Michael Lowyteoria Do Desenvolvimento Desigual e Combinado

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outubro - 73 outubro - 73 outubro - 73 outubro - 73 outubro - 73 Teoria do desenvolvimento desigual e combinado A teoria do desenvolvimento desigual e combinado é interessante não apenas por sua contribuição à reflexão sobre o imperialismo, mas também como uma das tentativas mais significativas de romper com o evolucionismo, a ideologia do progresso linear e o euro-centrismo. Segundo Ernst Mandel, trata-se provavelmente da maior contribuição de Trotsky à teoria marxista. Escrevendo antes da era imperialista, Marx não podia dar conta de um problema diretamente ligado à expansão mundial do capital. Pode-se encontrar, no entanto, em alguns de seus escritos, pistas interessantes so- bre a maneira pela qual uma forma de produção dominante exerce a sua hegemonia sobre as outras. É o caso, notadamente, de uma célebre passa- gem da Introdução à crítica da economia política (1857): “Em todas as formas de sociedade, é uma produção específica que determina todas as outras, são as relações engendradas por ela que atribuem a todas as outras o seu lugar e a sua importância. É uma luz universal onde são mergulhadas todas as outras cores e que as modifica no seio de sua particularidade. É um éter particular que determina o peso específico de toda a existência que aí se manifesta”. 2 Neste texto não se trata de formas pertencentes a modos de produção diferentes, mas de ramos distintos da produção: a indústria e a agricultura, o capital e a renda fundiária. Mas pode-se facilmente alargar o alcance desta formulação e utilizá-la para compreender o tipo de dominação que o capital exerce nas formações sociais onde subsistem relações pré- capitalistas: ele é a “luz universal” que modifica todas as outras “cores” econômicas e sociais. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky — que não se refere ao texto de Marx — é uma tentativa de explicar estas “modificações” e, por conseqüência, de dar conta da lógica das contradi- ções econômicas e sociais dos países do capitalismo periférico ou domina- A teoria do desenvolvimento desigual e combinado 1 Michael Löwy Pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS), Paris, França 1 Artigo publicado na revista Actuel Marx, 18, 1995. Tradução de Henrique Carneiro. 2 Karl Marx, Contribuition à la critique de l’economie politique, Paris, Editions Sociales, 1977, p. 172. Althusser havia interpretado esta passagem como o primeiro esboço do conceito de “sobredeterminação”. Cf. Lire le capital, Paris, Maspero, 1965, vol. II, p. 169.

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    Teoria do desenvolvimento desigual e combinado

    A teoria do desenvolvimento desigual e combinado interessante noapenas por sua contribuio reflexo sobre o imperialismo, mas tambmcomo uma das tentativas mais significativas de romper com o evolucionismo,a ideologia do progresso linear e o euro-centrismo. Segundo Ernst Mandel,trata-se provavelmente da maior contribuio de Trotsky teoria marxista.

    Escrevendo antes da era imperialista, Marx no podia dar conta deum problema diretamente ligado expanso mundial do capital. Pode-seencontrar, no entanto, em alguns de seus escritos, pistas interessantes so-bre a maneira pela qual uma forma de produo dominante exerce a suahegemonia sobre as outras. o caso, notadamente, de uma clebre passa-gem da Introduo crtica da economia poltica (1857): Em todas asformas de sociedade, uma produo especfica que determina todas asoutras, so as relaes engendradas por ela que atribuem a todas as outras oseu lugar e a sua importncia. uma luz universal onde so mergulhadastodas as outras cores e que as modifica no seio de sua particularidade. umter particular que determina o peso especfico de toda a existncia que a semanifesta.2 Neste texto no se trata de formas pertencentes a modos deproduo diferentes, mas de ramos distintos da produo: a indstria e aagricultura, o capital e a renda fundiria. Mas pode-se facilmente alargar oalcance desta formulao e utiliz-la para compreender o tipo de dominaoque o capital exerce nas formaes sociais onde subsistem relaes pr-capitalistas: ele a luz universal que modifica todas as outras coreseconmicas e sociais.

    A teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky que no se refere ao texto de Marx uma tentativa de explicar estasmodificaes e, por conseqncia, de dar conta da lgica das contradi-es econmicas e sociais dos pases do capitalismo perifrico ou domina-

    A teoria dodesenvolvimentodesigual e combinado1

    Michael LwyPesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques

    (CNRS), Paris, Frana

    1 Artigo publicado na revista Actuel Marx, 18, 1995. Traduo de Henrique Carneiro.

    2 Karl Marx, Contribuition la critique de leconomie politique, Paris, Editions Sociales, 1977, p. 172. Althusserhavia interpretado esta passagem como o primeiro esboo do conceito de sobredeterminao. Cf. Lire le capital,Paris, Maspero, 1965, vol. II, p. 169.

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    dos pelo imperialismo. A sua primeira formulao encontra-se no ensaioBalano e perspectivas (1906), um texto do qual Isaac Deutscher sublinha-va o alcance proftico: Que sua mensagem suscite o horror ou a esperana(...) no se pode deixar de se impressionar pela amplitude e audcia daviso. Ele abraava o futuro como, do pico de uma alta montanha, desco-bre-se um imenso territrio desconhecido do qual se distinguem, na distn-cia, os grandes eixos de orientao.3 A expresso desenvolvimento desi-gual e combinado ainda no aparece, mas os temas centrais da teoria estoj esboados.

    O que distingue, do ponto de vista metodolgico, o marxismo deTrotsky daquele dominante na Segunda Internacional , antes de tudo, acategoria da totalidade segundo Lukcs, o princpio revolucionriopor excelncia no domnio do conhecimento. O seu ponto de partida, jsugerido num escrito de junho de 1905, era este: Ligando todos ospases entre si pelo seu modo de produo e seu comrcio, o capitalismofez do mundo inteiro um s organismo econmico e poltico.4 Contra-riamente a Lenin que examinava o desenvolvimento do capitalismo naRssia sobretudo a partir das contradies internas da agricultura, Trotskyo aborda sob o ngulo da insero da economia russa no sistema capita-lista. A formao social russa era tomada como um subconjunto perif-rico do capitalismo mundial, que formava, de forma determinante, suaestrutura econmica e social: O capitalismo no se desenvolveu na Rssiaa partir do sistema artesanal. Ele realizou a conquista da Rssia tendo,atrs de si, o desenvolvimento econmica de toda a Europa (...) Redu-zindo escravido econmica este pas atrasado, o capital europeu libe-rava aos seus principais ramos da produo e aos seus principais meiosde comunicao toda uma srie de etapas tcnicas e econmicas inter-medirias, pelas quais eles tinham tido que passar nos seus pases deorigem. Esta origem estrangeira e moderna dos elementos dominantesdo capital industrial russo no comeo do sculo XX era, segundo Trotsky,a causa ao mesmo tempo da fraqueza da burguesia nativa russa (assimcomo das camadas artesanais e pequeno-burguesas que teriam podidoservir-lhe de apoio), e do peso social e poltico relativamente grande doproletariado urbano russo, concentrado em grandes unidades industriaismodernas. So conhecidas as concluses polticas que ele vai tirar destaanlise: o papel dirigente da classe operria na futura revoluo russa...

    Se a idia do desenvolvimento desigual e combinado esboada

    3 Isaac Deutscher, Trotsky. Le prophte arm, Paris, Julliard, 1962, pp. 222-223.

    4 Leon Trotsky, prefcio de junho de 1905 edio russa dos discursos de Ferdinand Lassale, citado em Billanet perspectives, in 1905, Paris, Minuit, 1969, p. 456.

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    neste primeiro texto de 1906, ela ser sustentada por um estudo maisdetalhado e sistemtico do desenvolvimento do capitalismo russo no li-vro 1905, publicado por Trotsky em 1909. A anlise no somenteeconmica, mas tambm social e cultural: sobre o imenso espao daRssia, observa ele, encontram-se todos os estgios da civilizao: desdea selvageria primitiva das florestas setentrionais onde alimentavam-se depeixe cru e faziam suas preces diante de um pedao de madeira, at asnovas condies sociais da vida capitalista, onde o operrio socialista seconsidera como participante ativo da poltica mundial e segue atenta-mente... os debates do Reichstag. A indstria mais concentrada da Eu-ropa sobre a base da agricultura mais primitiva. Estes diferentes estgi-os no esto simplesmente um ao lado do outro, numa espcie de coe-xistncia congelada, mas se articulam, se combinam, se amalgamam:o processo do desenvolvimento capitalista, criado pela unio das condi-es locais (atrasadas) com as condies gerais (avanadas) umamlgama social cuja natureza no pode ser definida pela busca de luga-res comuns histricos, mas somente por meio de uma anlise com basematerialista. Nesta combinao, as relaes engendradas pelo capitalis-mo determinam, segundo a frmula de Marx em seu texto de 1857, atodas as outras o seu lugar e a sua importncia.5

    Para compreender esta configurao singular, preciso partir docapital financeiro europeu isto , do imperialismo, termo que Trotskyainda no utiliza que o principal vetor do desenvolvimento do capi-talismo na Rssia: A nova Rssia tomou um carter todo particular emconseqncia do fato de que ela recebeu o batismo capitalista, na segun-da metade do sculo XIX, do capital europeu que se apresentou sob suaforma mais concentrada e mais abstrata, como capital financeiro. So-bre este territrio novo, o capital ingls ou francs, quintessncia daobra histrica dos sculos, no pode repetir o seu itinerrio anterior: elesalta, por assim dizer, as etapas intermedirias do seu crescimentonormal e orgnico (oeste-europeu), como o pequeno ofcio e a ma-nufatura, e se manifesta imediatamente em sua figura mais moderna eavanada: a grande indstria. Isto se manifesta tambm no processo deurbanizao: Da mesma forma que a indstria russa no conheceu apoca medieval do pequeno ofcio, as cidades russas no conheceram olevantar progressivo de um terceiro estado nas corporaes, as guildas,as comunas e as municipalidades. O capital europeu criou a indstriarussa em algumas dezenas de anos, e esta por sua vez criou as cidadesmodernas, no interior das quais as funes essenciais da produo so

    5 Leon Trotsky, 1905, pp. 43 e 54, sublinhado por mim, ML.

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    asseguradas pelo proletariado.6Um dos paradoxos deste tipo de desenvolvimento do capitalismo

    perifrico que o capital europeu implantado na Rssia toma formas,neste pas, em certos aspectos mais avanadas do que nas metrpolesocidentais: Trotsky cita estatsticas comparativas mostrando que nocomeo do sculo a porcentagem de operrios trabalhando em grandesfbricas (mais de mil empregados) era de 38,5% na Rssia, em com-parao com apenas 10% na Alemanha.7

    Desta anlise da combinao de traos pr-capitalistas (notadamenteno campo) e capitalistas modernos (na grande indstria das cidades) Trotskyconclua a possibilidade de uma revoluo russa combinando as tarefasdemocrticas (derrubada do czarismo, partilha das terras, democratizaodo Estado) e as medidas socialistas (expropriao do grande capital), numprocesso de revoluo permanente.

    Elaborada no contexto russo, esta anlise estava implicitamente car-regada de uma significao muito mais abrangente, aplicvel ao conjuntodas formaes sociais situadas na periferia do sistema capitalista.

    Curiosamente, enquanto Trotsky formula no seu livro A revoluopermanente (1928) sua teoria geral da revoluo nos pases capitalistas de-pendentes coloniais e semi-coloniais na linguagem da poca , ele nose refere a suas anlises do desenvolvimento desigual e combinado. Umabreve passagem do prefcio edio francesa refere-se, numa polmicacom Stalin, lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, mas unica-mente para constatar que a originalidade de um tipo social nacional no mais do que a cristalizao das desigualdades de sua formao.8

    Apenas dois anos mais tarde, no primeiro captulo de sua Histria daRevoluo Russa (1930), que encontramos enfim uma apresentao expl-cita e coerente apesar de sua brevidade da teoria do desenvolvimentodesigual e combinado, como proposio de alcance universal. A hipteseque funda esta teoria pode ser formulada aproximadamente nos seguintestermos: com a asceno do capitalismo a um sistema mundial, a histriamundial torna-se uma totalidade concreta (contraditria) e as condies dodesenvolvimento social e econmico conhecem uma mudana qualitativa:O capitalismo (...) preparou e, num certo sentido, realizou a universalidadee a permanncia do desenvolvimento da humanidade. Por isto est excludaa possibilidade de uma repetio das formas de desenvolvimento de diversasnaes. Forado a se colocar a reboque dos pases avanados, um pas

    6 Leon Trotsky, 1905, pp. 45, 54-55.

    7 Ibid. p. 31.

    8 Leon Trotsky, De la rvolution, Paris, Minuit, 1963, p. 250.

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    atrasado no se conforma com a ordem de sucesso (...). As sociedadesmenos desenvolvidas tm a possibilidade, ou, mais exatamente, so obriga-das a adotar certos traos avanados saltando as etapas intermedirias: Osselvagens renunciam ao arco e flecha, para logo tomarem os fuzis, sempercorrer a distncia que separava, no passado, estas diferentes armas. (...)O desenvolvimento de uma nao historicamente atrasada conduz, necessa-riamente, a uma combinao original das diversidades. A rbita descritatoma, em seu conjunto, um carter irregular, complexo, combinado.9

    Esta irregularidade manifesta-se tambm nas formas muito vari-veis que pode tomar a integrao de elementos modernos pelas sociedadesdependentes (atrasadas na linguagem da poca): A possibilidade de saltaros degraus intermedirios no , entenda-se bem, absoluta; afinal, ela limi-tada pelas capacidades econmicas e culturais do pas. Um pas atrasado,alis, rebaixa freqentemente aquilo que ele empresta ao exterior para seadaptar sua cultura mais primitiva. O prprio processo de assimilaotoma, nesse caso, um carter contraditrio.10

    Esta perspectiva mais complexa, no somente econmica e tc-nica, mas tambm cultural e poltica, permite a Trotsky escapar con-cepo evolucionista que fazia da histria uma sucesso de etapas rigi-damente pr-determinadas e de esboar uma viso dialtica do desen-volvimento histrico atravs de saltos sbitos e de fuses contraditri-as: A desigualdade do ritmo, que a lei mais geral do processo hist-rico, manifesta-se com o mximo de vigor e de complexidade nos des-tinos dos pases atrasados. Sob o aoite de necessidades exteriores, avida retardatria constrangida a avanar por saltos. Desta lei univer-sal da desigualdade dos ritmos decorre uma outra lei que, na falta deuma denominao mais apropriada, chamaremos lei do desenvolvimen-to combinado, no sentido da reaproximao de diversas etapas, da com-binao de fases distintas, do amlgama de formas arcaicas com asmais modernas.11

    O exemplo que ele menciona, claro, o da Rssia czarista, um pasonde a agricultura permanecia na maior parte quase ao nvel do sculo XVII,enquanto que a indstria, por sua tcnica e sua estrutura capitalista, encon-trava-se ao nvel dos pases avanados e at mesmo, sob certos aspectos,superava-os especialmente pelo grau de concentrao da indstria, su-perior at mesmo dos Estados Unidos: em 1914, as grandes fbricas (maisde mil operrios) empregavam 17,8% da totalidade dos operrios, enquanto

    9 Leon Trotsky, Histoire de la rvolution russe, Paris, Seuil, 1962, pp. 20-21.

    10 Ibid. p. 21.

    11 Ibid. p. 21.

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    que na Rssia a proporo era de 41,4% (ns reencontramos aqui, atualiza-do, o argumento j esboado em 1906).11

    Uma das conseqncias do desenvolvimento desigual aquilo que po-deramos chamar o privilgio dos retardatrios: aqueles que chegam maistarde, os marginais, os perifricos, os atrasados do ponto de vista de umaevoluo histrica determinada econmica, social ou cultural podemtornar-se precisamente a vanguarda da transformao seguinte. Este foi ocaso, segundo Trotsky, da Revoluo Francesa: a Frana, pas no qual haviafracassado a Reforma protestante, e onde a Igreja catlica tinha permaneci-do dominante at o sculo XVIII, ser exatamente o primeiro pas a conheceruma revoluo no-religiosa, feita em nome dos princpios democrticos. Istotambm vlido para a Revoluo socialista na Rssia: Da mesma forma quea Frana fez um salto por cima da Reforma, a Rssia ultrapassou de um saltoa revoluo democrtico-burguesa.12

    Esta hiptese implica, claro, numa ruptura metodolgica com oeconomicismo to profundamente enraizado no marxismo ortodoxo (tantoo da Segunda como o da Terceira Internacional). o argumento que Trotskyfaz valer para justificar o privilgio dos retardatrios no caso da China de1927: Como a experincia russa j demonstrou (...) a poltica no possui omesmo ritmo que a economia (...) A despeito do atraso da economia chinesa,e em parte precisamente por causa deste atraso, a revoluo chinesa perfei-tamente capaz de levar ao poder poltico uma aliana dos operrios e campo-neses sob a direo do proletariado.13 Pode-se ver aqui o ponto preciso ondea teoria se dissocia do euro-centrismo, aceitando a possibilidade de que ospases perifricos sejam a vanguarda do movimento histrico.

    Infelizmente, este conjunto de hipteses no conheceu um desen-volvimento posterior na obra de Trotsky. mesmo espantoso at queponto a teoria do desenvolvimento desigual e combinado pouco pre-sente nas suas reflexes sobre os pases perifricos, seno como lem-brana do precedente russo ou como pressuposio implcita, rara-mente articulada. Uma das excees so os escritos sobre a revoluorepublicana espanhola de 1931. Mesmo reconhecendo que a Espanhapermanecia ainda na retaguarda da Europa, Trotsky pensava que ela ti-nha conhecido um desenvolvimento industrial significativo, tendo comoresultado a formao de uma classe operria moderna: Ora, a experin-

    11 Ibid. p. 25.

    12 Ibid. p. 30.

    13 Leon Trotsky, Les rapports de classe dans la rvolution chinoise, 1927, in Pierre Brou (ed.), La questionchinoise dans lInternational Communiste, Paris, EDI, 1976, p. 128, sublinhada por mim, ML.

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    cia histrica da Rssia nos demonstrou suficientemente o peso especfi-co de um proletariado unificado pela grande indstria, em um pas ondea agricultura atrasada continua presa nas redes de um regime semi-feu-dal. A propsito da luta contra estas sobrevivncias feudais no campo,ele utiliza o argumento do desenvolvimento combinado para refutar aidia de uma revoluo burguesa neste pas: na situao atual da Espanha,o capitalismo no pode explorar os camponeses de outra forma que noseja um regime semi-feudal. Dirigir a arma da revoluo contra as sobre-vivncias medievais da Espanha atacar as prprias razes da domina-o burguesa.15

    Segundo Ernst Mandel, a idia do desenvolvimento desigual e combi-nado do capitalismo mundial com a exceo da concepo de Marxsobre a determinao econmica da luta de classes a tese marxista maisamplamente assimilada desde h meio sculo, mesmo que raramente sejafeita referncia ao seu autor.16 Esta influncia direta ou difusa exer-ceu-se particularmente no domnio da economia poltica, mas tambm, deforma mais limitada, em outras cincias sociais, como a histria, a sociolo-gia ou a antropologia.

    Os trabalhos de socilogos (ou politiclogos) marxistas sobre as re-volues sociais no Terceiro Mundo especialmente na sia e AmricaLatina utilizam muitas vezes, de maneira explcita ou no, elementos dateoria do desenvolvimento desigual e combinado para tentar dar conta dasparticularidades das formaes sociais em questo, e das razes scio-eco-nmicas dos movimentos de liberao.17

    Quanto historiografia, preciso mencionar o debate que durantelongo tempo esteve no centro das controvrsias tericas e polticas na Am-rica Latina, sobre a natureza capitalista ou semi-feudal da economia coloni-al. talvez o exemplo mais flagrante do impacto da teoria do desenvolvi-mento desigual e combinado nos prprios pases perifricos.

    O ponto de vista da historiografia tradicional dos partidos comunis-tas latino-americanos representada pelos trabalhos do eminente marxistauruguaio Rodney Arismendi: as relaes de produo que a Espanha e Por-tugal transplantam sobre as terras do novo Mundo so feudais ou de tipofeudal. De forma contrria, outros pesquisadores marxistas, como o ar-

    15 Leon Trotsky, La rvolution espagnole et les tches communistes, 1931, in De la rvolution, pp. 393-395.

    16 Ernest Mandel, Trotsky. A study in the dynamic of his thought, Londres, New Left Books, p. 34.

    17 Para uma tentativa de anlise comparativa destas revolues (Iugoslvia, China, Vietn, Cuba,Nicargua) a partir da teoria do desenvolvimento desigual e combinado, eu me permito remeter aomeu livro The politics of combined and uneven development, Londres, New Left Books, 1981.

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    gentino Sergio Bagu (desde 1949), Caio Prado Jr., ele prprio membro doPartido Comunista Brasileiro (em 1951) e o chileno Marcelo Segall (em1953), vo insistir sobre a dimenso capitalista da colonizao. Alguns anosmais tarde, autores de inspirao marxista como Miliciades Pena (em 1957)e Luis Vitale (em 1966), vo utilizar a teoria do desenvolvimento desigual ecombinado para analisar a articulao entre elementos escravistas ou semi-feudais com o capitalismo, sempre insistindo sobre a predominncia decisi-va deste ltimo. Segundo Vitale, se a explorao da mo de obra pelos pro-prietrios fundirios (gamonales) conserva caractersticas residuais de tiposemi-feudal, isto no impede que o sistema de produo colonial, inteira-mente voltado para a produo de mercadorias, seja fundamentalmente ca-pitalista.18

    Este debate, cujas implicaes polticas so evidentes a revoluolatino-americana deve ser anti-feudal ou anti-capitalista ? ser retomado,num outro contexto, pela teoria da dependncia, cujos autores principais Andre Gunder Frank, Ruy Mauro Marini insistem tambm sobre a natu-reza capitalista (dependente) da colonizao e, no sculo XX, do desenvol-vimento do subdesenvolvimento na Amrica Latina.19

    Ainda em nossos dias anos 90 trabalhos em diferentes discipli-nas cientfico-sociais continuam a ser inspirados pela teoria do desenvolvi-mento desigual e combinado. Um exemplo interessante o dos trabalhosrecentes da antroploga norte-americana Carol McAllister sobre a regio doNegeri Selimban na Malsia: analisando a combinao das formas tradicio-nais de economia, de famlia e de ritos com as novas relaes econmicas esociais impostas pelo capitalismo, ela mostra como as mulheres tentam com-binar a sua participao no regime assalariado moderno com formas deresistncia tradicionalista ao desenvolvimento do capitalismo que subver-te o sistema matrilinear tradicional.20

    18 Cf. Michael Lwy, Le marxisme en Amrique Latine. Anthologie, Paris, Maspero, 1980, pp. 239-258 e 413-423.

    19 Os tericos da dependncia (especialmente Gunder Frank) se distinguem entretanto dos partidrios daconcepo do desenvolvimento desigual e combinado, pela afirmao do carter exclusivamente capitalista daseconomias latino-americanas, desde a poca da colonizao na medida em que para estes ltimos trata-semais de um amlgama entre relaes de produo desiguais, sob a dominao do capital.

    20 Carol McAllister, Tradition, changement et rsistance quotidienne, in P. Duggan e H. Dashner (eds.), Lesfemmes dans la nouvelle conomie mondiale, Cahiers dEtudes et de Recherches, 22, 1994. Cf. tambm, domesmo autor, Uneven and combined development dynamics of change in womens everyday forms of resistencein Nigeri Sembilan, Malysia, Review of Radical Political Economics, 23 (1-2), 1991.