Michel Foucault

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Michel Foucault Microfísica do Poder , Cap. XII, Soberania e Disciplina, Curso do College de France, 14 de janeiro de 1976, pp. 179-191. Triangulo: poder, direito e verdade. Questão – de que regras de direito as relações de poder lançam mão para produzir discursos de verdade? Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê- lo através da produção da verdade. O poder não para de nos interrogar, de indagar, registrar e institucionalizar, a busca da verdade, profissionaliza-a e a recompensa. Idade Média – o edifício jurídico foi construído para servir de instrumento ou justificação do poder real. Sec. XII – reativação do Direito Romano. Direito e Poder Real – dois usos: -para mostrar sob que couraça jurídica se exercia o poder real, como o monarca incarnava de fato o corpo vivo da soberania. -para mostrar como era necessário limitar o poder do soberano, a que regras de direito ele deveria submeter-se para que conservasse a legitimidade. Problema da soberania – da Idade Média em diante a teoria do direito tem o papel de fixar a legitimidade do poder.

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Disciplina e Soberania

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Michel Foucault

Microfsica do Poder, Cap. XII, Soberania e Disciplina, Curso do College de France, 14 de janeiro de 1976, pp. 179-191.

Triangulo: poder, direito e verdade.Questo de que regras de direito as relaes de poder lanam mo para produzir discursos de verdade?

Somos submetidos pelo poder produo da verdade e s podemos exerc-lo atravs da produo da verdade.O poder no para de nos interrogar, de indagar, registrar e institucionalizar, a busca da verdade, profissionaliza-a e a recompensa.

Idade Mdia o edifcio jurdico foi construdo para servir de instrumento ou justificao do poder real.Sec. XII reativao do Direito Romano.

Direito e Poder Real dois usos:-para mostrar sob que couraa jurdica se exercia o poder real, como o monarca incarnava de fato o corpo vivo da soberania.-para mostrar como era necessrio limitar o poder do soberano, a que regras de direito ele deveria submeter-se para que conservasse a legitimidade.

Problema da soberania da Idade Mdia em diante a teoria do direito tem o papel de fixar a legitimidade do poder.

Tese Foucault afirmar que a soberania o problema central do direito nas sociedade ocidentais implica, no fundo, dizer que o discurso e a tcnica do direito tiveram basicamente a funo de dissolver o fato da dominao dentro do poder para, em seu lugar, fazer aparecer duas coisas: por um lado, os direitos legtimos da soberania e, por outro, a obrigao legal da obedincia (p.181).

Projeto Foucault fazer sobressair o fato da dominao no seu ntimo e em sua brutalidade e a partir da mostrar como o direito instrumento dessa dominao e como pe em prtica, veicula relaes que no so relaes de soberania, mas sim de dominao [...] O Direito deve ser visto como um procedimento de sujeio, que ele desencadeia, e no como uma legitimidade a ser estabelecida. O problema, evitar a questo central para o direito da soberania e da obedincia dos indivduos que lhe so submetidos e fazer aparecer em seu lugar o problema da dominao e da sujeio.

Dominao no o rei em sua posio central, mas os sditos em suas relaes recprocas: no a soberania em seu edifcio nico, mas as mltiplas sujeies que existem e funcionam no interior do corpo social.

Precaues Metodolgicas:

1)Captar o poder na extremidade cada vez menos jurdica de seu exerccio.No se trata de analisar as formas regulamentares e legtimas do poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes. Trata-se de captar o poder em suas extremidades, em suas ramificaes, l onde ele se torna capitar [...] no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em instituies, corporifica-se em tcnicas e se mune de instrumentos de interveno material, eventalmente violento.

2)Produo dos Sditos X Produo do Soberano: Estudar o poder em sua forma externa. Ao invs de perguntar como o soberano aparece no topo, tentar saber como foram constitudos, progressivamente, materialmente, os sditos, a partir da multiplicidade dos corpos, das foras, das energias, das matrias, dos desejos, dos pensamentos. Captar a instncia material da sujeio enquanto constituio dos sujeitos.

Inverso deHobbes no Leviat, assim como todos os juristas, o problema saber como, a partir da multiplicidade dos indivduos e das vontades, possvel formar umavontade nica, um corpo nico movido por uma alma que seria a soberania.

3)Poder como fluxo em rede indivduo = centro de transmisso.No tomar o poder como um fenmeno de dominao macio e homogneo. O Poder no algo que possa dividir entre aqueles que o possuem e o detem e aqueles que no o detm e so submetidos.O poder deve ser analisado como algo que circula, como algo que s funciona em cadeia. Nunca est localizado. Ele funcione e se exerce em rede.Os indivduos nunca so o alvo inerte ou consentido do poder, so sempre centros de transmisso. Ou seja, o poder no se aplica aos indivduos, passa por eles.O indivduo no o outro do poder: um de seus primeiros efeitos. O poder passa atravs do indivduo que ele constituiu.

4) Deve-se fazer umaanlise ascendente do poder: partir dos mecanismos infinitesimais que tm uma histria, um caminho e depois examinar como esses mecanismos vo se transformando em mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominao global.Investigar como estes mecanismos de poder, em dado momento, em uma conjuntura precisa e por meio de um determinado nmero de transformaes comearam a se tornareconomicamente vantajosos e politicamente teis.

5)Produo de Saber x Produo de Ideologia:O Poder, para exercer-se nestes mecanismos sutis, obrigado a formar, organizar e por em circulao um saber, ou melhor,aparelhos de saberqueno so construes ideolgicas. So instrumentos reais de formao e de acumulao de saber: mtodos de observao, tcnicas de registro, procedimentos de inqurito e de pesquisa, aparelhos de verificao.

Leviat- preciso estudar o poder colocando-se fora do modelo do Leviat, fora do campo delimitado pela soberania jurdica e pela instituio estatal. preciso estuda-lo a partir das tcnicas e tticas de dominao (p.186).

A teoriajurdico-poltico da soberaniadesempenhou 4 papis:1. referiu-se a um mecanismo de poder efetivo, o da monarquia feudal.2. serviu de instrumento e justificativa para a constituio das grandes monarquias administrativas;3. a teoria da soberania foi uma arma que circulou para limitar ou reforar o poder real (seculos XVI, XVII e guerras da religio).4. sec. XVIII, a teoria da soberania reativada a partir do Direito Romano, desempenhando um quarto papel: construir um modelo alternativo contra as monarquias administrativas, autoritarias ou absolutas, o das democracias parlamentares.

Sociedade Feudal a teoria da soberania recobria a totalidade do corpo social, ela dizia respeito mecnica geral do poder, a maneira como este se exercia.Aqui, o modo como o poder era exercido podia ser traduzido em termos da relao soberano-sdito:-forma de poder que se exerce mais sobre a terra e seus produtos;-se refere extrao e apropriao pelo poder dos bens e da riqueza e no do trabalho.-permite transcrecer em termos jurdicos obrigaes descontinuas;-possibilita fundamentar o poder na existncia fsica do soberano, sem recorrer a sistemas de vigilncia contnuos;

Sociedade Disciplinar sculo XVII, XVIII inveno de uma nova mecnica do poder, incompatvel com as relaes de soberania.-se exercecontinuamenteatravs davigilnciae no descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigaes distribudas no tempo;-supe mais um sistema minucioso decoeroes materiaisdo que a existncia fsica de um soberano;-novaeconomia do poder: deve propiciar o crescimento das foras dominadas e o aumento da fora e da eficcia de quem as domina.-fundamental para a constituio do capitalismo industrial e da sociedade que lhe corresponde.

Persistncia da teoria da soberania: o poder disciplinar alheio forma da soberania. radicalmente heterogneo. Ele deveria ter causado o desaparecimento do grande edifcio jurdico daquela teoria.Mas ateoria da soberaniacontinua existindo como umaideologiae como principioorganizadordo direito por dois motivos:-funcionou como instrumento de crtica contra a monarquia;-permitiu sobrepor aos mecanismos da disciplina um sistema de direito queocultava seus procedimentos e tcnicas de dominao, e garantia o exercicio dos direitos soberanos de cada um atravs da soberania do Estados.

Os sistemas jurdicos permitiram uma democratizao da soberania, atravs da constituio de um direitopblico articulado com a soberania coletiva, no exato momento em que esta democratizao fixava-se profundamente, atravs dos mecanismos de coero disciplinar (p.188-189).

A partir do momento em que as coaes disciplinares tinham que funcionar como mecanismos de dominao e, ao mesmo tempo, se camuflar enquanto exerccio efetivo de poder, era preciso que a teoria da soberania estivesse presente no aparelho jurdico e fosse reativa pelos codigos.

Sociedades Modernas(seculo XIX at hoje) temos uma legislao, um discurso e uma organizao do direito publico articulados em torno doprincpio do corpo sociale dadelegao de poder; e por outro, um sistema minucioso de coeres disciplinares que garanta efetivamente a coeso deste mesmo corpo social.

Direito de Soberania e um mecanismo de disciplina: dentro destes limites que se d o exerccio do poder.Problema o sistema disciplinar no pode ser absolutamente transcrito no interior do direito que , no entanto, o seu complemento necessrio.

Norma X LeiAs disciplinas tem o seu discurso. Elas so criadoras deaparelhos de sabere de mltiplos domnios deconhecimentos.O discurso da disciplina alheio ao da lei e da regra enquanto efeito davontade soberana.As disciplinas veicularo um discurso que ser o da regra, no da regra jurdica derivada da soberania, mas o daregra natural, quer dizer, da norma.Seu horizonte terico o domnio das cincias humanas, a sua jurisprudencia ser a de um saber clnico.

Na luta contra o poder disciplinar, no na direo do velho direito da soberania que se deve marchar, mas na direo de um novo direito antidisciplinar e, ao mesmo tempo, liberado do princpio da soberania (p.190).