo de projetos. Para isto esta investigao procura tratar com a seguinte questo: O que as notaes grficas de concepo esquemas, diagramas, esboos, croquis, etc. podem revelar acerca do processo de concepo do arquiteto e do desenvolvimento da idia do projeto? Para lidar com esta questo central necessrio abordar, mesmo que indiretamente, com outras duas questes secundrias, que tambm se impem: Como os arquitetos geram notaes grficas de concepo? Ou, com outras palavras, como uma demanda (programa) se transforma em notao (diagrama)? Como arquitetos desvendam e reconhecem nas suas notaes grficas os aspectos formais que iro definir a idia do projeto? Neste sentido, interessante identificar e registrar os diferentes procedimentos empregados e delinear o percurso, que tem seu incio na interpretao de uma situao existente, percorre a abstrao sobre dados de um programa de necessidades e a antecipao de solues plausveis e viveis, que se define na construo da questo de projeto, e termina num processo de concepo. II A suposio ou hiptese, que fundamenta esta tese que, devido ausncia de relatos rigorosos e confiveis de um processo de concepo, o principal veculo, meio pelo17

qual essa concepo se deu, desenhos e notaes, pode ser analisado e interpretado para reconstituir uma cronologia longa e complexa. Esse estudo cronolgico no poderia ser documentado de outra forma, a no ser pelos registros das idias, dos mtodos, das circunstncias e das prprias tcnicas grficas, que informaram o processo de concepo e desenvolvimento das idias. Com essa anlise e interpretao, a notao grfica transformarse-ia numa espcie de janela, permitindo o vislumbramento de parte dos motivos, mtodos e tcnicas, que constituem a mecnica de um processo criativo, que por outros meios talvez permanecesse completamente obscuro. Sem dvida, essa suposio s se sustenta se for aceito como premissa que de fato o principal veculo, meio pelo qual a concepo do projeto de arquitetura e urbanismo se d, o desenho, ou mais especificamente uma notao grfica de concepo que pode ser includa na categoria desenho, entendendo-se neste ponto desenho como um conceito fundamental, e generalizante, que define um domnio ou campo de conhecimento. Ao mesmo tempo, tambm reconhece no projetista uma ateno geomtrica que no est voltada para a contemplao matemtica de formas e relaes ideais, mas fundamentando uma imaginao que visa a manipulao construtiva de forma e relaes que completa e verdadeira no campo da concepo. Ainda assim, necessrio que ao longo das anlises e interpretaes se procure demonstrar que a premissa pode ser aceita. Talvez seja prefervel correr o risco de cair numa espcie de argumento circular, do que assumir a princpio, que a premissa na realidade um axioma. Por esse motivo, houve a preocupao de definir no incio deste captulo que o projeto e o desenho seriam abordados como tema de investigao dentro do campo da arquitetura e urbanismo, partindo dos interesses dos criadores do projeto. Conseqentemente, necessrio tomar algumas precaues metodolgicas em sua abordagem. importante ressaltar que no se objetiva formalizar processos mentais que eventualmente os projetistas desenvolvam . Pretende-se investigar, ainda que com um enfoque interpretativo, com nfase em um saber construdo com rigor e mtodo, como arquitetos lidam com a materializao de representaes. Em ltima anlise, a pesquisa visa reconhecer padres e procedimentos comuns e, na medida do possvel, discutir sua eficcia. Longe da orientao restritiva das metodologias de projeto o objetivo no o de construir um modelo rgido que, alm de descrever, prescreve como deve ser o processo de concepo. O interesse organizar um fundamento terico, que possibilite uma compreenso mais ampla e abrangente do processo para entender como as representaes so empregadas de acordo com esse quadro geral.18

III Para o desenvolvimento da tese, foi realizada inicialmente uma reviso literria e uma pesquisa bibliogrfica abordando no s o assunto especfico, mas tambm assuntos conexos. A inteno propor um referencial terico amplo, que fundamente a identificao do problema e a formulao de questes relevantes e hipteses de trabalho. A pea central de estudo desta tese so os desenhos inditos da concepo de Braslia, recentemente exibidos na exposio comemorativa dos 100 anos de Lucio Costa. A questo central O que as notaes grficas de concepo esquemas, diagramas, esboos, croquis, etc. podem revelar acerca do processo de concepo do arquiteto e do desenvolvimento da idia do projeto? objeto de uma discusso com base nas anlises destes documentos, tendo como referncia uma combinao dos mtodos propostos por D. Pauly (1987) e D. M. Herbert (1993), e de uma variante da Anlise de Condutas (ou prticas) Replicadas [Replication Protocol Analysis] de Galle e Kovcs (1996). Para complementar e discutir as questes secundrias, que servem de base para a questo central Como os arquitetos geram notaes grficas de concepo? Ou como um programa (demanda) se transforma em diagrama (notao)? e Como arquitetos desvendam e reconhecem nas suas notaes grficas os aspectos formais que iro definir a idia do projeto? foi feita uma seleo de anotaes grficas, o mais abrangente possvel, cobrindo diferentes momentos e culturas: esboos, croquis e diagramas de projetos realizados por arquitetos reconhecidos de pocas e lugares diferentes, alm de uma seleo nos inmeros depoimentos e testemunhos de arquitetos contemporneos registrados pela literatura tambm foram selecionados. IV A exposio comemorativa que marcou os cem anos do nascimento de Lucio Costa realizada no Pao Imperial, Rio de Janeiro, nos meses de maro e abril de 2002, foi uma belssima coletnea de trabalhos, onde se pde acompanhar o desenvolvimento e as reflexes projetuais do mestre em um conjunto de trabalhos muito expressivos. Sob a curadoria da Arq. Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, a mostra reuniu mais de 200 itens, expostos em 12 mdulos, que ocuparam quatro salas do Pao.19

Cidade Universitria

Viagem Portugal

Sugesto para Copacabana

Notaes grficas de Lucio Costa.

A estrutura da exposio procurou resgatar a trajetria individual do arquiteto, passando pelas primeiras realizaes at chegar obra madura e consolidada. De um ponto de vista restrito, a exposio dos desenhos revela o mago da prpria prtica da concepo do projeto e, talvez, a melhor explicao para os trabalhos expostos seja uma intensa paixo pelo risco mo livre. A oportunidade que surge com a apresentao da produo de um mestre deve ser aproveitada visando compreender, de uma maneira geral, a natureza de um ato difcil, mas corriqueiro para a grande maioria dos arquitetos. Como alguns autores vm demonstrando (D. Pauly, D. M. Herbert, entre outros) exatamente pela investigao de situaes notveis e exemplares, que se poder entender a importncia da notao grfica para os arquitetos e lanar alguma luz sobre o tema. Esta tese ento prope uma anlise de parte dessas notaes grficas de uma maneira renovada. Sero estudados todos os desenhos relativos a concepo de Braslia apresentados na exposio e uma seleo dos documentos que contm tanto textos como desenhos, mais os dois desenhos publicados na edio especial da revista Arquitetura e Urbanismo de Abril de 1985. V Encontrar ou definir um mtodo de anlise que pudesse dar conta do processo de concepo no uma tarefa simples ou bvia. Mais ainda, se for considerado que esse um campo de estudo bastante recente. Neste trabalho se pretende no s combinar referncias a alguns procedimentos j aplicados, mas principalmente incorporar essas abordagens em um mtodo grfico de tratamento simples, algo como uma espcie de diagrama da idia, o qual poder-se-ia denominar reduo ideogramtica. Esta reduo consistiria em buscar a essncia do gesto, [re-]imaginando a sua inteno e traduzindo-o no mais simples, elementar e regular traado de natureza geomtrica, o que, de certa maneira, tambm significa interferir no desenho. Trata-se de uma operao mediadora, que combina a apropriao e o distanciamento. Neste sentido, se estuda o desenho interpondo uma ferramenta conceitual, porque ao redesenh-lo e substitui-lo, objetiva-se reconhecer e deslindar parte dos motivos, mtodos e tcnicas que constituiriam a mecnica do processo criativo.20

A partir do trabalho realizado por Danile Pauly, o autor Daniel M. Herbert, no seu Architectural Study Drawings, procurou demonstrar e recriar o processo de elaborao dos esboos de concepo realizados por Le Corbusier para Ronchamp, tomando por base o primeiro esboo realizado em 6 de junho de 1950.

D. Pauly (1979) apresentou um dos primeiros trabalhos acadmicos que lida com notaes grficas no estudo de uma edificao notvel de Le Corbusier. De uma maneira simples e direta, mas ainda assim, indita e original, a autora organizou cronologicamente desenhos e depoimentos escritos do arquiteto para iluminar um processo de concepo, que, segundo seu prprio autor, se deu como um nascimento espontneo da totalidade da obra, de uma nica vez, de um s golpe. Na sua anlise, a autora procurou conexes inusitadas, dando nfase s referncias e experincias vivenciadas por Le Corbusier, que poderiam ter infludo nas escolhas e decises de projeto. D. M. Herbert (1993) procura analisar, de uma maneira mais geral, o processo grfico e cognitivo da concepo e aplica ao material analisado e apresentado por D. Pauly um modelo de processamento cognitivo proposto por C. Rusch. Herbert reconstri passo a passo o primeiro desenho de Le Corbusier, utilizando os mesmos materiais. O autor simula os provveis gestos e movimentos de Le Corbusier para tentar identificar os momentos de interpretao e deciso que marcam a concepo de Ronchamp. O objetivo, nesse caso, foi entender e fundamentar um ciclo cognitivo geral, comum a todos os projetistas. Os autores Per Galle e Laszl Kovcs, a partir de um exemplo que reconhece um programa para concurso de arquitetura real e o projeto vencedor, prope um mtodo denominado RPA [Replication Protocol Analysis], que poderia ser traduzido como Anlise de Condutas (ou prticas) Replicadas. Os autores argumentam que este mtodo de grande utilidade como exerccio mental de apoio ao ensino de projeto para alunos avanados. O mtodo proposto composto, essencialmente, por trs passos bsicos: 1. Estudar e analisar cuidadosamente tanto a demanda (programa) de projeto quanto uma soluo proposta. 2. Sem nenhum tipo de comunicao com o autor da soluo proposta, a pessoa que aplicar o mtodo deve imaginar uma linha de raciocnio, etapa por etapa, que possa ter encaminhado a soluo proposta. Cada passo deve ser imediatamente registrado, medida que imaginado, na forma de um texto coerente, acompanhado de esquemas grficos. O objetivo dever ser organizar uma seqncia de decises de projeto e as provveis razes que convenceram o autor original. Se for o caso, devero ser verificadas a possibilidade de decises alternativas. 3. Analisar e verificar a coerncia do resultado final.21

As abordagens apresentadas so legtimas e produziram bons resultados, mas h de se convir que em todas elas houve uma grande parcela de imaginao. De fato, a tentativa de recriao de uma idia de projeto, alm de ser um estmulo ao desenvolvimento intelectual e ao entendimento dos fundamentos da concepo na arquitetura e no urbanismo, fundamentalmente um exerccio de imaginao. Assim, o principal objetivo ao estudar os desenhos ser o de considerar esses trs mtodos de anlise e, tendo como referncia o modelo da re-cognio visual de Oxman (1997, 2002), incorpor-los numa reduo ideogramtica, que favorea uma apreciao criativa. Com a reduo ideogramtica, se pretende separar e simplificar geometricamente uma esquematizao de carter geomtrico sem qualquer preocupao com a preciso matemtica um ou mais componentes de uma totalidade complexa, visando representar a idia da notao atravs de seus sinais ou gestos mais fundamentais. Em resumo, o estudo do risco de Braslia seguir os seguintes passos: 1. Levantamento das anotaes grficas; 2. Identificao, de referncias, experincias anteriores e possveis influncias projetuais; 3. Reconhecimento de uma forma de processamento cognitivo; 4. Anlise da demanda do projeto e da soluo apresentada; 5. Proposio de uma seqncia de passos empregando o recurso da reduo ideogramtica. VI A tese apresentada em seis partes: 1- Introduo; 2- Uma Abordagem Metodolgica; 3- A Concepo do Projeto e o seu Registro; 4- O Desenho de Arquitetura e o Risco da Concepo; 5- A Inveno de Braslia: O Risco de Lucio Costa; 6- Concluso. O corpo principal desta tese formado pelos captulos 3 (A Concepo do Projeto e o seu Registro), 4 (O Desenho de Arquitetura e o Risco da Concepo) e 5 (A Inveno de Braslia: O Risco de Lucio Costa).22

O captulo 3 trata da cognio, da noo de pensamento visual, da questo da representao e da sua modelagem, ou melhor, dos processos de materializao da representao, que so usuais para os arquitetos. Tambm discorre acerca de questes relacionadas ao processo de concepo, procurando situ-las no contexto das preocupaes da pesquisa atual, conforme consignadas na literatura. O capitulo concludo sugerindo-se uma abordagem renovada para compreender tanto o processo de registro da concepo, quanto a atitude projetual, assumida pelo projetista a fim de realiz-la. O captulo 4 expe um histrico acerca da evoluo do desenho e do projeto, ressaltando a notao de concepo como uma das primeiras das formas de expresso racional do pensamento do mestre-construtor, projetista e arquiteto. Seu contedo disserta sobre o desenvolvimento da notao no processo de concepo, considerando as noes de busca heurstica e infralgica propostas por A. Moles, aborda os mtodos de anlise dessas notaes, relatados na literatura de referncia e apresenta uma seleo de entrevistas que merecem considerao. O captulo concludo com uma apreciao acerca das novas tendncias, considerando a relao do desenho, do projeto e dos recursos digitais. O captulo 5 dedicado a uma anlise do processo de inveno do mestre Lucio Costa para o concurso de Braslia. O objetivo principal fazer uma abordagem renovada de uma documentao indita e importante.

O Objeto de Estudo: um dos croquis de Lucio Costa analisados no captulo 5.23

Estudo realizado, no verso do menu do restaurante Trapiche Adelaide, pelo arquiteto Frank Gehry em novembro de 2000 para a sede do museu Guggenheim em Salvador. O desenho foi publicado no jornal O GLOBO (13/11/2000) com uma pequena nota que visva explicar o aquilo que denominava um rascunho. A partir do croqui divulgado as prximas imagens exemplificam a aplicao de uma variante grfica simplificada do mtodo proposto por Galle e Kovcs para analisar o percurso possvel de concepo. 24

3 A CONCEPO DO PROJETO E O SEU REGISTRO 3.1 COGNIO, PENSAMENTO VISUAL E REPRESENTAO IDESENHO:[Dev. de desenhar.] S.m. 1. Representao de formas sobre uma superfcie, por meio de linhas, pontos e manchas, com objetivo ldico, artstico, cientfico, ou tcnico. 2. A arte e a tcnica de representar, com lpis, pincel, pena, etc., um tema real ou imaginrio, expressando a forma e ger. abandonando a cor. [O desenho tende a representar o tema racionalmente, configurando ou sugerindo seus limites, enquanto a cor tende a transmitir valores de ordem emotiva.] 3. Toda obra de arte executada segundo as condies acima descritas. 4. A disciplina relativa arte e tcnica do desenho (1 e 2). 5. Verso preparatria de um desenho artstico ou de um quadro; esboo, estudo. 6. Traado, risco, projeto, plano. 7. Forma, feitio, configurao. 8. Fig. Delineamento, esboo; elaborao. 9. Fig. Intento, propsito, desgnio.

Desenhar parte da produo cultural humana desde o seu alvorecer. As evidncias arqueolgicas parecem apontar que o homem, muito antes de construir, j registrava imagens. O homem pode ter tido a sua primeira reflexo intelectual ao olhar e destacar o registro ou marca provocada pela ao de um gesto da sua prpria mo. Bronowski (1979) alega que provavelmente o homem primitivo registrou imagens, que de alguma forma imitavam as coisas do mundo sensvel, como uma forma ritual de congelar idias e acontecimentos. No entanto, o prprio ato de reproduzir e criar um mundo de representao foi fundamental para o desenvolvimento do pensamento. O homem logrou separar o aqui-e-agora de acontecimentos passados e daquilo que podia ser imaginado, simulado, ou at mesmo desejado. Logrou formular idias e propsitos que poderiam ser compartilhados. Logrou enxergar alternativas de futuro. O desenho tem uma natureza dupla, e s vezes contraditria. ao mesmo tempo idia e ato. Ao mesmo tempo um objeto autnomo e um modo de discurso social. Materialmente constituda uma representao fenomenal de uma prtica conceptual. uma viso ou projeo de idia delineada numa superfcie bidimensional que, uma vez materializada, pode ser visto de forma independente da sua produo ou dos valores que expressa. No seu texto Visual Thinking, Rudolf Arnheim (1969/1971) afirma que qualquer separao entre ver/perceber e pensar/raciocinar irreal e conduz ao engano. A pesquisadora Gabriela Goldschmidt estuda aspectos que relacionam percepo visual ao desenho arquitetnico, via o esboo ou croquis, dando um novo desenvolvimento ao esquema bsico proposto por Arnheim. Nessa abordagem as relaes resultantes entre as atividades envolvidas no esboo seriam:Delineao ativa do esboo (mo) > Percepo ativa (olho) > Cognio ativa (mente)25

DESENHAR:[Do it. disegnare.] V.t.d. 1. Traar o desenho (1, 5 e 6) de. 2. Dar relevo a; delinear. 3. Descrever, apresentar, caracterizando, oralmente ou por escrito. 4. Tornar perceptvel; representar, acusar. 5. Conceber, projetar, imaginar, idear. V.t.d. e c. 6. Desenhar (1). V. int. 7. Traar desenho(s). 8. Exercer a profisso de desenhista; trabalhar como tal. V.p. 9. Apresentar-se com os contornos bem definidos; ressair, ressaltar; avultar, destacar(- se); delinear-se. 10. Aparecer, representar-se ou reproduzir-se na mente, na imaginao; afigurar-se, figurar-se.

DELINEAR:[Do lat. delineare.] V.t.d. 1. Fazer os traos gerais de; traar, esboar, debuxar. 2. Traar as linhas gerais, o plano de; projetar, planear. 3. Descrever de modo sucinto; expor em linhas gerais. 4. Demarcar, delimitar.

A autora (1991, 1994), com base na abordagem do pensamento visual [visual thinking] de Arnheim, adotaria as noes de imaginao interativa e de conceito figural para reiterar sua rejeio a qualquer dicotomia entre concepo do projeto e registro figurativo da imagem. Ou seja, a notao grfica de esquemas ou esboos entendida como fundamental e necessria para a elaborao do projeto. Na verdade, grande parte das notaes grfica dos arquitetos no resulta de idias ou imagens j concebidas por inteiro, no so recuperadas da memria, ao contrrio antecedem essas idias. Ou seja, apesar de alguns depoimentos de figuras notveis, as evidncias parecem indicar que os arquitetos frequentemente iniciam seus desenhos no para confirmar uma idia, que de fato ainda no esta l, mas para estimular sua gerao. De alguma maneira esses registros grficos refletem um processo de pensamento visual [visual thinking], uma atividade que envolve a integrao da percepo, imaginao e desenho. IICOGNIO:[Do lat. cognitione.] S.f. 1. Aquisio de um conhecimento. 2. P. ext. Conhecimento, percepo. 4. Psicol. O conjunto dos processos mentais: no pensamento, na percepo, na classificao, reconhecimento, etc.

Arnheim (1995), num texto recente sobre o assunto, fundamenta as bases para a pesquisa ao dissolver a barreira artificial entre o pensamento e a atividade sensorial: por cognio entende-se todas as operaes mentais envolvidas na recepo, armazenamento e processamento de informao: percepo sensorial, memria, pensamento e aprendizado. No entanto, a tendncia de uma abordagem naturalista seria a de assegurar que todo o conjunto de experincias cognitivas deve ser reduzido, por um encadeamento mecnico, a fatos do mundo concreto material sem a interveno de nenhuma causa transcendente. Ou seja, dai se deduziria que tudo fsico e que a conscincia, que possibilita o homem conhecer o mundo exterior, a expresso de eventos fisiolgicos que ocorrem no sistema nervoso. Sem pretender rejeitar contribuies eventualmente defendidas por esta posio, um argumento naturalista tomado de forma estrita acabar por anular a diferena entre sujeito cognoscente e a realidade exterior. Uma viso de tendncia fenomenolgica pode ser mais abrangente ao afirmar que o psquico no coisa, fenmeno. Que o mundo ou a realidade um conjunto de sentidos ou significaes produzidos por uma conscincia intencional. A concepo de Brentano, posteriormente desenvolvida por Husserl, sustenta que a conscincia ativa e constituda por atos do pensamento (percepo, imaginao, especulao, volio, paixo, etc.), com os quais necessariamente ir se visar algo. Um grande nmero de autores reconhece que o ato do pensamento que leva o indivduo a26

FENOMENOLOGIA:[De fenmeno + -logia; al. Phnomenologie.] S. f. 1. Filos. Estudo descritivo de um fenmeno ou de um conjunto de fenmenos em que estes se definem quer por oposio s leis abstratas e fixas que os ordenam, quer por oposio s realidades de que seriam a manifestao. 2. Filos. Sistema de Edmund Husserl [1859-1938], filsofo alemo, e de seus seguidores, caracterizado principalmente pela abordagem dos problemas filosficos segundo um mtodo que busca a volta s coisas mesmas, numa tentativa de reencontrar a verdade nos dados originrios da experincia, entendida esta como a intuio das essncias. NOTA: O termo fenmeno empregado, filosoficamente, no sentido daquilo que percebido pelos sentidos e se manifesta conscincia, por oposio a noumeno, que o conceito da coisa-em-si idealizado para alm de toda experincia possvel. Fenomenologia um termo que surgiu no sculo XVIII para denotar a descrio dos estados da conscincia e a experincia abstrata. Pode ser genericamente definida como o estudo de como os fenmenos se revelam conscincia. Para Hegel (1770-1831) seria a inquirio histrica da conscincia. Tal como proposta por Husserl (18591938) pode ser entendida como uma atitude e um mtodo, um modo de ver. A fenomenologia de Husserl no pressupe nada: nem o mundo natural, nem o sentido comum, nem as proposies da cincia, nem as experincias psicolgicas. Coloca-se antes de toda crena e de todo o juzo para explorar o dado que aparece (fenmeno) na conscincia em seu simples dar-se. O chamado mtodo fenomenolgico consistiria em examinar os contedos da conscincia, mas em vez de determinar se tais contedos so reais, irreais, ideais, imaginrios, etc., pretende examin-los, mediante uma suspenso total de juzo, enquanto dados puros. As coisa mesmas de Husserl no so mais do que as coisas tal como se apresentam a um eu transcendental que lhes d sentido e consistncia. Para a fenomenologia o caminho para essncia fica centrado num existente concreto: o eu humano transcendental. A abordagem fenomenolgica ir buscar descries puras do que se mostra por si mesmo reconhecendo que toda intuio primordial poder ser uma fonte legtima de conhecimento. Contrastando com a abordagem transcendental ou pura de Husserl, filsofos como Heidegger e Merleau-Ponty colocaram uma maior nfase na experincia humana num mundo real contribuindo para uma abordagem que pode ser denominada como fenomenologia existencial. Como desenvolvida pelos filsofos Heidegger e Gadamer, acarretar tambm uma dimenso interpretativa profunda na forma da hermenutica (Japiassu e Marcondes, 1998, Chau, 1994, Ferrater-Mora, 1982).

conhecer objetos e situaes atravs dos sentidos a percepo. Perceber entrar numa relao nica, sensvel e imediata com um objeto. As condies necessrias para esse processo dependem da proximidade do objeto no espao e no tempo e do acesso fsico imediato. Ainda assim, no pode ser entendida como um processo passivo de registro de estmulos que os sentidos captam, mas como um interesse ativo da mente. A percepo se constitui numa experincia psquica muito mais complexa que uma simples atividade sensorial. A percepo possibilita um indivduo integrar aferies sensoriais para construir uma representao, imagem ou esquema geral do mundo exterior adaptada ao seu esquema corporal, seu sentido de orientao e posio, sua performance especfica (possibilidades de desempenho e comportamento) e suas intenes de ao que por sua vez se adaptam aos recursos que mundo exterior oferece. Ou seja, a percepo ser o processo mental que possibilitar a interrelao do homem com seu entorno. Neste sentido, atribuir significado, registrar situaes significativas e grup-las em classes segundo suas analogias, associar essas classes segundo relao de acontecimentos, enriquecer programas de ao inatos, estabelecer experincia, selecionar dados, imaginar, representar, simular, antecipar acontecimentos tambm so atos do pensamento. Resultam de uma conscincia ativa e intencional, atos que so ditos cognitivos. O termo cognio vem do latim, cognitione vir a saber, e diz respeito aos processos de apreenso, de compreenso e entendimento e ao produto (representao, imagem, sentido, significado) relativo coisa conhecida. considerada uma atividade psquica cuja funo seria a de adquirir conhecimentos. No sculo XVII o filsofo francs Descartes formulou uma noo radical de que o pensamento seria a essncia e fundamento da mente humana. A noo cartesiana de pensamento inclui toda atividade cerebral envolvida na sensao, raciocnio e deciso. Na chamada Cincia da Cognio [Cognitive Science] o termo cognio tem uma amplitude semelhante, incluindo percepo, memria, aprendizado, resoluo de problemas e todos os demais processos que lidam com uma inteligncia que, inclusive, pode at no ser humana. Ainda assim, os sentidos que o termo recebe em diferentes disciplinas Filosofia da Cincia, Psicologia e Antropologia ainda que relacionados so conceitualmente distintos e especficos. No entanto, se for considerado o conceito do termo de uma forma abrangente, centrada na condio humana, poder-se-ia argumentar que esses diferentes sentidos seriam casos restritos de uma abordagem antropolgica. No contexto da Antropologia a cognio que possibilita o inter-relacionamento dos indivduos com seu entorno ambiental,27

PERCEPO:[Do lat. perceptione.] S. f. 1. Ato, efeito ou faculdade de perceber.

PERCEBER:[Do lat. percipere, apoderar-se de, apreender pelos sentidos.] V. t. d. 1. Adquirir conhecimento de, por meio dos sentidos. 2. Formar idia de; abranger com a inteligncia; entender, compreender. 3. Conhecer, distinguir; notar.

processando e convertendo o mundo em algo significativo. Ou seja, a abordagem antropolgica sugere que o processo cognitivo fundamental para que os indivduos possam estruturar e atuar no mundo. As pessoas como organismos ativos, adaptativos e que buscam atingir objetivos ou fins, estruturam e atuam num dado entorno ambiental a partir de trs fatores essenciais: o seu organismo, incluindo-se a percepo e sua capacidade de desempenho; o meio ambiente em que se encontram e seu meio cultural. A cognio pela aquisio, produo e desenvolvimento de conhecimento seria, de acordo com esta abordagem, um processo basicamente taxonmico e o mundo ganharia significado ao ser nomeado, classificado e ordenado mediante determinados instrumentos conceituais.IMAGEM:[Do lat. imagine.] S. f. 1. Representao grfica, plstica ou fotogrfica de pessoa ou de objeto. 5. Reproduo invertida, de pessoa ou de objeto, numa superfcie refletora ou refletidora. 6. Representao dinmica, cinematogrfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena, etc. 7. Representao exata ou analgica de um ser, de uma coisa; cpia. 8. Aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com ela semelhana ou relao simblica; smbolo. 9. Representao mental de um objeto, de uma impresso, etc.; lembrana, recordao. 10. Produto da imaginao, consciente ou inconsciente; viso. 11. Manifestao sensvel do abstrato ou do invisvel.

Por outro lado, na Psicologia Cognitiva, cujas primeiras formulaes tericas remontam ao final dos anos 60, o principal interesse ser pelos processos de tratamento dos conhecimentos dados pelos indivduos, mais particularmente quando esses esto envolvidos no desempenho de uma determinada tarefa. No curso de suas aes o sujeito se apropria progressivamente dos domnios das tarefas com as quais deve interagir. Tal apropriao se manifesta, em termos cognitivos, como uma representao pessoal ou modelo interior. Essas representaes, mesmo sendo construdas individualmente, partilham algum de seus elementos com outros indivduos empenhados nas mesmas tarefas. No processo de domnio e controle de uma tarefa ser, ento, necessrio dominar dois tipos distintos, e por vezes opostos, de conhecimento: um que lida com as rotinas e procedimentos envolvendo tanto uma sabedoria tcita ou subentendida, como o conjunto de conhecimentos um pouco mais organizado do saber-fazer [know-how] necessrios para o desempenho da tarefa e um outro tipo que se constitui no conjunto de conhecimentos tericos que podem auxiliar e embasar essa ao. O primeiro dinmico, adaptvel, mas dependente de objetivos especficos e prximos da ao concreta. O segundo mais esttico, mas trata das propriedades dos objetos e das suas relaes de uma maneira generalizante e organizada categoricamente. III Representaes grficas e percepo visual so temas que se confundem porque sem a percepo visual no h possibilidade de representao material. De acordo com os autores Lucia Santaella e Winfried Nth (1998):O mundo das imagens se divide em dois domnios. O primeiro o domnio das imagens como representaes visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematogrficas, televisivas, holo e infogrficas pertencem a esse domnio. Imagens, nesse sentido, so objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O28

segundo o domnio imaterial das imagens de nossa mente. Neste domnio, imagens aparecem como vises, fantasias, imaginaes, esquemas, modelos ou, em geral, como representaes mentais. Ambos os domnios da imagem no existem separados, pois esto inextricavelmente ligados j na sua gnese. No h imagens como representaes visuais que no tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que no h imagens mentais que no tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais.

GESTALT:Estrangeirismo [getalt] [Al., forma, figura, configurao.] S. f. 1. Art. Plst. Posicionamento que parte da teoria do gestaltismo (q. v.) e afirma estar a experincia esttica relacionada s estruturas bsicas, indivisveis; o artista no imprime qualidades estticas ou emocionais obra de arte, uma vez que a forma preexiste criao. 2. Filos. Gestaltismo.

A percepo visual talvez seja a principal atividade mental a influir na interao do homem com seu entorno. Tradicionalmente, a percepo j foi conceituada como processo suscetvel de interpretao de dados sensoriais. Distinguiam-se duas fases: um primeiro momento subordinado aos estmulos, que se daria em termos de apreenso de dados isolados ou desconexos; sobre estes dados ocorreriam num segundo momento certos processos mentais que, mobilizando a experincia passada, os enriqueceriam dando-lhes sentido e organizao. A psicologia contempornea passou a tratar apenas da percepo e considera a sensao como um conceito que designa o conjunto de condies neurofisiolgicas que se produz na periferia do sistema nervoso. Esta abordagem contempornea tem razes nas idias de Hering, cientista do sculo XIX, e em algumas idias da escola alem de psicologia experimental que se iniciou com Wertheimer em 1910. A escola da gestalt, como ficou conhecida, desenvolveu uma teoria da percepo visual com base em mtodos experimentais que, investigando padres de estmulo luminoso na retina, possibilitou a formulao de hipteses sobre como se ordenam ou se estruturam, no crebro, as formas que os sentidos captam. Nessa teoria a atividade perceptiva se subordinaria a noo de campo. Ou seja, no se percebe impresses puras ou estruturas difusas e confusas, os indivduos percebem um campo, que estrutural e funcionalmente organizado, constitudo de figura e fundo, nos quais formas se destacam como unidades figurais. Para o filsofo Merleau-Ponty (apud. Chau, 1994):A percepo se realiza num campo perceptivo e o percebido no est deformado por nada, pois ver no fazer geometria nem fsica. No h iluses na percepo; perceber diferente de pensar e no uma forma inferior e deformada de pensamento. A percepo no causada pelos objetos sobre ns, nem causada pelo nosso corpo sobre as coisas: a relao entre elas e ns e ns e elas; uma relao possvel porque elas so corpos e ns tambm somos corporais.

GESTALTISMO:[Do al. Gestalt,forma, + -ismo, para traduzir o al. Gestalt Theorie.] S. m. 1. Doutrina relativa a fenmenos psicolgicos e biolgicos, que veio a alcanar domnio filosfico, e consiste em considerar esses fenmenos no mais como soma de elementos por isolar, analisar e dissecar, mas como conjuntos que constituem unidades autnomas, manifestando uma solidariedade interna e possuindo leis prprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o regem, no podendo nenhum dos elementos preexistir ao conjunto; teoria da forma.

O fundamento da gestalt que qualquer padro de estmulo tende a ser visto de tal modo que, a estrutura resultante to simples quanto s condies dadas permitem. De certa29

maneira uma base esquemtica do desenho pode ser definida do mesmo modo e tanto assim que essa abordagem acabou por influenciar fortemente as chamadas artes visuais ao ser definida como uma psicologia da forma. Neste sentido, a percepo das unidades figurais se subordinaria a um fator bsico designado como boa-forma ou pregnncia. Uma figura pregnante seria aquela que exprimiria uma caracterstica qualquer, forte o suficiente para destacar-se, impor-se e ser de fcil evocao. Ao fator bsico da boa-forma se associariam fatores complementares, que foram tratados como leis da percepo, que vo se constituir nas condies atravs das quais tem consumao a forma privilegiada ou pregnante. Esses fatores complementares seriam: o fechamento, a continuidade, a proximidade e a semelhana. Entretanto, a abordagem da gestalt no unnime nem no mbito da psicologia e nem do das artes visuais; sendo assim, o processamento e transformao de estmulo luminoso em informao visual tem sido objeto de intensas investigaes no campo da psicologia e no da cincia da cognio. A dificuldade est em explicar a seleo exercida por atos do pensamento naquilo que de fato uma pessoa v: o que a memria escolhe ou prioriza e aquilo que elimina ou coloca num plano secundrio; as situaes ambgas que possibilitam a iluso tica; a organizao da luz e sombra, cor, contorno e configurao em padres compreensveis, figura e forma. Um autor como Arheim, que trabalha indistintamente com cognio, psicologia, arte e arquitetura entendendo que o pensamento uma atividade psquica que abarca os fenmenos cognitivos de aquisio, produo e desenvolvimento de conhecimento , vai tratar a percepo visual como parte de um processo que habilita um pensamento visual [visual thinking] em que ocorreria aquisio, produo e desenvolvimento de uma forma de conhecimento visual para, de certa forma, escapar da associao com o paradigma lingstico que domina algumas reas na psicologia e na cincia da cognio. Sob outro enfoque, o psiclogo David Marr, do laboratrio de inteligncia artificial do MIT, tendo como objetivo estabelecer um algoritmo para um sistema de viso artificial props que a viso humana funcionaria com uma estrutura modular. Em termos computacionais isso significaria que o programa principal denominado viso englobaria uma srie de subrotinas autnomas, que tambm funcionariam independentemente, transformando representaes bidimensionais (imagem retinal) em informao visual enriquecida. Num primeiro estgio a imagem retinal traduzida em uma espcie de esquema ou esboo primitivo [primal sketch] que registra as mudanas de intensidade de luz e resulta numa definio de limites, a seguir ocorreria o que chamou de esquema ou esboo 2 1/2 D [2 1/2D Sketch] baseado nas diferenas de intensidade de luz e no cmputo das distncias aos limites30

Imagem Retinal

Primal sketch

A noo de primal sketch conforme proposto por D. Marr.

definidos, e finalmente ocorreria a elaborao de uma representao que refere trs dimenses (Ernst, 1986, Lent, 2002). O prprio emprego do termo sketch, que pode ser traduzido como esboo, como metfora para compreenso do processamento sugestivo e de certa maneira indica a forte ligao que o ato de desenhar tem com a percepo visual. Embasado na teoria de Marr, o psiclogo Irving Biederman identificou um conjunto limitado de 24 unidades perceptuais apreendidas na infncia, denominadas geons. Cada uma dessas unidades representada por um esquema formal simples que essencialmente uma combinao de primitivas geomtricas. A partir da combinao dessas entidades as coisas percebidas seriam identificadas e armazenadas na memria (Lent, 2002). J a questo bsica colocada por Gibson, uma das figuras mais importantes na rea da psicologia experimental nos ltimos 50 anos, seria de como o crebro constri percepes constantes a partir de sensaes visuais que mudam continuamente. A explicao defendida por este autor na sua teoria da percepo ecolgica seria de que a percepo visual se d diretamente a partir de uma seleo de alguns tipos de informaes, contidas no arranjo tico da prpria imagem na retina, tratadas como propriedades vlidas do mundo exterior. Esta seleo seria determinada pela deteco de invariantes ou unidades de percepo elementares, que seriam qualidades do campo visual, que permanecem constantes quando o observador ou o objeto muda de posio. Apesar de defender que a percepo se d de forma direta, diferentemente dos gestaltistas, Gibson no v a origem de suas invariantes num processamento mental intencional, mas numa espcie de ressonncia psicolgica.Ainda assim, de acordo com Santaella e Nth (1998), para Gibson a percepo no somente uma mera cpia ressonante, mas sim uma seleo determinada na histria da evoluo, de informao relevante sobre o meio ambiente sob o ponto de vista das respectivas ofertas [affordances] para o ser vivo. Apesar de inmeras pesquisas, pontos essenciais como distino de cor, viso tridimensional, entre outros, permanecem ainda sem uma resposta cientfica conclusiva. Talvez se possa resumir que, dada uma situao concreta, o ato de perceber absorve no s as unidades ou elementos que viro compor um momento perceptivo, mas tambm, de modo imediato e em condies prioritrias as relaes que entre elas se estabelecem. Assim, de uma maneira simplificada, as principais caractersticas da percepo para o pensamento visual podem ser organizadas da seguinte maneira: no processo perceptivo a assimilao realizada em funo de um contexto ou sistema de referncia, do qual se retiram algumas de suas propriedades;31

Algumas das unidades perceptuais, os denominados geons, conforme proposto por Irving Biederman.

a atividade perceptiva fornece uma representao do mundo exterior empobrecida e orientada; uma forma de resumo onde s aparece claramente aquilo que interessa ao indivduo em funo de seu comportamento especfico e de suas intenes; perceber implica em deciso diante de uma situao marcada por algum grau de complexidade ou ambiguidade. No que se refere s complexas atividades mentais envolvidas neste processo, tanto o pensamento visual como a materializao concreta de uma representao mental, no devem ser entendidos como o resultado de uma atitude passiva diante do mundo externo. IV De uma maneira geral todos os indivduos tm capacidade de desenhar e inegvel a relao do desenho, como materializao de representaes, com o pensamento visual. Assim sendo, o desenho poderia tambm ser abordado como o resultado de um aparente curtocircuito na sofisticada conexo, exclusivamente humana, do olho com a mo. Uma espcie de derivao que se d fora do corpo e que possibilitaria um acesso a processos mentais complexos. Ou seja, poder-se-ia abordar o desenho como uma materializao, reflexiva ou at mesmo ressonante, de processos cognitivos. Ora, uma outra determinante fsica importante do ser humano resulta da necessidade existencial por estabilidade e equilbrio corporal. De alguma maneira esse equilbrio marca a estrutura psquica e tem influncia direta na experincia visual que define a apreenso e apropriao do espao. Essa, por sua vez, influenciaria o prprio ato de desenhar e avaliar desenhos. O indivduo precisa ter os ps assentes em solo estvel e com um certo grau de certeza de que vai permanecer com a espinha ereta para poder iniciar qualquer ao ou movimento. O construto mental definido pelos eixos frente x atrs, alto x baixo e esquerdo x direito, vai se constituir na relao bsica do homem com o meio ambiente ao determinar sua compreenso do espao e o seu sentido de posio. A internalizao psquica da verticalidade do corpo contra uma base estvel paralela a um horizonte reconhecido resulta na noo de equilbrio, provavelmente, a base consciente e a referncia mais forte para o juzo visual. A expresso desse determinante estabilizador definido pelos eixos vertical e horizontal que operam na resoluo da linguagem visual das coisas produzidas pela inteligncia humana vai representar o equivalente fsico dos processos psicolgicos que organizam os estmulos visuais. Rudolf Arnheim o autor de um importante, e muito citado, livro onde bem sucedido na32

aplicao da abordagem da gestalt para a interpretao e entendimento das chamadas artes visuais. No texto de Art and Visual Perception, publicado pela primeira vez em 1954, Arnheim est em busca do vocabulrio e da sintaxe dessa linguagem visual como empregada nas obras de arte. Seu argumento fundamental parte da premissa que ver algo implica em apreender e determinar um conjunto de relaes no contexto de uma totalidade: localizao, formato, orientao, disposio, tamanho, cor, luminosidade, etc. No se percebe nenhum objeto como nico ou isolado, se percebe um campo estruturalmente organizado. Noutras palavras, a experincia visual dinmica e todo ato de viso um juzo visual de relaes espaciais. Para Arnheim a idia de equilbrio fsico estado no qual duas foras, agindo sobre um corpo, compensam-se quando forem de igual resistncia e aplicadas em direes opostas pode ser analogamente aplicvel para o equilbrio visual. O que uma pessoa percebe no apenas um arranjo de cores e formas e tamanhos. V, antes de tudo, uma interao de tenses. Ou seja, percebe tenses que existem como foras, j que possuem direo, intensidade e ponto de aplicao. Arnheim acredita que essas tenses podem ser descritas tambm como foras psicolgicas, porque os indivduos as sentem psicologicamente na sua experincia visual. Quando se trata no s da apreenso, mas tambm da apropriao do espao, um outro aspecto que deve ser considerado quanto