Midiático, imagético, mas feliz?

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MIDIÁTICO E IMAGÉTICO, MAS FELIZ? Hoje escutei uma música que me fez refletir sobre todos nós, brasileiros, cearenses, caririenses. E o que motivou essa reflexão foi a composição do inesquecível Gonzaguinha, que nos presenteou em 1988, no seu álbum Corações Marginais, a música É. Logo no seu trecho inicial ele evidencia: “É! / A gente quer valer o nosso amor / A gente quer valer nosso suor / A gente quer valer o nosso humor / A gente quer do bom e do melhor... /A gente quer carinho e atenção / A gente quer calor no coração / A gente quer suar, mas de prazer / A gente quer é ter muita saúde / A gente quer viver a liberdade / A gente quer viver felicidade...” Então me veio a dolorosa realidade desses dias repetidos de notícias sobre violência e corrupção. Uma série de indagações ocorreu-me: onde está a felicidade para todos esses autores e corresponsáveis pelo agravamento desse estado de involução humana? Quem sente na pele o desejo de mudança, o que tem feito? Não temos sido tão inábeis e omissos? Até quando continuaremos assistindo ao mesmo filme com personagens diferentes em que a violência sempre é a protagonista? Quem tem cara de panaca nessa história tão mal escrita onde reina o materialismo exacerbado? Nas escolas, a prioridade é o sucesso no vestibular. As melhores escolas estampam nos outdoors mensagens festejando a melhor estatística. Mas quem exalta a melhor prática pedagógica oriunda de uma formação que combate a robotização, o conteudismo inútil para a formação de agentes de transformação da sociedade? O que temos feito nas escolas para ensinar que a riqueza material e o consumismo exagerado não são sinônimos de felicidade? Frei Betto, no seu livro Diálogos, coadjuvado por Cortella, nos ensina: só vamos resgatar a dimensão da esperança, principalmente nos mais jovens, se recuperarmos a percepção do tempo como história. Sem ela não há como fazer projeto. Ao não termos projetos, ficamos absolutamente vulneráveis à racionalidade sistêmica, que é elitista, excludente – enfim, necrófila, que produz vida para alguns à custa da morte de bilhões. Vivemos uma época do midiático e do imagético. O que vale é o aqui e o agora e a fama, a beleza, a riqueza. Afinal de contas, quem tem ensinado aos nossos jovens a valorizar a experiência dos idosos, dos nossos pais, avós, tios? Quem educa para combater o que é descartável, efêmero? Onde nossas crianças e jovens têm visto, têm aprendido que a felicidade verdadeira acontece de dentro para fora e não ao contrário? Há quem lhes ensine o valor das pequenas cosias? Há quem lhes faça ver a importância da honestidade, da fidelidade, da dignidade? Onde é possível ver que a paz vale a pena? Em que lugar podemos enxergar que ser do bem é a melhor opção? “É! / A gente quer viver pleno direito / A gente quer viver todo respeito / A gente quer viver uma nação / A gente quer é ser um cidadão / A gente quer viver uma nação...” Mas quem ensina a ler de forma polissêmica? Quem ler em casa? Quem disse que tantas horas no Facebook devem ser subtraídas por momentos de autoconhecimento, de informação, de literatura? Quem mais conta histórias para os filhos menores? Quem propaga o bem que faz ver, pensar e agir? Quem possibilita nossas crianças e jovens ao sonho? Quais são os ídolos de nossos jovens? Que tipo de referência materna e paterna tem todos eles? Quais os filhos experimentam dos pais exemplos e ensinamentos de afeto e autoridade? No sistema capitalista só há lugar para consumidores. Quem não faz parte desta elite, sofre de exclusão. Então, valoriza-se mais um plantão, mais um expediente, mais uma empresa, mais um emprego, mais dinheiro...menos família...menos humanização. “Ame ao próximo como a si mesmo”, disse Jesus. Qual a dimensão de amor que temos por nós próprios? Ama-se quando se faz exames médicos preventivos. Ama-se quando se alimenta de forma equilibrada. Ama-se quando se curte estar com familiares e amigos só pra conversar. Ama-se quando se cultiva o silêncio e se percebe a divina telha de vidro a refletir arabescos de sol nos ladrilhos da vida. Ama-se quando se permite amar-se. Assim, compartilhando momentos de paz interior e saúde é possível transcender o amor...

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MIDIÁTICO E IMAGÉTICO, MAS FELIZ?

Hoje escutei uma música que me fez refletir sobre todos nós, brasileiros, cearenses, caririenses. E o que motivou essa reflexão foi a composição do inesquecível Gonzaguinha, que nos presenteou em 1988, no seu álbum Corações Marginais, a música É. Logo no seu trecho inicial ele evidencia:

“É! / A gente quer valer o nosso amor / A gente quer valer nosso suor / A gente quer valer o nosso humor / A gente quer do bom e do melhor... /A gente quer carinho e atenção / A gente quer calor no coração / A gente quer suar, mas de prazer / A gente quer é ter muita saúde / A gente quer viver a liberdade / A gente quer viver felicidade...”

Então me veio a dolorosa realidade desses dias repetidos de notícias sobre violência e corrupção. Uma série de indagações ocorreu-me: onde está a felicidade para todos esses autores e corresponsáveis pelo agravamento desse estado de involução humana? Quem sente na pele o desejo de mudança, o que tem feito? Não temos sido tão inábeis e omissos? Até quando continuaremos assistindo ao mesmo filme com personagens diferentes em que a violência sempre é a protagonista? Quem tem cara de panaca nessa história tão mal escrita onde reina o materialismo exacerbado?

Nas escolas, a prioridade é o sucesso no vestibular. As melhores escolas estampam nos outdoors mensagens festejando a melhor estatística. Mas quem exalta a melhor prática pedagógica oriunda de uma formação que combate a robotização, o conteudismo inútil para a formação de agentes de transformação da sociedade? O que temos feito nas escolas para ensinar que a riqueza material e o consumismo exagerado não são sinônimos de felicidade? Frei Betto, no seu livro Diálogos, coadjuvado por Cortella, nos ensina: só vamos resgatar a dimensão da esperança, principalmente nos mais jovens, se recuperarmos a percepção do tempo como história. Sem ela não há como fazer projeto. Ao não termos projetos, ficamos absolutamente vulneráveis à racionalidade sistêmica, que é elitista, excludente – enfim, necrófila, que produz vida para alguns à custa da morte de bilhões.

Vivemos uma época do midiático e do imagético. O que vale é o aqui e o agora e a fama, a beleza, a riqueza. Afinal de contas, quem tem ensinado aos nossos jovens a valorizar a experiência dos idosos, dos nossos pais, avós, tios? Quem educa para combater o que é descartável, efêmero? Onde nossas crianças e jovens têm visto, têm aprendido que a felicidade verdadeira acontece de dentro para fora e não ao contrário? Há quem lhes ensine o valor das pequenas cosias? Há quem lhes faça ver a importância da honestidade, da fidelidade, da dignidade? Onde é possível ver que a paz vale a pena? Em que lugar podemos enxergar que ser do bem é a melhor opção?

“É! / A gente quer viver pleno direito / A gente quer viver todo respeito / A gente quer viver uma nação / A gente quer é ser um cidadão / A gente quer viver uma nação...” Mas quem ensina a ler de forma polissêmica? Quem ler em casa? Quem disse que tantas horas no Facebook devem ser subtraídas por momentos de autoconhecimento, de informação, de literatura? Quem mais conta histórias para os filhos menores? Quem propaga o bem que faz ver, pensar e agir? Quem possibilita nossas crianças e jovens ao sonho? Quais são os ídolos de nossos jovens? Que tipo de referência materna e paterna tem todos eles? Quais os filhos experimentam dos pais exemplos e ensinamentos de afeto e autoridade? No sistema capitalista só há lugar para consumidores. Quem não faz parte desta elite, sofre de exclusão. Então, valoriza-se mais um plantão, mais um expediente, mais uma empresa, mais um emprego, mais dinheiro...menos família...menos humanização.

“Ame ao próximo como a si mesmo”, disse Jesus. Qual a dimensão de amor que temos por nós próprios? Ama-se quando se faz exames médicos preventivos. Ama-se quando se alimenta de forma equilibrada. Ama-se quando se curte estar com familiares e amigos só pra conversar. Ama-se quando se cultiva o silêncio e se percebe a divina telha de vidro a refletir arabescos de sol nos ladrilhos da vida. Ama-se quando se permite amar-se. Assim, compartilhando momentos de paz interior e saúde é possível transcender o amor...

Por fim, destaco que não é á toa que nossos jovens estão cada vez mais buscando nas drogas o que não encontram em si próprios: esperança. Ela atinge todas as classes sociais, pois todos estão vulneráveis quando não convivem em harmonia, em sintonia, em família, em Deus. Indago ainda: Qual a política antidroga dos governos anteriores e atuais? Insensibilidade ou incapacidade? A maior obra, senhores governantes, está em priorizar o ser humano. A melhor obra, senhores políticos, está na valorização daquilo que proporciona dignidade aos cidadãos. Segundo Cortella, a tragédia não é quando um homem morre; a tragédia é aquilo que morre dentro de um homem enquanto ele ainda está vivo”. Ajudem-nos a manter viva a chama da esperança de um mundo melhor para todos. Aos demais, um pedido que comungo com Gabriel Pensador:

Muda que quando a gente muda o mundo muda com a genteA gente muda o mundo na mudança da menteE quando a mente muda a gente anda pra frenteE quando a gente manda ninguém manda na gente!Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem curaNa mudança de postura a gente fica mais seguroNa mudança do presente a gente molda o futuro!

Até quando você vai ficar levando porrada,até quando vai ficar sem fazer nadaAté quando você vai ficar de saco de pancada?Até quando?

Aldo Luna