Meurer, Monike_TCC_“FEMINILIDADE NACIONALISTA”: MODA, CINEMA E PATRIOTISMO, NA REVISTA “A...

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC CENTRO DE ARTES CEART BACHARELADO EM MODA HABILITAÇÃO ESTILISMO MONIKE MEURER FEMINILIDADE NACIONALISTA”: MODA, CINEMA E PATRIOTISMO, NA REVISTA “A CIGARRA” DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL NO BRASIL (1942 1945) Florianópolis, SC 2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

BACHARELADO EM MODA – HABILITAÇÃO ESTILISMO

MONIKE MEURER

“FEMINILIDADE NACIONALISTA”: MODA, CINEMA E PATRIOTISMO, NA REVISTA “A CIGARRA” DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL NO

BRASIL (1942 – 1945)

Florianópolis, SC 2011

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MONIKE MEURER

“FEMINILIDADE NACIONALISTA”: MODA, CINEMA E PATRIOTISMO, NA REVISTA “A CIGARRA” DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL NO

BRASIL (1942 – 1945)

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Moda do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Moda – Habilitação em Estilismo.

Orientadora: Profª Ms. Liliane E. F. Carvalho

Florianópolis, SC 2011

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MONIKE MEURER

“FEMINILIDADE NACIONALISTA”: MODA, CINEMA E PATRIOTISMO, NA REVISTA “A CIGARRA” DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL NO

BRASIL (1942 – 1945)

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito para a obtenção do

grau de Bacharel, no Curso de Graduação em Moda pela Universidade do

Estado de Santa Catarina – UDESC.

Banca examinadora:

Orientador: ________________________________________

Professora Mestre Liliane E. F. Carvalho CEART - UDESC

Membro: ________________________________________

Professora Doutora Mara Rúbia Sant‟Anna. CEART - UDESC

Membro: ________________________________________

Professor Mestre Renato Riffel UNIVALI/UNIASSELVI/ASSEVIM

Florianópolis, 09/12/2011

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus pela possibilidade da rica experiência de vida universitária e por ter me guiado aos longos desses quatros anos e meio da graduação. Aos pais, especialmente, que me colocaram no mundo e por todo o incentivo ao permitir que me dedicasse, somente, aos estudos e pelo amparo constante e integral e, ainda, mais: Ao meu pai por ter acreditado que fazer faculdade de Moda não é apenas se tornar uma costureira. À minha mãe que jamais contestou meus objetivos, apoiando os incondicionalmente, além de ser uma grande e amorosa amiga. Agradeço à minha querida orientadora, Profª Liliane Carvalho, pelo apoio irrestrito à pesquisa, por suportar, com bom humor, minhas lamentações e inseguranças... Pela dedicação, carinho e cuidado nas constantes leituras e releituras, sem as quais não teria chegado até aqui. Agradeço, especialmente, à Profª Mara Rúbia que, pacientemente, soube me lapidar e ensinar a dimensão de um universo acadêmico. Pela confiança na bolsa de extensão do projeto “ModaPalavra”, e, principalmente, no projeto de pesquisa “Brasil por suas Aparências”, no qual adquiri um grande conhecimento que alicerçou substancialmente a minha trajetória acadêmica. Fico grata aos estímulos e à dedicação durante o tempo cursado. Por fim, aos demais professores e aos amigos que me auxiliaram na realização desta jornada acadêmica que – espero – me leve a muitas outras.

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“À medida que os países entram em guerra (na Segunda Guerra Mundial), mulheres, cada vez em maior número, pedem para ingressar no exército, tendo de início vencer a resistência dos militares e muitas vezes a desaprovação clara da opinião pública. Todos os países em guerra, contudo, vão ter contingentes mais ou menos importantes de mulheres vestindo uniforme.”

(QUÉTEL, Claude. As mulheres na guerra – Volume 2 (1939-1945). São Paulo: Larousse, 2006, p. 152).

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RESUMO

MEURER, Monike. “Feminilidade nacionalista”: moda, cinema e patriotismo, na revista “A Cigarra” durante a 2ª Guerra Mundial no Brasil (1942-1945). 2011. f.125 Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação Bacharel em Moda – Habilitação em Estilismo) – Centro de Artes, daUniversidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2011. Este trabalho busca analisar o discurso nacionalista, promovido no conteúdo editorial da revista feminina A Cigarra, durante a Segunda Guerra Mundial no Brasil, desde 1942 até 1945, no governo de Getúlio Vargas. Pretende, em especial, observar as publicidades e crônicas que discutem a temática da guerra associada ao papel da mulher e as correspondentes referências sobre a feminilidade. O patriotismo era lançado por meio de imagens e textos, produzidos muitas vezes de maneira subjetiva e tinha, por finalidade, causar nas mulheres brasileiras um estímulo à coragem cívica na defesa do país em guerra. Faz-se, então, a análise do discurso nacionalista produzido em uma revista feminina, interpretando as entrelinhas dos artigos e propagandas que buscavam entusiasmar as mulheres brasileiras, sensibilizando-as quanto às novas necessidades patrióticas e ao papel da boa mulher naquele contexto. Assim, mecanismos lingüísticos de grande capacidade persuasiva, vindos de modelos estrangeiros, envolviam e orientavam as mulheres no Brasil, construindo uma feminilidade cívica modelada, discursada e consumida através das revistas e dos ícones fashion ditados, preferencialmente, pelo cinema, no contexto da Segunda Grande Guerra Mundial. Palavras-chave: Segunda Guerra Mundial. Discursos patrióticos. Revista feminina. Publicidade. Construção da Feminilidade.

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ABSTRACT

MEURER, Monike. “National Femininity”: Fashion, Cinema and Patriotism covered by “A Cigarra” Magazine during the 2nd World War on Brasil (1942-1945). 2011. f.125 Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação Bacharel em Moda – Habilitação em Estilismo) – Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2011. This paper analyzes the nationalist discourse, promoted in the editorial content of women's magazine The Cicada during the Second World War in Brazil, from 1942 to 1945, the government of Getulio Vargas. The aim, in particular, see the ads and chronic discuss the theme of war associated with the role of women and the references about femininity. Patriotism was released through images and texts, often produced at a personal and had intended to cause a stimulation in Brazilian women to the civic courage to defend the nation at war. It is, therefore, the analysis of nationalist discourse produced in a women's magazine, playing between the lines of articles and advertisements seeking enthusiastic Brazilian women, sensitizing them about the new needs and the patriotic role of the good woman in that context. Thus, linguistic mechanisms of great persuasiveness, coming from foreign models, and guided the women involved in Brazil, building a civic fashioned femininity, speeches and consumed through the magazines and fashion icons sayings, preferably by the cinema in the context of the Second World World War II.

Key-words: World War II. Patriotic speeches. Women‟s magazine. Advertising. Construction of Womanhood.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Capa da revista “A Cigarra Magazine”, julho de 1944......................24

Figura 2 – Imagem do conto “Celina, moça de sociedade”. Revista “A Cigarra

Magazine”, junho de 1944.......................................................................27

Figura 3 – Capa do folheto que anunciava a mais recém revista lançada em

São Paulo, A Cigarra. Revista “A Cigarra Magazine”,1914....................32

Figura 4 – A primeira capa oficial da revista A Cigarra. Revista “A Cigarra

Magazine”, março de 1914......................................................................32

Figura 5 – Sumário. Revista “A Cigarra Magazine”, junho de 1944..................38

Figura 6 e 7 – Reportagem “Objetivos de Guerra”. Revista “A Cigarra

Magazine”, fevereiro de 1944..................................................................46

Figura 8 – Reportagem “Procura-se um nazista em Blumenau”. Revista “A

Cigarra Magazine”, novembro de 1944...................................................50

Figura 9 – Propaganda “Vinho Reconstituinte Silva Araujo”. Revista “A Cigarra

Magazine”, março de 1943......................................................................69

Figura 10 – Propaganda “Vinho Reconstituinte Silva Araujo”. Revista “A Cigarra

Magazine”, fevereiro de 1944..................................................................71

Figura 11 – Fotografia “Mary Churchill”. Revista “A Cigarra Magazine”, janeiro

de 1942...................................................................................................75

Figura 12 e 13 – Seção “Modas”. Revista “A Cigarra Magazine”, junho de

1944........................................................................................................80

Figura 14 – Seção “Suplemento Feminino”. Revista “A Cigarra Magazine”,

março de 1943........................................................................................85

Figura 15 e 16 – Seção “Suplemento Feminino”. Revista “A Cigarra Magazine”,

dezembro de 1944..................................................................................89

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Figura 17 – Seção “Suplemento Feminino”. Revista “A Cigarra Magazine”,

agosto de 1945........................................................................................92

Figura 18 e 19 – Reportagem “Dido a nova maravilha”. Revista “A Cigarra

Magazine”, junho de 1945.......................................................................95

Figura 20 – Fotografia “Carmen Miranda”. Revista “A Cigarra Magazine”, maio

de 1944...................................................................................................98

Figura 21 – Capa da revista “Jone Randolph”. Revista “A Cigarra Magazine”,

março de 1943......................................................................................100

Figura 22 e 23 – Capa e ultima página da revista “Evelyn Keyes”. Revista “A

Cigarra Magazine”, agosto de 1945......................................................101

Figura 24 – Seção “Cine-Magazine”. Revista “A Cigarra Magazine”, junho de

1942......................................................................................................104

Figura 25 – Seção “Cine-Magazine”. Revista “A Cigarra Magazine”, fevereiro de

1944......................................................................................................108

Figura 26– Seção “Cine-Magazine”. Revista “A Cigarra Magazine”, agosto de

1945......................................................................................................110

Figura 27 – Reportagem “Que Fazer de Hitler?”. Revista “A Cigarra Magazine”,

dezembro de 1944................................................................................114

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................11

2 A CIGARRA: A REVISTA E A CONFIGURAÇÃO DO SUJEITO A PARTIR

DA LEITURA.....................................................................................................14

2.1 A Cigarra e o feminino: considerações sobre a pesquisa, o acervo e seu

contexto.............................................................................................................14

2.2 Em suma, a Sua Majestade: a Revista Feminina no Brasil.........................21

2.2.1 A importância do veículo, a revista...........................................................24

2.2.2 A publicação da mulher moderna, porém conservadora..........................28

3 HISTÓRICO DA REVISTA A CIGARRA........................................................31

3.1 As origens do periódico – A Cigarra............................................................31

3.2 Educando as “boas moças”.........................................................................36

4 CONTEXTO DA GUERRA.............................................................................42

4.1 A Segunda Grande Guerra Mundial............................................................42

4.2 O brasileiro convocado para a guerra..........................................................48

5 A PROPAGANDA COMO ARMA POLÍTICA.................................................57

5.1 Uma máquina ideológica.............................................................................57

5.2 A propaganda que convence pela linguagem..............................................59

5.3 A análise publicitária da revista feminina.....................................................61

5.4 O que os olhos vêem, o coração feminino sente e consome......................63

6 A ANÁLISE PROPRIAMENTE DITA.............................................................66

6.1 As lentes investigativas................................................................................66

6.2 A publicidade educadora da guerra.............................................................67

6.3 Modas e Modos na guerra...........................................................................79

6.4 Elegância e feminilidade na guerra no Cine-Magazine...............................96

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................118

8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.................................................................122

9 PERIÓDICOS...............................................................................................127

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa de investigação sobre a revista A Cigarra teve início

nos estudos realizados como bolsista do projeto “Brasil por suas Aparências” 1,

desenvolvido junto ao Laboratório “Moda e Sociedade” pertencente à

universidade desta mesma instituição, coordenado pela professora Mara Rúbia

Sant‟anna2. Os trabalhos para o projeto começaram de maneira voluntária, no

segundo semestre de 2007 e, entretanto, somente no primeiro semestre de

2010, já como bolsista efetivada pelo PIBIC, iniciaram-se os contatos diretos

com as revistas femininas. Como parte integrante do projeto, a busca efetuava-

se no levantamento publicitário de cosméticos destinados ao público feminino

na primeira metade do século XX, desde 1940 até 1990, passando pelas

revistas O Cruzeiro, Jornal das Moças e A Cigarra.

Dentro do período catalogado, o âmbito da Segunda Guerra Mundial

mostrou-se como um fecundo material para avaliação e estudo. Por ser parte

integrante da historiografia nacional, logo se percebeu que uma grande

quantidade de anúncios publicitários, reportagens e crônicas abordavam o

tema-guerra. Isso se deu não somente em virtude do momento histórico mas,

também, frente à visibilidade nos reforços destinados ao discurso do

envolvimento pátrio brasileiro. Mesmo tratando-se A Cigarra de uma revista

feminina, ao se observar os conteúdos publicados, percebe-se claramente que

a revista ia além do público feminino, havendo reportagens de cunho mais

técnico e informativo destinado ao marido da casa, assim como vários jogos de

entretenimento para as crianças. A guerra preenchia quase todos os conteúdos

da revista, principalmente durante os últimos anos do confronto, da qual

enfaticamente, nas primeiras páginas, apareciam imagens de canhões, armas,

caminhões de guerra e, principalmente, textos com os atos desempenhados

por Hitler.

Entretanto, os aspectos que proporcionaram maior visibilidade nas

publicações da revista foram os discursos nacionalistas destinados a ressaltar

a importância do papel feminino diante do confronto mundial, enaltecidos pelo

1 “Brasil por suas aparências – uma história da moda” é um projeto de pesquisa que é produzido desde

1999 e discute as relações entre aparência e poder nas construções de uma chamada identidade brasileira. Acesso virtual: < http://braparencias.ceart.udesc.br/>. 2 Professora doutora em História UFRGS/EHESS e professora efetiva do Departamento de Moda da

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.

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poder assistencial da mulher na guerra. Este era um recurso muito utilizado nas

revistas internacionais femininas, influência que se propagou no Brasil com o

mesmo modelo de estímulo pela luta, porém esta batalha não se adequava

diretamente, como no caso de outras nações, à realidade brasileira. Diversas

seções da revista A Cigarra envolviam e atingiam diretamente a leitura

feminina, posicionando-se de forma a orientar a valorização do nacionalismo

com um discurso persuasivo que atingia e prestigiava os valores femininos. Um

discurso que comovia, sensibilizava e incentivava a adoção de novos papéis

sociais, enfatizando, através de textos e imagens, as glorificações cívicas que

exaltavam a importância da participação ativa da mulher contra o inimigo.

Sendo assim, percebe-se que as revistas servem como consistente

referencial histórico a ser pesquisado, constituído por um gênero muito

estudado e valorizado como fonte primária de pesquisa devido aos discursos

adjacentes ao seu conteúdo, influenciando os papéis sociais e de gênero nos

contextos de suas publicações. Neste sentido, busca-se aqui interpretar os

discursos diretos e indiretos, as entrelinhas de suas publicações, promovendo

um enriquecedor olhar sobre as construções discursivas que, por vezes, aliam

os valores estéticos de uma época aos valores morais, estabelecendo novos

parâmetros de individualidade na relação com a sociedade.

Optou-se como base de pesquisa pela revista A Cigarra, por estar entre

as revistas mais lidas pelas mulheres brasileiras no contexto da 2ª Guerra

Mundial. Além da grande visibilidade nacional, durante várias décadas,

contribuiu como veículo informativo de moda, beleza e feminilidade nas

diversas regiões brasileiras por onde circulou, inclusive na cidade de

Florianópolis. Apesar de conhecida é, contudo, uma revista pouco trabalhada

no espaço acadêmico, ao contrário da revista O Cruzeiro - que pertencia ao

mesmo grupo editorial. Esta última figura como a mais vendida no Brasil,

deixando A Cigarra em segundo lugar, principalmente na década de 1940.

Desta forma, este descaso pela revista A Cigarra, como fonte de

pesquisa nos meios acadêmicos, em geral, despertou o fascínio pelo campo

inexplorado. Busca-se, então, aqui responder, tendo por base as revistas A

Cigarra publicadas entre o período de 1942 a 1945, contemplando o contexto

do nacionalismo varguista, quais os elementos de feminilidade que foram

atrelados ao espírito patriótico, típicos dos períodos de confronto bélico. De que

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forma, no contexto em que corações e mentes estão voltados para os

problemas gerados pela guerra, a moda privilegia corpos femininos de ombros

estruturados e quadris estreitos, numa óbvia conformação militarizada e, quais

são as limitações, de todos os tipos, que sobrecarregavam a vida cotidiana;

quais os discursos sobre o indivíduo e seu papel social, definindo que tipo de

mulher deve ser apregoado em tempos de conflito, atrelando a feminilidade ao

ser boa esposa, mãe e cidadã.

Organizando as respostas a estas questões, buscou-se primeiramente

ressaltar a importância da revista feminina no Brasil, como um agente

comunicador de princípios, e como ela registrava e refletia os modos pelos

quais as sociedades se manifestavam. Em seguida, fez-se um levantamento

histórico da revista A Cigarra, desde a sua primeira edição, em 1914, até o fim

da circulação, em 1975, permitindo a contextualização dessa fonte de

pesquisa. Contextualizar também foi a preocupação ao fazer-se um breve

histórico da Segunda Guerra Mundial, abordando-a no âmbito mundial e

brasileiro. Após a contextualização histórica devida, buscou-se mostrar a

importância da mídia impressa em sua relação ideológica, gerada e percebida,

em meio aos anúncios publicitários, como uma máquina manipuladora de

mensagens que vinculam algum tipo de orientação ao público, neste caso, para

o discurso nacionalista durante o Estado Novo.

Por fim, a análise propriamente dita, através de materiais selecionados e

vinculados à publicidade, moda e cinema hollywoodiano que permitem a

discussão sobre como a revista A Cigarra promovia o discurso de uma beleza

patriótica auxiliadora do país. Justifica-se, assim, o presente trabalho de

conclusão de curso através da análise do discurso nacionalista produzido em

uma revista que constituiu expressões do feminino que são únicas se

comparadas aos contextos anteriores.

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2 A CIGARRA: A REVISTA E A CONFIGURAÇÃO DO SUJEITO A PARTIR DA LEITURA

“O reconhecimento da imprensa como importante fonte histórica tem nos presenteado com a possibilidade de resgatar momentos passados do cenário da nossa vida cotidiana. A imprensa registra, comenta, forma opiniões, distrai; através de suas palavras e imagens reencontramos valores e comportamentos perdidos.” (Sandra L. Lopes Lima)

2.1 A Cigarra e o feminino: considerações sobre a pesquisa, o acervo e seu contexto.

Difundidas cada vez mais para o público feminino, as revistas estão

recheadas de informações estéticas, fotografias de moda, conselhos de

sedução e aparências, transformando-se assim em um agente democratizante

do padrão estético feminino. Uma relação estabelecida – principalmente - pela

massificação dos discursos do ethos Moda e que contribuiu na formação e

dimensão essencial da aparência e da identidade feminina socialmente

definidas. Este ethos estabelece uma forma de poder com grande capacidade

de normatizar as massas que, ao homogeneizar a aparência proporciona,

paradoxalmente, a valorização da individualidade e personalidade

(LIPOVETSKY, 2000). Assim, a mídia impressa funciona como um dispositivo

de massificação do discurso de atualização do indivíduo socialmente válido.

A imprensa feminina foi concebida com o objetivo de reproduzir assuntos

ligados ao ambiente familiar, em especial às mulheres, sendo dirigida e

pensada para elas. Abordando sempre uma variedade de conteúdos voltados

principalmente para a ficção, poesia, relatos de viagens, estética e diversas

matérias ligadas ao entretenimento, a mídia voltada para mulheres adotou a

revista como um veículo de excelência, moldada por ilustrações, cores, jogos,

prazer e variedade. Seu aperfeiçoamento foi constante, desenvolvido

principalmente pela indústria de cosméticos, moda e produtos destinados aos

ambientes domésticos, um progresso proporcionado pelo uso da publicidade,

transformando a revista feminina em uma peça fundamental no mercado de

países capitalistas (BUITONI, 1986).

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As mensagens produzidas pela publicidade são eminentemente

sedutoras, integradas à cultura de massa que difunde um corpo simbólico

repleto de significados, produzindo a manipulação de mitos e imagens que

atingem a vida diária e constituem um imaginário que projeta identificações

específicas. A publicidade expressa confiança de tudo o que foi sonhado e

pode ser realizado, uma indústria cultural que atinge o ambiente privado, com

grande capacidade de produzir no consumidor o conhecimento (SANT‟ANNA,

2007). Assim, torna-se um meio comunicativo transmissor de mensagens,

podendo promover uma orientação ao receptor, composta de discursos

educacionais que podem ir além da orientação consumista, se transformando

em arma política.

As propagandas, quando obviamente políticas e partidárias, despertam a

desconfiança pelo que apregoam, posto ser óbvio a posição ideológica. No

entanto, são nas propagandas do cotidiano, sem o peso político óbvio das

ideologias partidárias, que a política se faz mais eficiente, pois se coloca como

corriqueira, infiltrada nas mazelas cotidianas e, portanto, bem menos

perceptível como parte do aparato de cerceamento ideológico. Assim, estão

repletas de armadilhas que buscam atingir diretamente o inconsciente do

receptor, para promover a assimilação ideológica. Goebbels, ministro da

Propaganda de Hitler, foi um dos pioneiros no uso de propagandas moldadas

como uma máquina capaz de abranger emoções e sentimentos de modo

manipulador.

O material aqui analisado foi publicado nos meios de comunicação para

uma ampla influência, propagando-se no Brasil durante o regime totalitarista de

Getúlio Vargas. O Estado Novo se firmava por entre a população brasileira com

o uso massivo do rádio e fortaleceu-se, robustamente, entre as mulheres com

as revistas femininas, promovendo discursos sobre disciplina, bravura,

lealdade, desbravamento, coragem e união, intensificados ainda mais no

momento em que o Brasil se tornou membro dos Aliados, em 1942, na

Segunda Guerra Mundial. Desta forma, torna-se presente todo um movimento

por parte do governo a fim de estabelecer uma nação unicamente “verde e

amarela” que, para tal objetivo, produziu em diversas regiões brasileiras uma

grande repressão aos estrangeirismos.

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Inicia-se, assim, uma campanha nacionalizadora que abraçou diversos

signos e símbolos, como forma de persuasão e doutrinação da população

brasileira às causas patrióticas. Seguem-se, então, mídias compostas por

diversas palavras de ordem que fabricavam comportamentos, moldavam

expressões e pensamentos como forma de convencimento ao amor cívico. Um

discurso moral e social apropriado pelas revistas femininas que exaltavam a

feminilidade da mulher numa relação entre o conhecimento a respeito de

acontecimentos decorridos ao longo da guerra, sua participação ativa na luta

contra os inimigos e seu papel como mulher, esposa, mãe, filha e brasileira. Tal

caminho situa o desenvolvimento deste trabalho ao interpretar os discursos

nacionalistas, através do conteúdo editorial da revista A Cigarra, com crônicas

produzidas independentes da autoria, feminina ou masculina, e publicidades

que servem como diagnóstico e prognóstico da sociedade brasileira durante o

grande conflito mundial, na década de 1940.

Tendo por finalidade investigar, no corpus desta análise, o discurso

patriótico produzido pela revista A Cigarra Magazine, durante o conflito da

Segunda Guerra Mundial, optou-se por uma revista que, devido à sua

constante representação dentro do universo feminino daquele contexto, tornou-

se um importante veículo informativo que adentrava o âmbito privado das

donas de casa, com assuntos relacionados à moda e estética mas, ao mesmo

tempo, imbuído do papel de orientador moral e dos bons costumes atrelado, no

que tange à guerra, ao nacionalismo.

Assim, o conteúdo que se estabelece na citada revista como evidência

histórica da construção do papel feminino na sociedade brasileira é focado,

principalmente, nos aspectos representativos da aparência: voltados para

moda3 e beleza, também abordavam ou apresentavam imagens do cinema,

com os grandes galãs e estrelas de Hollywood como garotos propaganda de

estilos de vida e consumo. A Cigarra se constituiu envolvendo o público

feminino por meio da vaidade e desejo de representação social, porém, lá nos

anos 1940, mostrava-se atrelada a uma nova construção que se caracterizava

para além da feminilidade constituída pela beleza física, pois, propugnava pela

3 A etimologia do termo “moda” tem origem do latim modus, designa a maneira de fazer,

compartilhado nesse caso o sentido do termo inglês fashion, que deriva do Frances façon (feito). (GODART, 2010, p. 29)

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beleza patriótica. Opondo-se a períodos anteriores, em que a beleza era de

fora para dentro, naquele contexto deveria ser considerada de dentro para fora:

uma feminilidade que se constituia pelo idealismo cívico.

Nessa direção focaram-se os estudos nas seções da revista destinados

à moda, dentre elas o Suplemento Feminino, e os destinados ao cinema, como

o Cine-Magazine. Incluiu-se, também, a análise de publicidades produzidas

pelos anunciantes do período que abordavam de maneira enfática, apelativa

mesmo, a importância do papel social feminino durante a guerra. Assim, todo

um conjunto de valores e modelos estéticos invadiram o cotidiano da mulher

brasileira, com informações destinadas à beleza e à lógica da produção e do

consumo, acoplados aos discursos nacionalistas. Dessa forma optou-se por um

recorte histórico que corresponde ao momento em que o Brasil entra na guerra,

no ano de 1942, quando recrusdece o discurso com mais força, finalizando

com o fim do conflito, em 1945.

Assim, configura-se período como um momento de grande

representatividade do discurso político em todos os meios de comunicação, no

Brasil, para a defesa das causas de Vargas, visto que o presidente tinha o

poder absoluto no fechamento de qualquer instituição ou manifestação contra o

regime. Passou, assim, a manipulá-los a seu favor. Mas a relação de Vargas

com a revista A Cigarra era de grande proximidade e bem “verde e amarela”,

pois, o proprietário, durante os anos de 1940, Assis Chateaubriand, possuía

uma íntima relação com o presidente, uma amizade que reforçou, nas páginas

da revista, o forte discurso norteador de corações e mentes nacionalistas.

As edições estudadas da revista A Cigarra foram obtidas de duas

maneiras: a primeira, através de visitas pessoais ao arquivo da Biblioteca

Pública de Santa Catarina4 e, a outra, através de recurso virtual no site do

Arquivo Público do Estado de São Paulo5. A Biblioteca Pública de Santa

Catarina conta com uma grande disponibilidade de exemplares mas, apenas,

dos anos de 1944 e de 1945, em um total de 23 edições. Todas as revistas

avaliadas apresentam um bom estado de conservação e os registros foram

efetuados por meios fotográficos.

4 Biblioteca Pública de Santa Catarina localizada na Rua Tenente Silveira, 343 – Florianópolis –

SC. <http://www.biblioteca.sc.gov.br> 5Arquivo Público do Estado de São Paulo. Disponível através do site:

<http://www.arquivoestado.sp.gov.br>

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No site do Arquivo Público do Estado de São Paulo, o acervo conta com

poucas edições, pois, algumas já haviam sido encontradas na Biblioteca

Pública do Estado de Santa Catarina, contabilizando-se um total de 4

exemplares, entre 1942 e 1943, todas elas acessadas através de downloads.

Ao todo foram selecionadas 27 edições da Biblioteca Pública e do Arquivo de

São Paulo, pois, os demais exemplares não foram encontrados. A revista,

durante a década de 1940, realizava apenas uma publicação mensal. No ano

de 1942 foram encontradas 3 edições, de janeiro, abril e junho. Já de 1943

conta apenas o mês de março. De 1944 encontram-se as 12 edições do ano. E

do ano de 1945 são 11 exemplares, faltando apenas o periódico do mês de

fevereiro.

Após a seleção das 27 edições disponíveis, todo o material referente ao

tema mulher e guerra nas revistas, ao longo dos quatro anos da guerra no

Brasil, passaram por uma minuciosa leitura logo após a digitalização dos textos

selecionados. Outros tipos de dados foram investigados, tais como a média no

número de páginas de cada revista que giravam em torno de 160. Os

exemplares publicados, entre 1942 e 1945, possuem um número crescente

bem expressivo de tiragens, partindo de fevereiro de 1944 com 45.000, até

dezembro de 1945 com 78.000 exemplares publicados; os números anteriores

a fevereiro de 1944 não puderam ser levantados devido a informações não

existentes destes dados na revista. Um aumento significativo gerado em pouco

mais de um ano, ainda em julho de 1944, com 58.000 exemplares, A Cigarra foi

“eleita a maior circulação do Brasil”, porém nunca superou a revista O Cruzeiro.

Esses números são reflexos da uma sociedade de consumo

caracterizada pelas fabricações de produtos de massa, tidos como igualitários

como as revistas femininas, que não necessitavam de um grande

conhecimento intelectual para atingirem as diversas classes sociais e serem

amplamente vendíveis em todo o mundo. Construídos através de um corpo

simbólico, gerado por mitos e imagens que penetravam na intimidade do

indivíduo, numa estrutura que posicionava o instinto e orientava emoções.

Estas publicações de massa seguiam uma lógica baseada no lucro através do

máximo consumo, e vieram a se fortalecer durante a década de 1960,

considerado o pico do consumo e produção no mundo (MORIM, 1962).

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A revista A Cigarra possibilitava a venda dos exemplares, de maneira

avulsa ou por assinatura, e além da distribuição pelo Brasil chegava também

em Portugal “e suas colônias”. O custo da revista variava em torno de 2$00

cruzeiros, no Rio de Janeiro, e 2$50 cruzeiros nos demais estados. Numa

correção de valores produzida através do Banco Central do Brasil6, o custo

médio da revista estaria, hoje, em torno de 2,52 R$ reais, um custo baixo para

a atualidade; entretanto, na década de 1940 era um valor alto, que poderia ser

pago apenas pelas famílias com um custo de vida mais elevado, em se

tratando de um produto destinado ao entretenimento, coisa ainda pouco

comum em todas as classes socais. Outro fator que influenciava diretamente a

compra da revista era o grau de alfabetização, pois, as classes mais baixas em

sua maioria eram não-letradas, porém, durante o governo de Vargas houve um

incentivo à escolarização feminina, voltada para a classe média e, também aos

grupos sociais de origem mais popular, do interior e da cidade.

Sob o ponto de vista teórico-metodológico, para discussão e análise da

fonte primária, evidencia-se o cerceamento social da mulher ao longo da

história, muito discutido na atualidade, perante a dominação patriarcal que teve

como reforço a proliferação de discursos produzidos nos meios de

comunicação em massa. Assim, atuando sobre representações específicas do

feminino, constrõe-se um cotidiano baseado no servir, categorizando e

disseminando imagens elaboradas com a finalidade de reforçar o sentimento

patriótico, junto ao público feminino, durante a Segunda Guerra Mundial.

Segundo Coutinho (1994), a construção de “uma identidade feminina”

considerada como naturalizada perante o ponto de vista de que a mulher está

destinada à condição exclusivamente biológica, produz “naturalmente” uma

exclusão de outras funções sociais. Uma construção discursiva que visa

atender e, de certo modo, adequar as necessidades e mitos determinados pela

sociedade, em um momento histórico específico. Buscam desempenhar um

papel de importância na construção subjetiva do ser mulher e, logo, mantê-la

em um posicionamento de subordinação. De acordo com Ribeiro (2009), as

revistas registravam os modos pelos quais a sociedade se manifestava e, com

relação à mulher brasileira na mídia, reproduzia ainda mais essas

6Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/Pec/Correcao/corrige.asp?idpai=correcao> Acessado

em: 03 nov. 2011, 08:56:45

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manifestações. Torna-se, assim, visivelmente identificável a posição, ocupada

por esse feminino, de subalterna diante da sociedade e deum papel reforçado

pelo discurso persuasivo das revistas femininas.

Para Bordenave (apud GONÇALVES, 2006), a mídia tem um papel

persuasivo que estipula uma mediação entre a realidade e as pessoas,

transmitindo não somente a realidade, mas a construção de uma realidade que

está abrangida por uma enorme quantidade de fatos e situações que as

elaboram. Entretanto, os meios selecionam apenas aqueles de maior

importância e o decodificam a sua maneira, produzindo entre si uma

combinação de diversos elementos, passando a estruturá-los e recodificá-los

no formato de mensagens e programas que serão difundidos carregados por

ideologias, cujos estilos e intenções o próprio meio lhes atribui. Produz-se,

assim, a força de uma idéia no inconsciente do receptor, que relaciona o

símbolo e o texto como uma forma inclusa do objeto e a sua mensagem.

Para Barthes (2001), todo tipo de mensagem publicitária comporta uma

fonte de emissão e um canal de transmissão. Para a produção de uma análise

semântica de uma mensagem publicitária, deve-se convertê-la em um jogo de

duplicidade, estando constituída por um agrupamento de significados e

significantes. A imagem publicitária está sempre formada por uma rica

precisão, às vezes com o uso de poucas palavras, ou apenas uma, que

enfatiza ainda mais a mensagem, nutrindo um psíquico que, assim como na

moda, o público passa a dar sentido e o transforma em uma simples

experiência de uso do espírito.

Ao tratar-se da análise constituída a partir da imagem, pode-se

considerar, segundo Joly (1996), como uma abordagem analítica, que se

produz através de um ponto de vista e está repleta de significações. São,

portanto consideradas como um modo de produção dos sentidos que, de

maneira sucinta, se define com diversas interpretações. Assim, estes signos

constroem e exprimem ideias, provocando o espírito do indivíduo ao provocar

uma atitude interpretativa da imagem. Para Martinho (2009), imagem e texto

interligados podem ser vistos como um agrupamento de signos que possuem,

em sua maioria, um sentido relativamente complexo. Este é o caso aqui

abordado, estabelecendo-se signos atrelados a um contexto cultural que fazem

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parte de uma produção e representação de uma realidade com muitos

significados a serem decodificados.

2.2 Em suma, Sua Majestade: a Revista Feminina no Brasil

A implantação da imprensa no Brasil ocorre somente no início do século

XIX, momento no qual - nos países europeus e norte-americanos - já se

produziam e circulavam uma grande quantidade de revistas femininas. O

incremento da imprensa brasileira advém com a vinda da Família Real

Portuguesa, no ano de 1808. Criando-se, ainda, no mesmo ano, a chamada

Imprensa Régia que principiou de modo precário e abordava apenas assuntos

relacionados ao estilo de vida na Corte. Ainda em setembro de 1808, iniciou-se

a circulação da Gazeta do Rio de Janeiro, pois outros tipos de jornais eram

proibidos de atuar no país.

O único meio informativo destinados às mulheres, desse contexto, eram

as escassas publicações francesas vindas através de navios ou de brasileiros

que podiam viajar até a Europa. Em 1827 é que surge a primeira publicação de

periódico destinado apenas para o público feminino, de nome Espelho

Diamantino. A revista abordava assuntos a respeito de literatura, política,

teatros, belas-artes e Moda, e era destinada às senhoras da corte e da elite

brasileira.

Em seguida, os números de publicações de periódicos femininos foram

expandidos cada vez mais ainda no século XIX, dentre elas o Jornal das

Senhoras, o primeiro periódico a ser totalmente editado e redigido por

mulheres, publicado até 1855. Mas no geral, os conteúdos nelas publicados

ficavam em torno de modelos e moldes franceses (BRAGA, 2011). Os assuntos

pouco politizados faziam parte dessa imprensa feminina brasileira e as páginas

das revistas eram preenchidas com temas relacionados, principalmente, à

moda e à literatura, além de tratar e direcionar as boas damas com as suas

preocupações advindas do ambiente familiar. Orientação exercida por meio da

comunicação estabelecida entre revista e leitora, empenhada em auxiliar nas

soluções dos problemas caseiros ou sentimentais.

Com o resultado do melhoramento econômico brasileiro, as publicações

de revistas femininas foram se ampliando para outras grandes capitais. Outro

reflexo deste progresso esteve ligado ao beneficiamento e melhorias dos

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periódicos, conquanto as revistas passaram a ser trabalhadas com papéis de

melhor qualidade e, por conseguinte, uma impressão mais aprimorada,

produzindo visualmente um efeito mais atraente aos olhos das leitoras.

Outro fator, decisivo no aprimoramento dessas publicações, veio do uso

das máquinas fotográficas portáteis. “As fotos encontraram um campo muito

fértil nas revistas. Já há um público para publicações mais ricas, recheadas de

ilustrações” (BUITONI, 1986, p. 42). Esse período de maior avanço tecnológico

permitiu a modificação e renovação dos estilos gráficos até então produzidos

no Brasil. “A utilização da imagem/texto passou a ser valorizada, e as

publicações, muitas vezes, eram ricamente ornadas com vinhetas e ilustrações.

(...) A reprodução técnica apontou para novas formas de percepção de um país

moderno que se esboçava” (CARVALHO, 1995, p. 2). Neste sentido, Luca

(2008) aponta:

Naquele momento, a produção artesanal dos impressos, graças à incorporação dos avanços tecnológicos, começou a ser substituída por processo de caráter industrial, marcados pela especialização e divisão do trabalho no interior da oficina gráfica e a conseqüência diminuição da dependência de habilidades manuais. Máquinas modernas de composição mecânica, clichês em zinco, rotativas cada vez mais velozes, enfim, (...) compor e reproduzir textos e imagens passou a ser utilizado pelos diários de algumas das principais capitais brasileiras (LUCA, 2008, p. 149).

Em meio a toda essa modernidade que o Brasil vinha passando, entre o

fim do século XIX e início do XX, a mulher se torna um público leitor expressivo

dessa imprensa destinada a elas, porém, a sua participação na atuação dessas

publicações ainda era uma grande exceção. A real colaboração começou

lentamente e em conteúdos que giravam em torno da literatura, com a

produção de contos, romances e poesias. A revista A Rua, com circulação

entre 1911 a 1922, colocou uma repórter, Eugenia Brandão, nas ruas como

jornalista (CARVALHO, 1995), num reflexo da transformação social e

modificação dos valores femininos influenciadopelo movimento feminista

europeu. Ampliava-se assim, a participação da mulher em ambientes, antes a

elas negados, como o trabalho fora do âmbito doméstico.

Na primeira metade do século XX ocorre um verdadeiro boom de

revistas femininas publicadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O

prazer da leitura estava associado a um novo estilo de lazer da mulher

brasileira. Segundo Dulcília Buitoni (1986), as primeiras grandes revistas

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femininas do período se desenvolvem justamente com o sucesso

proporcionado pelas ilustrações (figura 1). As publicações - Revista Feminina,

Fon Fon, Jornal das Moças e A Cigarra - foram lançadas ainda durante a

década de 1910. Todas continham um expressivo número de tiragem e,

segundo a propriedade gráfica Empresa Feminina, as revistas lançadas

ofereciam assinatura dos exemplares para uma maior comodidade da leitora.

Essas assinaturas proporcionavam uma circulação, em média, de 30 mil

exemplares das revistas referentes ao grupo gráfico. No ano de 1915, em torno

de 15 mil e, já, em 1918, vendiam-se entre 20 a 25 mil exemplares. E a partir

daí a principal fonte de assunto publicado passa a ser o estímulo às

campanhas e concursos de beleza.

Figura 1: Capa da revista A Cigarra Magazine.

7

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº108, julho de 1944.

Esse número se amplia cada vez mais e, durante a década de 1940, as

revistas que desfrutam de uma maior popularidade são O Cruzeiro, lançada em

1928, A Cigarra, de 1914, e a Carioca, de 1935. Cada uma delas atuando na

7A palavra inglesa magazine, derivada da francesa magasin, de mesma origem árabe de armazém, designava as publicações de conteúdo diversificado, correspondendo ao que se chamava revista em português. (BUITONI, 1986, p. 17)

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perspectiva de um jornalismo ilustrado, literatura e também com assuntos

girando em torno de cinema, moda e famosos do rádio. As fotonovelas

popularizam ainda mais a revista feminina nos anos 40 e 50. Histórias

românticas desenhadas em formas de quadrinhos que enfatizavam a literatura

sentimental. Em 1952 é lançada, pela Editora Abril, a revista Capricho que

rapidamente ganhou a preferência das leitoras. E seis anos depois viria outro

grande sucesso da imprensa, a revista Manchete (BUITONI, 1986).

Ao longo de várias décadas, as revistas femininas foram e, ainda,

podem ser consideradas parte integrante e atuante sobre a sociedade.

Educadoras e esclarecedoras, essas publicações gerenciavam e conduziam os

papéis femininos. Algumas revistas foram fechadas, mas logo vieram as

substituições e com elas as mudanças dos velhos padrões, pois, as novas

revistas teriam que ser capazes de responder e reconhecer as modernas

necessidades femininas. Atualmente, a imprensa feminina ainda proporciona, à

mulher, a leitura como símbolo de lazer de forma prazerosa e informativa. Mas

olhar para essas antigas publicações é compreender a importância histórica

dessa fonte primária e interpretar os valores e papéis sociais femininos, por

elas estabelecidos, identificando os tipos de discursos e posturas ideológicas

por elas legitimadas perante as suas consumidoras.

2.2.1 A importância do veículo, a revista

A imprensa feminina desenvolvida com as revistas femininas se

aperfeiçoava cada vez mais e, logo, chegaram ao patamar de verdadeiras

formadoras de opinião, no contexto do século XX. Periódicos de exemplares

mensais, quinzenais ou semanais deixavam a mulher informada e atualizada

através dos discursos por eles promovidos. Os editoriais destinavam-se quase

que exclusivamente às causas femininas e, esse veículo transmissor, servia de

instrumento difusor desses conceitos, que propagava nas páginas dessas

revistas a imagem idealizada e perfeita de como “ser” uma mulher. Levando-se

em cosideração que a imprensa feminina se dedicava em manter a moral e os

bons costumes, que eram transmitidos através das informações utilitárias

dessas revistas diretamente para a dona de casa, que deveria ser uma bela

mulher, boa mãe e excelente esposa.

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Esse veículo comunicador que transmite a informação, a um público

específico, estabelece um favorecimento à assimilação que pode vir ou não a

ser digerida, elaborada e se transformar em conhecimento manifestado pelo

indivíduo. A difusão de informações por meio da imprensa escrita se

estabelece mediante uma capacidade cognitiva e a mulher pode exercer os

papéis geradores de informações, visto que são verdadeiras redes de

informações bem estruturadas de modo a estabelecer uma submissão dos

serviços necessários devido à complexa estrutura familiar. Essa imprensa

enfatizava a importância do estilo de vida da mulher moderna brasileira,

baseada no seio familiar e na transmissão dessa ideologia para seus filhos.

Tudo isso serve para uma reflexão dos valores do período (CARVALHO, 1995).

A criação e reforço desses hábitos, vindos por meio da prazerosa leitura

destinada às mulheres, propagavam as tradição conservadoras dos valores

femininos que eram amplamente defendidos nessas revistas. Segundo Ana

Maria Martins (2008), em meio às sedutoras revistas da época, o estímulo era

para a boa conduta, pois, tais procedimentos faziam parte dessa nova postura

de mudança durante o “desabrochar do século XX”. Isso fez do periodismo o

meio reprodutor da figura e dos modelos femininos que enfatizavam e

conservam a postura da mulher de dona do lar. “O reforço de estereótipo da

mulher brasileira de origem paulistana estavam vinculadas à tradição, à religião

e à família” (MARTINS, 2008). Uma corrente orientadora que presta um serviço

à vida cotidiana dessas leitoras, agregado de subsídios que perpetuam valores

vinculados nas páginas das revistas. “A produção da informação está

diretamente vinculada à questão da assimilação. Informação assimilada produz

mudanças contextualizadas que refletem a realidade social plural e complexa”

(CARVALHO, 1995, p. 7).

Os reforços desses estereótipos da imprensa feminina eram tratados

nos assuntos de moda, literatura, etiqueta, decoração, do estilo de vida das

elites e, além disso, do mundo hollywoodiano. Já os conteúdos de ordem

política e econômica eram considerados à parte do mundo doméstico, embora

algumas revistas se diferenciassem e abordassem esse tipo de tema. Era o

caso d‟A Cigarra, uma revista elitista que continha um discurso triunfalista e

ressalvava ainda mais o conservadorismo das tradições femininas, porém

também tratava de questões de ordem política, fazendo com que a revista não

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fosse somente destinada ao público feminino, tornando-se um informativo a

mais para os outros membros da família.

Segundo Carvalho (1995), o assunto destinado à política nas revistas

femininas sempre representou uma divisão e fragmentação de diversas

correntes, pois, o ponto de vista delas era direcionado com uma maior

propensão ao consenso e à preferência pela luta moral. De tal modo que os

jornais e as revistas femininas possuíam pouco caráter político, pois, evitava-

se, assim, que os assuntos conflitantes entrassem nos domínios dos

domicílios.

Esses modos e comportamentos publicados pela imprensa feminina e,

quando fielmente seguidos pelas leitoras, consagravam e reforçavam diversos

tipos de papéis conservadores. Aquelas mulheres que atuavam fora dessas

regras eram constantemente condenadas, sobretudo pela mulher de classe

elitista. Isso fazia parte do objetivo da imprensa, conquistar e manter o público

de acordo com o seu aspecto ideológico, caracterizando-se, então, em

formadores de opinião. Um ideal reforçado no conto da revista A Cigarra,

publicado em junho de 1944, chamado “Celina, moça de sociedade” (figura 2),

ilustrado com uma mulher olhando fixamente para o seu namorado

apaixonadamente e induzindo a um casamento feliz. Histórias que moldavam e

construíam os parâmetros de referenciais sociais para a atuação da mulher

diante da sociedade.

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Figura 2: Celina, moça de sociedade.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 123, junho de 1944, p.45.

Com uma maior acessibilidade a esse material impresso, que se

multiplicava constantemente, novos modelos comportamentais e culturais

foram surgindo. O conteúdo informativo transformava o espaço familiar,

principalmente, o cotidiano fruto do estilo “american way of live” (CARVALHO,

1995). Esse estilo de vida americano estreou na conjuntura da Belle Epóque

americana, emergida no final do século XIX e perdurando até o pós-guerra.

Tendo como principal característica a estabilidade econômica que adequou um

novo estilo de bem estar social proporcionando, assim, novos hábitos, como a

redução das jornadas de trabalho e, conseqüentemente, mais tempo livre para

o lazer e o entretenimento. Outra mudança ocasionada foi uma maior

preocupação com os cuidados estéticos, para manter-se com uma melhor

aparência, além da construção de novos hábitos higiênicos. Entre os anos

1930 e o pós Segunda Guerra, o “american way of live” foi intensamente

dinamizado pelo cinema hollywoodiano. Tudo isso vem a ser absorvido mais

tarde no Brasil por meio da revista feminina, com seus conteúdos editoriais

recheados de informações a respeito de saúde, educação, dicas para tarefas

caseiras e culinárias, além de conselhos para o cotidiano da leitora.

Essa função de informar assuntos que enfatizavam a moda, literatura,

poesias e folhetins, fazia da boa leitora aquela que seguisse religiosamente

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todos os princípios publicados nas revistas femininas. Conselhos amorosos

também eram comuns na conversa entre leitora e revista, tornando esta mídia

ainda mais atrativa e cativante, pois, atingia diretamente a vaidade e felicidade

feminina. A imprensa feminina desenvolveu em suas páginas verdadeiros

modelos de aconselhamento e, com ela, o monitoramento das suas atitudes.

Palavras sobre papéis repletos de efeitos gráficos hábeis para vigiar e controlar

mulheres em favor do bom costume moral.

2.2.2 A publicação da mulher moderna, porém conservadora

Na transmissão e informação que se entrelaçavam através do lazer por

meio da leitura, nas páginas da imprensa feminina durante as primeiras

décadas do século XX, ficam claras a preservação da moral e dos bons

costumes que a mulher deveria manter. Os assuntos do mundo doméstico

eram constantemente reforçados como sinônimo de perfeição do lar, gerados

por meio da boa educação e cuidado com os filhos e a conservação dos laços

matrimoniais, ou seja, a mulher era responsável pelo bom ambiente familiar,

pois esse era o seu exclusivo papel: a de ser esposa e boa mãe. As revistas

femininas transmitiam e reforçavam esses papéis através de suas páginas,

conduzindo as suas leitoras, porém, essas configurações vão sendo

modificadas ao longo do tempo, iniciando, paulatinamente, a mulher do lar

versus à mulher profissional.

Segundo Ana Maria Martins (2008), as revistas conservadoras

reforçavam o tradicional papel feminino de “mãe-esposa-rainha do lar”, mas,

durante a virada do século passado, a imprensa se abre para a voz e

dissemina o discurso que reivindicava o gênero, o fim da reprovação feminina,

o sufrágio feminino e o divórcio, oriundos da influência causada pelos

movimentos feministas. Em meio a toda essa mudança e aos investimentos

educacionais, promovidos pelo governo de Getúlio no início do seu governo em

1930, foram introduzidos esses novos tipos de pensamentos femininos nas

revistas, principalmente as publicadas na cidade de São Paulo. O universo

impresso gerava um maior hábito de leitura e definia a “leitura que poderia

entrar nos „honrados lares‟ daquela sociedade” (MARTINS, 2008, p. 377). A

questão referente à maior emancipação da mulher, para o ambiente fora do lar,

passam a aparecer na imprensa. Essas novas conquistas para outros

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ambientes sociais foram mal vistos pela sociedade conservadora, alegando

que haveria uma ruptura da estrutura familiar.

O Brasil, durante a década de 1930, estava em crescente processo de

urbanização e as grandes capitais já dispunham de bondes elétricos, veículos

automotores importados, centros comerciais com diversas lojas voltadas para

roupas, alimentação e utensílios para o lar. Todavia, mesmo com todas as

inovações apresentadas, no início do século XX, as publicações ressaltavam e

guardavam os aspectos moralistas masculinos (BRAGA, 2011).

Os periódicos destinados e consumidos pela mulher passavam a

disseminar esses novos comportamentos, proporcionando uma dualidade na

imagem feminina: de um lado estava a conservadora rainha do lar, e, do outro,

a nova mulher politizada e participativa no âmbito social. Textos para a mãe-

esposa reforçavam a imagem da mulher brasileira como conservadora das

tradições, costumes e da forte religiosidade católica. Porém, muitas imagens,

ilustrações e publicidades apresentavam uma nova mulher, moderna e

consumista, configurada num modelo de pessoa independente, que sabia

dirigir automóvel e fumava em público. Essas passagens extremas de pontos

vistas, nas revistas, refletiam as diferenças sociais, pois, publicavam,

sobretudo, a imagem da mulher moderna da elite, que poderia viajar e comprar

roupas da moda, em oposição à da classe baixa que, ainda, sustentava o

modelo de escrava do lar (MARTINS, 2008).

A descoberta da revista feminina pela classe intelectual como veículo das idéias modernas, aliada ao franco progresso do texto jornalístico, garantia o espaço de expressão do jornalista que percebera o potencial do público consumidor dessas publicações. Algumas seções se dedicavam à publicação de escritores, enquanto outras ao jornalismo de serviços. A literatura e a leitura estavam presentes nestas publicações (CARVALHO, 1995, p. 6).

O estilo de modelo social que referenciava a imprensa feminina era o de

família, de mulher branca, de classe média, nuclear, hierárquica, de papeis

definidos. Tudo baseado em regras de comportamentos e opiniões sobre

casamento, juventude e, inclusive, o trabalho feminino. Imagens que cogitavam

um aparente consenso social sobre a moral e os bons costumes, promovendo

os valores de raças, classes e de gênero dominante. Como conselheira e fonte

de informação, “as revistas influenciaram a realidade das mulheres de classe

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média de seu tempo assim como sofreram influências das mudanças sociais

vividas” (BASSANEZI, 2007).

Sendo herdeira de idéias antigas, mas sempre renovadas, saberia (as revistas) da importância atribuída ao casamento na vida de qualquer mulher. Teria aprendido que homens e mulheres vêem o sexo de maneira diferente e que felicidade conjugal depende fundamentalmente dos esforços femininos para manter a família unida e o marido satisfeito (BASSANEZI, 2007, p. 607).

Essa passagem para mulher moderna modifica o seu antigo papel

complementar na sociedade. A mulher ativa que sai de casa para trabalhar e

estudar ainda possui a preocupação de construir uma família, ser uma boa

esposa e mãe exemplar. Anseios sociais refletidos na imprensa feminina que

utilizava esse discurso de modernidade embora, ao mesmo tempo,

conservasse e reforçasse os princípios básicos femininos. Porém, em certos

momentos, essa independência da mulher foi estimulada e necessária na

sociedade, como no contexto da Primeira e Segunda Guerra Mundial, nas

quais a necessidade da mão-de-obra feminina era eminente visto que, com a

partida dos homens para os campos de batalhas, diversos setores importantes

da sociedade ficaram vazios.

Isso levou à produção de campanhas estimuladoras para a mulher

trabalhar fora do lar, tendo como base a justificativa da sua importância no bem

estar da sociedade, enquanto os homens lutavam. O uso do discurso

nacionalizador enfatiza ainda mais o seu dever com o comprometimento social,

e foi muito bem reproduzido em quase todas as revistas femininas brasileiras,

dentre elas, a revista A Cigarra Magazine.

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3 HISTÓRICO DA REVISTA A CIGARRA

3.1 As origens do periódico – A Cigarra Durantes as primeiras décadas do século XX surgem, na cidade de São

Paulo, uma grande variedade de publicações, em formatos de jornais e

revistas. Em meio a todo esse processo brota a idealização de uma nova

revista que abordaria assuntos femininos e seria voltado para o entretenimento

com o estilo de vida da elite paulistana. A Cigarra Magazine teve a sua primeira

edição a circular no ano de 1914, com uma tiragem de 20 000 exemplares, e

na sua capa apresentava uma jovem garota com uma face em perfil. E logo ao

lado, no canto esquerdo, havia os versos, em destaque, de uma poesia de

Vicente de Carvalho “Menina e Moça”. O projeto inicial pertencia à sociedade

Gelásio Pimenta & Comp., da qual faziam parte os sócios Gelásio Pimenta e

Coronel Durval Vieira de Souza. Porém, anos mais tarde, em 1927, a revista

circula com o nome do seu fundador e proprietário, Gelásio Pimenta.

A primeira edição parece mais um folheto do que uma revista, uma

publicação simples e de poucas páginas, sem grandes reportagens e contendo

em sua maioria fotos de pessoas ricas e influentes da cidade de São Paulo,

pois tratar de assuntos voltados para o estilo de vida das pessoas mais

influentes da cidade, gera, no público leitor, a curiosidade popular sobre como

são e o que eles fazem nos momentos de lazer. E com isso leva a outras

famílias, de grande poder aquisitivo, a almejarem também a aparição no

periódico. Elementos que fazem parte do jogo de aparência social e que tocam

na vaidade familiar e, principalmente, na feminina e, por conseguinte,

influenciam a venda da revista.

Um pequeno folheto elitista (figura 3), que anos mais tarde, vem a ser

uma grande revista de circulação nacional. Na sua próxima edição (figura 4),

que se pode considerar a revista propriamente dita, ocorre no dia 6 de março

de 1914, contendo 12000 exemplares; entretanto, com um número mais

significativo de páginas, na sua capa apresenta o animal que leva o nome da

revista, uma cigarra, e em suas mãos uma espécie de livro simbolizando o ato

da leitura.

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Figura 3: Capa do folheto que anunciava a recém revista lançada em São Paulo destinado a mulheres da elite paulista, A Cigarra.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, 1914.

Figura 4: A primeira capa oficial da revista A Cigarra com a figura do animal que dava o nome à

revista.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº1, 6 de março de 1914.

No interior desse primeiro exemplar ocorre uma pequena explicação do

sugestivo nome, que representa a analogia com a fábula mais conhecida do

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ocidente: “A Cigarra e a Formiga”. Sua criação está atribuída ao grego Esopo

do século VI a.C., que vem a ser retomada pelo francês La Fontaine durante o

século XVII, e a tornando a fábula tão popular. Uma história na qual a cigarra

canta e a formiga trabalha, onde a formiga que é trabalhadora garante o seu

sustento para a escassez de comida, durante o período do inverno, já a cigarra,

apenas, seria a cantora durante o sol do verão. Com a moralidade de que "é

melhor se preparar para os dias de necessidade".

A associação à personagem poderia ser um alcance de simpatia com a

leitora para a revista, visto que o animal estava à parte do trabalho. Ela não

necessita “tecer e nem fiar”, a cigarra já “vale por sua beleza”. A Cigarra era um

nome que simbolizava a ruptura, ainda, não vista no Brasil, para estabelecer

uma leitura repleta de “prazer e lazer”, e, entre a “arte e ornamento” (CRESPO,

1990). Entretanto, a relação da revista com a fábula pode ser associada às

moças de famílias urbanas, com um maior poder aquisitivo, que estariam sem

muitas ocupações ou atividades sociais, e assim, deixariam de passar uma

“fome” de entretenimento, realizando uma ocupação e o cultivo de

conhecimento.

Promovendo, na leitora, um verdadeiro encanto ao realizar a leitura da

revista durante quinze dias, até a chegada da próxima edição; no entanto, anos

mais tarde, ela vem a ser publicada apenas mensalmente.

A grande ambição da Cigarra é ser uma revista artística: cantar ao sol com voz que se esforçará – ou não fosse ella cigarra – por fazer alta e estridente. É a sua ambição; não é uma promesse. Prometer obriga; e quem sensatamente se obrigará pelo seu proprio destino? (...) Apresentando-se ao publico, ella conta conquistar a sua estima. Não, de certo, allegando direitos a essa estima, e sim esforçando-se por merece-la. (...) Consolemo-nos pensamentos que, para esta Cigarra, de quinze em quinze dias verão, e ella cantará ao sol (A CIGARRA, 1914).

Segundo o próprio fundador, a revista contava com assuntos banais e

“fofocas” da sociedade paulistana, com muitas poesias escritas à “moça mais

culta” e mais a divulgação de artigos sobre beleza e saraus. Mas não chegou a

agradar muito ao seu público, pois, o seu rendimento se tornava cada vez mais

insatisfatório com um baixo número de vendas da revista, que se agravou

bastante após a morte de Gelásio Pimenta, no ano de 1924. No ano de 1933, a

revista foi comprada pelos Diários Associados, do Rio de Janeiro. Um grupo de

periódicos era formado por uma junção de distintos jornais, revistas, rádio, e,

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mais tarde, a televisão fundada por Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira

de Melo (1891 – 1968). O grupo teve seu auge nos anos 1960, mas se mantém

ativo, atualmente, no mercado com um grupo de 50 veículos de comunicação,

dentre eles 15 jornais, 3 revistas, 12 rádios e 9 emissoras de televisão.

Segundo Afonso Penna, Assis Chateaubriand, mais conhecido como

Chatô pelos íntimos, era um homem visionário além de grande empreendedor,

pois, fundou, já na primeira metade do século XX, um grande império de

comunicação no jornalismo brasileiro, denominado de Diários Associados. Em

1924 lançou o seu primeiro periódico, chamado O Jornal, logo após outros

jornais como o Diário da Noite, Diário de São Paulo e o Jornal do Comércio.

Em 1934 inaugura a famosa estação de rádio Tupi, porém, ainda em 1928,

Chateaubriand, com toda a sua irreverência, compra a Sociedade Anônima

Empresa Gráfica O Cruzeiro de Edmundo Miranda Jordão, fundada naquele

mesmo ano, investindo e melhorando as suas produções gráficas e as

instalações das revistas e jornais recém-adquiridos. O grupo dos Diários

Associados reúne algumas das principais e mais importantes revistas

produzidas no país, entre elas, O Cruzeiro.

Durante a revolução de 1930, Chateaubriand se torna aliado de Getúlio

Vargas, conseguindo um grande apoio financeiro para o seu negócio e

desenvolvendo imensamente a sua ampliação. Pois o principal ideal de

Chateaubriand era promover uma integração do Brasil por meio da imprensa e

o fez (PENNA, 2007). “Ela (A Cigarra) foi criada em 1914 por Gelásio Pimenta,

mas apresentava desempenho insatisfatório. Em 1933 é adquirida pelos

Diários Associados (...). A direção ficou a cargo de Freddy Chateaubriand,

sobrinho de Assis” (PENNA, 2007, p.65).

Quando comprada pelo Diários Associados, A Cigarra passa a ser

publicada através da Empresa Gráfica O Cruzeiro, sua formatação foi

reestruturada e adaptada aos interesses do novo proprietário. Sua nova

publicação foi agregada junto ao interior da revista O Cruzeiro. Conhecida

como queridinha do Brasil, O Cruzeiro, fundada em 1928, foi uma revista que

mais alcançou visibilidade nacional, chegando a uma tiragem de setecentos mil

exemplares vendidos durante os anos de 1960. A Cigarra, introduzida no

interior da revista O Cruzeiro, circulava no formato de um caderno com poucas

páginas e apenas na cidade de São Paulo, uma junção sem grande sucesso.

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Contudo, retorna a ser uma revista independente e, posteriormente, se torna

popular e passa a ser distribuída e vendida nas grandes cidades brasileiras.

O jornalista que trabalhou por mais de 40 anos na revista O Cruzeiro,

Accioly Netto, declara que a revista A Cigarra nunca alcançou um grande

número de tiragem, em comparação à revista O Cruzeiro. Segundo ele, a

revista inicialmente circulava apenas na cidade de São Paulo e de maneira

deficiente, contudo, Assis Chateaubriand queria ajudar seus amigos que

vinham passando por um forte prejuízo com a revista. Com a compra realizada

a “ex-revista paulista” passa a circular encadernada no interior da revista O

Cruzeiro, com apenas 16 páginas de modo de suprimir o exemplar paulista.

Mas a ideia foi desastrosa e produziu uma queda nas vendas de O Cruzeiro.

Mas logo ela passa a circular de maneira independente, com um formato

menor e de periodicidade mensal (NETTO, 2007).

O Cruzeiro e as outras revistas do grupo Diários Associados, como a veterana A Cigarra, feminina, que publicava moldes para costurar, tinham uma distribuição privilegiada por usar o mesmo sistema de bancas de jornal que vendiam dezenas de jornais que o grupo Associados publicava diariamente (MARTINS, 2008; 207).

Muitos colaboradores consagrados fizeram parte d‟A Cigarra, tais como

Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Sérgio Buarque de Holanda, Olavo

Bilac, Monteiro Lobato, entre outros. Além disso, a revista contava com uma

boa edição e alta qualidade no seu padrão. Capas, imagens e ilustrações

continham um uso acentuado de cores, atributos que a foram tornando ainda

mais popular, principalmente, entre as famílias de classes mais altas e médias.

Outro fator que muito influenciou as crescentes venda, dessa nova estrutura da

revista, foi o aumento da alfabetização das mulheres no Brasil. Leitoras mais

letradas geraram uma maior vendagem devido ao incentivo do governo

brasileiro em aumentar o nível de escolaridade da população.

Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, no Brasil se desenvolveu

a ampliação da educação feminina que ocorreu, principalmente, durante os

anos 1930. A modernização do país era cada vez mais crescente, entretanto, a

elite brasileira veio a se beneficiar com essas mudanças. Um maior nível

educacional entre as mulheres produziu e desenvolveu novos hábitos e

práticas, entre eles, o consumo (AZEVEDO, 2006). As alterações de hábitos e

costumes familiares fazem parte das mudanças associadas a essa urbanização

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e a emergência do novo estilo que a burguesia possuía e ampliava cada vez

mais. O alto grau de escolarização proporcionado pelas políticas sociais,

implantadas durante a Era Vargas, gerou oportunidades voltadas ao mundo do

trabalho feminino, agora não somente destinada aos afazeres domésticos, mas

para setores de produção de serviço e bens (AZEVEDO; FERREIRA, 2006).

O crescimento notável do ingresso de mulheres na escola durante as primeiras décadas da República constitui um fato historicamente relevante para compreendermos como foram forjadas as condições culturais e institucionais que propiciaram às mulheres o acesso à carreira científica nas universidades e instituições de pesquisa. A partir do final da década de 30 verifica se a presença de mulheres em todos os níveis escolares, sobretudo nos cursos superiores, firmando-se esta como uma tendência crescente e constante daí em diante (AZEVEDO. 2006, p. 235).

Consequentemente, um número maior de mulheres letradas fez com que

A Cigarra se tornasse uma das mais vendidas, não obstante houvesse,

também, a necessidade de um maior conhecimento linguístico para lê-la. Pois

era muito comum encontrar, em seus textos, o uso de palavras estrangeiras,

principalmente, o uso de termos em inglês e francês. Outra forte característica

da sua linha editorial era uma linguagem voltada à valorização dos bons

costumes, que muitas vezes parecia uma verdadeira doutrinação dos bons

modos de comportamento que a mulher deveria realizar.

3.2 Educando as “boas moças”

A linha editorial produzida n‟A Cigarra continha um forte cunho

nacionalista decorrente do ponto de vista do próprio Chateaubriand. A sua

íntima relação com o presidente Getulio Vargas gerava um apoio mútuo entre

eles, que era visivelmente identificado nas revistas A Cigarra e também em O

Cruzeiro. Vargas usava muito os meios de comunicação para promover e

reforçar o seu discurso nacionalista, e essas revistas foram muito bem vistas

aos olhos do presidente como forma de difundir seus ideais, o nacionalismo,

que era considerado como de grande apreço por Chatô. Porém, a revista se

declarava neutra em suas reportagens conforme “os pontos de vistas” nelas

publicados, no entanto, a sua opinião sempre era reconhecida claramente.

Conforme apresentado, na última página da revista A Cigarra, de Outubro de

1944, os seguintes dizeres:

Muito embora esta redação procure certificar-se da veracidade das informações emitidas nos artigos que publica, não pode, por motivos óbvios – como, por exemplo, o de, muitas vêzes, ser

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necessariamente a publicação de ponto de vista controversos, emitidos por dois ou mais colaboradores - responsabilizar-se pelos conceitos emitidos em artigos assinados (A CIGARRA, 1944).

Seria uma forma de justificar as suas opiniões, mas o forte discurso

triunfalista era claramente identificável e exercia um poder sobre os leitores por

meio das suas “apologias patrióticas”. Chegando a opor-se, de maneira

rigorosa, às ideias “internacionalistas” que poderiam vir a produzir algum tipo

de ameaça ao país. Logo que eclodiu a Primeira Guerra Mundial, as páginas

de A Cigarra foram tratando desses assuntos militares, muitas vezes de forma

“apaixonada e também visceral”, um posicionamento que não parecia muito

ortodoxo nos comportamentos e estilos apresentados anteriormente aos

leitores (CRESPO, 1990). Militarismos e nacionalismos que serão analisados

no terceiro capítulo durante a Segunda Guerra Mundial, no Brasil. Mas o foco

geral da revista era o público de donas de casa, e para elas haveria de conter

textos fáceis e com assuntos voltados para as suas preocupações diárias, pois,

só assim poderia sempre gerar uma maior quantidade de vendas da revista.

Mesmo sendo produzida e dirigida por homens, A Cigarra visava a todos os

tipos de públicos.

Mesmo sendo considerada uma publicação feminina, não foi pensada originalmente para esse público, mas seu conteúdo acabou configurando-a como tal. (...) O seu conteúdo era diversificado e continha um editorial bastante comum às publicações femininas da época: “A Cigarra mantinha a mesma receita editorial: contos, relatos de viagem, pequenas crônicas e reportagens, moda, beleza, uma seção de cartas muito movimentada” (PENNA, 2007, p.65).

O seu linguajar elitista era produzido com muita pompa para as

mulheres, pois, marcava um estilo bem conservador dos princípios morais

femininos. “(...) comportava-se na maior parte do tempo como verdadeira

“guardiã” dos valores tradicionais (leia-se das elites) entre os quais, a

propalado binômio arte-ornamento, dominante no panorama cultural do

período” (CRESPO, 1990, p. 29). O periódico muito influenciou as

transformações sociais, tanto culturais como sociais, em meio à modernização

que o país vinha passando. Transmitindo e atualizando essas novas

linguagens, costumes, comportamentos e hábitos nas diversas seções da

revista. Crônicas foram publicadas destinadas em especial à conduta das

leitoras, com enumerações de tarefas que ela deveria desempenhar. “A Cigarra

era escrita para patrões e não para empregados” (CRESPO, 1990, p. 46).

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Em um momento em que a imprensa se fazia a partir do que os leitores pediam, viviam e liam, a revista insiste em uma linguagem cheia de adjetivos e superlativos, preservando a norma culta da língua, o que sugere que os leitores é que deveriam se moldar, ou melhor, se adequar à revista (MATOS, 2008, p. 5).

O entretenimento era o grande destaque para o público de A Cigarra,

assuntos como moda, beleza e elegância eram vinculados em espaços

chamados de “Suplemento Feminino” e “Cine – Magazine”, com notícias diretas

dos atores e atrizes de Hollywood. Já os seus filhos eram entretidos com a

“Hora do recreio”, “Para matar o tempo” e também “Para gente meuda”, com

jogos e desenhos para colorir. Aos seus cônjuges vinham assuntos chamados

de “Grandes reportagens” que, posteriormente, se modificam com o nome de

“Histórias Verídicas”, entre outros. Além de grande quantidade de contos e

aventuras publicados em cada mês, uma média de 5 a 6 contos, também

proporcionavam o lazer com assuntos como “Teste para seus conhecimentos”,

“Foto crime” e seções que ajudavam a dona de casa a resolver a sua vida

amorosa com o “Horóscopo” ou “Astrologia”, que geravam uma conversa direta

com a sua leitora por meio de cartas enviadas para a redação. Essa variedade

pode ser verificada na figura 5, cuja reprodução do sumário da edição de junho

de 1944 aponta as opções de leitura das quais toda a família dispunha.

Figura 5: Sumário

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 123, junho de 1944, p.2.

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“Com „leveza e graça‟ A Cigarra informava (...), fazia literatura e

entretinha homens e mulheres, adultos e crianças. (...) A impressão que se tem

ao ler (...) é que a revista „conversava‟ com inúmeros e diferentes leitores”

(MATOS, 2008). Algumas das suas publicações e assuntos abordados

poderiam ser comparadas com as “colunas sociais” da atualidade, mas não só

de assuntos supérfluos eram constituídos A Cigarra.

A análise do conjunto de seus exemplares demonstra que A Cigarra, mesmo tendo-se apresentado como uma revista de lazer foi firmando, ao longo do tempo, um perfil bastante eclético, de fundo principalmente informativo (em harmonia, é claro, com a sua característica homogeneização estilístico-ideológica). Pode-se supor que a maior abrangência temática da revista supriria as diferentes expectativas e interesses de seu público (CRESPO, 1990, p. 92).

“O mensário de maior circulação no Brasil”, frase sempre em destaque

na capa das revistas a ser estudada, abordava assuntos noticiosos, de

entretenimentos e literários. A linha editorial voltada para as repotagens que

relatavam as matérias de grandes repercussões nacionais e internacionais,

principalmente, vindas da América do Norte e as da Europa Ocidental. Notícias

também faziam d‟A Cigarra ser conhecida e popular, pois, havia outra seção

destinada ao “O que você deixou de lêr nos jornais”, relembrando os assuntos

já ocorridos no mês anterior.

Mas o ponto alto mesmo da revista era o entretenimento e a diversão,

que apresentavam distintos recursos que tinham com objetivo prender a

atenção do leitor, como uma espécie de passatempo divertido de maneira

agradável, para consequentemente gerar a venda. As notícias, entretenimentos

e os temas literários, eram a sua principal estrutura.

Dependendo do assunto abordado, o seu discurso poderia ser quase

que “calado” e outros chegavam a produzir uma grande exploração, como as

diversas abordagens políticas, notas sociais e culturais. Porém, a sua proposta

no geral, era a de promover assuntos leves e sutis. O uso de jogos,

correspondências dos leitores, notas sobre os acontecimentos sociais, era uma

forma de manter a leitura da revista por vários dias.

As fotografias também foram bem exploradas no interior do periódico, a

imagem e uma pequena legenda eram comumente utilizadas, muitas vezes

sendo apenas o único recurso da construção de uma notícia, chegando a

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deixar algumas informações subtendidas, pois, indicava que o leitor saberia do

que se tratava (MATOS, 2008).

A organização d‟A Cigarra mistura diferentes linguagens visuais e textuais, mas a presença da literatura é constante nas edições. Com intensa publicação de textos literários misturados a fotografias, anúncios e a uma variedade de assuntos, a leitura da revista significava o salto de um assunto a outro na mesma página e parece indicar a definição de um modo de fazer revista de variedades para uma diversidade de leitores, cada vez mais anônimos, que vai ganhando forma ao longo das primeiras décadas do século XX (MATOS, 2008, p. 9).

O recurso fotográfico e ilustrativo foi muito utilizado durante a Segunda

Guerra Mundial, nos quais as fortes imagens da guerra eram vistas logo nas

suas primeiras páginas, com objetivo de informar claramente a situação da

guerra no outro continente. Imagens como de tanques militares, aviões,

cidades destruídas, mortes e assuntos sobre os líderes da guerra como

Roosevelt e o grande inimigo, Hitler. Agregadas de legendas como:

“Ganharemos a paz?”, em novembro de 1944; “Reabilitando os mutilados da

guerra”, outubro de 1944; “Eles destruíram a família”, março de 1945. Imagens

impressionantes de confrontos e destroços que tinham por objetivo chocar o

leitor. Essa realidade estava muito longe das fronteiras brasileiras, porém, a

insegurança e o medo se espalharam pelo país. Por conta disto é que se faz o

recorte histórico analisado aqui, no presente trabalho: período em que o Brasil

fez parte oficialmente da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1942, até o fim

da guerra, em 1945.

Nas revistas há um rico material que teve como foco o discurso patriótico

voltado para as mulheres, em meio às matérias de entretenimento e lazer.

Esse era o objetivo da produção da revista A Cigarra no contexto, instruir e

informar seus leitores de acontecimentos locais e mundiais, por meio de uma

“prazerosa” leitura. Mas ao analisar o conteúdo nela publicado se identifica a

influência nacionalizadora, vindas dos discursos produzidos pelo presidente

Getúlio Vargas, durante o conjunto de ações da guerra. O uso dos meios de

comunicação, em especial as revistas femininas, se tornava mais um

mecanismo de controle populacional utilizado pelo governo, para defender os

seus ideais nacionalistas. A Cigarra foi publicada até o ano de 1975 e, durante

o fim da década de 1960 até os anos 1970, ela ainda influenciou as relações de

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feminilidade, estabelecidas entre comportamento e moda para a mulher

brasileira.

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4 CONTEXTO DA GUERRA

“Assim, foi numa Alemanha envenenada pelo descontentamento que Adolf Hitler ergueu a voz pela primeira vez. Apelando para a convicção do povo alemão de que tinham sido brutalmente oprimidos pelos vencedores da guerra, logo conseguiu uma larga audiência” (Portal da Segunda Guerra Mundial).

4.1 A Segunda Grande Guerra Mundial O período histórico denominado de “entre – guerras” teve uma duração

de aproximadamente vinte anos, o tempo de trégua dos conflitos entre a

Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-

1945). No fim da Primeira Guerra ocorre a criação da Liga das Nações,

formada por uma junção de países europeus capaz de restabelecer a paz entre

as nações mundiais, controlados pela França e pela Inglaterra. Os Estados

Unidos não integrava o grupo, pois, alegava querer estar distante da política

européia, e também a União Soviética não foi inclusa devido ao seu sistema

socialista.

Porém, essa paz almejada não veio a acontecer mas, sim, uma guerra

ainda mais violenta que ocasionou a morte de quase 55 milhões de pessoas e

com um custo aproximado de 1,5 trilhões de dólares. Segundo Taylor (1963), a

Segunda Guerra Mundial, iniciada em setembro de 1939, não passou de uma

repetição da Primeira. A reorganização da Europa era um dos pretextos

utilizados para deflagrar a Segunda Guerra Mundial; no entanto, isso estava

longe de ser a real causa da guerra. As ligações entre as duas guerras

continham um caráter muito mais intenso. A Primeira Guerra deixou “o

problema alemão” sem uma solução definida e acabou revigorando a sua

gravidade.

Se perguntarmos simplesmente: “Qual o motivo da Guerra?”, a resposta em relação a I será: “Para decidir como a Europa seria refeita”; mas para a II, será apenas: “Para decidir se essa Europa refeita deveria continuar.” A I Guerra explica a II e, na realidade, a provocou, na medida em que um acontecimento provoca o outro (TAYLOR, 1963; 19).

Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, diversos tratados com objetivo

de paz mundial foram formados, dentre eles o Tratado de Versalhes. E o novo

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mapeamento da Europa foi estabelecido pelas nações vencedoras. “O Tratado

de Versalhes, os Tratados de Washington de 1921-1922, e a Liga das Nações

(na qual os alemães foram admitidos em 1925) prometiam aos povos do

mundo, cansados das guerras, uma ordem internacional, na qual a guerra seria

banida para sempre” (MORTON, 1977, p.16).

Os Estados Unidos não confirmavam uma participação ativa, em relação

ao Tratado de Versalhes, no entanto almejava uma Europa pacificada e com

uma ordem econômica estável. Entretanto, o povo norte americano colaborou

ativamente para a destruição da Alemanha, durante a Primeira Guerra. Além

de sofrerem com a humilhação de perder a guerra, os alemães ficaram sem

partes do seu território e, com a obrigatoriedade do desarmamento, ainda

foram acusados de responsáveis por provocar a guerra, os quais discordavam

completamente desta posição (TAYLOR, 1963). A Paz realizada em Versalhes

excluiu a validade moral do povo alemão que considerou injusto o Tratado

entre vencidos e vencedores. Além da Alemanha, outros países prejudicados

foram a Áustria e a Hungria que foram desmembradas, estabelecendo-se

novos países como a Iugoslávia, a Tchecoslováquia e a Polônia.

A Alemanha foi a que mais se sentiu ultrajada e humilhada com o

Tratado de Versalhes, além das perdas territoriais como a Alsácia-Lorena e a

Prússia Oriental; o pagamento de indenizações pela Primeira Guerra Mundial

levou o país a sofrer uma grande desestabilidade econômica, gerando altos

índices de desemprego e uma fome generalizada entre o povo alemão. “Os

alemães começaram com a crença, mais ou menos racional, de estavam sendo

arruinados pelas indenizações. Passaram logo à crença menos racional de que

estavam sendo arruinados pelo tratado de paz como um todo” (TAYLOR, 1963,

p. 47). Os empréstimos realizados pelo governo alemão vindos de países como

França, Inglaterra e os Estados Unidos, deixou a Alemanha ainda mais

dependente. Mas em meio ao cenário caótico surge um movimento de

extrema-direita, o nazismo. Que pregava estabelecer um regime que iria emitir

um controle total sobre as pessoas, reprimindo as suas individualidades para

estabelecer a coletividade racial, a chamada “raça ariana”.

No dia 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler se tornou o Chanceler da

Alemanha derrotada. Sem uma “tomada de poder” ele entra na política alemã

através da sua nomeação efetuada pelo próprio presidente alemão,

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Hindenburg. Junto dele e seus aliados nacionalistas, Hitler poderia governar os

seus quatros anos através de decretos. No entanto, aos poucos, seus artificiais

laços foram se rompendo, abrangendo, por fim, os meios como líder único, o

ditador. Hitler queria a libertação da Alemanha das restrições produzidas

através do Tratado de Paz (TAYLOR, 1963). Estabelece esse regime totalitário

na Alemanha, ao mesmo tempo em que o totalitarismo fascista surge na Itália,

através de Mussolini. Um regime que queria estabelecer uma política

expansionista e vem a criar um falso pretexto para invadir e posteriormente

dividir países vizinhos, o que veio a acontecer com a Polônia, eclodindo, assim,

a Segunda Guerra Mundial no dia 1º de Setembro de 1939.

O exercito alemão se lançou através da fronteira polonesa, atacando

pelo norte, sul e oeste. No momento em que houve a explosão da guerra, Hitler

parecia estar na defensiva. Três dias após a invasão alemã, a Grã-Bretanha e

a França declaravam guerra à Alemanha - era o início oficial do conflito. “Na

mesma noite, às 9 horas, o submarino alemão U-30 torpedou e afundou o

navio de passageiros britânicos Athenia a uns 320 quilômetros a oeste das

Ilhas Hébridas (...). A guerra começara. Os poloneses foram esmagados pelo

poderio alemão” (SHIRER, 1965, p.7). Em apenas quarenta e oito horas, as

Forças Aéreas Polonesas estavam arruinadas. Logo após uma semana, seu

exército também se apresentava destroçado (SHIRER, 1965). As trincheiras da

Primeira Guerra foram deixadas de lado e os pactos entre as nações para a

guerra foram sendo estabelecidos. O Eixo estava unido entre os países da

Alemanha, Itália e Japão. E do outro, os Aliados, formados pela França,

Inglaterra e, posteriormente, incluiu-se a União Soviética e os Estados Unidos.

Hitler queria a retirada do poder Europeu sobre a Alemanha e, apesar do

seu linguajar de cunho explosivo e violento, suas estratégias de guerra

possuíam um método paciente. A população alemã agora contava com um

forte governo, retornando a Alemanha ao posto de grande potência militar.

Quando chegou ao poder, Hitler contava com uma Alemanha praticamente

desarmada, sem um grande número de tanques, aviões, canhões de grande

porte e reservistas treinados (TAYLOR, 1963).

Segundo Taylor (1963, p.77), “mesmo em 1939 o exército alemão não

estava equipado para uma guerra prolongada, e, em 1940, as forças de terras

alemãs eram inferiores às francesas em tudo, exceto na liderança.” Após a

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divisão da Polônia entre a Alemanha e Rússia, a ostensiva alemã seguia pelo

norte, chegando ao ataque na Noruega e na Dinamarca. O Führer, como era

chamado Hitler, surpreendia o inimigo com sua força e o ligeiro avanço

territorial sobre os seus oponentes.

A invasão da Noruega pela Alemanha foi uma operação militar dramaticamente ousada. A decisão de embarcar na aventura foi tomada por Adolf Hitler. (...) E muito embora a ocupação da Noruega e da Dinamarca não haja produzido nenhum efeito significativo no resultado da guerra, ela assinalou um marco na história da guerra ao demonstrar o alcance eficaz das forças modernas (ZIEMKE, 1977, p.61).

A Grã-Bretanha e a França foram apanhadas quase que cochilando,

conforme se iniciava a guerra; Londres, naquele momento, tinha como

preocupação maior a crise que atravessava o seu gabinete, substituindo o

primeiro ministro Chamberlain por Churchill. E com o passar da guerra, Hitler

se considerava um gênio militar (SHIRER, 1965). A primeira etapa da guerra foi

caracterizada pela ofensiva pesada das forças nazistas e a sua surpreendente

velocidade. O Blitzkrieg, a guerra relâmpago como foi chamada, foi a tática

adotada pelo Eixo vindo a deslocar-se rapidamente em curto espaço de tempo.

Novas armas, canhões de longo alcance e aviações destruíam rapidamente os

seus inimigos, um estilo de guerra nunca antes visto.

(...) os carros de combates, divisões inteiras, irrompendo e avançando cinqüenta ou sessenta quilômetros por dia, e até uma velocidade incrível da infantaria, todo um imenso exercito motorizado de um milhão e meio de homens, coordenados graças a uma imensidade de comunicações eletrônicas. Era um deus-de-guerra mecanizado que nunca se vira (SHIRER, 1965, p.8).

O governo americano manteve a mesma atitude do Tratado de

Versalhes, quando eclodiu a guerra, em relação à neutralidade, segundo um

pronunciamento oficial. Durante o rearmamento alemão, no período de entre

guerras, os Estados Unidos também não estabeleceram qualquer intervenção.

Mas por outro lado, o norte americano participava ativamente em produções de

mantimentos para os Aliados, chegando a produzir um navio e vários aviões

por dia, entre 1943 e 1944, garantindo o fornecimento de armas e suprimentos

necessários para combater os adversários. De acordo com Louis Morton

(1977), o presidente americano no início da guerra, em 1939, prontamente

tomou diversas medidas para reforçar as defesas do país, deixando a guerra

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fora da América. Os Estados Unidos declarou-se neutro, todavia ordenou

efetivos do exército e da marinha pra ir até os limites autorizados.

No dia 7 de dezembro de 1941, o presidente norte-americano, Franklin

Delano Roosevelt, declara a obrigatoriedade dos Estados Unidos da América a

entrar na guerra, após o ataque japonês a Pearl Harbor, no Hawaí. “Forçado a

entrar na guerra contra o Japão, os Estados Unidos entrariam, ao mesmo

tempo, na guerra no Atlântico e limitariam as operações no pacífico central“

(MORTON, 1977, p.49). O ataque surpresa destruiu a maior parte da esquadra

norte-americana no Pacífico e, a partir daí muitos outros conflitos foram

realizados naquele oceano e, no final de 1942, os Estados Unidos conseguiram

diversas vitórias contra os japoneses.

Mas a preocupação do governo norte americano, após declarar guerra

ao Eixo, foi a de estabelecer um reconhecimento claro dos territórios inimigos.

Na revista A Cigarra, publicada na edição de fevereiro de 1944 (figuras 6 e 7),

encontra-se uma reportagem demonstrando essa preocupação. Com o título de

“Objetivos da Guerra” - o texto relata um pedido norte-americano, através da

Liga das Nações - de que se realizassem um recolhimento de fotografias

extraídas em “terras inimigas”. Isso iria produzir uma melhor localização

geográfica e assim produziria um ataque certeiro nos inimigos, buscando,

principalmente, atingir os pontos mais estratégicos, como os portos e estações

de rádios.

Figura 6 e 7: Objetivos de Guerra – De Jean Fernay.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 119, fevereiro de 1944, p. 113 e 114.

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A reportagem ainda declara que os inimigos, antes da guerra, estiveram

no território (nos Estados Unidos e também na Europa), chegaram como

“turistas” e realizaram uma imensa coleta de dados dos países que mais tarde

viriam a invadir.

Os “turistas” nipônicos e alemães que viviam em terras aliadas muito antes da guerra, prepararam um vastíssimo documento fotográfico que muito serviu às nações do Eixo na sua obra nefasta de destruição. (...) fotografando intenciosamente pontos estratégicos das nações com que mais tarde lutariam. (...) Muitas dessas fotografias batidas inocentemente são hoje de extraordinário valor para o prosseguimento da guerra e ataque de centros vitais do Eixo. (...) Os Estados Unidos estão recolhendo todas as fotografias de amadores que é possível. Elas têm tarefa definida nesta guerra (A CIGARRA, 1944).

Essa preocupação ocorria devido às surpreendentes vitórias bem

sucedidas nos primeiros anos da guerra pelo Eixo. Em setembro de 1942 vem

a acontecer o combate mais sangrento e violento de toda a guerra, a batalha

de Stalingrado. Porém, o comando alemão começa a sentir dificuldades em

seguir avançando. No ano de 1944, a Inglaterra, a União Soviética e os

Estados Unidos iniciam uma grande ofensiva ao povo alemão, desembarcando

tropas anglo-americanas na Normandia, em 6 de julho de 1944, o dia que ficou

conhecido como o Dia D., chegando até Paris e depois ao Vale do Ruhr, na

Alemanha. Em 25 de abril de 1945, o território alemão já estava totalmente

dominado pelos inimigos. Mas o conflito no extremo oriente seguiu por ainda

quatro meses, marcado principalmente pelos japoneses e estadunidenses.

Mas, em agosto de 1945, ocorre a rendição total do Japão, ao receberem as

duas violentas bombas nucleares.

A Segunda Guerra Mundial instaurou-se como uma guerra total, com

postos por tipos de fronts internos e externos, além do civil e militar. Invadindo

todas as esferas dos cidadãos sem limites, deixando-os sem autonomia e sem

liberdade. Uma sociedade que deveria estar sempre de prontidão para todas as

batalhas possíveis. Que ao desenrolar da guerra, fez-se dela uma indústria da

morte e destruição (CYTRYNOWICZ, 2000). Uma luta que alcançou diversos

países, direta e indiretamente, que sofreram diversas conseqüências pelos

conflitos causados. As batalhas, o holocausto, que feriu profundamente a

humanidade, com a mobilização de quase 100 milhões de pessoas, entre

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homens e mulheres, proporcionou uma luta que perdurou cruelmente durante

seis anos.

Uma guerra que mudou efetivamente o curso de uma via, de milhões de vidas, engendra uma cultura própria, particular, em torno da guerra, com história de famílias, suas celebrações cívicas, monumentos que marcam a paisagem, condecorações e pequenas coleções de uniformes, armas, equipamentos, medalhas do inimigo. A guerra não apenas determina, muitas vezes, a periodização de histórias nacionalistas, mas também a de histórias familiares, criando uma mitologia particular de heroísmo ou, ao contrário, de desvantagem e barbárie e de ódio ao inimigo militar confundido com outros povos e nações (CYTRYNOWICZ, 2000, p. 17).

Segundo Hobsbawn (1998), os horrores trouxeram diversas

conseqüências, dentre elas a contribuição brutal, sem maiores preocupações

dos países líderes da guerra, com os números das perdas de vidas humanas e

seus custos por ela gerados. A justificativa utilizada pelos estadunidenses no

lançamento de bombas em Hiroshima e Nagazaki, em 1945, era de estabelecer

uma vitória segura ao Eixo mas pode-se entender, também, como um meio

absoluto de salvar as vidas de seus soldados. As perdas ocasionadas pela

guerra são de proporções incalculáveis e de impossível aproximação. Durante

a Primeira Guerra Mundial, as baixas civis foram tão importantes quanto a

militar, pois, muitas mortes aconteceram em locais mais afastados, sem

possibilidade de registros. Segundo estimativas, a matança, da Segunda para a

Primeira guerra, foi superior em torno de três a cinco vezes.

Pouco menos de um ano, após a catástrofe, muitos corpos e vítimas

seguiam sendo procurados e os dados oficiais foram publicados, apenas, pelos

Estados Unidos e a Inglaterra em relação ao número total de mortos. Diversas

regiões do mundo tiveram algum tipo de participação na guerra: ao todo 58

países. Estima-se que houve 55 milhões de mortos, 35 milhões de feridos, 20

milhões de órfãos e 190 milhões de refugiados, dentre eles estavam muitos

brasileiros que partiram para a guerra com pouca orientação e estrutura

armamentista para o conflito.

4.2 O Brasileiro convocado para a guerra

O golpe de Estado de Getúlio Vargas imposto em novembro de 1937, é

essencial para uma compreensão da posição brasileira com relação à

Alemanha e à Itália nas vésperas da Segunda Guerra Mundial (SEITENFUS,

2000). O Estado Novo, como é chamado o período do golpe na Era Vargas,

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perdurou até 1945. Momento de grande conturbação e medo na população

brasileira devido à repressão realizada pelo governo. Um regime ditatorial que

invadiu as casas, prendeu e exilou pessoas, extinguiu os partidos políticos e

suspendeu as eleições democráticas. O totalitarismo colocava o Brasil em

semelhança ao regime imposto por Hitler e Mussolini, porém, ao ocorrer a

explosão da Segunda Guerra Mundial, o Brasil toma o partido da neutralidade,

até 1942. Mas no transcorrer dos três anos de imparcialidade, durante o

desenrolar da guerra, não houve como o país ficar de fora dessa tensão

mundial, pois, o território nacional estava repleto de imigrantes procedidos dos

países em conflito.

A vinda de imigrantes germânicos e italianos aos países latino-

americanos deu-se, ainda, no século anterior à guerra e compunha-se, em sua

maioria, de comerciantes e artesãos. E com eles ainda se conservava o

costume e a cultura dos países de origem, dentre eles, os idiomas peculiares, e

na época da guerra esses traços culturais ainda perduravam. Esses imigrantes

chegaram aos três estados do Sul do Brasil, Uruguai, Peru, Chile, Argentina e

Colômbia, e seus filhos seguiam empregando apenas o idioma de seus

ancestrais. Berlim, por exemplo, enviava subsídios para as escolas alemãs,

exportando livros e professores com o objetivo de prosseguir promovendo nas

colônias o ensino do alemão (SONDER, 1965).

Junto ao ensino estava habilmente agregada a cultura nazista, que no

Brasil iniciou a sua cruzada ideológica mesmo antes da chegada de Hitler ao

poder, em 1929. Aqui se praticava, junto aos novos imigrantes austríacos e de

países próximos, e, já nos primeiros núcleos alemães, a disseminação de

ideias nacional-socialistas nas colônias. Mas a situação se tornou grave

quando Hitler chegou ao poder e empregou, nas escolas alemãs no Brasil, a

difusão da educação e cultura germânicas, disseminando, claramente, entre os

imigrantes as ideologias nazistas. Essa presença de alemães no Brasil era

composta por numerosas colônias, porém, havia pouca integração entre elas,

mas as autoridades nazistas buscavam influenciá-las politicamente para assim

conseguir desempenhar um controle ideológico sobre elas (SEITENFUS,

2000). Entre essas colônias estava uma de Santa Catarina, na cidade de

Blumenau. A amplitude da colônia e preocupação com a difusão dos ideais

fascistas no Brasil foi assunto de diversas reportagens da revista A Cigarra,

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entre elas, a de maior de destaque, encontra-se na edição de novembro de

1944. A reportagem de Edmar Morel era intitulada: “Procura-se um nazista em

Blumenau” (figura 8). Em letras grandes e com um grande destaque, o próprio

título já produz uma apreensão e certo medo, pois, ali e aqui, em terras

brasileiras, havia um nazista sendo procurado, ressaltando assim a

insegurança do país.

Figura 8: Procura-se um nazista em Blumenau – Reportagem de Edmar Morel.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº1, novembro de 1944, p.130.

O princípio da reportagem narra a brava e heróica desbravação

realizada por Hermann Blumenau, no Vale do Rio de Itajaí, com o veleiro

Johannes, em 1846, descrevendo o seu lindo rio e suas gigantes montanhas.

Mas logo a reportagem enfatiza que o Dr. Blumenau desbravou um vale que

“vivia a ser o maior quisto nazista na América do Sul” (A CIGARRA, 1944,

p.130). E afirma que por volta de 1860 o “pangermanismo” ainda não estava

instaurado e o apoio financeiro de D. Pedro II, aos imigrantes, auxiliou no

crescimento da colônia. E, após a chegada dos alemães, uma leva de tiroleses

procedentes da Itália que se instalaram em cidades vizinhas. Ainda, segundo

Morel, no início do confronto, em 1° de setembro de 1939, da Primeira Guerra

Mundial, Blumenau era uma “grande cidade, com milhares de habitantes e

milhares de casas” e, também, com um grande número de fábricas e igrejas

Luteranas. O governo brasileiro se sentiu ameaçado pela colônia alemã que ele

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mesmo ajudou a desenvolver, “Blumenau era mesmo um pedaço da

Alemanha.” Um pedaço de terra onde o brasileiro era considerado um

estrangeiro, escola, imprensa, restaurantes, estabelecimentos comerciais e

petições ao Prefeito eram apenas no idioma alemão (A CIGARRA, 1944,

p.142).

Para formar a neutralidade do imenso poderio ítalo-germânico na

América Latina, os Estados Unidos se esforçou na tentativa de compreender a

mentalidade latina. A Argentina, no momento do princípio da guerra,

necessitava exportar sua carne para viver, o Brasil, o couro, o algodão e o café.

Os Estados Unidos não possuíam um mercado interno para o consumo de

carne, couro e algodão. A Alemanha e Itália tinham - e as duas estavam

dispostas a permutar essas mercadorias -o que os americanos inicialmente

recusavam (SONDER, 1965).

Ainda, segundo Sonder (1965), o forte vínculo entre os países latinos,

ao lado do Eixo, muito preocupou os Estados Unidos. Muitos espiões de

origem estadunidense foram introduzidos em colônias alemãs e italianas, no

Brasil, para investigar a sua postura perante a guerra e se alguma atitude

estava sendo tomada pelo governo brasileiro para ajudar o inimigo. E essa

preocupação se fortalecia, pois, no Brasil estava também em vigência um

sistema totalitário. O regime centralizado e autoritário, como vinha acontecendo

no Brasil com o governo de Vargas, colocava-o como “simpatizante” dos

regimes nazistas e fascistas.

Entretanto, tudo se modifica no fim do ano de 1941 quando submarinos

e navios brasileiros sofrem bombardeios na costa do nordeste do país, e,

submetido à forte pressão norte-americana, o país se vê obrigado a participar

oficialmente da guerra. Uma versão histórica contestada por alguns autores da

veracidade e existência deste ataques, entretanto, no ano de 1942, o Brasil

declara-se oficialmente um país em guerra e como membro dos Aliados. Com a

sua entrada na batalha, a sua postura e discurso nacionalista passam a ser

intensificados e o imigrante se torna alvo de hostilidades e preconceitos. Eles

passam a ser considerados indignos da nação e, com a potencialização do

nacionalismo instaurado, a política de repressão ao imigrante e seus

descendentes passam a se intensificar. O “abrasileiramento” dessas nações

segue sendo assunto na mesma reportagem de Edmar Morel, da revista A

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Cigarra, em novembro de 1944. Ele relata que no ano de 1928, em um canto

de uma rua de Blumenau, surge um cartaz com o retrato de um cavalheiro de

bigode, com a legenda: “Hitler, o salvador da nova Alemanha”. E que em

seguida houve uma grande multiplicação desses cartazes pela cidade, também

as casas e as famílias passaram a receber livros e panfletos sobre o nazismo.

Hitler, naquele ponto, estava ganhando terreno e os homens passaram a

adotar o bigode e os retratos eram vistos em centenas de casas.

Surgem, ainda, os primeiros núcleos hitleristas, mas, imediatamente, o

governo brasileiro reagiu e diversas atitudes foram tomadas para restabelecer

o poderio brasileiro sobre essas colônias alemãs. Escolas foram fechadas e

sociedades culturais e recreativas dos nazistas foram interditadas.

Ainda, segundo o jornalista Edmar Morel,

Andei pelos cafés, restaurantes, ruas e praças, velejei ao longo do Itajaí, andei pelas estações de ônibus, ponto de automóveis, de charretes. (...) Percorri Blumenau de ponta a ponta, não vi uma só pessoa falando alemão. Não vi um letreiro em alemão. (...) Cinco dias depois da minha chegada em Blumenau, sem ver um retrato de Hitler, um cidadão qualquer falando alemão ou mesmo um simples alemão nato, embarquei no avião, rumo ao Rio, sobrevoando o Vale do Itajaí, o vale que já é verde e amarelo... (A CIGARRA, 1944, p.150).

Em Santa Catarina, o esforço nacionalista de Vargas atuou em escolas,

no trabalho e na justiça, cujos meios estabelecerem uma nação brasileira

unicamente “verde e amarela”, ação que se sucedeu através de muitas

repressões e medidas capazes de ´desenraizar´ os povos de suas raízes

estrangeiras. Essa campanha nacionalizadora enfatizou – principalmente - o

uso da língua portuguesa em todo o território nacional e com isso a educação

se torna o alvo principal da mudança. Passando, assim, professores de escolas

que ensinavam em outros idiomas, como o alemão, que foram sendo

substituídos por professores “brasileiros” e que, a partir daí, iriam lecionar

somente em português. Houve também a substituição e tradução dos nomes

estrangeiros para os considerados brasileiros, além de modificar nome de ruas,

estabelecimentos comerciais e logradouros.

Essa transferência foi realizada de maneira bruta e muitos imigrantes

tiveram grande dificuldade de adaptação, pois, alguns idiomas eram bem

distintos do português. O combate ao comunismo também foi instituído, pois,

era associado ao povo judeu e passou a sofrer profundas repressões do

governo. E para difundir e propagar a política nacionalista e ufanista de Vargas,

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um segmento massivo serviram como suporte - os meios de comunicação:

jornais, revistas e, principalmente, o rádio e o cinema foram o grandes aliados

dessas propagandas nacionalizadoras. Hitler também se apropriou desses

recursos como meio de propagar o nazismo. Nos rádios havia sempre as

palavras dos seus discursos e, no cinema, filmes que abordavam o nazismo

como regime perfeito para a nação alemã.

Esses mecanismos utilizados como propaganda do regime também

geravam um controle da opinião pública e a mídia se tornou a máquina de

propagação e doutrinação do povo brasileiro. Vargas soube manipulá-los muito

bem durante o seu regime e, logo no princípio do golpe, instaurou um

Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Era um organismo que

efetuava a propagação da ideologia do governo e também o uso da censura

aos veículos contra o governo, instaurando o fechamento e a extinção,

fortalecendo, assim, os ideais de Getulio através de uma mídia toda a seu favor

e corrompendo as notícias com assuntos que não fossem do seu interesse.

Como regime de base forte e autoritária, usou, principalmente, o rádio

como propagador dos ideais do governo. O programa - A Hora do Brasil - foi

criado nesse momento para veicular, principalmente, discursos e mensagens

que seriam capazes de tocar e aprofundar a ideologia, na população brasileira,

de nação única e exaltar a figura de Vargas como o “Apóstolo Nacional”. Num

discurso manipulador que condicionava os indivíduos, “esta propaganda

induzia à certeza de que o novo regime providenciaria a toda sociedade um

estado de felicidade futura” (CANCELLI, 1994, p. 36).

Imagens e discursos de Getúlio Vargas produziam um impacto direto

sobre o raciocínio e a imaginação da população. O uso do rádio e do cinema

era, em sua maioria, um eficiente propagador desse discurso, em detrimento

dos meios impressos, pois, o alto índice de analfabetismo do Brasil não

permitia que a massa se interasse dos acontecimentos por meio da leitura. Mas

imagens vinculadas nos jornais e revistas conseguiam, também, alcançar e

gerar o ímpeto nacional, principalmente as imagens produzidas durante a

Segunda Guerra Mundial. No entanto, essas imagens impactantes da guerra

não causaram tanta influência sobre a população, pois, os confrontos diretos

estavam acontecendo em outro continente.

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Segundo Roney Cytrynowicz (2000), o país possuía uma diplomacia

militar e um setor econômico com terminações bem demarcadas - a guerra não

passou de um evento externo às fronteiras brasileiras, pois, não se vivia um

conflito militar interno. A guerra não marcou tanto assim a estrutura do país,

principalmente, como uma experiência coletiva e patriótica. “(...) O Brasil é um

país marginal na história da Segunda Guerra Mundial” (SEITENFUS, 2003; 14).

Durante o Estado Novo de Getulio Vargas, a mobilização para guerra foi

estritamente militar. Com os anos de 1944 e 1945, o Brasil estava efetivamente

ligado à guerra, com o envio de tropas à Europa. A decisão do envio da FEB

para a guerra aconteceu no dia 5 de maio de 1944, vindos a partir da estratégia

realizada na política interna do país, para o necessário fortalecimento e do

apoio ao Estado Novo e das Forças Armadas por parte dos Estados Unidos. A

dúvida do posicionamento brasileiro, bem como a sua real intenção aos seus

interesses políticos e militares, foi acertada com o envio da FEB para a Itália e,

assim, uma maneira de garantir a presença norte americana no Nordeste

brasileiro (CYTRYNOWICZ, 2000).

A primeira referência de Getúlio Vargas à participação militar do país na guerra com o envio de soldados foi em 31 de dezembro de 1942 em um pronunciamento para militares no qual aventou a hipótese de o país lutar no Norte de África, onde, um mês antes, ocorrera um bem-sucedido desembarque de tropas britânicas e norte-americanas. Em 29 de janeiro de 1943, no célebre encontro entre Vargas e Roosevelt em Natal. (...) A definição do envio da FEB pelo ministério da Guerra, mas, no final de 1943, Brasil e Estados Unidos recriminavam-se e o envio da FEB ocorreria apenas um ano depois (CYTRYNOWICZ, 2000; 34).

O recrutar dos civis para a guerra foi, então, composto apenas pelas

classes empobrecidas ou com menor escolaridade. Retirados dos seus

empregos, escolas e famílias, eles foram treinados e embarcados rumo à

guerra. Mas o retorno da Força Expedicionária Brasileira foi vitorioso contra os

nazi-fascistas e, ao regressarem, muitas festas e homenagens foram

realizadas, com muitos direitos, promessas e vantagens para os ex-

combatentes. Mas, com o passar do tempo, a reintegração social foi se

tornando muito difícil, nem o governo e tampouco a sociedade, em geral,

estavam preparados para receberem esses jovens que padeceram com muitas

mudanças, especialmente as psicológicas, decorrentes dos episódios da

guerra. O regressar à vida civil foi a que apresentou uma maior dificuldade,

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entre eles, conhecidos como os neuróticos de guerra; e até a população

enfadou-se de ouvir suas histórias, ao longo do tempo. Os brasileiros que

participaram ativamente na luta, em terras européias, voltaram a sua pátria

sem o devido reconhecimento e benefício ou qualquer condição como um

veterano de guerra. Os milhares de homens que lutaram tiveram, como

principal recompensa, o seu esquecimento (FERRAZ, 2005).

A guerra chegara ao Brasil, e tinha sido necessário responder às novas contingências internacionais, às dificuldades de importação de mercadorias, produzidas para os Aliados, ceder a eles o uso das bases aéreas e navais estratégicas, combaterem os ataques do Eixo no litoral e enviar uma força expedicionária para participar da guerra. Todo esse envolvimento, quando a guerra acabou, produziu conseqüências importantes, algumas imediatas, outras duradouras (FERRAZ, 2005, p.66).

A participação ativa na guerra acarretou inúmeras dificuldades, para o

povo brasileiro, voltadas ao setor econômico. A Indústria têxtil foi a única que

apresentou uma taxa crescente e um aumento no número de exportação. Mas

as dificuldades causadas pela guerra provocaram um desabastecimento do

mercado interno, nesse setor, e à falta de investimento para o setor de

maquinário gerou um grande desperdício de materiais e combustíveis para as

indústrias nacionais. Baixos salários e grandes jornadas de trabalho causaram

uma baixa produtividade, além de fornecerem produtos inferiores aos

anunciados para os seus compradores (CYTRYNOWICZ, 2000). Outra

escassez sofrida, pela guerra no Brasil, estava sendo ainda pior, a falta de

alimentos, como o pão e outros mantimentos, que atingiu diversas partes do

país.

Na cidade de São Paulo, as graves crises do abastecimento de produtos

básicos alimentícios viraram constante manchete de jornais. Outro produto

extinto foi o açúcar. Com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, houve

uma mudança para uma nova padronização no uso de açúcares, tendo a

população que substituir o açúcar branco pelo preto, o elaborado a partir do

mascavo. Entre os habitantes, o consumo do açúcar “escuro” e do pão “escuro”

era sinônimo de pão de pobre. Para minimizar a falta de alimentos e difundir o

ânimo patriótico, o governo passou a estimular a população a produzir suas

hortas nos quintais das casas, as chamadas “hortas da vitória”. Os nomes

utilizados nessas hortas fortaleciam ainda mais o discurso nacionalista de

Getúlio. Porém, a fome e a desnutrição afetaram a população de um modo

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geral, principalmente crianças. No ano de 1944, a insuficiência de recursos

também envolveu a gasolina, faltando para os automóveis, ônibus e os bondes.

Uma verdadeira crise de abastecimentos que envolveram pobres e ricos

(CYTRYNOWICZ, 2000).

A história da Segunda Guerra Mundial, no Brasil, pode ser resumida na

diplomacia externa realizada por Getúlio Vargas, como um “jogo duplo”. A

atuação da FEB e FAB, em territórios inimigos, não contribuiu com a dimensão

da magnitude como era a guerra na Europa, principalmente, em suas batalhas.

A nação brasileira não se sentia parte integrada do conflito, pois, tudo ocorria

longe da sua realidade. Muitos soldados morreram, em nome da honra

patriótica brasileira e, os que retornaram vivos, chegaram repletos de

felicidades com o dever cumprido da vitória. Imagens da festa do retorno dos

soldados foram amplamente divulgados pelo DIP. Esse era um período de

transição do governo, pois, a ditadura Vargas vinha perdendo sua força no ano

de 1945. O retorno à democracia no Brasil era questão de tempo e os

confrontos, entre governo e oposicionistas, ganhavam cada vez mais força. O

fim do Estado Novo de Getulio Vargas derruba o sistema totalitarista no país e

o fim do discurso popular voltado para o nacionalismo.

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5 A PROPAGANDA COMO ARMA POLÍTICA

A função da propaganda é proporcionar um ato de comunicação e

realizar a transmissão de algum tipo de mensagem. Essa difusão vem a ser

realizada por meio de uma mídia, como o rádio, televisão e revista, e em cada

qual há uma base ideológica na sua formação do estilo e conteúdo editorial. As

mensagens nelas produzidas podem estar vinculadas a algum tipo de

orientação ao seu público. O discurso pode ser motivacional, educacional e/ou

construído para ideologias políticas que, através da persuasão, pode vir a ser

aderido pelo consumidor. De acordo com Sant‟anna (1996), a propaganda é

formada por um processo baseado na condução de uma mensagem para

alcançar um receptor, tendo como técnica a sua transmissão nos meios

comunicativos de massa. Nela, há a finalidade de fortalecimento das

informações, promovendo o desenvolvimento de atitudes conforme o ponto de

vista do seu anunciante. Esse tipo de comunicação está repleta de subsídios

capazes de provocar emoções nos indivíduos e impulsionar os seus desejos

não podendo ser, portanto, considerada com um fenômeno social isolado.

No âmbito da publicidade, o termo propaganda consiste em abranger

mais funções no que se refere ao contexto da publicidade. Ela transmite um

conceito e ainda serve como um instrumento destinado a vendas de produtos e

serviços, propagando ideias e sentidos. Lança um discurso dirigido a

consumidores específicos, repletos de argumentação e subjetividade,

habilmente influenciadoras que atingem emoções e sentimentos, mas que

podem ou não influenciar o seu consumidor (RIBEIRO, 2009). Influência muito

bem planejada pelos meios de comunicação de massa, vinculados a um

conteúdo transmitido por meio de códigos lingüísticos e imagens articuladas

com distintos objetivos.

5.1 Uma máquina ideológica

Um fenômeno dominante, durante a primeira metade do século XX, nos

meios de comunicação foi o uso da propaganda política. Um discurso que não

estava destinado à venda de produtos, mas sim para influenciar e dirigir as

opiniões públicas dentro de uma doutrina política. Uma máquina estruturada e

organizada que ensinava, comovia e persuadia o sujeito, sendo, portanto

instrumento abundantemente utilizado por líderes para disseminar ideologias

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repletas de discursos manipuladores. Geobbels usou e abusou do poder

influenciável que a propaganda proporcionava sobre as mentes e os corações,

na Segunda Guerra Mundial.

Segundo Sant‟anna (1996), a propaganda política era uma forma de

propagar e representar as vitórias dos poderes totalitaristas do mundo

moderno. Durante a Segunda Guerra, o uso da propaganda foi extremamente

massivo no regime fascista, pois, acompanhou e reforçou ideias e também os

procedimentos utilizados pelos exércitos. Hitler chegou a declarar que “a

propaganda permitiu-nos conservar o poder, a propaganda nos possibilitará a

conquista do mundo” (HITLER apud SANT‟ANNA, 1996, p. 45). O principal

objetivo político era a busca do estímulo ao apego das pessoas aos seus

sistemas de governo. Pois a propaganda nada mais (é) era que uma tentativa

de influenciar a opinião ou conduta de uma sociedade, e fazer com que ela

adotasse ou aderisse a uma postura.

As propagandas políticas possuem mecanismos filosóficos, psíquicos e

inconscientes complexos que fazem parte da fusão dessa ideologia. Geobbels

e Hitler foram os principais transformadores da propaganda como um meio

capaz de influenciar as massas, ao usá-la como um instrumento de arma

político-ideológico. Sendo uma verdadeira armadilha psicológica aglutinada no

discurso do ditador. Outra eficaz característica, das propagandas políticas

utilizadas por Hitler, era dirigir-se diretamente ao público feminino

(SANT‟ANNA, 1996).

(...) desse ponto de vista é também compreensível que o nazismo tenha freqüentemente dirigido apelos à mulher, no que ela possui de sentimentalmente mais irracional e o tenha feito com êxito. Hitler declarava: “Quando alcançarmos o poder, cada mulher alemã terá um marido”. A propaganda hitlerista mergulhou suas raízes nas mais obscuras zonas do inconsciente coletivo, ao gabar a pureza do sangue, ao glorificar os instintos elementares da violência e destruição, ao renovar, por meio da cruz gamada, remotíssima mitologia solar. Empregou sucessivamente temas diversos e até contraditórios com a única preocupação de orientar as multidões ante as perspectivas do momento (SANT‟ANNA, 1996, p. 52).

Essa propaganda que atingia o inconsciente e que mobilizava a nação

alemã espantou o mundo pela sua forte capacidade de influência e como ela se

tornou uma ameaça. Um instrumento opressor que viola qualquer ideologia

chegando à capacidade de modificar uma visão e até mesmo podendo afastar

da realidade. Realizando a captação de sentidos de uma nação e manipulando

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em prol da ideologia política totalitarista, convertendo-se em uma espécie de

doutrina religiosa. Ainda, para Sant‟anna (1996), a propaganda nunca se faz a

partir do nada, ela age sobre um substrato preexistente. Um prender por

palavras, associações e sentimentos propostos a alguma atitude do receptor,

fazem parte do todos os tipos de recursos que geram o ascender de uma ilusão

de unidade. A manipulação política, através do uso da propaganda, tem a

inclinação de escolher alvos, com a atuação de diversos tipos de

conhecimento, amplifica e explora acontecimentos e os dirige conforme um

determinado interesse político.

Esse poder persuasivo de uma propaganda política e, junto dela a sua

ideologia, promovem, através de discurso bem elaborado, a condução e

educação de uma nação em prol de um patriotismo nacionalista. Compreender

e avaliar esse tipo de discurso é saber interpretar os seus sentidos e, com ele

os seus signos, por meio das marcas lingüísticas e imagéticas.

5.2 A propaganda que convence pela linguagem

Identificar os tipos de linguagem promovidos em um discurso

nacionalista consiste na interpretação dos diversos elementos lingüísticos

gerados nas entrelinhas do discurso. Promover esse tipo de análise consiste

em identificar o uso da linguagem em prol de uma base político-ideológica.

Segundo Foucault (1995), analisar um campo discursivo é perceber o tipo de

orientação de forma completamente distinta, tratando-se de compreender o seu

enunciado de maneira meticulosa e a singularidade de sua situação. É saber

determinar as suas condições de existência, estabelecendo de maneira mais

fixa e justa uma correlação entre outros tipos de enunciados, os quais podem

estar ligados e apresentarem outros enunciados que foram excluídos.

É evidente que os enunciados não existem no sentido em que uma língua existe e, com ela, um conjunto de signos definidos por seus traços oposicionais e suas regras de utilização; a língua, na verdade, jamais se apresenta em si mesma e em sua totalidade; só poderia sê-lo de uma forma secundária e pelo expediente de uma descrição que a tomaria por objeto; os signos que constituem seus elementos são formas que se impõem aos enunciados e que os regem do interior. (FOUCAULT, 1995, p. 96)

Os signos produzidos em meio a textos lingüísticos e imagens

estabelecem um sentido particular à mensagem, sendo elaborados de uma

maneira a deixar uma referência ou uma informação mais importante apenas

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sugerida, encontrando o seu pensamento exposto ao avaliar as suas

entrelinhas (GONÇALVES, 2006). A análise do discurso é a realização de um

olhar social e ideológico, que tratam da relação do homem com o seu meio,

estabelecendo-se assim como um recurso histórico que possibilita a reflexão e

análise dos limites existentes em frases e imagens.

O ato de interpretar um discurso envolve o estilo e a marca lingüística

usada através de palavras que, muitas vezes, produzem uma diversificação de

sentidos. Pode, assim, chegar a novas posições, tornarem-se ambíguas e até

sinalizar outro modo de compreender aquele tipo de realidade, seja tanto no

âmbito do discurso verbal quanto no escrito. São palavras que, ao serem

reveladas, podem conter um grande poder oculto sobre sentimentos e

emoções. Saber decifrar esses textos de modo eficaz é conhecer o seu

verdadeiro sentido, ou até vários, que fazem parte de um vocabulário propenso

a insinuações.

Para interpretar um texto de modo eficaz, é fundamental conhecer o sentido ou vários sentidos do vocábulo no contexto em que se situa e conhecer quais significados estas palavras adquirem para expressar o pensamento daquela coletividade e que demonstra vicejante (RIBEIRO, 2009, p.61).

A contextualização de um discurso se torna também indispensável na

avaliação e compreensão no estilo da mensagem que vem sendo prestada. O

tipo de contexto faz parte da apropriação de diversos elementos culturais

vigentes, em cada conjuntura histórica, na produção que aborda esses signos,

ideologias e fatores socioeconômicos, em cada período. Ao avaliar um estilo de

linguagem voltada para o campo da publicidade, deve-se saber identificar os

tipos de signos que as compõem. Geralmente estão repletas de grande carga

semântica e estética e, às vezes, fazem sentido somente naquele período.

Segundo Sant‟anna (2010), os anúncios publicitários devem ser

avaliados de maneira ponderada pelo historiador, que deve ter conhecimento e

consciência das ferramentas neles utilizados. Identificar o campo de persuasão

e de sedução agregados na linguagem verbal e visual que tornaram o anúncio

um sucesso, convertido em consumo. Um trabalho publicitário deve ser

considerado, essencialmente, pelo papel da linguagem, pois, sem ela não

haveria nem o anúncio. Substantivos, adjetivos e verbos fazem a arte do

recurso estilístico adotado na formação publicitária. Junto a eles, uma imagem

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de poder ilustrativo faz com que o anúncio, em meio a esse processo de

semiose significativo, torne, repleto de sentidos, os termos nele utilizados.

Um discurso publicitário mostra a sua capacidade de influenciar e

envolver o público, pois, sedimenta-se na função apelativa e conativa da

linguagem, isto é, objetiva influir no comportamento do

leitor/ouvinte/espectador. Revelar os seus argumentos, de modo crítico, é

decodificar os seus sentidos persuasivos e compreender as suas verdadeiras

finalidades. Os anúncios destinados ao universo feminino estão repletos de

mensagens capazes de convencer e levar a uma determinada postura social

ou de consumo. O uso de propagandas no interior das revistas femininas

gerava um grande impacto na vida das leitoras, pois, à medida que crescia o

consumo iam aumentando a quantidade de anúncios voltados, principalmente,

à beleza feminina por meio dessa mídia.

5.3 A análise publicitária da revista feminina

A imprensa feminina é uma verdadeira vitrine colorida repleta de

anúncios publicitários. O começo do século XX foi marcado pelo

aperfeiçoamento do trabalho gráfico nas revistas femininas e isso as deixou

ainda mais atrativas. Houve melhorias de ilustrações, cores e mensagens, que

cada vez mais continham um tom artístico nas produções. Esse novo tipo de

padrão técnico possibilitou a melhora da composição gráfica e uma

diagramação mais elaborada. As imagens feitas com fotografias ou ilustrações,

junto com a escolha da tipologia da letra, produziam textos com maior poder de

alcance de sentimentos e emoções, ou mesmo, ampliava as características de

um produto, capacitando o alcance na recepção da mensagem. As revistas

femininas passaram a tratar as propagandas como um verdadeiro negócio,

realizadas a partir de agências voltadas para anúncios. Essas revistas

conseguiam o que os jornais não faziam: estabelecer uma maior permanência

nas mãos dos leitores e com recurso gráfico mais elaborado (GONÇALVES,

2006).

Aqueles anúncios recheados de ilusões e imaginações eram

competentes no sentido de estimular, induzir e conduzir as suas leitoras. Era

constante o uso de imagens e textos, na confecção da revista, que tinham forte

capacidade de atração: por exemplo, a imagem virava texto, construídos de

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forma a serem verdadeiras “frases visuais”. E o texto virava imagem, quando

se recorria a diversas figuras de estilo, que faziam as projeções e visualizações

da pessoa ou da cena, ou ainda, sugeriam emoções e sentimentos. “O texto

imagético, a imagem textual: um casamento que deu muito certo nas revistas,

principalmente femininas” (BUITONI, 1986, p. 19). Uma imagem que se integra

a um texto descritivo: trata-se de forte capacidade comunicativa, pois, além de

ler um anúncio a leitora identifica visualmente a mensagem nele atribuída. A

ilustração, que interfere e participa de semântica produzida no texto, atua com

um recurso que aprisiona a leitora.

Para análise de um discurso publicitário é preciso perceber como são

realizados os jogos de palavras, a sua aproximação com o leitor e a relação

entre elas, por meio da sua sintaxe e o seu sentido. Entender seus termos,

composições, ideias e significados. A relação entre palavras e imagens como

elementos cominativos que, através de um atento olhar, se identificam e

revelam o seu discurso muitas vezes nada ingênuo. Carregados de sentidos

históricos, sociológicos, antropológicos e psicológicos que, se bem observados,

revelam outros movimentos. Na maioria das vezes, os textos publicitários

fazem uma alusão a um espaço idealizado para executar um poder de maior

eficácia. As figuras fazem parte destas construções lingüísticas que atuam na

formação e concretização de um pensamento, sendo usadas para

„pronunciarem‟ algo a mais, um plus, que somente as palavras não saberiam

argumentar, reafirmando assim o discurso proposto. A propaganda se mostra

aos leigos com um vasto campo de esperanças, em meio a ilusões e sonhos

jamais realizáveis, com ilustrações persuasivas aos seus consumidores

(RIBEIRO, 2009).

Coloca-se, assim, como uma representação de um universo sobre uma

determinada ótica capaz de interagir com diversos signos, a fim de que possa

seduzir o interlocutor, a partir da realidade construída. A linguagem publicitária

utiliza diversos elementos característicos da sociedade sobre a qual atua, em

determinada época, como também recorta a realidade e enfatiza alguns

aspectos que se revelam ao mundo e aquilo que se deseja transmitir, de

acordo com o ponto de vista e o discurso que almeja construir (GONÇALVES,

2006). Muitos dos artifícios usados pelas propagandas nesse momento estão

carregados de palavras de múltiplo sentido, polissemântico. A propaganda

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promove um acolhimento com expressões muitas vezes repetitivas, repletas de

clichês, expressões estereotipadas de valores domiciliares. A sua habilidade de

influência chega ao ponto de resultar em modos de falar, atos e valores vindos

dessas revistas femininas (RIBEIRO, 2009).

Os padrões europeus e americanos vinham sendo uma imposição da

nova forma de publicidade, com campanhas diretas, criativas e bem

desenvolvidas. Um “americanismo” com especificações de produtos

estruturados, nesses novos tipos de anúncio. Junto dele, o comum uso de

palavras e expressões de origem francesa, pois, o uso da cultura francesa era

dominante na área de moda e beleza, considerado um verdadeiro refinamento

e o seu emprego deixavam os traços físicos ainda mais sensuais, além do forte

uso de cores, elementos que deixavam os olhos das leitoras na sociedade

brasileira ainda mais envolvidos com as publicações.

A influência estrangeira era resultado da política de portas abertas e recebia com o capital estrangeiro para o crescimento econômico do país também hábitos e modos de vida, o que, naturalmente, era retratado pela publicidade da época (GONÇALVES, 2006, p. 80).

Os anúncios e reportagens motivadores das revistas femininas

conseguiam obter um grande domínio de influência sobre atitudes no modo de

vida das mulheres, no decorrer das primeiras décadas do século XX. Por meio

do uso de linguagem clara e bem ilustrada, nas produções dessas

propagandas, o universo feminino foi extremamente representado e ilustrado,

muitas vezes ressaltados de maneira lúdica, nas páginas dessas revistas.

Considerar essas imagens e textos é constituir uma verificação do tipo de

linguagem no discurso midiático e identificar o modo persuasivo como eles

atuavam junto ao público feminino. Acostumados a ditar tudo o que significava

acesso à feminilidade, de comportamentos a produtos, esses discursos,

compostos com palavras, frases marcantes e figuras sugestivas, com grande

capacidade persuasiva que atingia a vaidade feminina, por certo alcançaram

grande efeito quando acoplados ao discurso patriótico desenvolvido durante a

Era Vargas.

5.4 O que os olhos veem, o coração feminino sente e consome

Segundo o sociólogo Edgar Morin (1997), a imprensa feminina incorpora

e adapta a literatura sentimental barata para o jornalismo a respeito de moda e

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figurino-modelo. Os assuntos que atingem o coração feminino, a imprensa os

monopoliza para o consumo. Há, assim, uma promoção dos valores femininos

agregados ao âmbito da cultura de massas.

A cultura de massa surge em meio à sociedade estadunidense dos anos

de 1920, baseada no conceito cultural de apropriação e transformação de

produtos simbólicos em mercadorias com alta popularidade, para estabelecer

e gerar um maior número possível de consumo. Produtos subjetivos, como a

arte e a moda, são transformados em bens de consumo com ampla divulgação

nos meios comunicativos como no cinema, rádio e também na imprensa

escrita. Mídias que fazem alcançar grandes conglomerados de pessoas, as

“massas” a serem “orientadas” a efetuarem os consumos dessas mercadorias.

Os dois grandes temas da imprensa feminina, de um lado, a casa, o bem estar, de outro lado, a sedução, o amor, são de fato, os dois grandes temas identificadores da cultura de massa, mas é na imprensa feminina que esses temas se comunicam estreitamente com a vida prática: conselhos, receitas, figurinos-modelos, bons endereços, correio sentimental orientam e guiam o saber-viver quotidiano (MORIN, 1997, p. 141).

A ação de consumir foi estabelecida através de uma educação

desenvolvida na imprensa feminina, pois, as revistas tomaram para si o papel

de ensinar as mulheres a consumirem. Uma orientação provocada por meio da

propaganda que tinha como estratégia atingir diretamente a vaidade feminina.

Os anúncios publicitários eram destinados principalmente a enaltecer os

cuidados pessoais, alegando que a mulher teria que „ser‟ e „estar‟ sempre bela,

uma perfeição em qualquer tipo de ocasião. Outro fator sócio-educativo

desenvolvido nas campanhas publicitárias das revistas femininas foi a

orientação quanto aos cuidados higiênicos e pessoais, um hábito ainda pouco

comum naquele contexto, dentre eles, o estímulo para a limpeza diária dos

dentes e a lavagem dos cabelos com xampu. As propagandas de produtos de

beleza, como creme dental, blush - o rouge, batom e esmalte, tinham como

discurso auxiliar na beleza feminina, podendo-se concluir que na verdade, os

anúncios queriam habituar a mulher ao consumo.

Todo um universo foi gerado para estimular um controle feminino por

meio do consumo. A atitude feminina desenvolvida, por meio da cultura de

massa, se enquadra no perfil da mulher de estilo e aparência de “boneca do

amor”. As publicidades reforçam e orientam diversos caracteres, como do

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cabelo bem cuidado e leve maquiagem, demonstrando ao público os ideais de

beleza. Os assuntos práticos vinham do lar, do bem-estar, da moda, mas o

imaginário que dominava os corações das leitoras eram as novelas, romances

e cine-romance. Porém, seguiam intensificando os valores práticos e

considerados fundamentais na cultura de massa, o amor e a felicidade, que

deixavam a mulher moderna emancipada, mas atenuada sempre pelas funções

da sedução e domesticidade da mulher burguesa (MORIN, 1997).

Em meio a esse discurso de mulher moderna, como maior

independência e nível educacional, permaneciam os princípios de “boa moça”

em busca de um marido e, obviamente, ser uma excelente mãe. Papéis

disseminados por essas revistas femininas em meio ao âmbito publicitário e

editorial, nas primeiras décadas do século XX. Por trás dos discursos desses

periódicos, as relações entre as suas produções tinham por objetivo incentivar

o consumo feminino, reflexo de uma cultura de massas, que criava nas suas

páginas o modelo ideal de beleza. A beleza vinda do consumo, que as

“tornariam mais belas” e assim conseguiriam encontrar um bom “partido”, um

homem bom e respeitoso como marido.

Através desta construção de feminino, já definida antes da guerra, a

mídia associado ao discurso patriótico executado durante a Segunda Guerra

Mundial. Um universo repleto de armadilhas para atrair à leitura, mas que

durante a guerra, no Brasil, promovia através destes discursos a construção de

um ideal feminino patriótico, incentivando a coragem e a mobilização nacional

em prol da pátria. Circulando em diversos meios de comunicação, por todo o

país, as imagens publicitárias e editoriais construíam o ideal de mulher

nacionalista durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Por meio desta

influência, este tipo de discurso foi produzido na linha editorial da revista A

Cigarra, entre 1942 a 1945, tratando da importância feminina em meio à

mobilização nacional.

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6 A ANÁLISE PROPRIAMENTE DITA 6.1 As lentes investigativas

A revista feminina, durante a década de 1940, serve como veículo

informativo que alcança o espaço privado do lar familiar, o ambiente destinado

à dona de casa. Um agente comunicador com grande poder de influência de

modelos e modos a serem seguidos, mas que nem sempre chegavam a ser

adotados por todas as mulheres da sociedade. O seu prestígio, no entanto, se

tornava cada vez maior à medida que a mulheres iam aperfeiçoando a sua

escolaridade em virtude dos incentivos de políticas públicas. Os estilos dos

assuntos tratados pela imprensa feminina estavam em, sua maioria,

relacionados à temática moda e à indústria da beleza. Anúncios publicitários

que tinham por objetivo ensinar e estimular a mulher brasileira ao consumo.

Este capítulo se prende à análise dos anúncios publicitários e das

crônicas publicadas na revista feminina A Cigarra, independente de terem sido

redigidos por homens ou mulheres, visto que quase todas as revistas eram

produzidas pelo sexo masculino. Tem-se aqui como objetivo decodificar nas

propagandas, as imagens e as linguagens, através dos jogos de palavras

produzidos por meio de termos, composições e ideias, para trazer à tona os

significados que foram direcionados ao público leitor no contexto da produção.

Procura-se, então, fazer uma análise histórica correspondente ao tipo de

discurso produzido n‟A Cigarra, durante a Segunda Guerra Mundial, no Brasil.

E por se tratar de uma revista brasileira, a direção do estudo foi determinada no

momento em que o Brasil ingressa oficialmente como membro na luta contra o

Eixo, o que só veio a acontecer no ano de 1942 até 1945.

Assim, busca-se, aqui, a captação dos discursos sobre o feminino que

foram construídos através da imprensa feminina, para além dos atrelados ao

consumo destinado à beleza e aos assuntos afetivos. Um novo discurso

produzido durante a guerra que estava agregado ao patriotismo e à importância

do novo papel social da mulher, como atuante no combate ao inimigo,

contrapondo-se assim aos períodos anteriores, nos quais a beleza era formada

de fora para dentro. Com o advento da guerra, a feminilidade e suas

atribuições se transformam de dentro para fora, ou seja, a beleza patriótica

mostra a fibra moral da mulher ideal. Define-se, a partir do discurso estimulador

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e encorajador à mulher, como se deveria abrir mão de certas vaidades,

desenvolver sacrifício em prol da assistência aos serviços sociais.

Era, portanto, um ideal de servir à Pátria como a extensão do papel de

mãe e dona do lar, perpassados nos discursos que ressaltavam o amor

nacionalista atribuídos na campanha gerada pelo presidente Getúlio Vargas. O

Estado Novo, criava neste discurso, um imaginário que acompanhava as

mulheres brasileiras em diversos meios de comunicação e, por conseguinte, na

revista feminina A Cigarra. A qual, de 1942 a 1945, publicou diversas crônicas,

reportagens e publicidades acopladas de imagens e palavras que exaltavam o

amor cívico patriótico em todos os membros familiares, sendo uma

característica da revista destinar a produção editorial não somente aos

assuntos femininos.

Entretanto, o sentido nacionalizador foi focado, com maior ênfase, ao

público feminino, o principal leitor da revista. Tratavam-se de notícias

relacionadas à guerra, mais, principalmente, nas crônicas destinadas à moda e

ao cinema hollywoodiano, áreas dedicadas quase que obrigatoriamente à

leitura da mulher, ou seja, elas acabariam lendo e se informando sobre aquilo

que vinha acontecendo no país e no mundo. Assim, a revista produzia uma

conscientização e promovia a educação nacionalista, em meio ao que deveria

ser o novo comprometimento social da mulher brasileira: verdadeiros discursos

patrióticos, produzidos nas entrelinhas da revista, se direcionavam ao universo

feminino por meio de assuntos referentes à moda, beleza e cinema para

disseminarem a importância da união brasileira no combate ao inimigo, na

guerra.

6.2 A publicidade educadora da guerra

Descrever uma imagem faz parte da compreensão dos objetos e as suas

formações lingüísticas, um conjunto que constitui um signo de representação.

Imagens que bem articuladas podem vir a representar um grande impacto

social. Segundo Martine Joly (1996), a imagem é uma maneira de provocar

significações e interpretações; e para se analisar uma imagem deve-se decifrar

as mensagens visuais consideradas muitas vezes como naturais. O conceito

de uma imagem como mensagem visual está nos diversos signos que as

compõem e se completam com uma linguagem, tornando-se uma ferramenta

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de expressão e comunicação. Fazer a leitura desses sentidos é perceber como

eles agem, tanto no consciente quanto no inconsciente, do seu

leitor/espectador.

Em um quadro publicitário, uma imagem poder vir a assumir diversos

aspectos e, tratando-se de imagens para assuntos destinados à guerra, se

tornam ainda mais amplos os seus sentidos. Uma propaganda de guerra está

repleta de ideologia política, com fortes discursos destinados à disciplina,

bravura, lealdade, desbravamento, coragem e união. Palavras de ordem que

fabricavam comportamentos e moldavam as formas de expressões e

pensamentos junto à população. Com a planejada intenção de sensibilizar a

nação, por meio de imagens de glorificações cívicas, que exaltavam a

importância da participação ativa na guerra.

A imprensa feminina também foi usada como uma mídia difusora desses

ideais, reforçando substancialmente o determinismo patriótico. A imagem

publicitária, do mesmo modo, realça a importância feminina durante o dever

patriótico da guerra, destacando a sua importância social dentro daquilo que se

considerava adequado, a uma mulher, desenvolver. A imagem feminina do

anúncio Vinho Reconstituinte Silva Araujo, publicado n‟A Cigarra, em março de

1943 (figura 9), teve como foco maior a saúde da mulher brasileira para

conseguir dedicar-se ao trabalho de enfermeira, atuando na Cruz Vermelha

Brasileira.

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Figura 9: Vinho Reconstituinte Silva Araujo.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 108, março de 1943, p.119.

No ano de 1944, um grupo de 73 enfermeiras foi enviada para atuar na

Itália junto a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e a Força Aérea Brasileira

(FAB). O estímulo à convocação ocorreu através do desenvolvimento de uma

importante campanha política do governo Vargas, durante o Estado Novo, que

mobilizou a população civil na organização e montagem de um front interno nas

cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Todo o grupo era formado por

mulheres, na faixa entre 30 e 40 anos, e que anteriormente já exerciam a

profissão de enfermeiras (CYTRYNOWICZ, 2000). Esta faixa de idade pode se

associada à mulher do anúncio publicitário, que produz um olhar fixo e

compenetrado direcionado ao leitor e com uma mão apontando diretamente a

ele com o dedo indicador. Sugerindo uma comunicação direta com o caráter

de uma ordem, e, na outra mão, ela segura um folheto com os dizeres: “o

BRASIL precisa de ENFERMEIRAS”, enfatizando as palavras Brasil e

enfermeiras. Faz, assim, uma alusão à campanha desenvolvida por Vargas

para efetuar o recrutamento de enfermeiras para atuarem na guerra, um

discurso apropriado pelo anunciante para enfatizar, sobremaneira, a

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importância que o seu produto tinha, não só às enfermeiras, mas a qualquer

mulher.

A enfermagem era uma profissão enquadrada pelo Estado brasileiro e

foi composta por mulheres da classe média e classe média alta. O governo de

Getúlio Vargas representava a persuasiva imagem de mobilização civil durante

a Segunda Guerra Mundial, no Brasil, por meio da imagem da pátria-mãe.

Aquela que estendia os cuidados de origem materna aos soldados que lutavam

na guerra, reconhecidos como os filhos da pátria. Essa imagem, que foi

construída ao longo do Estado Novo, pretendia instituir um estilo de vivência

direcionado à guerra, como uma experiência coletiva que deveria proporcionar

a união de todos os homens e mulheres brasileiros. Sem gerar qualquer tipo de

estratificação ou divisão social, toda a nação deveria ser mobilizada para a

guerra e junto dela a adesão política do Estado Novo (CYTRYNOWICZ, 2000).

Esse discurso oficial produzido pelo regime ditatorial de Vargas, para

uma mobilização nacional em favor da defesa da pátria, foi utilizado em prol da

comoção social como ato defensor do Brasil. Segundo Michel de Certeau

(1995), a política está atrelada a uma prática subtraída da linguagem no seu

discurso oficial, movidos por repetições generalizadas do discurso referente a

uma felicidade nacional e, ainda, sobre a nova sociedade. Mas os seus

verdadeiros princípios estão ocultos e, muitas vezes imperceptíveis, essa

divisão explícita entre linguagem e poder está diretamente ligada mais a

práticas políticas do que culturais.

Em suma, não existe “política cultural” sem que situações socioculturais possam ser articuladas em termos de forças que se defrontam e de oposições conhecidas. Trata-se de saber se os membros de uma sociedade, atualmente afogados no anonimato de discursos que não são mais os seus e submetidos a monopólios cujo controle lhes foge, encontrarão, com o poder de se situar em algum lugar em um jogo de forças confessas, a capacidade de se exprimir (CERTEAU, 1995, p. 218).

Seguindo a avaliação do anúncio, a mulher está representada com uma

veste destinada à profissão de enfermagem com uma cruz na gravata, símbolo

internacional do Comitê da Cruz Vermelha. O enunciado deixa bem claro esse

dever feminino, “Sua saúde lhe permitirá atender a este apelo?”. Ao apelo

social destinado às enfermeiras brasileiras para a convocação e ação na

guerra, um pergunta que estabelece a comunicação direta à leitora, interrogada

ao dever social junto à boa qualidade da sua saúde. Segundo Foucault (1997),

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as questões relacionadas aos enunciados geram uma particularidade de poder

através da repetição, no entanto poderá estar envolvida em condições estritas.

“(...) o enunciado (...) aparece com um status, entra em redes, se coloca em

campos de utilização, se oferece a transferências e a modificações possíveis,

se integra em operações e em estratégias onde sua identidade se mantém ou

se apaga” (FOUCAULT, 1997, p. 121).

Outro anúncio publicitário produzido pelo mesmo anunciador, Vinho

Reconstituinte Silva Araujo, publicado em fevereiro de 1944 (Figura 10),

novamente ressalta essa importância do papel feminino na guerra, associada à

uma boa saúde para a necessidade patriótica brasileira. Enfatizando a venda

do produto, em prol da perfeita saúde “reconstituída” caso vir a ser chamada

para recrutamento e realização de alguma tarefa na guerra, como a de

motorista na ambulância, enfatizada pela própria propaganda.

Figura 10: Vinho Reconstituinte Silva Araujo.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 119, fevereiro de 1944, p.16.

Nas letras ressaltadas e maiúsculas do anúncio, expressa-se um

discurso que conversa novamente com o leitor, uma pergunta forte e direta que

faz avaliar a sua atual atitude perante aquela situação militar no Brasil. “A

Senhora teria saúde para ocupar êste lugar. Se a Pátria a chamasse?”. A

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Senhora possui uma maior visibilidade e ficando logo acima da figura feminina

que aparenta conter a mesma idade do anúncio anterior, buscando direcionar o

anúncio a essas mulheres que são capazes de realizarem distintas tarefas.

Uma comunicação definida com precisão, ressaltando a saúde perfeita, caso

tivesse que atuar em algum posto de trabalho, em nome do Brasil.

Apesar de o Brasil estar distante dos conflitos bélicos, as mulheres

brasileiras tiveram que se adaptar às novas condições sociais que alteravam o

seu papel na sociedade. Uma campanha que se iniciou na Primeira Guerra e

foi fortalecida massivamente na Segunda Guerra Mundial, devido a maior

amplitude do confronto e ao uso da mão de obra feminina, pelo fato dos

homens terem partido para a guerra. Com isso, elas foram requisitadas ao

trabalho em diversos setores da indústria, até mesmo a bélica, servindo como

um suporte para as frentes de batalhas.

Contrariando as tendências do longo período anterior de desemprego que prevaleceu durante a década anterior, na década de 1940 as mulheres foram estimuladas a trabalhar em fábricas para suprir a falta de operários masculinos que se dedicavam às atividades soldadescas. Vários governos empreenderam nesses anos campanhas propagandísticas enaltecendo o trabalho feminino e a sua importância para o esforço guerreiro, gerando imagens de mulheres fortes e independentes (DENIS, 2000, p. 126).

O anúncio trabalha com o discurso voltado para o cuidado de uma boa

saúde, direcionado a uma “mãe” dona de casa que se preocupa com os

cuidados de sua família, mas que poderá temporariamente “abandonar o lar”,

para defender o país e freqüentar papéis relacionados, até então, ao sexo

masculino. A imagem da publicidade está relacionada a uma mulher forte e

segura com capacidade para dirigir até mesmo um jipe de guerra, coisa pouco

comum, nesse momento, referente ao sexo feminino. O jipe foi um veículo

muito utilizado durante a Segunda Guerra Mundial, sendo considerado um

grande ícone vencedor da guerra pelos americanos - “um verdadeiro herói”.

Pois era forte e suportava terrenos adversos e muito auxiliou no transporte de

soldados, equipamentos e mantimentos em terrenos europeus.

As vestes da mulher deste anúncio são referentes à utilização dos trajes

adequados aos campos de combate, uniformes pesados usados pelos

soldados, definindo um estilo, masculino e militarista, que tornou-se a moda

feminina da época. O discurso patriótico, evidenciado junto à faixa da cruz no

braço esquerdo, simboliza novamente a atuação da mulher no Comitê

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Internacional da Cruz Vermelha. Ao fundo, há uma barraca ricamente

iluminada, proporcionando a ajuda e assistências às pessoas debilitadas e

vítimas da guerra. No canto esquerdo, mais abaixo da linha central, uma mão

direita e masculina apontado diretamente ao seu consumidor/leitor, e, ao lado,

a frase com verbos do modo imperativo que ressaltam a obrigação social, “É

seu dever ser forte e ter saúde!”. Define-se esta, portanto, como uma imagem

publicitária com grande intercessão militarista que relaciona a mulher a um

forte poder de persuasão, em uma atuação militar. Reforçado pelo discurso de

mulher forte e de plena saúde. Segundo Barthes (1985),

(...) pela análise semântica da mensagem publicitária, podemos compreender que aquilo que „justifica‟ uma linguagem não é de modo algum, a sua submissão à „arte ou à „verdade‟, mas a forma como foi construída garante a criatividade inédita da “duplicidade” (...) de modo algum incompatível com a franqueza de linguagem, porque essa franqueza de linguagem se deve não ao conteúdo das asserções, mas ao caráter declarado dos sistemas semânticos usados na mensagem. (BARTHES, 1985; 169)

No âmbito publicitário, a imagem assume a representação de retórica a

ser disseminada e ser persuasiva aos seus objetivos que vêm fortalecidos de

palavras ainda mais diretas e objetivas. A imagem do quadro publicitário atinge

o leitor através de sua metáfora idealizada. Essa forte mulher que deve

apresentar uma forte saúde, reflete o discurso nacionalista produzido pelo

regime totalitarista que enfatizava a luta brasileira no cerne desse confronto

mundial. Ainda, para Barthes, “os significados dos objetos dependem (...), não

do emissor da mensagem, mas do seu receptor” (1985, p.178).

A mensagem produzida no anúncio destaca, também, o porte físico

feminino, deixando de lado a magreza como um sinônimo de saúde e beleza.

“(...) o tônico sempre recomendado pelos nossos mais eminentes médicos aos

magros, esgotados e convalescentes”. O discurso da magreza é abandonado

pela ostentação do corpo grande e forte, cheio o suficiente para conseguir agir

no amparo aos homens que lutam no confronto direto da guerra. Segundo

Braga (2004), a mídia trabalha em torno de instituir discursivamente um corpo

feminino, junto dele o ideal coletivo decorrido muitas vezes a partir de

comparações.

Ao dar visibilidade a certas características corporais tomadas como perfeitas, elas são transformadas, via formas discursivas, em metas a serem atingidas, ou pelo menos reconhecidas como “ideais”. E esse discurso, que interpelam as leitoras indicando de maneira pela qual

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devem gerenciar seus corpos, muitas vezes trazem uma expectativa de atitude por parte das leitoras, de modo, por vezes, francamente imperativo (BRAGA, 2004, p. 174)

Diante destes padrões propostos, o primeiro anúncio desenvolve um

discurso que se destina somente às enfermeiras, “Sua saúde lhe permitirá

atender a este apêlo?”, porém, as duas abordam a importância de uma ótima

qualidade de saúde, que se refere à venda do produto. Mas no segundo ele se

amplifica para além das enfermeiras, “A Senhora teria saúde para ocupar êste

lugar. Se a Pátria a chamasse?”, que enfatiza o trabalho feminino em diversas

áreas de atuação, na guerra. Essa diferença de foco nos anúncios ocorre no

ano em que o anúncio foi publicado e do seu contexto histórico, durante a

Guerra.

No primeiro anúncio, de março de 1943, está focado em relação à

enfermagem que pode ser associada à campanha promovida por Vargas. O

envio das enfermeiras brasileiras à Itália veio a acontecer, somente, no ano de

1944, uma campanha que segundo Cytrynowicz (2000) havia se iniciado em

1942, quando o Brasil entra na guerra, oficialmente. No mesmo ano, noções de

enfermagens passaram a ser ensinadas para as meninas nas escolas, para

que assim pudessem vir a cooperar na defesa nacional. Nesse mesmo ano,

Rubens Campos e Sebastião Lima criam uma marcha para a mulher brasileira

que evidencia o papel da enfermeira, chamada Salve a Mulher Brasileira.

Cursos de enfermagem de guerra se intensificaram, entre 1942 e 1943,

aceitando a participação não só de profissionais da área, mas também de

voluntários.

No segundo anúncio do Vinho Reconstituinte Silva Araujo, de fevereiro

de 1944, o discurso se amplia para além das enfermeiras, pois, nesse

momento histórico as brasileiras enfermeiras haviam partido para a Europa. E

com isso o foco do anúncio passa a tratar não mais somente das enfermeiras,

mas também de outros trabalhos femininos. Vindas dos reflexos estrangeiros

da participação ativa da mulher no campo de batalha, dos países Europeus

envolvidos na guerra, e também dos Estados Unidos. Segundo Claude Quétel

(2006), durante o período da Segunda Guerra, as mulheres estavam presentes

em todas as partes, como vítimas de bombas, trabalhadoras de fábrica e nos

campos de batalha quando estava ausente a figura masculina. Uniformizada

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tanto na retaguarda, como também presente na linha de frente, chegando a

despertar a admiração dos seus inimigos.

A imagem dessa forte mobilização internacional feminina na guerra

também se integrou às páginas da revista A Cigarra. Na edição de janeiro de

1942 (Figura 11), em sua primeira página, aparece uma foto sorridente de Mary

Churchill, filha mais nova do dirigente da Inglaterra durante a Segunda Guerra

Mundial, o primeiro ministro Winston Leonard Spencer-Churchill.

Figura 11: “Mary Churchill, debutante n.1 da Inglaterra, em 1940, junta-se ao serviço auxiliar da

Cruz Vermelha, e aqui vemo-la escovando o assoalho da sua barraca como o faria qualquer bom soldado. É com o fogo que se tempera o aço.”

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 94, janeiro de 1942, p. 01.

O modo de apresentação da imagem vincula a nova ordem moral e

social à profunda mudança do valor feminino, pois, um país em guerra

necessita de toda mão-de-obra disponível para essa luta, inclusive a feminina.

Mary Churchill apresenta, em sua face, uma expressão de felicidade ao realizar

a limpeza do seu dormitório e é alegado na legenda da imagem: “escovando o

assoalho da sua barraca como o faria qualquer bom soldado”. Fica

subentendido a verdadeira adoração ao seu país, pois, até mesmo a filha do

primeiro ministro inglês, que poderia ser poupada dessa tarefa, estaria atuando

ativamente na limpeza de sua barraca. Representando que a sua coragem e

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amor patriótico são maiores que qualquer dificuldade, podendo até mesmo

realizar uma tarefa que anteriormente era destinada aos homens, ou melhor,

aos soldados. Coloca-a, assim, em um patamar de igualdade com os soldados

no serviço militar do seu país, reforçando no Brasil, ao veicular esta matéria à

revista brasileira, toda uma ideologia vinculada ao discurso nacionalista para

recrutamento de todos os cidadãos, a qualquer tipo de tarefa necessária na

guerra.

As incorporações de jovens moças no serviço militar ocorreram tanto

nos países Aliados, como no Eixo. Na Itália, elas passaram a integrar a liga

feminina fascista; no Japão houve uma mobilização civil para em torno de 19

milhões, em 1942, para a “Associação das Mulheres para o Grande Japão”. No

nazismo alemão, meninas das escolas primárias e adolescentes foram inscritas

na “Liga das Jovens Alemãs”, que realizavam orações que pediam, ao Fuhrer,

a proteção necessária para salvar a Alemanha. Na Rússia, a mobilização das

mulheres para a guerra atuou, com um maciço esforço, para o trabalho no

combate como auxiliares do exército. As jovens soviéticas foram recrutadas em

março de 1942 e o número de integrantes aumentava progressivamente no

Exército Vermelho, principalmente, após as derrotas e perdas dos militares

soviéticos. Em distintos países, elas foram encontradas em serviços de saúde,

transmissão ou especialidades, algumas auxiliares e outras chegando ao posto

de médicas militares, engenheiras ou diretoras de hospitais (QUÉTEL, 2006).

Ao intitular Mary Churchill como a “Debutante n.1 da Inglaterra”, ela se

torna uma jovem ícone e inspiradora na participação ativa de auxilio para a

guerra, demonstrando, assim, a sua coragem e esforço. Um discurso com

objetivo de comover outras mulheres e, principalmente, as jovens, atingindo

seus corações e mentes, para operarem também ativamente na luta. Ao

considerar Mary como uma debutante, enfatizava que a mobilização deveria

atingir também a juventude, pois, ao tratar a jovem como uma debutante é

contemplar que recentemente completou seus quinze anos de idade. No

momento em que uma jovem completa os seus quinze anos, novos valores

conduzem a vida de uma garota que deixa de ser uma menina, pois, agora a

sociedade lhe permite uma vida social mais ativa, passando a freqüentar

eventos e reuniões sociais e até mesmo namorar. Ao ser categorizada como a

número 1, coloca-se Mary Churchill em uma posição de maior destaque social,

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ou seja, alegando que se a filha do primeiro ministro realiza esse tipo de tarefas

todas as outras jovens garotas deveriam seguir o mesmo caminho, ressaltando

sua boa conduta e o trabalho realizado na Cruz Vermelha.

Outro ponto de grande reforço do discurso patriótico voltado para a

coragem, na legenda da foto de Mary Churchill, trata da frase: “É com o fogo

que se tempera o aço”. Criando a analogia do fogo com os esforços sociais a

serem desenvolvidos e a mobilização para que se possa “temperar o aço”,

relacionando o fogo e o aço, com a força para a guerra e aquela que alimenta

um trabalho educador as jovens moças, para serem boas mulheres.

Segundo Martino (2009), uma realidade social passa a ser construída a

partir de relações comunicativas, em sentidos que atribuem práticas, valores e

ações com significados compartilhados. E por meio da intersubjetividade

garante as teorias dessas práticas e valores, não existindo nesse sentido uma

única realidade, mas sim realidades construídas socialmente, formando-se na

medida em que não se liga ou vincula apenas a um único indivíduo, mas a

todos eles.

Assim, as palavras inclusas na pequena legenda da imagem da filha do

primeiro ministro Churchill estabelecem a formação dessa realidade construída

para o nacionalismo, a partir de um coletivo integrante do grande conflito

mundial. Segundo Joly (1996), a imagem se torna a principal representação,

que podem chegar a manipuladoras de mente, fazendo com que o pequeno

texto sirva apenas como um apêndice, ou seja, um reforço do discurso visual

(JOLY, 1996). Significações que são estimuladas através de imagens, pessoas

e fatos que atuam nos sentidos da mente humana e que podem ser captados e

executados. Essas imagens de mulheres estrangeiras publicadas nas revistas

poderiam vir a atuar na mente da mulher brasileira como um ícone de modelo e

representação social e, a sua atuação ativa na guerra, seguiria o novo modelo

social da mulher - o trabalho fora do lar. Os incentivos gerados pelos modelos

estrangeiros de trabalho feminino produziram, também, no Brasil, o discurso da

independência feminina em prol do amor patriótico.

A grande capacidade de circulação da revista feminina inclui este

discurso de atuação cívico feminina, produzido através das imagens repletas

de subjetividades. Como a imagem de Mary Churchill publicada na primeira

folha da revista A Cigarra, em janeiro de 1942, exemplifica claramente o papel

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da mulher atuante na guerra, porém, ainda submissa ao sistema social. A sua

posição com os joelhos dobrados ao chão, realizando a tarefa de torcer o pano

no balde, produz a crença da independência feminina como uma agente de

guerra, mas que ainda se visualiza no papel subordinado vindo como um

reforço do doméstico. A mulher que antes realizava a limpeza das casas,

agora, atua na limpeza de uma barraca de guerra. De acordo com Rosaldo

(1979), os estereótipos de desigualdade cultural, na valorização do sexo,

subordina as mulheres a trabalhos freqüentemente humilhantes, como o da

vida doméstica, devido ao papel de mãe que as responsabilizam pelos

cuidados com os filhos.

Um reflexo da posição de Mary que, ao produzir em seu rosto a

felicidade na atividade vinda da esfera doméstica, ressalta gravemente a

obrigação feminina de servir a partir dos cuidados a que estavam acostumadas

a exercer. Uma submissão não apenas mais destinada aos lares, mas à ajuda

ao país, produzindo uma figura masculina quando os homens estão em guerra.

E com essa alegria de servir expressa claramente em seu sorriso, acaba por

efetuar a “venda” da felicidade ligada ao amor nacionalista. Um comportamento

que estabelece aos indivíduos que “leem” a imagem, o encorajamento à

disciplina militarista em nome da coragem e defesa nacional.

As mulheres, no exterior, estavam em todas as frentes da Segunda

Guerra Mundial, ora combatendo de uniforme, diretamente com os homens, ou

atuando de maneira clandestina, encontrando-se sob o fogo do inimigo

(QUÉTEL, 2006). A participação feminina brasileira na guerra foi desenvolvida

através de diversos estímulos repletos de discurso destinados à bravura e à

união nacional. Mas, na prática, no Brasil a mulher atuou efetivamente apenas

no campo da enfermagem, servindo como um apoio suplementar na Itália.

A mobilização criada em torno da enfermagem durante a guerra no país fez com que muitas imagens diferentes fossem produzidas sobre a enfermagem e as enfermeiras. É evidente que a escolha da enfermagem e das enfermeiras como um dos emblemas em torno do qual o Estado Novo constituiu um ideal de mulher e de mobilização das mulheres, intensificadas com a guerra, não foi casual (CYTRYNOWICZ, 2000, p. 113).

Assim, a ênfase publicitária ao patriotismo, no Brasil, estabelecia um

canal para vendas dos produtos que valorizavam a importância deste ao social,

e os anunciantes se apropriavam dessa imagem para estimular o consumo. Ao

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ser avaliado, historicamente, percebe-se a assimilação imagética da mulher

enfermeira, vinda das campanhas governamentais, para produzir o estímulo

social feminino para a atuação nas variadas frentes de batalha: que aqui se

expressavam mais na realidade da vida cotidiana. A linguagem publicitária

utiliza o contexto social e ajusta os elementos para serem traduzidos nas

realidades destes padrões, com o objetivo de atingir o íntimo do público

leitor/consumidor. Transforma-se assim a imagem das enfermeiras no Brasil

em exaltação de importância social, na participação ativa das mulheres contra

a guerra. “Todos os países em guerra têm suas enfermeiras militares, muitas

vezes nos hospitais da retaguarda, mas também na frente de batalha ou ainda

sob os bombardeios” (QUÉTEL, 2006, p. 186).

6.3 Modas e Modos na guerra De acordo com Crespo (1990), a revista A Cigarra possuía um tom

“rebuscado e grandiloqüente”, realizando algumas reflexões sobre a vida, os

destinos e atingindo as paixões humanas. Em temas com aportes classificados

como mais “sérios”, estiveram presentes as fortes ideologias do amor à pátria,

a cultura e a história brasileira “oficial”. Temas polêmicos e com objetivo de

defender a pátria estavam presentes em várias de suas crônicas.

As produções dessas crônicas nacionalistas se mostravam em diversas

áreas da revista, inclusive àquelas destinadas apenas ao sexo feminino, como

a seção Modas e Suplemento Feminino, conduzidas pela cronista Marion8. Na

publicação de Modas, em julho de 1944 (figuras 12 e 13), abordam-se os

trabalhos realizados pela mulher britânica e a importância social no decorrer da

Segunda Guerra Mundial.

8 Cronista não identificada, apenas a citação do nome sem qualquer outro tipo de identificação

no editorial da revista. Poder-se-ia tratar de um autor do sexo masculino, visto que era uma prática muito comum de homens usarem pseudônimo feminino como autoria na produção das revistas femininas. Essas revistas em sua maioria eram produzidas, incluindo os editoriais, por homens, colocar um nome de mulher era uma forma de atrair a leitura por alguém que realmente entenderia os sentimentos femininos. (CARVALHO, 2008)

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Figuras 12 e 13: Modas - Figurino de Alceu e Texto de Marion.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 123, junho de 1944, p. 81 e 83.

A crônica, logo nos primeiros parágrafos, informa que o artigo trata de

uma transcrição de “Neptuno”, sem relatar mais informações da sua origem de

publicação. Este método foi muito utilizado pelas revistas femininas brasileiras

nesse contexto: realizar a tradução de reportagens internacionais sem

acrescentar a sua original fonte de publicação. Segundo o jornalista Accioly

Netto (1998), que trabalhou em O Cruzeiro e também dirigia A Cigarra, muitos

textos produzidos n‟A Cigarra eram traduzidos sem qualquer autorização, e

textos incluídos no formato short-stories9 eram reproduzidos em crônicas e

curiosidades.

Logo, nos primeiros parágrafos da crônica, ocorre a exaltação da

participação dos esforços da mulher inglesa na guerra:

(...) a propaganda britânica nos dá a conhecer, através de “Neptuno”, o esforço de guerra da mulher inglesa, esforço verdadeiramente surpreendente e que é a melhor demonstração da vontade de vencer, de colaborar, sem medir sacrifícios, na tarefa inteligente de restaurar os sagrados princípios da Liberdade e da Justiça ora sufocados pela violência que age em nome de ideologias absurdas e desumanas. (A Cigarra, 1944, p. 81)

9 Em formato de contos.

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Esforço e coragem da mulher britânica em meio às atrocidades que a

guerra provocava, demonstrando a bravura feminina inglesa para as mulheres

brasileiras. No Brasil, no início do século XX, as mulheres começavam a se

preocupar com outros valores sociais, ocorrendo as primeiras manifestações

femininas: frutos de inspirações vindas do exterior, a luta feminina se volta para

os direitos civis e culturais, gerando o direito ao voto feminino e a opção do

trabalho fora dos lares familiares. Entretanto, os conflitos da guerra não

alcançaram os territórios brasileiros, o cotidiano feminino não chegou a sofrer

grande alteração, pois, houve apenas uma interferência provocada nos

grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro. Elas não viam

diante dos seus olhos os combates acontecerem, contudo, vieram a sofrer com

as restrições econômicas.

Alguns hábitos sofreram alterações como a redução de compras devido

ao alto índice inflacionário das mercadorias. Mas ainda segundo a reportagem,

“Quem vive no Reino Unido já se não surpreende com o espetáculo de um

caminhão guiado por uma mulher. Pois que as mulheres têm tanta parte nesta

guerra quanto os homens” (A CIGARRA, 1944, p. 81). A guerra estava em

distintas partes da Europa e, com ela, o apoio feminino em vários campos de

atuação, como “os corpos de armeiros, eletricistas, mecânicos de vôo,

meteorologistas, rádio-telegrafista, localizadores de bombas e turmas de rádio-

localização” (A CIGARRA, 1944, p. 82).

O esforço na guerra realizado pelas mulheres nos países europeus foi

estabelecido através da lógica da guerra total, e a participação feminina servia

como um passo suplementar da guerra. Elas estavam engajadas nos exércitos,

mas havia países em que elas atuavam apenas na estrutura econômica. Como

no caso da Inglaterra que, ainda segundo a reportagem de Marion, mais de 50

mil mulheres foram entrevistadas por semana, e dessas, em torno de 20.000,

seguiam para os trabalhos destinados à guerra. Porém, não se exigia o

trabalho fora do lar daquelas que os maridos estivessem nas frentes de

batalhas, mas muitas o fizeram como voluntárias. As mulheres com filhos que

trabalhavam nas fábricas, campos e escritórios, puderam contar com diversas

creches instaladas para esse fim, no Reino Unido.

Elas dirigem aviões de todos os tipos, desde os velocíssimos „Spitfires‟, até os enormes bombardeiros quadrimotores. As mulheres no Reino Unido executam com a mesma perícia muitos dos trabalhos

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que, até então, só competiam aos homens (A CIGARRA, 1944, p. 84).

Toda a reportagem publicada em quatro páginas da revista na seção

Modas fortalece o discurso da força feminina durante a guerra para o

conhecimento da mulher brasileira, numa leitura que informa o que estava

acontecendo no mundo, em relação à Segunda Guerra Mundial, além de

estabelecer um estímulo referente à força da mulher britânica, no papel da luta

feminina da guerra. O Estado Novo, principalmente nos anos da guerra,

produzia em diversos meios de comunicação os discursos referentes às

construções políticas de servir à pátria-mãe. Estes atingiam as mulheres

brasileiras, por meio de imagens e palavras motivadoras ao serviço militar,

vindos com o exemplo inspirador das mulheres americanas e inglesas

atuantes.

Em todas as edições da revista pesquisada, a crônica de moda de

Marion contava sempre com a ilustração de Alceu Penna. Penna foi um homem

que revolucionou a ilustração de moda no Brasil, através das revistas femininas

A Cigarra e, principalmente, em O Cruzeiro. Segundo Gabriela Penna (2007),

Alceu Penna começou seus trabalhos no Diários Associados de

Chateaubriand, nos princípios da década de 1930. Anos depois quando houve

uma grande reformulação da revista O Cruzeiro, Penna passou a dar início a

uma longa colaboração para a revista nos editoriais de moda além de diversas

capas da revista e ilustrações de contos. O seu maior reconhecimento ocorre

com a coluna na revista O Cruzeiro chamada “As garotas do Alceu”, entre 1938

e 1964. As garotas serviram como base para o grande sucesso da revista, com

a ilustração de lindos desenhos e glamorosas mulheres. A coluna semanal

apresentava uma diversidade de jovens acompanhados por textos bem

humorados.

As ilustrações de Alceu Penna eram constantes também na revista A

Cigarra, mas em quase todas as seções de moda não representavam uma

jovem garota, como em O Cruzeiro. N‟A Cigarra, o estilo do desenho feminino

representava uma mulher mais madura em idade, durante o período avaliado.

Mas todas elas tinham como objetivo ilustrar os estilos de vestes que eram

considerados para mulheres elegantes e bem vestidas.

As colunas de moda assinadas (por Alceu Penna) semanalmente na Cruzeiro e mensalmente na Cigarra eram em sua grande maioria

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referente a estilistas franceses, mas também o eram, em menor número, de estilistas italianos. As Garotas vestiam-se seguindo as tendências de moda difundidas por Alceu e, por conseqüência, seguindo as tendências dos grandes costureiros franceses. (CAMPOS, 2010, p. 72)

Esta mulher com uma idade mais madura, ilustrada nas figuras

femininas publicadas na crônica Modas, de julho de 1944, tinha como cenário o

próprio lar. O fundo do ambiente privado que se destina a representar o

principal e mais importante valor feminino no período, o da dona de casa. De

certa maneira, se contradiz ao discurso produzido no texto da crônica, que

evidencia a luta externa ao trabalho de casa e a coragem da mulher britânica

na guerra. Neste caso, apenas ilustra referências de moda, sem qualquer tipo

de informação referente aos modelos ali apresentados, não introduzindo a

prática do vestir feminino junto ao tema da reportagem, que poderia ser

publicado em qualquer outro segmento da revista, com fotos ou ilustrações das

inglesas atuantes. Torna-se óbvia, então, a imagem de moda como chamariz

da atenção feminina para o texto que se apresenta, correlacionando

feminilidade com patriotismo.

Todos os tipos de manifestações referentes às práticas do vestir estão

diretamente envolvidas com feitos sociais, por meio das suas experiências

vivenciais que manifestam uma representação construída. Segundo Quintas

(2005), a moda se define a partir das origens de um fenômeno social, gerado e

renovado constantemente. O conceito de moda do antropólogo francês, Marcel

Strauss (STRAUS, apud QUINTAS, 2005), é classificado como um fenômeno

social total, que foi definido através de diversos conceitos que a direcionam,

dentre eles, a moda como o reflexo da sociedade que atua como um indicador

de mudanças nela produzida.

A aparência não é formada por uma ideologia, de sentido voltado ao

materialismo histórico, e não deve ser descartada como investigação pelo

historiador. Ela está veiculada e condicionada a um significado ligado a uma

mensagem, que sem ela não existiria. A aparência insere, representa e constrói

o mundo social, fruto da estética social cuja função está conduzida na

construção do ethos (SANT‟ANNA, 2007).

É o ethos moda que permite a interação dos sujeitos ao mundo através da experiência estética, acima de qualquer outra, tendo em vista a possibilidade da poiesis diária na criação de um novo eu que reafirma a existência do mesmo ser despojado. (...) O ethos moda

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aciona o processo gradativo de desencaixe dos sujeitos, a semantização dos objetos até sua relação ao conceito mimétrico e, em sua mundialização, até a integração dos sujeitos a uma sociedade global. (SANT‟ANNA, 2007, p. 95 e 96)

O vestir feminino, durante a década de 1940, sofre uma grande ruptura,

conseqüência vinda do confronto provocado pela guerra, que deixou as

mulheres européias, estadunidenses, canadenses e soviéticas vestidas

militarmente para o combate. E refletindo, em toda América Latina, mulheres

tiveram que abrir mão do luxo e do supérfluo, e passar a trajar roupas mais

simples e de pouca qualidade. A necessidade na economia de tecidos e roupas

para o dia a dia teve que ganhar maior funcionalidade, sendo este o assunto de

outra crônica produzida na revista A Cigarra. O Suplemento Feminino, na

edição de março de 1943 (figura 14) – transcorre sobre a perda das mulheres

nos lares e o quanto a produção de elegantes vestidos foi afetada, devido à

falta da mão-de-obra para a produção, as costureiras.

Primeiramente, na crônica ocorre uma crítica ao abandono e

desestruturação dos lares para o trabalho da mulher, fora de casa, e as

dificuldades na compra dos mantimentos. Fatores que levaram as mulheres a

sair de suas casas.

O problema do capital impulsionou a mulher para fora do lar, obrigando-a a lutar pela conquista do pão de cada dia, pão cada vez mais caro, mais escasso e mais amargo, creou inúmeros problemas sociais dos quais a maior parte é a escassez de costureiras. No tempo feliz em que viveram nossos avôs, a mulher se dedicava exclusivamente à família, aos afazeres domésticos, bem ou mal, era sempre costureira. (A CIGARRA, 1943, p. 81).

Ao trabalhar com a ideia de que “felizes eram as suas avós” que se

dedicavam exclusivamente ao serviço do lar, deixa claro um discurso

conservador que trabalha o despontamento feminino para este novo papel e

sinaliza que deveriam as mulheres apenas cuidar dos ambientes familiares.

Segundo Coutinho (1994), a naturalização dos papeis femininos, destinados

apenas ao lar, produziu uma invisibilidade na regulação de seus desejos,

ocultados pelas relações de poder estabelecidas na sociedade. As mulheres

foram dominadas pelo controle social e orientadas para desenvolverem e

exercerem, através de sutis mecanismos com domínio afetivo, somente o

trabalho dentro do âmbito familiar. A subordinação da mãe perante as

necessidades da casa, dos filhos e do esposo como parte do instinto feminino,

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levou a uma postura de desprezo do desejo próprio frente aos outros e à

aceitação de um lugar secundário. Um comportamento de subordinação

atrelado ao cotidiano, tidos como “naturais” na organização da sua vida diária.

“Hoje, um exército de mulheres, andorinhas laboriosas, deixa diariamente os

beirais em busca de outras plagas, quando regressam, trazem preocupações

na alma e cansaço no corpo. E então como pensar em agulha e linha?” (A

CIGARRA, 1943, p. 81).

Figura 14: Suplemento Feminino - de Marion

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 108, março de 1943, p. 81.

O trabalho fora de casa durante a Segunda Guerra Mundial, a partir do

ponto de vista da classe média, não estava ligado à amplitude da emancipação

feminina, mas, sim, ao processo particular naquelas classes. Acabou

provocando um paradigma da modernização brasileira, pois, aprofundou as

desigualdades sociais mesmo com a modernidade e a ampliação de

oportunidades, que no primeiro momento prejudicou a população com renda

mais baixa. Uma classe desfavorecida pela falta de instrução se destinava

principalmente aos afazeres domésticos, visto que as mulheres da classe

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média estavam se liberando das tarefas domésticas dos lares e vindo a

assumir novos espaços sociais. Uma lógica emancipatória que na maioria das

vezes vem das classes medias urbanas, aquela que reivindica mais espaço e

direito, porém mais tarde são facilmente aceitos (CYTRYNOWICZ, 2000).

Segundo Braga (2011), a mulher brasileira começava a ampliar o espaço

social para além das paredes do lar. Com o movimento sufragista que

reivindicava o direito feminino ao voto, começou a expandir os horizontes na

busca da inserção das mulheres ao mundo do trabalho. Postos destinados para

a classe média eram os de serviço de datilógrafas, secretárias, balconistas e

enfermeiras, como já visto anteriormente. As classes mais baixas atuavam em

trabalho doméstico: em 1919, 37% da mão-de-obra operária do país era de

mulheres. Este número veio a se ampliar ainda mais com a passagem dos

anos e, durante a década de 1940, a força do trabalho feminino no Brasil

estava cada vez mais diversificada em diferentes ocupações.

Mas a falta de mão-de-obra afetou distintos setores para prestações de

serviços no Brasil, como de empregadas domésticas e costureiras, e a

necessidade de manter o pão de cada dia dentro dos lares, permitiu ampliar o

número de mulheres trabalhando em diversos setores de prestação de serviço,

uma escassez vinda provavelmente da guerra. “E assim, por um lado cresce o

número das que precisam de costureiras, por outro diminui, em proporções

assustadoras, o das que podem e sabem costurar. Daí a crise atual” (A

CIGARRA, 1943, p. 81).

Assim, ainda, havia aquelas com maior poder aquisitivo que podiam

permanecer preocupadas com a falta de mulheres capacitadas a realizarem

seus trajes. O abandono das habilidades manuais foi substituído por produções

industriais, através da confecção seriada. Inicialmente destinadas às classes

mais baixas, seus modelos tinham formas mais simples, textura de menor

qualidade e tintas sintéticas de custo mais barato. Com a produção da alta

costura parisiense enfraquecida pela guerra, no Brasil com falta de mão de

obra especializada nesse setor, foi ficando cada vez mais escassa a compra de

roupas sob medida, e isso levou as mulheres para dentro dos grandes

magazines.

Daí a necessidade das elegantes adquirirem seus vestidos em casa de moda, já confeccionados. No principio, a solução simplista dada ao caso lhes agrada mas, com o tempo, começam a descobrir as

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inconvenientes das roupas feitas em series, à moda americana, com tecidos de qualidade inferior: o vestido comprado feito é impessoal, nada diz das tendências estéticas de sua dona, não resiste a água, é vulgar e caro. Para a mulher de gosto apurado, para a que sabe apreciar a beleza dos tecidos modernos, para a que deseja adotar uma cor fundamental em sua indumentária, que martírio a falta de uma boa costureira! (A CIGARRA, 1943, p. 81).

O avanço da confecção com roupas produzidas em série em todo o

mundo, principalmente nos Estados Unidos, eliminou a dinâmica da haute

couture10 da França, uma mudança que também foi sentida no Brasil. Durante

a década de 1940, as empresas que se dedicavam à fabricação de roupas

prontas crescem em número e em produção, chegando ao patamar de semi-

industrial. Nos anos de 1940, no Brasil havia cerca de 3.218 empresas

destinadas a confecções, calçados e artefatos de tecidos, segundo o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O segmento destinado à

confecção de roupas e agasalhos correspondia a 14,9%, entre eles, o

porcentual voltado para roupas de senhoras e crianças chegava a 16,8%.

Fábricas que iniciaram com a produção de malharias, mais tarde se dedicariam

a produzir roupas femininas em tecidos. Na cidade de São Paulo ocorre a

maior concentração das grandes empresas, que se firmam entre as décadas

de 1930 e 1940, e quase todas dedicadas às malhas (BRAGA, 2011).

A indústria da moda provoca nas mulheres “elegantes” e com “gosto

apurado”, como intitula a crônica da revista, a preocupação da semelhança

feminina com o uso de vestidos produzidos em maior escala. Um discurso

destinado às mulheres que poderiam pagar bem por um belo vestido, e não

desejam utilizar um vestido confeccionado. Um grupo formado pela elite

possuidora de poder e exibição, que almeja sempre uma representação

exclusiva da aparência.

Assim, o ethos moda exibe-se atrelado aos papéis sociais de maneira a

estabelecer as relações entre sujeitos, que podem vir a ser ampliadas com

outros distintos grupos sociais, tornando-se assim um meio de expressão

relacionado à diferenciação e constituição do indivíduo em seu contexto

histórico. Formado por um corpo, onde cada qual, o utiliza como um espaço

destinado à teatralidade, se expondo aos seus pares. Construindo também,

uma auto-imagem significante para ele mesmo de si, promovendo a

10

Alta Costura em francês.

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capacidade atrelada à modernidade, por meio do consumo (SANT‟ANNA,

2007).

O discurso produzido na edição do Suplemento Feminino,em março de

1943, adapta o vestir exclusivo antes da guerra, para a adoção de compras

com roupas de produção seriada, pela classe média feminina brasileira.

A elegância no corte não é apanágio de todas as tesouras, eleger um modelo simples e belo exige gosto, a economia dos tecidos e dos adornos requer muita habilidade para levar o sóbrio até o aristocrático e evitar que o prático descambe para o banal (A CIGARRA, 1943, p. 82).

Mas as restrições dos usos de materiais atingiram ainda mais a moda

feminina em sua fabricação, estabelecendo roupas com um ar mais simplório

devido à luta armada que agora já não comportava mais roupas extravagantes,

modificando, diretamente, às confecções de roupas. Nos Estados Unidos foram

votadas leis para determinar o tamanho da barra de um vestido, que não

poderia deixar ultrapassar duas polegadas e nas blusas deveriam-se contar

apenas com o acréscimo de um único bolso. A roda de uma saia não poderia

superar as 72 polegadas e eram proibidos os uso de babados. Na Europa, as

restrições estavam na metragem e na qualidade dos tecidos para fabricação

das roupas, além do comprimento e largura das saias (MENDONÇA, 2006).

Este abalo das restrições de materiais, na indústria da moda no mundo,

atingiu certeiramente a mulher da elite brasileira. Houve uma grande escassez

de materiais vindos principalmente da Europa. O Estado Novo, no decorrer da

guerra, acrescentou a criação de leis que aumentaram os tributos na

importação de produtos, vindo principalmente da Europa. Gerou assim, na

indústria brasileira, uma abertura para a ampliação e capitalização da

manufatura, ampliando principalmente o setor têxtil que passou a receber

impulso na sua produção. Com o acréscimo da industrialização, a riqueza

interna do país foi mais dinamizada, originando uma classe média formada de

empregados assalariados e funcionários públicos, que podiam demandar a

compra dos produtos de moda (BRAGA, 2011).

Segundo outra publicação do Suplemento Feminino, em dezembro de

1944 (figuras 15 e 16), “A palavra de ordem, no momento, é: poupança de

tecidos. Embora parcimoniosos, quanto ao material, os atuais vestidinhos

rejuvenescem e adornam porque os tecidos nêles empregados” (A CIGARRA,

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1944, p. 82). Devido à escassez de materiais e o restrito sistema de

racionamento, deixaram a silhueta feminina esbelta e a saia mais curta, vindo a

dominar a moda da época. Com a atenção mundial voltada à referência ao

serviço militar e à defesa nacional, passa-se a transmitir, na moda, um ar mais

militar: trajes em estilo de uniforme e jaquetas com ombros retos e ombreiras,

cintura marcada por um cinturão, além de grandes e versáteis bolsos. Os

materiais destinados à produção de sombrinhas estavam racionados, dando

espaço para turbantes e chapéus com formas mais atrevidas, sendo uma

grande característica da época (KOGA, 2004).

Figuras 15 e 16: Suplemento Feminino - Texto de Marion e Desenho de Alceu.

Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, dezembro de 1944, p. 81 e 82.

Um guarda-roupa mínimo e com grande versatilidade fazia parte do novo

estilo feminino durante o período da Segunda Guerra. “Enquanto isto, vão

continuando a vestir os mesmos costumes, gênero alfaiate ou esportivo, que

apareceram com a guerra. Os primeiros vestidinhos (...) São econômicos” (A

CIGARRA, 1944, p. 82). Mesmo com a guerra, as mulheres viam-se, através

de pressão externa, a estar com uma boa aparência em todas as ocasiões.

Trajes de ombros quadrados, justo em sua maioria, e com saias e vestidos que

chegavam pouco abaixo do joelho. Um estilo de alfaiataria um tanto

masculinizada, devido às novas utilidades. As restrições do couro que, agora,

serviam exclusivamente para as botas dos soldados, deixaram as mulheres

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com sapatos mais pesados devido à substituição do couro e borracha pela

madeira e cortiça, na sola, e nas outras partes dos calçados foram usados

materiais diversos, como o feltro, ráfia e celofane tricotado ou trançado

(MENDES, 2003). Mudanças que, segundo o ponto de vista da cronista Marion,

entristecia a vaidade feminina, “das árvores, as ultimas folhas caem

tristemente, docemente, sobre a terra quente... E uma saudade imensa, mal

definida, (...) saudade de outros tempos, saudade das ilusões” (A CIGARRA,

1944, p. 82).

Com o serviço militar deixando as roupas femininas mais enrijecidas,

com ombros marcados e largos, colocavam-se, assim, as mulheres em um

patamar de aspecto forte e viril, igualadas ao poder masculino. Para deixar os

lares, para trabalhar no campo de batalha, foram produzidos discursos de

incentivo, força e coragem para elas como incentivo na ajuda ao país, papeis

que anteriormente eram atribuídos exclusivamente ao masculino. Para firmar

socialmente este novo discurso, a imagem feminina também teria que ser

modificada para transmitir e consolidar a nova virilidade que a mulher

necessitava exercer. A masculinização das roupas solidificava o novo poder

diante da sociedade, pois, a mulher vestida com alfaiataria marcada

evidenciava o mesmo estilo utilizado pelos homens e produzia a nova

afirmação feminina.

O tailleur passou por uma adaptação ao corte do enfardamento militar e

as roupas, no geral, se moldaram ao novo estilo, ombros quadrados e formas

retas. As saias curtas valorizavam os sapatos altos, as meias-finas agora

produzidas em náilon, os chapéus e luvas mantinham um estilo feminino

durante a guerra. Os toques mais frívolos vinham através dos lenços coloridos,

jóias simples ou bijuterias, e chapéus adornados com flores e véus, além dos

pequenos chapéus de feltros, semelhantes às boinas militares, eram colocados

com uma pequena inclinação sobre os ondulados e cacheados cabelos que

caiam até os ombros (MENDONÇA, 2006).

No Brasil, a famosa e glamorosa Casa Canadá fazia as mulheres

cariocas e as demais brasileiras conhecerem os últimos modelos vindos da

França. Mas com as restrições da importação européia de roupas para o Brasil,

a Canadá viu-se obrigada a buscar novas formas de mostrar grandes modelos

para a elite feminina brasileira. Investiu na importação de trajes vindos dos

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Estados Unidos e de Buenos Aires e, em seguida, a casa “copiava” os modelos

e distribuíam as cópias para revender a outras capitais. Era uma espécie de

pré-prêt-à-porter de luxo, e seguia o que estava acontecendo no mundo, não

deixando de fora os trajes com formas rígidas e estruturadas, vestidos mais

curtos e cinturas fortemente marcadas (BRAGA, 2011).

Apesar de todas as restrições, os estilos não foram perdendo o brilho,

pois, a imprensa de moda enfatizava as produções de trajes como um espírito

que continuava a ser desejado. O discurso da moda incluía neste momento os

termos vindos da guerra, como na publicação do Suplemento Feminino, em

Agosto de 1945 (figura 17),

A moda de inverno continua merecendo cuidados especiais dos grã-figurinistas, “ditadores” amáveis da suprema elegância feminina. Idéias novas aplicadas ao corte dos mais recentes modelos, aprecem traduzir o esforço de “renovação da paz”, o desejo de fazer retornar a silhueta moderna às linhas definidamente femininas, atraentes, belas e graciosas, e o abandono da linha rígida, amasculinizada, que a

guerra impôs nesses últimos anos (A CIGARRA, 1945, p. 82). Aos grandes figurinistas passaram a se atribuir a fama de ditadores,

numa referência ao sistema político ditatorial nazista e fascista, produzidos na

Europa. Mas os ditadores que produzem a moda são considerados como

“amáveis”, capazes de produzir na mulher a soberania da elegância feminina, e

sendo eles bem visto pelo sexo feminino, sendo seguidos e adorados. A

renovação era um sinônimo de paz diante da feminilidade esquecida durante a

guerra, principalmente, após a tomada da capital da alta costura – Paris - pelos

alemães.

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Figura 17: Suplemento Feminino - Texto de Marion e Desenho de Alceu

.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, agosto de 1945, p. 81.

A França foi ocupada pelos alemães em 10 de junho de 1940, e a capital

de elegância e da alta costura se apaga junto com as luzes da Cidade-Luz.

Isso afetou diretamente o guarda-roupa da elite francesa e, também no mundo,

provocando uma ruptura na alta costura parisiense que influenciou diretamente

a renovação do vestuário feminino: um abalo da elegância e, junto dela, uma

mudança na criação de moda no mundo, noticiada na revista A Cigarra, em

julho de 1945 (Figura 17), durante os últimos meses da guerra.

Com os trágicos anos que o mundo vem atravessando e com a evolução que a humanidade vai sofrendo, evolução que tem modificado estruturas sociais de muitos povos e deitado por terra tradições com áreas de fortaleza inexpugnável, só poderíamos prever senão desaparecimento total dos dogmas da elegância que impera desde que o mundo é mundo – principalmente nas mulheres – pelo menos um abalo poderoso nos velhos preceitos da elegância. E quando as botas alemãs soaram em desfile pelas ruas de Paris, Paris a capital da elegância e do bom gosto, a Meca dos figurinos, das peleterias, (...). Mas não seriam as guerras e nem o desaparecimento temporário das luzes ofuscantes de Paris que iriam derrubar preceitos que tem atravessando séculos e séculos (A CIGARRA, 1945, p.119).

Pouco a pouco, o espetáculo de moda da capital francesa foi se

apagando com a chegada dos alemães. Esses novos tempos provocaram uma

mudança nos hábitos, pois, dentre as primeiras medidas tomadas pelo governo

alemão em terras francesas, estavam o toque de alerta e o corte da

eletricidade. Vindo a atingir diretamente o comportamento e a estética feminina

provocadas por tais modificações, os cortes de cabelo foram uma das primeiras

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iniciativas. Os sacrifícios dos cachos teriam que ser habilmente dispostos para

a adaptação de um penteado com maior simplicidade, e as mechas agora

tinham a forma de capacete. Um alerta que obrigou as francesas a revisarem

seus guarda-roupas para o uso das novas necessidades, porém, alguns trajes

foram prezados, como o traje destinado ao esqui e também às peliças de lã. As

mulheres com uma maior habilidade chegaram a confeccionar roupas com

somente uma peça de tecido e fecho para a rápida colocação. Porém algumas

mulheres da sociedade não deixavam de lado a vaidade e o desejo, mesmo

prevalecendo o medo social (VEILLON, 2004).

Logo, nas primeiras semanas de ocupação da França, pelos alemães,

mantinha-se um moralismo na população francesa, mas em virtude de toda a

agitação que o país vinha passando, mudanças foram traduzidas também nos

vestuários. A cidade-luz durante a noite ficava apagada, quase semi-deserta,

durante o dia a população era forçada a deixar de desfrutar os cinemas e

teatros pela cidade, somente o cinema é retomado mais tarde, porém, para a

exibição de filmes do governo alemão. Logo, mulheres fardadas passaram a se

multiplicar pelas ruas da capital e depois por toda a parte (VEILLON, 2004).

„Tailleur preto, camisa branca e gravata preta, elas efetuam a troca das caixas postais nos diferentes bairros da capital. ‟ Mas deparamos também com muitas enfermeiras da Cruz Vermelha. A maioria usa o traje habitual: „... conjunto tailleur escrito, sobretudo clássico, chapéu de feltro liso, azul-escuro com a aba caída para frente‟, que os jornais reproduzem em abundância, alguns diários fornecendo inclusive os moldes desses figurinos através de venda por correspondência. (DUBOIS apud VEILLON, 2004, p. 28).

O guarda-roupa feminino das francesas se tornou mais sóbrio, chegando

o fim dos vestidos exagerados e vistosos, os chapéus excêntricos e as jóias

extravagantes nos dedos das unhas pintadas em cor de sangue. As grandes

maisons da França foram ao poucos sendo fechadas: Madeleine Vionnet que

dominava a alta costura de ar rebuscado fecha a sua maison, em dezembro de

1940. No mesmo ano a „Grande Mademoiselle Chanel‟ resolve, também,

entregar as suas chaves logo que recebe a notícia da invasão e abandona a

capital e refugia-se no sul do país. Poucos grandes costureiros seguiram

trabalhando para oferecerem as suas clientes, novos figurinos adaptados às

circunstância (VEILLON, 2004).

Os estilhaços da Segunda Guerra causaram um grande prejuízo no

mundo da moda parisiana, e muitos salões de alta costura se viram obrigados

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a fecharem. Os poucos que permaneceram abertos trabalhavam em meio à

escassez de materiais e o desaparecimento das clientes. Os alemães tinham

por intenção transferir a indústria da moda de Paris para Berlim ou Viena

(KIOTO, 2004). Os anos duros da guerra foram apagando o brilho da Paris

ocupada, sendo assim, os olhos femininos voltados para moda foram voltando-

se para outro continente, a América do Norte, em especial para os Estados

Unidos. O luxo da moda agora se associava às grandes estrelas de Hollywood,

através da indústria do cinema, que veio a contribuir com a construção de

padrões de beleza e comportamento.

Apesar da guerra, a vaidade não se deixou derrotar, como trouxe a

reportagem d‟A Cigarra.

A vaidade feminina não ia permitir semelhante derrota. Ela tinha armas para lutar e lutou com todas as suas armas. E se Paris não podia engalanar-se mais com as criações dos seus artistas, a América estava aí para por o cedro e reinar daí em diante. Hollywood e New York estavam alertas para continuar a jornada brilhante da velha capital européia batida pelo inimigo. Do Bois Du Bologne, dos Champs Eliseos, a elegância se transportou para os arranha-céus de New York e para os filmes de Hollywood. Voando das margens do Sena a elegância pousou nas margens do Hudson. (A CIGARRA, 1945, p.119).

O declínio da moda parisiense desenvolveu o surgimento da moda

Americana. Os Estados Unidos haviam sido o principal cliente da alta costura

parisiense, antes da guerra, e diante dos confrontos acontecendo passou a

ampliar a sua própria indústria, principalmente, devido à cômoda situação de

estar longe da Europa em armas. Gerando uma indústria própria, segundo

Koga (2004), no geral a moda americana ficou destinada apenas nas roupas

informais, para o uso cotidiano e trajes de confecção.

Com Paris e seus holofotes de moda apagada, a indústria do cinema

estadunidense reanima o desejo feminino de elegância e bom gosto das

mulheres no Brasil. Quase todas as revistas femininas evidenciavam os

figurinos utilizados nos filmes. Um conjunto de mudanças que estiveram “(...)

criando novos costumes, novos penteados, modificando-se e adaptando-se de

acordo com as exigências da época. Os olhos que sempre tinham se voltado

para a capital francesa dirigem-se hoje para os salões de New York” (A

CIGARRA, 1945, p.119). Esta inversão de valores, por parte do cinema

refletida na moda, veio acompanhada da popularidade das grandes estrelas de

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Hollywood. A grande expansão e visibilidade do cinema hollywoodiano

causaram, na elite brasileira, o desejo de absorver o modo de vida e

comportamento dos personagens, agregados ao estilo “american way of live”.

Os figurinos utilizados pelas atrizes fora das telas, principalmente os

utilizados nos lançamentos dos filmes, dependendo do sucesso alcançado por

estes, eram logo apropriados pela indústria da moda. Transformações geradas

na criação da moda, publicadas na revista A Cigarra, de julho de 1945 (Figuras

18 e 19), orientavam as leitoras ao novo costume de renovação e elegância

feminina, que teve como exemplo desta variação um novo modelo produzido

nos Estados Unidos com uma alta popularidade entre as mulheres de “gosto

refinado”. Um modelo de roupas para dormir, o chamado Dido: “O „dido‟ é

apresentado como sendo um pijama, mas um pijama mais cômodo e sem

calças compridas, (...) Folgado, da liberdade de movimentos ao corpo. E

também até muito barato” (A CIGARRA, 1945, p.120).

Figuras 18 e 19: “Dido a nova maravilha”.

Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, junho de 1945, p. 119 e 121.

A notoriedade hollywoodiana e o ideal de beleza propagada pelas atrizes

do cinema passaram a ser desejados e imitados pelas mulheres brasileiras,

influenciadas pelas estrelas que fizeram parte de todas as capas da revista A

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Cigarra, durante o período estudado, e também em diversas revistas femininas,

em circulação, na época. Apresentavam ao público os estilos de roupas,

acessórios e as maquiagens por elas utilizados. N‟A Cigarra havia uma seção

destinada apenas a este conteúdo, a chamada Cine Magazine, que avaliar-se-

á, a seguir.

6.4 Elegância e feminilidade na guerra no Cine-Magazine

A indústria cinematográfica de Hollywood começa a se firmar pelo

mundo nas décadas de 1920 a 1930, porém, o fortalecimento do cinema

estadunidense vem a ocorrer durante a Segunda Guerra Mundial chegando a

alcançar uma alta de bilheteria na América Latina e na Europa. Com o grande

crescimento dos filmes hollywoodianos, pelo mundo, as estrelas e astros do

cinema passam a ganhar destaque e visibilidade internacional, se tornando

grandes influenciadores de estilos e comportamentos, destinados

principalmente ao consumo de moda, massificando assim, não só no cinema,

mas também em vários outros meios de comunicação, o american way of live

em toda América Latina.

Em meados dos anos de 1930, as produções do cinema de Hollywood

chegavam a corresponder até a 85% dos filmes mundiais. O grande poder dos

estúdios, dentre eles a Universal, 20th Century Fox, Paramount e MGM, já

estavam transpondo o território estadunidense (BRAGA, 2011). Com o

crescente prestígio do cinema dos Estados Unidos atingindo diversos países, o

Estado Novo de Getúlio abriu ainda mais as portas ao governo estadunidense,

após a entrada do Brasil na guerra, intensificando os números de filmes

rodados no país. A política da boa vizinhança não trouxe somente a influência

do estilo de vida perpetuado nos Estados Unidos, pois, algumas imagens e

ícones também foram criados para representarem um Brasil para o exterior.

A produção do desenho animado Zeca Carioca, durante a década de

1940, pela Walt Disney esteve ligada às criações de ícones brasileiros: uma

caricatura montada para demonstrar a formação do “povo” brasileiro. O

personagem, representado por um papagaio de jeito de malandro que só quer

saber de sambar e odeia trabalhar, criou uma imagem do brasileiro que só se

preocupa em dançar, principalmente, o carnaval. Porém, o maior de todos os

grandes ícones representativos do Brasil durante a Segunda Guerra foi a atriz

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nascida em Portugal, Carmem Miranda. Mesmo de origem portuguesa,

Carmem firmou com o Brasil uma íntima relação patriótica, transmitindo nas

telas do cinema o estilo brasileiro à maneira americanizada.

Segundo Bianca Freire (2005), Carmem Miranda foi reconhecida como

“embaixatriz da boa vizinhança” na estréia do seu segundo filme nos EUA em

1940, Uma noite no Rio. Um filme produzido pela 20th Century Fox, que veio a

requisitar junto ao Departamento de Informação e Propaganda, do governo de

Getúlio Vargas, fotografias do Rio de Janeiro para que assim pudessem

(re)criar, fielmente, nos sets de filmagem, o Brasil. Carmen Miranda foi um

grande ícone brasileiro para a formação da identidade nacionalista durante a

Era Vargas, chegando a ser chamada como a menina do presidente (FREIRE,

2005).

Sua figura expressiva esteve presente em diversas páginas da revista A

Cigarra, dentre elas estava a publicação, de maio de 1944 (figura 20), que

aborda uma comparação entre o corpo de Carmen quando somente era uma

cantora do rádio, com a atual estrela de Hollywood.

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Figura 20: Carmen Miranda – Melhorou?...

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, maio de 1944, p.72.

A matéria curta e sem autoria demonstra, por meio de fotos, as

comparações e as mudanças apresentadas em Carmen, pois, a revista discute

a passagem de um meio de comunicação, no qual, antes somente a voz era

apreciada. Entretanto, muitas revistas femininas nas décadas de 1930 e 1940,

apresentavam fotografias destas famosas cantoras de rádio e marchinhas de

carnaval, tornando-as visíveis aos ouvintes.

A mudança de Carmen para as telas do cinema exigia uma aparência

realçada para uma maior beleza, trocando não apenas a voz e se

transformando em uma imagem em movimento, e estando sujeita a maiores

avaliações. “Como foi daqui uma pequena de linha estética quase

desagradável, agora está assim. Assim, de formas delgadas, esguias,

elegantes. Dizem que os rolos de massagem tiveram muito trabalho” (A

CIGARRA, 1944, p.72). Deixando de lado a antiga figura que cantava nas

rádios para de transformar em um corpo para ser apreciado. A revista

declarando que a atriz havia passado por diversas modificações estéticas

produzidas em cirurgias plásticas. “(...) afirmam que os bisturis plásticos

penetraram sem piedade nas formas musculares de Carmen, reduzindo-a,

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lapidando-a, trabalhando-a, extraordinária que é a ciência dos nossos tempos”

(A CIGARRA, 1944, p.72).

À medida que Carmem Miranda foi ficando famosa trouxe à tona

diversos elementos simbólicos, que mais tarde chegaram a ser incorporados no

discurso da identidade nacional brasileira. Ao mesmo tempo em que estava por

reproduzir uma espécie de síntese do Brasil, incentivada por Getúlio para a

representação e divulgação do país, Carmem não passava de uma erotização

exagerada da mulher latino-americana. Vestida como uma baiana estilizada

com um alto turbante, cheio de frutas tropicais, como bananas e uvas,

agregada de diversas plumagens de animais, além de muitos colares gigantes

e balangandãs coloridos. Numa carreira que transcorreu paralelamente com a

política de boa vizinhança do Brasil com os Estados Unidos, Carmem foi uma

construção simbólica da identidade nacional, de um país com representações

forjadas, que imaginava e desejava ser uma projeção popular do samba

carioca com uma baiana estilizada (GARCIA, 2004).

Além de Carmem Miranda, diversas estrelas do cinema preenchiam as

capas e seções de moda das principais revistas femininas e variedades

circulando pelo país, parcialmente preenchidas de fotos que mostravam, às

suas leitoras, os principais modelos de penteados, maquiagem e vestidos

usados pelas grandes atrizes do cinema (BONADIO, 2008). Ícones de

referência feminina para as brasileiras, que durante a Segunda Guerra Mundial

ligavam a beleza ao discurso do patriotismo. Diversas palavras e imagens

publicadas n‟A Cigarra das estrelas de Hollywood carregavam o estímulo dos

sentimentos encorajadores e cívicos.

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Figura 21: Jone Randolph - Capa da revista A Cigarra Magazine.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº108, março de 1943.

A capa da edição de março de 1943 (figura 21) apresenta uma dessas

atrizes de Hollywood, porém, inicialmente não identifica o nome da atriz na

parte técnica da revista, através do sumário ou nas informações técnicas da

última página. A identidade da atriz na capa da revista vem a ser identificada

apenas na primeira página da secção Cine-Magazine, na qual apresentam

outra foto dela e relatam alguma das suas últimas grandes produções no

cinema. A foto sorridente de Jone Randolph, na capa, apresenta os olhos

levemente voltados para a cima demonstrando um ideal sonhador, o chapéu da

marinha a coloca no patamar de servidora alegre nos trabalhos militares. Como

fundo, estão os gigantes navios de guerra, como se estivessem partindo rumo

ao confronto para a defesa nacional.

Somente a partir de 1945 (Figura 22 e 23), quando ocorre uma

reformulação na estrutura que apresenta o editorial da revista A Cigarra, que se

identifica claramente os nomes das atrizes na última página da revista,

notificando também o estúdio ao qual pertencia. De acordo com o jornalista e

um dos editores da revista O Cruzeiro e A Cigarra, na década de 1940, Accioly

Netto (1998), as agências de publicidade hollywoodiana, forneciam

gratuitamente as mais magníficas fotografias de suas estrelas e galãs. Todo o

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material era aproveitado para os principais destaques das revistas, servindo na

formação de histórias ou também como capa colorida dos periódicos.

Figura 22 e 23:Evelyn Keyes – da Colúmbia. Capa da revista A Cigarra Magazine.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, agosto de 1945, primeira e ultima página da

revista.

Na seção Cine-Magazine, da revista A Cigarra, entre as edições de 1942

a 1945, continha-se diversas páginas com fotografias dos atores e atrizes do

cinema e quase todas eram publicadas no formato de folha inteira. Um assunto

que ia além da seção, havendo outras partes da revista que estavam

recheados de imagens e reportagens dos filmes de Hollywood e seus atores,

divulgando a respeito da vida pessoal e noticiando a estréia dos próximos

filmes, como as seções Noticiário de Hollywood e Ronda na Cinelândia. Mas a

Cine-Magazin, era a mais popular, com maior destaque e número de páginas.

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Dentre os cronistas que nelas trabalhavam, estavam Fred Flag11 e Alex

Viany12.

Alex Viany foi um grande jornalista que atuou em especial na área do

cinema, se tornando um grande crítico e cineasta brasileiro. Como grande

admirador do cinema hollywoodiano, passou a escrever como correspondente

de dúvidas dos leitores a respeito do cinema e foi transferido para O Cruzeiro,

em 1942. Vindo a atuar como cronista de cinema na revista A Cigarra, em 1945

viaja para Hollywood e assume o posto de correspondente internacional. Alex

também atuou na tradução de filmes americanos para o português, antes e

depois da guerra.

Assim, esses filmes chegavam ao Brasil como uma forte euforia

hollywoodiano influenciando as mulheres. Segundo Braga (2011), uma força

que se refletiu também na moda, quando as distribuidoras estadunidenses aqui

se instalaram. Era uma estratégia de marketing dos estúdios de cinema,

invadirem e inundarem as revistas femininas com materiais fotográficos e

noticiários, nos quais estavam as famosas atrizes do cinema exibindo as

criações dos seus figurinistas. Durante a década de 1930 e 1940, Hollywood

passou, então, a interferir na moda internacional: os trajes utilizados nos filmes

dos astros e estrelas do cinema passaram a servir como fonte inspiradora de

moda. As verdadeiras celebridades internacionais, como Greta Garbo, Joan

Crawford e Marlene Dietrich entre muitas outras atrizes, com seus famosos

vestidos, ditavam a moda e comportamento para além das telas do cinema,

visto que a referência francesa teria sido afetada com Paris tomada pelos

alemães, deixando de ser o único centro irradiador de moda.

Com as criações e confecções sendo realizados pelos próprios estúdios

de cinema, muitos dos figurinistas que produziram trajes para os filmes teriam

vindo principalmente das casas de alta-costura de Nova York. Durante a

Segunda Guerra Mundial, os estilistas estadunidenses tentam promover uma

mudança de estilo, já que a liderança francesa estava cada vez mais ausente,

porém, não obteve uma aceitação por parte dos fabricantes, pois, a principal

11Cronista também não identificado. 12

Segundo o professor Universidade de São Carlos, Artur Autran, Almiro Viviani Filho era um jovem jornalista cinematográfico, que começou seus trabalhos no Diários Associados em 1934, onde adquiriu o pseudônimo de Alex Viany. Disponível em: <http://www.alexviany.com.br> Acesso em: 17 out. 2011, 16:30:30.

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proposta, no entanto, estava direcionada para produzir o mínimo possível de

desperdício de tecidos. Modificando as linhas gerais da moda para um estilo

definido, através dos ombros largos e estruturados com ombreiras, com

silhueta feminina bem marcada e saias até o joelho. A moda francesa só

conseguiu se reorganizar após o fim da guerra (NACIF, 2002).

Os figurinistas que foram ganhando seu espaço da moda como

criadores e foram se firmando como estilistas, passou a ser um dos assuntos

assíduos da revista A Cigarra, como na publicação de julho de 1942 (Figura

24), na secção Cine-Magazine escrita pelo cronista Fred Flag. Vindo a resgatar

a ideia da moda atribuída aos termos utilizados pela guerra - “Os figurinistas de

Hollywood, reconhecidos, agora, no mundo inteiro, como os ditadores da

elegância, lançarão, (...) uma série de modas „Vitória‟ como propaganda em

favor dos aliados” (A CIGARRA, 1942, p.55).

Os figurinistas chegaram ao status de ditadores da elegância e

feminilidade da mulher, projetando os novos modelos ao serem utilizados pelas

grandes atrizes do cinema e que, logo, se refletiria nos estilos femininos de

diversas mulheres no mundo. No entanto, ao agregar o nome da série moda

vitória, seguem reforçando a construção feminina que estava para além da

beleza e da vaidade das roupas, sendo atrelada aos sentimentos patrióticos.

Uma transmissão de valores vindos através de diversos sinônimos de incentivo

ao nacionalismo agregado à bravura do país e à busca pela vitória, que se

manifestava em diversos segmentos sociais, inclusive no vestir. Traje em prol

da difusão dos valores vitoriosos almejados, produzindo um discurso da

imagem feminina, pois, ao utilizar o estilo vitória estaria estimulando e ajudando

no incentivo e propagação dos ideais de coragem e audácia quanto ao

sentimento pátrio. Um discurso político e ideológico que, ao mesmo tempo,

perpetuava entre as mulheres o desejo pelo consumo, característicos da

cultura de massa.

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Figura 24: Cine Magazine. De Fred Flag. Atriz Laurie Douglas.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 99, Junho de 1942, p. 49.

A estética do cinema hollywoodiano circulava como uma verdadeira rede

de informações destinadas ao incentivo do público ao consumo, que foram

sendo agregados por diversos signos. De acordo com o pensador francês Jean

Baudrillard (2005), o consumo de um objeto nunca ocorre somente por ele

mesmo ou pelo seu valor de uso, ele acontece através de um envolvimento

relacionado ao prestígio, status e a classe social. Um intercâmbio simbólico

ocasionado pela representação social descriminante de classes, não sendo

apenas uma motivação de prazer. Um consumo motivado pelo valor do signo

que, ao consumi-lo, produz uma diferenciação e uma ilusão de progresso e, ao

mesmo tempo, o pertencimento a um determinado grupo social. Tornando o

objeto símbolo em uma necessidade de distinção através da lógica do

consumo que torna o objeto signo como um plus de valorização social.

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Objetos símbolos vindos pelas fotografias publicadas nas revistas

femininas que direcionavam e orientavam as mulheres brasileiras. Aquelas que

conseguiam seguir os modelos apresentados pelas grandes estrelas do

cinema, faziam parte de uma seleta e poderosa elite consumidora. Seguir os

últimos modelos de figurinos dos filmes produzia um grande status social ao

serem identificadas utilizando estes trajes que, durante a década de 1940,

tinham como base o discurso nacionalista da mulher forte e determinada com

roupas rígidas e estruturadas.

Desfilar semanalmente as melhores roupas nos grandes cineteatros era garantia de visibilidade social. E não era incomum ver mulheres nas salas de projeções empunhando pranchetas, lápis e papel para esboçar, no escuro mesmo, as modas exibidas pelas estrelas de Hollywood; desenhos depois dados às costureiras para que os reproduzissem (BRAGA, 2011, p. 145).

Outro fator que contribuiu para uma maior visibilidade do cinema na

moda foram as evoluções tecnológicas do cinema hollywoodiano, durante os

anos de 1940, que permitiu deixar as imagens ainda mais coloridas e vibrantes.

Segundo Virilio (2005), as cores do cinema americano chegaram a surpreender

Goebbels, o ministro da Propaganda na Alemanha e “patrono” do cinema.

Goebbels havia assistidos filmes hollywoodianos recentes por meio da

apreensão, em barcos aliados, pela marinha alemã, vendo em especial E o

vento levou. Não havia como comparar o Tecnicolor americano ao alemão,

mesmo porque toda a produção de filmes coloridos, na Alemanha, estava

envolvida em atos de pirataria. As cores dos filmes provocavam grandes

impactos psicológicos e por isso foram se multiplicando rapidamente em

diversos filmes.

Toda essa potencialização impressionava as cores dos vestidos

femininos, sendo ainda almejado e desejado pelas mulheres. “(...) a cor

constituirá a nota tônica das modas „Vitória‟. Usaremos grande quantidade de

cores brilhantes (...) e substituir a seda por algodão, tons mais vivos, mais

impressionantes” (A CIGARRA, 1942, p.58). A mudança das cores vibrantes

em substituição dos tons escuros nas roupas vinha através do desejo de

mudança dos ares negros e pesados que uma guerra traduz. As cores sóbrias

que configuravam o horror da guerra, nos trajes femininos e também remetiam

aos uniformes masculinos, agora, seriam substituídas por belas cores, vivas e

claras para a renovação rumo à vitória e, junto dela, a felicidade que passaria a

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vibrar junto aos tons vivos, opondo-se aos períodos de trevas. “As elegantes

que desejarem usar o mais cedo possível os modelos „Vitória‟ não devem

perder os próximos filmes (...), que exibirão pela primeira vez (...) as últimas

creações dos ditadores da moda” (A CIGARRA, 1942, p.58). Um anúncio que

aguçava o desejo feminino para conhecer as novas produções vindas dos sets

de filmagens, modelos Vitória que tinham por objetivo atingir o discurso de

coragem e determinação nacional, através de um conjunto de práticas

motivacionais atingidas por meio de um ideal político a serem expressos.

Assim, os novos valores sociais e estéticos produzidos nos filmes

hollywoodianos, contribuíram diretamente na construção de outros padrões de

beleza, agregados de novos comportamentos para as mulheres do século XX.

Rompendo com antigos valores arraigados na sociedade, transpondo a

valorização da mulher madura para a mulher jovem, a juventude passou a ser

reconhecida e colocada em evidência social, mudando assim os padrões

estéticos dos corpos femininos (BRAGA, 2011). Diante das influências

estrangeiras vindas do cinema, principalmente com as atrizes de Hollywood, a

mulher brasileira passou a adaptar o estilo das estrelas do cinema ao clima

tropical.

O ideal de beleza propagado pelas atrizes de Hollywood passa a ser desejado e imitado pelas brasileiras, assim, (...) as ruas e praias do Rio de Janeiro são tomadas por mulatas e negras de bochechas rosadas e cabelos louros (SEVCENKO apud BONADIO, p. 5).

Toda esta valorização feminina provocou um aspecto físico de maior

sensualidade e, com ela, a sexualidade que proporcionou maior atração do

público para o cinema de Hollywood. As mulheres nos filmes se tornavam um

emblema de sexualidade, pois, um belo rosto se tornava um dos maiores

signos representativos da feminilidade. Estabeleceu-se, assim, uma máquina

publicitária, que envolvia principalmente as revistas com comerciais femininos

evidenciando um belo retrato como sinônimo de beleza perfeita. Cada vez mais

a indústria cinematográfica exercia, por meio dos astros e estrelas, a evidência

da sexualidade, atraindo uma crescente audiência. As poderosas imagens

femininas foram crescendo cada vez mais, nas telas do cinema, e eram

envolvidas na promoção do desejo, aparência e glamour com a crescente

visibilidade das estrelas que eram idolatradas por ambos os sexos (MULVEY,

1996).

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Não somente as modas e comportamentos femininos sofreram

alterações através de Hollywood, pois, a moda masculina passou por ser a

alusão vinda dos astros do cinema. Os homens de classes mais altas

passaram a se identificar com os impecáveis ternos utilizados pelos atores

Gary Cooper, Cary Grant e Clark Gable, além de estabelecerem o rosto

barbeado ou com o tradicional estilo de bigode à la Gable13.

No Brasil, um astro com maior projeção nas telas do cinema foi Raul

Roulien, que protagonizou vários filmes estadunidenses, dentre eles Voando

para o Rio, em 1933, mas regressou ao Brasil ainda no ano de 1947. Porém,

as roupas masculinas brasileiras também sofreram adaptações: nas ruas

quentes das capitais nacionais era comum utilizarem ternos nos tons mais

claros, como o bege, pérola, cinza e o branco de linho, porém, nos bailes eram

os tradicionais smokings pretos ou summers (na versão branca, mas com

menor uso). Os chapéus continuaram em voga e leves, feitos de feltro e pano

(BRAGA, 2011).

Entretanto, os grandes galãs do cinema que eram referência de moda

estavam trocando os sets de filmagens para a atuação no confronto da guerra.

Segundo a Cine-Magazine, de fevereiro de 1944 (Figura 25), produzido pelo

cronista Alex Viany, o desfalque dos astros masculinos do cinema advinha à

medida que eram convocados para atuar no front de batalha e deixavam a

indústria hollywoodiana. “O que passa entre Hollywood e a guerra: Os artistas

masculinos (...) do cinema dia a dia vão abandonando os seus empregos, à

medida que o Exército vem precisando da ajuda de todos” (A CIGARRA, 1944,

p.49). A convocação não deixava de lado os homens reconhecidos socialmente

e de grande poder aquisitivo, a necessidade remetia a todos aqueles que

estivessem com a saúde em dia para atuarem na ajuda ao país. “Como se

fossem uns simples comerciantes, ou outros tantos operários de uma indústria

qualquer. Todos devem ir à luta, na hora em que a Pátria se vê precisada de

cada um!” (A CIGARRA, 1944, p.49). Os belos do cinema agora atuavam como

galãs-soldados, como declara a crônica, em virtude do desfalque de atores em

função da guerra. Muitos deles sem qualquer treinamento ou experiência na

13

Bigode pequeno apenas acima da boca. Clark Gable foi o astro do filme E o Vento Levou, de

1939.

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atuação de batalhas, como muitos outros homens que foram fazer parte das

infantarias.

Figura 25: Cine Magazine. De Alex Viany. Atriz Joan Crawford.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, nº 119, fevereiro de 1944, p. 49.

Toda uma mobilização foi necessária além da perpetuação de

campanhas estimuladoras que foram evidenciadas nos diversos meios de

comunicação. A representação nacionalista construída com a imagem do galã

do cinema que partira para a guerra, reforçava o ato de bravura social pátrio

como um todo, perpetuando tais ideais nos espaços privados do ambiente

familiar através das revistas femininas. Estas não comunicavam apenas a

respeito de moda, beleza e atrizes do cinema, mas também sobre as

dificuldades e as lutas geradas pelos confrontos vindo da guerra e o quanto

estes aspectos estavam modificando a sociedade, no geral, chegando a

produzir uma baixa no número de atores para a indústria do cinema. Todos os

meios foram necessários para a construção do imaginário coletivo em favor da

pátria-mãe, inclusive no cinema, que cada vez mais se firmava como um

agente ideológico. Com o auxílio dos filmes as imagens passaram a ter um

grande poder apelativo de maneira direta, para produzirem no telespectador

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uma sensibilidade nacionalista que era extraída visivelmente das telas do

cinema.

Mesmo com toda a diversidade de gênero produzida nos filmes de

Hollywood, a propaganda política também estava inclusa nesta formação.

Durante os anos de 1930 e 1940, estes filmes tinham como característica

apresentar ao espectador um cenário representado de maneira idílica, calma e

harmoniosa, que vinha a ser ameaçado por forças exteriores com a finalidade

de destroçá-lo, mas que com toda bravura e esforço heróico destruíam-se os

inimigos. Uma fórmula destinada a obter grandes bilheterias que agregavam

os objetivos políticos do governo e o interesse da indústria do cinema para

conseguir cada vez público. Produções cinematográficas que, a grosso modo,

incentivavam a instalação da solidariedade aos Aliados e ódio aos inimigos

(LEITE, 2004).

Antes mesmo da Segunda Guerra, os Estados Unidos já produziam

filmes de teor antifascista. Um cinema altamente ideológico que fora visto não

apenas pela América e Europa aliada, mas também pelos inimigos de maneira

forçada. Como relata a crônica de Alex Viany no Cine-Magazine, em agosto de

1945 (Figura 26), Hollywood estava obtendo um importante papel na

reeducação do povo alemão. Longas metragens passaram a ser fornecidos

pelas principais produtoras e estúdios estadunidenses, de maneira

selecionada, a exibirem filmes do modo de vida nos Estados Unidos aos

prisioneiros nazistas. Fazendo parte da estratégia do exército dos Aliados para

a reorientação do povo adorador de Hitler e seus seguidores (A CIGARRA,

1945). Toda uma campanha voltada para o objetivo de apresentar e perpetuar

imagens do estilo social americano e demonstrar o quanto seria extraordinário

fazer parte desta cultura. Orientando os nazistas que o sistema, ao qual

pertenciam, tinha configuração negativa e que seria bom estar vivendo de

acordo com a democracia estadunidense.

Ainda, segundo a crônica de Alex Viany, inicialmente os estúdios de

Hollywood se recusaram a fornecerem filmes para tais finalidades, porém, o

Departamento de Guerra se impôs e Hollywood teve que liberar suas

produções. Alguns filmes começaram a passar ainda em setembro de 1944,

mas até agosto de 1945 haviam rodado mais de noventa filmes que “(...) já

foram vistos pelos nazistas em campo de concentração espalhados pelos

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Estados Unidos” (A CIGARRA, 1945, p. 49). Filmes que focavam na história e

na vida americana, que queriam legitimar o seu regime como melhor e superior

a qualquer outro no mundo. Demonstrando o orgulho patriótico da população e

as ações humanas que as definiam e se distinguiam dos nazistas.

Figura 26: Cine Magazine. De Alex Viany. Atriz Betty Grabble, 20th Century-Fox.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, Agosto de 1945, p. 49.

Um programa de reorientação produzido por meio de filmes, mas que foi

mais além, com livros, jornais, panfletos e conferências educadoras. Todos os

filmes escolhidos passaram antes por uma seleção especial do Departamento

de Guerra, a fim de destruir qualquer preconceito racista e religioso aos

nazistas, “dando-lhes uma demonstração do poderio das Nações Unidas e uma

comparação entre a democracia e o militarismo prussiano” (A CIGARRA, 1945,

p. 49).

Os filmes produzidos pelo cinema dos EUA, mas que poderiam remeter

a algum tipo de preconceito, aos próprios americanos, foram excluídos. Uma

seleção tendo por objetivo atingir os mais fanáticos nazistas a estarem sem

razões para duvidarem da democracia estadunidense. Dentre eles estavam “A

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111

Comédia Humana14”, “O Bom Pastor”, “A História de Alexander Graham Bell15”,

“A Tree Grows in Brooklyn” e “O Libertado”. Dos filmes que abordavam o

assunto da Segunda Guerra foram selecionados apenas aqueles que

apresentavam a guerra no Pacífico, sendo uma forma de provocar a separação

entre os alemães e japoneses (A CIGARRA, 1945).

Uma propaganda ideológica que envolveu, não apenas o cinema, mas

diversos outros meios de comunicação no complexo processo de mensagens a

favor do governo americano. Uma reeducação projetada pelos estadunidenses

com objetivo de promoverem a difusão de ideias contra o nazismo, colocando-o

como sistema inferior e perigoso que deveria ser combatido.

Entre o período da Segunda Guerra Mundial, de fato se consolida a

indústria do cinema dos EUA, com brilhantes produções que invadiram também

as telas da Europa arrasada. Porém, Hollywood nunca deixou de ser política

em suas produções, no geral, sempre ligada às ideias de lado conservador e

de direita (CALIL, 1996). Não só filmes extremamente conservadores foram

apresentados aos prisioneiros nazistas, mas outros meios áudios visuais

fizeram parte da campanha, com documentários e séries, como Assim é a

América, e todos eles continham a narração no idioma alemão. Ainda, de

acordo com a crônica, foram relatados casos de alemães que não queriam

assistir filmes do seu país, pois, alguns filmes de origem alemã que

evidenciavam a democracia estadunidense foram apresentados e eles

“exigiam” apenas as produções americanas. Além disso, segundo o cronista,

ao lerem jornais que mostravam campos de batalha e os assassinatos

promovidos pelos nazistas, os alemães chegavam a produzirem vaias,

(...) dizendo que aquilo era propaganda. Outros assistiram a tudo calados e estarrecidos. Uma minoria desatou a chorar. Reação semelhante tem sido observada na própria Alemanha, onde alguns filmes americanos e ingleses já começaram a ser exibidos (A CIGARRA, 1945, p.138).

Os principais tópicos da ideologia estadunidense são levados pelo

sentido prático da liberdade, porém, estão sempre atrelados a diversos freios

que estipulam a sua tirania e proíbe qualquer outra forma ideológica. A crônica,

14A comédia Humana é de 1943, e retrata uma pequena cidade dos Estados Unidos, na qual um dos membros da família luta na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial. 15

A História de Alexander Graham Bell é de 1939, e conta a historia de paixão entre uma deficiente auditiva e um homem que passa a estudar meios de telegrafar a voz humana.

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ao afirmar que os alemães sofriam com os horrores produzidos na guerra,

garantia o poder que os Estados Unidos detinham em modificar até mesmo as

ideologias inimigas. Pode-se dizer que se trata de um ponto de vista um pouco

adverso ao alegar que os inimigos modificaram seus ideais, porém, o principal

objetivo da crônica é representar o poder do cinema junto ao Estado na

substituição dos valores ditatoriais para os democráticos nacionalistas.

Tais reportagens produzem um orgulho nacional para a adequação

social do inimigo, de acordo como a ideologia estadunidense. Promovendo

uma “reeducação” do povo alemão, porém, a crônica apontou que nem todos

aceitavam tais mudanças, e afirma a preocupação com aqueles que não

produzem nenhum tipo de reação.

Naturalmente, deve-se temer principalmente o nazista que não reage: é o que sabe estar diante da verdade e a aceita como uma coisa natural. Alguns dos que protestam também devem caber nessa categoria, mas os outros sinceros em sua crença de que os campos fúnebres dos nazistas são “fabricados” em Hollywood. Os que choram são, logicamente, os mais impressionáveis, culpados ou não. Algum filme de pura diversão tem sido exibido para os nazistas. Mas os psicólogos do Departamento da Guerra afirmam que isso também os ajuda na gigantesca e quase impossível obra de reorientar os órfãos de Hitler. Talvez dez anos se passem antes que um ex-soldado nazista escreva para a 20th. Century-Fox, pedindo um dos famosos “pin-ups” de Betty Grable. Nesse dia, porem, Hollywood saberá que conquistou a maior vitoria de toda a sua campanha (A CIGARRA, 1945, p.138).

Uma propaganda que tende a difundir uma nova ideologia ao inimigo,

estimulando na sociedade a crença de que eles, em sua maioria, podiam ser

modificados para o “bem”. Todos estes elementos atuavam não apenas aos

inimigos de guerra, mas também, em todo o mundo, aplicado de maneira

apenas um pouco mais sutil, estipulando inicialmente a língua como referência

mundial, depois os costumes e padrões comportamentais em diversas culturas.

Segundo Paiva (2005), a indústria do entretenimento de Hollywood se

assemelha a uma espécie de segunda pele da cultura estadunidense, tanto em

aspectos pragmáticos, funcionais e democráticos como também nos valores

narcisistas, compulsivos e consumistas. Existindo, evidentemente, um

componente imperialista na ideologia do cinema hollywoodiano, e no campo de

comunicação que atua no plano da representação social.

As produções industriais hollywoodianas continham, no geral, dimensões

guerreiras, envolvendo um homem viril como sinônimo de alusão. Os filmes

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que vinculam a guerra às produções cinematográficas concebiam um caráter

expansionista sobre um território imaginário de dominação. Uma estrutura

predominante que introduz a sua cultura como uma conseqüência fundamental,

do reconhecimento e identificações de outras que não poderiam ser superiores

(KEHL, 1996). Toda ideologia aplicada sobre os nazistas prisioneiros que

glorificava Hitler teria, agora, que se redimir em função da condição como se

encontravam na prisão do inimigo.

O fim da Segunda Guerra Mundial está oficialmente relacionado à

rendição total do Japão, em Agosto de 1945, com o lançamento das duas

bombas atômicas. Entretanto, para os países europeus, a guerra quase foi

finalizada por completo, em julho de 1944, quando desembarcaram as tropas

anglo-americanas na Normandia, chegando a Paris e depois até a Alemanha.

Com Hitler derrotado e sendo procurado pelos Aliados, a revista A

Cigarra publica, em Dezembro de 1944 (Figura 27), uma reportagem com os

artistas da Broadway para responder - QUE FAZER DE HITLER?, e o mundo

se perguntava o que fazer do ditador nazista, que veio a se suicidar somente

em 25 de Abril de 1945.

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Figura 27: QUE FAZER DE HITLER? – Artistas da Broadway respondem a uma pergunta que atualmente faz sentido no mundo.

Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”, s/nº, dezembro de 1944, p. 56.

Na cidade de New York situa-se o grande teatro musical dos Estados

Unidos, a Broadway. Muitos dos atores e atrizes que atuavam em Hollywood

iniciaram ou seguiam atuando nas peças do teatro, inclusive a luso-brasileira

Carmem Miranda. Ao transmitir o discurso produzido pelos atores sobre o que

deveriam fazer com Hitler, evidenciava-se a revolta mundial quanto aos atos de

crueldade dos nazistas alemães, desde o inicio da guerra, em 1939. A

imprensa durante os últimos períodos da guerra relatava o poder e a força

alemã no território inimigo, com dezenas de fotos de mortos, principalmente

dos campos de concentração, sendo publicadas inclusive nas páginas d‟A

Cigarra.

Segundo a atriz Amy Arnell, uma das grandes estrelas do rádio e da

Broadway que, durante 1944 atuava no papel principal da peça Bigger Than

Barnun, qualquer tipo de punição a Hitler não seria suficiente má, pois, não

deveria haver qualquer julgamento que poderia vir a apaziguar seus atos. Para

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a atriz todos os atos deveriam valer tanto para os alemães quanto para os

japoneses, mais o pior dos castigos deveriam ser direcionados mesmo a Hitler,

“Espancá-lo até ficar em pedaços, até que ele morra sofrendo! (...) Não pense

que eu gosto de barbaridades, mas no caso do monstro nazista acho que

ninguém é bondoso” (A CIGARRA, 1944, p.56). Uma revista feminina

perpetuando um discurso de violência por mulheres de grande

representatividade social, projetando uma ilusão das conseqüências que

deveriam ser realizadas sobre o Eixo, no fim da guerra. A importância aos atos

repressores que caberiam somente aos líderes mundiais decidirem, a revista

passa a dar voz aos discursos violentos que se poderia esperar de pessoas

que estiveram diretamente ligadas ao front, e não por belas atrizes pregando

ainda mais violência.

Dando margem a um papel agressivo, mas que ao mesmo tempo era

esperado da sociedade como um todo, a feminilidade que soube agir nos

tempos difíceis da guerra, agora ganha maior representatividade através da

firme postura sobre o inimigo. O suicídio de Hitler era colocado então, como

uma das opções do líder nazista e, a cada momento que os Aliados chegavam

mais perto, um assunto discutido mundialmente. “Mas, voltando à vaca fria –

isto é, a Hitler – êle talvez se suicide, todas dizem. Só eu não acredito, porque

os tiranos são sempre covardes” (A CIGARRA, 1944, p.56). O plano nazista de

Hitler foi se dissolvendo, junto com o extermínio do povo judeu, à medida que a

doutrina alemã estava perdendo força.

Manifestações foram emitidas pelos países Aliados em virtude dos

crimes cometidos, durante a Segunda Guerra, e revelavam a sua disposição

em punir os criminosos. Ainda no decorrer da guerra, dirigentes

estadunidenses e ingleses declaravam formas com as quais pretendiam

classificar todos os atos dos crimes cometido pelo Eixo, levando os suspeitos a

julgamento e promover o castigo aos culpados de maneira severa. Os Aliados

declaravam, ainda, que iriam “desnazificar” a Alemanha, afastando do convívio

social quaisquer nazistas e que iriam construir uma nova Alemanha sem

nazistas. (PORAR, 1995). As formas de julgarem os culpados da guerra, vindos

através da indústria do entretenimento, promoviam um discurso direcionado

para as mulheres sobre os acontecimentos que estavam sendo noticiados em

todo o mundo, se convertendo em uma propaganda política na construção

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ideológica promovida pelos grandes atores e atrizes estadunidenses, que cada

vez mais passavam a alcançar grande influência sobre as leitoras brasileiras.

Um discurso de revolta e intolerância aos atos alemães repercutia cada

vez mais no mundo e, ainda segundo a crônica, para a atriz e cantora da

Broadway, Imogene Carpenter, Hitler deveria ser entregue ao povo polonês

para sofrer imensas torturas, ou comparecer diante de um tribunal e como

advogado Stálin, pois, nenhuma outra pessoa iria defendê-lo. “Hitler não tem

defesa a não ser, talvez, a sua loucura. Pois bem, Hitler é louco! Mas nós

exterminamos os cães loucos! Seria um ultraje se Hitler ficasse tão solto

quanto o „inocente‟ Kaiser” (A CIGARRA, 1944, p.56). A influência

estadunidense ganhava cada vez mais força no Brasil, quase como um modelo

de discurso oficial, que repercutia em todo o mundo e era manifestado em

diversos grupos sociais. Um discurso que chegou às revistas femininas que

tratavam, diretamente ou indiretamente, sobre as importantes questões

vinculadas durante a Segunda Guerra Mundial ao Brasil.

Noticiários no Brasil, vindos das produções estadunidenses, foram ainda

mais alimentados após a entrada do país na guerra e teve como efeito a

influência sobre as relações culturais brasileiras. Uma pequena abertura

ocorreu ainda no âmbito da Primeira Guerra Mundial, com elementos como a

música e dança, porém, com pouca intensidade e não podendo ser comparada

com a influência francesa durante um longo período no Brasil. O American way

of live não estava no cotidiano dos brasileiros, contudo, as agência americanas

aqui instaladas foram modificando os valores e o estilo de vida nacional.

Nelson Rockfeller foi um dos expressivos chefes destas agências que tinha por

objetivo estreitar os laços culturais entre os Estados Unidos e o Brasil. Desta

forma, durante os últimos anos do Estado Novo, houve um grande intercâmbio

artístico entre os dois países e os principais símbolos de toda esta relação

foram a cantora e atriz Carmem Miranda e o desenho animado do Zé Carioca

(GERTZ, 1999).

Conjuntos de ações políticas estadunidenses foram penetrando no Brasil

e, também em toda a América Latina, firmando-se durante a década de 1940. A

ideologia do american way of live se deu principalmente através dos meios de

comunicação, como os jornais, revistas e cinemas. Meios com grande

capacidade de reprodução ideológica que foi ampliada e levada a favor do

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governo de Getúlio Vargas pelas entrelinhas dos discursos da guerra que

enfatizavam, em diversos noticiários, as situações que vinham decorrendo

durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente, depois da entrada oficial

do Brasil em 1942.

Direcionado ao público feminino através da revista feminina A Cigarra, o

assunto da guerra adentrou de forma efetiva os ambientes domésticos,

participando das construções dos diferentes discursos de feminilidade, trabalho

e nacionalismo, tão presentes no contexto, e cujas ideologias eram aliadas aqui

às figuras ilustres da sociedade ou do cinema. Publicações que infiltraram o

discurso da guerra em secções destinados à moda, ao cinema e também nas

publicidades da época, apontando o valor feminino de acordo com os princípios

nacionalistas, advindos da formação do Estado Novo e a preocupação da

formação de uma nação brasileira unida e coesa.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Enquanto houver um transmissor, a mensagem e o receptor nos meios

de comunicação, a mídia irá sempre exercer uma forte influência sobre a

sociedade além daquilo que poderíamos vir a imaginar. Devido principalmente

a sua estrutura, que inclui discursos expressos de forma direta ou indireta

através da publicidade ou conteúdo editorial de uma revista, por exemplo,

tende a construir como “naturalizados” os valores dominantes, introduzidos por

discursos representados por textos e imagens, carregando por símbolos e

signos que expressam um modo de pensar, se construindo como linguagem

em meio a uma intertextualidade ideológica.

Segundo Barthes (apud MARTINO, 2009), conhecer as estruturas

sociais que produzem um discurso, é saber construir uma fundamentação para

a identificação crítica ideológica, ao qual o meio se apóia, e que se encontra

manifestada por uma ambiguidade do discurso, que possibilita uma espécie de

auto-ocultamento, vinculadas muitas vezes em formas e ações diferentes de

práticas mais comuns. Dar sentido a estes textos permite a observação de

disfarces ou dissimulações, postulados como neutros. Entretanto, estão

fazendo parte de uma dupla fase de linguagem, com representações e

criações, que deixam abertas possibilidade de um uso político ao estabelecer

uma realidade discursiva considerada como única.

Desta forma, procurou-se evidenciar neste trabalho a estrutura da revista

A Cigarra e o seu poder de voz perante a sociedade brasileira na década de

1940, com a seleção de um recorte temporal da Segunda Guerra Mundial, no

Brasil (1942 – 1945). Após uma longa pesquisa que contou com o

levantamento de diversas imagens, crônicas e reportagem sobre temas

referentes à política, educação, saúde, beleza, moda e cinema, partiu-se da

perspectiva do grande conflito mundial direcionado exclusivamente aos

interesses femininos.

Buscou-se, então, demonstrar o poder de uma revista feminina em

evidenciar tais direcionamentos em prol de um beneficiamento social, que

cativavam suas leitoras utilizando estereótipos da feminilidade, como o instinto

maternal, a bondade social do amor e da cura, a zeladora familiar que agora

deveria se transformar na protetora do país. Um discurso produzido e vinculado

nas revistas femininas, dos países norte americanos e europeus, que viviam

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diretamente sob intensa apreensão e medo social, copiado no Brasil pelo

governo de Vargas, cujos interesses na união nacional viam, na mulher, o

ponto ideal de convergência familiar.

Um discurso pouco condizente para a nossa realidade, visto que o Brasil

entrou na guerra de maneira quase simbólica, em relação ao todo gerado no

conflito. A participação feminina brasileira veio a ocorrer somente para a

atividade de enfermagem, junto à Cruz Vermelha, no auxilio de soldados

brasileiros na Itália. Entretanto, a imagem da mulher forte e compenetrada, na

ajuda nacionalista, eram produzidas e publicadas com imagens e palavras com

alto grau de convencimento. Uma imagem constantemente reforçada nos

espaços privados dos âmbitos familiares, que auxiliou na disseminação de

concepções morais por instaurações de um discurso nacionalista nas páginas

da revista. Um canal facilitador do processo de comunicação com o feminino,

que modela por meio do seu poder de sedução e atinge diretamente o campo

do imaginário social, veiculando propagandas como arma política de grande

abrangência, que facilmente eram absorvidas e projetadas socialmente.

Os conteúdos editoriais das revistas femininas eram produzidos por uma

perspectiva masculinizada, reforçando concretamente o conservadorismo

social. Sem dúvida, as seções de interesses femininos designados à beleza,

vaidade e o consumo, auxiliavam no estilo de mulher do período publicado

claramente expressados em opiniões de autores das crônicas e reportagens

d‟A Cigarra. Definido as mulheres, em sua maioria, em posições destinadas

apenas ao papel de esposa, discursava o vestir bem para ser notada e

alcançar um bom partido, ou, então, a conservação da beleza para manter

sempre vivo o casamento. Havia, como contraponto, aos modelos sociais

conservadores e instituídos legalmente, a luta pelo voto e o trabalho externo à

casa, mas ainda prevalecia as atividades atreladas ao ambiente domésticas,

visto que o trabalho fora de casa desfavorecia as ditas elegantes, pela revista.

A representatividade além do âmbito familiar é evidenciada, durante o

Estado Novo, que passa a modificar tais parâmetros, utilizando o discurso de

coragem e amor pátrio feminino, em prol da solidariedade, fraternidade e

dedicação àqueles que agora necessitam ser ajudados. Um forte elemento de

propaganda política que Getúlio Vargas perpetuou durante a Segunda Guerra:

discurso vinculado por meio da mídia como um programa de ensino e ideias

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que correspondiam à civilidade em prol da unidade nacional, como uma

conduta de referência social. Uma ideologia nacionalista de sentimento pátrio,

estruturado na instrumentalização do sentimentalismo ao amor nacional que

visava atos de homogeneidade culturais e lingüísticos.

O discurso nacionalizador, reservado em vários espaços e temas da

revista A Cigarra, discursava ideais de acordo com os interesses do governo

brasileiro, publicados em seções destinadas à moda e ao estilo de vida

referentes a modelos estrangeiros, como aqueles disseminados pelo cinema

hollywoodiano. Sendo que um dos pontos mais relevantes desta pesquisa,

quando observou-se que nestes conteúdos, aparentemente supérfluos do

feminino, se passou a representar por meio do fenômeno moda um discurso de

beleza e feminilidade para além do “ser” bela, pois, agregou-se à mensagem

um “ser e ter” belo e patriótico, em prol de todas as causas sociais do conflito.

As revistas femininas estão atreladas ao instrumento de perpetuação

capitalista do consumo. As páginas das revistas femininas têm como corrente

principal, a moda, que estabelece e transforma significados, conduzidos

segundo conflitos sociais e políticos muitas vezes não resolvidos (RABINE,

2002). Define-se através deste espaço de referência feminina uma mulher de

beleza patriótica que emerge com uma moda militarizada, segundo os modelos

internacionais da época, e que exalta a nação, numa época em que o Brasil,

com o Estado Novo, vivifica a união nacionalista, florescendo um patriotismo

atribuído de maneira sugestiva.

A revista A Cigarra que, durante muitas décadas, influenciou a elite

brasileira em diversos centros urbanos, manteve, em seu percurso, uma visão

conservadora da sociedade e, perpetuando os bons costumes dentro da

proposta de modernidade nacional, expressou diretamente as ideologias do

sistema nos materiais produzidos no contexto estudado. Diversos aspectos

sociais foram oprimidos, na medida em que não havia publicações de assuntos

que poderiam vir a causar alguma inversão de valores, como a igualdade de

direitos entre homens e mulheres e amplitude de espaços de trabalho no

mercado. Notícias que ecoavam timidamente e as excluíam de decisões de

maiores proporções sociais, apagando as vozes daquelas que lutavam contra

os comportamentos padronizados da bela mulher moderna, que servia ao

marido e aos filhos, excluindo socialmente as trabalhadoras de baixa renda.

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Nas imagens e textos aqui analisados, a mulher, mesmo trabalhando

pela nação, é sempre a força por trás do homem, o apoio externo, contudo, o

foco está nele, ou na falta dele, na Pátria. Ela e a Pátria são duas mães que se

apóiam para sustentar e manter a família durante a crise. Textos e imagens

que discursaram sobre o feminino no contexto da Guerra, estipulando novas

formas de feminilidade que, apesar de ainda atreladas à indústria da moda e

do consumo, permitem visualizar um patriotismo que deve ser exercido no dia a

dia, nas “hortas da guerra” cultivadas nos quintais, nas economias, em tecidos

e materiais, no orgulho pelas vitórias dos aliados e nas discussões sobre que

fim dar a Hitler enquanto executavam suas tarefas cotidianas - todas estas

pequenas coisas, acrescidas do discurso patriótico fortalecido pela revista A

Cigarra, se tornaram parte do discurso sobre o ser feminino engajado e

nacionalista.

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9 PERIÓDICOS

REVISTA A CIGARRAMAGAZINE. Edições de 1942 a 1946. Rio de Janeiro: Editada pela Empresa Gráfica “O Cruzeiro” S. A.