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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA 12 DOM ZACARIAS KAMWENHO Figura em Destaque Pág. 07 Dr a ANACLETA PEREIRA Entrevista Pág. 12 CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS ANGOLANOS Reflectindo Pág. 16 Ellen Johson Sirleaf LIBÉRIA - Presidente da República Figura em Destaque no Mosaiko Inform 11 BOAS PRÁTICAS CONSTITUCIONAIS O Prémio Nobel da Paz de 2011, atribuído a três mulheres de diferentes partes do mundo, mas com destaque para o continente africano, veio confirmar quanto as boas práticas de implementação de Direitos Humanos são fundamentais para a consolidação constitucional em qualquer país. Tawakkul Karman IEMEN - Activista da “Primavera Árabe” Leymah Gbowee LIBÉRIA - Militante pela Paz

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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA

12

DOM ZACARIAS KAMWENHOFigura em Destaque Pág. 07

Dra ANACLETA PEREIRAEntrevista Pág. 12

CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS ANGOLANOSReflectindo Pág. 16

Ellen Johson Sirleaf LIBÉRIA - Presidente da República

Figura em Destaque no Mosaiko Inform 11

BOAS PRÁTICAS CONSTITUCIONAIS

O Prémio Nobel da Paz de 2011, atribuído a três mulheres de diferentes partes do mundo, mas com destaque para o continente africano, veio confirmar quanto as boas práticas de implementação de Direitos Humanos são fundamentais para a consolidação constitucional em qualquer país.

Tawakkul KarmanIEMEN - Activista da “Primavera Árabe”

Leymah GboweeLIBÉRIA - Militante pela Paz

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índice

PaRa quE a constituição DE um País sEja boa, é PREciso quE Ela EstEja FunDaDa sobRE os DiREitos humanos E, EviDEntEmEntE, quE os PRotEja.

”Emmanuel Mounier

FIChA TÉCNICA

PROPRIEdAdEMOSAIKO | Instituto para a Cidadania

NIF: 7405000860Nº dE REGISTO: MCS – 492/B/2008

REdACçãODesidério Segundo

Fernando DomingosFlorência Chimuando

Hermenegildo TeotónioMaria Fernanda

Luís de França, op

COLABORAdORESBarros Manuel

Dr. António VenturaMónica Guedes

Noé KinangaPe. Clément

MONTAGEM GRÁFICAGabriel Kahenjengo

CONTACTOSBairro da Estalagem - Km 12 | Viana

Fax: (00244) 222 371 598TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546

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dISTRIBUIçãO GRATUITA

Os artigos publicados expressam as opiniões dos seus autores, que não

são necessariamente as opiniões do Mosaiko | Instituto para a Cidadania.

COM O APOIO

editorialJúlio Candeeiro, op

informandoPrincípios fundamentais do Estado Noé Kinanga

estórias da históriaGenocídio no Ruanda | Paulo Silva

figura de destaqueDom Zacarias Kamwenho | Mónica Guedes

construindoO Processo de demolições e realojamento na Matala Barros Manuel

entrevista Entrevista com a Dra Anacleta Pereira Hermenegildo Teotónio

reflectindo A Constituição na vida dos Angolanos Pe. Mulewu Clément

Os Tratados Internacionais dos Direitos Humanos Dr. António Ventura

breves

MOSAIKO INFORM Nº 12 - sETEMbRO 2011 TEMA: bOAs PRáTICAs CONsTITuCIONAIs

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editorial

Estimado leitor/a

A última edição do Mosaiko Inform foi dedicada ao 30º aniversário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e ao lançamento da nova identidade do Mosaiko | Instituto para a Cidadania, interrompendo, por esse facto, o ciclo de reflexão sobre o 1º aniversário da Constituição da República de Angola, promulgada em Fevereiro de 2010.

A presente edição retoma o ciclo. Constituição, como foi dito em edições anteriores, é a lei base de todo o conjunto de pessoas organizadas em sociedade. A Constituição é, deste modo, garante do espaço e o universo no qual somos chamados a conjugar o exercício dos nossos deveres e o gozo dos nossos direitos. Pela nossa Constituição dizemos com Shelley (1812) que os “governos não têm direitos próprios em relação aos seus individuos. Eles são delegados pelos indivíduos para poderem assegurar e garantir os direitos dos cidadãos”. A Constituição é por isso fonte de direito e é garante da obrigatoriedade do respeito dos direitos e liberdades fundamentais da parte do Estado e do cidadão.

A Constituição traça os marcos para a interpretação das normas dos direitos fundamentais. Mulewu Clement, OMI destaca o papel importantissimo da Constituição e chama atenção para a sua observação imparcial. Todos são iguais perante a lei e chamados a respeita-la. Porém as Constituições, mesmo tendo a preservação da soberania como um dos seus princípios fundamentais, não deixam de se render à evidência de que o reconhecimento internacional passa, cada vez mais, pela atenção dada à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. No artigo “Os Tratados Internacionais e a

CONSTITUIÇÃO E DEVER DE CIDADANIA

Júlio Gonçalves Candeeiro, op

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ASSOCIAçÕESGuia PaRaEncontRosDE FoRmação

NOVA PUBlICAÇÃOAdquira já!

Constituição de Angola”, António Ventura apresenta-nos a lista de tratados e protocolos de que Angola é signatária, e chama a atenção para a urgência do cumprimento dos tratados internacionais já assumidos e a necessidade de se ratificarem documentos importantes, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo e a Convenção Internacional para a Protecção de todos os Desaparecimentos Forçados de Pessoas. Noé Kinanga apresenta-nos os princípios fundamentais da Constituição de Angola. Anselmo Borges reflecte sobre a Declaração Universal dos Deveres Humanos e chama a atenção para a necessidade de olharmos não só para os nossos direitos mas também para os direitos dos outros e para os nossos deveres. Do seu texto retiramos a ideia de que, pelo direito e pelo dever de cidadania, todos são chamados a participar na vida pública porque “o que diz respeito a todos deve ser tratado por todos”. Esta interacção e conjugação de interesses entre os Estados e os cidadãos, por um lado, e a crescente necessidade de se envolver os cidadãos na gestão do bem comum, por outro, obriga-nos a fazer menção, mais uma vez, ao tema da cidadania. Sobre este assunto é incontornavel a leitura da entrevista da Dra Anacleta Pereira ao Mosaiko Inform. Nesta edição, é figura de destaque D. Zacaria Kamwenho. Barros Manuel partilha connosco a experiência positiva das demolições ocorridas na Matala (Huíla), graças ao contributo do Núcleo de Direitos Humanos daquele municipio e à abertura da administração local. Na verdade, a nossa primeira forma de participar é conhecer.

Boa leitura.

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Os princípios fundamentais do Estado angolano estão consagrados no Título I da CRA - Constituição da Re-pública de Angola. Começam no artigo 1º e terminam no artigo 21º. Estes princípios são os seguintes:

1. A denominação do Estado: Este princípio designa o nome do Estado angolano: República de Angola. É uma designação que começou a vigorar desde 1992, com a implantação do Estado democrático e de Di-reito. Somos um Estado democrático porque o poder pertence ao Povo e de Direito porque é um Estado di-rigido por leis.

2. O regime político vigente: É também denominado “Regime Democrático”, ou seja, é o regime que rege toda organização político-social do Estado angolano e vem reforçar a ideia que a Democracia significa poder do Povo.

3. A soberania popular: A soberania é a capacidade que os Estados têm de decidir sobre seus assuntos in-ternos e externos. A soberania é popular porque está intimamente ligada à democracia.

4. A organização do território: Este princípio consagra a organização político-administrativa do país, isto é, a divisão territorial de Angola em Províncias e Municí-pios, podendo haver comunas. Cabe a Assembleia Na-cional aprovar as leis que poderão alterar a estrutura político-administrativa das Províncias.

5. A supermacia da Constituição e legalidade: A Cons-tituição goza de uma posição hierárquico-normativa superior em relação as demais normas. Esta posição hierárquico-normativa caracteriza-se em três pers-pectivas fundamentais que são:

1ª a Constituição constitui uma lex superior (lei lex superior (lei lex superiorsuperior), que encontra o fundamento de vali-dade em si própria (autoprimazia normativa);

2ª as normas da constituição são normae norma-rum (a norma das normas), sendo a fonte de produção jurídica de outras normas.

3ª sobre a Constituição vigora o princípio da con-formidade, ou seja, todas as demais normas devem estar em conformidade com ela, sob pena de inconstitucionalidade.

6. O Costume: Costume é toda a prática reiterada e constante, com convicção de obrigatoriedade. Todo acto para ser considerado um costume, deve existir há um tempo considerável e a sua prática deve ser obrigatória e promotora da dignidade da pessoa hu-mana, sob pena de inconstitucionalidade.

7. A Nacionalidade: A nacionalidade é o vínculo jurí-dico que liga um cidadão a um Estado e daí resulta a sua cidadania plena. A nacionalidade angolana pode ser originária ou adquirida. A nacionalidade ango-lana é adquirida por motivos de filiação, quando os filhos de pai e mãe que adquiriram a nacionalidade angolana o solicitem, por adopção quando este é fei-to plenamente por um angolano, aquisição por casa-mento e por naturalização. Perdem a nacionalidade angolana os que voluntariamente adquirem uma na-cionalidade estrangeira e manifestam a pretensão de não querer ser angolanos, os que exerçam funções de soberania a favor de Estado estrangeiro sem autori-zação da Assembleia Nacional, os filhos menores de

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informandoPRINCÍPIOS FUNdAMENTAIS dO ESTAdONoé Kinanga

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nacionais angolanos nascidos no estrangeiro e que ao atingirem a maioridade, manifestarem a pretensão de não ser angolanos e os adoptados plenamente por cidadãos estrangeiros se, ao atingirem a maiorida-de, manifestarem a pretensão de não ser angolanos. Readquire a nacionalidade angolana aquele que a te-nha perdido em razão da declaração da vontade dos pais, durante a menoridade, podendo readquiri-la por opção, após o termo da incapacidade, provando que tem a residência estabelecida em território angolano há, pelo menos, um ano ou quando este é requerida e readquirida por deliberação da Assembleia Nacional.

8. laicidade: A laicidade é a separação entre o Estado e a Igreja nos termos da lei. Quer dizer que o Estado angolano não é confessional, ou seja, não adoptou uma religião oficial. A separação entre o Estado e a Igreja não significa rivalidade, pois o Estado cria leis que garantam a actividade das igrejas e protege-as contra actos que ponham em causa a liberdade de culto. Por sua vez, as igrejas não podem determinar o exercício do poder político do Estado.

9. Direito Internacional: Significa que o Estado angola-no não está isolado. Está interligado a outros Estados e outras organizações internacionais. É por isso que as normas da Constituição da República de Angola são interpretadas e aplicadas de harmonia com as conven-ções e tratados internacionais ratificados por Angola.

10. A Terra: A terra constitui propriedade originária do Estado. Os particulares podem adquirir o direito de propriedade sobre um terreno, mediante um re-querimento dirigido às autoridades competentes do Estado ou mediante o domínio útil consuetudinário se o terreno pertence a uma comunidade rural.

11. Recursos Naturais; Os recursos naturais são pro-priedade do Estado, que determina as condições para a sua concessão, pesquisa e exploração, nos termos da Constituição, da lei e do Direito Internacional. O direito de propriedade do Estado sobre os recursos naturais é intransmissível.

12. Partidos políticos: A organização dos partidos po-líticos deve obedecer à Constituição e a lei, concor-rendo em torno de um projecto de sociedade e de um programa político para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, participando na

vida política e na expressão do sufrágio universal, por meios democráticos e pacíficos, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade na-cional e da democracia política.

13. Símbolos Nacionais: Símbolos nacionais são: a bandeira, a insígnia nacional e o hino nacional, sím-bolos da soberania e da independência nacional, da unidade e da integridade da República de Angola.

14. Tarefas Fundamentais do Estado: Estas tarefas são: garantir a independência nacional, a integrida-de territorial e a soberania nacional; assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais; criar condições necessárias para tornar efectivos os direi-tos económicos e culturais dos cidadãos; promover o bem-estar do povo angolano; promover a erradicação da pobreza; garantir saúde e ensino gratuito para to-dos; investir na pessoa humana com destaque para o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens; assegurar a paz e a segurança nacional; promover o princípio da igualdade; defender a democracia; pro-teger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem africana.

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“São tarefas fundamentais do Estado: garantir a independência nacional, a integridade territorial e a soberania nacional; assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais; criar condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos e culturais dos cidadãos; promover o bem-estar do povo angolano; promover a erradicação da pobreza; garantir saúde e ensino gratuito para todos; investir na pessoa humana com destaque para o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens; assegurar a paz e a segurança nacional; promover o princípio da igualdade; defender a democracia; proteger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem africana.”

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Falar de direitos, não chega. Não há direitos sem deve-res, por isso nos dias de hoje alguns propõem também uma: “Declaração Universal dos Deveres Humanos”. Para superar a crise e para que a esperança não seja mera ilusão, precisamos todos de ser fiéis às nossas responsabilidades e cumprir os nossos deveres.

Já na discussão do Parlamento revolucionário de Paris sobre os direitos humanos, em 1789, se tinha visto que “direitos e deveres têm de estar vinculados”, pois “a tendência para fixar-se nos direitos e esquecer os deveres” tem “consequências devastadoras”.

Foi assim que, em 1997 e após debates durante dez anos, o Interaction Council (Conselho Interacção) de antigos chefes de Estado e de Governo, como Maria de Lourdes Pintasilgo, V. Giscard d’Estaing, Kenneth Kaunda, Felipe González, Mikhail Gorbachev, Shimon Peres, fundado em 1983 pelo primeiro- -ministro ja-ponês Takeo Fukuda, sob a presidência do antigo chanceler alemão Helmut Schmidt, propôs a Declara-ção Universal dos Deveres Humanos. Na sua redac-ção, teve lugar destacado o teólogo Hans Küng.

O Preâmbulo sublinha que: o reconhecimento da dig-nidade e dos direitos iguais e inalienáveis de todos implica obrigações e deveres; a insistência exclusiva nos direitos pode acarretar conflitos, divisões e lití-gios intermináveis, e o desrespeito pelos deveres hu-manos pode levar à ilegalidade e ao caos; os proble-mas globais exigem soluções globais, que só podem ser alcançadas mediante ideias, valores e normas respeitados por todas as culturas e sociedades; todos têm o dever de promover uma ordem social melhor, tanto no seu país como globalmente, mas este objec-tivo não pode ser alcançado apenas com leis, prescri-ções e convenções. Nestes termos, a Assembleia Ge-ral proclama esta Declaração, a que está subjacente “a plena aceitação da dignidade de todas as pessoas, a sua liberdade e igualdade inalienáveis, e a solida-riedade de todos”, seguindo-se os seus 19 artigos, de que se apresenta uma síntese.

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estórias da históriadECLARAçãO UNIvERSAL dOS dEvERES hUMANOSPe. Anselmo Borges

1. Princípios fundamentais para a humanidade. Cada um/a e todos têm o dever de tratar todas as pessoas de modo humano, lutar pela dignidade e auto-estima de todos os outros, promover o bem e evitar o mal em todas as ocasiões, assumir os deveres para com cada um/a e todos, para com as famílias e comunidades, raças, nações e religiões, num espírito de solidariedade: não faças aos ou-tros o que não queres que te façam a ti.

2. Não violência e respeito pela vida. Todos têm o de-ver de respeitar a vida. Todo o cidadão e toda a au-toridade pública têm o dever de agir de forma pa-cífica e não violenta. Todas as pessoas têm o dever de proteger o ar, a água e o solo da terra para bem dos habitantes actuais e das gerações futuras.

3. Justiça e solidariedade. Todos têm o dever de com-portar-se com integridade, honestidade e equida-de. Dispondo dos meios necessários, todos têm o dever de fazer esforços sérios para vencer a pobre-za, a subnutrição, a ignorância e a desigualdade, e prestar apoio aos necessitados, aos desfavore-cidos, aos deficientes e às vítimas de discrimina-ção. Todos os bens e riquezas devem ser usados de modo responsável, de acordo com a justiça e para o progresso da raça humana.

4. Verdade e tolerância. Todos têm o dever de falar e agir com verdade. Os códigos profissionais e ou-tros códigos de ética devem reflectir a prioridade de padrões gerais como a verdade e a justiça. A liberdade dos media acarreta o dever especial de uma informação precisa e verdadeira. Os represen-tantes das religiões têm o dever especial de evitar manifestações de preconceito e actos de discrimi-nação contra as pessoas de outras crenças.

5. Respeito mútuo e companheirismo. Todos os ho-mens e todas mulheres têm o dever de demonstrar respeito uns para com os outros e compreensão no seu relacionamento. Em todas as suas varie-dades culturais e religiosas, o casamento requer amor, lealdade e perdão e deve procurar garantir segurança e apoio mútuo. O planeamento familiar é um dever de todos os casais. O relacionamento entre os pais e os filhos deve reflectir o amor mú-tuo, o respeito, a consideração e o cuidado.

“...todos têm o dever de promover uma ordemsocial melhor,tanto no seu país como globalmente, mas este objectivo não pode ser alcançado apenas com leis, prescrições e convenções...”

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figura em destaquedOM ZACARIAS KAMwENhOMónica Guedes

Em 2001, como reconhecimento do seu trabalho a favor da construção da paz em Angola, Dom Zacarias Kamwenho foi distinguido com o Prémio Andrei Sakharov,atribuído pelo Parlamento Europeu.

Nasceu na aldeia de Chimbundo, município do Bailundo, Huambo, a 5 de Setembro de 1934. É filho de Constantino Mbongue e de Maria Regina Membo.

Quando nasceu, o seu pai encontrava-se a trabalhar nas minas, na África do Sul. Era seu desejo que o filho se chamasse Isaías. Mas a mãe, aproveitando a ausência do marido, baptizou-o como Zacarias. Coube à sua avó paterna dar o nome da família e assim foi honrado o seu falecido irmão Kamwenho.

O pai regressou e cedo emigrou para o Huambo, para aprender e exercer a profissão que escolhera, alfaiate. Mais tarde, mãe e filho juntaram-se ao chefe de família no Huambo. Zacarias foi entregue aos cuidados da sua tia, Maria Madalena. Cristã católica, a tia inscreveu o sobrinho no catecumenato e em 1944 Zacarias recebeu os primeiros sacramentos, baptismo e primeira comunhão.

Desperto para a vida religiosa, resolveu apresentar- -se ao exame de aptidão para o Seminário Menor e foi admitido. Com 13 anos ingressou no Seminário Menor do Quipeio, sendo um dos alunos mais novos. Durante seis anos a vida no seminário decorreu sem percalços.

A caminhada foi prosseguindo e aos 19 anos ingressou no Seminário Maior Cristo Rei, no Huambo. A pobreza apresentou-se-lhe, desde então, como via fácil para a fidelidade que se exigia de um embaixador de Cristo: nada de si mesmo, tudo de Cristo e por Cristo.

Na altura dizia, como hoje o repete aos jovens “se eu tivesse de fundar uma família religiosa, exigir-lhe-ia apenas o voto de pobreza, porque o pobre sabe que não se pertence e muito menos procura apoderar-se do outro para satisfação pessoal; o pobre não tem vícios, diz o povo”.

Foi ordenado presbítero a 9 de Julho de 1961, sendo destinado à Missão Católica da Bela Vista (Babaera), onde permaneceu oito anos. Depois, foi transferido para

o Seminário Maior de Cristo Rei, esperando-o a missão de professor. Leccionou as disciplinas de Filosofia, Liturgia e Literatura portuguesa. Ser professor foi uma experiência muito gratificante, pois tinha a possibilidade de caminhar com os jovens e transmitir-lhes um pouco da sua experiência e missionação.

Cinco anos depois, foi nomeado Bispo Auxiliar do Sr. Dom Manuel Nunes Gabriel, Arcebispo de Luanda; tomou posse no dia 1 de Dezembro de 1974. A vida em Luanda era uma azáfama: todos procuravam um conselho do Bispo, missionários, deslocados e oportunistas; confrontos aqui e acolá, guerra de palavras e de nervos entre os três Movimentos de Libertação.

Em 1975 foi nomeado Bispo titular do Sumbe, sendo a tomada de posse marcada na missa que aconteceria no dia 31 de Agosto desse ano, na nova Catedral de Novo Redondo.

A 12 de Novembro de 1995 tomava posse do cargo de Arcebispo coadjutor do Lubango e em 1997 torna-se no Arcebispo titular do Lubango.

Em 2001, como reconhecimento do seu trabalho a favor da construção da paz em Angola, Dom Zacarias Kamwenho foi distinguido com o Prémio Andrei Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu. O “Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento” é atribuído anualmente, em Dezembro, pelo Parlamento Europeu a personalidades ou entidades que se esforçam por defender os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Ao homenagear Andrei Sakharov, um ilustre físico nuclear e um importante activista pelos Direitos Humanos, o Parlamento Europeu procura promover os Direitos Humanos e a Democracia.

Este ano de 2011, Dom Zacarias celebra 50 anos de ordenação presbiteral e, após o falecimento de D. Mateus Feliciano, foi nomeado Administrador Apostólico da Diocese do Namibe.

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A Matala é um dos 14 municípios da província da Huila. Fica situado a Leste da mesma e dista a 172 km do Lubango, a capital da província.

Em 1992 com o recrudescimento da guerra a Matala acolheu deslocados de várias regiões circunvizinhas. Esta situação deu lugar a construções anárquicas sem que alguns bairros do município obedecessem a qualquer plano urbanístico. Actualmente, a Admi-nistração local tem procurado implementar o plano urbanístico municipal. Por isso, em 2010, decorre-ram as demolições na Matala.

Vamos procurar retratar o caso das demolições na Matala em três fases distintas, nomeadamente: pri-meira, a fase de preparação ou negociação; segun-da, fase de execução e terceira, a fase de avaliação dos resultados do processo de demolições sem des-curar o papel relevante que teve o Núcleo de Direitos Humanos da Matala em todo o processo.

A fase de preparação foi conduzida pela Administra-ção Municipal que concebeu a agenda de trabalho seguida de consulta aos actores do Estado, da Socie-dade Civil e de cidadãos em particular. Esta consulta serviu para recolher propostas concretas que garan-tissem uma agenda de trabalho exequível e consen-tâneo. Neste sentido, o Núcleo de Direitos Humanos da Matala desempenhou um papel importante «no processo de alerta rápido e advocacia, contra a bru-talidade habitual e a desresponsabilização do Esta-do. O Núcleo dos Direitos Humanos da Matala, fun-dado por personalidades locais, com assistência da MOSAIKO, envolveu-se em advocacia e lobby, quer a nível local, desdobrando-se em contactos com a Administração Municipal da Matala, quer ao nível nacional, através de cartas dirigidas a entidades,

“Hoje, o povo diz que se sente melhor a viver aqui. Eu próprio também sinto-me melhor a viver aqui porque é uma zona fora do risco e espaçosa em relação à zona em que vivíamos anteriormente. Aqui não há tanto roubo nem delinquência como se registava na zona em que vivíamos no passado. O processo do Lubango ameaçou-nos porque pensavamos que ficaríamos ao ar livre, seríamos violentados, mas pelo contrário, as autoridades locais, aqui, cumpriram bem com o seu papel e no final todos sentimo-nos satisfeitos.O nosso processo de demolições aqui na Matala decorreu no tempo seco, não houve doenças nem mortes. Por isso, o povo está a gostar muito.”

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construindodEMOLIçÕES E REALOJAMENTO POPULACIONALA experiência do município da Matala

Barros Manuel

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tais como: a Provedoria da Justiça. Em todos estes contactos, o Núcleo sempre advogou por observân-cia das leis e dos requisitos dos direitos humanos no tocante às demolições».

Padre Jacinto Pio Wacussanga faz parte da organi-zação, Associação Construindo Comunidades (ACC) que trabalha pela defesa dos direitos humanos na Huíla. Na altura das demolições, o representante da ACC constatou que foram atingidas cerca de 1351 famílias que se encontravam no perímetro do Cami-nho-de-Ferro de Moçâmedes, no perímetro que se localiza debaixo dos postes de alta tensão, outras no perímetro do ramal da linha-férrea que liga a Esta-ção Central e a Moageira CIMOR.

A primeira fase do processo foi dominada por acções de diálogo, mobilização e alocação de terrenos, con-firmou padre Pio Wakussanga, e acrescentou que: A Administração Municipal da Matala tinha planos de demolir casas, seguindo as orientações do Governo Provincial, para se “limpar” as residências dentro dos perímetros da linha-férrea. No entanto, para se evitar o que aconteceu no Lubango, a Adminis-tração Municipal, com a colaboração do Núcleo de Direitos Humanos, iniciou o processo de mobiliza-ção comunitária (foram exibidas fotos de encontros comunitários de sensibilização). Ao mesmo tempo, a Administração iniciou o processo de alocação de terrenos, na área do Kahululu.

As acções de mobilização permitiram que todas as famílias afectadas estivessem informadas sobre o processo. Deste modo, seguiu-se a segunda fase. A fase de execução que começou no dia 28 de Julho e terminou no dia 5 de Agosto de 2010.

Nesta fase, um ancião que foi afectado pelas acções de demolições, narrou à equipa do Mosaiko que este-ve no terreno, o que ele tinha testemunhado, um ano depois das demolições: «O povo que vive agora na área do Kahululu, vivia nas zonas de risco no tempo de guerra. Com o fim da guerra, em 2003, o governo decidiu remover aquelas pessoas que viviam nessas zonas de risco. Em 2009, o governo avisou as popu-

lações que viviam naquele perímetro para se pre-pararem porque em 2010 começaria o processo de demolições. Como a Administração ainda não tinha indicado o local onde as pessoas seriam realojadas preocupou as populações, inclusive a mim. Em 2010 deslocou-se para Matala uma delegação que veio de Luanda para reunir connosco e nos dizer que seria-mos realojados na área do Kahululu. Isto aconteceu em Março de 2010. Neste mesmo mês, a Administra-ção começou a distribuir as parcelas de terra para cada desalojado. Em Julho, fez-se o levantamento da população que seria afectada pelas demolições - eu na qualidade de Sekulo também participei - e começou-se a transportar a população através de “camazes” carros das forças armadas para o Kahu-lulu. Vieram muitas famílias para o Kuhululu».

Durante as demolições, padre Pio deslocou-se até a área do Kahululu e lá constatou que:w As famílias foram evacuando as casas e transpor-

taram seus haveres e materiais recuperáveis (cha-pas, portas e outros materiais) para Kahululu (a três quilómetros da sede do município e a menos de um quilómetro do mercado municipal da Mata-la). Por ocasião das demolições, a maior parte das famílias não assistiu à queda das casas, porque estava ocupada na marcação de terrenos, feitura dos adobes e construção de novas residências;

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w Terreno alocado: cada família recebeu 900 m2 de terreno para construção da residência, do anexo e da latrina, mais um quintal espaçoso de acordo com o padrão da família extensa;

w Água para o fabrico dos adobes: existem dois ca-miões-cisterna, com 22 mil litros cada, a abaste-cerem todos os dias incluindo os domingos, para todos quantos estão a fabricar os adobes. Está-se a preparar a recepção de um terceiro camião-cis-terna para ajudar na feitura dos adobes;

w Vulneráveis: os idosos, as mulheres solteiras, as viúvas e os portadores de deficiência acentuada, totalizam vinte pessoas. Não podendo fazer sozi-nhos os adobes e a construção das casas, foram sendo ajudados por 100 voluntários das Igrejas Cristãs locais mais alguns activistas da JMPLA (Ju-ventude do Partido MPLA) e da OMA (Organização da Mulher Angola, braço feminino do MPLA). Não se prometeu nada de ajuda em termos de material de construção para os vulneráveis, mas a Adminis-tração Municipal pensa ter apoios do Ministério da Juventude e Desportos e o da Família e Promoção da Mulher, especialmente em chapas de zinco para cobertura de residências.

w Acesso à energia e água potável. Foram instala-das e já em pleno funcionamento três bombas eléctricas de água movidas a energia solar, sen-do a primeira com capacidade de 7 mil litros de água/hora, a segunda 6 mil litros de água/hora e a última 5 mil litros de água/hora. Às três bombas estão associadas três lavandarias, também já em uso pelas famílias já residentes. Foram vistos no terreno rolos de tubagem para a canalização com

torneiras públicas (não há torneiras individuais). Quanto à luz eléctrica, vai ser instalado um PT que vai servir toda a comunidade local;

w Acesso aos serviços de educação. Ainda não existe nenhuma escola no local, mas estão já lançados os alicerces da futura escola da comunidade com 13 salas de aulas. No entanto, as crianças em idade escolar, tiveram de ficar próximo das escolas ha-bituais para terminarem o seu ano lectivo.

w Acesso à saúde e sanidade ambiental. Existe um posto de saúde móvel que pôde ser visto no ter-reno. Atende as patologias básicas e trabalha em cooperação com os dois administradores dos bair-ros, para se poder ajudar os doentes a ter acesso ao tratamento de base. Para se prevenir as ende-mias, sobretudo a cólera, a Administração está a mobilizar para que cada família tenha latrina. Até lá, cada família é obrigada a recorrer ao “sistema gato”, ou seja, depois de obrar, cobrir os dejectos humanos com terra;

w Apoio técnico de construção civil. Existem técni-cos de construção civil da Administração Munici-pal, mas virados para o ordenamento das ruas, das construções e dos espaços públicos. Não existem técnicos que ajudem a comunidade, especialmen-te aqueles que conhecem pouco a técnica da cons-trução civil. Foram vistos no terreno pedreiros as-salariados pelos utentes das obras.

A terceira fase é a fase de avaliação dos resultados do processo de demolições e realojamento populacional na Matala.

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construindodEMOLIçÕES E REALOJAMENTO A ExPERIêNCIA dO MUNICÍPIO dA MATALA

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A equipa do Mosaiko que esteve na área do Kahululu, em 2011, ouviu alguns cidadãos que lá vivem actual-mente. Um dos anciãos disse: «Hoje, o povo diz que se sente melhor a viver aqui. Eu próprio também sin-to-me melhor a viver aqui porque é uma zona fora do risco e espaçosa em relação à zona em que vivíamos anteriormente. Aqui não há tanto roubo nem delin-quência como se registava na zona em que vivíamos no passado. O processo do Lubango ameaçou-nos porque pensavamos que ficaríamos ao ar livre, sería-mos violentados, mas pelo contrário, as autoridades locais, aqui, cumpriram bem com o seu papel e, no final, todos sentimo-nos satisfeitos. O nosso proces-so de demolições aqui na Matala decorreu no tem-po seco, não houve doenças nem mortes. Por isso, o povo está a gostar muito».

A equipa do Mosaiko ouviu também uma senhora vi-úva que vive com dois filhos. O seu esposo foi militar e morreu em combate, no Menongue. A viúva contou-nos: «a nossa mudança de lá para cá, no primeiro dia, foi difícil. Foi muita dor para mim no princípio porque eu pensei assim: já não tenho marido para me ajudar e ainda destroem a casa, agora quem vai construir outra casa para mim? Mas aceitei só. E consoante o tempo, comecei a gostar de vir viver aqui. Eu gostei muito porque lá era um sítio apertado. Numa parcela pequena encontravam-se vinte ou mais casas, mas aqui já não, as coisas estão já diferentes. Lá estive-mos muito mal. Estivemos ao lado da linha férrea, se o comboio descarrilasse era um problema para nós porque poderia morrer gente. Lá vivíamos também debaixo dos cabos eléctricos de alta tensão que, se

rebentassem, poderiam matar gente. Então, deste modo, o governo pensou muito bem para nós».

Neste caso da Matala, vários factores contribuíram para que o resultado fosse positivo, mas segundo a constatação feita pelo activista da ACC, que esteve no terreno, foi fundamental o papel da sociedade civil e dos meios de comunicação social. Foi crucial o modo como a Administração Municipal da Matala tirou li-ções do caso “Demolições do Lubango”, sobretudo, o aviso prévio às populações de que as demolições iriam ocorrer, evitou para muitos, o trauma de assis-tir à demolição da própria casa.

Apesar da opinião pública ser consensual em relação ao processo de demolições na Matala, como tendo sido exemplar, padre Pio reconhece que houve também, como é natural, aspectos menos positivos. Por exem-plo, não houve realmente indemnização. Muitas famí-lias, lutando por si próprias, levarão tempo e recursos a recuperar o que perderam nas residências demolidas. A questão dos vulneráveis não deixa de ser preocupan-

te. Precisa de uma intervenção de apoio directo do Estado em bens alimentares, apoio na construção de residências e doutros apoios pontuais, tal como recomendam os critérios da ONU e da União Africa-na sobre o Direito à Habitação Adequada.

Num estado democrático de direito, quando se pro-ve a cidadania, é possível, sim, desenvolver acções cívicas mais vigorosas e visíveis por parte das dife-rentes instituições do Estado, da Sociedade Civil e dos cidadãos em prol da promoção do bem comum. O caso da Matala é um exemplo eloquente.

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Foi crucial o modo como a Administração Municipal da Matala tirou lições do caso “Demolições do Lubango”, sobretudo, o aviso prévio às populações de que as demolições iriam ocorrer, evitou para muitos, o trauma de assistir à demolição da própria casa.

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Com o propósito de elucidar a sociedade sobre conceito de cidadania, o MOsAIKO organizou a “semana da Cidadania 2011”, de 27 de Junho a 02 de Julho de 2011.

O evento, além das conferências sobre o 30º aniversário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, incluiu um concurso de teatro, subordinado ao tema: “Promove a cidadania, faz a diferença”.

A ocasião foi aproveitada para anunciar a mudança de designação do Centro Cultural Mosaiko para MOSAIKO | Instituto para Cidadania.

A drª Anacleta Pereira (AP) concedeu uma entrevista exclusiva ao Mosaiko Inform (MI), que passamos a transcrever:

MI: Que balanço da Carta Africana 30 anos depois, quanto aos mecanismos de defesa e promoção dos direitos humanos?AP: Antes de mais, é importante notar que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, apesar de adoptada a 27 de Junho de 1981, só entrou em vigor a 21 de Outubro de 1986. É igualmente de realçar o facto de ter sido ratificada pelos 53 estados que integram a actual União Africana e de, com a sua aprovação, ter sido colmatada uma lacuna decorrente da ausência de um instrumento regional de protecção dos direitos humanos.Em termos de balanço, parece-me ainda longo o caminho que se impõe percorrer. Não por virtude de uma eventual debilidade conceptual do próprio instrumento (até inovador em alguns aspectos quando comparado com outros instrumentos

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entrevistaANACLETA PEREIRA

Hermenegildo Teotónio

ANAClETA PEREIRA, é lICENCIADA EM DIREITO, ACTIvIsTA DE DIREITOs HuMANOs E ACTRIZ DO “ElINGA TEATRO”

Um outro aspecto a considerar em matéria de eficácia da Carta diz respeito à natureza das decisões tomadas pelo órgão que, no âmbito deste instrumento, está mandatado para proteger os direitos humanos: a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Esta Comissão recebe queixas de pessoas individuais contra violações dos direitos humanos por parte dos estados membros.

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regionais de protecção dos direitos humanos), mas fundamentalmente por razões de ordem política, histórica, cultural e jurídica que, num sentido ou outro, lhe têm retirado a eficácia pretendida.Considero, por exemplo, ser de admitir que os direitos humanos estiveram durante longos anos fora da agenda política dos estados signatários da Carta de Banjul, que, como se sabe, foi aprovada sob a égide da antiga OUA (Organização de Unidade Africana), cujos mais altos mandatários se mantiveram (e ainda se mantêm), na maior parte das vezes, cegos e mudos perante situações gritantes de violação dos direitos humanos no continente. No quadro da OUA, o argumento quase sempre utilizado para defesa de um tal posicionamento sustentava-se no princípio da não ingerência nos assuntos internos de estados soberanos. Mas, e hoje? Será que esta situação se alterou? Parece-me que não, embora os argumentos possam ser outros para não entrarem em contradição com o acto constitutivo da União Africana, que incorpora uma nova visão sobre a promoção dos direitos humanos, da democracia e boa governação e faz recair sobre os Estados membros obrigações nesse sentido. Um outro aspecto a considerar em matéria de eficácia da Carta diz respeito à natureza das decisões tomadas pelo órgão que, no âmbito deste instrumento, está mandatado para proteger os direitos humanos: a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Esta Comissão recebe queixas de pessoas individuais contra violações dos direitos humanos por parte dos Estados membros. Todavia, as decisões que toma a propósito não são vinculativas e, como tal, dificilmente são cumpridas pelos referidos Estados, onde se inclui o nosso país. Angola foi “condenada” pelo menos duas vezes pela Comissão na sequência de queixas relacionadas com a expulsão de estrangeiros que se encontravam alegadamente ilegais no país.Poderíamos igualmente arrolar o factor desconhecimento da Carta e do papel da Comissão Africana por parte de um número considerável de cidadãos, apesar das mudanças graduais que esta

situação conhece em Angola. Na origem estará todo um trabalho de divulgação da Carta e igualmente o facto de algumas ONG’s nacionais terem obtido o estatuto de observador junto da Comissão Africana, como a AJPD, OMUNGA ou a SOS HABITAT. São também estas organizações que têm estado a promover visitas de avaliação dos membros da Comissão sobre a situação dos direitos humanos no país, entre outras actividades.Um outro indicador que permitiria avaliar a eficácia prática da Carta Africana tem que ver com a apresentação à Comissão Africana de relatórios periódicos bianuais pelos Estados membros. Pelo que sei, Angola apresentou apenas um único relatório, em 1998, que abarcou o período de 1992/ 98. Ao que parece, ainda este ano deverá submeter um segundo, provavelmente em Novembro, no decorrer da 50ª sessão ordinária da Comissão Africana.Muito mais poderia ser dito em torno da questão colocada. Gostaria, porém, de recordar que o Estado democrático de direito (formalmente consagrado na constituição do nosso país) só se pode assumir como tal na justa medida em que estabelece garantias efectivas de realização e protecção dos direitos humanos plasmados na legislação nacional e internacional.

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MI: A nível da sociedade civil, por vezes fica-se com a sensação de que pouco ou nada se fala da Carta. Em sua opinião o que poderá estar na base dessa pouca promoção? AP: Do meu ponto de vista, quando fala da fraca promoção da Carta Africana pela sociedade civil tanto pode ter razão, como não. Se estivermos a olhar para a sociedade civil como um todo, ou seja, como espaço de acção colectiva onde interagem distintos actores sociais, talvez possamos admitir tal situação. Mas já assim não será se tivermos em conta a acção individual dos actores aqui considerados, que vão desde ONG’s a associações profissionais, por exemplo. Ora, como antes referi, existem organizações no país que estão promover a divulgação e aplicação da Carta Africana. O próprio MOSAIKO também o faz e a “Semana da Cidadania” foi prova disso. Talvez a essência deste problema tenha que ver com algumas das razões já evocadas na resposta anterior. Entendo que a promoção da Carta Africana ganhará outra dimensão quando for possível avaliar a sua utilização efectiva pelos cidadãos e pelo poder judicial, o que no contexto angolano raras vezes acontece. A Carta não pode continuar a ser utilizada única e simplesmente como um enunciado formal de direitos e deveres. É muito mais do que isso, é um instrumento de afirmação da própria cidadania.

MI: A cidadania como acto político. Em que medida se pode diferenciá-la do acto político partidário?AP: A cidadania é, sim, um acto político e podemos, se quisermos, falar em cidadania política. Cidadania e política reflectem uma mesma realidade se atendermos a ligação semântica dos dois termos. Política vem do grego e significa intervenção na vida da polis (cidade) e cidadania do latim civitas (cidade) com o mesmo significado.Porém, a intervenção na vida da polis, nos assuntos públicos que a todos dizem respeito, não se esgota no acto político partidário, que é tão somente uma das formas de acção política e de exercício da cidadania política. A participação na vida pública pode ser feita de muitas maneiras. Desde debates públicos ou pedidos de prestação de contas sobre

a utilização do orçamento geral do Estado à fiscalização da acção do governo a nível macro ou micro (municipal, comunal, escolas e universidades públicas) ou à rejeição de propostas legislativas ou de programas de política social, económica ou cultural. Esta participação nos assuntos da “cidade” é também uma forma de legitimar ou não a acção do governo e dos demais poderes públicos.

MI: Como membro do Júri, como avalia a apresentação cénica dos grupos, tendo em conta que foi um concurso temático?AP: Apesar dos pesares (peças de curta duração e encenadas basicamente sem recursos técnicos e cénicos), a minha avaliação não deixa de ser positiva. Pela adesão ao concurso, pelo esforço demonstrado na tentativa de tratar o tema da melhor forma possível e pela vontade de fazer teatro. O concurso foi para mim fonte de aprendizagem. Aprendi sobre como os jovens actores olham o país e vivenciam a cidadania. Reforcei a minha convicção de que a cidadania também se constrói e que estamos ainda muito longe de usufruir de uma cidadania plena. O que foi mostrado em palco foi uma radiografia quase perfeita dos muitos problemas sociais, materializados da negação de direitos fundamentais, que ainda caracterizam o nosso país. Do ponto de vista da representação cénica, foram notórias as debilidades dos grupos resultantes do fraco conhecimento das regras básicas de fazer teatro nos domínios da interpretação, utilização do espaço cénico, projecção da voz, para não falar do recurso exagerado à improvisação,

entrevistaANACLETA PEREIRA

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Porém, a intervenção na vida da polis, nos assuntos públicos que a todos dizem respeito, não se esgota no acto político partidário, que é tão somente uma das formas de acção política e de exercício da cidadania política.

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fundamentalmente ditado pela ausência do texto escrito. Apesar destas fraquezas, o talento, ainda que em bruto, foi visível. Um talento que precisa de ser lapidado com o recurso a programas de formação de, pelo menos, média duração. E esta é uma tarefa a merecer a intervenção dos Ministérios da Cultura e da Educação e a aprovação de um plano de fomento e de apoio a iniciativas teatrais, em particular. Recordo, a propósito, que não foi por acaso a decisão tomada no sentido premiar a melhor actriz e o melhor actor com uma bolsa para frequentar um curso de formação teatral a decorrer actualmente em Luanda.

MI: A cidadania é um assunto que se pode tratar em teatro? AP: Sem sombra de dúvida, apesar de posições divergentes em torno da relação teatro e cidadania. Basta lembrar dramaturgos como Ionesco ou Samuel Beckett que, com o seu teatro do absurdo, procuraram mostrar a impossibilidade de comunicação num mundo que definiam como vazio e sem sentido.Gostaria, porém, de retomar uma passagem do regulamento do concurso de teatro aqui referido que, na sua parte introdutória, salienta o facto de o teatro poder ser usado como promotor de um diálogo aberto e pedagógico sobre a “construção de sociedades mais justas, centradas na defesa dos direitos dignificantes da pessoa humana”. Do meu ponto de vista, este entendimento é particularmente relevante no contexto angolano, onde o Estado democrático de direito é ainda uma realidade formal, em construção. E a história recente demonstra e ensina-nos que o teatro tem sido, sim, usado como instrumento para formar cidadãos conscientes dos seus direitos e obrigações e, consequentemente, com capacidade para intervir na vida pública. Brecht, por exemplo, utilizou o teatro para pôr a nu o capitalismo ao passo que Augusto Boal (falecido há dois anos) via no teatro “uma arma de libertação, uma arma muito eficiente no confronto entre opressores e oprimidos”.Tudo isto reforça a tese, demonstrada na prática, de

que o palco pode efectivamente servir de espaço de discussão e reflexão sobre questões que a toda uma comunidade dizem respeito.

MI: O direito à participação na vida pública está consagrado na Constituição. Mas para haver participação, é necessário a disponibilidade de informações. Que apelo é que faz à sociedade no que diz respeito ao exercício do mesmo?AP: Diz e muito bem que a participação pressupõe informação. Assim sendo, o meu apelo vai no sentido de procurarmos conhecer os nossos direitos e deveres para melhor exercermos a nossa cidadania. Que exijamos a publicação e o acesso à informação de interesse público. Participar na vida pública pressupõe que tenhamos o conhecimento indispensável ao desenvolvimento de uma consciência crítica, colectiva, que nos permita tomar decisões informadas, avaliar o que é bom ou mau para a sociedade, o que deve ou não deve ser feito e influenciar, no sentido pretendido, todo o processo de tomada de decisões públicas, entre muitas outras acções.

A história recente demonstra e ensina--nos que o teatro tem sido, sim, usado como instrumento para formar cidadãos conscientes dos seus direitos e obrigações e, consequentemente, com capacidade para intervir na vida pública.

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reflectindo

A CONSTITUIçãO NA vIdA dOS ANGOLANOS Pe. Mulewu Clément

A Constituição tem também um significado na vida das pessoas porque determina as garantias dos cidadãos, assim como os seus direitos que implicam também os deveres dos mesmos cidadãos participarem na edificação de um Estado democrático de direito.

Nesta pequena reflexão queremos mostrar como é que os angolanos devem ter consciência da existên-cia da Constituição, promulgada em 5 de Fevereiro de 2010, e que significado ela deve ter para eles na vida concreta.

A Constituição, sendo a lei mãe, a lei fundamental do Estado angolano, merece o conhecimento dos cida-dãos angolanos para que possam ter consciência des-te instrumento legal que regula toda a estrutura da vida dos cidadãos. As pessoas tomam consciência da Constituição, após a sua publicação e o acompanha-mento que se segue na sua divulgação através das línguas nacionais. Porque existem lugares em Ango-la que ainda não viram a “nova” Constituição e não sabem que nela estão consagrados os direitos fun-damentais e as garantias dos cidadãos. Isto implica o esforço do Executivo para fazer chegar até às al-deias a Constituição, assim como ter pessoal capaz de transmitir o conteúdo da Constituição em linguagem simples às pessoas das aldeias. Com a formação cí-

vica através da Constituição, os cidadãos poderão ter consciência da sua existência e ser capazes de reivin-dicar os seus direitos, e saber que quando violados se que podem referir à Constituição para defendê-los.

As pessoas têm consciência da Constituição quando se revêem nela, nos direitos aí consagrados em defe-sa dos cidadãos, na estrutura do Executivo que deve trabalhar para o bem das populações, nos tribunais que garantem a confiança dos cidadãos no sistema ju-diciário e na aplicação do Direito. O núcleo duro duma Constituição numa sociedade moderna está descrito no artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa de 1789, que diz: «Toda a sociedade na qual a garantia dos Direitos não é assegurada, nem a separação de poderes determi-nada não tem nada de Constituição». Os cidadãos de-vem ter consciência de que a Constituição pertence à sociedade, ao povo e não ao Estado entendido só como instituição suprema, abstracta e distante.

«Como se vê, não se fala aqui em Estado, mas em so-ciedade. A sociedade ‘tem’ uma Constituição; a Cons-tituição é a Constituição da sociedade. Isto significa que ...a estruturação articulada do corpo político e do corpo social através de um corpus jurídico recolhia ainda a ideia de res publica (coisa pública) ou Com-monwealth “constituída” ou ‘conformada’ por uma lei fundamental. Segundo os principais pensadores do constitucionalismo moderno ou melhor da democra-cia moderna, tais como Montesquieu, Jean-Jacques

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reflectindoA CONSTITUIçãO NA

vIdA dOS ANGOLANOS

Rousseau e John Locke, as estruturas sociais tinham, de resto, significativa expressão nas próprias tecno-logias organizativas do poder desenhadas na Cons-tituição. Neste sentido se compreende a expressão – Constituição da República – para exprimir a ideia de que a Constituição se refere não apenas ao Esta-do mas à própria comunidade política, ou seja, à res publica»1.

A Constituição deve unir o povo para ter uma consci-ência única na defesa da pátria. A Constituição leva os cidadãos a ter o sentido de pertença à nação, de-fendendo os ideiais do país. A final todos poderão di-zer temos a nossa Constituição que nos torna um só povo. «Neste sentido, a Constituição não é um con-trato entre governantes e governados, mas sim um acordo celebrado pelo povo e no seio do povo a fim de se criar e constituir um ‘governo’ vinculado à lei fundamental»2.

A Constituição tem também um significado na vida das pessoas porque determina as garantias dos cida-dãos, assim como os seus direitos que implicam tam-bém os deveres dos mesmos cidadãos participarem na edificação de um Estado democrático de direito. A vida política, social, económica, religiosa e cultural está definida na Constituição. É necessário dar um significado claro a estas componentes na vida prática dos cidadãos para que a própria Constituição possa ter significado na vida dos angolanos. Por isso, «não são apenas os indivíduos (ou os particulares) que vi-vem subordinados a normas jurídicas. Igualmente o Estado e as demais instituições que exercem autori-dade pública devem obediência ao Direito (constitu-cional que criam)»3.

A obediência à Constituição não se limita aos cida-dãos, mas inclui, antes de mais os orgãos de sobera-nia e as demais instituições do Estado. Deve ser anu-lada pelo Tribunal Constitucional qualquer violação da Constituição, designada também como inconstitucio-nalidade. Nesta senda, «nenhuma Constituição com-promissória consiste num aglomerado de princípios sem virtualidade de harmonização prática a cargo da hermeneûtica jurídica e sem base dinâmica de funcio-namento das instituições; em qualquer Constituição os princípios dispõem-se ou articulam-se segundo certa orientação e, pelo menos, a nível de legitimida-de há-de haver sempre (aquando da formação ou em

momento ulterior de modificação, expressa ou tácita) um princípio que prevaleça sobre os outros. As Consti-tuições compromissórias permitem a coexistência de ideias e correntes antagónicas, mas só podem subsis-tir se os protagonistas aceitam um determinado fio condutor do processo político»4.

Na vida das pessoas ou dos cidadãos, a Constituição deve legitimar os representantes do povo na Assem-bleia Nacional para que estes possam defender os in-teresses da população. Eles, são porta voz do povo a nível nacional. A importância da Constituição para os cidadãos consiste também em permitir a sua partici-pação nas decisões nacionais a nível governativo, po-lítico e judicial. É necessário promover o conhecimen-to desta lei fundamental, pois, «o que normalmente acontece na realidade é algum desconhecimento dos direitos fundamentais por parte dos cidadãos e o quase conhecimento de todas as suas obrigações. Por tal não será nada fastidioso relembrar os direi-tos fundamentais que estão consagrados na nossa Constituição, pois muitos titulares de cargos políticos e públicos têm constantemente violado direitos fun-damentais dos cidadãos por desconhecimento des-tes da existência dos respectivos direitos, bem como também o desconhecimento pelos cidadãos dos seus próprios direitos»5.

A Constituição coloca um enorme desafio à informa-ção e à formação dos cidadãos sobre os direitos nela plasmados, assim como um desafio sobre as garantias e o funcionamento dos mecanismos de defesa des-ses direitos. Só deste modo, existirá uma consciência colectiva da importância da Constituição e esta terá significado na nossa vida concreta como cidadãos avi-sados sobre os seus direitos e deveres na sociedade angolana.

1 J. J.GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Edições Almedina, 2003, P. 88.

2 Ibidem, P. 59.3 JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo I:

Preliminares. O Estado e os Sistemas Constitucionais, 8ª Edição, COIMBRA EDITORA, 2009, P. 12.

4 Idem, Manual de Direito Constitucional, Tomo II: CONSTITUIÇÃO, 6ª Edição, COIMBRA EDITORA, 2007, P. 22 – 23.

5 ESTEVES CARLOS HILÁRIO e MIHAELA NETO WEBBA, A Constituição da República de Angola. Direitos Fundamentais, na sua promoção e protecção. Avanços e retrocessos, Open Society, Novembro 2010, P. 31.

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Considera-se Tratado Internacional como sendo um Acordo resultante da vontade de dois ou mais sujeitos de direito internacional (os Estados e/ou Organizações Internacionais), reduzido de forma escrita, com objectivo de produzir efeitos jurídicos no contexto internacional. Normalmente, os tratados consagram direitos e obrigações para os sujeitos de direito internacional.

A lei angolana sobre os Tratados Internacionais , no artigo 2º, considera Tratados Solenes os que, pela natureza do seu objecto e pela importância que revestem, são da competência política e legislativa da Assembleia Nacional, ou seja, são celebrados se-gundo a forma tradicional, necessitando sempre de ratificação ou adesão.

Em Angola, «os Tratados Solenes requerem a assi-natura do Presidente da República, do Ministério das Relações Exteriores ou de outro membro do Executivo devidamente mandatado, para represen-tar o Estado angolano na negociação, estando a sua entrada em vigor na ordem jurídica interna sujeita à apreciação prévia do Conselho de Ministros, à apro-vação pela Assembleia Nacional e à ratificação ou adesão pelo Presidente da República e versem sobre matérias da competência legislativa absoluta da Assembleia Nacional (…)», (artigo 4º da Lei nº 4/11).

O processo de ratificação de tratados internacionais por Angola, passa por: 1. Negociação: A Constituição angolana, não dispõe

claramente quem tem competência para nego-

ciar os Tratados . Mas, podemos aferir da Lei dos Tratados Internacionais que tem competência para iniciar a negociação de qualquer tratado internacional (incluindo os que versem matéria de direitos humanos), o órgão ou organismo inte-ressado do Estado e sempre em colaboração com o Ministério das Relações Exteriores a quem cabe acompanhar a conclusão de todos os tratados a celebrar pela Estado angolano (artigo 7º da Lei nº 4/11). Portanto, a competência para negociar tratados é do Poder Executivo.

2. Assinatura: A assinatura dos Tratados é feita pelo representante do Executivo, os plenipotenciários, as pessoas indicadas pelo Estado angolano para manifestar o seu consentimento para se vincular ao Tratado, após a sua redacção (nº 1 do artigo 8º da Lei 4/11).

3. Procedimento interno e ratificação/adesão: a competência para ratificar tratados (em matéria de Direitos Humanos) é partilhada entre a As-sembleia Nacional (Poder Legislativo) e o Presi-dente da República (Poder Executivo), conforme os artigos 121 al. c) e 161 al. k) da Constituição. Geralmente, a parte do Executivo que trata das matérias ligadas aos Tratados ou Convenções sobre Direitos Humanos é o Ministério da Justiça.

4. Promulgação e Publicação: Para que o Tratado possa vigorar em Angola, é obrigatório que, após a sua ratificação ou adesão pelo Presidente, o texto seja promulgado e publicado no Diário Oficial da República. Se não houver este procedi-mento, o tratado é obrigatório apenas no plano internacional, isto é, um órgão interno pode ale-

OS TRATAdOS INTERNACIONAIS dE dIREITOS hUMANOSDr. António Ventura

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gar a não aplicação por falta de publicação. Diz a Constituição que os Tratados e acordos

internacionais regularmente aprovados ou ratifi-cados vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional e enquanto vincu-larem internacionalmente o Estado Angolano (nº 1 do artigo 13º). A promulgação e publicação do Tratado ou Convenção através de uma Resolução são pré-requisitos para aplicação dos mesmos pelos órgãos internos do Estado.

5. depósito: Depois de ratificado, o instrumento é depositado junto do órgão internacional e/ou regional. No caso de Angola, a competência para enviar e depositar os instrumentos de ratificação, aprovação ou adesão junto do Secretário das Na-ções Unidas é do Ministério das Relações Exterio-res. (artigo 18º da Lei dos Tratados);

6. Registo: O Ministério das Relações Exteriores é o órgão competente para proceder ao registo dos tratados ratificados pelo Estado angolano junto do Secretariado das ONU.

Angola é parte das Nações Unidas, da União Africana e da SADC, daí que tenha ratificado e aderido a mui-tos tratados internacionais de Direitos Humanos. A Constituição, no seu artigo 26º, reconhece e legitima a incorporação e aplicação no direito interno as normas internacionais de Direitos Humanos de que Angola seja parte. Presentemente Angola já ratificou/aderiu:

w Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Resolução nº 19/91 de 19 de Janeiro;

w Carta da OuA sobre os Direitos e bem-Estar da Criança. Resolução nº 1-B/92 de 15 de Maio;

w Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mu-lher. Resolução nº 15/84 de 19 de Setembro;

w Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Resolução nº 20/90 de 10 de Novembro;

w Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos e 1º Protocolo Facultativo. Resolução nº 26-B/91 de 27 de Dezembro;

w Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econó-micos, sociais e Culturais. Resolução nº 26-B/91 de 27 de Dezembro;

w Convenção n. 182, Relativa às Piores Formas de Trabalho das Crianças e a Acção Imediata com vista a sua eliminação. Resolução nº 5/01 de 16 de Fevereiro;

w Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Resolução nº 25/2000, de 1 de Dezembro;

ALGUNS TRATAdOS NãO RATIFICAdOS/AdERIdOS:

Aquando da sua candidatura como membro do Con-selho de Direitos Humanos das ONU, e da sua eleição a 17 de Maio de 2007, para o período de 2007/2010, Angola comprometeu-se a acelerar o processo e rati-ficar num futuro próximo a:1) Convenção Internacional sobre a Eliminação de

todas as Formas de Discriminação Racial (1970);2) Convenção contra a Tortura e outros Tratamen-

tos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1988);

3) Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias;

4) Convenção Internacional contra o Recrutamento, uso, Financiamento e Formação de Mercenário (4.12.1989);

5) Protocolo à Carta Africana e dos Povos relativos aos Direitos da Mulher em áfrica (na Assembleia Nacional, desde 2007).

Até ao momento, Angola não assinou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo e a Convenção Internacio-nal para a Protecção de todos os Desaparecimentos Forçados de Pessoas.

A título de conclusão, podemos afirmar que, a ra-tificação e/ou adesão de Tratado, é um acto discri-cionário de cada Estado. Embora no caso de Angola, tal como noutros Estados a ratificação dos mesmos pode servir para que o Estado possa demonstrar o seu compromisso com a protecção e promoção dos Direitos Humanos, como fundamento da República de Angola e deste modo mostrar que não podem ser ignorados pelas entidades públicas e privadas (artigo 1º da Constituição da República de Angola).

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1 Lei nº 4/11 de 14 de Janeiro de 2011, publicada no Diário da República de Angola, I Série, Nº 9, pp. 260-266.

2 A anterior Lei Constitucional da República de Angola, de 1992, dispunha no artigo 110º alínea c) que compete ao Governo no exercício de funções políticas: «negociar e concluir tratados internacionais e aprovar os tratados que não sejam de competência absoluta da Assembleia Nacional e que a esta não tenham sido submetidos».

3 Angola já aprovou a adesão com a Resolução nº 25/2000, de 1 de Dezembro, no Diário da República nº 51, I Série, de 1 de Dezembro. Há quem diga de que o Presidente da República não ratificou este instrumento (cf. J. PINTO, Justiça Internacional e Direitos Humanos na Constituição Angolana de 2010, Unia Editora, Publicações Universitária, Angola, 2010).

OS TRATAdOS INTERNACIONAIS dE dIREITOS hUMANOS

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A terceira fase da “Formação Básica sobre os Direitos Fundamentais e sua Protecção em Angola” decorreu de 29 de Agosto a 02 de Setembro de 2011, em Benguela, no Cavaco, ao contrário das fases anteriores que decorreram em Viana.Esta III fase da Formação contou com a participação de 42 activistas de Direitos Humanos vindos de diferentes grupos locais, nomeadamente: Núcleo dos Direitos Humanos da Matala (Huíla), Núcleo Dinamizador dos Direitos Humanos do Cubal (Benguela), Comissão Mista dos Direitos Humanos do Kwanza Norte, Sub Comissão Mista dos Direitos Humanos de Cambambe – Dondo (Kwanza Norte), Comissão de Justiça e Paz da Gabela (Kwanza – Sul), Associação Y.O.V.E Balombo e Bocoio (Benguela).A formação teve como objectivos:

> contribuir para a protecção dos seus direitos fundamentais nas áreas aonde os referidos grupos locais actuam,

> facilitar o acesso dos cidadãos à Justiça > aumentar o conhecimento jurídico dos

participantes.A “Formação Básica sobre os Direitos Fundamentais e sua Protecção em Angola” foi facilitada por uma equipa do MOSAIKO, constituída pelo Pe. Dr. Mulewu Munuma Yôk Clément, o Dr. Lima de Oliveira, ambos formadores, Barros Manuel e Tresor Felipe, monitores.

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breves

No dia 13 de Agosto de 2011, realizou-se em Luanda, no anfiteatro do Instituto Superior João Paulo II, a Cimeira dos Povos da SADC subordinada ao tema “Direito à terra, água e à segurança alimentar”. Contou com a participação de pessoas vindas dos diversos países da região da SADC: Africa do Sul, Malawi, Moçambique, RD Congo, Swazilândia, Zimbabwe e Angola. De destacar a presença de participantes dos povos San, vindos da província do Kuando-Kubango.O tema “Direito à terra, a Água e a Segurança Alimentar: progresso e retrocessos desde a Cimeira de Windhoek 2010”, tema abordado pelo Pe. Pio Wacussanga, da Associação Construindo Comunidade, discussão em grupo a volta do tema principal, bem como apresentação da proposta de texto de conclusões e recomendações, foram os assuntos que estiveram na agenda da referida conferência.

MOSAIKO E OSISA ORGANIZAM CIMEIRA DOS POVOS DA SADC

MOSAIKO ORGANIZAIII FASE DA FORMAÇÃO BÁSICA SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS