Mídia e sistema penal no capitalismo tardio

19

Transcript of Mídia e sistema penal no capitalismo tardio

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 1/18

 

MfolA

Midia e sistema penal

no capital ismo tard io

NILO BATISTA

Uma especial vinculacao entre a rnidia elo sistema penal constitui, por si mesma, im-J·

portante caracteristica dos sistemas penais d o l :capitalismo tardio! . Tal vinculacao, marcada\:

por militante legitirnacao do (ou, para usar

um termo da rnoda, "parceria" com 0) siste-

ma penal - "parceria" na qual as formulas

bisonhas do editorial ou do espaco cedido ao

"especialista" concorde sao menos importan-

tes do que as mensagens implicitas, que tran-

sitam da publicidade as materias esportivas -

tal vinculacao levou Zaffaroni a incluir, emseu rol de agendas do sistema penal, as "agen-

cias de cornunicacao social", e os exemplos.

que ministrou ("radio, televisao e jorna is")" ' !

deixam clare que nao se referia aos servicos:

de relacoes publicas de tribunais ou '

corporacoes policiais. Uma das constatacoes

do presente trabalho sinaliza para a ultrapas-

sagem da mera funcao comunicativa por par-

te da rnidia, e nesse sentido falaremos daexecutivtzecso dessas agencias de comuni-

cac;~o sociaTa6 sistema penal.

Nao se cometera a ingenuidade de su-

por que a legitirnacao do sistema penal pela

imprensa seja algo exclusivo da conjuntura

econornica e polltica que vivemos: existern,

contudo, certos elementos ineditos, que nao

podem ser associ ados apenas aos recentes

saltos tecnol6gicos. Quando a imprensa, no

seculo XVIII, acossada e censurada pelas

burocracias seculares e religiosas do Anti-

go Regime, se engaja na revolucao burgue-

sa, participa intensamente do esforco pela

deslegitirnacao racional das velhas crimina-lizacoes de linhagem inquisitorial e pel a

abclicao das penas corporals cruets e

desproporcionais. Na fundacao hist6rica do

direito penal liberal, portanto, tendia a im-

prensa - afinada com 0 pensamento ilus-

trado, filos6fico e juridico - a lirnitacao e

ao controle do poder punitivo, larga e

espetaculosamente exercido pelo absolutis-

mo, e pagava por isso . A primeira edic;aode Dei de/itti e delle pene e a edicao de um

panfleto ap6crifo, cujo timorato autor pre-

271

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 2/18

 

via problemas que efetivamente se esboca-

ram quando, provavelmente sob encomen-

da do Conselho de Veneza, incomodado

pelas consideracoes de Beccaria acerca das

denuncias anonimas, frei Angelo Fachinei

o questionou duramente. Alias, nao seria

impr6prio assinalar nessa conjuntura aos

panfletos e livros uma funcao perante os sis-temas penais analoga a das drogas ilicitas

no ultimo quartel do seculo XX: nao era ne-

cessario escreve-los ou trafica-Ios, sendo su-

ficiente adquiri-Ios, guarda-los ou traze-los

consigo, para usa pr6prio. No Rio de Janei-

ro de 1794, Silva Alvarenga - entre outros

- permaneceria preso por quase tres anos

pela posse para usa proprio de obra dos aba-

des Raynal e Mably, pouco Ihe aproveitan-

do defender-se alegando que "nao lera os

ditos Iivros'? r antecipacao brasileira do "fu-

mei mas nao traguei" do candidato Clinton.

Descartemos desde logo a rnistificacao,

recorrente nas idealizacoes historiograficas

da imprensa burguesa, de que suas linotipos

guardaram fidelidade a este dificil comec;o,

em nosso pais representado seja pela sirnul-

tanea instalacao, em 1808, da lmpressao

Regia e da censura nas atividades de uma

junta administrativa que velaria para que

"nada se imprimisse contra a religiao, 0 go-

verno e os bons costumes'", seja pela sig-

nificativa circunstancia de Hip61ito da Cos-

ta ter de imprimir 0Correio Braziliense em

Londres. Sern embargo de orgaos e jorna-

listas que, isolada e eventualmente, perce-

beram e profligaram as opressoes penais, aimprensa legitimou intensamente 0 poder

punitivo exercido pela ordem burguesa,

assumindo um discurso defensivista-social

que, pretendendo enraizar-se nas Fontes li-

berais ilustradas, nao lograva disfarc;ar seu

encantamento com os produtos te6ricos do

positivismo criminol6gico, que naturaliza-

va a inferioridade biol6gica dos infratores.

Quem se assusta hoje com 0 " th re e s tr ik esand you are out" californiano poderia per-

feitamente ter-se assustado ha cento e vinte

anos, quando von Liszt propunha 0 isola-

mento por tempo indeterminado para a ter-

. ceira condenacao por certos delitos? . 0 con-

trole penal da indisciplina operaria, de anar-

quistas e do lumpesinato urbano - dos "vi-

das tortas" (vadios, prostitutas, mendigos) -

recebeu em geral da imprensa 0 mesmo in-

centivo que, nos dias atuais, recebem asrazzias de guardas municipais contra came-

los e flanelinhas, ou a mesma cornplacen-

cia que merecem hoje as mortes acidentais

nas violentas incurs6es policiais pelas fave-

las.

A especificidade da vinculacao midia-

sistema penal no capitalismo tardio deve ser

procurada antes de tudo nas condicoes so-

ciais dessa transicao economica.-Nao e uma

novidade hist6rica 0 emprego em escala da

intervencao penal por ocasiao de transicoes

econornicas, como Rusche e Kirchheimer

perceberam na dissoiu~~--~

os desajustados daquela conjuntura seriam

rnacicamente executados ate que seu apro-

veitamento util , entre as casas de raspagem

holandesas e os internatos de pobres ingle-

ses, inventasse a prisao". 0 empreendimento

neoliberal, capaz de destruir parques indus-

triais nacionais inteiros, com consequentes

taxas alarmantes de desemprego; capaz de

"flexibilizar" direitos trabalhistas, com a ine-

vitavel criacao de subempregos; capaz de,

tomando a inseguranc;aeconomica como prin-

cipio doutrinario, restringir aposentadoria e

auxilios previdenciarios, capaz de, em nome

da competitividade, aniquilar procedimen-tos subsidiados sem considerar 0 custo so-

cial de seus escombros; 0 empreendimento

neoliberal precisa de um poder punitive

onipresente e capilarizado, para 0 controle

penal dos contingentes humanos que ele

mesmo marginaliza. Paralelamente, nao ha

cornparacao possivel entre os honestos ga-

nhos dos editores da Enciclopedia" e os lu-

cros astronornicos dos grandes neg6cios dastelecomunicacoes, cuja tecnologia consti-

tui um dos recursos materiais da pr6pria tran-

272

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 3/18

 

si~ao econornica, alern de contribuir sig-

nificativamente para as pr6prias agencias do

sistema penal. A acurnulacao de capital que

as negocios das telecornunicacoes propi-

ciam transferiu as empresas de informacao

para um lugar economico central: Pierre

Bourdieu, em sua aula televisiva, tratou logo

de lembrar "que a NBC e propriedade da

General Electric (0 que significa dizer que,

caso ela se aventure a fazer entrevistas com

os vizinhos de uma usina nuclear, e prova-

vel que ... alias, isso nao passaria pela ca-

beca de ninguern), que a CBS e proprieda-

de da Westinghouse, que a ABC e proprie-

dade da Disney?". Em termos brasileiros,

seria imaginavel uma reclamacao contra os

services da Nextel veiculada pelo Jornal Na-cional, ou contra uma lista classificada da

OESP na primeira pagina do Estadaoj

o compromisso da imprensa - cujos

orgaos informativos se inscrevem, de regra,

em grupos econornicos que exploram os

bons neg6cios das telecornunicacoes - com

o empreendimento neoliberal e a chave de

cornpreensao dessa especial vinculacao rni-dia-sistema penal, incondicionalmente le-

gitimante. Tal legitirnacao implica a cons-

tante alavancagem de algumas crencas, e

um silencio sorridente sobre inforrnacoes

que as desmintam. 0 novo credo Icriminologico da midia tem seu nucleo

irradiador na propria ideia de pena: antes

de mais nada, creern na pena como rito sa-

g;a~~e solw;ao'de conflitos. Pouco im-

por a 0 fundamento legitimante: se na uni-

versidade um retribucionista e um

preventista sisternico podem desentender-

se, na midia complementam-se harmonio-

samente. Nao ha debate, nao hil atrito: todo

e qualquer discurso legitimante da pena e

bem aceito e imediatamente incorporado a

massa argumentativa dos editoriais e das cro-

nicas. Pouco importa 0 fracasso hist6rico

real de todos os preventivismos capazes de

serem submetidos a constatacao empirica,

como pouco importa 0 fato de um retribu-

cionismo puro, se e que existiu, nao passar

de um ate de F e ; oeste ultimo caso, talvez

por isso mesmo 0 principio da negacao

dialetica do injusto atraves da pena nunca

tenha alcancado um tao desnaturado suces-

50. A equacao penal - se houve delito, temu

quenaver pena - a equacao penal e a lente

ideologica que se interpoe entre 0 olhar da

midia e a vida, privada ou publica.

A primeira consequencia da fe na equa-

~ao penal e conduzir a certos habitos men-

tais que recordam aquela inversao da vio-

la~ao tabu, descrita por tantos antropolo-

gos: se a desgraca sobreveio, e certo que

houve infracao. Os temporais natalinos de

2001, com um saldo tragico de dezenas demortos no estado do Rio de Janeiro, impri-

miram a seguinte manchete: "Ministerio PU-

blico busca responsaveis pelas mortes" (0

Clobo, 28.dez.Ol, p.ll). Se houve mortes,

e certo que houve homicidio; do resto se

encarregara uma muito mal digerida teoria

da omissao,

A segunda consequencia da fe na equa-c;:aopenal reside no incornodo gerado pe-

los procedimentos legais que intervern para

a atestacao judicial de que 0 delito efetiva-

mente ocorreu e de que 0 infrator deve ser

responsabilizado penalmente por seu come-

timento. Iensoes graves se instauram entre

o delito-noticia, que reclama imperativa-

mente a pena-noticia, diante do devido pro-

cesso legal (apresentado como um estorvo),

da plenitude de defesa (0 locus da malicia

e da indiferenc;:a), da presuncao de inocen-

cia (imagine-se num flagrante gravado pela

cameral) e outras garantias do Estado de-

rnocratico de direito, que s6 Iiberarao as

rnaos do verdugo quando 0 delito-processo

alcancar 0 nivel do delito-sentenca (= pena-

noticia). Muitas vezes essas tensoes sao re-

solvidas por alguns operadores - advoga-

dos, promotores ou juizes mais fracos e sen-

siveis as tentacoes da boa imagem - medi-

ante flexibilizacao e cortes nas garantias que

273

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 4/18

 

distanciam 0 delito-noticia da pena-noticia.

No processo de rninirnizacao do Poder Iu-

diciario, 0 neoliberalismo se vale de instru-

mento analogo aos empregados na sua obra Abaixo destas crencas, e de outras que

econornico-social. tH , delas derivam, temos a Igreja e seus sacer-

1 ores. ou seja, 0 sistema penal e seus ope-

Bem proximo ao dogma da pen a en- \ radores. As irnperfeicoes do sistema penal

,\ contramos 0 dogm~ criminalizac;:ao pro- I sao vistas como produtos da corrupcao hu-4 " ~q_'-oAgora:--naforma de uma deusa ala- mana no trato da fe. A brutalizacao a qual

. da onipresente, vemos uma cnrrunalizacao se expoern os integrantes das agencias poli-

que resolve problemas, que influencia a cia is nao passa de uma questao moral (a

alma dos seres humanos para que eles pra- chamada "banda podre" nao configura uma

tiquem certas acoes e se abstenham de ou- constante subcultural com raizes no exercf-

tras - e sempre com 0 devido cuidado -, cio profissional, e sim uma opcao etica da-

que supera crises cambiais, insucessos es- que las rnacas): a advocacia criminal cons-

portivos e e mesmo capaz de semear Ia- titui modalidade consentida de cumplicida-

vouras, nao nos desmintam as penitencia- de ex post facto com0

delito; membros dorias agrfcolas. A crirnlnalizacao, assim en- Ministerio Publico veern-se enaltecidos na

tend ida, e mais do que um ate de governo razao direta do desprezo que ten ham pela

do principe no Estado minima: e muitas privacidade e outros direitos civis dos acu-

vezes 0 unico ate de governo do qual dis- sados; magistrados que levem a serio a ta-

poe ele para administrar, da maneira mais refa de velar pelas garantias constitucionais

drastica, os proprios conflitos que criou. e de conter 0 poder punitivo ilegal ou irra-

Prover mediante criminalizacao e quase a cional sao fracos e tolerantes (a tolerancia

un ica medida de que 0 governante ja nao e uma virtude. como supunha Locke):

neoliberal dispoe: poucas normas ousa ele Os problemas do sistema penal sao sempre

aproximar do mercado livre - fonte de cer- e sempre conjunturais, eo melhor exemplo

to jusnaturalismo globalizado, que paira aci- e a penitenciaria. A despeito de todos os

ma de todas as soberanias nacionais -, po- relat6rios, de John Howard a ultima inspe-

rem para garantir 0 "jogo limpo" ~ao - melhor se diria, ao ultimo motim-,

mercadologico a unica polftica publica que apontarem para a irrernediavel deterioracao

verdadeiramente se manteve em suas rnaos do emprisonamento sobre sua clientela, de

e a politica criminal. Alguern se recorda da que as taxas de reincidencia penitenciaria

ultima vez - a parte 0 caso da chamada sao 0 menos expressivo sinal, a boa peni-

"Iei da mordaca", que pretendia intervir nos tenciaria nos aguarda, num futuro eterna-

canais de comunicacao entre operadores mente adiado. Especial relevo ganham aqui

do sistema penal e suas agencias de cornu- os discursos que, afinados com as novas ten-

nicacao - alguern se recorda da ultima vez dencias, assumem a prisao pes-industrial

em que a pr ornulgacao de uma lei como lugar de mere confinamento e

criminalizante foi objeto de critica pela irn- neutralizacao do infrator. Em sintese, ne-

prensa? Tarnbern aqui pouco importa que nhuma das violencias penais ultrapassa a

a crirninalizacao provedora seja uma tala- consideracao de disfuncoes rnornentaneas,

cia, uma inocua resposta sirnbolica (com desvios ocasionais no mais importante con-

efeitos reais) atirada a um problema real junto de reparticoes publicas que 0 Estado

(com efeitos sirnbolicos): acreditar em bru- ainda detern, embora com crescente parti-xas costuma ser a primeira condicao de efi- cipacao privada. A irnportancia de um flu-

cienci a da justica criminal, como os xo permanente de inforrnacoes acrfticas so-

inquisidores Kraemer e Sprenger sabiam

muito bern'".

274

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 5/18

 

bre 0 sistema penal sera melhor aferida

quando observarmos que uma de suas mar-

cas em sociedades de classes, a seleti-

vidade, pode com exito ser disputada e

manipulada pela mfdia.

Olhar para as relacoes entre a midia e

o sistema penal no capitalismo tardio im-plica abandonar instrumentos metodol6-

gicos tradicionais, essencialmente interes-

sados no que se denominava crirninoge-

nese cornunicacional!". Sem embargo da

contribuicao de muitos trabalhos assim ori-

entados, cumpre reconhecer que quando

o jornalismo deixa de ser uma narrativa

compretenS]"o de fidedignidade sobre a

investigacao de um crime ou sobre um pro-cesso em curso, e assume diretamente a

funcao investigat6ria ou promove uma re-

construcao dramatizada do caso - de al-

cance e repercussao fantasticamente supe-

riores a reconstrucao processual =, passou

a atuar politicamente. Quem duvida de-que

o'sinfelizesroragidos cujos crimes sao re-Il

quintadamente exibidos no programa Li-!'

nha Direta estao sendo julgados, sem de-l ]

fesa, naquele momento, e nao pelo jU~'r

que referendara 0 veredicto de Domingos \

Meirelles? Simplesmente, poderfamos dizer I

que 0 tratamento do assunto se desloca da

estetica - recorde-se 0 interesse do posi-

tivismo criminol6gico por literatura - para

a ciencia politica, e portanto os juristas tern

algo a dizer e devem dize-lo. Rigorosa-

mente, 0 jornalismo ja estaria nesse ambi-

to a partir do debate, tao escamoteado en-

tre n6s, da pioneira privatizacao real- atra-

ves de concess5es feudalizantes - da radi-

odifusao e da televisao? . 0 metodo da ana:'

lise de discurso!' foi empregado com su- Icesso num estudo sobre 0 programa Linha (

Direta, ao qual nos referiremos adiante. /

Editoriais

o rnetodo indiciario'" sugeriria que pas-

sassernos rapidamente pelos editoriais, onde

encontraremos as forrnulacoes legitimantes

mais explicitas e alvares, assumidamente opi-

nativas e doutrinais. Ha, contudo, dois bons

motivos para aborda-Ios, Em primeiro lugar,

sendo 0 editorial 0 lugar jornalfstico da argu-

mentacao e da polernica, concentra-se nele a

disputa desigual entre 0 acuado discurso

criminol6gico acadernico e 0 discursocriminol6gico midiatico. Se, atraves da inves-

tigacao direta de delitos, da circulacao de

pautas de interesse criminal, ou da franca in-

tervencao sobre processos em andamento, as

agencies de cornunicacao social do sistema

penal se aproximam das agencias executivas,

precisam de um discurso para fundamentar

sua performance. Mais do que isso, precisam

que seu discurso se imponha aos concorren-tes. Neste sentido, toda e qualquer reflexao

que deslegitime aquele credo criminol6gico

da midia deve ser ignorada ou escondida: ne-

nhuma teoria e nenhuma pesquisa questiona-

dora do dogma penal, da crirninalizacao pro-

vedora ou do proprio sistema penal sao vei-

culados em igualdade de condicoes com suas

congeneres legitimantes. Os editorials, que

desconhecem as primeiras e enaltecem as se-

gundas, estariam, dessa forma, pretendendo

escusar-se por uma especie de erro que lem-

bra a ignorantia affectata do direito canonico.

o fato e que a universidade nao consegue

influenciar 0 discurso criminol6gico da mi-

dia, mas a reciproca nao e verdadeira: a midiapauta um bom nurnero de pesquisas acade-

micas, remuneradas em seu desfecho por

consagradora divulgacao, que revela as rnul-

tiplas coincidencias que as viabilizaram.

Em segundo lugar, cabe anotar as con-

tradicoes e arnbiguidades do discurso mi-

diatico. Mais de uma vez observamos que uma

caracteristica dos sistemas penais do capita-

lismo tardio reside numa dualidade perversa:

para os consurnidores. mil expedientes para

evitar a institucionalizacao: para os consumi-

dores frustrados, encarceramento neutralizanteduradouro. No Brasil, terfamos esses dois ei-

xos bem representados na lei n° 9.099, de

275

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 6/18

 

26.set.95, de um lado, e nas leis concer-

nentes aos chamados crimes hediondos, de

outro. Pois bem, 0 tema da prisonizacao,

dos efeitos deteriorantes da privacao de li-

berdade sobre 0 condenado, funciona nos

editoriais para 0 primeiro campo, e desapa-

rece deles para 0 segundo. Nao por acaso,

isto se repete tarnbern nos textos dos especi-

alistas que participam da elaboracao do dis-

curso rnidiatico. Leiamos um pequeno tre-

cho de artigo de lulita Lembruber:

Vamos reservar as pris6es para os cri-

minosos violentos e perigosos. Todos

os outros pod em e devern ser punidos

com penas alternativas!".

Restaria para a psicologia judiciaria a

estafante construcao conceitual do viol6-

grafo, eis que 0 fracasso do perigometro ja

comemorou um seculo,

Nao nos deteremos sobre 0 nivel teorico

dos editoriais. Boris Casoy repete sempre 0

mesmo bordao ("isto e uma vergonha" ou "isto

tem que acabar") sempre que nao esta com-

preendendo muito bem um assunto criminal.

o f B afastava do ambito dos direitos huma-

nos alguns acusados de trafico de drogas que,

"comportando-se como animais selvagens,

nao merecem qualquer comiseracao"!". Um

policial que, de Diadema a Cidade de Deus,

lesse isto, poderia sentir-se incentivado a es-

pancamentos; pobre dele, estaria - esteve -

na primeira pagina.

Especialistas

A posicao estrategica da questao crimi-

nal na midia esta muito distante da suposi-

cao ingenua - ainda que nao necessaria-

mente falsa - de que 0 sangue sempre au-

menta as vendas. 0 discurso crirninologico

midiatico pretende constituir-se em instru-

mento de analise dos conflitos sociais e das

instituicoes publicas, e procura fundamen-

tar-se numa etica simplista (a "etica da paz")

e numa historia ficcional (um passado ur-

bano cordial; saudades do que nunca exis-

tiu, aquilo que Gizlene Neder chamou de

"utopias urbanas retrogradas"!"). 0 maior

ganho tatico de tal discurso esta em poder

exercer-se como discurso de lei e ordem

com sabor "politicamente correto". Natu-

ralmente, esse discurso admite aliar-se a

outros que nao lhe reneguem 0 ponto de

partida: a modernidade realizou-se plena-

mente, suas promessas estao cumpridas, e

se 0 resultado final e decepcionante, trate-

mos de atenua-lo pela caridade, pelo vo-

luntariado, por campanhas publicitarias:

mas lei e lei. Paralelamente a teorias 50-

ciais que excluem a conflitividade de suas

costuras, caminham concepcoes juridicas

para as quais a teoria do delito e 0 maisaudacioso limite da reflexao. Os conflitos

sociais podem dessa forma ser lidos apenas

pela chave infracional: a tragedia fundiaria

brasileira e reduzida a dogrnatica do

esbulho possessorio, ainda que, para hon-

ra nossa, alguns tribunais tenham, em

acordaos jamais noticiados na plenitude de

suas estruturas argumentativas, encontrado

no texto constitucional a superacao desseparadigma mediocre. A pena ja nao inte-

ressa tanto como inflic;:ao de sofrimento ou

mesmo formula desastrada de solucao de

conflitos: a pena interessa como recurso

epistemol6gico, como instrumento de com-

preensao do mundo. Por outro lado, 0 des-

monte do Estado encontra neste discurso

uma eficiente picareta, capaz de exibir os

vieios da burocracia estatal - historicamen-te dominada pelas oligarquias nacionais -

como urn problema do pr6prio Estado e

nao das classes sociais que quase sempre 0

ocuparam. Trata-se de procedimento ana-

logo a enfatica negacao de qualquer

determinismo nos crimes patrimoniais pra-

ticados por pobres: a "rnoralizacao" do

delito e a legitima sucessora de sua "natu-

ralizacao" positivista, e os caminhos da

responsabilizacao penal ficam livres de todo

escrupulo, No reino do individualismo, so

o individuo pode ser responsavel por estar

276

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 7/18

 

na penitenciaria.

o discurso criminol6gico da rnidia, cuja

importancia politica dispensa maiores con-

sideracoes, nao se realiza apenas como no-

ticiario, cronica (ainda que muitos cronis-

tas se dediquem a ele) ou opiniao (editori-

ais): aquelas secoes cientificas, versando

da medicina a astronomia, vieram juntar-

se umas secoes criminol6gicas, regulares

ou nao, 0 formato habitual das rnaterias

criminol6gicas noticiam resultados, parci-

ais ou finais, de pesquisas academicas.

FreqOentemente, e possfve] reconhecer a

fonte do financiamento a partir do objeto

ou do rnetodo de tais pesquisas. Quando

o governo do estado do Rio de Janeiro,

dentro da "pedagogia da paz", promovia

uma campanha contra armas, imediatamen-

te 0 Iser concluiu uma pesquisa afirmando

que as vitirnas de roubo que estejam ar-

madas sao mais suscetfveis de serem rnor-

tas - conclusao extraida de duas dezenas

de casos, que desconsiderava a substan-

ciosa cifra oculta de reacoes exitosas por

parte de vltirnas armadas, nao registradas.A pauta criminol6gica do FMI (custo do

preso, lavagem de dinheiro, responsabili-

dade fiscal) quase sempre respondem fi-

nanciamentos externos. Verbas da area da

saude ressuscitam 0 paradigma epidemic-

16gico, cuja versao p6s-moderna confron-

ta-se com 0horror de que - como na born-

ba de neutrons - ja nao se cogita de ani-

quilar os cortices, mas sim seus habitan-tes. criminalizados pela droga.

Enunciados secundarios do discurso

criminol6gico da mldia ("a impunidade au-

menta 0 numero de crimes"; "nas drogas e

como uma escada, passa-se das mais le-

yes para as mais pesadas"; "penas eleva-

das dissuadem", etc), que nao alcancari-

am jamais constatacao ernpfrica, por se-rem completamente indernonstraveis, pre-

cisam de um respaldo "cientifico", que os

conduza respeitavelmente a doutrina dos

editoriais. E at que entram os especialistas.

Como 0discurso criminol6gico da midia

nao representa 0 produto de um esforco

na direcao do saber, mas sim uma articula-

c;:ao ret6rico-demonstrativa daquele credo

a que nos referimos, ele selecionara os es-

pecialistas segundo suas opinioes coinci-

dam ou dissintam daquelas crencas.

Bourdieu at~ibuiu-Ihes 0 nome provo-I [

cante de fast-thinkers: if

Se a televisao privilegia certo nurnero

de fast-thinkers que propoern um fast-

food cultural, alimento cultural pre-di-

gerido, pre-pensado, nao e apenas

porque (...) eles tern uma caderneta deenderecos, sempre a mesma (sabre a

Russia, a sr. X ; sobre a Alemanha, 0

sr. V): ha falantes obrigat6rios que

deixam de procurar quem teria real-

mente alguma coisa a dizer, em geral

jovens ainda desconhecidos, ernpe-

nhados em sua pesquisa, pouco pro-

pensos a frequenter a mldia, que seria

preciso ir procurar, enquanto que se

tem a mao, sempre disponiveis e dis-postos a parir um artigo ou a dar uma

entrevista, os habitues da rnldia'".

Credenciados pelo exercfcio profissio-

nal ou academico, pela ocupacao de um

cargo publico ou mesmo por um epis6dio

de vida privada (associacao de vltirnas, etc),

os especialistas sao chamados a comple-

mentacao do noticiario, quando suas pro-prias ideias nao sejam a notfcia. 0 caso

do "maniaco do parque" exumou a psi-

quiatria forense mais rasteira e atrasada: cri-

mes ambientais chamam a opiniao de bi6-

logos e militantes verdes, que ingressam

lepidamente em tormentosas questoes juri-

dico-penais; na violencia policial contra a

classe media, a troupe dos direitos huma-

nos ganha0

centro do picadeiro, de ondee retirada, meio constrangida, quando 0

motim na penitenclaria foi por fim centro-

lade; etc. A regra de Duro deste circe, em-

277

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 8/18

 

bora nem sempre percebida claramente, e

que a fala do especialista esteja concorde

com 0 discurso criminol6gico da mfdia: se

algum trecho se afasta do credo, sera bani-

do na publicacao "editada" da fala.

o alimento criminol6gico do publico,

portanto, sao esses harnburgueres concei-

tuais, servidos em poucas lin has nos jornais

/ e em poucos segundos na televisao, Nao

cabe examinar seu baixo nfvel nutricional.

Sua reciclagem pela cronica e frequente,

como se pode ver na seguinte passagem:

Como dizem os especialistas no assun-

to, a lavagem de dinheiro atraves do

sistema financeiro transnacional exigealgum grau de organizacao, porque

precisa de uma rede de apoio fora do

Brasil!".

Ausente desta passagem todo 0 questio-

namento te6rico ao conceito de crime orga-

nizado; bem demarcadas as diferencas entre

o sistema financeiro transnacional, "Iimpo"

e "etico", eo dinheiro que pode suja-lo, se-

ria mesmo preciso um especialista para for-

mular sua asserca o basica ? Se 0 assunto fos-

se qufmica, alguem invocaria um saber es-

pecializado para a f6rmula da agua: como

dizem os especialistas, a agua e composta

par hidrogenio e oxigeniod A primeira ora-

cao (''Como dizem os especia /istas no as-

sunto") nao ultrapassa a funcao de argumento

de autoridade; poderia ser suprimida sem

qualquer perda semantics. Sua irnportancia

e puramente ret6rica: 0 cronista-criminologo

esta fundamentado nos especialistas, e a co-

incidencia entre suas concepcoes nao passa

de mera coincidencia. Rene Dotti acertou

em cheio quando, arrolando as dez pragas

do sistema penal brasileiro, incluia entre elas

o que denominou de "juizes paralelos: de-

terminados profissionais da midia eletronica

e muitos juristas de plantae (... ), ap6stolosda suspeita terneraria e militantes da presun-

cao da culpa'?" .

Vigilantismo

Sabe-se hoje que a criminalizacao se-

cundari a - realizada seletivamente, e ain-

da assim na dependencia de fatores alea-

t6rios que, dentre outros, vao da iniciativa

ou omissao da vitima em registrar 0 delito

ao interesse ou desinteresse da agencia po-licial em investiga-lo - a crirninalizacao se-

cundar ia nao passa de ser pifia

amostragem, construida segundo 0 jogo dos

estere6tipos criminais e das vulnerabilidades

socia is, do grande incognosclvel da

criminologia: a criminalidade real (ou seja,

a totalidade dos fatos que poderiam

subsumir-se na prograrnacao criminalizante

prirnaria, nas leis penais). Por isso mesmose afirma que 0 poder criminalizante se-

cundario e "pouco significativo no marco

total do controle social", e que a criminali-

zacao secundaria "e quase um pretexto"

para um "forrnidavel controle configurador

positivo da vida social, que em nenhum

momenta passa pelas agencias judiclais'?':

a vigilancia sobre a populacao. Detencoes

breves, esclarecimentos de identidade, ob-

servacao das atividades, registros oficiais

ou paralelos, "grampos" telefonicos - au-

torizados ou nao -, acesso clandestino a

informacoes sigilosas bancarias ou fiscais

sao alguns exemplos desse poder de vigi-

lancia que 0 sistema penal, mesmo parale-

la ou subterraneamente, exerce. Pense-se

em como a criminalizacao das drogas e

diariamente utilizada como pretexto para

o exercicio de vigilancia, e considere-se

que no exercicio de tal poder a seletividade

e muito mais atenuada do que na crimina-

liza ca o se cu nd aria : ap6s a privatizacao da

telefonia, no Brasil, os psicanalistas perde-

ram a primazia estatistica da escuta.

o vigilantismo nasceu no capitalismo in-

dustrial, e devemos a Bentham sua formu-

lacao mais sincera e alucinada. 0 pan6pticonao era uma proposta restrita a penitencia-

ria, mas estendia-se as fabricas, as escolas,

278

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 9/18

 

aos asilos e hospitals>. Inteiramente com-

pativel com a ideia benthamiana de que as ~"

pobres tarnbern deveriam usar uniforme, 0

pan6ptico era 0 principio basico de uma

sociabilidade da vigilancia muito cara ao

empreendimento burgues- indus tr ia l . A pre-

vencao extremada e invasiva deste modelo

se inviabilizou espacialmente, na segunda

metade do seculo XIX, com a moderniza-

~ao e 0 crescimento das cidades. Substitui-

do, na vigilancia do disperso exercito de

reserva da mao-de-obra industrial, por um

artefato "cientifico" do positivismo, a

periculosidade pre-delitual que poderia ati-

var uma medida de seguranca detentiva, 0

prindpio hibernaria a espera das condicoes

tecnol6gicas que Ihe concederiam um se-

gundo e glorioso ciclo, Nessa linha, Arlindo

Machado pergunta: "0 que sao os moder-

nos sistemas de vigilancia senao a atualiza-

<;ao e a universalizacao do panoptico"!"

A transicao da subjetividade visual da

camera-arte para a objetividade da camera-

vigia, de que tratou Paul Virilio?", acelera-

da na guerra (John Ford filmava portos noPacifico; Jean Renoir foi fotografo de reco-

nheeimento aereo), atingiria 0 paroxismo

na vigilancia policial de shoppings, aero-

portos, estradas e logradouros publicos das

ultirnas decadas. Para alern dos avances

tecnol6gicos que aprimoraram seu desem-

penho e Ihe reduziram os custos, a vigil an-

cia eletronica se encontrara, nos sistemas

penais do capitalismo tardio, com um per-sonagem novo, que da execracao e despre-

zo com que era visto nos albores da

modernidade passou a um reconhecimento

e respeitabilidade consagrados em muitas

leis: 0 delator. A vigilancia eletronica e um

delator em tempo real que, afora eventuais

violacoes da intimidade, dispensa todo 0

debate moral e juridico de seus similes hu-

manos. Era completamente natural que tal

insumo tecnico fosse aproveitado pelo sis-

tema penal, no exercfcio de seu poder de

vigilancia. Nao menos natural, contudo,

seria que as agencias de comunicacao so-

cial do sistema penal, dispondo de equi-

pamentos de ultima geracao, se vissem ten-

tadas a ernprega-los diretamente, na linha

dos reality shows que, como observou

Garapon, dispensam a fic~ao por sua ca-

pacidade de "agir no real, com a partici-

pacao daqueles que estao diretamente en-

volvldos'?". Estamos prontos para assistir

aos acalorados litfgios na vara de familia /

do Ratinho, ou a candid camera criminal

do Fantastico.

Em 30 de marco de 2001, 0 programa

Globo Rep6rter ocupou-se de assedio sexu-

al. Urn Sergio Chapelin doutrinal indagava

"qual 0 limite entre a paquera e 0 assedio

sexual", respondendo em seguida que "0

assedio causa constrangimento e muita dor",

e convocando a participacao da enorme

audiencia: "Voce ja foi vitima? Ajude-nos

com a sua informacao", A seguir, foram a-

presentados alguns casos. Um alto funciona-

rio municipal, de cidade vizinha ao Rio,

recebera um cartao, exibido e parcialmen-

te lido, com uma declaracao de amor deuma senhora que Ihe rnandava flores "ate

duas vezes por dia". Registrou 0 fato na De-

legacia de Mulheres local. Provocada a pro-

nunciar-se, a delegada afirma a reporter que

algumas pessoas Ihe perguntaram: "sera que

ele nao e chegado a coisa"? 0 marido da

sedutora, para decepcao geral, nem a rna-

tou nem a abandonou. 0segundo caso teve

como protagonista uma jovem cuja chefe,hornossexual, pretendeu conquista-la. Irna-

gens e a identidade da chefe, que se recu-

sou a falar, foram exibidas. Entre uma his-

t6ria e outra, 0 especialista (no caso, 0

indefectivel deputado Carlos Minc) se pro-

nuncia. 0ultimo episodic se passa tarnbem

na Baixada Fluminense; dessa feita, sequer

existe uma relacao de poder em causa. Um

empregado de uma pequena fabrica teria

dito a uma colega, certa ocasiao, que ela

"estava gostosa", e teria tentado olhar seu

banho, atraves de uma janela. A rep6rter

279

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 10/18

 

bate a porta da fabrica. gravando, e 0 infe-

liz reu, aterrorizado pela camera, diz que

ele nao e ele. 0 patrao confirrnara que ele

e ele, porern os outros empregados negarao

os fatos. Nomes, fisionomias, tudo no ar.

Ao final, a rep6rter lembra: "a lei ainda esta

por vir". De fato, um rnes e meio depois

dessa materia, a lei n° 10.224, de

15.mai.01, viria a criminalizar 0 assedio

sexual (art. 216-A CPl. A parte a indigencia

da reflexao sobre assedio sexual do progra-

ma, a mldia teve poder suficiente para fa-

zer lancar em documentos oficiais de uma

Delegacia de Policia - leglveis na reporta-

gem - a rubrica essedio sexual. Ninguern

conseguiria tal proeza: investigacoes poli-

ciais formalizadas sobre um crime que "ain-da esta por vir", a reparticao publica como

cenario de uma telenovela nutrida pela in-

timidade sexual de pessoas reais>. 0 que

dizer da exposicao da imagem dessas pes-

soas, anunciadas como "acusadas" de um

del ito que nao existia?

Essas "pegadinhas" criminais devem ser

completamente afastadas do debate acerca

do jornalismo investigativo, ate porque nao

ha nada desconhecido nessa investigacao:

aqueles tres epis6dios vulgares, que pode-

riam perfeitamente ter ocorrido nos estudi-

os da TV Globo, 56 ganharam visibilidade

por causa da tese: precisamos criminalizar

o assedio sexual que, como lembrou 0 prof.

Chapelin, "causa constrangimento e muita

dor". Um caso tlpico de crirninalizacao pro-

vedora; ap6s 15 de maio de 2001, certa-

mente desapareceu do pars 0 interesse se-

xual de superiores hlerarquicos por qual-

quer de seus subordinados.

Ha no Rio de Janeiro centenas de pon-

tos de venda de drogas ilicitas, basicamente

cocalna e maconha. A prisao de todos os

vendedores de um ponto jamais impediu

que, tao logo a forca policial se ausente

do local, as vendas se restabelecarn, com

a imediata substituicao da rnao-de-obra: se

os interesses do mercado lograram alterar

a Constituicao, como se deteriam perante

uma lei ordinaria? Toda a gente ja leu a

notfcia provocadora "Irafico retorna a suas

atividades 24 horas depois da PM deixar 0

morro X ". Toda a gente sabe tarnbern onde

ficam tais pontos, inclusive a policia, cuja

aproximacao, saudada por alguns roj6es,

suspende as atividades mercantis ilegais,

ate sua retirada. Em agosto de 2001, re-

p6rteres da TV Globo simularam comprar

drogas em algumas favelas e mesmo em

ruas da Zona Sui, naturalmente com uma

microcarnera. Numa favela, surpreenderam

ou estimularam uma especie de pregao,

similar aos das bolsas de mercadorias. Em

todos os locais visitados, duas dezenas dejovens vendedores foram fotografados com

clareza suficiente para resultar em algumas

indiciacoes, com tres pris6es. Nada, abso-

lutamente nada que nao Fosse conhecido,

salvo a fisionomia de alguns dos milhares

de jovens negros e favelados que tern nes-

te cornercio ilegal sua perigosissima estra-

tegia de sobrevivencia ". Nada de novo:

ganharam0

prernio Esso. Nas comemora-<;oes (Born Dia Brasil, 19.dez.Ol), alern de

frisar que seus colegas entraram "numa das

favefas mais perigosas da cidade", a jorna-

lista enfatizava a "ousadia" dos "bandidos":

"oferecer drogas". 0 merecimento nem

sempre provern do que se informa, mas

tambern daquilo que se omite: a improva-

vel reportagem sobre 0 desemprego e a

miseria nas favelas.

Na rnesrna linha, sob 0 logotipo de uma

lupa com a inscricao "0Dia investiga'?", te-

mos outra "pegadinha". E fato tolerado no Rio

de Janeiro - durante curto perfodo, legaliza-

do pela chamada "lei do bico" - que polici-

ais suplementem seus ganhos trabalhando em

vigilancia patrimonial privada, como ocorre

em tantos parses. E claro que tal pratica nao

se restringe as ruas dos mais valorizados bair-

ros da cidade: tarnbem na Vila Mimosa, 0

restduo local da zona de baixo meretrfcio

280

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 11/18

 

do Rio, e talvez ali com maiores raz6es, en-

contraremos policiais no "segundo empre-

go". 56 um olhar muito preconceituoso e

conservador, que no limite inabilitaria a pros-

tituta para qualquer ato oneroso da vida ci-

vil, farejaria um rufianismo na remuneracao

pelos certamente dificeis services de manter

a ordem na zona. A grande descobertainvestigat6ria de 0 Dia - com fotos na rna-

drugada que imediatamente levaram a pri-

sao oito policiais militares - foi essa: na zona

e como no Leblon.

- ,Tanto na reportagem "Feira de Drogas" "

quanto na "Farra na Vila Mimosa", 0 impor-

tante nao e 0 conteudo da investigacao jor-

nalistica, sabido e ressabido: 0 importantee a direta mobilizacao do sistema penal, 0

cumprimento de uma tarefa pr6pria .das .

agendas executivas do sistema penal. Sob \-~----------.----------- /

tais circunstancias, nas quais a midia esta,

nao apenas pautando as agencies executi:

vas do sistema penal, como tarnbern sele-

cionando entre candidatos a crirninalizacao

secundaria (os reporteres da "Feira de Dro-

gas" forama

Mangueira ea

Rodnha: po-deriam ter preferido Mineira e Borel; 0 re-

p6rter da "Farra" foi a Vila Mimosa: pode-

ria ter escolhido qualquer das inumeras "ter-

mas" em funcionamento), cabe falar de uma

"executivizacao" das agencias de comuni-

cacao social do sistema penal.

o alibi para disfarcar essa articulacao ob-

via e buscado na tradicao liberal do jornalis-

mo investigativo. Todos se recordam da cam-

panha que 0 Clobo moveu contra a Legiao

da Boa Vontade, com manchetes diarias de

primeira pagina, em marco de 2001. 0 que

provavelmente todos ignoram e que a LBV

recebera, dias antes, a concessao para ex-

ploracao de um canal aberto de televisao

educativa. Nao temos qualquer apreco pela

LBY,nem Ihe reconhecemos aptidoes espe-

cificas para administrar uma televisao edu-cativa. A LBVrepresenta a industria da cari-

dade da "velha economia", como diriam os

locutores globais; a mesma industria da carl-

dade opera hoje por outros metodos,

terceirizados, combinando recursos publicos

com doacoes de campanhas "politicamente

corretas". Com as rnaterias publicadas, a LBV

foi pautada para 0 Ministerio Publico, a Re-

ceita Federal, 0 IN55 etc. Festejando, meses

depois, uma auditoria do INSS, um editorialafirmava: "0 trabalho jornalistico, enfim,

abriu os olhos do Estado para as falcatruas

debaixo do seu nariz?".

Apesar do alibi de cariz liberal, fica evi-

dente que 0 "trabalho jornalistico" nao ape-

nas pautou agencies do sistema penal e ou-

tras agencias publicas, como tarnbem que

"abriu os olhos do Estado" na escolhida di-recao da LBV, nao das centenas de cor-

poracoes nas quais provavelmente se encon-

trariam "falcatruas" similares, tendo em suas

maos portanto a seletividade propria do sis-

tema penal.

o vigilantismo nao se reduziu aos meios

fotoeletronicos que Ihe concederam esta se-

gunda e gloriosa vida. 0 principle subsiste

em irurrneras propostas. 0 conhecido soci6-

logo Luiz Eduardo Soares, ao expor ao [or-

nal 0 Clobo projetos de seu partido para 0

governo do estado do Rio de Janeiro, men-

cionou "a ideia de montar nos batalhoes de

Polfcia Militar centrais de telemarketing, que

ofereceriam rnao-de-obra cadastrada nas fa-

velas". Oucarno-Io:

- Os batalhoes podem montar cadastrosdesses prestadores. ONGs forneceriam

pessoas para trabalhar num service de

telemarketing muito simples, anotando

os pedidos da populacao. Os batalhoes

funcionariam como fiadores desses

prestadores e checariam, no fim, se 0

trabalho foi bem feito - explica 0

soclo lo go= .

Trabalhadores pobres cadastrados na IVpolicia, e supervisionados pela policia. Para\ Iquem leu Bentham, qualquer cornentario

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 12/18

 

., seria superfluo. Proposta formulada por um

',especialista do Partido dos Trabalhadores./

Tempos confusos.

Noticiario

o paradoxo de que a um Estado social

fminima corresponda um Estado penal ma-

limo conduz as consequencias concomi-

tantes de despolitizacao dos conflitos soci-

\ ais e politizacao da questao criminal. Os

faits divers da antiga pagina policial migra-

ram para a primeira pagina, e as paginas

politicas recebem um tratamento policia-

lesco. A gigantesca transferencia de poder

e riqueza do ambito publico para 0 priva-

do tem no desmerecimento de agentes po-

liticos um poderoso indutor de opiniao: ser-

vicos publicos sao ineficazes, e adminis-

trados por gangsters. Decisoes do Congres-

so Nacional capazes de afetar rnilhoes de

brasileiros obtern divulgacao infima se com-

parada com as atividades inquisitoriais de al-

guma CPI, ou com investigacoes sobre a pr6-

pria conduta de parlamentares. A questao

criminal se politiza igualmente como

descredenciamento de admlnistracoes locais

ou forcas partidarias que se oponham ao cre-

do criminol6gico rnidiatico, a expansao da

intervencao penal. Todos viram a reacao da

imprensa quando a entao ministro da lustica

JoseCarlos Dias falou em direito penal mini-

mo: era 0 homem certo no lugar certo, po-

rem na ocasiao errada,

Na televisao, os ancoras sao narrado-res participantes dos assuntos crimina is, ver-

dadeiros atores - e atrizes - que se valem

teatralmente da pr6pria mascara para um

jogo sutil de esgares e trejeitos indutores

de aprovacao ou reproche aos fatos e per-

sonagens noticiados. Este primeiro momen-

to no qual uma acusacao a alguern se tor-

na publica nao e absolutamente neutro nem

puramente descritivo. A acusacao vem ser-vida com seus ingredientes ja demarcados

par um olhar moralizante e maniqueista; 0

campo do mal destacado do campo do bem,

anjos e demonios em sua primeira aparicao

inconfundiveis. Para ficar num caso sobre

cuja inconsistencia ha unanimidade, vejam-

se os noticiarios conternporaneos do inque-

rito policial da Escola Base.

Por fim, a observacao puramente quan-titativa revela a importancia estrategica da

qiminalizac;:ao das relac;:oes socials no no-

i ticiario. Tornemos'a"ea~o de 0Clabo de

sabado, 5 de janeiro de 2002. Deixando

de lade 0 caderno que se ocupa de eco-

nomia, mundo e esportes, restam 16 pagi-

nas sobre 0 pais e 0 Rio, alern de colunas,

editoriais e artigos. Leiamos essas 16 pagi-

nas. Na primeira, ha tres chamadas de

rnaterias criminais (IlSequestrador rnantern

refens em Porto Alegre": "Policia do Rio

prende dois chefes do trafico": "Fernando

Pinto apanhou com canos de ferro") e duas

correlatas ("Governo suspende pilula do dia

seguinte" e "Filho de Cassia Eller ja e dis-

putado"): acrescidas a foto, do epis6dio

de Porto Alegre, somam 70% da centi-

metragem. A pagina 2, alern de uma colu-

na econornica, s6 publica outras chama-

das: das oito, cinco sao criminais. A pagi-

na 3, salvo uma col una no rodape, e toda

dedicada a manchete: "Terror no rnicrooni-

bus". Na pagina 4, alern de uma coluna,

temos a cornplernentacao da materia so-

bre 0 microonibus e reportagem sob 0 titu-

lo "Dutra Pinto apanhou com canos de fer-

ro". Na pagina 5, alern de um anuncio,

quatro rnaterias: "Garoto de 13 anos mataamigo de 12 com tiro" (rnanchete): "Dire-

tor de presidio ja tinha sido condenado",

seguida de "Situacao e tensa no [presidio]

Urso Branco" e "Feirante que teve 0 penis

cortado recebera protese". A pagina 6 pu-

blica os editoriais e cartas dos leitores: das

17 cartas, 5 tern por objeto um processo

civil, 2 a seguranc;:a no reveillon, 1 um cri-

me ambiental, 3 a morte de Fernando DutraPinto. Na pagina 7, uma coluna e dois ar-

tigos. Na pagina 8, das sete rnaterias, tres

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 13/18

 

estao em nosso terreno (a pilula do dia se-

guinte, tramitacao da nova lei de drogas e

um crime eleitoral). A pagina 9 se ocupa

inteira do tema de sua manchete: "Come-

ca a briga por Chicao". As paginas 10 e

12, com tradicionais colunas, sao exce-

coes. Na pagina 11, de quatro rnaterias as

duas maiores sao "Mosteiro de Sao Bento

tem seguranca particular depois de sofrer

3 assaltos" (manchete) e "Juizado decidira

destino de men ina". Na pagina 13, "bio-

logo denuncia crime ambiental". A pagina

14 e uma propaganda. Na pagina 15, alern

do obituario, cinco materias criminais ("Pri-

sao de Polegar em Fortaleza" - manchete

-, "PF prende no Parana Iadroes de banco

do Rio", "Bandidos atacam posto da PM eferem sargento", "Bandidos ferem cinco

pessoas na saida do piscinao" e "Trafican-

te que resgatou curnplice de hospital e pre-

so". Por fim, na pagina 16, um imenso

anuncio cercado de seis pequenas notici-

as, quatro das quais criminais (dois aciden-

tes de transite, um bloco carnavalesco en-

saiando em decibels ilfcitos e "Homem

agarra crianca e pula de 7 metros de altu-ra". Eis ai: quase 80% do notlciario desta

edicao sobre 0 pais e 0 Rio e criminal ou

judicial. Sera ingenua esta leitura do pais e

do Rio? Ou servira para esconder algumas

coisas e alavancar outras?

Variedades

Bourdieu definiu magistral mente os pro-

gramas de variedades como transmissores

de uma "especie elementar, rudimentar de

inforrnacao que e rnuito importante por-

que interessa a todo mundo sem ter conse-

quencias e porque ocupa tempo, tempo

que poderia ser empregado para dizer ou-

tra colsa"" .

Cad a vez mais, programas de varieda-

des adotam formas judiciais. Em nosso pais,

a televisao aberta do chamado horatio no-

bre intoxica 0 povo com diversos progra-

mas de variedades: inforrnacoes incense-

qOentes, tricas e futricas de bastidores, nu-

meros musicais no geral indignos do nivel

que alcancamos nessa arte, entrevistas bem

comportadas, tempo gasto no in6cuo e na

mesmice. Ja mencionamos a vara de fami-

lia do Ratinho, com aquelas cenas pateti-

cas da mulher perseguindo 0 homem - ha

momentos em que se pode legitimamente

suspeitar que os segurancas do programa

deliberadamente facultam-Ihe um tapinha

so, daqueles que nao doern - logo ap6s a

revelacao do resultado de um exame de

DNA ao vivo e a cores; estara 0 filho em

casa venda a disputa de seus pais?

Quem tiver paciencia para assistir a lon-ga entrevista (40'59") da cantora e bailari-

na Gretchen a jornalista-modelo Luciana

Cimenez " tera uma visao de como seria 0

processo civil de uma acao de reparacao

de danos. Gretchen foi ao Recife, e estan-

do presente numa casa noturna, dispos-se

- ou foi convidada - a dancar num tabla-

do contiguo a uma fogueira, resultando-

Ihe queimaduras. Testemunhas se pronun-ciaram, as lesoes sao exibidas, nao falta a

prova pericial - no telefonema de um me-

dico -, a familia se solidariza, enquanto a

oroducao do programa tenta em vao obter

um pronunciamento da outra parte. Afora

a revelia virtual dos gerentes da casa no-

turna, sao quase tres quartos de hora nos

quais uma lide, com todos os condimen-

tos probatorios, diverte 0 publico e adver-

te 0 infeliz magistrado que dela se ocupa-

ra no futuro.

Estamos fora do modelo convencional

do trial by media: nao se trata aqui de in-

fluenciar um tribunal, senao de realizar di-

retamente 0proprio julgamento.

Esportes

o desempenho dos juizes de futebol e

sempre avaliado negativamente quando eles

283

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 14/18

 

tentam, como se diz, "segurar" 0 jogo va-

lendo-se da pena menor (cartao amarelo).

Perante uma jogada duvidosa quanta a in-

tencao de atingir 0 adversario, os juristas

das leis do futebol encarregados da apreci-

acao daquele desempenho, geralmente ar-

bitros aposentados, invariavelmente se posi-

cionam pela exclusao do atleta (pena maxi-

ma, cartao vermelho). Advertencias verbais,

ainda que severas, sao mal vistas. Alguern se

recorda de algum desses comentaristas criti-

car um arbitro por excessivamente rigoroso?

Imperceptivelmente, a reportagem esportiva

colabora na disserninacao das ideias de que

o melhor juiz eo que opta sempre por pe-

nas mais severas, e de que as sancoes sao 0

instrumento mais adequado para manter a

ordem em campo.

Quando, nas cercanias do esporte, surge

algum epis6dio criminal, as coisas ficam mais

explicitas, tal como se deu no tratamento dis-

pensado aos passaportes falsos, ou aos "ga-

tos" cujos pais ou treinadores fizeram um se-

gundo registro civil para viabilizar a partici-

pacao em cornpeticoes de faixa etaria limita-

da. Casos de doping sao especialmente atra-

entes, porquanto se comunicam com 0 ima-

ginario da droga. Quando um exame na uri-

na de Junior Baiano detectou detritos associa-

dos a cocaina, na primeira transrnissao sub-

sequente de uma partida os telespectadores

de Galvao Bueno votaram majoritariamente

em favor da pena maxima de suspensao para

ele - e era um zagueiro da selecao brasileira!Ficou claro que Galvao Bueno tem seu publi-

co na mao, bem como que nao havia nada

mais importante a conhecer deste publico

alern de sua brandura ou severidade penal.

Uma ultima observacao, util porque nem

sempre a mistica liberal pode ser desmen-

tida com tanta clareza. Uma reportagem es-

portiva deveria abranger a incondicionalpossibilidade de, em casa, 0 telespectador

saber de tudo 0 que se passa no estadio,

. Retratos de Che Guevara, macic;:amente

usados por uma faccao da torcida do

Flamengo, nunca sao enfocados. Em com-

pensacao, 0 exibicionismo mais tolo e in-

dividual, do tipo "querido Galvao, mostra

n6s" ou "a gente se ve por aqui e em Con-

ceicao da Roc;:aGrande" sao 0 tempo todo

mostrados. Tarnbern 0 audio e ciosamente

controlado: quem ficou sabendo que 0

nome de Osama Bin laden foi gritado no

Maracana, no primeiro jogo das finais da

Copa Mercosul de 2001? A prova dos nove

pode ser obtida numa constatacao mais

simples. Criou-se 0 habito de jogadores co-

memorarem seus gols exibindo, numa se-

gunda camisa portada sob a do clube, al-

guma inscricao. E tarnbern geralmente algo

tolo, variando de "papai te ama" a "foi

Jesus quem marcou". Contudo, e potenci-

almente perigoso, porquanto uma inscri-

c;:aomais irreverente pode quebrar 0 mo-

nop61io do discurso: quem escolhe 0 que

o telespectador ve e a emissora, nao 0 atle-

tao No dia em que Romano descobriu essa

veia de tantos cronistas atuais, a indigna-

c;:aoa favor, fez uma inscric;:ao de apoio aopresidente Fernando Henrique Cardoso.

Mal-estar na civilizacao global: era a favor,

porem rompia um principio. A solucao foi

entremostrar a inscricao, um pouco rapida-

mente, sem muitos cornentarios. 0fato e que

os goleadores correm diretamente para a

camera atras da bal iza, porern esta camera e

cortada ate que os censores se certifiquem da

inocuidade do escrito. Ai, sim, a transrnissaoe autorizada. Naquela mernoravel olimpia-

da, na qual os carnpeoes norte-americanos

levantaram 0 brace com a saudacao dos

Panteras Negras, as cameras de hoje s6 en-

quadrariam ate a cabec;:a.

A executivizacao em seu

nivel maximo: linha Direta

o interesse do Instituto Carioca de Crimi-

nologia pelo programa linha Direta foi des-

pertado por uma noticia que relatava a mor-

284

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 15/18

 

te, em confronto policial, de um assaltante

cuja biografia criminal fora dias antes ex-

posta naquele programa (12. ago. 99). 0

programa subsequente (19 .ago. 99) come-

morava 0 feito. Examinando 05 videos de

ambas as edicoes, solicitamos e obtivemos

do Procurador Geral da Iustica do Estado

da Bahia, Fernando Steiger Tourinho de

Sa - a quem agradecemos - copia do pro-

cedimento concernente ao confronto que

vitimara 0 agora famoso Marcos ''Capeta''.

apresentada como "a blonde Katia Santos",

declarou ao segundo programa, 0 come-

morativo: "bandido aqui na Bahia nao faz

carreira longa".

Perguntavamo-nos no Instituto: quem

matou Marcos "Capeta"? Um grupo de po-

liciais baianos, fascinados pela fama ao al-

cance do dedo, ou 0 jornalista Marcelo

Rezende - quer dizer, a TV Globo? Pare-

cia-nos que a agencia de cornunicacao so-

cial, dispondo dramaticamente sobre fatos

e personagens reais, inclusive e especial-

mente policiais pautados para aquela caca-

da, estava assumindo um papel proprio das

agencias executivas do sistema penal; pela

primeira vez, cogitava-se da hipotese de"executivizacao" daquelas agencias,

o exame do primeiro programa mostra

um cruel Marcos "Capeta", chefe de nume-

roso bando, que maneja uma metralhadora

.50, instalada na carroceria de uma pick-

up, contra policiais atonitos, que empunhamrevolveres calibre 38, numa Kombi que ex-

plode. Desnecessario sera dizer que as cha-

mas da explosao, naquilo que tera pareci- 0 grande estudo sobre Linha Direta foi \

do ao diretor um grande achado, ernoldu- empreendido por Kleber Mendonca", no

ram 0rosto cinico de Marcos "Capeta", cuja marco teorico da analise do discurso. Kleber

alcunha se prestava a uma especie de Mendonca revel a como a TV Globo se co-

dernonizacao ao pe da letra. Lamentavel- loca ali como instancia de service publico 1mente, 05 documentos depoem em outro que tende a corrigir as insuficiencias do sis- I

senti do. Marcos "Capeta" foi morto num}a. tema penal, "a fazer a justica funcionar 'casa situada em local errno, isolada e por- ' como deveria". Ate abril de 2001, ou seja.'

tanto facilmente sitiavel. Seu corpo tinha ! em quase dois anos de atividades (0 pri-

22 oriffcios ,de entrada de projeteis de arm : meiro programa e de ~~.mai.99), 0 pro.gra-

de fogo, alem de uma aparentemente des-l : ma comemorava a pnsao de 103 foragidos

necessaria lesao contusa na regiao cervical. (ignora-se se Marcos "Capeta" integra este

Das quatro armas que a policia disse ter nurnero). Observa Mendonca que 0 suces-

encontrado no local, uma nao disparara so do programa pode ser explicado na

(exame negativo para p61vora combusta), e (perigosissima) reuniao de aspectos de

as outras tres (dois revolveres 38 e uma pis- telejornalismo e telenovela, "05 dois pro-

tola 380) estavam parcialmente carregadas: dutos de maior audiencia da emissora". A

mas a metralhadora .50 da encenacao do partir do "lugar de autoridade" do qual 0 pro-

Linha Direta simplesmente nao existia. 0 grama se investe, a mistura de dados reais e

numeroso bando tambem estava reduzido dados ficcionais (na drarnatizacao de um cri-

a um garoto de 14 anos, com pelo menos me que muitas vezes nao foi presenciado por

oito lesoes de projeteis de arma de fogo (0 ninguern) se encaminha, de forma grosseira-

respectivo laudo tem passagens ilegiveis). mente 6bvia, a despertar a indignacao dos

Do depoimento da irma de Marcos "Cape- telespectadores, convocados a informar algo

ta" consta uma sorte de ultima declaracao sobre 0 paradeiro do vilao, que escapou as

dele: "Linha Direta 56 disse mentira". A fes- consequencias de seu barbaro cometimento.tejada secretaria de Seguranca Publica da Mendonca desnuda com maestria as "marcas

Bahia, nas colunas sociais frequenternente da verdade" que estarao afiancando as si-

285

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 16/18

 

mulacoes dramatizadas. Cenarios e dialo-

gos inventados depoem sobre a frieza de

assassinos, ou sobre os deleites do

estelionatario foragido. Impressiona 0fato

de que 0 acusado, quando con segue falar,

tem suas declaracces editadas,

entrecortadas por cenas ou observacoes

destinadas a descredencia-las: como diz

Mendonc;:a, "a cad a declaracao de inocen-

cia do acusado, 0 programa intercala uma

outra ainda mais enfatica. que nao 56 ates-

ta que ele de fato e um criminoso como

ainda reafirma 0 cinismo do preso". lnu-

meras deslealdades narrativas do Linha

Direta sao expostas por Kleber Mendonca,

como no caso em que um preso tenta dar

uma cabec;:ada na camera da TV Globo, eo fato e duplicado: "tentou dar outra ca-

becada no cinegrafista", diz 0 apresenta-

dor, porern, esclarece Mendonc;:a, "0

telespectador, de fato, via a cena pela se-

gunda vez, ja que a edicao abriu a repor-

tagem com esta cena". Paralelamente, as

vitimas vivem situacoes, reais ou dramati-

zadas, em que todos os recursos - Men-

donca se deteve sobre a musica de fundo- sinalizam para a inocencia e a

desprotecao,

o trabalho de Kleber Mendonc;:a e defi-

: ! nitivo, e poe a nu as multiplas violacoes de

1 , garantias constitucionais semanalmente pra-

l't1cadas naquele sinistro empreendimento.

No caso de reus ainda nao sentenciados, a

presuncao de inocencia e 0 direito a julga-mento justo sao sirnplesmente escarnecidos;

nao falemos da imagem. Interessa-nos, con-

tudo, especialmente ressaltar a executivi-

zacao da comunicacao social. Pense-se na

coincidencia de que 0 Linha Direta inicia

suas cacadas humanas tres anos ap6s 0 pro-

cesso penal brasileiro ter assumido 0 prin-

cipio de que 0 acusado tem 0 direito de

conhecer real - e nao ficticiamente - a acu-

sacao para defender-se (lei n° 9.271, de

17.abr. 96). Linha Direta e um processo e

um julgamento publico que nao devem sa-

tisfacoes a Constituicao ou as leis, porern

produzem efeitos reais: 0 mais importante

nao reside na prisao, e sim no pr6prio [ul-

gamento que fara, por exemplo, 0 juri de

uma ddade do interior, perante 0 qual pro-

vavelmente um promotor zeloso exibira

uma c6pia do programa.

Encerremos com um epis6dio ilustrativo.

Pouca gente sabe por que Marcelo Rezende

foi substituido por Domingos Meirelles. Eque, em 25 de novembro de 1999, a juiza

da 12- Vara de Familia do Rio determinara

a intirnacao de Marcelo Rezende, por

edital, para submeter-se a exame de DNA

numa acao de reconhecimento de pater-

nidade, que alias seria julgada procedenteem primeira instancia'": estava ele na situ-

ac;:aode "residencia incerta e nao sabida",

como rezava 0 edital, tal equal suas viti-

mas. 0 implacavel perseguidor de foragidos

tarnbern era, de certa k -na, um homem pro-

curado pela lustica.

A guisa de conclusao

Desgarrando-se de suas bases estrutu-

rais econornicas, 0 credo criminol6gico da

midia constituiu-se como um discurso que

Impregnou completamente 0 jornalismo,

\ das menores notas ao obituario!", abran-

\

gendo inclusive publicacoes que se pre-

tendem progressistas>.I

Este discurso aspira a uma hegemonia,principal mente sobre 0 discurso acaderni-

co, na direcao da legitirnacao do dogma

penal como instrumento basico de compre-

ensao dos conflitos sociais. Este discurso

habilita as agendas de cornunicacao social

a pautar agencies exec utivas do sistema pe-

nal, e mesmo a operar como elas

(executivizacao), disputando, com vantagem,

a seletividade com tais agencies. A natureza

real desse contubemio e uma especie de

privatizacao parcial do poder punitivo,

deslanchado com muito maior temibilidade

286

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 17/18

 

por uma manchete que por uma portaria

instauradora de inquerito policial.

Entre as rnul t ip las omiss6es desta rese-

nha, esta a publicidade. Um importante

estadista do seculo x x sabia que "quando

a propaganda ja conquistou uma nacao

inteira para uma ideia, surge 0momentaasado para a organizacao, com um pu-

nhado de homens, retirar as consequenci-

as praticas":". Linha Direta ja retira conse-

qu encia s prat icas do discurso criminol6gico

unico da midia, da qual a publicidade nao

passa de um continuum ret6rico. Podemos

estar nos aproximando do momenta em

que certas iniciativas processuais de alguns

operadores do sistema penal que aceita-ram este jogo 56 possam ser compreendi-

das atraves dos manuais de propaganda e

marketing, sem que ao mesmo tempo 0

cidadao entrevistado por uma reportagem

policialesca tenha assegurado seu direito

ao silencio.

Quando da sancao da nova e tao atra-

sad a lei de drogas (lei n° 10.409, de

11.jan.02), 0 Presidente da Republica ve-

tou 0artigo 54, que 0Congresso Nacional

aprovara: "Os meios de divu/ga<;ao man-

terao sob sig i/o os va/ores atribufdos a dto-

gas e e qu ip amento s a pr ee nd id os". Desejo

destacar nao a inconstitucionalidade do dis-

positivo, que representava uma vedada

censura, mas sim a familiaridade com a

qual a agencia politica de criminalizacao

primaria tratou al as agencias de comuni-

cacao do sistema penal. Era como uma

proibicao dirigida a uma agencia execu-

tiva: as delegacias de policia judiciaria man-

terao sob sigilo ... Se as tendencias de legi-

tirnacao e superposicao que tentamos des-

crever aqui se incrementarem, talvez 0 dis-

positivo vetado e outros simi lares tenham

vlgencia, num futuro nao muito distante:

por decreto.

Notas

I Para uma simplificada exposicao das demais ca-

racteristicas dos sistemas penais do capital is-

mo tardio, remeto 0 leitor a Ires artigos meus:

"Prezada Senhora Viegas: 0 anteprojeto de re-

forma no sistema de penas" tD is cu rs os S ed ic i-

0505 - crim e, dire ito e sociedade, n" 9-10, p.

10355), "A violencia do Estado e os aparelhos

policiais" (D iscurso s S edicio so s - crim e, direito

e sociedade, n" 4, p. 14555) e "Pode r , h i st o ria y

sistemas peneles" (Capitulo Criminologico, vol.

29, n" 3, p. 5 55.); para um aprofundamento,

David Garland, The Cu ltu re of Control , Oxford,

ed. Univ. Oxford, 2001, p. 167 55; t.orc

Wacquant, Pun ir a s P ob res , Rio, F. Bastos/ICC,

2000; J. M. Silva Sanchez, La expansion del

d er ech o p en al, Madri, Civitas, 1999.

2 Derecho Penal - Pa rte Gen er al. B. Aires, Ediar,

2000, p. 18.

, Autos da Devassa - Prisao dos Letrados do Rio de

Janeiro. Rio, Arq. Pub. RJ 1994, p. 147.

• Nelson Werneck Sodre. Hisurne da imprensa no

Brasil . Rio de janeiro, Civilizacao Brasileira,

1966, p. 23.

S La teoria della scope n el d ir itto p en ale , trad. A. A.

Calvi, Milao, Giuffre, 1962, p. 57. Para a exe-

cucao de tal condenacao. Liszt nao descartou

como medidas disciplinares castigos corporais,

a cela surda e urn "rigorosissimo jejum".

b Punil;ao e e st ru tu ra s o ci al , trad. G. Neder, Rio de

Janeiro, F. Bastos/ICC, 1999, p. 52 55.

7 Por todos, Dario Melossi e Massimo Pavarini. Ci.rce!

y isbric«, trad. X. Massimi, Mexico, Siglo XXI,

1980.

8 Robert Darnton. 0 ilum inism o co mo negdcro. S.

Paulo, Cia das Letras, 1996.

9 Sobre a televisiio, trad. M. L. Machado, Rio de

janeiro, Zahar, 1997, p. 20.

10 Cf. 0 m artelo das ieiticeires, trad. P . Froes, Rio

de janeiro, Rosa dos Ventos, 1991, p. 49 55.

II Para uma slntese, Nilo Batista, "Cornunicacao e

crime", em Punidos e mal p ag os, Rio de Janei-

ro , Revan, 1990, p. 133 55.

287

5/10/2018 Mídia e sistema penal no capitalismo tardio - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio 18/18

 

12 Sobre tal debate nos Estados Unidos, cf. Noam

Chomsky, Secrets, Lies and Democracy,

Tucson, Odonian, 1996, p. 45ss.

IJ Eni Orlandi. Analise de discurso. Carnpinas, Pon-

tes, 2001; da mesma, As formas do silencio,

Campinas, Unicamp, 1997; Paul Henry. A fer-

ramenta imperFeita, trad. M.F.P. Castro, Cam-

pinas, Unicamp, 1992.

14 Cf. Carlo Ginzburg. "Sinais - raizes de um

paradigma indiciario", em Mitos, emblem as

e sineis, trad. F. Carroti, S. Paulo, Cia. das

tetras, 1989, p. 143 55.

IS "Prisoes ou escolas]", jB, 10.dez.01, p.6.

16 Editorial, 15.dez.95. Remetermos 0 leitor aos rodapes

da revista Discursos Sediciosos - crime, direito e

sociedade, onde uma sl!\ao - "Florilegio" - reco-

Ihe muitos exemplos similares .

17 "Cidade, identidade e exclusao", em revista Tem-

po. Rio de janeiro, Relurne-Dumara , 1997,

Universidade Federal Fluminense, v. 2, n" 3,

p. 111.

I . Bourdieu, op.cit., p. 41.

19 Marcelo Beraba. "A bola e a rede", Folha de

S.Paulo, 7.dez.Ol, p. 2.

20 "As dez pragas do sistema penal brasileiro", em

james Tubenchlak (org.), Doutrina, Rio, ID,

2001, v. 11, p.288.

21 Zaffaroni, op. cit, p. 12.

22 Le Panoptique, Paris, 1977, ed. P . Belfond, especial-

mente as cartas XVIIIe subsequentes (p. 150 ss).

21 Maquina e imaginar;o, S. Paulo, Edusp , 1996, p,

222.

24 A rnaquma de v;sao, trad. P.R.Pires, Rio de Janei-

ro, j. Olympio, 1994, p. 72 ss.

25 Antoine Garapon. 0juiz e a democracia, trad.

M. l.Carvalho, Rio de janeiro, Revan, 1999,

p.112.

26 Alberto Ioron registrou 0caso de urn delegado de

Policia Federal que preparou para a mfdia 0

cenario de uma cela ocupada por um preso

rico. Cf. "Notas sobre a mrdta nos crimes de

colarinho bran co e a ludiciario: os novas pa-

drees", em Rev.IBCCrim, S. Paulo, RT, 2001,

n" 36, p. 260-261.

27 Sobre 0 assunto, Vera Malaguti Batista, Diffceis

ganhos faceis. Rio de janeiro, F . B a s te s, 1999.

,. "Acaba a farra na Vila Mimosa". 0Dia, 4.dez.Ol,

p. 11.

'? 0Clobo, 27 .nov.Ol, p. 10.

30 0Clobo, 25.dez.01, p. 3.

)1 Bourdieu, op. cit., p. 23.

)2 Rede TV, programa Superpop, 19.dez.01.

)) A punicao pela audiencia - um estudo do linha

Direta. Rio de Janeiro, QuartetlFaperj. 2002.

)40 Die, 2.dez.99, p. 4 e 10.nov.OO, p.4.

)5 A saudosa Rosa del Olmo notabilizou-se pelo

pioneirismo e argiicia com os quais seus traba-

Ihos revelaram as funcoes politicas - inclusive

a nivel internacional - e sociais da

crirntnalizacao das drogas. Seu obituario no J B

(20.nov.01, p.20) frisava que na America latina

"nao havia ninguern como ela para discorrer

sobre t6xicos e seus maleftclos", referindo-se

ainda ao "notorio vigor com que suslentava a

luta contra as toxicos".

)6 Cf., par exemplo, a cobertura que Cadernos do

Terceiro Mundo deu a 1" Conferencia Executi-

va de Seguranca Publica para a America do

Sui (oul-nov.Ol, n" 236. p. 14 ss).

)7 Adolf Hiller. Minha luta, S. Paulo, Moraes, p. 363.

288