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5133 MÍDIAS AUDIOVISUAIS, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DOCENTE Marcia Cristina BACIC Rosana Louro Ferreira SILVA Instituto de Biociências/ Departamento de Zoologia Universidade de São Paulo Eixo temático 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação Básica Agência Financiadora: CNPq [email protected] 1. Introdução Na cultura ocidental a influência da mídia na formação ética, valorativa e como fonte de informação é muito expressiva. “A sociedade contemporânea está permeada pela mídia de tal maneira que ela não pode mais ser considerada como algo separado das instituições culturais e sociais” Hjarvard (2012, p. 53). A partir da segunda metade do século XX, a televisão começou a expandir seu domínio no Brasil através da inauguração e aperfeiçoamento de emissoras, aumento da presença dos aparelhos de TV nas casas, a massificação de sua programação, e a monetização de sua programação (Amorin, 2007). Nesse contexto, o ensino e aprendizagem em sala de aula passou a ser influenciado por essas mídias, mesmo quando elas não são utilizadas como recursos didáticos pelo professor. Os discursos da mídia perpassam as relações sociais e, por conseguinte, as relações educativas também. O advento do surgimento e da expansão da internet aumentou ainda mais o acesso às mídias audiovisuais. As mídias, de uma forma geral, estão inseridas no dia a dia da maioria das pessoas independentemente do nível socioeconômico ou das suas práticas culturais. Segundo Gregolin (2007, p.16): “[...] as mídias desempenham o papel de mediação entre seus leitores e a realidade, [...] que permite ao leitor produzir formas simbólicas de representação da sua relação com a realidade concreta.” Embora as mídias se processem como mediadoras entre a realidade e seus leitores e, talvez, principalmente por isso, há a necessidade de que haja uma ressignificação crítica de seus conteúdos. A mídia traz uma série de discursos e esses refletem e reproduzem as relações de poder da sociedade. Para que essa mediação seja eficiente são demandados dos professores saberes que os habilitem a analisar, criticar, ressignificar e intervir pedagogicamente.

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MÍDIAS AUDIOVISUAIS, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DOCENTE

Marcia Cristina BACIC

Rosana Louro Ferreira SILVA

Instituto de Biociências/ Departamento de Zoologia

Universidade de São Paulo

Eixo temático 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de

Professores da Educação Básica

Agência Financiadora: CNPq

[email protected]

1. Introdução

Na cultura ocidental a influência da mídia na formação ética, valorativa e como

fonte de informação é muito expressiva. “A sociedade contemporânea está permeada

pela mídia de tal maneira que ela não pode mais ser considerada como algo separado

das instituições culturais e sociais” Hjarvard (2012, p. 53). A partir da segunda metade do

século XX, a televisão começou a expandir seu domínio no Brasil através da inauguração

e aperfeiçoamento de emissoras, aumento da presença dos aparelhos de TV nas casas,

a massificação de sua programação, e a monetização de sua programação (Amorin,

2007).

Nesse contexto, o ensino e aprendizagem em sala de aula passou a ser

influenciado por essas mídias, mesmo quando elas não são utilizadas como recursos

didáticos pelo professor. Os discursos da mídia perpassam as relações sociais e, por

conseguinte, as relações educativas também. O advento do surgimento e da expansão

da internet aumentou ainda mais o acesso às mídias audiovisuais.

As mídias, de uma forma geral, estão inseridas no dia a dia da maioria das

pessoas independentemente do nível socioeconômico ou das suas práticas culturais.

Segundo Gregolin (2007, p.16): “[...] as mídias desempenham o papel de mediação entre

seus leitores e a realidade, [...] que permite ao leitor produzir formas simbólicas de

representação da sua relação com a realidade concreta.”

Embora as mídias se processem como mediadoras entre a realidade e seus

leitores e, talvez, principalmente por isso, há a necessidade de que haja uma

ressignificação crítica de seus conteúdos. A mídia traz uma série de discursos e esses

refletem e reproduzem as relações de poder da sociedade. Para que essa mediação seja

eficiente são demandados dos professores saberes que os habilitem a analisar, criticar,

ressignificar e intervir pedagogicamente.

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2. Objetivos

Neste trabalho nos propormos a discutir a importância do professor como

mediador das mídias; apresentar dados sobre a utilização e mediação de recursos

midiáticos pelo professor; e propor perspectivas de uma formação docente que enfrente

os desafios relacionados à necessária crítica das mídias (formato e conteúdos

veiculados), com foco na educação para a conservação da biodiversidade numa

perspectiva sociocultural.

3. Metodologia

Nossa investigação é de natureza qualitativa. De acordo com Bogdan & Biklen

(1994, p.70) “os investigadores qualitativos tentam compreender o processo mediante o

qual as pessoas constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos

significados”. Em suma, a nossa metodologia de tomada, tratamento e análise dos dados

passou pelos seguintes momentos: aprofundamento dos referenciais teóricos; seleção da

mídia Florestas Vazias (triagem através de pesquisa na internet e da compatibilização

com nossos referenciais teóricos de vídeos com temática da biodiversidade); formulação,

aplicação do questionário e das entrevistas semiestruturadas; transcrição, análise e

discussão dos dados a partir de nossos referenciais teóricos.

O questionário, disponibilizado no Google Docs, contou com dois blocos de

questões, sendo um sobre educação ambiental e uso de mídias em geral e o outro sobre

o vídeo Florestas Vazias. As questões da entrevista semiestruturada versaram sobre o

uso da mídia Florestas Vazias como recurso didático pelos professores entrevistados. Os

questionários foram respondidos por 34 professores, e as entrevistas foram realizadas

com 3 professores. Todos os professores assinaram o termo de consentimento livre e

esclarecido e seus nomes foram trocados para preservar o sigilo da pesquisa.

4. Mediação pedagógica de mídias audiovisuais com temática ambiental da

biodiversidade

Embora as mídias se processem como mediadores entre a realidade e seus

leitores e, talvez, principalmente por isso, há a necessidade de que haja uma

ressignificação crítica de seus conteúdos. A mídia traz uma série de discursos e esses

refletem e reproduzem as relações de poder da sociedade Gregolin (2007).

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Fischer (2002, p.51) fundamentada numa perspectiva foucaultiana nos alerta

sobre como os significados que são compartilhados através das mídias funcionam como

“[...] dispositivos de poder, saber e produção de sujeitos” e “locus privilegiado de

veiculação, reforço e também produção de certas maneiras de ser e estar no mundo

hoje”

Autores como Moran (2006 e 2007); Lopes (2007) e Fischer (2002) deixam

evidentes as potencialidades educativas das mídias audiovisuais, mas também o perigo

que elas representam quando utilizadas acriticamente. Os conteúdos apresentados

sofrem uma série de interferências quem nem sempre são interessantes para a educação

com uma perspectiva libertadora.

Segundo Moran (2006, p. 34) “A força da linguagem audiovisual está no fato de

ela conseguir dizer muito mais do que captamos, de ela chegar simultaneamente por

muito mais caminhos do que conscientemente percebemos”. O autor apresenta o quão

complexa é a linguagem audiovisual. Sendo essa linguagem apta a transmitir mensagens

não apenas através do discurso, mas também da estética, da emoção e dos valores.

Se o aluno não for instigado a refletir sobre as mídias a que tem acesso não o

fará, e acabará aceitando acriticamente o que lhe for oferecido de conteúdo, o aluno

precisa construir um conhecimento que o habilite a ser um consumidor crítico e

positivamente seletivo das mídias. Meira e Pillotto (2010, p.41) acrescentam: “ [...] o

conhecimento construído é mais do que intelectual, é também intuitivo, é um

conhecimento global das coisas”.

A questão da importância do uso crítico das mídias e da instrumentação para a

avaliação da qualidade desses materiais pelos cidadãos é tão urgente que a Unesco

(2013) elaborou um documento no qual consta um currículo para a promoção da

alfabetização midiática e informacional para professores.

Sobre a convergência entre a educação ambiental e o uso de mídias numa

perspectiva sociocultural, destacamos que ambos demandam do docente saberes

relacionados à crítica. Essa crítica não pode ser exercida dentro de um paradigma

pedagógico conservador, antes é associada a uma pedagogia histórico-crítica ou

sociocultural. Uma educação ambiental com perspectiva crítica se diferencia de outras

vertentes, pois se “vincula às teorias sociais e pedagógicas críticas construídas

historicamente” Silva (2010, p. 223) e que venham a promover a criticidade em relação à

educação e à ciência, e “estimular processos de conhecimento que sejam imbuídos de

engajamento político” (idem, p. 226). Silva e Campina (2011, p.34) consideram essa

perspectiva crítica da educação ambiental mais adequada para o uso na escola: “[...]

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principalmente, pelo papel fundamental que essa concepção atribui à dimensão política e

à práxis educativa”.

Sauvé (2010) fala de um saber ambiental que provém do questionamento da

racionalidade dominante. Pensar criticamente sobre o que parece óbvio, mas que está

impregnado de valores, muitas vezes associados à cultura hegemônica e excludente, é

algo de grande relevância para a educação ambiental.

Foucault (1990) em sua palestra intitulada O que é a crítica? coloca: “[...] a crítica

é o movimento pelo qual o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus

efeitos de poder e o poder sobre seus discursos de verdade; pois bem, a crítica será a

arte da inservidão voluntária, aquela da indocilidade refletida”.

Considerando esse papel diferenciado do professor, como ser crítico e com o

papel de ensinar a crítica, motivar a criatividade, o inconformismo, a ética, exige-se desse

professor crítico, mediador, uma série de saberes importantes para a fundamentação das

práticas de mediação.

As atividades que permitem a discussão das mídias, a ressignificação, a reflexão

a partir de seu conteúdo, a produção de novos conteúdos a partir da mídia, possibilitam

uma aprendizagem que vai além da mera aquisição de informações. As informações

veiculadas são reelaboradas e passam a fazer parte dos conhecimentos dos envolvidos

nos processos de ensino e aprendizagem. Nesse processo aprende-se não apenas a se

informar, mas aprende-se a aprender e a analisar criticamente os recursos midiáticos e

os discursos ambientais.

5. Resultados e discussão

Apresentamos aqui e discutimos dados obtidos através dos questionários e das

entrevistas que fizemos com professores da educação básica de várias disciplinas do

currículo. Responderam o questionário professores de Ciências Físicas e Biológicas,

Biologia, Geografia, História, Geografia, Matemática, Física, Artes, Química, Filosofia,

Sociologia, Música, Português, Inglês, Espanhol, Práticas Experimentais. Cerca de

metade dos respondentes ministravam aulas de Ciências e/ou Biologia.

Dos 34 professores que responderam às questões gerais do questionário, cerca

de 82% (28 professores) declarou já ter feito uso de mídia como recurso didático, dos

quais metade declarou fazer uso frequente desses recursos para trabalhar educação

ambiental na escola.

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A maioria dos professores relatou já ter utilizado algum recurso midiático

audiovisual com temática ambiental em suas aulas. Entre os recursos citados o formato

de documentário foi o mais frequente. Uma verdade inconveniente e Ilhas das Flores

foram os mais citados, com três citações cada. Foi relatado, também o uso de filmes de

ficção, embora numa proporção menor. Os filmes citados foram: filmes de ficção científica

(não especificados), filmes baseados em fatos reais (não especificados), Avatar, Um dia

depois do amanhã, O Lórax, Rio, Free Willy, Os Sem Floresta. Foi citado o trabalho com

músicas também. As músicas citadas foram: Planeta Água, Planeta Azul, Sal da Terra,

Herdeiros do Futuro. Os programas da TV aberta citados nas respostas foram: Globo

Repórter, Globo Ecologia, reportagens da TV Globo.

Através dessas respostas percebemos que os professores estão abertos ao uso

de recursos midiáticos audiovisuais em sala de aula e que já fazem uso desses com fins

de educação ambiental. A questão que se coloca então é a de como esses recursos são

selecionados e mediados pelos professores. É extremamente importante identificar quais

mensagens e valores são transmitidos por determinada mídia a fim de decidir se ela se

adequa ou não aos objetivos de aprendizagem e quais ações de mediação são

necessárias para que sejam reduzidos os “efeitos colaterais” decorrentes do uso desse

recurso. Como efeitos colaterais consideramos as informações duvidosas, os valores que

estão sendo transmitidos e outros elementos que possam competir com as

potencialidades pedagógicas.

Os critérios mais citados para a escolha de determinada mídia como recurso

didático por ordem decrescente foram: conteúdo (28), tempo (22), facilidade de acesso

(21), qualidade das imagens (19), indicações de colegas (11), sugestões de alunos(9),

interdisciplinaridade (1), objetivos (1), demonstração visual (1).Os enunciados trazidos

pelas mídias audiovisuais muitas vezes são assimilados e reproduzidos acriticamente, o

que acaba tornando a relação custo-benefício do acesso irrestrito à informação tender

para o lado negativo.

Percebe-se que, além do conteúdo, o tempo de duração da mídia é considerado

bem relevante para a escolha do material, preocupação justificável já que as aulas têm

em média 50 minutos, ficando difícil trabalhar com vídeos muito longos. Quanto aos

vídeos curtos, algumas vezes fica difícil deslocar os alunos para uma sala de vídeo ou

informática para assistir um vídeo muito curto e, depois, ter que se deslocar de volta para

a sala e retomar a aula.

Gomes (2008) realizou um estudo no qual propôs critérios para a seleção de

recursos didáticos audiovisuais. São eles: conteúdos; aspectos técnico-estéticos

(linguagens, roteiro, estrutura narrativa, formato e produção); proposta pedagógica;

material de acompanhamento e público a quem se destina. Comparando com os dados

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que obtivemos em nosso estudo, percebemos que, além dos tópicos sugeridos pelo

autor, as sugestões de colegas e alunos também podem ser acolhidas.

O processo de escolha do material é o passo inicial para que a mediação

efetuada pelo professor seja eficiente, pois o professor precisa conhecer as

potencialidades e as limitações de cada mídia a fim de fazer uma triagem das que

poderiam ser utilizadas para alcançar seus objetivos de ensino. Quando o professor

aceita sugestões dos pares, considera que alguns critérios já foram analisados pela

pessoa que sugeriu, e ele acolhe essa pré-análise, mas mesmo assim, é importante o

olhar pessoal, afinal a mediação será feita pelo professor que fizer uso da mídia.

Moran (1995, p.29 e 30) nos alerta sobre usos inadequados dos vídeos: como

tapa-buraco (quando há algum problema inesperado); vídeo-enrolação (sem muita

ligação com a matéria); vídeo-deslumbramento (uso exagerado do vídeo); vídeo-

perfeição (critérios muito rigorosos de escolha) e só vídeo (deixar de utilizar outros

recursos). Quanto às sugestões dos alunos, o acolhimento delas geralmente tem relação

com a motivação prévia para o uso da mídia, mas há o perigo de os alunos verem o

vídeo apenas como entretenimento, daí entra mais uma vez a necessidade de uma

mediação consistente desse recurso. É preciso tomar cuidado para não cair em uma

dessas armadilhas do uso inadequado do vídeo. O professor sempre deve assistir

previamente o material que utiliza em sala de aula e planejar suas intervenções.

E é preciso ter em mente que o professor não é apenas um mediador de

conteúdos científicos, ele também media afetos, consciente ou inconscientemente, que

podem promover ou dificultar a aprendizagem. A motivação, tão importante para a

aprendizagem, e, por que não, para o ensino, tem um forte componente afetivo (Meira e

Pillotto, 2010).

Cabe ao professor encontrar meios para conciliar a motivação aos objetivos de

aprendizagem, e os vídeos podem contribuir muito nesse sentido, desde que sejam

cuidadosamente escolhidos e mediados.

A fim de exemplificar as mediações propostas pelos professores a partir de uma

mídia audiovisual, utilizamos as respostas dos professores ao questionário e às

entrevistas sobre o filme Florestas Vazias. Esse documentário foi apresentado na

televisão aberta no programa Globo Ecologia e está disponível na internet.

Em síntese, a mídia Florestas Vazias tem como tema central o fenômeno

homônimo que é representado por uma perda da biodiversidade da floresta devido ao

decréscimo na população de grandes mamíferos. O filme foi gravado no Parque Estadual

Carlos Botelho, que fica na região do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo. Foi

selecionado por abordar uma temática próxima da realidade dos professores

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entrevistados e de seus alunos proporcionando oportunidades de contextualização do

conteúdo veiculado.

O vídeo tem duração de 20 minutos. Perguntamos aos professores se a duração

do vídeo era adequada para o uso em sala de aula. Apenas um professor não considerou

o tempo adequado, alegando que os adolescentes não conseguem prestar atenção por

tanto tempo, declaração interessante pois remete à preocupação de que o vídeo fosse

adequado às características do público-alvo.

Quanto às potencialidades em relação ao uso desse recurso os professores

apontaram: o tempo “sobraria metade da aula para debate ”; a conscientização “quanto a

caça ilegal e o uso inadequado das florestas ”; a reflexão “importância de utilizar esses

recursos de forma sustentável”; a clareza das explicações “bem explicados”, “linguagem

de fácil compreensão”.

Os fatores limitantes apresentados foram: a duração do vídeo “é um pouco

extenso” e o formato televisivo “perder tempo com imagens do apresentador, da

tecnologia que emissora dispõe”. Um professor destacou a importância da mediação:

“com uma intervenção do professor, pode ser um bom documentário”.

Quando questionados sobre como utilizariam esse vídeo sem sala de aula, os

professores se dividiram entre os que descreveram o momento em que apresentariam o

vídeo e outros que sugeriram atividades. Quanto ao momento em que o vídeo seria

apresentado temos: antes da abordagem do tema pelo professor: sensibilização ou

introdução ao tema (15%); concomitante ou após a discussão do tema: aprofundamento

ou complemento da aula, contextualização, demonstração (25%). As atividades propostas

a partir do uso dessa mídia foram: saída a campo, relatório, elaboração de notícias em

um telejornal, pesquisa, projeto. Foram sugeridos também debates e rodas de discussão,

que foram as propostas mais frequentes, por 20% dos professores. Apenas um professor

disse que incluiria o vídeo em um projeto e que esse seria desenvolvido ao longo de um

bimestre. Um professor sugeriu a apresentação apenas da segunda parte do vídeo, o que

o deixaria mais curto (no site do programa há a opção de ver o vídeo inteiro ou dividido

em 3 partes).

As propostas citadas pelos professores convergem com aquelas sugeridas por

Moran (1995) para utilização das mídias como recurso didático, o que revela que o

professor consegue vislumbrar atividades interessantes para o uso adequado dos

recursos midiáticos.

Nas entrevistas percebeu -se uma identificação dos professores em relação ao

tema desenvolvido no vídeo, pois atuam em escolas de uma região cercada por áreas de

proteção ambiental, e porque o parque citado no vídeo Parque Estadual Carlos Botelho

fica em uma cidade próxima, dentro da mesma bacia hidrográfica do rio Ribeira de

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Iguape (Vale do Ribeira). Quando questionado sobre a adequação do vídeo como recurso

didático um entrevistado responde e um outro concorda com movimentos afirmativos da

cabeça:

É interessante porque é a realidade deles, né? Muitos alunos que

vem para a nossa escola aqui, eles vêm de comunidades que

estão muito próximas da mata, então eles têm essa vivência da

caça, do palmito, têm uma vivência muito grande (Lucas*)

Os entrevistados propuseram para a mediação das mídias debates, pesquisas na

internet sobre biomas, um projeto que envolvesse a criação de um viveiro de mudas

nativas, excursão ao Parque Estadual Carlos Botelho, entrevistas com avós para saber

quais animais eram vistos com frequência na região e agora não são vistos mais. A

identificação com a problemática relatada também trouxe diferenciação nas mediações

propostas. As propostas não se restringiam a aproveitar as informações disponibilizadas

pelo vídeo, mas buscar uma transformação na cultural local através das reflexões e

atividades práticas. Percebemos a importância do conteúdo da mídia ser significativo não

só para o aluno, mas também para o professor, pois isso gera motivação de ambas as

partes e pode enriquecer muito as discussões. Marcos* discorrendo sobre a viabilidade

do uso e de como utilizar o Florestas Vazias em sala de aula ressalta:

[...] preservação da ecocultura local, porque a gente não está

falando de algo tão distante, estamos falando de uma parte

remanescente que é próxima ao município deles, o que torna a

coisa um tanto quanto mais sentimental. (Marcos*)

Destacamos que essa identificação só foi possível porque escolhemos para o

estudo um vídeo-documentário que apresenta uma realidade próxima aos alunos. Apesar

das limitações da linguagem televisiva, esse documentário por ser nacional e os

produtores compartilharem com o público uma cultura comum, torna-se mais interessante

do que os documentários internacionais, que são tão utilizados em contextos educativos.

Do ponto de vista da educação ambiental crítica, trazemos as palavras de Sauvé (2005,

p.319) “A relação com o meio ambiente é eminentemente contextual e culturalmente

determinada”. Focar em um tema próximo à realidade dos alunos, torna as discussões

muito mais produtivas.

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No contexto de uma nova dinâmica sociocultural na qual as mídias se inserem

com um poder que deve ser reconhecido, criticado e transformado, o professor deve

aprender fazendo, aprender criando conhecimento, aprender no interior da cultura,

refletindo sobre ela e produzindo cultura. O desenvolvimento cognitivo é mediado por

signos na construção de significados, tarefa embasada culturalmente que se dá através

da negociação entre indivíduos dessa mesma cultura Silva (2012).

Freire (2013, p.137) falando sobre a televisão (que estendemos a todas as mídias

audiovisuais: ”para enfrentar o ardil ideológico de que se acha envolvida a sua

mensagem na mídia [...] nossa mente ou nossa curiosidade teria de funcionar

epistemologicamente todo o tempo”. Para o autor ensinar não se reduz a fórmulas

prontas, a memorizações, ele concebe o professor como um ser pensante e que faz

pensar, que forma e é formado na sua relação com o educando e com o conhecimento.

Para o autor “ensinar não é transferir conhecimento” (id., p.47). Utilizar a mídia como

material para trazer informações aos alunos, dispensando a ação crítica do professor,

também não é ensinar. Se o vídeo não for ressignificado e discutido, o uso desse recurso

não mudará a perspectiva tradicional da aula.

Voltando aos dados de nosso estudo alguns professores sugeriram debates e

pesquisas (que bem conduzidos poderiam enriquecer bastante os conteúdos veiculados,

caso a mediação fosse adequada), a inclusão do vídeo em um projeto mais amplo

(também pode ser muito enriquecedor), mas também houve sugestão de fazer relatório

(atividade tradicional que muitas vezes apenas reproduz acriticamente o que foi

transmitido pelo vídeo). As saídas a campo têm a vantagem da contextualização do tema,

mas os resultados dependerão da abordagem do professor. Há sugestões que exploram

o vídeo de forma tradicional e outras que trazem uma abordagem mais crítica. O mesmo

documentário surtiria resultados diferentes em cada contexto educativo proposto. A

questão não é a atividade em si, mas como essa atividade será conduzida pelo docente.

Até mesmo um debate pode perder seu componente crítico se o professor tiver uma

postura autoritária e intimidadora. Notamos que os professores quando questionados

sobre como utilizariam o vídeo em sala de aula comumente se referiam às atividades,

falando pouco ou nada sobre as mediações e intervenções por parte de professor que

seriam necessárias para que o público-alvo fosse atingido.

Saviani (1996) apresenta os saberes que configuram o processo educativo, ou

seja, os saberes que os professores precisam dominar e que devem fazer parte do

processo formativo: atitudinal, crítico-contextual, específicos, pedagógico e didático-

curricular. Todos eles estão envolvidos, de uma maneira ou de outra, na mediação das

mídias audiovisuais ambientais, mas chamamos atenção para o saber crítico-contextual

que é essencial para a mediação crítica da forma e do conteúdo da mídia. Segundo o

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autor (id., p.149) “Espera-se, assim, que o educador saiba compreender o movimento da

sociedade identificando suas características básicas e as tendências de sua

transformação” e a formação dos professores deve dar conta de atender essa demanda.

A mediação pedagógica, executada pelo professor, é algo de extrema relevância

para a aprendizagem. A mídia, por si só, pode ser de pouca valia para a aprendizagem

sem uma mediação pedagógica, principalmente devido aos perigos da doutrinação

midiática quando o uso não é acompanhado de reflexão e crítica. Aprendemos a

aprender, extraindo os pontos positivos e tendo consciência dos negativos através da

interação com os signos e os indivíduos mais experientes da cultura, no caso, o

professor.

Aprender sobre o meio ambiente, suas interações ecológicas, sua biodiversidade,

bem como entender como as culturas se apropriam desse meio ambiente, quais relações

estabelecem, quais fatores econômicos e sociais interferem em seu equilíbrio, quais

ações são necessárias para diminuir as desigualdades, entre outros temas

indispensáveis à compreensão dos dilemas atuais é algo essencial tanto para a

educação ambiental como para a educação para a cidadania.

Considerações finais

A sinergia entre os pressupostos teóricos que fundamentam a construção pelo

docente de seus saberes possibilitaria uma formação docente mais consistente. Uma vez

que a crítica é essencial à mediação dos conteúdos de um modo geral, faz-se necessário

que a formação docente se baseie em referenciais histórico-críticos a fim de que seja

possível a construção de saberes que possibilitem ao professor uma mediação dos

recursos midiáticos ambientais sob a perspectiva da educação ambiental crítica.

Os resultados parciais de nossa pesquisa indicaram que os professores

costumam fazer uso de mídias audiovisuais para fins de educação ambiental, mas

quando questionados a respeito de como trabalhariam esses recursos em sala de aula

abordam as atividades, deixando de discutir as mediações que seriam necessárias.

Embora as atividades mais frequentemente citadas tenham sido os debates e as rodas

de discussões, não houve descrição de como seria a mediação do professor nessas

dinâmicas, com isso não sabemos se as atividades teriam uma perspectiva crítica e

libertadora ou se seriam apresentadas dentro de uma perspectiva conservadora.

Segundo Napolitano (2010) é comum considerar o documentário como uma expressão

da verdade, sem questionar o conteúdo veiculado. O que não ficou elucidado e pode ser

motivador de outras investigações é se os professores estão utilizando os recursos

audiovisuais com ou sem uma mediação crítica dos conteúdos veiculados.

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Ressaltamos a necessidade de desenvolvimento de um saber crítico-contextual

(Saviani, 1996) para promover uma posição crítica do professor em relação às questões

socioambientais e à abordagem midiática das mesmas. Freire (2011 p.137), discorrendo

sobre os saberes docentes e a mediação da televisão coloca: “postura crítica e desperta

nos momentos necessários não pode faltar”.

Constatamos a importância da identificação com o tema desenvolvido que cria um

ambiente motivador e propício à aprendizagem, além de permitir que tanto o professor

quanto os alunos possam utilizar seus conhecimentos socioculturais locais em contexto

de escolar, valorizando, mediando e enriquecendo os conhecimentos de ambos.

O estudo efetuado trouxe novas questões que serão alvo de investigações

futuras. Temos a ideia de realizar grupos focais com professores com o fim de verificar as

ressignificações e quais mediações os professores sugerem dentro de um contexto de

trocas de opiniões com seus pares.

Notas:

O asterisco após o Nome* indica que se trata de um nome fictício.

1. Referências Bibliográficas:

AMORIM, Edgard de História da TV brasileira. São Paulo: Centro Cultural São Paulo,2007. 123 p. Cadernos de Pesquisa; v. 11, disponível em:http://www.centrocultural.sp.gov.br/cadernos/lightbox/lightbox/pdfs/Historia%20da%20TV%20brasileira.pdf, acesso em: 06/01/2016. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo, Edições 70, 2011, 279p.

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