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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Maria Cibele de Oliveira Ramos Valença MIGRAÇÃO ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS: ALTERAÇÃO DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA PRIVADA DOUTORADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Maria Cibele de Oliveira Ramos Valença

MIGRAÇÃO ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS:

ALTERAÇÃO DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA PRIVADA

DOUTORADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Maria Cibele de Oliveira Ramos Valença

MIGRAÇÃO ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS:

ALTERAÇÃO DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA PRIVADA

DOUTORADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Previdenciário - Efetividade do Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Wagner Balera.

SÃO PAULO

2013

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BANCA EXAMINADORA __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________

__________________________________________ __________________________________________

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Ao Doutor Wagner Balera, por ter me confiado este desafio.

Ao Marcelo, pela cobrança necessária para a concretização deste sonho e por tudo o que você representa para mim.

Ao Bruno, minha maior fonte de inspiração e essência de minha força interior.

Aos meus pais, por terem me proporcionado a base para que eu chegasse até aqui.

Às amigas Zélia Pierdoná e Maria da Glória Chagas Arruda, pelo apoio nos momentos mais difíceis.

A vocês o meu agradecimento e o meu amor.

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RESUMO

VALENÇA, Maria Cibele de Oliveira Ramos. Migração entre planos de benefícios: alteração da proteção previdenciária privada. Tese (Doutorado em Direito Previdenciário - Efetividade do Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

O foco deste estudo é analisar o processo de migração entre planos de benefícios

geridos por entidades fechadas de previdência privada e verificar a possibilidade de

manutenção do padrão de vida dos seus participantes e, consequentemente, do seu

bem-estar social após a concretização da migração.

O regime de previdência privada é facultativo e baseado na constituição de reservas

que garantam o benefício contratado, sendo caracterizado pelo propósito de

complementar os benefícios oferecidos pelo regime oficial, garantindo a manutenção

do padrão de vida dos participantes no momento em que se aposentam e deixam de

exercer atividades remuneradas.

O presente trabalho é composto por cinco partes. A primeira parte versa sobre o

Sistema de Seguridade Social e suas finalidades. A segunda parte avalia as

principais características inerentes ao regime de previdência privada, incluindo a

submissão aos princípios do Sistema de Seguridade Social e a análise dos sujeitos

que a operacionalizam no âmbito da previdência fechada. A terceira parte trata da

natureza jurídica das entidades fechadas de previdência privada, aspecto importante

para a conclusão deste trabalho, uma vez que direcionará a finalidade do regime

privado. A quarta parte analisa os aspectos técnicos jurídicos dos regimes

financeiros utilizados pelas entidades de previdência privada fechada na criação e

gestão dos planos de benefícios que almejam garantir conforto futuro aos seus

participantes. Por fim, na quinta parte são considerados os aspectos jurídicos dos

planos de benefícios, bem como a titularidade de seus respectivos patrimônios e os

demais aspectos que devem ser considerados em um processo de migração entre

planos de benefícios idealizados pelos patrocinadores.

A investigação é relevante pois permitirá concluir a respeito da pertinência dessa

alteração especificamente em relação à proteção previdenciária dos participantes

que originalmente aderiram a um plano de benefícios distinto daquele que pagará

seus benefícios no futuro.

Palavras-chave: previdência complementar; migração; planos de benefício;

entidades de previdência privada.

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ABSTRACT

VALENÇA, Maria Cibele de Oliveira Ramos. Migration between benefit plans: change in private pension protection. Thesis (Doctorate in Social Security Law - Effectiveness of Law), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

The focus of this study is to analyze the migration process between benefit plans

managed by the closed private pension and verify the possibility of maintaining the

standard of living of its participants and, consequently, for their welfare after the

completion of migration.

The private pension scheme is voluntary and based on reserve to ensure the benefit

hired, being characterized by the intention to supplement the benefits provided by the

statutory system, ensuring the maintenance of the participants standard life when

they retire and stop perform paid activities.

This paper consists of five parts. The first part deals with the Social Security System

and its purposes. The second part assesses the main features inherent to a private

pension scheme, including submission to the principles of the Social Security System

and the analysis of the subjects that operationalize within the closed pension. The

third part deals with the legal nature of the closed private pension, important to

complete this work behold directs the purpose of the private system. The fourth

section analyzes the legal technicalities of financial schemes used by closed private

pension funds in the creation and management of benefit plans that aim to ensure

future comfort to its participants. Finally, the fifth part, are considered the legal

aspects of benefit plans, as well as the ownership of their respective assets and

other aspects that must be considered in a migration process between benefit plans

devised by sponsors.

The research is important because it will allow conclusions about the relevance of

this change specifically in relation to social security protection of participants who

originally joined the benefits plan other than the one that will pay benefits in the

future.

Keywords: pension; migration; benefit plans, private pension funds.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.....................................................................................................10

PARTE I – O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL

CAPÍTULO I – SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL..............................................13

1.1 ORIGEM.............................................................................................................13

1.2 CARACTERÍSTICAS..........................................................................................17

PARTE II – ASPECTOS JURÍDICOS DO REGIME

DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

CAPÍTULO II – PREVIDÊNCIA PRIVADA................................................................26

2.1 DENOMINAÇÃO DA “PREVIDÊNCIA PRIVADA”..............................................26

2.2 DO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.......................................................28

2.3 CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS...................................................................34

2.4 HISTÓRICO LEGAL E CONSTITUCIONAL.......................................................41

2.5 PRINCÍPIOS.......................................................................................................51

2.5.1 Princípios do Sistema de Seguridade Social.......................................54

2.5.1.1 Princípio da universalidade da cobertura e do atendimento..............55

2.5.1.2 Princípio da seletividade e da distributividade na prestação dos benefícios e serviços.........................................................................57

2.5.1.3 Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios.........................58

2.5.1.4 Princípio da equidade na forma de participação no custeio..............59

2.5.1.5 Princípio do caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados.........................................................61

2.5.1.6 Regra da contrapartida......................................................................61

2.5.2 Princípios específicos do regime de previdência privada..................63

2.5.2.1 Princípio da contratualidade..............................................................64

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2.5.2.2 Princípio da facultatividade (autonomia de vontade e liberdade de contratar).......................................................................................65

2.5.2.3 Princípio da publicidade.....................................................................66

CAPÍTULO III – AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA..............................69

3.1 ENTIDADES ABERTAS......................................................................................73

3.2 ENTIDADES FECHADAS...................................................................................77

CAPÍTULO IV – SUJEITOS DA RELAÇÃO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

FECHADA.......................................................................................86

4.1 PARTICIPANTE (pessoa física).........................................................................87

4.2 ASSISTIDO (pessoa física)................................................................................88

4.3 PATROCINADOR...............................................................................................89

4.4 INSTITUIDOR.....................................................................................................90

PARTE III – NATUREZA JURÍDICA DAS ENTIDADES FECHADAS

DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

CAPÍTULO V – NATUREZA JURÍDICA DAS ENTIDADES FECHADAS DE

PREVIDÊNCIA PRIVADA................................................................93

PARTE IV – REGIMES FINANCEIROS

CAPÍTULO VI – REGIMES FINANCEIROS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS

DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA...111

6.1 REGIME FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO SIMPLES.....................................112

6.2 REGIME FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO DE CAPITAL DE COBERTURA.............................................................................................114

6.3 REGIME FINANCEIRO DE CAPITALIZAÇÃO.................................................114

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PARTE V – ASPECTOS TÉCNICOS JURÍDICOS DA MIGRAÇÃO

ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS NO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

CAPÍTULO VII – PLANOS DE BENEFÍCIOS..........................................................118

7.1 PLANOS DE BENEFÍCIO DEFINIDO (BD)......................................................123

7.2 PLANOS DE CONTRIBUIÇÃO DEFINIDA (CD)..............................................130

7.3 PLANOS DE CONTRIBUIÇÃO VARIÁVEL......................................................134

CAPÍTULO VIII – PATRIMÔNIO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS........................136

8.1 SEGURANÇA NO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.............................143

8.2 INDIVIDUALIZAÇÃO DOS PLANOS DE BENEFÍCIO.....................................146

CAPÍTULO IX – RETIRADA DE PATROCÍNIO.......................................................152

CAPÍTULO X – MIGRAÇÃO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS..............................159

10.1 DÉFICIT..........................................................................................................175

10.2 SUPERÁVIT...................................................................................................177

10.3 DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO ACUMULADO.........................................178

10.4 SALDAMENTO...............................................................................................181

10.5 CONSEQUÊNCIAS PARA OS PARTICIPANTES E PARA O PATROCINADOR...........................................................................................184

10.6 O CONTEXTO SOCIAL E A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA NA MIGRAÇÃO ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS...........................................186

CONCLUSÕES........................................................................................................192

FONTES E BIBLIOGRAFIA.....................................................................................199

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APRESENTAÇÃO

Este estudo pretende analisar a manutenção dos parâmetros de proteção

privada inicialmente contratados pelo participante com uma entidade de previdência

privada na situação de migração para outro plano de benefícios também

administrado por uma entidade de previdência privada.

Para a concretização deste estudo, necessário discorrer sobre a

facultatividade do regime de previdência privada e o interesse pela manutenção do

padrão de vida do participante, pois, na maioria das vezes, a contratação de um

plano de previdência privada ocorre como forma de complementar os benefícios

oferecidos pelo regime geral de previdência social.

Este trabalho analisará o Sistema de Seguridade Social e suas finalidades,

posteriormente passará a discorrer sobre as características principais do regime de

previdência privada e sua importante submissão aos princípios da Seguridade

Social, com o estudo dos sujeitos integrantes dessa relação jurídica.

A natureza jurídica das entidades de previdência privada também será foco

do estudo, pois introduz conceito necessário para o aprofundamento do tema,

principalmente para análise dos aspectos técnicos jurídicos dos regimes financeiros

utilizados pelas entidades fechadas de previdência privada.

A última parte deste trabalho abordará, com a profundidade necessária, os

aspectos jurídicos dos planos de benefícios, a titularidade de seus respectivos

patrimônios e demais assuntos correlatos para análise da migração entre planos de

benefícios mantidos por entidades fechadas de previdência privada.

Todos os assuntos tratados no trabalho são essenciais para a devida

compreensão do regime de previdência privada e a eventual alteração no padrão de

vida do participante decorrente da migração entre o plano de benefícios inicialmente

contratado e o novo plano destinatário.

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A análise do nível de proteção previdenciária antes e após a migração entre

os planos de benefícios geridos por entidades fechadas de previdência privada é

assunto relevante, devendo ser bem compreendido e analisado, haja vista sua

repercussão no padrão de vida do participante, pelo período do benefício contratado,

bem como para toda a sociedade, posto ser do interesse coletivo a manutenção do

bem comum.

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PARTE I – O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL

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CAPÍTULO I – SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL

É oportuno iniciar este trabalho com o estudo do Sistema de Seguridade

Social, em que está inserido o regime de previdência privada. Os impactos do

contexto da migração entre os planos de benefícios privados estão intrinsecamente

vinculados às finalidades da seguridade social e à proteção do indivíduo e de sua

família.

1.1 ORIGEM

A vida em sociedade surgiu a partir da percepção das facilidades que o

agrupamento poderia proporcionar às pessoas individualmente consideradas,

mormente com o foco da proteção social. Desenvolvia-se a proteção coletiva em

benefício da proteção individual. Em outras palavras, ao viver em grupo, os seres

humanos perceberam várias formas de ajuda mútua que lhes permitiam maior

segurança individual em momentos de infortúnio.

Já na Antiguidade grupos passaram a se organizar em castas com base

profissional, de ofício ou de religião, em decorrência das afinidades e interesses

comuns. O ingresso nessas castas era facultativo e a assistência prestada tinha

caráter beneficente.

No decorrer do tempo essa assistência adquiriu caráter mutualista, reunindo

esforços mútuos com a finalidade de auxiliar os necessitados de determinado grupo

social. Parcelas da população agrupavam-se facultativamente em mutualidades,

buscando prevenir-se em face de eventos imprevisíveis, principalmente doença e

morte. Quando um dos integrantes do grupo vinha a falecer, por exemplo, cada um

dos outros membros vertia um montante para a família com o escopo de cobrir as

primeiras despesas oriundas da morte, como o funeral, e um período de sustento.

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A sociedade percebeu, no entanto, que essa forma de proteção recíproca

não lhe era suficiente, uma vez que os indivíduos não vinculados a nenhum dos

grupos previdentes existentes restavam desprotegidos, entregues à própria sorte,

muitas vezes tornando-se miseráveis.

Progressivamente a população deixava de ter ligações com a vida rural e

migrava para as cidades, tornando a concentração urbana cada vez maior. A

estabilidade familiar da população rural perdia-se em meio às aglomerações

urbanas. Começaram, então, a se formar grupos mais amplos, como, por exemplo,

as associações, buscando garantir a proteção dos seus membros.

Por fim, tornou-se necessária a intervenção estatal. Foi então formado um

fundo amplo, comum e de filiação obrigatória capaz de garantir proteção financeira

ao grupo social, protegido nas situações de concretização dos riscos sociais

previstos.

A partir dessas noções primitivas, nas sociedades modernas, nascidas com

a Revolução Francesa, aperfeiçoou-se uma precária política social voltada ao

fornecimento de bens e serviços que pudessem propiciar bem-estar (serviços

sociais, educação, saúde e habitação, por exemplo). Em meados do século XIX,

com o desenvolvimento da sociedade industrial (após o advento da 2ª Guerra

Mundial, com o aparecimento de novas estruturas sociais), nasceu o Estado de

Bem-Estar, sem caráter assistencial.

A seguridade social surgiu como uma instituição formada a partir do

processo de industrialização e da formação das classes trabalhadoras, que

trouxeram consigo novas formas de riscos sociais, como o desemprego e os

acidentes de trabalho. O sistema de proteção foi estruturado primeiramente por

trabalhadores, universalizando-se posteriormente com a finalidade de garantir

segurança em face dos fatos que impossibilitavam a obtenção do sustento do

trabalhador e de sua família por meio do trabalho. Tratava-se de precário sistema de

seguro privado.

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Nas lições de Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen1,

A Seguridade Social constitui-se, enquanto expressão jurídica, em um direito humano fundamental (proteção social), que é juridicamente organizado pelo Estado para o enfrentamento das contingências sociais, promovendo a elevação dos níveis de bem-estar, baseada em ações solidárias e justas entre os membros de uma coletividade nacional.

A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) refere-se ao

direito à segurança social em vários artigos:

Artigo XXII Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. (grifo nosso) Artigo XXIII 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. [...] 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. [...] (grifo nosso) [...] Artigo XXV 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (grifo nosso) 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

O modelo de proteção social criado pelo Chanceler Bismarck em 1883, na

Alemanha, é considerado como o marco da previdência social no mundo, inovando

1 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social: prestações e

custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.22.

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por apresentar caráter contributivo. O plano de Bismarck consistia em um sistema

público de segurança social, um seguro social, voltado principalmente para

trabalhadores, oferecendo segurança obrigatória em face de riscos como doença,

acidentes do trabalho, velhice e invalidez, sendo custeado por contribuições estatais

e contribuições vertidas pelos empregados e pelos empregadores (incidentes sobre

os salários), em caixas próprias para cada categoria profissional.

Posteriormente, em 1942, Sir William Beveridge, na Inglaterra, criou um

modelo de proteção que visava a alcançar segurança social plena, apontando como

solução no combate contra a miséria um processo de redistribuição de renda. A

proteção social não se restringia ao seguro social para as necessidades básicas dos

trabalhadores e à assistência social para as necessidades anormais e de

subsistência, mas impunha também a realização de um seguro voluntário. O

relatório recomendava a garantia de proteção estatal mínima, básica, universal, “do

berço ao túmulo”.

No Brasil, a previdência social foi instituída formalmente em 23/01/1923, por

meio da Lei Eloy Chaves (Lei n.º 4.682), que estabeleceu o sistema de previdência

social básico, de caráter contributivo, operacionalizado por meio das Caixas de

Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários. Em meados dos anos 30 já existiam

cerca de 300 Caixas de Assistência e Previdência Social - CAPs. As CAPs eram

organizadas por empresa ou categoria profissional. Seu sistema básico era o de

capitalização coletiva, financiado, de forma tripartite, pelos trabalhadores,

empregados e Estado. Eram vinculadas ao Conselho Nacional do Trabalho, situado

na esfera de competência do Ministério da Agricultura.

Algumas CAPs continuaram a existir até os anos 60. Entretanto, a partir de

1933, o modelo de Caixas passou a ser substituído por instituições de vinculação

exclusiva ao gênero ou categoria profissional, os Institutos de Aposentadorias e

Pensões - IAPs. Muitas CAPs foram transformadas em institutos. Acredita-se que,

mesmo com a criação dos institutos, somente 30% dos trabalhadores do país

estavam cobertos nos anos 50.2

2 FOLLADOR, Renato; ANZOLIN, Rita Pasqual. Previdência complementar – um plano solidário

sem risco para o patrocinador. São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2008, p. 23.

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Já o Sistema de Seguridade Social no Brasil, na acepção utilizada

atualmente, somente foi criado na Constituição Federal de 1988. Até então existiam

esparsos mecanismos de cunho securitário, não sistematizados.

Ressalta Marly A. Cardone3:

Nota-se considerável avanço na Constituição de 1988, que manteve a ideia do Seguro Social (Previdência), baseada no direito privado, onde somente são beneficiados aqueles que contribuem, ampliando-o para a Seguridade Social, que vais a proporcionar a garantia de um rendimento mínimo e o acesso à saúde a todos que necessitarem, independentemente do pagamento de contribuições, por meio da Assistência Social, ampliando significativamente o universo de sujeitos protegidos, para se atingir o objetivo do Estado Democrático de Direito de erradicar a miséria, utilizando como instrumento a Seguridade Social.

O Sistema de Seguridade Social, por meio do Estado, busca proteger a

sociedade em razão das suas necessidades essenciais (alimentação, habitação,

vestuário, saúde e educação, minimamente considerados). A ausência dessa

cobertura estatal poderá gerar instabilidade social, com sérios riscos para a

coletividade.

O papel da seguridade social é atingir todos os indivíduos que compõem a

sociedade4 (ou sua grande maioria), concretizando a universalidade do sistema, e

protegendo-os do maior número de contingências sociais possíveis, admitindo a

convivência em sociedade.

1.2 CARACTERÍSTICAS

É oportuno esclarecer que a doutrina não apresenta um conceito unívoco de

seguridade social, ante a dificuldade de estabelecimento de premissas comuns nos

3 CARDONE, Marly A. Previdência, assistência e saúde – o não trabalho na Constituição de 1988.

São Paulo: LTr, 1990, p.13. 4 O próprio artigo 195 da Constituição Federal de 1988, ao tratar do custeio do Sistema de

Seguridade Social, dispõe que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade”.

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diversos sistemas de seguridade social existentes nos vários ordenamentos

jurídicos56. Há variação de princípios jurídicos, de condições políticas e econômicas,

bem como distintas realidades e necessidades sociais7.

No entendimento de Augusto Venturi8:

O caráter fundamental da Seguridade Social é a sua original questão ética, o princípio da obrigação universal de garantir a todo ser humano a tutela contra as consequências danosas que derivam dos eventos da sua vida individual, familiar e coletiva.

Os referidos eventos consistem nos riscos9 sociais, ou seja, eventos futuros

e incertos que independem da vontade do homem e, se ocorrerem, comprometerão

a subsistência dos segurados e de seus dependentes.

Os riscos são classificados em dois tipos:

[...] podem ser biológicos, isto é, relativos a modificações do estado de saúde e a consequente capacidade para o trabalho, ou da supressão da vida, ou econômico-sociais, eventos impedientes da aquisição pelo hipossuficiente de meios para sua subsistência, decorrentes da atual organização econômica da sociedade. Os primeiros são: doença, invalidez, velhice,

5 A dificuldade estende-se também no âmbito das palavras que nomeiam os aspectos da seguridade

social. Como nos ensina Vilém Flusser: “Se definirmos realidade como „conjunto de dados‟, podemos dizer que vivemos em uma realidade dupla: na realidade das palavras e na realidade dos dados „brutos‟ ou „imediatos‟. Como os dados „brutos‟ alcançam o intelecto propriamente dito em forma de palavras, podemos dizer que a realidade consiste de palavras e de palavras in statu nascendi.” FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3ª ed. São Paulo: Annablume, 2007, p.40. 6 A denominação “seguridade social” pode ter surgido nos Estados Unidos, em 1935, como “Social

Security Act”. Em 1938, foi usada também em lei neozelandesa e, a partir de então, passou a ser aceita internacionalmente. Veja-se: “sécurité sociale”, na França; “sicurezza sociale”, na Itália; “securidad social”, na Espanha e na América espanhola; “segurança social”, em Portugal; e, por fim, “seguridade social”, no Brasil. LEITE, Celso Barroso. Conceito de seguridade social. In: BALERA, Wagner (Coord.). Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p.16. 7 “[...] as próprias pessoas devem ter a responsabilidade de desenvolver e mudar o mundo em que

vivem. Não é preciso ser devoto ou não-devoto para aceitar essa relação básica. Como pessoas que vivem – em um sentido amplo – juntas, não podemos escapar à noção de que os acontecimentos terríveis que vemos à nossa volta são essencialmente problemas nossos. Eles são responsabilidade nossa – independentemente de serem ou não de mais alguém.” SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 320-321. 8 VENTURI, Augusto. I fundamenti scientifici dessa sicurezza sociale. Milão, 1954, p.273.

9 Nicola Abbagnano

9 apresenta o conceito geral de risco: “Em geral, o aspecto negativo da

possibilidade, o poder não ser.” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi; revisão e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.1016-1017.

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morte, acidentes do trabalho e maternidade; e os últimos são os relativos ao desemprego.10

Como aborda Alfredo J. Ruprecht11:

O homem pensa no futuro com certa apreensão: ele anela pelo bem-estar de uma vida tranquila, sem maiores contratempos ou no caso de acontecer algo – como quase sempre acontece – ter condições de enfrentá-lo. Isto está intimamente associado ao que se conhece como o “bem-estar social”.

O Sistema de Seguridade Social pode ser entendido como um conjunto de

medidas disponibilizadas pelo Estado com a finalidade de atender às necessidades

precípuas do ser humano que convive em sociedade, garantindo-lhe segurança

mínima frente às adversidades consistentes nas contingências sociais.

Celso Barroso Leite12 conceitua a seguridade social como a garantia de

tranquilidade social, principalmente no futuro. Trata-se de um conjunto de medidas

pelas quais o Estado13 pretende atender às necessidades que o ser humano

apresenta em relação à segurança no momento da concretização de adversidades.

O dano suportado por um indivíduo reflete-se, de forma implacável, em toda

a sociedade14, especialmente por se tratar de um sistema calcado na

solidariedade15. Para fazer frente a esse impacto, a seguridade social almeja garantir

o mínimo vital ao indivíduo que viva em sociedade, tendo por alicerce a dignidade da

pessoa humana. O referido sistema busca garantir condições dignas de

10

CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr; Ed. da Universidade de São Paulo, 1980, p.437. 11

RUPRECHT, Alfredo J. Direito da seguridade social. Revisão técnica Wladimir Novaes Martinez. São Paulo: LTr, 1996, p.19. 12

LEITE, Celso Barroso. Conceito de seguridade social. In: BALERA, Wagner (Coord.). Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 3ª ed. São Paulo: LTr, 1996, p.15-17. 13

O artigo 194, parágrafo único, da Constituição Federal, dispõe que: “Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social [...].” 14

Celso Barroso Leite apresenta esse cenário ao dispor que “as necessidades essenciais de cada indivíduo, a que a sociedade deve atender, tornam-se na realidade necessidades sociais, pois quando não são atendidas repercutem sobre os demais indivíduos e sobre a sociedade inteira”. LEITE, op. cit., p.21. 15

Vide artigo 3º da Constituição Federal: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – constituir uma sociedade livre, justa e solidária. [...]”

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20

sobrevivência aos cidadãos. Seu objetivo é assegurar o bem-estar e a justiça social,

mormente no momento da concretização de um risco social protegido.

A definição das condições que traduziriam o implemento do mínimo vital está

vinculada ao conceito de necessidade, ou seja, seria o mínimo essencial para a

sobrevivência digna de um ser humano, envolvendo o suprimento de necessidades

básicas comuns ao indivíduo, como alimentação, habitação, vestuário, saúde e

educação.

As finalidades da seguridade social estão alicerçadas no valor da dignidade

da pessoa humana, que fundamenta o Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da

Constituição Federal). Assim, o mínimo vital16 deve ser entendido como a garantia

de tranquilidade e de segurança em situações de adversidade em que vier a se

encontrar o ser humano, no presente e no futuro.

O Sistema de Seguridade Social sustenta-se em três pilares: a assistência

social, a saúde e a previdência social. A assistência social17 tem por escopo a

proteção dos hipossuficientes, por meio da concessão de benefícios e prestação de

serviços, resguardando pessoas que nunca contribuíram para o sistema e que dele

venham a precisar.18 Os benefícios assistenciais têm valor de um salário mínimo e

são devidos aos idosos e pessoas com deficiência que efetivamente demonstrem a

situação de necessidade e atendam aos requisitos impostos legalmente.

A saúde, por sua vez, é um direito de todos e dever do Estado, podendo ser

definida como um conjunto de políticas econômicas e sociais voltadas a garantir às

pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. Tem por

16

“Melhor, talvez, do que procurar conceituar a seguridade social, com as dificuldades que será preciso vencer para isso, é compreender que ela se enquadra nessa linha de raciocínio, ou seja, constituir a maneira, na realidade, maneiras, de proporcionar a cada um de nós a garantia de poder viver em paz no tocante a determinadas necessidades inerentes à própria condição humana.” LEITE, Celso Barroso. Conceito de seguridade social. In: BALERA, Wagner (Coord.). Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5ª ed. São Paulo: LTr, 1996, p.19. 17

A assistência social está prevista nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal: “Artigo 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social [...]. Artigo 204. As ações governamentais na área da assistência social [...].” 18

Vide art. 203, I, II e III, da Constituição Federal c/c art. 1º da Lei n.º 8.742/93.

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finalidade reduzir os riscos de doenças, protegendo a boa saúde da população em

seu todo considerada, garantindo acesso à assistência médica e hospitalar.19 20

A assistência social e a saúde têm como principal característica a

universalidade, dispensando qualquer espécie de vínculo prévio, cumprimento de

carência ou contribuição para que o cidadão faça jus a uma prestação ou a um

serviço disponibilizado.

Já a previdência social2122 é organizada sob a forma de regime geral, possui

caráter contributivo e obrigatoriedade de filiação prévia. Trata-se de regime básico

protetivo, de caráter universal, obrigatório a toda a população economicamente

ativa. Tem seu âmbito de atuação restrito aos seus segurados, ou seja, aqueles a

ela filiados previamente e que vertam contribuições periódicas, buscando proteção,

predominantemente econômica, no caso da concretização de um risco social

protegido no futuro (prestações com caráter de seguro social).

A própria Constituição Federal, em seu art. 201, quando trata

especificamente do regime de previdência social, relaciona os riscos sociais,

entendidos como circunstâncias de adversidade que expõem o segurado a situações

de necessidade social, impondo a proteção estatal:

Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

19

A saúde está regulada constitucionalmente nos artigos 196/200: “Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário à ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Artigo 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde [...]. Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde [...]. Artigo 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Artigo 200. Ao sistema único de saúde compete [...].” 20

Vide art. 196, caput, da Constituição Federal c/c arts. 2º e 3º da Lei n.º 8.080/90. 21

Os regimes próprios de previdência social também integram o Sistema de Seguridade Social, no pilar da Previdência Social. Entretanto, tais regimes, voltados aos agentes públicos, não serão tratados neste trabalho, uma vez que são estranhos ao objeto em estudo. 22

O regime de previdência privada também integra o Sistema de Seguridade Social e será estudado em tópico específico.

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IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

O Sistema de Seguridade Social, como um seguro, tem por objeto a

proteção dos riscos previamente indicados. Manoel Sebastião Soares Póvoas23

apresenta a seguridade social como:

[...] um processo sócio-econômico ao nível de cada nação utilizando a solidariedade entre entidades e pessoas que representam as suas forças produtivas e beneficiando de uma estrutura operacional definida, orientada e controlada pelo estado, objetiva proporcionar a cada pessoa os meios indispensáveis para, nas eventualidades negativas da sua vida, em termos de perda de sua capacidade de ganho por razões aleatórias como o desemprego, a doença, o acidente, ou por razões inerentes à própria condição humana como o casamento, a maternidade, a infância, a velhice e a morte, poder suportar as conseqüências, nomeadamente ter assegurado o sustento da família.

Justifica-se a atuação estatal em razão dos riscos decorrentes dos perigos

inerentes à própria vida em sociedade. Porém, a segurança social está cada vez

mais complexa, de forma que a sociedade passou a se responsabilizar pelos riscos

individuais (socialização do risco), concretizando o princípio da solidariedade.

O Sistema de Seguridade Social brasileiro está regulado no Capítulo II, do

Título VIII - Da Ordem Social, da Constituição Federal de 1988, e abrange os

subsistemas de previdência social, assistência social e saúde, como já citado

anteriormente. O artigo 193, da Constituição Federal, que apresenta o título retro

indicado, delimita os objetivos que deverão ser alcançados pelo Sistema de

Seguridade Social, ao prever que “a ordem social tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Portanto, o fundamento do

Sistema de Seguridade Social é garantir aos cidadãos o alcance do bem-estar e da

justiça sociais24.

23

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada – Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.61. 24

Que tem por alicerce os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da igualdade.

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23

Nos termos constitucionais, a definição de bem-estar social está atrelada ao

bem de todos, retomando o conceito de bem comum. Nos termos do art. 3º da

Constituição Federal, o bem-estar social pode ser concretizado na erradicação da

pobreza e na redução das desigualdades sociais.25

André Franco Montoro26 estuda o conceito de justiça social:

Como as demais espécies de justiça, a social é, também, virtude que consiste em dar a “outrem” o que lhe é “devido”, segundo uma “igualdade”. Mas essas notas se apresentam como características próprias em cada espécie de justiça. Na social, a “alteridade” ou pluralidade de pessoas tem como sujeitos, de um lado, os particulares ou membros da sociedade (como devedores), e, de outro, a sociedade (como credora). O “devido” é a realização do bem comum, ou, mais precisamente, a contribuição de cada um para sua realização. E a “igualdade” que a orienta é de natureza proporcional ou relativa. Com esses elementos, podemos conceituar a justiça social como a virtude pela qual os membros da sociedade dão a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade proporcional.

O atingimento do bem-estar e da justiça sociais traduz o ideal do Sistema de

Seguridade Social. Wagner Balera27 realça a importância desses objetivos

constitucionais:

A atenta interpretação dos diversos dispositivos da Constituição demonstra que tais valores funcionam como vetores que conduzem o tema para um único campo exegético. O bem-estar, engrenado com a justiça, é assumido como valor dotado de potencial suficiente para transformar a situação social identificada pelo constituinte. Esses axiomas fundamentais – bem-estar e justiça – representam o centro de gravidade de todo o sistema constitucional no campo social. É como se o direito positivo só pudesse ter vigência, com o advento da Constituição de 1988, quando fosse expressão de tais valores. Donde se torna necessário que estabeleçamos – a partir das noções de bem-estar e de justiça – o grau de influência que tais valores exercem sobre a elaboração, interpretação e aplicação das normas que devam efetivá-los no mundo fenomênico.

25

BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p.18 e 23. 26

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 20ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p.213. 27

BALERA, op. cit., p.16-17.

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24

Não é demais lembrar que em todas as áreas de atuação do Sistema de

Seguridade Social estão presentes os valores de bem-estar e de justiça sociais,

sempre em busca da garantia da existência digna do ser humano que vive em

sociedade.

Daniel Pulino28 complementa a análise ao dispor que:

[...] também o artigo 170 da Constituição Federal, que traça os fundamentos da própria “Ordem Econômica e Financeira”, que também tem por base “a valorização do trabalho humano” (além da livre iniciativa, que aqui aparece senão de modo mais expressivo, ao menos mais evidente), estabelece como fim da ordem econômica assegurar a todos a existência digna (eis o bem-estar social, sob outra vestimenta), conforme os ditames da justiça social, observados, entre outros, os seguintes princípios: “redução das desigualdades regionais e sociais” (inciso VII) e “busca do pleno emprego” (VIII). Como facilmente se apreende, é praticamente perfeita a justaposição valorativa entre o caput do artigo 170 e o artigo 193, da Constituição, a anunciar, de modo gritante, a necessária coordenação das “partes” (a “ordem econômica” e “ordem social”) ao todo em que se expressa qualquer sistema.

Assim, temos que as finalidades do Sistema de Seguridade Social apenas

serão alcançadas por meio do esforço conjunto da iniciativa privada e do Poder

Público, com vistas a assegurar os direitos relacionados à saúde, à assistência

social e à previdência social29, que devem atuar de forma integrada, a fim de atingir

os ideais de justiça e bem-estar sociais, asseverando a existência digna de toda a

população.

28

PULINO, Daniel. Previdência Complementar: Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.26. 29

CF/88, artigo 194, caput: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

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PARTE II – ASPECTOS JURÍDICOS DO REGIME

DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

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CAPÍTULO II – PREVIDÊNCIA PRIVADA

Antes de adentrarmos especificamente o tópico relativo à previdência

privada, é preciso explicar a imprecisão de sua nomenclatura.

2.1 DENOMINAÇÃO DA “PREVIDÊNCIA PRIVADA”

Até a promulgação da Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de

1998, o regime de previdência privada era indistintamente denominado de “privado”,

“supletivo” ou “complementar”, em evidente confusão conceitual.

Somente a previdência fechada, suas entidades e planos de benefícios

poderiam ser considerados como complementares ou supletivos à previdência

oficial, uma vez que seus participantes eram trabalhadores compulsoriamente

vinculados ao regime geral de previdência social. Por essa razão, quando os

participantes desses planos viessem a auferir seus benefícios, poderiam estes ser

entendidos como complementares, já que tinham por função complementar os

benefícios concedidos pela previdência pública. Acrescente-se que até então era

comum que um dos requisitos para a concessão do benefício da aposentadoria

complementar fosse o usufruto do benefício básico no regime oficial.

Normalmente, nos planos geridos por entidades fechadas, os requisitos de

elegibilidade dos benefícios eram similares àqueles observados no regime oficial,

geralmente acrescidos da exigência de determinado tempo de trabalho mínimo para

a empresa patrocinadora (e empregadora).

A previdência aberta, suas entidades e planos de benefícios, por outro lado,

não permitem esse mesmo entendimento. O principal argumento refere-se ao fato

de que os participantes dessa espécie de previdência não são necessariamente

vinculados a outro regime de previdência (mormente oficial).

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27

Frente a esse fato, como se referir à previdência complementar? Não existe,

necessariamente, um benefício oficial a ser complementado, tornando inócua a

utilização das expressões “supletiva” ou “complementar”.

Após a Emenda Constitucional n.º 20/98, a Constituição Federal oficialmente

denominou essa espécie previdenciária de regime de previdência privada, de caráter

complementar, organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de

previdência social.

Até a promulgação da Lei Complementar nº. 109, em 29 de maio de 2001,

os potenciais participantes podiam contratar planos de previdência privada que

ofereciam benefícios complementares àqueles garantidos pela previdência social,

bem como serviços assistenciais e/ou de saúde30. A mencionada Lei, que tinha por

função regulamentar o art. 202 da Constituição Federal, adotou a expressão

previdência complementar31, embora disponha expressamente32 que a concessão

de benefícios por esse regime de previdência não depende da concessão de

benefícios pelo regime geral de previdência social. Porém, há imprecisão

terminológica, haja vista que a Lei Complementar n.º 109/01 restringe a atuação das

entidades de previdência privada à implementação de benefícios de natureza

previdenciária, não sendo permitida a disponibilização de serviços assistenciais e de

saúde33.

Ressalte-se ainda que a expressão “previdência privada” é utilizada

exclusivamente no Brasil. Póvoas34 ensina:

30

Os serviços assistenciais não necessariamente complementavam a atuação estatal, uma vez que poderiam prever, entre outros, a possibilidade de concessão de empréstimos sem imposição de correção monetária e juros. Já os serviços de saúde poderiam concorrer ou complementar aqueles disponibilizados pelo Poder Público. 31

A Lei Complementar nº. 109/01 dispõe sobre o regime de previdência complementar e, em seu art. 1º, refere-se ao regime de previdência privada. 32

Art. 68, § 2º. - “A concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social.” 33

O art. 76 da Lei Complementar n.º 109/01 prevê que as entidades fechadas de previdência complementar que, na data da publicação da Lei Complementar nº. 109/01, prestavam serviços assistenciais à saúde poderão continuar a fazê-lo desde que haja custeio específico para tanto, ressaltando que a contabilização e o patrimônio destinado a esses serviços fossem mantidos em separado daqueles relativos ao plano previdenciário. 34

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada – Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.60.

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28

A dificuldade de apreensão do seu significado no exterior deve-se a que no movimento em que tomou corpo, sobretudo nos países industrializados, de institucionalização ou de mero estabelecimento de sistemas privados previdenciários de complementação ou suplementação dos benefícios proporcionados aos trabalhadores pela segurança social, se aceitou unanimemente as expressões “planos de pensão”, “fundos de pensão”, “planos privados de benefícios”, e outras idênticas cuja ênfase é dada à palavra pensão ou à palavra benefício, sem qualquer semelhança com a palavra “previdência”, e na medida em que a expressão previdência privada sempre foi usada, sobretudo pelos autores latinos, como sinônimo do seguro privado quando olhado do lado do indivíduo que tendo sentido a necessidade de proteger sua pessoa e seus bens da materialização de certos riscos recorre aos serviços prestados pela instituição seguradora.

O regime de previdência privada é autônomo em relação ao regime geral de

previdência social, sendo operado por meio das entidades de previdência que

administram planos de benefícios de caráter previdenciário.

Pelo exposto, temos que a legislação é imprecisa ao tratar da nomenclatura

desse regime previdenciário, considerando sinônimas as expressões “previdência

privada” e ”previdência complementar”, sobrepondo-se à conceituação constitucional

prevista no artigo 202. Por essa razão, neste trabalho tais expressões serão

utilizadas como sinônimas, embora não o sejam, como já demonstrado.

2.2 DO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

A Constituição Federal prevê três espécies de regimes previdenciários, que

possuem níveis diferenciados de proteção social (para populações distintas), quais

sejam: o regime geral de previdência social, os regimes próprios de previdência e o

regime de previdência privada.

Os três regimes supracitados compõem um dos pilares que sustentam o

Sistema de Seguridade Social, o pilar da previdência social, almejando atender às

necessidades vitais do ser humano, protegendo-o das adversidades consistentes na

concretização de contingências sociais, fornecendo segurança social.

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29

O foco da previdência privada também é o de garantir segurança social,

proporcionando bem-estar e justiça sociais. Esse regime, entretanto, atua no

domínio não coberto pelos regimes previdenciários básicos (regime geral e regimes

próprios de previdência social). A previdência privada atua, em maior proporção,

como complemento da proteção oficial, formando um conjunto protetivo no âmbito

da sociedade brasileira. A autonomia que lhe é peculiar refere-se à organização do

sistema previdenciário.

A esse respeito, manifesta-se Wagner Balera35:

A nítida vocação do plano, já enunciada pela Lei, é a de proporcionar bem-estar aos seus participantes, bem-estar que, no universo jurídico onde se aloja a previdência privada, sempre se expressa em prestação de seguridade social conferida ao participante ou a beneficiário que o mesmo houve por bem designar.

O regime de previdência privada, em estreita relação com o Poder Público,

atua como estrutura de expansão da proteção do Sistema de Seguridade Social,

buscando minimizar os efeitos da concretização dos riscos sociais36.

A materialização de um risco social protegido pelo Sistema de Seguridade

Social, especificamente no âmbito da previdência social37 (evento possível, futuro e

35

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2000, p.15. 36

Paul Durand conceitua os riscos jurídicos: “La noción genérica de riesgo ha sido ya precisada por el Derecho del Seguro, en donde se considera como tal a todo acontecimiento futuro e incierto, cuya actualización no depende exclusivamente de la voluntad del asegurado. El riesgo es un acontecimiento infortunado la mayor parte de las veces: la enfermedad, la muerte (si se trata de un riesgo que afecte a la persona asegurada), el incendio (si se trata de un bien material)... En esos casos adopta el nombre de siniestro. Pero el calificativo de riesgo tambiém puede aplicarse a acontecimientos venturosos: la supervivencia del asegurado, en casos del seguro de vida; el matrimonio, o el nacimiento de un hijo, en los seguros de nupcialidad e natalidad [...] La incertidumbre que el riesgo produce, puede revestir formas muy diversas. Puede ser la incertidumbre respecto del acaecimiento de un evento, como es el caso del riesgo de enfermedad o de vejez (en cuyo caso el derecho al pago de un capital o de una renta no se adquiere más que si el individuo alcanza una determinada edad). En otros casos la incertidumbre puede limitarse a la fecha en que un acontecimiento se producirá (en cuyo caso, tal incertidumbre se refiere a un acontecimiento futuro, pero cierto), como es el caso del Seguro de defunción.” DURAND, Paul. La política contemporánea de seguridad social. Ministerio do Trabajo y Seguridad Social, España, 1991, p.55-6. 37

Vide artigo 201 da Constituição Federal: “Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-

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30

imprevisível que, se concretizado, reflete negativamente no bem-estar do segurado

e de sua família, impossibilitando-o de prover sua subsistência), autoriza o

pagamento de prestações ao segurado com a finalidade de reduzir os impactos

negativos, garantindo-lhe o mínimo necessário para a sobrevivência digna.

Entre outros fatores, é importante destacar que o regime oficial é limitado

pela fixação de um piso e de um teto em relação às suas contribuições e seus

benefícios38. O piso utilizado na maior parte das prestações previdenciárias equivale

ao valor do salário mínimo nacional39, que deve atender, conforme conceito

constitucional40, às necessidades vitais básicas do segurado e de sua família em

relação a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,

transporte e previdência social. Por sua vez, o teto previdenciário importa

atualmente em R$ 4.159,00 (quatro mil, cento e cinquenta e nove reais)41.

O desenvolvimento do regime de previdência privada está vinculado à

insegurança de parcela da população que aufere rendimentos superiores àqueles

previstos pelo teto do regime geral de previdência social e entende que o valor

habitualmente recebido pelo seu trabalho é necessário para manter o seu padrão de

vida42.

Imprescindível destacar que o ingresso no regime de previdência privada

independe da vinculação prévia do potencial participante a um regime de

reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.” 38

No regime geral de previdência social há correlação entre contribuição e risco, bem como entre contribuição e prestação, considerando que o seu modelo de financiamento é baseado no seguro social, impondo a necessidade de fixação de um patamar mínimo de contribuição e de benefício, bem como de um teto. 39

Conforme dados do Censo 2010, divulgados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais da metade das famílias brasileiras vive com até um salário mínimo per capita. 40

Vide artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal: “Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; [...]” 41

Vide artigo 2º da Portaria Interministerial MPS/MF n.º 15, de 10 de janeiro de 2013. 42

Por “padrão de vida” entende-se a quantidade e a qualidade de bens e serviços que o indivíduo tem ao seu dispor a partir dos seus rendimentos habituais.

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previdência público, de forma que, além de seus eventuais investimentos pessoais43,

se concretizada a relação jurídica, poderá ele contar com os benefícios da

previdência privada especialmente no momento em que deixe de exercer suas

atividades laborais.

Póvoas44 definiu “a previdência supletiva como a parte do domínio geral das

necessidades sociais do homem resultantes da materialização dos riscos sociais

(definidos em lei) que a instituição da previdência social não consegue cobrir”45.

Ratificando esse entendimento, a parcela da população que aufere

rendimentos superiores ao valor estipulado como teto previdenciário46 (ou que não

se encontra vinculada a nenhum regime previdenciário estatal) resta desprotegida e

necessita de alguma forma de complementação econômica que possa garantir a

manutenção do seu poder aquisitivo futuro (quando da inatividade laborativa ou da

diminuição da sua força de trabalho47). Esses indivíduos podem socorrer-se dos

planos de benefícios disponíveis no regime de previdência privada, já que o regime

geral de previdência social lhes oferece proteção insuficiente48.

Pode-se afirmar que a previdência privada integra o Sistema de Seguridade

Social, na medida em que, como regime de proteção social coletivo, objetiva

essencialmente minimizar os impactos da concretização de riscos sociais

(principalmente decorrentes da idade), já que busca a manutenção do padrão de

vida que os participantes possuíam antes da concretização do risco social e a

garantia do mínimo necessário à sua sobrevivência.

43

Entendidos como eventuais investimentos financeiros ou bens materiais/imateriais que possam vir a garantir ao cidadão (potencial participante de um plano de previdência privada) alguma espécie de renda suficiente para sua sobrevivência, especialmente no momento em que este deixe de exercer atividades remuneradas. 44

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Na rota das instituições de bem-estar: seguro e previdência. São Paulo: Green Forest do Brasil, 2000, p.306. 45

A referência à “previdência supletiva” pode ser entendida como “previdência complementar”. 46

É importante destacar que os regimes previdenciários públicos protegem e garantem o padrão de vida da maciça maioria da população a eles vinculada, considerando-se os valores de renda declarados de acordo com os dados do Censo 2010, divulgados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Assim, o regime de previdência privada tem por foco os indivíduos que auferem rendimentos superiores àqueles estabelecidos como teto nos regimes públicos ou que não estão vinculados a nenhuma espécie de previdência básica. 47

Ou ainda de oportunidades no mercado de trabalho. 48

Ou, como já disposto anteriormente, nem sequer existe essa proteção mínima estatal, no caso de o potencial participante não ser vinculado a nenhum regime previdenciário básico estatal.

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No contexto da previdência privada devem ser considerados:

(i) a destruição das responsabilidades protetivas dos familiares;

(ii) a prática de um individualismo em detrimento do coletivismo;

(iii) as alterações demográficas: a diminuição da natalidade e aumento da

expectativa de vida;

(iv) a diversidade social existente; e

(v) a estruturação dos sistemas de proteção social em regime financeiro de

simples partição.

Os referidos fatores ensejaram o nascimento do regime complementar ao

regime geral de previdência social, básico e obrigatório. O regime de previdência

privada, em franca evolução, apresenta mecanismos legais49 mais eficazes na

proteção dos participantes e assistidos no contexto dos planos de benefícios, tendo

instituídos princípios de governança e de gestão de riscos mais seguros, contando

com uma fiscalização estatal efetiva50.

A previdência privada almeja o desenvolvimento econômico de seus

participantes, uma vez que gerará a consciência e a disciplina individual necessárias

para o estabelecimento de uma poupança em longo prazo, que tem determinada a

data de início e, em regra51, não possui data de término. Trata-se da constituição de

uma poupança individual, além de desenvolvimento econômico nacional.

49

A Lei Complementar n.º 109/01 prevê, entre outras formas de proteção aos participantes e assistidos, o instituto da portabilidade, a garantia de pleno acesso destes às informações relativas à gestão e ao plano de benefícios, bem como o estabelecimento de padrões mínimos aos planos de benefícios, fixados pelos órgãos regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. 50

As entidades fechadas de previdência privada ainda contam com a fiscalização direta de seus participantes e assistidos, uma vez que a estes é garantido o direito de participação nos órgãos colegiados da entidade de previdência privada, nos termos do art. 35, parágrafo 1º, da Lei Complementar n.º 109/01: “Art. 35. [...] §1º. O estatuto deverá prever representação dos participantes e assistidos nos conselhos deliberativo e fiscal, assegurado a eles no mínimo um terço das vagas.” 51

A incerteza quanto ao término do contrato previdenciário existe quando se tratar de benefício vitalício. Se estivermos diante de um plano de benefícios que disponha de um benefício por prazo programado, via de regra, é possível definir a data de início do contrato, o número de contribuições vertidas pelo participante e o número de benefícios a serem recebidos pelo assistido.

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33

Os planos de benefícios52 de previdência privada poderão garantir a

manutenção do padrão de vida dos seus participantes, desonerando a sociedade de

eventuais ônus que esses cidadãos individualmente considerados poderiam gerar no

futuro em razão de perda de poder aquisitivo, com diminuição de consumo. Tais

planos são geridos por entidades de previdência privada e relacionam os riscos

protegidos nos seus respectivos regulamentos, bem como as condições de

elegibilidade às prestações de natureza previdenciária disponíveis.

O artigo 202 da Constituição Federal, com a redação introduzida pela

Emenda Constitucional n.º 20/98, assim como a Lei Complementar n.º 109/01, ao

disciplinarem o regime de previdência privada, imprimiram seriedade e segurança

inéditos nessa seara, impondo ao Estado a função de formular as políticas

previdenciárias privadas, bem como preservar e fiscalizar o seu cumprimento.

Por sua vez, a Lei Complementar n.º 109, de 29/05/2001, conhecida como

Lei Básica da Previdência Privada, trouxe importantes alterações e inovações ao

regime de previdência privada, até então regulamentado pela Lei n.º 6.435/77,

introduzindo institutos, regras e mudanças significativas53. Ao Estado coube o papel

de assegurar a transparência do regime de previdência privada, garantindo o pleno

acesso às informações relativas à gestão, protegendo os interesses dos

participantes e assistidos dos planos de benefícios, nos termos dos artigos 3º e 5º

da Lei Complementar n.º 109/01.

Cabe aos órgãos regulador e fiscalizador a incumbência de autorizar54 a

constituição e o funcionamento das entidades fechadas de previdência privada, bem

como aprovar as propostas de aplicação dos estatutos, dos convênios de adesão e

dos regulamentos e suas alterações. Todas as formas de reorganização societária

52

O plano de benefícios pode ser conceituado como um conjunto de direitos e obrigações voltados para a concessão de benefícios de caráter previdenciário, de forma seletiva ou generalizada, bem como de relações jurídicas estabelecidas entre entidades de previdência privada, seus participantes e assistidos (e patrocinadores ou instituidores, se for o caso), para atender a um grupo de pessoas coletiva ou individualmente considerado. Os planos de benefícios possuem independência patrimonial, contábil e financeira entre si. 53

A Lei Complementar n.º 109/01 introduziu, por exemplo, o instituto da portabilidade, a obrigatoriedade da previsão do instituto do resgate e o direito dos participantes e assistidos em integrarem os órgãos estatutários das entidades fechadas. 54

Vide artigos 6º, 13 e 33 da Lei Complementar n.º 109/01.

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34

das entidades fechadas de previdência privada (fusão, cisão, incorporação ou

outras), as retiradas de patrocinadores, as transferências de patrocínio, de grupos

de participantes, de planos ou de reservas entre entidades fechadas, nos termos do

artigo 33 da Lei Complementar n.º 109/01, também devem ser aprovadas pelos

órgãos regulador e fiscalizador.

Constata-se, portanto, que as entidades de previdência privada estão sob

intensa orientação e supervisão estatal, na busca constante da segurança jurídica

dos participantes. A Lei Complementar n.º 109/01 procurou eliminar todas as

possibilidades de fraudes, erros ou deslizes no sistema, com o objetivo de imprimir-

lhe segurança jurídica. Fiscalização acirrada e atenta, um órgão regulador atuante, a

transparência e a publicidade exigidas pela própria Constituição Federal, a

possibilidade de intervenção a fim de resguardar os direitos dos participantes, a

responsabilização dos diretores de patrocinadores, o regime disciplinar adotado e

intenso controle sobre a gestão dos recursos que formam o fundo são alguns

mecanismos para impedir certo ceticismo ou incerteza em relação ao sistema de

previdência privada55.

Necessário discorrer sobre as características que individualizam o regime de

previdência privada.

2.3 CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS

O regime geral de previdência social56, assim como o regime próprio57, é

público, compulsório e contributivo para os sujeitos que a lei indica como segurados

obrigatórios. Já o regime de previdência complementar é privado, contratual,

facultativo e contributivo.

55

VIEIRA, Helga Klug Doin. O regime jurídico da previdência privada no sistema brasileiro de seguridade social. Tese (Doutorado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, São Paulo, 2003, p.195. 56

Regulado pelas Leis nºs. 8.212/91(lei de custeio) e 82.13/91 (lei de benefícios). 57

Regulado pela Lei n.º 8112/90.

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A proteção previdenciária básica oferecida pelo regime geral de previdência

social impõe a vinculação obrigatória de todas as espécies de trabalhadores. Trata-

se de compulsoriedade instituída em razão das próprias origens do sistema de

segurança social, que almejava proteger os trabalhadores de modo geral.

O regime legal58 de previdência complementar foi criado em 1977,

apresentando caráter privado e atuação paralela ao regime de previdência social,

básico e estatal, com a finalidade de, por meio de contrato, propiciar o pagamento

de benefícios em contraprestação às contribuições vertidas.

Atualmente, a vinculação obrigatória ao regime geral está sujeita à suposta

capacidade contributiva daqueles que exercem atividades remuneradas. A

previdência social pode ser resumida como um sistema contributivo que visa a

proteger seu segurado das consequências advindas da concretização de uma

contingência social que o impeça de prover o seu sustento e o de sua família,

expondo-o a situação de risco, que é aliviada pelo recebimento de benefícios

públicos com vistas a garantir o mínimo necessário para sua subsistência.

Necessário destacar a possibilidade de vinculação ao regime público de

indivíduos que não exercem atividades remuneradas que os enquadrem

necessariamente como segurados obrigatórios. São os denominados “segurados

facultativos”59.

Em relação aos potenciais segurados facultativos do regime geral de

previdência social, pode-se afirmar que a previdência privada constitui um regime

previdenciário concorrente. Considerando que inexiste obrigatoriedade de

vinculação desse público aos regimes oficial ou próprio, o indivíduo pode optar por

se vincular como segurado facultativo ao regime geral ou como participante no

regime privado.

58

Em 1977 foram criadas as normas jurídicas pertinentes às entidades de previdência privada. Entretanto, a primeira manifestação de entidade de previdência privada data de 1835, com a criação do MONGERAL (entidade aberta). 59

São exemplos de segurados facultativos o estudante e a dona de casa que não exercem nenhuma espécie de atividade remunerada.

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36

O regime de previdência privada é facultativo e contratual60, fundado na

manifestação de vontade do participante em integrar o plano de benefícios que

oferece a proteção que lhe é necessária. Da mesma maneira que o regime básico, o

regime de previdência complementar também é contributivo. Entretanto, a forma e

os percentuais de custeio serão estabelecidos no regulamento de cada plano de

benefícios, não existindo um parâmetro norteador comum. Existem planos de

benefício que são suportados exclusivamente por contribuições dos participantes

e/ou dos patrocinadores, sendo permitida a divisão dos encargos61, inclusive com

possibilidade de diferença de proporção.

O regime de previdência privada vigente tem consagrado, no sistema

constitucional, um binômio característico composto por contratualidade e

facultatividade. O plano previdenciário privado é figura obrigacional do tipo

contratual. Diferentemente do regime geral de previdência social62, no regime de

previdência privada vigora o princípio da autonomia privada, que consiste no “poder

da vontade, ou uma soberania da vontade concedidos pela ordem jurídica”63.

Inerente a esse princípio é o poder do titular do direito de exigir a ação ou a

abstenção dos demais sujeitos na relação jurídica, de forma que as partes podem

decidir, desde que capazes para contratar, a extensão, os limites e os efeitos

60

A adesão dos participantes ao plano de previdência privada se dá por meio de contrato formal, que, em tese, garante a negociação de suas bases jurídicas. Refiro-me à possibilidade de negociação dos participantes com a entidade de previdência privada em tese pois, na prática, a vinculação aos planos de previdência privada se dá por meio de contratos de adesão. Diferente é a situação da negociação existente entre as entidades de previdência privada e os patrocinadores ou instituidores que desejam oferecer planos de benefícios para uma população predefinida, conforme as necessidades do grupo a ser protegido. Ante as particularidades de cada grupo, as características do plano que será criado são discutidas e desenvolvidas caso a caso. 61

Nos planos de benefícios patrocinados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, bem como suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas (relações previdenciárias privadas regidas pela Lei Complementar n.º 108/01), somente é possível o aporte de recursos ao plano pelos patrocinadores se o montante de suas contribuições normais não excederem o valor das contribuições vertidas pelos participantes (segurados), conforme dispõe o parágrafo 3º do artigo 202 da Constituição Federal. 62

O regime geral de previdência social é compulsório, instituído por lei, contributivo, possui caráter universal e é destinado aos sujeitos elencados nos artigos 12 a 14 da Lei n.º 8.212/91, independentemente da confiança que depositam no sistema. Tem por finalidade a proteção dos riscos sociais consubstanciados nos incisos do artigo 201 da Constituição Federal. Visa ao pagamento de prestações que garantam o mínimo necessário à subsistência do segurado e de seus dependentes, nos termos da lei. 63

SAVIGNY, Frederico Carlos. Traité de Droit Romain. Vol.1. Paris, 1855, p. 7.

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37

decorrentes do negócio jurídico que engendram entre elas e que somente a elas diz

respeito64.

Não obstante, é imprescindível que a lei configure, em caráter genérico e

abstrato, os termos do negócio privado como fonte de obrigações. A legislação

deverá impor os contornos externos do negócio previdenciário privado, autorizando,

ao talante das partes, a definição das características oriundas da manifestação da

vontade contratual.

Já a facultatividade consiste no poder dos interessados em fazer ou deixar

de fazer alguma coisa ao seu livre alvitre. Cabe a cada participante (e/ou

patrocinador ou instituidor) manifestar seu interesse em se vincular a um plano de

previdência privada. Ao manifestar tal interesse, pode65 se tornar parte da relação

jurídica previdenciária privada, conservando sua liberdade dentro dos limites das

obrigações assumidas – por exemplo, o participante poderá dispor sobre o valor da

contribuição que verterá ao plano de benefícios ou o patrocinador poderá alterar os

critérios de adesão ou o objeto da relação previdenciária.

Santi Romano66 define que o exercício da facultatividade pertence à

categoria dos poderes normativos das partes, ao ensinar que:

[...] los poderes normativos, tanto de los entes públicos u el primeiro de ellos el Estado, como de los particulares em cuanto son sujeitos de autonomia: mediante teles poderes, se constituyuen, se modifican y se extinguen, sobre la base de um ordenamento jurídico, nuevas normas jurídicas, o hasta otros ordenamentos jurídicos enternos, esto é, instituciones.

Trata-se da liberdade que detém o participante de obrigar-se ou não às

regras do plano de benefício, nos termos do negócio jurídico criado conjuntamente

pelo patrocinador67 e pela entidade de previdência privada. Nesse contexto, o

64

BALERA, Wagner (Coord.). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.19. 65

É importante lembrar que existe a possibilidade da entidade de previdência privada e/ou o regulamento do plano não aceitarem o ingresso do participante ou das pessoas jurídicas interessadas em contratar um plano de previdência privada. 66

ROMANO, Santi. Fragmentos de um Dicionário Jurídico. Tradução de Santiago Sentis Melendo e Marino Ayerra Radin. Buenos Aires: AJEA, 1964, p.307. 67

Ou instituidor, no que diz respeito às entidades fechadas de previdência privada.

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contrato de previdência privada deve ser considerado com base em três

fundamentos do direito contratual, quais sejam: a já referida autonomia privada, a

boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual.

A função social do contrato surge como instrumento hábil para limitar a

liberdade contratual, harmonizando o interesse particular com o interesse coletivo.

Trata-se de conceito introduzido pela nova ordem social, em que os contratantes e a

coletividade atuam em cooperação mútua para a manutenção do bem-estar e justiça

sociais.

Aqui se faz necessário afirmar que a ideia inicial de que o contrato só obriga

aos seus pactuantes, o que se denomina como relatividade das convenções, teve de

ser flexibilizada com a nova ordem social. As partes continuam com a liberdade de

contratar ou não contratar, contudo, o Estado Social reconhece que essa autonomia

não pode ser absoluta, pois é necessário preservar o bem-estar coletivo. Por esse

motivo, o artigo 421 do Código Civil delimita a liberdade de contratar, ao impor a

observância da pactuação em razão e nos limites da função social do contrato.

O interesse estritamente individual deve ser colocado em segundo plano,

haja vista a imperatividade da manutenção do interesse coletivo. Não se trata de

interesses antagônicos, muito pelo contrário, são interesses que devem conviver

harmoniosamente, fortalecendo-se mutuamente.

No contrato de previdência privada há certa facilidade de se observar esse

fortalecimento mútuo, isso porque, ao se garantir a observância dos preceitos

dispostos no Código Civil, limitando a vontade das partes contratantes, maior

segurança terá o participante de que seu objetivo maior, que é a manutenção do

padrão de vida, será alcançado. Inegável é que a manutenção do padrão de vida

também é o objetivo da coletividade, motivo pelo qual há evidente atuação estatal

para a solidificação e ampliação da previdência privada.

O Código Civil ainda estabelece que as partes deverão observar os

princípios da probidade e da boa-fé, tanto na conclusão como na execução

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contratual. Como se vê, é também interesse da sociedade que os contratantes

mantenham a probidade e boa-fé nas relações contratuais.

O legislador, no artigo 187 do Código Civil, também se preocupou com o

exercício de um direito de forma desmedida, transpondo a limitação de seu fim

social ou econômico, caracterizando-o como ato ilícito. Portanto, caso os

contratantes não respeitem os limites contratuais que amparam os interesses

coletivos, cometerão ato ilícito, pois terão afrontado a dignidade da pessoa humana,

a livre iniciativa e o equilíbrio econômico.

Outra característica marcante relacionada ao regime geral de previdência

social e ao regime de previdência complementar é a submissão aos órgãos

reguladores e fiscalizadores, que são distintos e autônomos entre si, embora, no que

tange às entidades fechadas de previdência privada, estejam todos vinculados ao

Ministério da Previdência Social. É importante destacar que as entidades abertas de

previdência privada, embora pertencentes ao regime de previdência privada e

submissas aos princípios e valores do Sistema de Seguridade Social, possuem seus

órgãos regulador e fiscalizador vinculados ao Ministério da Fazenda.

As relações jurídicas inerentes a cada um dos regimes previdenciários

também merecem destaque neste tópico, pois possuem objetos e sujeitos

peculiares. A relação jurídica existente no regime geral nasce da lei e é,

predominantemente68, determinada pelo exercício de trabalho remunerado, nos

parâmetros de custeio e proteção delineados pelas Leis n.º 8.212/91 (lei de custeio)

e n.º 8.213/91 (lei de benefícios), submetida às regras de direito público. Já as

relações de previdência privada nascem da iniciativa do patrocinador em criar um

plano de benefícios aos seus empregados69, que podem optar por aderir ao plano se

lhes for conveniente, no limite de suas necessidades. As regras de cada plano de

benefício estarão esmiuçadas no seu regulamento.

68

Cumpre lembrar a existência do segurado facultativo, que se vincula ao Regime Geral de Previdência Social por meio de manifestação expressa de vontade, não exercendo qualquer espécie de atividade remunerada que o vincule como segurado obrigatório, nos termos do artigo 13 da Lei n.º 8.213/91. 69

Ou do instituidor em disponibilizar um plano de benefícios aos seus associados.

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Cumpre destacar que as entidades abertas de previdência privada podem

disponibilizar planos de benefícios a qualquer indivíduo interessado que preencha os

requisitos de admissibilidade previstos no regulamento do plano e que possua

capacidade contributiva. Não é necessária a presença de uma terceira pessoa

jurídica interveniente, a exemplo dos patrocinadores e instituidores. Assim,

especialmente em relação às entidades fechadas, verifica-se o caráter

complementar – e facultativo – da previdência privada, que é submetida às regras de

direito privado.

O regime de previdência privada também almeja o atingimento do bem-estar

social, com consequente garantia de vida digna ao cidadão, em esforço conjunto da

sociedade (e do próprio indivíduo protegido) e do Estado. Por essa razão, também

está subordinado aos ditames do Direito Social, estando previsto

constitucionalmente no Título da Ordem Social e no Capítulo da Seguridade Social.

Não é regido pelo pacto de gerações, mas pelos princípios do mutualismo e da

repartição de riscos70.

Os riscos protegidos são divididos entre os participantes nos planos

solidários. Por esse motivo, no caso de déficit ou de desequilíbrio econômico do

plano de benefícios, os encargos serão divididos, na proporção existente entre as

contribuições, pelos participantes ativos, patrocinadores e assistidos, nos termos do

artigo 21 da Lei Complementar n.º 109/01.

Em conjunto com o regime geral de previdência social, o regime de

previdência privada assegura71 a proteção previdenciária necessária aos seus

participantes, buscando a realização do objetivo do Estado Democrático Social, qual

seja, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I, da

Constituição Federal).

70

Os planos de contribuição definida afastam-se desses princípios, conforme será tratado na Parte V deste estudo. 71

A proteção somente poderá ser assegurada ao participante se forem cumpridas as premissas atuariais do plano de benefícios, que deverá ser adequadamente estimulado e garantido na fase de acumulação de reservas.

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41

2.4 HISTÓRICO LEGAL E CONSTITUCIONAL

A primeira manifestação de previdência privada no Brasil ocorreu em 1543,

ocasião em que Brás Cubas fundou a Santa Casa de Misericórdia de Santos e, na

mesma época, criou um plano de pensão para seus empregados. Em 1723, o

Príncipe Regente D. João VI aprovou o chamado Plano dos Oficiais da Marinha,

com o objetivo de assegurar às viúvas e filhas de oficiais falecidos o pagamento de

uma pensão.

Já as primeiras entidades de previdência privada a se estabelecer no Brasil

foram o MONGERAL - Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado,

criado pelo Decreto Imperial de 10/01/1835, entidade aberta sem fins lucrativos,

apresentada na forma de associação voluntária, com proteção extensiva aos

empregados civis e militares de qualquer Província do Império, e a Caixa Montepio

dos Funcionários do Banco do Brasil, antecessora da PREVI, entidade fechada de

previdência (fundo de pensão), criada em 16/04/190472 pela iniciativa de 51

funcionários, com a finalidade de proporcionar aos seus dependentes o pagamento

de uma pensão quando do seu falecimento. Quando as primeiras entidades de

previdência privada foram criadas, inexistia planejamento de segurança social que

permitisse adequar sua atuação.

Sobre a segurança social, ensina Póvoas73:

Segurança social é um processo socioeconômico ao nível de cada nação utilizando a solidariedade entre entidades e pessoas que representam as suas forças produtivas e beneficiando-se de uma estrutura operacional definida, orientada e controlada pelo Estado, objetiva proporcionar a cada pessoa os meios indispensáveis para, nas eventualidades negativas de sua vida, em termos de perda de sua capacidade de ganho por razões aleatórias como o desemprego, a doença, o acidente, ou por razões inerentes à própria condição humana como o casamento, a maternidade, a infância, a velhice e a

72

Apenas décadas mais tarde é que foi contemplada a complementação de aposentadoria, que era paga exclusivamente pelo Banco do Brasil. Em 1967, nasce a PREVI, com os bancários arcando parte das contribuições que até então eram feitas somente pelo Banco. 73

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada – Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.61.

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morte, poder suportar as consequências, nomeadamente ter assegurado o sustento da família.

Até a publicação da Lei Eloy Chaves, em 24/01/1923, que criou a Caixa de

Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias, não

havia nenhuma manifestação legal que obedecesse a um planejamento de

segurança social. As entidades operavam de forma a atender exclusivamente às

necessidades do grupo protegido, buscando segurança e bem-estar. Não havia

preocupação com a sociedade considerada em seu todo, inserta nos objetivos de

proteção do Sistema de Seguridade Social atual.

As entidades eram precárias e baseadas exclusivamente no mutualismo,

direcionadas por normas esparsas de seguro privado74, pelo Código Civil e pelo

Código Comercial. Muitos dos planos mutualistas criados no Brasil fracassaram75,

causando prejuízos aos seus associados.

A primeira legislação específica a tratar do assunto foi a Lei n.º 6.435, de

15/07/1977, que dispunha “sobre as entidades de previdência privada e dá outras

providências”. A norma que institucionalizou a previdência privada delineava

objetivos previdenciários e assistenciais. Atribuiu o referido dispositivo à previdência

complementar caráter privado e atuação paralela ao regime de previdência social,

básico e estatal, com a finalidade de, por meio de contrato, propiciar o pagamento

de benefícios em contraprestação às contribuições vertidas.

Legalizada, a previdência privada surgiu no Brasil com as seguintes

características:

a) criada por interesse governamental, e não dos trabalhadores, sob iniciativa

da ditadura militar;

b) com o objetivo de fortalecer o mercado de capitais;

74

O Decreto-lei n.º 73, de 21.11.66, diploma legal de relevo na proteção das relações securitárias, criou o Sistema Nacional de Seguros Privados e estabeleceu os objetivos das políticas de seguros, submetendo-os ao controle da administração pública, exercido pelo CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados, pela SUSEP - Superintendência de Seguros Privados e pelo IRB - Instituto de Resseguros do Brasil. 75

Exemplos de entidades cujos planos fracassaram: Aerus; Arus e Capaf.

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c) fortemente calcada nas empresas públicas; e

d) modelada em planos de benefícios definidos.

Apesar da relevância do assunto, ainda não havia preocupação do legislador

constitucional em tratar da previdência privada no texto constitucional. As

Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, bem como a Emenda

Constitucional n.º 1/69, não se referiam à “previdência privada” ou à “previdência

complementar”. Apenas a redação original da Constituição Federal de 1988

introduziu a regulação do assunto, ainda que de forma discreta e escassa, em três

artigos: 21, inciso VIII, 192, inciso II, e 201, parágrafos 7º e 8º.

Artigo 21. Compete à União: [...] VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada; [...] (grifo nosso)

A redação do inciso VIII do artigo 21 do texto constitucional (com redação

original mantida até hoje) é de vital importância ao regime de previdência privada,

uma vez que este deve ser obrigatoriamente fundado na constituição de reservas

que garantam o benefício contratado pelos participantes. Como se verá adiante, na

estrutura da previdência privada atual domina a utilização do regime financeiro de

capitalização. O referido artigo constitucional cuida da competência administrativa da

União para gerir as reservas cambiais e fiscalizar as operações de natureza

financeira, entre elas as operações de previdência privada.

A Constituição de 1988 detalhou com mais cuidado as operações financeiras

às quais competia à União fiscalizar. Conforme ensina Daniel Pulino76:

[...] a Constituição de 1967, com o texto dado pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, no correspondente dispositivo atribuidor da competência federal para fiscalização dessas atividades, não se referia, expressamente, como fez (e faz) a atual, às operações de previdência privada, eis que dispunha, em seu artigo 8º, inciso

76

PULINO, Daniel. Previdência Complementar: Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.99.

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X, que competia à União “fiscalizar as operações de crédito, capitalização e seguros”. Isso se explica pelo fato de que, embora não se possa afirmar a completa inexistência de entidades privadas de previdência no Brasil naquele período, o fato é que nem sequer tínhamos à época uma lei regulando, de forma abrangente e específica, o setor de previdência complementar, o que só viria a ser feito alguns anos após, em 1977, com a edição da Lei n. 6.435.

O artigo 21 impôs à União o dever de fiscalizar as operações financeiras

relacionadas ao regime de previdência privada, sem, contudo, especificar sua forma

de atuação.

Artigo 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: [...] II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador77; [...] (grifo nosso)

O dispositivo supratranscrito impunha a exigência da edição de lei(s)

complementar(es) para autorizar a constituição dos “estabelecimentos” de

previdência privada, bem como o seu funcionamento.

Parece-nos que o dispositivo constitucional intencionava regular o exercício

da previdência privada, pois fazia referência à constituição e ao funcionamento dos

estabelecimentos de previdência. A autorização seria, basicamente, para a criação e

operacionalização de planos de benefícios por entidades de previdência privada,

captando recursos que, depois de capitalizados, seriam utilizados no pagamento de

benefícios.

Uma pequena observação não pode deixar de ser feita: o artigo 192 da

Constituição Federal está inserto no Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira,

no Capítulo IV - Do Sistema Financeiro Nacional, e não no Título VIII - Da Ordem

77

O inciso II do artigo 192 da CF foi revogado pela Emenda Constitucional n.º 40/2003. Antes da revogação, o referido inciso foi alterado pela Emenda Constitucional n.º 13/1996, que lhe deu a seguinte redação “II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador”.

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Social, no Capítulo II - Da Seguridade Social. Se o regime de previdência privada

fosse orientado no texto constitucional exclusivamente dentro do Sistema Financeiro

Nacional, não haveria aderência aos princípios da Seguridade Social, ainda que

parcialmente, não podendo se afirmar a sua busca pela segurança e pelo bem-estar

social. Importante consignar que não foi editada nenhuma lei complementar sobre o

assunto até a revogação do inciso II do artigo 192.

Houve, por fim, uma terceira referência à previdência privada na redação

original da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 201, esta sim inserta no

Título VIII - Da Ordem Social, no Capítulo II - Da Seguridade Social, na Seção III - da

Previdência Social:

Artigo 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] § 8º. É vedado subvenção ou auxílio do Poder Público às entidades de previdência privada com fins lucrativos. [...] (grifo nosso)

Todavia, a regra não trouxe nenhuma estruturação ao regime de previdência

privada, cingindo-se a reproduzir regra78 semelhante àquela inserta na Seção II - Da

Saúde do mesmo Capítulo da Constituição Federal. Sobre o assunto, ensina

Wagner Balera79:

Já a norma contida no §8º, do mesmo art. 201, ao impor expressa vedação a qualquer tipo de subvenção ou auxílio a entidades de previdência privada aberta, que tenham finalidade lucrativa, guarda plena coerência com o conjunto do sistema. Nada justificaria um tratamento privilegiado, sob o ponto de vista fiscal, para entidades que, embora destinadas a propiciar um reforço aos benefícios prestados aos trabalhadores, operam no mercado em disputada concorrência.

Ainda que implicitamente, podemos entender que a norma em comento

reconheceu que o regime de previdência privada é distinto do regime geral de

previdência social, haja vista que veda o aporte de valores pelo Poder Público às

78

Artigo 199, §2º. - “É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.” 79

BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p.110.

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entidades abertas de previdência privada (“com fins lucrativos”). Por essa razão, as

entidades abertas de previdência privada não poderiam integrar o regime geral de

previdência social.

Analisando-se o texto original da Constituição, percebe-se que o legislador

foi dúbio ao tratar da previdência privada, pois permitiu que o assunto fosse

regulamentado no âmbito do sistema financeiro nacional, que poderia tratar das

autorizações e do próprio funcionamento das entidades de previdência privada, bem

como no âmbito do Sistema de Seguridade Social, especificamente no subsistema

previdenciário, autorizando o entendimento de que as atividades das entidades de

previdência privada estavam, de alguma forma, vinculadas àquelas empreendidas

pela previdência social e, mais amplamente, às funções protetivas da seguridade

social.

Não pode deixar de ser mencionado outro parágrafo inserto originalmente no

corpo do citado artigo 201, o parágrafo 7º, que, apesar de não se referir adrede à

previdência privada ou complementar, certamente previu uma figura análoga: “§ 7º.

A previdência social manterá seguro coletivo, de caráter complementar e

facultativo, custeado por contribuições adicionais.” É essencial sublinhar que a

Seção III - Da Previdência Social trata exclusivamente – com exceção apenas do

parágrafo 8º do artigo 201 – da previdência oficial pública, do regime geral de

previdência social, à época administrado pelo INPS (Instituto Nacional de

Previdência Social) e atualmente gerido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro

Social).

Feito o esclarecimento, o parágrafo 7º do artigo 201 determinava que a

previdência social, por meio do Estado, deveria manter um seguro coletivo de

caráter complementar ao regime geral e facultativo àqueles segurados que

desejassem a ele aderir, sendo certo que seria custeado por meio de contribuições

adicionais. A ideia do legislador originário não era inédita, já que se podem observar

previsões semelhantes na legislação previdenciária desde o Plano Beveridge, em

1942:

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Já o Plano Beveridge (1942), com o fito de alcançar a segurança social plena, preconizava, além do seguro social para as necessidades básicas e da assistência nacional para as necessidades anormais e subsistência, a adoção do seguro voluntário para complementação dessas prestações essenciais.80

O relatório do Plano Beveridge expõe que a organização e o

desenvolvimento do seguro social implicam progresso social, pois podem

proporcionar segurança nos rendimentos, combatendo a miséria decorrente da

concretização dos riscos sociais selecionados. O seguro social, nesse contexto, é

compulsório e universal81.

Entretanto, o seguro social deveria ser baseado em esforços conjuntos do

Estado e dos cidadãos sem, contudo, desestimular a responsabilidade individual

pela manutenção do padrão de vida, de forma que se propôs o estabelecimento de

um mínimo nacional como referência de valor suficiente para a subsistência do

segurado e de sua família.

Descrevia o Relatório:

Organizando seguro social, o Estado não deveria sufocar o estímulo, a oportunidade, a responsabilidade; estabelecendo um mínimo nacional, devia deixar margem e encorajar a ação voluntária, afim de que cada indivíduo possa obter, para si e para sua família, mais do que o mínimo que lhe é assegurado.82

A preocupação com o respaldo garantido pela previdência social e a

possibilidade de manutenção do padrão de vida dos segurados também não passou

despercebida pelo legislador brasileiro. A LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social

(Lei n.º 3.807/60) já previa a possibilidade de complementação da cobertura básica

previdenciária mediante o estabelecimento de “seguros coletivos”.

80

ROMITA, Arion Sayão. Estrutura da relação de previdência privada (entidades fechadas). Revista de Previdência Social. São Paulo, n.º 252, LTr, nov. 2011, p.773. 81

“[...] ninguém pode pretender pagar menos, porque tenha mais saúde ou emprego mais regular [...] todo homem figura no mesmo plano que os seus semelhantes.” BEVERIDGE, Lord William. O Plano Beveridge - Relatório sobre o Seguro Social e Serviços Afins apresentado no Parlamento Britânico em novembro de 1942. Tradução de Almir de Andrade. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1943, p 22. 82

Ibidem, p.12.

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Artigo 68. A previdência social poderá realizar seguros coletivos, que tenham por fim ampliar os benefícios previstos nesta lei. Parágrafo único. As condições de realização e custeio dos seguros coletivos a que se refere êste artigo, serão estabelecidas mediante acôrdos entre os segurados, as instituições de previdência social e as emprêsas, e aprovadas pelo Departamento Nacional da Previdência Social com audiência prévia do Serviço Atuarial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Apesar de não ter sido colocada em prática, a referida previsão legal foi

reproduzida nas duas edições posteriores da CLPS - Consolidação das Leis de

Previdência Social:

Decreto n.º 77.077/76 Artigo 105. O INPS poderá realizar seguros coletivos que tenham por fim ampliar os benefícios previstos nesta Consolidação. Parágrafo único. As condições dos seguros coletivos serão estabelecidas mediante acordo entre os segurados, o INPS e as empresas, e aprovadas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Decreto n.º 89.312/84 Artigo 96. A previdência social urbana pode realizar seguro coletivo destinado a ampliar seus benefícios, devendo as respectivas condições ser estabelecidas mediante acordo com os segurados e as empresas, e aprovadas pelo MPAS.

A inserção do parágrafo 7º no artigo 201, na redação original da Constituição

Federal apenas elevou a importância normativa de previsão já existente no direito

previdenciário em nível infraconstitucional, reitere-se, nunca regulamentado ou

operacionalizado até sua revogação pela Emenda Constitucional n.º 20/98.

Daniel Pulino83 apresenta interessante manifestação sobre as discussões

interpretativas ocorridas à época em relação ao citado dispositivo constitucional:

[...] as discussões sobre o exato alcance da previsão contida no artigo 201, §7º original, da Constituição de 1988, revelam que este dispositivo foi objeto de muitas disputas interpretativas (e, obviamente, de interesses), que iam desde o questionamento, em si, do papel atribuído ao Estado para

83

PULINO, Daniel. Previdência Complementar: Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.105.

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complementar o nível de cobertura que ele próprio deveria garantir pela previdência básica, até o modo pelo qual haveria de ser concretizado o regime complementar público, vale dizer, com a consequente discussão sobre o nível de complementação (tanto mínimo – a depender do patamar máximo de cobertura do regime básico – quanto máximo), os destinatários da proteção, os riscos a serem cobertos e o correspondente maior ou menor elenco de benefícios, os sujeitos e as bases de financiamento, o regime financeiro, a forma de investimento dos recursos e mesmo o órgão a quem incumbiria a gestão administrativa desse regime.

Após a primeira reforma previdenciária, realizada por meio da Emenda

Constitucional n.º 20, de 15/12/1998, a previdência privada adquiriu o formato e a

importância legal atual.

O regime de previdência privada está previsto atualmente no artigo 202 do

texto constitucional:

Artigo 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. § 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. § 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. § 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. § 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. § 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços

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públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada. § 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.

O artigo 202 da Constituição Federal ampliou o arcabouço da estrutura de

proteção social brasileira, que até então oferecia a proteção básica por meio do

regime geral de previdência social, destinada universalmente a toda a população

economicamente ativa e aos que, preenchidas as condições legais, queriam a ela

aderir de forma voluntária. Foi viabilizada a implementação da proteção

complementar facultativa aos que almejam resguardar, de forma compatível, o seu

padrão de vida no futuro.

O regime de previdência privada, complementar ao regime geral e

facultativo, veio oferecer à população de maior renda a oportunidade de ter

reforçada sua proteção social, mediante a oferta de planos de renda e de benefícios

que permitirão na fase de inatividade dispor de rendimentos próximos daqueles

obtidos na fase ativa, resguardando a possibilidade de manutenção do padrão de

vida do próprio participante e de sua família.

Ilídio das Neves84 defende que o regime privado não pode substituir85 o

regime geral, devendo apenas desempenhar uma função complementar:

[...] as características das técnicas e das formas de gestão dos regimes privados de proteção social, sujeitos às regras do mercado e ao princípio da facultatividade, mediante adesão voluntária dos interessados, conferem-lhes também certas limitações estruturais, que não permitem razoavelmente supor

84

NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Princípios fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p.928. 85

A autoproteção pode manifestar-se “[...] apenas com a preocupação de auxílio recíproco, nas associações de socorro mútuo. Temos aí, nas mutualidades, a forma privada de previdência. Ela é, porém, insuficiente por si só para atender convenientemente às necessidades decorrentes das circunstâncias várias em que o hipossuficiente fica privado do produto do seu trabalho. Daí a previdência social, imposta pelo Estado, que, juntando à contribuição do hipossuficiente a do empregador e da própria coletividade, representada pelo Estado, faz a cobertura de todos os riscos normais da existência.” CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980, p.53.

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que possam desempenhar no futuro mais do que uma função complementar,86 aliás, de inegável importância.

Com base nos dados relacionados ao Censo 201087, divulgados pelo IBGE -

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é possível afirmar que a maciça

maioria da população brasileira aufere rendimentos inferiores ao teto previsto para

custeio e para benefícios ofertados pelo regime geral de previdência social, de forma

que, para essa população, o regime de previdência privada apresentar-se-ia

supérfluo, uma vez que o regime oficial lhes garante, no momento da aposentadoria,

o mesmo padrão de vida usufruído na fase laborativa.

O regime de previdência privada não almeja substituir os regimes públicos,

mas supre a parcela da sociedade que aufere rendimentos diferenciados (leia-se

superiores ao teto estabelecido pelo regime geral de previdência social) de opções

seguras de proteção complementar contra os riscos sociais, futuros e incertos, em

nítido acréscimo de segurança social tanto para os trabalhadores e empregados, por

meio das entidades fechadas de previdência complementar, como para os demais

membros da coletividade, por intermédio das entidades abertas ou seguradoras que

operam exclusivamente no ramo vida.

2.5 PRINCÍPIOS

Os princípios são normas jurídicas sem conteúdo dispositivo, não

simbolizando um dever ser clássico, mas a expressão de um valor axiológico que os

coloca em um plano normativo superior. Os princípios são as diretrizes básicas do

ordenamento jurídico, consubstanciados em enunciados juridicamente válidos,

conforme a sua proposição.

86

NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Princípios fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 928. 87

BRASIL. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Trabalho_e_Rendimento/pdf/tab_ rendimento.pdf>. Acesso em: 21/02/2013.

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Na acepção de Celso Antônio Bandeira de Mello88:

Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho ensina que:

[...] “princípios” são “normas jurídicas” carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica.89

E continua o referido autor:

Em direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.90

Os princípios distinguem-se das normas jurídicas propriamente ditas, pois,

diferentemente destas, não instituem relações jurídicas, não determinando os

sujeitos e o objeto de direito. Entretanto, devem rapidamente comunicar o seu

conteúdo.

Os princípios são conformadores do sistema e têm validade de contraste, ou

seja, nenhuma norma pode contrastar com um princípio. Essa característica traduz a

força coercitiva dos princípios, já que delimita seu objeto (normas postas).

88

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.545. 89

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 252. 90

Ibidem, p. 256.

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A interpretação do direito e a aplicação da legislação de previdência privada

ao caso concreto devem observar, além dos fundamentos91 e dos objetivos92

consagrados para a República Federativa do Brasil, os princípios da seguridade

social e os princípios específicos da previdência privada. Existem também princípios

gerais que, como valores, garantem a unidade do ordenamento jurídico e originam

os demais princípios. São princípios gerais: da solidariedade, da igualdade e da

liberdade.

A solidariedade é a base de todos os sistemas protetivos que buscam

reduzir as desigualdades sociais. Na previdência privada esse princípio não é

rapidamente identificado em planos de benefícios do tipo contribuição definida, pois

são constituídos por indivíduos, independentemente do esforço contributivo de cada

participante.

O princípio da igualdade está previsto no caput do artigo 5º da Constituição

Federal93. No regime de previdência privada, esse princípio visa a alcançar o bem-

estar social, que se realiza na medida da máxima “Dar a cada um conforme suas

necessidades e buscar de cada um conforme suas possibilidades”.

Por sua vez, o princípio da liberdade é aplicado apenas no âmbito da

previdência complementar, porquanto o participante pode negociar as condições de

seu plano de benefícios, da mesma forma que pode decidir quando entrar e o tempo

de permanência no plano.

91

“Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.” 92

“Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a

pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o

bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.” 93

CF/88, Artigo 5º. - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].”

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Considerando que o regime de previdência privada integra o Sistema de

Seguridade Social, deve se submeter também aos seus princípios, ainda que, pelas

particularidades desse regime, estes possam ter aplicação parcial.

Antes de abordar os princípios específicos da previdência privada, é

oportuno tratar dos princípios da seguridade social.

2.5.1 Princípios do Sistema de Seguridade Social

Os princípios que direcionam o Sistema de Seguridade Social estão

expressos no artigo 194, parágrafo único94, da Constituição Federal e norteiam a

atuação do Estado desde a edição das leis que conformam o sistema até o

estabelecimento e o desenvolvimento das relações jurídicas com a sociedade.

O regime de previdência privada é marcado por intensa regulação estatal, a

fim de harmonizar sua atuação (proteção social complementar) com os objetivos

traçados para o Sistema de Seguridade Social. A aplicação dos princípios da

seguridade social no campo da previdência privada ocorrerá quando a lei que o

regulamenta os tenha introduzido na sua estrutura95.

Oportuno lembrar que a seguridade social é composta por diversos pilares

(saúde, assistência e previdência social), de forma que seus princípios não podem

ter o mesmo impacto nessas diferentes frentes de atuação que, juntas, compõem o

arcabouço de proteção social. O papel dos princípios no caso do regime de

previdência privada é orientar a interpretação e a aplicação das normas diante de

questões concretas, visando a solucioná-las em conformidade com a ordem jurídica.

94

“Artigo 194. [...] Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) 95

Imprescindível advertir que o legislador não é absolutamente livre para optar, ou não, pela adoção dos princípios constitucionais, já que se trata, como a própria norma denomina, de objetivos da seguridade social.

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O Estado, no papel de órgão regulador e/ou fiscalizador, e os particulares

devem atuar de acordo com o princípio da legalidade. O Estado deve agir segundo

as normas positivadas (princípio da legalidade administrativa) e os particulares

podem atuar livremente, dispondo de seus próprios interesses, sujeitando-se apenas

às restrições legais que lhe são impostas. Em ambas as situações os princípios da

seguridade social servirão para a interpretação das normas legais, permitindo que,

na aplicação dos preceitos da Lei Complementar n.º 109/01 aos casos práticos, se

alcance o desfecho recomendado pela ordem jurídica em seu todo considerada.

2.5.1.1 Princípio da universalidade da cobertura e do atendimento

O primeiro princípio previsto no artigo 194 da Constituição Federal é o

princípio da universalidade da cobertura e do atendimento. Trata-se de regra que

norteia todo o Sistema de Seguridade Social, motivo pelo qual ocupa posição

privilegiada.

O referido princípio determina que todos os cidadãos sejam protegidos das

consequências adversas advindas da concretização das contingências sociais,

garantindo segurança social a todos os residentes no território brasileiro. É o

primeiro objetivo da seguridade social.

No âmbito da universalidade da cobertura, a seguridade social visa a

resguardar os cidadãos dos eventos legalmente previstos que possam colocá-los em

situação de necessidade. Já no que diz respeito à universalidade do atendimento,

almeja atender a toda a população nacional que necessite ser amparada pela

seguridade social. Wagner Balera96 interpreta esse princípio:

Consiste, pois, a universalidade do atendimento e da cobertura na específica dimensão do princípio da isonomia (garantia

96

BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p.36.

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estatuída no art. 5º da Lei Maior), na Ordem Social. É igual a proteção para todos.

Sob a ótica da previdência privada, o princípio da universalidade da

cobertura e do atendimento tem aplicação parcial, sendo cabível no campo da

previdência privada fechada (em que a intenção é proteger todos os integrantes do

grupo elegível ao plano de benefícios), uma vez que toda a massa protegida tem

direito de acesso ao plano de proteção previdenciária privada.

Os planos de previdência privada fechada (bem como os planos coletivos97

oferecidos pelas entidades abertas) contratados por patrocinadores (empregadores)

e/ou instituidores devem ser necessariamente oferecidos a todos os empregados ou

associados da pessoa jurídica contratante98, incluindo os gerentes, diretores,

conselheiros ocupantes de cargos eletivos e outros dirigentes de patrocinadores e

instituidores99, de forma que a proteção lhes é proporcionada em igualdade de

condições. Mister destacar que, embora os referidos planos de benefícios devam ser

disponibilizados para toda a população vinculada à pessoa jurídica contratante100,

inexiste obrigação de que se trate de um único plano para todos os

empregados/associados, de forma que podem ser oferecidos diversos planos a uma

mesma população, lembrando que a adesão é facultativa.

Assim, partindo do pressuposto de que a filiação ao plano é facultativa, não

há garantia alguma de que a proteção disponibilizada pelo patrocinador ou pelo

instituidor atingirá toda a massa de empregados ou associados a que se destina.

Cumpre frisar ainda que, na ausência de oferecimento do plano de benefícios a

qualquer empregado/associado, nos termos do artigo 16 da Lei Complementar n.º

97

Os planos coletivos instituídos pelas entidades abertas de previdência privada são aqueles destinados a um grupo de pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a uma pessoa jurídica contratante, que pode ou não custeá-los, total ou parcialmente. 98

Empregadores ou instituidores. 99

Vide artigo 16 da Lei Complementar n.º 109/01: “Os planos de benefícios devem ser, obrigatoriamente, oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores ou associados dos instituidores.” 100

Convém destacar que as contribuições eventualmente vertidas pelos patrocinadores nessa condição, em planos de benefícios oferecidos a todos os seus empregados, não integram o salário-de-contribuição, nos termos do art. 29, §9º, alínea “p”, da Lei n.º 8.212/91: “Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: [...] § 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: [...] p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT; [...]”

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109/01, a entidade de previdência privada poderá ser penalizada101 por meio de

advertência ou multa.

Já os planos disponibilizados pelas entidades abertas de previdência

complementar não têm, necessariamente, um conjunto de potenciais participantes

previamente delimitado para a disponibilização dos seus planos de benefícios, que

são oferecidos a quem se interessar e apresentar potencial contributivo. De qualquer

forma, a aplicação desse princípio no regime privado o coloca no rol de princípios de

proteção da previdência social.

2.5.1.2 Princípio da seletividade e da distributividade na prestação dos benefícios e

serviços

O princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços é empregado no âmbito da previdência privada, ainda que de forma

mitigada se comparada com a aplicabilidade nas relações jurídicas do regime geral

de previdência social.

A seletividade é instrumento apto ao alcance do bem-estar e da justiça

social, objetivos da Ordem Social (artigo 193 da Constituição Federal). Por seu

turno, a distributividade tem nítido caráter social, na medida em que proporciona

rendas aos mais necessitados, em detrimento dos mais abastados.102

A seletividade consiste em escolher e priorizar a instituição e distribuição de

prestações que propiciem melhores condições de vida à população em seu todo

considerada. Por sua vez, a distributividade implica a entrega de prestações que

atinjam o maior número de pessoas efetivamente necessitadas (expostas a

situações de risco), a fim de que as desigualdades sociais possam ser reduzidas. A

101

Vide artigo 72 do Decreto n.º 4.942/03. 102

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código de defesa do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.26.

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finalidade desse princípio é direcionar o legislador para que defina os benefícios e

serviços que melhor atendam a população protegida.

O princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços encontra-se implícito no negócio jurídico contratual. O contrato de

previdência privada estipulará (selecionará), de forma pormenorizada, os riscos a

serem cobertos pelo plano. Traduz-se em direito do patrocinador ou do instituidor. Já

a distributividade aparece na forma como o legislador trata, com reservas, os

integrantes do mesmo plano, em razão dos distintos patamares salariais em que se

encontram os participantes.

O regulamento do plano de benefícios não pode impor restrições a nenhum

participante para que, nas mesmas condições de exposição a risco, obtenha amparo

diferenciado. Estar-se-ia negando efetividade à proteção que o regime de

previdência privada se dispõe a fornecer.

2.5.1.3 Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios

A aplicação do princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios na previdência

privada depende essencialmente do tipo de plano de benefícios contratado. Tendo

sido pactuado o plano de benefício definido – única modalidade de plano que

permite a aplicação do princípio em voga –, impossível seria a redução do valor

nominal acordado e efetivamente auferido pelo assistido. Afinal, o contrato vincula

as partes, fazendo lei entre elas, consubstanciando um ato jurídico perfeito103.

Em suma, esse princípio visa a assegurar que os benefícios contratados

pelos participantes não sejam onerados, para que estes mantenham o poder

103

O ato jurídico é perfeito se consumado de acordo com a lei vigente à época de sua realização. Os contratos, testamentos ou outras declarações de vontade consideram-se aperfeiçoados no momento em que se reúnem todas as condições legais para a respectiva constituição, segundo o disposto na lei vigente ao tempo em que foram feitos. Se a lei nova passa a condicionar a validade de um negócio ao atendimento de certa forma, os negócios do mesmo tipo celebrados anteriormente não podem ser considerados inválidos por faltar-lhes tal condição. COELHO, Fábio Uhoa. Curso de direito civil: parte geral. Vol. 1, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.134.

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aquisitivo verificado na data de concessão, haja vista as circunstâncias de cada

momento histórico.

Em relação aos assistidos dos planos de benefícios, o princípio da

irredutibilidade do valor dos benefícios deve ser associado com as disposições

legais insertas no parágrafo único do artigo 17104 e no parágrafo primeiro do artigo

68105 da Lei Complementar n.º 109/01, para impedir que o valor dos benefícios

pagos pela entidade sejam reduzidos, principalmente nas situações de constatação

de déficit. Nessa situação, é viável a cobrança de contribuição adicional do assistido,

nos termos do regulamento do plano de benefícios e com amparo no artigo 21,

parágrafo 2º106, da Lei Complementar n.º 109/01.

Por fim, não há efetividade desse princípio no campo dos planos de

contribuição definida, uma vez que não há a obrigatoriedade de imposição de fator

de atualização dos valores das contribuições e dos benefícios, cujas regras estarão

insertas no regulamento de cada plano. Nesses planos, os valores dos benefícios

são definidos por meio de cotas ou de percentuais financeiros.

2.5.1.4 Princípio da equidade na forma de participação no custeio

O princípio da equidade na forma de participação no custeio está

intimamente relacionado com o princípio da isonomia, na medida em que visa a

reduzir as desigualdades sociais mediante a extensão do princípio da capacidade

contributiva tributária para o âmbito do direito previdenciário. Conforme ensina

Wagner Balera107:

104

“Artigo 17. [...] Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para a obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data e que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.” 105

“Artigo 68. [...]. Parágrafo primeiro. Os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para a elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano.” 106

“Artigo 21. [...] Parágrafo segundo. A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.” 107

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5ª ed. São Paulo, LTr, 2006, p.21.

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Em suma, a regra ordena que o legislador, ao produzir a norma de custeio, atue com o propósito indireto de reduzir as desigualdades, mediante a prudente e adequada repartição de encargos sociais.

As contribuições devem ser instituídas conforme a capacidade contributiva

de cada ator social, buscando-se tratamento equânime.

O referido princípio tem aplicabilidade parcial no âmbito do regime de

previdência privada, restringindo-se aos planos de benefícios que recebem

contribuição dos patrocinadores. Nesses planos, na medida do possível, as

contribuições dos participantes e dos patrocinadores devem ser impostas

observando-se a respectiva capacidade financeira de cada um, inexistindo obrigação

de paridade contributiva. E, conforme dispuser o regulamento, é possível que a

contribuição seja efetuada apenas pelo patrocinador ou apenas pelo participante,

mas, se divididos os encargos, o patrocinador poderá verter o mesmo valor de

contribuição oferecido pelo participante ou valor diferente proporcional àquele vertido

por este.

Ressaltando mais uma vez a facultatividade nessa espécie previdenciária,

cabe reiterar que inexiste obrigatoriedade contributiva dos patrocinadores, que

podem contratar planos de benefícios para seus empregados sem se

comprometerem com o seu custeio. Já os planos oferecidos por instituidores devem

ser custeados, necessária e exclusivamente, por contribuições dos participantes108.

Outro aspecto desse regime previdenciário que evidencia a parcial aplicação

do princípio ora estudado refere-se aos resultados financeiros positivos decorrentes

de planos de benefício definido, que, revertidos ao fundo comum, podem colocar o

plano de benefícios em condição de superávit109. Nessa situação, é possível a

redução proporcional das contribuições dos patrocinadores, dos participantes e dos

assistidos, nos termos do §3º do artigo 20 da Lei Complementar n.º 109/01: “Se a

revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada

108

Por força do artigo 10, §1º, da Resolução MPAS/CGPC n.º 12, de 17 de setembro de 2002, que regulamenta a constituição e funcionamento das Entidades Fechadas de Previdência Complementar e planos de benefícios constituídos por Instituidor. 109

Vide: ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.30.

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em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e

dos participantes, inclusive dos assistidos.” (grifo nosso)

2.5.1.5 Princípio do caráter democrático e descentralizado da administração,

mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados

O princípio do caráter democrático e descentralizado da administração trata

da organização e da gestão do Sistema de Seguridade Social, impondo que a

sociedade integre sua administração juntamente com os governos federal, estadual

e municipal, a fim de participar da formulação de políticas previdenciárias e do

controle das ações que as implementam.

No âmbito do regime de previdência privada, esse princípio tem aplicação

superficial e parcial, restrito às entidades fechadas, na medida em que impõe110 a

participação dos participantes e dos assistidos nos Conselhos Deliberativo e Fiscal

das entidades, garantindo-lhes, no mínimo, um terço (1/3) das vagas, permitindo que

participem efetivamente da administração das entidades, como representantes dos

empregados e dos assistidos em todas as decisões a serem tomadas em suas

respectivas searas.

A função desse princípio, no âmbito da previdência privada, é direcionar a

gestão das entidades fechadas de previdência privada.

2.5.1.6 Regra da contrapartida

A regra da contrapartida está prevista no parágrafo 5º do artigo 194 da

Constituição Federal: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser

110

Vide artigos 202, §6º, da CF e 35, §1º, da Lei Complementar n.º 109/01.

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criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.” Tal

regra também se aplica no âmbito da previdência privada, visando a preservar o

equilíbrio econômico-financeiro dos planos de benefícios, constituindo uma relação

de igualdade entre as despesas e as receitas do plano, independentemente do

regime financeiro adotado.

Verdadeiro pilar desse regime, e fundamental para manutenção de sua

credibilidade, é o princípio da preservação do equilíbrio econômico-financeiro e

atuarial dos planos de benefícios. Encontra-se consagrado na Constituição

Federal111 e na Lei Complementar n.º 109/01112, além de constar de inúmeras outras

normas infralegais, permeando todo o arcabouço normativo que rege o regime de

previdência privada.

Tendo por base esse princípio, temos que nenhum benefício poderá ser

criado, majorado ou estendido sem a respectiva constituição de reservas. Os

investimentos efetuados pelo plano devem buscar, além da melhor rentabilidade, a

segurança da aplicação e sua liquidez, tendo em vista a necessidade de solvência e

de equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios.

Apenas como ilustração da abrangência desse princípio, vale indicar a

previsão inserta no artigo 4º da Resolução CMN n.º 3.792/2009:

Artigo 4º. Na aplicação dos recursos dos planos, os administradores das EFPC devem: I – observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez e transparência; [...]

Uma vez realizadas as premissas atuariais traçadas pelo atuário do plano,

não há de se falar em receitas superiores às despesas ou vice-versa. A regra da

contrapartida não admite desequilíbrios a menor (déficit) ou a maior (superávit) entre

receitas e despesas.

111

Artigo 202, caput, da CF - “O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” (grifo nosso) 112

Especialmente nos artigos 3º, inciso III, e 7º da Lei Complementar n.º 109/01.

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No caso de identificação de superávit no plano de benefícios, será

necessária a sua revisão (artigo 20, §2º, da Constituição Federal), com algumas

possíveis consequências:

- redução das contribuições na proporção existente entre os aportes vertidos

pelos patrocinadores e participantes, inclusive assistidos;

- aumento dos valores dos benefícios; ou

- instituição de novos benefícios.

Por outro lado, uma vez constatada a situação deficitária do plano de

benefícios, far-se-á necessária a imposição de novas contribuições ou a majoração

das contribuições já existentes.

Especificamente em relação aos planos administrados por entidades

fechadas de previdência complementar, estabelece o artigo 21, caput, da Lei

Complementar n.º 109/01 que o resultado deficitário deverá ser equacionado por

patrocinadores, participantes e assistidos na proporção existente entre suas

contribuições. O §1º do referido artigo permite que o déficit seja sanado por meio do

aumento do valor das contribuições, pela instituição de contribuições adicionais ou

pela redução do valor dos benefícios a conceder113.

Todos os pilares da seguridade social devem apresentar equilíbrio

econômico-financeiro (fontes de custeio x benefícios concedidos).

2.5.2 Princípios específicos do regime de previdência privada

Existem princípios fundamentais que norteiam o regime de previdência

privada, seja no âmbito do seu arcabouço normativo ou das regras que compõem os

regulamentos dos planos de benefícios, vinculando os sujeitos da relação jurídica

previdenciária privada e o Poder Público. Contudo, os princípios aplicáveis ao

113

Os benefícios já concedidos não podem ser reduzidos, sob pena de ferir o direito adquirido.

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regime de previdência privada devem guardar estrita conformidade com os

princípios da seguridade social.

São princípios específicos do regime de previdência privada: o da

contratualidade, da facultatividade (autonomia de vontade e liberdade de contratar) e

da publicidade (ou da transparência).

2.5.2.1 Princípio da contratualidade

As entidades de previdência privada ou complementar são rigorosamente

privadas, independentemente do perfil do seu patrocinador ou instituidor, sendo

revestidas de personalidade jurídica própria e de capacidade processual. Possuem

plena identidade jurídica, sendo desvinculadas das pessoas jurídicas patrocinadoras

ou instituidoras de planos de benefícios por elas geridos, possuindo autonomia

administrativa, prevalecendo as relações contratuais privadas firmadas.

Os contratos previdenciários privados são regidos pelo direito privado,

constituindo negócio jurídico firmado entre os participantes e as entidades de

previdência complementar. A lei estabelece apenas os parâmetros do negócio

jurídico previdenciário, consentindo que as partes interessadas imponham a

extensão, os limites e os efeitos do negócio jurídico que lhes interessa e somente a

elas afeta. Assim, deverão ser estabelecidos pelas partes envolvidas, por exemplo, o

perfil da população protegida, as regras de custeio do plano, as normas de

concessão dos benefícios, a possibilidade de inclusão de beneficiários etc.

A relação previdenciária privada, norteada pelo princípio da autonomia da

vontade114, é marcada pelo caráter negocial de suas relações, que divergem de um

plano para outro, bem como entre entidades de previdência privada diferentes, a fim

114

Como ensina Ivy Cassa: “A autonomia da vontade, ou autonomia privada, é o poder conferido ao indivíduo de regulamentar seus próprios interesses dentro dos padrões permitidos pelo ordenamento jurídico. É a expressão da liberdade individual. Manifesta-se especialmente no campo do direito privado, sendo o contrato, por excelência, o instrumento da iniciativa privada.” CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP Ed., 2009, p.69.

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de atender aos interesses da pessoa jurídica contratante (patrocinador ou instituidor)

e/ou dos participantes dos diferentes planos de benefícios disponíveis no mercado.

Uma vez firmado o contrato, nascem obrigações e deveres recíprocos,

oriundos da negociação concebida pelas partes interessadas.

2.5.2.2 Princípio da facultatividade (autonomia de vontade e liberdade de contratar)

O princípio da facultatividade é consolidado pela característica contratual e

privada do regime de previdência complementar. Trata-se de diretriz da previdência

privada, sendo válida tanto em relação ao patrocinador do plano de benefícios (que

não é obrigado a instituir plano de benefícios aos seus empregados) como aos

participantes, concretizando-se no momento da adesão ao plano ou outorga da

prestação.

No momento da adesão dos participantes aos planos de benefícios há a

formalização do termo de adesão, que constitui ato jurídico perfeito

(consubstanciado no regulamento do plano) com as entidades de previdência

complementar.

A aplicação do princípio em comento também é verificada no momento da

formalização da opção do participante por um dos perfis de investimento

disponibilizados pela entidade previdenciária, de acordo com seu perfil

individualmente considerado.

A manutenção da qualidade jurídica de patrocinador (ou instituidor) e de

participante também é facultativa. Ensina Balera115:

Como a adesão é facultativa, e como o que é aceito não é imposto, cada patrocinador e cada participante conserva, consigo, o poder de disposição que lhe permite – respeitados os termos da obrigação e segundo o procedimento pertinente –

115

BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p.84.

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modificar os critérios da adesão, tanto quanto ao objeto da proteção previdenciária como quanto ao respectivo modo de exercício.

O patrocinador poderá optar pela retirada de patrocínio116 ou determinar a

extinção do plano de benefícios117. A retirada de patrocínio consiste na possibilidade

de uma empresa deixar de patrocinar um plano de previdência privada, rompendo

unilateralmente com seus compromissos e deixando de aportar valores

(contribuições), levando à extinção do plano. Já a extinção do plano de benefícios

propriamente dita consiste na vedação de acesso de novos participantes ao plano

pelo patrocinador, sendo certo que o plano de benefícios somente será encerrado

quando honrar com o último pagamento do último benefício ao último assistido.

Por sua vez, o participante poderá suspender suas contribuições ou extinguir

a relação jurídica por meio do resgate ou da portabilidade no caso de rompimento do

vínculo empregatício com o empregador. A manifestação de vontade do participante

será válida juridicamente se estiver em consonância com a legislação vigente e com

os princípios previstos no Código Civil (minimamente ética, boa-fé objetiva e função

social do contrato).

2.5.2.3 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade garante transparência e pleno acesso às

informações dos planos de benefícios. Sua relevância foi destacada

constitucionalmente, conforme observado no parágrafo 1º do artigo 202:

Artigo 202. [...] §1º. A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de plano de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.

116

A retirada de patrocínio está prevista no artigo 33, caput e inciso III, da Lei Complementar n.º 109/01. 117

Vide §3º do artigo 16 da Lei Complementar n.º 109/01.

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A Lei Complementar n.º 109/01118, especialmente em seus artigos 3º e 7º,

garante o acesso do participante às informações do seu plano de benefícios, bem

como dispõe que os planos deverão atender aos padrões mínimos fixados pelos

órgãos regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência na

gestão.

Sobre o assunto, doutrina Lygia Avena119:

Essa mesma transparência deve se refletir nos regulamentos dos planos de benefícios que constituem os contratos entre os participantes e as suas entidades previdenciárias. Na medida em que neles é estabelecido o conjunto normativo de direitos e obrigações das partes que nortearão a sua operacionalização, é fundamental que as suas normas, as condições contratuais, sejam redigidas com clareza e precisão, prevenindo assim interpretações divergentes das finalidades para as quais foram inseridas e que, se configuradas, poderiam suscitar indesejáveis litígios ou passivos judiciais.

Norteada pelo princípio da transparência, impõe obrigação120 às entidades

de previdência privada para que disponibilizem aos seus participantes diversas

informações correlatas à gestão de seus planos, bem como regula a periodicidade

de fornecimento das informações.

O referido princípio estabeleceu importantes parâmetros na relação

previdenciária privada. A legislação garante que o participante do plano de

benefícios, no momento da sua adesão ao plano, receba o estatuto da entidade, o

regulamento do plano de benefícios, cartilha explicativa – em linguagem clara e

simples – que contenha a síntese do contrato previdenciário e o certificante de

participante.

118

Vide arts 24 e 29 da Lei Complementar n.º 109/01. 119

AVENA, Lygia. Características e princípios fundamentais do regime de previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo, CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.30. 120

A Resolução CGPC n.º 23, de 06/12/2006, dispõe sobre os procedimentos de divulgação de informações aos participantes e assistidos dos planos.

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No decorrer do pacto previdenciário, devem ser disponibilizados aos

participantes balanços, saldo de reserva, rentabilidade do plano, alterações

regulamentares ou estatutárias, entre outros dados que lhes permitam acompanhar

a evolução e o andamento das suas poupanças previdenciárias, bem como manter a

relação jurídica com segurança.

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CAPÍTULO III – AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

Os primeiros ensaios da previdência privada hoje vigente foram

operacionalizados no Brasil por meio dos montepios e dos fundos de pensão,

precursores das entidades de previdência privada, que já atuavam de forma paralela

à previdência oficial.

Os montepios121 eram constituídos como sociedades civis, sem fins

lucrativos, por meio do agrupamento de setores profissionais que poderiam aceitar

associados individuais de profissões distintas 122. Possuíam objetivos previdenciários

e buscavam a proteção securitária de forma solidária, comprometendo-se, mediante

a cobrança de contribuições mensais, ao pagamento de benefícios futuros

consubstanciados em pecúlios, aposentadorias e pensão para a família dos

trabalhadores vinculados.

Sobre o assunto, ensina Wagner Balera123:

A palavra montepio, cumpre recordar, invoca os primitivos modelos de proteção social previdenciária mediante a conformação de reservas técnicas (o monte pio) das quais eram oportunamente sacados os valores aptos a prover o sustento das pessoas que dessas beneméritas instituições vinham a obter socorro.

Por sua vez, os fundos de pensão124 (que também eram conhecidos por

outras nomenclaturas, como associações de auxílios mútuos, sociedades de

socorros mútuos, caixas de previdência e aposentadoria, fundações de seguridade

social) restringiam sua proteção aos servidores de uma empresa, particular ou

pública, com a finalidade de conceder suplementação de aposentadoria, pecúlio por

morte e pensão para a família.

121

A palavra “montepio” significa “montes piedosos”, sendo originada da composição das palavras “monte” e “pio”. 122

ALMIRO, Affonso. A previdência supletiva no Brasil. São Paulo: LTr, 1978, p.26. 123

BALERA, Wagner. Parecer – A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. Revista de Direito Social. Porto Alegre, n.º 8, Notadez, 2002, p.102. 124

ALMIRO, op. cit., p.26-27.

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Somente a partir da Lei n.º 6.435, de 15 de julho de 1977, primeira norma

específica brasileira que tratou da previdência privada, as entidades do setor

passaram a ser conceituadas. Vejamos:

Art. 1º. Entidades de previdência privada, para os efeitos da presente Lei, são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos.

As entidades de previdência privada integram o Sistema de Seguridade

Social, buscando a complementação da proteção oferecida pela previdência oficial,

com o objetivo de instituir planos privados de concessão de aposentadorias ou

pecúlios em contraprestação às contribuições vertidas pelos participantes. Trata-se

de segunda rede de proteção social, autônoma em relação ao Poder Público,

conforme lição de Wagner Balera125:

Integram o quadro de componentes do Sistema de Seguridade Social brasileiro os entes de previdência privada. Atuam, os entes complementares, como estruturas de expansão do arcabouço de proteção, formando, como já se costuma dizer em França, segunda rede de seguridade social, em estreita colaboração com o Poder Público, no interior do aparato de seguridade social. Mas não perdem os traços característicos que são peculiares às pessoas privadas.

Importante se faz uma breve comparação entre os regimes de proteção

previdenciária público e privado.

O regime geral de previdência social é obrigatório, instituído por lei e visa a

proteger seus segurados, independentemente da confiança que lhes é depositada

ou da vontade dos indivíduos em vincularem-se ao sistema previdenciário público.

Os segurados são obrigados a verter contribuições periódicas, sendo-lhes

garantidos, sem exceção, benefícios que lhes asseguram a subsistência no caso de

concretização dos riscos sociais protegidos.

125

BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p.80.

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Já o regime de previdência privada é contratual, negocial, permitindo a

estipulação de características particulares a cada plano de benefícios engendrado

pelas partes interessadas. Atua de forma autônoma em relação ao regime

previdenciário oficial, tendo por diretriz o princípio da autonomia da vontade.

As entidades de previdência complementar são rigorosamente privadas,

independentemente do perfil de seu patrocinador ou instituidor, sendo revestidas de

personalidade jurídica própria e de capacidade processual.126 Administram planos de

benefícios de caráter previdenciário, visando à concessão de benefícios

complementares ou assemelhados aos previstos no regime geral de previdência

social127, ou seja, não lhes é permitida a instituição de benefícios assistenciais e de

serviços de saúde, cabendo observar que tal vedação não estava presente no

ordenamento anterior128.

Atualmente, apenas as entidades fechadas e as entidades abertas sem fins

lucrativos que já prestavam serviços assistenciais e de saúde na data da publicação

da Lei Complementar n.º 109/01 podem continuar a fazê-lo, sendo necessário o

estabelecimento de custeio distinto daquele voltado aos benefícios de caráter

previdenciário, objeto primordial do plano de benefícios.

O pagamento dos benefícios previdenciários é efetivado, em geral, por meio

de parcelas sucessivas e em pecúnia, enquanto os serviços assistenciais e de

saúde são constituídos em bens “in natura”, normalmente consubstanciados em

obrigações de fazer, tais como disponibilizar atendimento médico-hospitalar,

tratamento fisioterapêutico, exames ambulatoriais e laboratoriais, entre outros

126

REIS, Adacir (Coord.). Fundos de pensão em debate. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.18. 127

Lei Complementar nº. 109/01, artigo 2º. 128

Lei nº. 6.435/77, artigo 39 - “As entidades fechadas terão como finalidade básica a execução e operação de planos de benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo normas gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo no Ministério da Previdência e Assistência Social. § 1º. Independentemente de autorização específica, as entidades fechadas poderão incumbir-se da prestação de serviços assistenciais, desde que as operações sejam custeadas pelas respectivas patrocinadoras e contabilizadas em separado. § 2º. Excetuadas as que tenham como patrocinadoras empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações vinculadas à Administração Pública, poderão as entidades fechadas executar programas assistenciais de natureza social e financeira, destinados exclusivamente aos participantes das entidades. [...]” Lei nº. 6.435/77, artigo 85 - “Independentemente de autorização específica, as entidades abertas, sem fins lucrativos, que, na data desta Lei, prestem a seus associados serviços de assistência social, médica e financeira, poderão continuar a fazê-lo observadas as disposições dos artigos 23 e 33.”

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possíveis, sendo certo que esses serviços implicam aumento extraordinário de

custos na operação da entidade.

Entre os serviços assistenciais até então prestados pelas entidades de

previdência privada, era comum a disponibilização de programas assistenciais de

natureza financeira, mediante empréstimos aos participantes subsidiados pelos

patrocinadores sem imposição de atualização monetária. Nos termos da legislação

vigente, e mais uma vez buscando a concretização da segurança almejada pela

população protegida, impôs-se a extinção de tais programas, uma vez que o valor

direcionado para beneficiar um participante individualmente considerado, por meio

de um empréstimo, era retirado das reservas matemáticas do plano de benefícios.

Assim, atualmente, é vedada expressamente a instituição de benefícios e serviços

que não tenham natureza previdenciária129.

As entidades de previdência privada, nos termos dos artigos 32 e 36 da Lei

Complementar n.º 109/01, têm por finalidade administrar e executar planos de

benefícios de caráter previdenciário, com o intuito de majorar o montante de

recursos que se encontra em sua responsabilidade, o qual não integra o patrimônio

próprio das entidades.

Cumpre notar que as referidas entidades gerenciam tais recursos financeiros

por longos períodos de tempo, considerando que a formação da poupança

previdenciária pode durar mais de 30 (trinta) anos, assim como o período de

concessão dos benefícios.

As entidades de previdência privada são classificadas em abertas e

fechadas, de acordo com a relação jurídica estabelecida entre participantes e

entidades. Assevera Martinez130 que se faz necessário definir a distinção entre as

duas espécies de entidades de previdência privada:

129

Lei Complementar nº. 109/01, Artigo 32 - “As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária. Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto. [...].” 130

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Primeiras Lições de Previdência Complementar. São Paulo: LTr, 1996, p.115.

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A relação jurídica de previdência privada pode ser esmiuçada e pormenorizada, especialmente a nascida entre segurado ou associado e EAPP, bem como entre participante e EFPP. A perquirição objetiva apreender a essência do vínculo jacente no entrelaçamento das pessoas. No bojo da proteção supletiva, a rigor, o segmento aberto não difere fundamentalmente do fechado. Do ponto de vista conceitual, o envolvimento é praticamente igual, no primeiro caso ligeiramente influenciado pela proximidade do seguro privado, regime financeiro e tipo de plano. Sob essa ótica, mais seguro e menos previdência, em razão do mecanismo utilizado e tipo das prestações postas à disposição, embora alguns planos novos estejam se identificando com os fechados, preferindo rendas mensais a pecúlios. Na previdência fechada subsiste triângulo abarcando três relações distintas: a) patrocinadora-entidade; b) entidade-participante; e c) participante-patrocinadora. Pequenas diferenças emergem e devem ser ressaltadas: a) cooperação pecuniária e vizinhança do mantenedor; b) semelhança e dependência da prestação básica; e c) vínculo empregatício com patrocinador.

A legislação atual, assim como a pretérita, estabeleceu estruturas distintas

para as entidades abertas e as entidades fechadas, inclusive quanto à normatização

e controle, estruturas essas que devem ser estudadas mais atentamente. É o que se

busca fazer ainda no presente capítulo.

3.1 ENTIDADES ABERTAS

As entidades abertas de previdência privada gerem planos de benefícios que

são acessíveis a todas as pessoas, desde que possuam capacidade jurídica para

contratar e atendam aos requisitos de inscrição do plano escolhido. A filiação de

participantes aos planos de benefícios dessas entidades não depende de existência

de nenhum vínculo prévio entre as pessoas físicas e/ou jurídicas envolvidas na

relação de previdência privada.

As entidades abertas de previdência privada podem instituir e administrar

planos de benefícios individuais ou coletivos. Os planos individuais são acessíveis a

todas e quaisquer pessoas físicas individualmente consideradas que tenham

interesse em vincular-se a um plano de previdência privada, podendo negociar com

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a entidade a forma de custeio do plano e de usufruto futuro do benefício, bem como

os riscos a serem protegidos. Por sua vez, os planos coletivos131 são destinados a

um grupo de pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a uma pessoa

jurídica contratante (empregador, entidade de classe ou profissional, por exemplo),

que pode custeá-los total ou parcialmente.

As entidades abertas de previdência privada são constituídas com a

finalidade de instituir planos de benefícios de caráter previdenciário, que devem ser

regulamentados de acordo com as normas financeiras, técnicas e administrativas

vigentes, devidamente aprovadas pelo Poder Público. Os benefícios contratados

pelos participantes serão adimplidos pelas entidades sob a forma de renda

continuada ou de pagamento único, ou seja, consistirão em uma série de

pagamentos periódicos ao participante, ou ao seu beneficiário, quando for o caso, ou

por um pagamento único, sempre na forma estipulada no plano132.

As entidades de previdência privada constituídas sob a forma de sociedades

civis não distribuem lucros, mas possuem objetivos econômicos, na medida em que

atuam na busca de resultados que serão revertidos ao fundo comum para

pagamento de benefícios futuros.

Conforme previsto no artigo 36 da Lei Complementar n.º 109/01, as

entidades abertas devem ser constituídas unicamente sob a forma de sociedades

anônimas. Entretanto, até a revogação da Lei n.º 6.435/77, as referidas entidades

poderiam atuar por meio de sociedades simples, sem finalidade lucrativa.

O artigo 77 da Lei Complementar n.º 109/01, ao tratar das entidades abertas

instituídas sem fins lucrativos, determinou a adequação dessas entidades à nova

legislação vigente, permitindo- lhes a manutenção de sua organização jurídica como

131

Vide artigo 26, inciso II, da Lei Complementar n.º 109/01. 132

Na vigência da Lei n.º 6.435/77, os pagamentos dos benefícios aos participantes eram denominados de “pecúlio ou renda”.

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sociedade civil133. Importante ressaltar que as sociedades civis sem fins lucrativos

foram extintas, não tendo sido previstas no art. 44 do Novo Código Civil134.

Em face da contradição existente entre a Lei Complementar n.º 109/01 e o

artigo 44 do Código Civil vigente, prevalecerá a disposição inserta no artigo 202 da

Constituição Federal de 1988, que determinou que o regime de previdência

complementar fosse regulamentado por Lei Complementar. Considerando que o

Código Civil vigente consubstancia-se em Lei Ordinária, as entidades abertas de

previdência privada sem fins lucrativos instituídas sob a égide da Lei nº 6.435/77

continuarão em vigor135.

As entidades abertas de previdência privada integram o Sistema Nacional de

Seguros Privados e são reguladas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados

(CNSP), que integra o Ministério da Fazenda, bem como são fiscalizadas pela

Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

Considerando que os benefícios disponibilizados no mercado pelas

entidades abertas de previdência privada são similares àqueles oferecidos pelas

sociedades seguradoras que operam exclusivamente no ramo vida, a Lei

Complementar n.º 109/01, em seu artigo 36, parágrafo único, autorizou que estas

133

Vide artigo 77 e parágrafo 1º da Lei Complementar n.º 109/01: “Art. 77. As entidades abertas sem fins lucrativos e as sociedades seguradoras autorizadas a funcionar em conformidade com a Lei nº. 6.435, de 15 de julho de 1977, terão o prazo de dois anos para se adaptar ao disposto nesta Lei Complementar. §1º. No caso das entidades abertas sem fins lucrativos já autorizadas a funcionar, é permitida a manutenção de sua organização jurídica como sociedade civil, sendo-lhes vedado participar, direta ou indiretamente, de pessoas jurídicas, exceto quando tiverem participação acionária: I - minoritária, em sociedades anônimas de capital aberto, na forma regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional, para aplicação de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões; II - em sociedade seguradora e/ou de capitalização. [...]” 134

Vide Lei n.º 10.406/02, Novo Código Civil: “Artigo 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações; IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos.” 135

Ademais, qualquer imposição de reorganização societária nesse sentido afetaria diretamente o contrato firmado originalmente entre as partes sob o manto legal vigente à época da sua constituição, ferindo o ato jurídico perfeito, protegido constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXVI (“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”), bem como o artigo 6º, parágrafos 1º e 2º, da LICC (“Artigo 6º. Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Parágrafo 1º. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Parágrafo 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”).

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operem planos de benefícios de previdência privada136. O contrato de seguro de vida

também almeja garantir respaldo financeiro ao segurado (ou às pessoas por ele

indicadas) quando da concretização do risco protegido e das consequências

danosas que o acompanham.

O contrato de previdência privada é típico contrato de adesão, sendo que

cada plano possui suas características peculiares, de acordo com os respectivos

regulamentos previamente aprovados pelo órgão fiscalizador, qual seja, a

Superintendência dos Seguros Privados. Já o órgão regulador, nos termos do artigo

37 da Lei Complementar n.º 109/01, entre outras funções que poderão ser

estabelecidas, deverá fixar critérios para investidura e posse em cargos e funções

de órgãos estatutários de entidades abertas, bem como estabelecer normas gerais

de contadoria, auditoria, atuária e estatística a serem observadas pelas entidades

abertas. O mesmo órgão deverá dispor normas para padronização dos planos de

contas, balanços gerais, balancetes e outras demonstrações financeiras, além de

fixar a periodicidade e forma de publicação, bem como a remessa de tais dados ao

órgão fiscalizador.

Nesse sentido, o órgão regulador deverá estabelecer condições que

assegurem acesso a informações e fornecimento de dados relativos a quaisquer

aspectos das atividades das entidades abertas, reforçando, dessa forma, a

transparência e segurança dos planos previdenciários oferecidos pelas entidades

abertas. Por seu turno, o órgão fiscalizador deverá aprovar, prévia e expressamente,

a constituição e o funcionamento das entidades abertas, bem como seus estatutos e

eventuais alterações que se fizerem necessárias, sendo responsável pela validação

dos atos que levam à eleição e posse dos administradores e membros dos

conselhos estatutários137. O órgão fiscalizador também deverá autorizar previamente

a comercialização dos planos de benefícios e as operações relativas à alteração de

controle acionário, fusão, cisão, incorporação ou qualquer outra forma de

reorganização societária.

136

A legislação também autoriza a utilização de corretores na comercialização dos planos de benefícios das entidades abertas de previdência privada, conforme artigo 30 da Lei Complementar n.º 109/01: “Art. 30. É facultativa a utilização de corretores na venda dos planos de benefícios das entidades abertas.” 137

Vide artigo 38 da Lei Complementar n.º 109/01.

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A Lei Complementar n.º 109/01 não estabelece órgãos específicos para

integrar a estrutura mínima das entidades abertas de previdência privada, referindo-

se apenas a órgãos estatutários e diretoria executiva. Importante consignar que os

membros da diretoria executiva respondem solidariamente com o dirigente indicado

pela aplicação dos recursos das reservas técnicas, das provisões e dos fundos,

assim como pelos danos e prejuízos causados à entidade para os quais tenham

concorrido.

As entidades abertas ainda devem levantar, no último dia útil de cada mês e

semestre, respectivamente, os balancetes mensais e balanços gerais, observando

sempre os critérios estabelecidos pelo órgão regulador. Tal regra também se aplica

às sociedades seguradoras autorizadas a operar planos de benefícios, no que se

refere às atividades previdenciárias e de seguros.

3.2 ENTIDADES FECHADAS

As entidades fechadas de previdência complementar, também denominadas

de fundos de pensão, são aquelas instituídas por empresas (ou grupo de empresas)

estatais ou privadas ou pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou

setorial, com o objetivo de administrar e executar planos de benefícios de natureza

previdenciária, nos termos do artigo 32 da Lei Complementar n.º 109/01.

As empresas (ou grupo de empresas), estatais ou privadas, na relação

jurídica de previdência complementar, quando contratam planos de benefícios a

serem oferecidos aos seus empregados, são denominadas de patrocinadores, e as

pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial (ex.: sindicatos e

entidades de classe) são chamadas de instituidores.

Nessa mesma relação jurídica, os empregados, os servidores dos entes

estatais e os associados desses sujeitos retro descritos, quando manifestam

formalmente sua adesão ao plano de benefícios ofertado pelo

patrocinador/instituidor, passam a ser designados participantes. Oportuno constar

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que a adesão do participante ao plano de benefícios é facultativa, em flagrante

exercício da autonomia da vontade.

Diferentemente do que ocorre nas entidades abertas, os planos de

benefícios administrados por entidades fechadas somente são acessíveis aos

empregados dos patrocinadores e aos associados ou membros dos instituidores,

podendo, nessa situação, vir a complementar as prestações fornecidas pelo regime

geral de previdência social, uma vez que as relações jurídicas que antecedem o

vínculo jurídico previdenciário privado normalmente exigem o enquadramento

desses potenciais participantes como segurados obrigatórios dos regimes

previdenciários básicos.

A formalização da condição de patrocinador ou de instituidor de um plano de

benefícios se dá por meio de convênio de adesão firmado entre a pessoa jurídica

contratante e a entidade fechada de previdência privada, nos termos do artigo 13 da

Lei Complementar n.º 109/01. Uma vez instituído o plano de benefícios, este deve

ser oferecido a todos os empregados do patrocinador ou a todos os

associados/membros do instituidor, sem nenhuma restrição. A legislação apenas

excepciona a regra quando trata dos planos em extinção, que, pelo próprio conceito

em si considerado138, implica a proibição do acesso de novos participantes.

A formalização do convênio de adesão139 entre empresa patrocinadora e

entidade fechada de previdência complementar, com a consequente oferta do plano

de benefícios a todos os seus empregados e administradores, apresenta a

possibilidade de a empresa socializar seu capital, sendo certo que, na maioria

dessas situações, também há contribuições vertidas ao plano pelo patrocinador em

favor dos participantes (respectivamente, empregador e empregado na relação

jurídica de emprego), em percentual a ser estipulado no regulamento do plano de

138

Os planos de benefícios em extinção são aqueles que estão fechados para adesão de novos participantes, mantendo-se a obrigação do plano de benefícios em relação aos seus participantes ativos e assistidos, remanescendo a responsabilidade em honrar com todos os pagamentos dos benefícios contratados, até o último pagamento do último benefício ao último assistido. Vide artigo 16, parágrafo 3º, da Lei Complementar n.º 109/01. 139

Ensina Pierre Moreau: “As cláusulas uniformes impostas por lei são a base do contrato de adesão, modelo de restrição à liberdade de contratar que se adota nas relações de massa ou em série.” MOREAU, Pierre. Responsabilidade Jurídica na Previdência Complementar: responsabilidade na gestão dos recursos garantidores. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 60.

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benefícios, podendo variar de plano para plano ou entre planos oferecidos por um

mesmo patrocinador.

Trata-se de oportunidade para o empregador-patrocinador valorizar seus

empregados-participantes e, como política de Recursos Humanos, tornar a empresa

mais competitiva no mercado, possibilitando a retenção de mão de obra qualificada.

Nesse contexto, o patrocinador também beneficia a sociedade como um

todo, na medida em que contribui para o seu bem-estar futuro.

Discorre Lygia Avena140

Seja em razão da sua atuação como importantes instrumentos de prestação previdenciária supletiva, atendendo a milhões de participantes e associados e aos seus respectivos beneficiários, seja em virtude de serem investidores de longo prazo, fomentadores de poupança individual, geradores de emprego e propulsores do desenvolvimento econômico, os Fundos de Pensão, notadamente no bojo da reforma da Previdência Social, passaram a alcançar papel de destaque no cenário brasileiro, alcançando efetivo status constitucional, notadamente com a Emenda Constitucional n.º 20/98, que alçou este Regime a um novo patamar jurídico e institucional.

Da mesma forma que as entidades abertas, as entidades fechadas também

instituem e administram planos de benefícios de caráter exclusivamente

previdenciário, concedendo benefícios sob a forma de pagamento único ou por meio

de prestações de renda continuada.

As entidades fechadas de previdência privada, enquanto pessoas jurídicas

de direito privado, estruturam-se em fundações ou em sociedades civis, não

almejando finalidade lucrativa, nos termos do artigo 31, parágrafo 1º, da Lei

Complementar n.º 109/01: “§ 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma

de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.”

140

AVENA, Lygia. Características e princípios fundamentais do regime de previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.9.

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O resultado auferido por essas entidades consistirá em déficit ou superávit

dos planos de benefícios administrados por elas, e não em prejuízo ou lucro da

entidade, respectivamente141. No caso de superávit, o resultado deverá ser revertido

em favor de todos os participantes, incluindo os assistidos, na forma prevista pelo

artigo 20142 da Lei Complementar n.º 109/01. Em se tratando de déficit, o resultado

deverá ser equacionado entre patrocinadores, participantes e assistidos, na

proporção existente entre suas contribuições aos planos de benefícios, sendo

possível a imposição de aumento do valor das contribuições, a imposição de

contribuições adicionais ou redução do valor dos benefícios a conceder, nos termos

do artigo 21143 da Lei Complementar n.º 109/01.

Posteriormente à edição da Lei Complementar n.º 109/01, que determinou

que as entidades fechadas fossem constituídas sob a forma de fundações ou

sociedades civis, foi editada a Lei n.º 10.406/02 - Novo Código Civil, que extinguiu a

figura das sociedades civis do ordenamento jurídico pátrio e manteve apenas as

sociedades empresariais. Dispõe o Código Civil vigente:

Artigo 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações.

141

“É perseguido o superávit financeiro e não o lucro econômico-empresarial.” BALERA, Wagner (Coord.). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.207. 142

Lei Complementar n.º 109/01, Artigo 20 - “O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas. §1º. Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios. §2º. A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade. §3º. Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos.” 143

Lei Complementar n.º 109/01, Artigo 21 - “O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar. §1º. O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador. §2º. A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano. §3.º Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em conseqüência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou em melhoria dos benefícios.”

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IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos. [...] Artigo 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômico e a partilha, entre si, dos resultados. [...]

Com a extinção das sociedades sem fins lucrativos, restam as sociedades

empresariais, que não podem ser utilizadas como entidades fechadas de

previdência privada, uma vez que, nos termos da legislação vigente, não aceitam

formato não lucrativo.

As fundações, por sua vez, nos termos do artigo 62 do Código Civil vigente,

têm âmbito de atuação restrito, não se incluindo as atividades correlatas às

entidades de previdência privada.

Artigo 62. [...] Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. [...]

Assim, nos termos do Novo Código Civil, as entidades fechadas de

previdência privada não se encaixam em nenhuma das espécies de pessoa jurídica

previstas.

Buscando a adaptação de situações como a ora tratada, o Novo Código Civil

previu prazo para a adequação das sociedades e das fundações constituídas sob a

égide da legislação pretérita144.

A Superintendência de Previdência Complementar, no entanto, solucionou o

assunto por meio da Portaria n.º 02, de 08 de janeiro de 2004, dispondo que as

entidades fechadas de previdência privada, regidas por lei complementar, não estão

obrigadas a promover em seus estatutos as adaptações a que se refere o artigo

2.031 do Código Civil.

144

Novo Código Civil, Artigo 2031 - “As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007.”

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Dessa forma, as entidades fechadas atuam como fundações ou sociedades

sem fins lucrativos com suporte em lei especial145.

As entidades fechadas estão vinculadas ao Ministério de Previdência Social,

ao passo que o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) é o

responsável por sua regulação e a Superintendência Nacional de Previdência

Complementar (PREVIC) pela sua fiscalização.

O artigo 33 da Lei Complementar n.º 109/01 detalha as situações que

exigem a prévia e expressa autorização dos órgãos regulador e fiscalizador:

- a constituição e o funcionamento da entidade fechada de previdência

complementar, bem como a aplicação dos respectivos estatutos, dos

regulamentos dos planos de benefícios e de suas alterações;

- as operações de fusão, cisão, incorporação ou qualquer outra forma de

reorganização societária da entidade fechada;

- as retiradas de patrocinadores;

- as transferências de patrocínio, de grupo de participantes, de planos e de

reservas entre entidades fechadas.

As entidades fechadas são obrigadas a compor e manter conselho

deliberativo, conselho fiscal e diretoria executiva, de acordo com a estrutura

operacional mínima imposta pelo artigo 35 da Lei Complementar n.º 109/01, sendo

que os participantes têm assegurado o direito de eleger seus próprios

representantes para, no mínimo, 1/3 (um terço) das vagas dos conselhos

deliberativo e fiscal.

A inserção dos participantes e assistidos nos conselhos deliberativo e fiscal

das entidades fechadas implica a aplicação parcial do princípio previsto no artigo

194, parágrafo único, inciso VII (“caráter democrático e descentralizado da

administração mediante a gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores,

145

Não se aplicando a elas o disposto no Código Civil, artigo 2.033: “Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código.”

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dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”), da

Constituição Federal, como consequência da democratização do Sistema de

Seguridade Social.

A composição da estrutura operacional das referidas entidades torna-se

mais complexa quando se trata de entidades multipatrocinadas146, na medida em

que deve ser observado o número de participantes vinculados a cada patrocinador

ou instituidor, bem como o montante dos respectivos patrimônios.

O conselho deliberativo147 é o órgão institucionalizado em nível superior ao

da diretoria executiva e tem por função fixar e acompanhar as diretrizes gerais da

entidade fechada de previdência privada, cabendo a ele aprovar a alteração de

patrocinadores ou instituidores, a alteração de estatutos e regulamentos, bem como

apreciar recursos contra decisões da diretoria executiva.

Por sua vez, o conselho fiscal tem por função fiscalizar as contas da

entidade e de seus planos de benefícios, por meio do exame dos balanços

contábeis, dos investimentos, das auditorias e das avaliações atuariais, entre outros.

Os membros dos conselhos deliberativo e fiscal devem atender aos

requisitos mínimos impostos pelo artigo 35, parágrafo 3º, da Lei Complementar n.º

109/01, exigindo, de cada um deles, comprovada experiência no exercício de

atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica de fiscalização ou

de auditoria. Ainda de acordo com o supracitado dispositivo legal, esses membros

não podem ter sofrido condenação criminal transitada em julgado, tampouco

penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social ou como

servidor público. Outros requisitos poderão ser previstos no estatuto, a critério de

cada entidade fechada.

Por fim, a diretoria executiva consiste no órgão colegiado de administração

da entidade fechada de previdência privada, responsável por suas decisões

146

Lei Complementar n.º 109/01, artigo 34, inciso II, alínea “b” - “Multipatrocinadas, quando congregarem mais de um patrocinador ou instituidor.” 147

Também conhecido como conselho de administração ou conselho de curadores.

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operacionais. Os membros da diretoria executiva devem preencher os mesmos

requisitos impostos aos membros dos conselhos deliberativo e fiscal, bem como

comprovar que possuem formação superior, nos termos do artigo 35, parágrafo 4º,

da Lei Complementar n.º 109/01. Excepcionalmente, até 30% (trinta por cento) dos

cargos desse órgão poderão ser ocupados por indivíduos sem formação superior148.

Entre os integrantes da diretoria executiva, um será escolhido como

responsável pelas aplicações dos recursos da entidade de previdência privada149.

Seu nome deverá ser indicado aos órgãos regulador e fiscalizador. No caso de

danos ou prejuízos causados à entidade de previdência, os demais membros da

diretoria executiva que tenham concorrido para tanto também responderão,

solidariamente àquele dirigente indicado.

Os conselheiros e os diretores dos órgãos estatutários das entidades

fechadas de previdência privada são equiparáveis aos empregados e associados

das entidades de previdência complementar e podem ser remunerados.

******

Ante todo o exposto, é possível indicar, objetivamente, os principais

aspectos que diferenciam as entidades fechadas e as entidades abertas entre si.

Vejamos:

a) Forma de organização: as entidades abertas são constituídas como

sociedades anônimas - S.A. (sendo certo que existem entidades abertas

instituídas como sociedades civis sem fins lucrativos), ao passo que as

entidades fechadas são organizadas como fundações (havendo também

entidades fechadas na forma de sociedades civis sem fins lucrativos).

b) Envolvimento dos participantes na gestão das entidades: as entidades

fechadas devem garantir a presença dos participantes e assistidos na

148

Se a porcentagem de trinta por cento resultar em número inferior a uma unidade, fica assegurada a possibilidade de participação na diretoria executiva de pelo menos um membro. 149

Lei Complementar n.º 109/01, artigo 35, parágrafos 5º e 6º.

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formação de seus conselhos estatutários, inexistindo previsão nesse sentido

em relação à gestão das entidades abertas.

c) Finalidade lucrativa: as entidades fechadas não possuem finalidade lucrativa,

ao contrário das entidades abertas, que não estão impedidas de perseguir e

obter lucros na sua operação.

d) Acesso aos planos de benefícios: as entidades abertas disponibilizam planos

de benefícios acessíveis a qualquer pessoa física que preencha os seus

requisitos de inscrição, enquanto que as entidades fechadas apenas

admitem pessoas físicas vinculadas previamente à pessoa jurídica

contratante do plano de benefícios.

e) Controle externo: as entidades fechadas são reguladas pelo Conselho

Nacional de Previdência Complementar (CNPC) e fiscalizadas pela

Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), órgãos

vinculados ao Ministério da Previdência Social, enquanto que as entidades

abertas são reguladas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP)

e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgãos

vinculados ao Ministério da Fazenda.

As entidades apresentam, entretanto, objetivo comum, que consiste em

instituir e administrar planos de benefícios de caráter previdenciário, nas

modalidades de benefício definido (em que é possível conhecer a fórmula de cálculo

do benefício futuro na data da contratação do plano, sendo que o valor das

contribuições variará em razão do valor do benefício futuro), contribuição definida

(define-se o valor das contribuições no momento da contratação do plano, ficando o

valor do benefício condicionado ao montante da reserva acumulada) e contribuição

variável (apresenta características do plano de contribuição definida no período de

acumulação de recursos e características do plano de benefício definido no período

de fruição do benefício).

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CAPÍTULO IV – SUJEITOS DA RELAÇÃO DE PREVIDÊNCIA

PRIVADA FECHADA

A relação jurídica de previdência privada estabelece um vínculo abstrato

entre dois ou mais sujeitos diante de um objeto, gerando direitos e obrigações

recíprocas.

Kelsen150 complementa o conceito ensinando que:

Em sua estreita conexão com os conceitos de dever jurídico e de direito subjetivo (Berechtigung) está, segundo a concepção tradicional, o conceito de relação jurídica. Esta é definida como relação entre sujeitos jurídicos, quer dizer, entre o sujeito de um dever jurídico e o sujeito do correspondente direito (Berechtigung).

No âmbito das entidades fechadas de previdência privada, as relações

jurídicas tendem a ser complexas, uma vez que compreendem uma variedade de

outras relações jurídicas, abrangendo: a) participantes ou assistidos e entidades de

previdência privada; b) participantes ou assistidos e patrocinadores ou instituidores;

e c) entidades de previdência privada e patrocinadores ou instituidores. Essas

relações jurídicas intersubjetivas, porém, se entrelaçam, formando um conjunto

jurídico único, cuja prestação final é a garantia de benefícios previdenciários futuros

a determinada pessoa física.151

No capítulo anterior estudamos a figura das entidades de previdência

privada em suas duas espécies: abertas e fechadas. Para que seja possível

entender o negócio previdenciário privado em seu todo, necessário se faz conhecer

os demais sujeitos das relações jurídicas que são foco deste trabalho.

150

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.182. 151

GAUDENZI, Patrícia Bressan Linhares. Tributação dos investimentos em previdência complementar privada – Fundos de pensão, PGBL, VGBL, FAPI e outros. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 64.

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4.1 PARTICIPANTE (pessoa física)

O conceito de participante está previsto no artigo 8º da Lei Complementar n.º

109/01, determinando que se trata da pessoa física que adere ao plano de

benefícios.

A lei impõe formalmente que tão-somente pessoas físicas podem ser

participantes na relação de previdência privada, haja vista que seus benefícios têm

caráter previdenciário, não favorecendo pessoas jurídicas. Os participantes são os

sujeitos protegidos na relação previdenciária privada.

Os participantes apenas são enquadrados nessa definição a partir do

momento em que formalizam sua adesão a um plano de benefícios, almejando

auferir benefícios no futuro. A aludida adesão se dá com a assinatura do termo de

adesão ou do contrato152 que prevê as condições do plano de benefícios.

Os mencionados benefícios poderão favorecer diretamente o participante,

quando este for titular da prestação futura, por exemplo, de uma aposentadoria, ou

poderão também favorecer terceiros, beneficiários indicados pelo participante, no

pagamento de pensão por morte, por exemplo, no caso de falecimento do titular.

A condição de participante não exige que a pessoa física efetue

contribuições ao plano de benefícios. Os planos de benefícios podem ser custeados

exclusivamente por contribuições dos participantes ou dos patrocinadores, bem

como podem ser divididos os encargos entre eles.

A qualidade de participante não exige, por si só, a manutenção de vínculo

empregatício ou associativo com uma terceira pessoa jurídica.

152

No âmbito das entidades abertas, a adesão do participante ao plano de benefícios se dá pela formalização da proposta de inscrição.

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O participante mantém essa condição desde o momento da sua adesão ao

plano de benefícios até o dia imediatamente anterior ao recebimento do benefício,

momento em que passa a ser denominado de assistido.

4.2 ASSISTIDO (pessoa física)

O assistido, sujeito previsto no artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar n.º

109/01, corresponde ao participante ou seu beneficiário153 quando passam a usufruir

o benefício previdenciário privado (prestação continuada ou pagamento único). Ou

seja, o assistido é a pessoa física que aderiu ao plano previdenciário e se encontra

em gozo dos benefícios previstos no regulamento ou outra pessoa física que, na

ausência do participante, seja beneficiário dos recursos pagos pelo plano por meio

de benefícios (exemplo: pensão por morte).

Importante destacar que a condição de assistido somente se caracteriza

quando do recebimento do benefício previsto no regulamento do plano, após a fase

de acumulação de recursos ou o falecimento do participante. Se durante a fase de

acumulação o participante efetuar resgates parciais, estes não terão o condão de

alterar a sua condição jurídica para assistido.

O assistido é popularmente conhecido como aposentado ou pensionista dos

planos previdenciários privados.

153

Os beneficiários são eleitos pelo próprio participante quando de sua adesão, ou poderão ser os dependentes que tenham legitimidade para receber as prestações de aposentadoria pagas pelo plano. Em ambos os casos, pressupõe-se o falecimento do participante, que, em regra, é o beneficiário original de tais recursos. Cf.: BALERA, Wagner (Coord.). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.75.

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4.3 PATROCINADOR

O patrocinador é a empresa, ou o grupo de empresas, a União, os Estados,

o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de

economia mista e outras entidades públicas que instituam, para seus empregados

ou servidores, plano de benefícios de caráter previdenciário por intermédio de

entidade fechada154. Na relação de previdência privada, é a pessoa jurídica que

contrata o plano de benefícios, atuando como intercessor entre a entidade fechada

de previdência privada e os participantes. Normalmente, é empresa voltada à

indústria, ao comércio ou à atividade financeira, pertencente ao domínio privado ou

público155, e mantém vínculo jurídico empregatício com o grupo protegido de

potenciais participantes do plano de benefícios.

O patrocinador poderá participar do custeio do plano de benefícios de forma

integral ou parcial em favor de seus empregados e dirigentes. Também poderá atuar

como agente arrecadador e repassador das contribuições dos participantes ao plano

de benefícios, descontando-as diretamente na folha de pagamento de seus

empregados, nunca revertendo tais valores em seu proveito.

Nos termos do artigo 13 da Lei Complementar n.º 109/01, a formalização da

condição de patrocinador de um plano de benefícios se dá mediante a celebração do

convênio de adesão entre o patrocinador e a entidade fechada, em relação a cada

plano de benefícios por esta administrado e executado, com prévia autorização da

Secretaria Nacional de Previdência Complementar - PREVIC.

O convênio de adesão156 é o instrumento por meio do qual as partes

pactuam suas obrigações e direitos para a administração e execução do plano de

benefícios, conforme cláusulas mínimas estabelecidas pelo Conselho Nacional de

154

Apenas para consignar, nas relações jurídicas oriundas das entidades abertas de previdência privada envolvendo planos de benefícios coletivos, os instituidores são as pessoas jurídicas que participam do custeio dos planos de benefícios, enquanto que os averbadores são as pessoas jurídicas que não participam do custeio, atuando apenas como intermediárias entre a entidade de previdência e os participantes dos planos de benefícios. 155

Este estudo não abrange as relações jurídicas de previdência privada instituídas por entes públicos, que são regidas pela Lei Complementar nº. 108/01, aqui não abordada. 156

Vide artigo 61 e parágrafos do Decreto n.º 4.942/03.

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Previdência Complementar. Poderá o referido instrumento legal prever a

solidariedade entre os patrocinadores em relação aos respectivos planos

contratados, garantindo maior segurança aos participantes no caso de déficit futuro.

4.4 INSTITUIDOR

O instituidor é pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial

(por exemplo, entidade de classe, de representação, associação ou sindicato) que

constitui para seus associados ou membros plano de benefícios de caráter

previdenciário.

Os instituidores somente poderão contratar planos de contribuição

definida157, e seus recursos deverão ter a gestão terceirizada158, podendo assumi-la

somente instituições especializadas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do

Brasil ou outro órgão competente para tanto, nos termos do artigo 31, parágrafo 2º,

incisos I e II, da Lei Complementar n.º 109/01.

Nos termos do artigo 10, parágrafo 1º, da Resolução MPAS/CGPC n.º 12/02,

os planos de benefícios constituídos por instituidor somente serão custeados pelos

participantes, podendo receber aportes de terceiros.

Da mesma forma que os patrocinadores, os instituidores somente adquirem

tal condição mediante a formalização de um convênio de adesão celebrado entre o

instituidor e a entidade fechada em relação a cada plano de benefícios por esta

157

Nos termos do artigo 3º da Resolução CGPC n.º 16/05: “Entende-se por plano de benefícios de caráter previdenciário na modalidade de contribuição definida aquele cujos benefícios programados têm seu valor permanentemente ajustado ao saldo de conta mantido em favor do participante, inclusive na fase de percepção de benefícios, considerando o resultado líquido de sua aplicação, os valores aportados e os benefícios pagos.” 158

Decreto nº. 4.942/03, artigo 87 - “A entidade fechada de previdência complementar constituída por pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, que deixar de terceirizar a gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas, está sujeita à aplicação de multa no valor de R$ 15.000,00 ou inabilitação pelo prazo de 2 (dois) anos.”

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administrado e executado, com prévia autorização da Secretaria Nacional de

Previdência Complementar - PREVIC. Também é possível que o convênio de

adesão preveja a solidariedade entre os instituidores em relação aos respectivos

planos contratados159.

159

Vide artigo 13, parágrafo 1º, da Lei Complementar n.º 109/01.

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PARTE III – NATUREZA JURÍDICA DAS ENTIDADES FECHADAS

DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

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CAPÍTULO V – NATUREZA JURÍDICA DAS ENTIDADES FECHADAS DE

PREVIDÊNCIA PRIVADA

Paulo Sérgio Cavezzale160, ao tratar da natureza jurídica das entidades

fechadas de previdência complementar, comenta a importância do assunto,

considerando superficial a análise do tema pelo Poder Judiciário:

A consequência tem sido o advento de decisões por vezes equivocadas, versando sobre temas relevantes, seja de ordem formal, ou substancial, acarretando efeitos danosos àquelas Entidades, a seus Participantes e, em última análise, a ambos. Daí a importância e atualidade do tema ora abordado, considerando-se as graves consequências decorrentes de eventual enquadramento impróprio da natureza de referidas Entidades, ou do vínculo existente entre estas e seus Participantes. É ampla a área de incidência de tais decisões, tanto na esfera processual, quanto material.

Celso Antônio Bandeira de Mello161 ensina que a definição da natureza

jurídica decorre do regime normativo aplicável à figura jurídica. E continua:

Fora do sistema normativo aplicável, poderá se aproximar o cientista do direito do objeto, mas não lhe proporcionará uma relação íntima com a constituição da realidade perquirida. Não se pode determinar a natureza jurídica em relação à finalidade a que se destina o instituto; qualquer juízo dessa ordem é metajurídico. Assim, para determinar a natureza jurídica, faz-se necessário contrastá-la inicialmente dentro de próprio ordenamento jurídico. E assim o faremos.

A Constituição Federal dividiu a previdência em duas categorias: a

previdência social pública, básica, obrigatória, instituída por lei, submetida ao regime

do Direito Público; e a previdência privada, complementar, de índole contratual,

facultativa, autônoma em relação à previdência oficial e regida por normas de Direito

Privado.

160

GÓES, Wagner de (Coord.). Gestão de Fundos de Pensão – Aspectos jurídicos. São Paulo: Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - ABRAPP, 2006, p.9. 161

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Natureza e regimes jurídicos das autarquias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p.293.

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Na visão de Ilídio das Neves162:

[...] os regimes complementares podem ser legais, isto é, criados por lei, mediante iniciativa estatal, ou impostos por ela a partir de uma iniciativa particular, no que não se distinguem muito dos regimes públicos propriamente ditos. No entanto, normalmente os regimes complementares consideram-se não legais, no sentido de que resultam de livre opção dos interessados, de acordo com o princípio da autonomia da vontade das partes inerente à matriz contratual, embora estejam submetidos a um quadro normativo regulador.

O regime de previdência privada está regulado no artigo 202 da Constituição

Federal:

Artigo 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (grifo nosso)

De imediato é possível identificar sua natureza privada163, sendo operado

por entidades de direito privado, diferentemente do que ocorre com o regime geral

de previdência social, que é gerido pelo Estado por meio do Ministério da

Previdência Social.

A autonomia do regime privado em relação ao regime geral se dá não

apenas em relação à concessão dos benefícios, que podem ser desvinculados

daqueles pagos pela Previdência Social164 (ou concedidos até antecipadamente ou

anteriormente a estes últimos), mas também em relação aos ordenamentos jurídicos

próprios que os norteiam. Trata-se de característica bem marcante principalmente

nos planos de contribuição definida e contribuição variável, em que os benefícios

162

NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Princípios fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p.834-835. 163

“O sistema de previdência supletiva, no Brasil, é privado. Essa característica não pode ser considerada apenas como um rótulo, presente no nome (previdência privada) e ausente na prática. Não! Convém que haja um esquema estatal de proteção e que, ao lado dele, convalesça uma estrutura privada e facultativa.” BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1989, p.109. 164

Trata-se de grande avanço do regime de previdência privada, pois, considerando o déficit do regime geral de previdência social, a aplicação do fator previdenciário e os novos limites etários que se busca implantar para a concessão da aposentadoria básica, fica cada vez mais distante a concessão da aposentadoria pública.

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podem ser concedidos após o adimplemento das condições previstas no

regulamento do plano, independentemente da concessão de prestação pelo regime

oficial.

Há também regras diferentes no que diz respeito aos planos de custeio, uma

vez que o regime geral opera sob o regime de repartição simples, enquanto o regime

privado utiliza-se de rígidas bases atuariais, principalmente em se tratando de

contas individualizadas.

O INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, entidade que administra o

regime geral de previdência social mediante a gestão dos créditos oriundos de

obrigações fiscais previdenciárias e o cumprimento das prestações dos benefícios e

dos serviços previdenciários, é autarquia federal vinculada ao Ministério da

Previdência Social. Trata-se de pessoa jurídica de direito público, possuindo bens e

receita próprios.

Por sua vez, as entidades que gerem os planos de benefícios do regime de

previdência privada são entes privados, submetidos à fiscalização e controle do

Ministério da Previdência Social. Apesar da natureza privada declarada

constitucionalmente, a autonomia de vontade dessas entidades é mitigada em razão

do intenso e necessário controle estatal, concretizado por meio dos órgãos regulador

e fiscalizador, desde a constituição das referidas entidades até o seu encerramento,

bem como em relação aos planos de benefícios em todos os seus aspectos.

Sobre esse assunto, discorre Enéas Virgílio Saldanha Bayão165:

[...] a vontade das partes não é absoluta, ao contrário, observa-se um rígido controle estatal sobre seu funcionamento, porque tais entidades exercem uma complementação ao dever do Estado de prover uma previdência social digna e justa, direito social e fundamental inscrito no caput do artigo 6º da Constituição Federal. [...] Está-se, aqui, diante do princípio da supremacia da ordem pública, que, de resto, ao lado dos princípios da autonomia da

165

BAYÃO, Virgílio Saldanha. Responsabilidade civil, administrativa e criminal dos dirigentes de EFPC. In: GÓES, Wagner de (Coord.). Gestão de Fundos de Pensão: Aspectos jurídicos. São Paulo: Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - ABRAPP, 2006, p.157.

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vontade e do da obrigatoriedade, integram os fundamentos de qualquer contrato [...].

A entidade de previdência privada é autônoma em relação ao regime básico,

atuando de forma paralela e até concorrente, considerando-se os potenciais

segurados que não estão vinculados obrigatoriamente ao regime geral básico.

Trata-se, então, de serviço privado de interesse público, uma vez que a

previdência privada, embora sob o domínio do direito privado, encontra-se

estritamente vinculada ao Poder Público.

Apesar da possibilidade de concorrência com o regime geral, o regime de

previdência privada não possui a mesma abrangência protetiva daquele, pois não

apresenta atrativos aos segurados do regime oficial que têm ali garantido o seu

padrão de vida no momento da aposentadoria ou da concretização de um risco

social protegido. Dessa forma, verifica-se que a previdência privada não tem

interesse em substituí-lo, podendo complementar os benefícios oferecidos pelo

regime de previdência oficial, especialmente para a população que aufere

rendimentos superiores ao teto da previdência básica.

Importante destacar que, em rigor, a concessão de benefícios privados

independe da concessão de benefícios públicos166, seja do regime geral de

previdência social ou dos regimes próprios.

Os requisitos de elegibilidade aos benefícios oriundos do plano de

previdência privada estarão discriminados no regulamento (instrumento jurídico que

disciplina os direitos e deveres das partes contratantes, bem como as características

gerais do plano de benefícios, sendo integrante da proposta de inscrição), na

proposta de inscrição (instrumento assinado pelo empregado ou associado em que

manifesta sua intenção de participar do plano de benefícios, declarando que

conhece e concorda com as regras estabelecidas no regulamento, e individualiza

suas condições), no certificado do participante (documento particular do participante

que registra as características principais do plano de previdência contratado, em

166

Lei Complementar n.º 109, artigo 68, §2º. - “A concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social.”

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especial as cláusulas e critérios relativos aos benefícios)167 e no contrato

previdenciário (instrumento que implementa a relação jurídica previdenciária privada

entre o participante, a entidade de previdência privada e o patrocinador ou

instituidor), e serão definidos entre os contratantes.

Como já referido, o Estado, por meio dos órgãos regulador e fiscalizador,

estabelecerá os padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial a

serem seguidos nos planos de benefícios. Os órgãos regulador e fiscalizador

também autorizarão a criação e a comercialização dos planos de benefícios,

disciplinando a atuação das entidades, fiscalizando-as e supervisionando-as a fim de

assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e

atuarial aos planos, compatibilizando a performance das entidades de previdência

privada com a política previdenciária e de desenvolvimento social do país.

Conforme doutrina Manoel Sebastião Soares Póvoas168, o regime de

previdência privada “é uma extensão instrumental da previdência social, dentro da

instituição da „Seguridade Social‟”.

Nesse mesmo raciocínio, temos que a previdência privada também é

complementar ao regime básico, uma vez que assegura aos seus participantes

renda suficiente para manter o padrão de vida no momento de aposentadoria. A

população que precisa dessa proteção é aquela que aufere rendimentos superiores

ao teto oferecido pelo regime oficial.

Wagner Balera169 ensina que:

Ao regime complementar, por seu turno, compete proporcionar planos de proteção que atendam à demanda daquela parcela da comunidade cujas rendas se situem acima dos limites de proteção estabelecidos pelo regime geral e pelo regime próprio.

167

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Secretaria de Políticas de Previdência Social. Conceitos mais aceitos no Regime de Previdência Complementar. Brasília, 2011, p.15. 168

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada – Planos empresariais. Vol.1. Rio de Janeiro: Fundação Escola Nacional de Seguros, 1991, p.192. 169

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p.13.

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Há também a possibilidade de esses participantes auferirem, no momento

da aposentadoria, valores superiores àqueles que recebiam na sua fase ativa,

dependendo do desempenho econômico dos planos e da capacidade de poupar de

cada participante. A respeito desse aspecto, expõe Eliane Romeiro Costa170:

O significado “complementar” compreende um modelo paralelo ao básico, destinado a “adicionar” o bem-estar dos trabalhadores. O bem-estar é serviço previdenciário opcional, custeado com contribuições adicionais conforme redação anterior à Emenda Constitucional n. 20. O bem-estar suplementar-privado equivale ao campo não preenchido pelas políticas públicas de seguridade e de previdência social básica. Trata-se da majoração dos benefícios de caráter previdenciário fundados no contrato, como poupança de capitalização ou como conta de capitalização previdenciária.

Outra característica importante é a necessidade de constituição de reservas,

ou seja, a formação de um patrimônio por meio das contribuições vertidas ao plano

pelo participante, pelo patrocinador ou por ambos com a finalidade de honrar os

benefícios contratados.

Os recursos do plano são regidos por rígidas bases atuariais e são

investidos com a finalidade de cumprir com o compromisso de concessão e

manutenção de benefícios previdenciários. O equilíbrio econômico-financeiro e

atuarial171 dos planos de benefícios é pressuposto indispensável para a adequada

segurança dos participantes.

A Lei Complementar n.º 109/01 impõe a necessidade de manutenção do

equilíbrio financeiro e atuarial nos planos de benefícios. Em seu artigo 3º, inciso II,

atribui tal obrigação não apenas aos gestores, patrocinadores e participantes, mas a

todos que atuam no regime de previdência privada, determinando ainda a

observância também pelo Poder Público172.

170

COSTA, Eliane Romeiro. Previdência complementar na seguridade social: o risco velhice e a idade para a aposentadoria. São Paulo: LTr, 2003, p.43. 171

Tal garantia possui correlação com o regime geral, no amplo contexto da Seguridade Social, conforme previsão inserta no artigo 195, §5º, da Constituição Federal, que estabelece a regra da contrapartida, prevendo que nenhum benefício ou serviço será criado, majorado ou estendido sem a respectiva fonte de custeio. 172

Nesse universo, qualquer ato ou fato administrativo público ou privado que acarrete o rompimento dessa equação benefício-reserva, além de contrariar os mencionados dispositivos constitucionais e legais aplicáveis, geraria indevido risco para os planos de benefícios e os seus participantes,

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Outra característica importante dessa espécie de regime previdenciário

consiste na imposição da sua regulamentação por meio de lei complementar173. A lei

complementar encontra-se em plano hierárquico superior às leis ordinárias e

disciplina temas que estas não podem tratar.

Ensina Wagner Balera174:

Deveras, a Constituição de 1988 colocou sob reserva a lei complementar certas e determinadas matérias. Somente por intermédio desse instrumento legislativo se pode inovar na ordem jurídica em certos temas. Como a disciplina constitucional foi exaustiva, segue-se que foi retirada qualquer margem de escolha. O legislador adstrito se acha a cumprir o comando constitucional.

Ademais, a aprovação das leis complementares exige, na esfera do

processo legislativo175, quórum especial e qualificado.

A adesão ao plano de benefícios pelo participante é facultativa176, volitiva

(impondo-se a necessidade de manifestação formal do participante) e contratual. É

formalizada por meio da assinatura da proposta de inscrição, em que o participante

manifesta formalmente seu desejo de aderir ao plano de benefícios, bem como

aquiesce às regras estabelecidas no regulamento, obtendo, se aceito, o certificado

ensejando uma nociva situação de desequilíbrio dos planos de custeio que os sustentam. Cf.: AVENA, Lygia. Características e princípios fundamentais do regime de previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p. 14. 173

“Não há sistema de direito sem hierarquia, pois seria impossível indicar o fundamento de validade das unidades componentes. [...] Há a hierarquia sintática, de cunho eminentemente lógico, assim como há a hierarquia semântica, que se biparte em hierarquia formal e hierarquia material. Aliás, a subordinação hierárquica, no direito, é uma construção do sistema positivo, nunca uma necessidade reclamada pela ontologia objetal. Dito de outra maneira, não é a regulação da conduta, em si mesma, que pede a formação escalonada das normas jurídicas, mas uma decisão que provem do ato de vontade do detentor do poder político, numa sociedade historicamente dada.” CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2008, p.362-363. 174

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p.85. 175

Vide Constituição Federal: “Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.” 176

A facultatividade é característica que acompanha o regramento da previdência privada desde sua origem, estando prevista no artigo 8º da revogada Lei n.º 6.435/77: “É facultativa a adesão do empregado ao Plano de Benefícios instituído pelas Entidades Fechadas de Previdência Privada”.

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de participante, que sela o vínculo jurídico firmado com a entidade de previdência

privada.177

O participante não pode ser obrigado a aderir ao plano de previdência

privada, seja em decorrência do contrato de trabalho, seja em razão da relação

associativa, gozando de plena liberdade de se vincular ou não ao plano. Ademais,

manifestando interesse em aderir ao plano de benefícios, a relação de previdência

privada não implicará nenhuma alteração ou interferência nas relações jurídicas

preexistentes (relação de emprego ou vínculo associativo).

O mesmo ocorre com o patrocinador, que não está obrigado a oferecer um

plano de benefícios aos seus empregados.

A vinculação do participante ou do patrocinador ao plano previdenciário

privado se dá por meio de manifestação de vontade, demonstrando mais uma vez a

regência dessas relações jurídicas pelo direito privado.

O caráter contratual da relação de previdência privada está expressamente

mencionado no caput do artigo 202 da Constituição Federal, ao se referir ao

benefício contratado. O artigo 68 da Lei Complementar n.º 109/01 reitera a

contratualidade existente no vínculo entre participantes, patrocinador e entidade de

previdência privada.

E o parágrafo 2º do artigo 202 da Constituição Federal também se refere às

condições contratuais quando dispõe sobre a desvinculação existente entre o

contrato previdenciário e o contrato de trabalho.

O contrato de previdência privada fechada compreende três sujeitos de

direitos e obrigações, que se vinculam à relação jurídica em momentos sucessivos,

após as respectivas manifestações de vontade178. O vínculo jurídico contratual se

177

Tais documentos, assim como o regulamento do plano de benefícios e o estatuto da entidade de previdência privada, são contratos privados, de adesão, que constituem ato jurídico perfeito – artigo 6º, caput e seu §1º, da LICC e artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. 178

“Tanto as entidades como os planos de benefícios resultam de ato de vontade unilateral do patrocinador, que estabelece em favor de universo fechado de possíveis interessados (os seus

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efetiva quando da adesão dos participantes ao plano de benefícios gerido pela

entidade de previdência privada, formando o denominado negócio jurídico.

O referido instrumento contratual possui natureza de contrato de adesão

atípico, sendo consubstanciado nos regulamentos dos planos de benefícios (aos

quais os participantes aderem por meio de expressa manifestação de vontade),

observadas as regras previstas nos estatutos das entidades, além da legislação

específica do regime previdenciário privado.

Os contratos são classificados como contratos de adesão atípicos em razão

da existência de representação dos participantes e assistidos nos órgãos colegiados

da entidade (especialmente nos Conselhos Deliberativo e Fiscal), que têm por

função, entre outras, aprovar a instituição e a revisão dos regulamentos dos planos

de benefícios, bem como fiscalizar sua correta utilização.

O contrato de previdência em questão é iniciado pela manifestação dos atos

de vontade relativos à criação da entidade fechada, bem como à instituição e

manutenção de no mínimo um plano de benefícios. Na sequência, ocorre a adesão

formal dos interessados em integrar o plano de benefícios, na qualidade jurídica de

participantes.

A relação jurídica entre a entidade de previdência privada e o patrocinador é

formalizada por meio do contrato previdenciário. Todas as relações jurídicas

existentes no negócio de previdência privada são regidas por meio de direito

privado, de acordo com os princípios da autonomia da vontade e da liberdade de

contratar.

As normas que regem a previdência privada são distintas daquelas que

regem a previdência pública oficial. A vinculação entre segurado e regime geral de

previdência social tem origem em lei e rege-se por direito público ante a

compulsoriedade da filiação. Já o regime de previdência privada é operado por meio

empregados, em regra) elenco de benefícios que a eles poderão ser atribuídos, se e quando manifestarem vontade de aderir ao regime de custeio e de outorga e gozo desses mesmos benefícios.” CAZETTA, Luís Carlos. Previdência privada: o regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p.116.

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de entidades fechadas e abertas de previdência complementar. Tais entidades são

figuras de direito privado, assim identificadas pelo regime e pelo gestor estatal da

Seguridade Social.

A natureza privada da entidade de previdência privada não se altera quando

o seu patrocinador trata-se de empresa estatal, conforme doutrina Adacir Reis179:

As entidades fechadas de previdência complementar possuem natureza privada, pouco importando o perfil dos patrocinadores dos planos de benefícios por elas administrados. Assim, o patrocinador do plano previdenciário pode ser uma empresa estatal ou uma autarquia, mas a entidade de previdência será sempre privada.

E continua Luiz Fernando Brum dos Santos180:

[...] mesmo quando o seu patrocinador for um ente público, os recursos geridos pelas entidades fechadas de previdência complementar não podem ser considerados como patrimônio publico.

A atuação das referidas entidades dar-se-á de acordo com os termos

delimitados pelo contrato previdenciário, aqui entendido como o ato constitutivo ou

institutivo, modificável conforme a vontade das partes contratantes.

Como já visto, ambas as espécies de entidades de previdência

complementar – abertas e fechadas – são privadas181 e revestidas de personalidade

jurídica própria, de modo que as relações jurídicas que compõem o regime de

previdência privada têm origem no contrato previdenciário.

A relação jurídica de previdência privada fechada é originalmente

convergente com a relação de emprego, pois, apesar da discussão que se firmou no

179

REIS, Adacir (Org.). Fundos de pensão – Aspectos jurídicos fundamentais. São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2009, p.53. 180

SANTOS, Luiz Fernando Brum dos. A natureza jurídica das entidades fechadas de previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.45. 181

Neste trabalho não estamos abordando as entidades de previdência complementar regulamentas pela Lei Complementar n.º 108/01.

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103

âmbito doutrinário relativa a alguns grupos de trabalhadores vinculados a uma

empresa patrocinadora, o acesso ao plano de benefícios privados somente se dá em

razão da sua condição de empregado.

Preocupado com essa repercussão, o legislador constitucional inseriu o

parágrafo 2º182 ao artigo 202 da Constituição Federal, expressando a autonomia da

relação jurídica trabalhista e da relação jurídica previdenciária183. A relação de

previdência privada, diferentemente da relação empregatícia, está inserta no

Sistema de Seguridade Social. O contrato de trabalho somente influi de modo

indireto na relação previdenciária privada, principalmente quanto ao acesso ao plano

de benefícios patrocinado pelo empregador e gerido pela entidade fechada de

previdência complementar.

A forma de condução ou de extinção da relação de emprego não produz

efeito algum, ainda que indireto, na relação previdenciária. Sobre esse aspecto,

comenta Maria da Glória Chagas Arruda184:

Tendo em vista a desvinculação obrigatória entre a relação jurídica previdenciária e a relação trabalhista, a Secretaria de Previdência Complementar - SPC, por meio do já revogado Ofício Circular n. 5/MPAS/SPC, determinava no item 6 que as disposições de previdência privada complementar não devem ser vinculadas às questões trabalhistas. Portanto, a SPC passou a determinar que é vedada qualquer penalidade imposta ao participante no plano previdenciário que estiver vinculada à natureza da dispensa do empregado. Havia Regulamentos de planos de benefícios administrados por EFPC que previam que em caso de demissão por justa causa do empregado, este, na qualidade de participante, perderia o direito ao benefício previdenciário ou tinha decréscimo de seu valor.

182

O parágrafo 2º do artigo 202 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/98, dispõe que: “As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.” 183

Mesma previsão tem o caput do artigo 68 da Lei Complementar n.º 109/01: “Artigo 68. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.” 184

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.19.

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104

Às entidades de previdência privada é aplicada a legislação específica da

previdência complementar (artigo 202 da Constituição Federal, bem como as Leis

Complementares n.º 108 e 109/01 e as normas editadas pelos órgãos reguladores e

fiscalizadores) e, em caráter subsidiário, a legislação civil e de previdência social,

não se aplicando normas trabalhistas.

Reitere-se que a adesão ao plano de benefícios não é obrigatória, nem

integrante do contrato de trabalho dos participantes. O empregador, embora

patrocinador do plano, não contrata ou se obriga a conceder benefícios de

previdência privada aos seus empregados, sendo esse ônus contratual atribuído

especificamente às entidades de previdência privada. Aspecto também relevante se

refere à desnecessária concomitância entre o contrato de trabalho do participante

com seu empregador (patrocinador) e o contrato previdenciário firmado com a

entidade de previdência privada.185

Outra discussão que se faz presente é a similaridade da relação

previdenciária privada com os contratos de seguros186 de pessoas. Ambas as

espécies de contratos são duradouras, de trato sucessivo e exigem prévia

contribuição dos participantes (ou dos patrocinadores) para que aufiram benefícios

futuros quando concretizado o risco social protegido. Porém, neste estudo temos por

certa a distinção dessas relações jurídicas, pois os planos de benefícios visam a

proteger exclusivamente os riscos sociais (frequentemente os riscos atinentes à

idade, incapacidade e/ou morte), diferentemente dos riscos cobertos pelos seguros,

que também podem ser relativos a “danos” (seguro-automóvel, seguro-residência,

seguro-incêndio etc.). Ademais, as entidades de previdência privada não são

seguradoras187, não estando autorizadas a comercializar nenhuma espécie de

seguro, ainda que referente a pessoas (seguro de vida, por exemplo).

185

O início do vínculo de emprego pode não gerar automaticamente o início da relação de previdência complementar, uma vez que o participante pode aderir ao plano após o início do contrato de trabalho ou pode nunca aderir, por opção. Da mesma forma, o término da relação de emprego não implica cessação da relação previdenciária, podendo o participante permanecer vinculado ao plano de benefícios na condição de autopatrocinado, por exemplo. 186

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 2ª.ed., tomo IV. São Paulo: LTr, 2002, p.37. PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada - Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.273. Os autores discorrem sobre a similaridade da relação de previdência privada e da relação oriunda do seguro de pessoas. 187

Empresa autorizada pela SUSEP a funcionar no Brasil e que, recebendo o prêmio, assume os riscos descritos no contrato de seguro. (Circular SUSEP 306/05)

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105

Importante consignar que as seguradoras que operam exclusivamente no

ramo vida podem operar planos de benefícios da mesma forma que as entidades

abertas de previdência privada, conforme dispõe o artigo 36 e parágrafo único da Lei

Complementar n.º 109/01:

Art. 36. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas. Parágrafo único. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo vida poderão ser autorizadas a operar os planos de benefícios a que se refere o caput, a elas se aplicando as disposições desta Lei Complementar.

As entidades abertas de previdência complementar somente estão

autorizadas a operar planos de benefícios de caráter previdenciário.

Não é demais destacar que grande parte dos planos de benefícios vigentes

atualmente, principalmente aqueles com características de contribuição definida, não

tem caráter mutualista (característica fundamental em qualquer espécie de seguro),

sendo baseados na constituição de reservas individuais de cada participante.

A Lei Complementar n.º 109/01, em seu artigo 2º, refere-se ao caráter

previdenciário dos planos de benefícios:

Artigo 2o O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.

Apesar do “caráter previdenciário” dos planos de benefícios previsto no

artigo supracitado, vale destacar algumas características desses planos que

possibilitam questionar essa definição.

Entendo que apenas os planos de benefício definido seriam puramente

planos de caráter previdenciário, pois se baseiam em regime financeiro de

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106

repartição, com caráter mutualista e solidário188, além de determinarem o valor da

proteção previdenciária no momento da adesão ao plano, concedendo cobertura

concreta e vitalícia às consequências da contingência social materializada. Nos

aludidos planos normalmente existe contribuição do patrocinador em favor dos

participantes (empregador e empregados na relação jurídica de emprego,

respectivamente), em percentual determinado no regulamento do plano de

benefícios, consubstanciando a socialização do capital da empresa patrocinadora, o

que pode ser entendido como a realização do princípio da solidariedade na busca do

bem-estar e da justiça social.

Cabe lembrar que, no momento de adesão ao plano de benefício definido, o

participante já tem condições de conhecer o valor aproximado do benefício que

receberá no futuro, uma vez que, na maioria das vezes, o valor refere-se a um

percentual do seu último salário de contribuição (equivalente à remuneração oriunda

da relação de emprego) ou a uma fórmula de fácil entendimento.

Já os planos de contribuição definida, apesar da definição legal do caráter

previdenciário, parecem mais próximos do caráter financeiro, já que se baseiam em

regime financeiro de capitalização, constituindo reservas individualmente

consideradas, além de estipularem benefícios atrelados especificamente às reservas

individuais de cada participante, que não necessariamente cobrirão

satisfatoriamente as necessidades do assistido de forma vitalícia a partir do

momento da concretização do risco social. Acrescente-se que o plano de

contribuição definida (ou de contribuição variável, se estiverem presentes as

mesmas características) permite que o participante o utilize como mera ferramenta

de investimento, constituindo-se como aplicação financeira de curto prazo,

almejando a concretização de objetivos distintos daqueles relacionados ao Sistema

de Seguridade Social, como a compra de um automóvel, a realização de uma

viagem ou o pagamento de um curso.

188

Características não obrigatórias no regime de previdência privada.

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107

Apesar do exposto, temos que a natureza jurídica previdenciária dos planos

de benefícios afetos ao regime de previdência privada deve ser interpretada à luz de

sua finalidade.

O parágrafo único do artigo 7º da Lei Complementar n.º 109/01, com

disposições comuns aos planos operados por entidades abertas e por entidades

fechadas de previdência complementar, determina que o órgão regulador

normatizará os planos de benefícios nas modalidades BD - benefício definido, CD -

contribuição definida e CV - contribuição variável, bem como outras espécies de

planos que reflitam evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de

previdência complementar. A lei indica que as modalidades de planos de benefícios

existentes não esgotam a evolução das relações sociais e técnicas previdenciárias,

existindo espaço para a criação de outros modelos que possam garantir a

maleabilidade do regime complementar.

Inexiste qualquer indicação legislativa ou infranormativa de que as

características dos planos de benefícios (BD, CD ou CV), de seu rol de benefícios ou

ainda das formas de pagamento (valor ou prazo) sejam determinantes à

configuração do caráter previdenciário dos planos de benefícios instituídos e geridos

pelas entidades de previdência complementar.

Paulo César dos Santos189 tece considerações sobre o assunto:

[...] O Regime de Previdência Complementar está fundamentado no regime financeiro de capitalização, ou seja, deve haver contribuições (financeiras) que serão investidas no mercado financeiro e de capitais para acumulação de recursos (financeiros) para que haja a cobertura (financeira) das reservas matemáticas, calculadas com o uso de técnicas matemáticas, estatísticas, probabilísticas e financeiras. Portanto, qualquer que seja a modalidade de plano, o aspecto financeiro é inerente desde o seu nascedouro até o momento do pagamento dos benefícios, que são financeiros.

189

SANTOS, Paulo César dos. O caráter previdenciário dos planos de benefícios. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.67.

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Houve nítida alteração da ótica legislativa em relação ao objeto das

entidades de previdência privada se considerada a previsão da Lei n.º 6.435/77. A

revogada lei previa, de forma objetiva, que as entidades previdenciárias tinham por

objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas

complementares ou assemelhados àqueles concedidos pelo regime geral de

previdência social, admitindo a aplicação subsidiária da legislação de previdência

social na sua regulação190.

Os princípios constitucionais e a legislação vigente preveem o caráter

complementar do regime de previdência privada (e não da renda), o caráter

contratual do benefício, bem como a sua autonomia em relação à previdência

básica, permitindo aos participantes e aos patrocinadores a liberdade de contratar

ou não os planos de benefícios, que terão cada qual suas características próprias,

impondo as espécies de benefícios disponíveis, a forma de aquisição desses

direitos, o custeio do plano, não havendo prescrição de benefícios assemelhados ou

complementares àqueles do regime geral.

Considerando que (i) a previsão constitucional do regime de previdência

privada encontra-se inserta no Título VIII - Da Ordem Social, e não no Título VII - Da

Ordem Econômica e Financeira (artigo 202); (ii) o regime de previdência privada é

complementar ao regime geral de previdência social; (iii) o regime de previdência

privada é autônomo em relação ao regime geral de previdência social; (iv) qualquer

das modalidades de planos de benefícios implica a constituição de reservas que

garantam o benefício contratado; (v) todos os planos de benefícios são contributivos,

sendo os aportes vertidos pelos participantes, pelos patrocinadores ou por ambos;

(vi) trata-se de ação preventiva e volitiva do patrocinador ou do instituidor a iniciativa

de criar planos de benefícios a serem disponibilizados aos seus empregados ou aos

seus associados, com a finalidade de garantir a sua qualidade de vida futura, num

190

Lei n.º 6.435/77, artigo 36 - “As entidades fechadas serão reguladas pela legislação geral e pela legislação de previdência e assistência social, no que lhes for aplicável, e, em especial, pelas disposições da presente Lei.”

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momento de incapacidade laboral; (vii) o participante que aderiu voluntariamente ao

plano utilizará seus recursos acumulados para satisfazer suas necessidades futuras

(que serão diferentes em cada época da sua vida, divergindo de participante para

participante); pode-se concluir que, independentemente da modalidade do plano de

benefícios contratado, estar-se-á diante de um plano de caráter previdenciário.

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PARTE IV – REGIMES FINANCEIROS

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CAPÍTULO VI – REGIMES FINANCEIROS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS DAS

ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

As entidades de previdência privada podem adotar, a critério do atuário, um

ou mais regimes financeiros para os seus planos de benefícios.

Regime financeiro pode ser conceituado como o método técnico empregado

pelo atuário para prover os recursos necessários (nível e épocas de realização das

contribuições) para cumprimento das obrigações assumidas (benefícios garantidos)

pelo regulamento do plano de benefícios.

Marília Vieira Machado da Cunha Castro191 denomina “regimes financeiros

os diferentes conceitos adotados para financiamento do compromisso do plano, isto

é, definição das contribuições necessárias à cobertura das despesas com o

pagamento do benefício e de sua administração”.

O custo dos benefícios é mantido independentemente do regime financeiro

utilizado, sendo certo que se demuda a configuração da aplicação das contribuições

vertidas ao plano.

Os regimes financeiros devem ser adotados dentro de padrões estabelecidos

para assegurar transparência, solvência, liquidez, equilíbrio econômico, financeiro e

atuarial192, a fim de garantir segurança no plano de benefícios das entidades de

previdência privada aos participantes.

Sobre o assunto, explica Sebastião S. Póvoas193:

No caso de uma entidade de previdência privada, depois de ter estruturado um plano previdenciário, isto é, ter considerado as

191

CASTRO, Marília Vieira Machado da Cunha. Alguns conceitos atuariais. In: REIS, Adacir (Org.). Fundos de Pensão em Debate. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.147. 192

Vide artigo 1º da Resolução MPS/CGPC n.º 18/06, que estabelece parâmetros técnico-atuariais para estruturação de plano de benefícios de entidades fechadas de previdência complementar e dá outras providências. 193

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada – Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.173-4.

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necessidades previdenciárias de uma população que achou de interesse satisfazer, ter definido os benefícios que as satisfarão, as condições em que os concederá, etc., ela terá de definir o custo de tal plano e, mais do que isso, ela terá de definir a forma de conseguir os recursos indispensáveis para o suportar. [...] Estas normas são estabelecidas pelo atuário, segundo o critério que entenda melhor, para que a entidade consiga da forma mais objetiva e acessível, os recursos para o desenvolvimento do plano. Esses critérios não são livremente escolhidos, mas determinados pela norma do órgão normativo e constituem os regimes financeiros.

No Brasil, atualmente, são utilizados três regimes financeiros, quais sejam: o

de repartição simples, o de repartição de capitais de cobertura e o de capitalização –

todos com o objetivo de manter o equilíbrio financeiro e atuarial do plano

previdenciário.

É importante conhecer as características de tais regimes financeiros, uma

vez que demonstram a forma e a extensão da proteção almejada pelos planos de

benefícios.

6.1 REGIME FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO SIMPLES

O regime de repartição simples consiste em um regime orçamentário, ou

seja, divide-se o valor das contribuições vertidas pelos participantes em favor das

despesas originadas pelo pagamento de benefícios em manutenção no mesmo

período.

Deve esse regime ser estruturado de forma que o cálculo atuarial determine

uma expressão para as contribuições cobradas e capitalizadas num exercício

econômico que corresponda à expressão dos benefícios que se prevê que sejam

constituídos e pagos nesse mesmo exercício194.

194

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada – Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.175.

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Nos termos da Resolução MPS/CGPC n.º 18/06, é admitida a adoção do

regime financeiro de repartição simples para benefícios pagáveis por invalidez, por

morte, por doença ou por reclusão, todos na forma de pagamento único, bem como

para benefícios cujo evento gerador seja doença ou reclusão e em que a concessão

seja sob a forma de renda temporária de até cinco anos.

No regime de repartição simples não se prevê a formação de reservas ou de

provisão matemática a ser direcionada ao pagamento de benefícios futuros, sendo

voltado para o financiamento de benefícios de curta duração. Recomenda-se que os

valores das despesas estejam estáveis no período considerado, evitando assim o

desequilíbrio econômico-financeiro do plano de benefícios.

É possível identificar o princípio da solidariedade nesse modelo de regime

financeiro, já que o grupo contribuinte protegido responsabiliza-se pelo pagamento

das despesas relativas ao grupo em gozo de benefícios.

Normalmente, os regimes de previdência pública adotam o regime de

repartição simples, que é conhecido como “pacto de gerações”. Considerando as

recentes mudanças demográficas mundiais, é necessário utilizá-lo com restrições,

mormente em razão do aumento da ancianidade da população, da majoração da

expectativa de vida e da diminuição da taxa de natalidade, de forma que, no futuro

próximo, a população inativa tende a ser igual ou maior se comparada com a

população ativa que verterá contribuições para o regime previdenciário, gerando

possível desequilíbrio econômico-financeiro.195

Nesses planos de benefícios fundados em regime financeiro de repartição

simples, normalmente inexiste a previsão do instituto do resgate.

195

“[...] o regime de repartição simples, também chamado de „pay as you go‟ (PAYGO), constitui um sistema previdenciário que não acumula fundos e está baseado em equilíbrios orçamentários de períodos, no qual o montante das contribuições equivale ao montante dos benefícios. Isso implica que a razão de dependência, razão entre beneficiários e contribuintes seja igual à razão ente taxa de contribuição e taxa de benefícios [...].” PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas de Previdência Social, 2007, p.49.

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6.2 REGIME FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO DE CAPITAL DE COBERTURA

Diferentemente do regime de repartição simples, no regime de repartição de

capital de cobertura devem ser constituídas reservas para atender aos benefícios

concedidos no período, bem como para honrar obrigações futuras relativas a

eventos ocorridos no mesmo exercício financeiro.

Nos termos da Resolução MPS/CGPC n.º 18/06, é admitida a adoção do

regime financeiro de repartição de capital de cobertura para benefícios pagáveis por

invalidez, por morte, por doença ou por reclusão e cuja concessão esteja estruturada

na forma de renda.

O regime de repartição de capitais de cobertura, ao contrário do regime de

repartição simples, prevê as receitas não apenas para cobrir as despesas do

exercício financeiro corrente, mas também para a constituição de provisões que, se

corretamente investidas, serão capazes de assegurar a continuidade futura dos

pagamentos mensais de benefícios concedidos no início do plano. Os benefícios a

conceder, porém, não podem ser garantidos.196

Nos planos de benefícios fundados em regime financeiro de repartição de

capital de cobertura, normalmente inexiste a previsão do instituto do resgate.

6.3 REGIME FINANCEIRO DE CAPITALIZAÇÃO

No regime de capitalização, cada geração constitui suas próprias reservas

para suportar o pagamento dos seus próprios benefícios. O cálculo das

contribuições deve ser feito considerando o conjunto de inscritos no plano e de

forma que o valor arrecadado, devidamente capitalizado, seja suficiente para o

pagamento das rendas de cada um dos beneficiários no momento adequado.

196

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência aberta como relação de consumo. São Paulo: LTr, 2004, p.81.

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Nesse modelo, os recursos do plano de benefícios devem ser

dimensionados para o pagamento dos benefícios concedidos e a conceder, ou seja,

o custeio é calculado a longo prazo.

Esse regime financeiro não é desestabilizado em razão das alterações

demográficas, haja vista que são considerados os recursos individualmente vertidos

ao plano de benefícios.

Nesse caso, não se faz presente o princípio da solidariedade, já que cada

participante é responsável pelo seu benefício futuro.

Nesse regime financeiro os investimentos são afetados pela variação das

taxas de juros197 e pelo aumento da expectativa de vida, considerando o número de

contribuições vertidas ao plano e o número de benefícios que se pretende receber

no futuro.

Nos termos da Resolução MPS/CGPC n.º 18/06, é admitida a adoção do

regime financeiro de capitalização nas diversas modalidades de planos de

benefícios, sendo sua aplicação obrigatória para financiamento dos benefícios que

sejam programados e continuados, e facultativa para os demais, sejam em forma de

renda ou de pagamento único. Mesma imposição pode ser verificada no artigo 18,

parágrafo 1º, da Lei Complementar n.º 109/01:

Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador. §1º. O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.

197

A variação das taxas de juros afeta diretamente o regime de capitalização porque, quanto maior for a taxa, mais célere será a constituição do fundo direcionado para o pagamento dos benefícios futuros.

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Os planos de benefícios fundados em regime financeiro de capitalização, por

suas particularidades, normalmente preveem o instituto do resgate das contribuições

vertidas pelos participantes.

Importante ressaltar que, para os planos de benefícios em extinção, o

método de financiamento dos recursos não poderá considerar a hipótese de

admissão de novos participantes para o custeio do plano, sendo possível realizar

avaliação atuarial periódica para verificação das taxas de contribuição necessárias

em face das peculiaridades consignadas.

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PARTE V – ASPECTOS TÉCNICOS JURÍDICOS DA MIGRAÇÃO ENTRE

PLANOS DE BENEFÍCIOS NO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

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CAPÍTULO VII – PLANOS DE BENEFÍCIOS

Por plano de benefícios198 entende-se o conjunto de regras definidoras de

benefícios de caráter previdenciário, comum à totalidade dos participantes a ele

vinculados, com independência patrimonial, contábil e financeira em relação a

quaisquer outros planos. Em outras palavras, trata-se de um conjunto de direitos e

obrigações direcionados para a concessão futura de benefícios de cunho

previdenciário, de forma seletiva ou generalizada, bem como de relações jurídicas

estabelecidas entre entidades de previdência privada, seus participantes e assistidos

(e patrocinadores ou instituidores, se for o caso), para atender a um grupo de

pessoas coletiva ou individualmente considerado, possuindo independência

patrimonial, contábil e financeira entre si.

Os planos de benefícios são criados com a finalidade de constituir reservas

para o pagamento futuro dos benefícios contratados pelos participantes.

As empresas estatais e privadas desenvolvem importante papel de proteção

social em relação aos seus dirigentes e empregados ao disponibilizar a possibilidade

de adesão aos planos de benefícios, com o intuito de complementar os benefícios

previdenciários estatais, garantindo o bem-estar e a qualidade de vida desses

potenciais assistidos no futuro199.

Conceitua Roberto Eiras Messina200:

[...] um plano de benefícios de natureza previdenciária corresponde a uma conta de passivo que, ao longo do tempo, tenderá à anulação por meio do constante ingresso de recursos e que culminará com o encerramento no atendimento da massa de beneficiários prevista, que também tende à extinção.

198

O conceito do plano de benefícios estava previsto no art. 2º, inciso VII, do Decreto n.º 4.206/02, que regulamentou a Lei Complementar n.º 109/01. Referida norma encontra-se revogada pelo Decreto n.º 4.942/03, que não trata dessa definição. 199

Além de garantir a retenção de mão de obra qualificada, incentivando a permanência dos profissionais nas empresas patrocinadoras, situação que gera economia em treinamentos e rescisões, bem como o estabelecimento de relações de confiança e fidelidade mútuas. 200

MESSINA, Roberto Eiras. Independência Patrimonial dos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar: uma realidade! In: REIS, Adacir (Org.). Fundos de pensão – Aspectos jurídicos fundamentais. São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2009, p.152.

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119

Os planos de benefícios, em geral, considerando o caráter complementar

disposto constitucionalmente, oferecem aos seus participantes benefícios similares

ou complementares àqueles previstos no regime geral de previdência social,

principalmente voltados à proteção das consequências oriundas da concretização

dos riscos sociais relacionados à idade avançada e à morte.

Os planos de benefícios são disponibilizados para grupos de pessoas

coletiva ou individualmente consideradas, para atender, de forma generalizada ou

seletiva, às suas necessidades previdenciárias.

Tais planos são mais onerosos quanto mais generosos forem os benefícios

oferecidos e suas condições de elegibilidade. Planos com benefícios de valores mais

elevados ou concedidos mediante atingimento de menor idade, por exemplo, geram

a necessidade de custeio mais elevado.

O custeio desses planos pode ser suportado exclusivamente pelos

participantes ou pelos patrocinadores, ou ambos podem dividir os encargos201. Em

regra, os aportes relativos ao custeamento dos planos de benefícios são mensais.

Entretanto, podem existir planos que permitam, isolada ou conjuntamente, aportes

esporádicos ou aporte único.

Normalmente os planos ora estudados preveem benefícios que buscam

minimizar as consequências da concretização de um risco social202, especialmente a

201

A Lei Complementar n.º 108/01 proíbe que os entes públicos vertam contribuições maiores que as contribuições dos participantes nos planos de previdência privada: “Artigo 6

o O custeio dos planos de

benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos. § 1o A

contribuição normal do patrocinador para plano de benefícios, em hipótese alguma, excederá a do participante, observado o disposto no artigo 5

o da Emenda Constitucional n

o 20, de 15 de dezembro

de 1998, e as regras específicas emanadas do órgão regulador e fiscalizador. § 2o Além das

contribuições normais, os planos poderão prever o aporte de recursos pelos participantes, a título de contribuição facultativa, sem contrapartida do patrocinador. § 3

o É vedado ao patrocinador assumir

encargos adicionais para o financiamento dos planos de benefícios, além daqueles previstos nos respectivos planos de custeio.” 202

Léo do Amaral Filho explica que “de nada adianta oferecer um grande rol de benefícios de valores elevados, se o seu cumprimento pode ser ameaçado. O aspecto racional deve prevalecer sobre o emocional, pois estamos tratando de recursos e o futuro de muitas pessoas. Mais vale a certeza de receber um benefício mais limitado do que a incerteza de receber muito, pelo menos quando se está tratando de Previdência”. AMARAL FILHO, Léo do. Tendências nos desenhos de planos de previdência complementar. Boletim de Previdência Complementar. Brasília, b. 1, n.º 5, s/d, p. 8-10.

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idade avançada (aposentadoria por idade), que pode ou não estar associada com o

tempo de vínculo empregatício mantido com a empresa patrocinadora do plano.

Alguns planos também disponibilizam aos seus participantes benefícios de

risco, assim denominadas as prestações devidas em razão da morte do participante

ou da constatação de sua incapacidade total e permanente (funcional ou laborativa,

conforme o regulamento de cada plano).

Após a promulgação da Emenda Constitucional n.º 20/98 e da nova redação

do artigo 202 da Constituição Federal203, foi imposta a autonomia entre as regras de

concessão de benefícios da previdência privada e as regras da previdência pública

oficial, assim como a concessão daqueles independe da concessão destes. Apesar

de se tratarem de regimes previdenciários autônomos, muitas vezes as regras de

concessão de benefícios da previdência privada são muito semelhantes às regras do

regime geral de previdência Social, especialmente no âmbito da previdência

complementar fechada.

As entidades de previdência privada estruturam planos de benefícios

buscando atender às necessidades coletivas do grupo de participantes que será

protegido, sempre observando os parâmetros impostos pelos órgãos regulador e

fiscalizador.

Independentemente da estrutura jurídica da entidade de previdência

complementar204, é imprescindível que os planos de benefícios administrados sejam

engendrados em firmes bases atuariais.

A relação jurídica é triangular, sendo constituída pelo patrocinador (ou

instituidor), por cada participante e pela entidade de previdência privada.

Os planos de benefícios constituem um patrimônio coletivo que pertence ao

grupo protegido. Ensina Ivy Cassa205:

203

E do parágrafo 2º do artigo 68 da Lei Complementar n.º 109/01. 204

Seja entidade aberta ou fechada, com finalidades lucrativas ou não. 205

CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP Ed., 2009, p.150.

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Plano é um patrimônio coletivo (reserva matemática) adstrito a uma relação previdenciária que se estabelece entre a patrocinadora, a EFPP e os participantes. Tem como titular uma pluralidade de pessoas que não se encontram em uma relação de união ou associação personificada de forma especial. Em outras palavras, tem-se aqui uma pluralidade que não deu lugar à formação de pessoa jurídica nova, independente da reunião de pessoas.

As regras relativas aos planos de benefícios, em todos os seus aspectos,

estão consolidadas no seu regulamento, que é o instrumento jurídico que disciplina

os direitos e as obrigações das partes. O regulamento de cada plano, aprovado pelo

órgão fiscalizador, deve conter minimamente:

(i) a modalidade do plano (benefício definido, contribuição definida ou

contribuição variável);

(ii) as condições de admissão dos participantes;

(iii) as formas e regras de participação no custeio administrativo do plano

(participante, patrocinador e/ou assistido);

(iv) as espécies de benefícios oferecidas pelo plano, com as respectivas

formas de cálculo (aposentadoria, pensão ou outros);

(v) os requisitos de elegibilidade para fazer jus ao recebimento dos benefícios

(idade, incapacidade, tempo de vinculação ao plano, número mínimo de

contribuições, morte ou outros);

(vi) as formas de pagamento dos benefícios (pagamento mensal ou único,

vitalício ou por prazo determinado, atuarial ou financeiro ou outros);

(vii) as condições de perda da qualidade de participante do plano;

(viii) as formas de revisão dos valores dos benefícios e das contribuições;

(ix) os institutos; e

(x) as formas de extinção do benefício (morte do participante ou do assistido,

término da reserva matemática, término do prazo determinado ou outros).

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As referidas informações devem ser descritas em linguagem simples e

precisa206 e ser acessíveis a todos os participantes e assistidos, restando atendidos

os princípios da transparência e do acesso à informação, garantias previstas no

artigo 202, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Quando um potencial futuro participante decide aderir a um plano de

benefícios, consigna seu desejo por meio do preenchimento da proposta de

inscrição, que será analisada pela entidade de previdência privada. O documento

que formaliza a aceitação do participante no plano de benefícios pela entidade de

previdência privada é denominado “certificado de participante” e deve ser entregue

ao participante juntamente com o regulamento do plano207. Tal certificado indica os

requisitos que regulam a admissão e a manutenção do participante nesta condição

em relação ao plano de benefícios, bem como os requisitos de elegibilidade e forma

de cálculo dos benefícios.

Entre as modalidades possíveis de planos de benefícios208, três espécies

estão previstas na Lei Complementar n.º 109/01209: benefício definido (BD),

contribuição definida (CD) e contribuição variável (CV).

Esses planos de benefícios têm o intuito de proteger seus participantes em

relação à concretização de certos riscos sociais potencialmente semelhantes às

contingências amparadas pelo regime geral, sem existir, entretanto, coincidentes

espécies de benefícios.

Passa-se a seguir a analisar detalhadamente as três modalidades de planos

de benefícios.

206

Artigo 10, §1º, II, da Lei Complementar n.º 109/01. Em razão desse comando, a Resolução CGPC n.º 8, de 19/02/2004, determinou que todos os regulamentos contenham um glossário que, por meio de linguagem simples, clara e objetiva, permita aos participantes e assistidos entenderem os termos técnicos utilizados nas regras dos planos de benefícios. 207

Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados de participantes condições mínimas a serem fixadas pelo órgão regulador e fiscalizador (artigo 10 da Lei Complementar n.º 109/01) 208

Normatizados pela Resolução CGPC n.º 16, de 22/11/2005. 209

Artigo 7º, parágrafo único: “O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.”

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7.1 PLANOS DE BENEFÍCIO DEFINIDO (BD)

Historicamente, essa espécie de plano de benefícios é a adotada na maior

parte dos regimes previdenciários oficiais básicos. Em suma, são planos coletivos e

mutualistas que almejam oferecer aos seus participantes segurança e tranquilidade

no futuro.

Os planos estruturados na modalidade de benefício definido (BD) se

caracterizam por previamente determinar os valores dos benefícios a que

potencialmente terão direito os participantes.

No momento da contratação do plano é fixado o valor do benefício, que

poderá ser traduzido em um percentual a ser aplicado ao último salário de

contribuição do participante antes do recebimento do benefício, ou por meio de uma

fórmula matemática ou atuarial descrita no regulamento do plano.

É comum que os valores dos benefícios nesses planos dependam do nível

salarial dos participantes ativos. Alguns planos ainda podem utilizar o valor do

benefício concedido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)210 como uma

das variáveis utilizadas na fórmula de cálculo.

Oportuno ressaltar que a utilização do valor do benefício público oficial no

cálculo do benefício oriundo da previdência privada era legítimo sob a égide da Lei

n.º 6.435/77, uma vez que o regime de previdência privada era complementar ao

210

O regime de previdência complementar é autônomo em relação ao regime geral de previdência social, de forma que a concessão de benefícios decorrentes daquele regime independe da concessão de benefícios pelo regime oficial. Entretanto, ainda existem planos que utilizam o valor do benefício público oficial na fórmula de cálculo do benefício de previdência privada (vale lembrar que estamos tratando de participantes vinculados a entidades fechadas, de forma que, se não a totalidade, a grande maioria dos participantes são segurados obrigatórios do regime geral). Se no momento da obtenção do benefício no plano de previdência privada o participante ainda não preencheu os requisitos de elegibilidade do benefício público, utilizar-se-á um valor aproximado como parâmetro (calculado conforme previsto na Lei nº. 8.213/91), que será adequado no momento da concessão efetiva do benefício público.

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regime geral de previdência social211. Atualmente212, a concessão dos benefícios

dos planos BD está desvinculada da concessão do benefício pelo regime geral de

previdência social, assumindo a forma de benefício previdenciário adicional, que

pode ser concedido a partir do momento em que o participante preenche todos os

requisitos de elegibilidade previstos no regulamento do plano de benefícios.

No âmbito doutrinário, Maria da Glória Chagas Arruda213 preleciona:

[...] A desvinculação do valor do benefício pago pela EFPC em relação ao benefício concedido no âmbito do RGPS não descaracteriza o plano como sendo de benefício definido. A maioria dos planos operados por EFPC excluiu a vinculação do benefício pago pela EFPC ao valor do benefício recebido em razão da inscrição do assistido ao RGPS. Porém, vincula o limite do valor do benefício a ser pago pela EFPC a determinado valor inserto no Regulamento do plano, geralmente, na forma de variável denominada de unidade previdenciária. Tal unidade corresponde a determinado valor que será corrigido com base em índice de preço fixado no Regulamento do plano previdenciário. Desse modo, o valor do benefício previdenciário a ser pago pela EFPC poderá corresponder à seguinte fórmula: média aritmética do valor recebido pelo assistido do patrocinador nos últimos 12 meses subtraído dez vezes o valor da unidade previdenciária.

É notória a complexidade desse modelo quanto à individualização do direito

previdenciário de cada participante em relação ao plano. Tal dificuldade se dá pois a

estrutura dos planos de benefício definido está normalmente associada ao regime

financeiro de repartição simples ou de simples partição, em que o volume das

quantias arrecadadas no período é utilizado para o pagamento das prestações

devidas aos assistidos no mesmo período.

O patrimônio acumulado com as contribuições dos patrocinadores e/ou dos

participantes não é alocado em contas individuais, mas compõe um plano mutualista

em que o valor do benefício é uma variável independente, previamente estabelecido

pelo regulamento do plano, e a contribuição, uma variável dependente, que fica em

211

Artigo 34 da Lei n.º 6.435/77: “As entidades fechadas consideram-se complementares do sistema oficial de previdência e assistência social, enquadrando-se suas atividades na área de competência do Ministério da Previdência e Assistência Social.” 212

Após a publicação da Lei Complementar n.º 109/01. 213

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.101, nota 67.

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aberto, sendo determinada anualmente pelo plano de custeio, de forma que seja

suficiente para financiar os benefícios futuros214.

A estrutura do plano é definida por meio de cálculos atuariais que combinam

variáveis probabilísticas e financeiras, devendo o patrocinador do plano oferecer à

entidade de previdência privada dados biométricos e sociais precisos dos

participantes para que seja possível o correto cálculo do valor a ser arrecadado para

o custeio do benefício contratado.

Gushiken215 explica:

Os planos coletivos, solidários e mutualistas, os da modelagem Benefício Definido, introduzem complexidade monumental na determinação do direito previdenciário individual. [...] o Custo dos Benefícios de um plano previdenciário é calculado segurado por segurado e beneficio por beneficio e gera uma alíquota de contribuição mensal única para todos os seus participantes que, obviamente, podem possuir custos individuais diferenciados. Sendo assim, os participantes acabam por gerar mais recursos ao plano do que seriam necessários individualmente, e outros menos, porém, justamente em razão da adoção de solidariedade entre eles, no total os valores se fecham, isto é, os recursos gerados por todos os participantes equivalem ao custo total de todos participantes, mesmo que individualmente essa correspondência não exista.

Já o valor das contribuições a serem vertidas ao plano no decorrer do

período de acumulação será definido atuarialmente, utilizando-se variáveis

probabilísticas e financeiras, observadas as bases técnicas estabelecidas pelo órgão

regulador216.

214

PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas de Previdência Social, 2007, p.84. 215

GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.141. 216

O atuário do plano conjugará os dados biométricos e sociais fornecidos pelo patrocinador com as bases técnicas do plano e a descrição dos benefícios previstos no regulamento para calcular o valor da contribuição devida ao plano pelo participante e/ou pelo patrocinador para garantir o equilíbrio atuarial do plano de benefícios.

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O custeio do plano em relação a cada participante oscilará conforme a idade

de ingresso no plano, a expressão monetária do benefício futuro contratado e o

tempo que decorrerá até a aposentadoria.

As contribuições são determinadas de forma a propiciar que o patrimônio

constituído assegure o benefício definido quando da adesão do participante ao plano

de benefícios.

Nessa modalidade de plano podem ocorrer desequilíbrios entre os valores

acumulados de contribuições (ativo patrimonial) e os benefícios a serem pagos

(provisões matemáticas ou passivo), caracterizados como déficit ou superávit217.

Adacir Reis218 ensina:

O plano na modalidade benefício definido é aquele no qual o participante sabe de antemão o quanto receberá de benefício, embora não saiba exatamente o quanto vai pagar, já que esse valor poderá variar de acordo com o plano anual de custeio, podendo diminuir ou aumentar a contribuição a partir da constatação e superávit (artigo 20) ou déficit (artigo 21). Em outras palavras, no plano de benefício definido a contribuição é indefinida, mas o valor do benefício é previamente definido na data de vinculação do participante ao plano, calculado com base em regras estipuladas em regulamento e geralmente vinculadas ao salário da ativa ou à média extraída de um período de contribuição que antecede a aposentadoria.

O plano de benefício definido assegura ao participante um valor final para o

benefício, independentemente das oscilações nos elementos que compõem sua

base atuarial.

A definição do valor futuro do benefício pressupõe a simulação de cenários

futuros, ao longo do tempo e por toda a existência do plano, considerando a

ocorrência de vários fenômenos, num esforço matemático e atuarial de previsão de

217

O segurado nunca responde individualmente por qualquer resultado negativo do plano nem se apropria individualmente dos resultados positivos. Tudo é absorvido pelo próprio plano, que depois efetua a respectiva diluição entre todos os seus integrantes, de acordo com os critérios previamente estabelecidos (caráter solidário e mutualista). GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.37 218

REIS, Adacir (Org.). Fundos de Pensão em Debate. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.20.

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acontecimentos incertos, por meio de diversas hipóteses específicas. Tais hipóteses

são formuladas conjuntamente pelos atuários e pelos gestores das entidades de

previdência privada e são baseadas em experiências estatísticas (longevidade,

mortalidade, invalidez etc.), nas políticas de recursos humanos das empresas

patrocinadoras (que consideram taxas de rotatividade, políticas de cargos e salários,

planos de carreira etc.) e nas expectativas econômico-financeiras.

Os valores das contribuições e dos benefícios pagos durante a vigência do

contrato previdenciário serão ajustados monetariamente nos períodos e pelos

índices de correção fixados no regulamento do plano de benefícios. Por ser baseado

em regime de repartição simples, é imprescindível a pontualidade dos aportes

vertidos ao plano, sem os quais a entidade de previdência não poderá continuar com

a responsabilidade assumida219.

Os riscos decorrentes das oscilações (demográfica e econômica escolhidas

previamente) são do plano, ou seja, o participante jamais responde pelos riscos

individualmente, dividindo-o com os demais participantes220, de acordo com as

regras preestabelecidas no regulamento.

As principais características dos planos de benefício definido são a

solidariedade e o mutualismo, haja vista que os cálculos são efetuados

considerando sempre o total da massa de participantes221.

Sob o ponto de vista atuarial, doutrina Marília Vieira Machado da Cunha

Castro222:

219

No caso de inadimplência, a entidade de previdência privada não teria condições de pagar os benefícios contratados. 220

A divisão dos riscos com os demais participantes implica alteração dos valores das contribuições vertidas ao plano de benefícios, que podem ser majoradas em situação de déficit atuarial ou reduzidas, no caso de superávit. 221

Permite o surgimento de “mutualismos perversos”, mediante os quais os segurados de menor renda subsidiam indiretamente os segurados que têm maiores salários e, ainda, os segurados que têm uma carreira menos privilegiada, igualmente, custeiam os benefícios daqueles bem-sucedidos. GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p 37. 222

CASTRO, Marília Vieira Machado da Cunha. Alguns conceitos atuariais. In: REIS, Adacir (Org.). Fundos de Pensão em Debate. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.145.

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Os benefícios concebidos no regime de benefício definido têm o equilíbrio atuarial calcado no coletivo, havendo total solidariedade entre os participantes, ficando privilegiado o conceito de previdência, do direito ao benefício respaldado por um patrimônio coletivo que deve ter como destinação o pagamento dos benefícios oferecidos, desde que observadas as condições inicialmente previstas. Por esse motivo, não ocorrendo as condições previstas no regulamento do plano, mesmo que o participante tenha efetuado contribuições por um longo período, nenhum valor será devido ao participante ou ao beneficiário. Podemos exemplificar essa situação como o participante que contribui durante 30 anos, não preenche todas as condições para a aposentadoria e falece. Não tendo havido a inscrição de nenhum dependente, nada deveria ser devido aos seus herdeiros ou beneficiários não inscritos, porque dessa forma estava sendo previsto nos cálculos atuariais. As contribuições vertidas por esse participante devem continuar vinculadas ao plano, para garantia dos benefícios a conceder aos demais participantes ou beneficiários.

Nessa modalidade de plano de benefícios, normalmente os participantes e

os patrocinadores efetuam aportes para a formação da reserva que sustentará o

pagamento de benefícios programáveis e de riscos. Os benefícios programáveis são

aqueles que permitem prever, no regulamento do plano, os seus requisitos de

elegibilidade, de forma que conduzam a uma data certa para início do pagamento.

São exemplos de benefícios programáveis as aposentadorias por tempo de serviço,

especial, por idade (velhice) e proporcional ou antecipada.

Já os benefícios de risco (ou não programáveis) são aqueles em que o início

da prestação está vinculado à concretização de uma contingência social (evento

futuro e aleatório), que pode ocorrer a qualquer momento (ou nunca ocorrer),

expondo os participantes e/ou seus beneficiários a situações de necessidade, uma

vez desprovidos de capacidade laborativa suficiente para manter o próprio sustento

e o da família. São exemplos de benefícios de risco a aposentadoria por invalidez, o

pecúlio por morte e a pensão.

A estrutura de custeio desses planos é extremamente complexa e exige

constantes alterações decorrentes das modificações das projeções atuariais. Os

custos são muito elevados nos planos de benefício definido, pois, além dos riscos

decorrentes da gestão e dos investimentos financeiros, os assistidos podem ser

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titulares de benefícios por um período de tempo muito superior àquele estimado no

desenho inicial do plano, levando ao desequilíbrio atuarial (déficit).

Importante lembrar que os contratos de previdência privada são contratos de

longo prazo223, na medida em que têm determinada a data de início da relação

jurídica, mas não os seus parâmetros finais, já que a expectativa de vida dos

assistidos não é igual. Trata-se de contrato previdenciário firmado entre a entidade

de previdência e o patrocinador por tempo indefinido.

Os riscos contratuais serão suportados pelos patrocinadores, pelos

participantes e pelos assistidos, na forma discriminada no regulamento do plano.

Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub224 leciona:

No plano de Benefício Definido já se sabem de antemão os valores dos futuros benefícios de aposentadoria no momento da contribuição. Nele são estabelecidos os valores de contribuição de participantes e de patrocinadoras que são capitalizados, via ativos do mercado de capitais, em taxas definidas, para a formação de poupança ou reserva global, capaz de atender aos compromissos de benefícios acertados a toda massa de participantes. Os riscos de déficit do plano, decorrente de inabilitação precoce, ficam por conta da patrocinadora, entretanto os demais déficits são partilhados e na mesma proporção das contribuições de participantes e patrocinadoras. O benefício proporcionado normalmente é vitalício para o trabalhador (ou seus dependentes, em caso de morte), conforme estabelecido em contrato.

Nos planos de benefício definido o participante, ao ingressar no plano, sabe

o valor programado a ser pago quando fizer jus ao benefício. Entretanto, o benefício

somente será pago ao participante se este cumprir os requisitos de elegibilidade e

se forem confirmadas as premissas atuariais programadas durante a fase de

acumulação de reservas.

223

Os planos de benefícios engendram pactos longos e, em regra, decorrem muitas décadas entre os primeiros aportes contributivos e as últimas prestações previdenciárias. 224

WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p.81.

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Sendo cumpridas todas as premissas atuariais do plano BD, esse é o único

modelo que pode, de forma absoluta, ser verdadeiramente apresentado como plano

previdenciário, uma vez que permite assegurar o pagamento de benefícios vitalícios

por meio de uma estrutura mutualista e de um valor predeterminado, garantindo a

segurança e o bem-estar futuro dos assistidos.

7.2 PLANOS DE CONTRIBUIÇÃO DEFINIDA (CD)

Os planos de contribuição definida são distintos dos planos de benefício

definido uma vez que, no momento da adesão, é possível conhecer apenas o valor

da contribuição, sendo indefinido o valor do benefício futuro, que somente poderá

ser apurado no momento de sua concessão, quando da ocorrência do fato gerador.

Ensina Eliane Romeiro Costa225:

Os planos de Contribuições Definidas apresentam as taxas de contribuição pré-fixadas, mas não niveladas e uniformes, variando os benefícios conforme as contribuições feitas, com os rendimentos obtidos e com a idade em que o participante entrou ou saiu do plano. Nesses planos as contas são individualizadas, há o “saldo de conta” e não o benefício previamente definido. Portanto, no plano CD o segurado ignora o resultado final da sua renda mensal inicial, pois apenas tem conhecimento prévio da contribuição que vai aportar. Sendo assim, somente ao final do processo o segurado conhecerá o valor dos benefícios resultante de seu capital acumulado e desembolsado pelo empregador, mais a rentabilidade do sistema.

O valor dos aportes e o prazo de pagamento não são atrelados a nenhuma

fórmula matemática ou atuarial predeterminada, gozando o participante de liberdade

para estruturar suas reservas da forma que lhe for mais conveniente.

O regulamento indicará as formas de contribuição possíveis no plano,

normalmente mensais ou esporádicas, consubstanciadas em percentual do salário

225

COSTA, Eliane Romeiro. Previdência Complementar – tipos de planos. Revista de Previdência Social. São Paulo, ano XXVIII, n.º 285, ago. 2004, p.702.

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ou da remuneração (nas entidades fechadas226), igual para todos os inscritos ou

variando conforme a idade do participante, o tempo de vinculação ao patrocinador

ou o nível salarial.

O regime financeiro utilizado é o de capitalização, ou seja, cada participante

possui sua poupança individual, sendo diretamente responsável pelo benefício que

garantirá seu bem-estar futuro. Independe, para os demais participantes

individualmente considerados no plano, a frequência e o valor de contribuição de

cada participante, bem como a forma e o momento de pagamento do benefício, pois

nessa modalidade de plano não há reserva coletiva, inexistindo solidariedade e

mutualismo. Não há nenhuma comunicação entre os patrimônios dos participantes

individualmente considerados.

Mais uma vez, sob a ótica atuarial, cabe apontar as preleções de Marília

Vieira Machado da Cunha Castro227:

Os planos concebidos no regime de contribuição definida têm o equilíbrio atuarial calcado no individuo. Nesse caso, prevalece a característica de poupança programada para o individuo, de propriedade da poupança, não havendo qualquer solidariedade entre os participantes do plano, mas tão-somente as vantagens decorrentes do grupamento. Por esse motivo, a permanência ou não do participante no plano não interfere no seu equilíbrio, bem como o pagamento, em qualquer condição, do valor acumulado em seu nome não interfere no resultado do plano, devendo haver, entretanto, preocupação quanto à liquidez financeira.

Os planos de contribuição definida apresentam algumas vantagens em

relação aos planos de benefício definido, já que eliminam os riscos de insolvência

dos patrocinadores, na medida em que não exigem um valor predefinido de

benefícios a serem pagos no futuro (com alto custo para os patrocinadores, como no

caso dos planos de benefício definido), disponibilizam prêmios de baixo custo e

possibilidade de aportes variáveis na fase de acumulação.

226

Nas entidades abertas de previdência privada normalmente o regulamento estabelece apenas o valor mínimo da contribuição mensal, sendo possíveis ainda contribuições periódicas (podem existir planos que exigem um único aporte ao plano). 227

CASTRO, Marília Vieira Machado da Cunha. Alguns conceitos atuariais. REIS, Adacir (Org.). Fundos de Pensão em Debate. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.145.

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132

Os participantes têm total interesse em fiscalizar os gestores dos planos,

pois estes são responsáveis pelos investimentos, interferindo diretamente no valor

final dos benefícios.

Por outro lado, não há garantia de valor futuro de benefício que suporte o

padrão de vida almejado. O valor do benefício será definido com base no saldo

acumulado pelo participante (e pelo patrocinador, se for o caso) até a data de

recebimento do benefício, acrescido dos recursos obtidos com os investimentos

efetuados na fase de acumulação, deduzidos os custos administrativos

individualmente considerados.

O valor do benefício será definido no momento da sua concessão e também

sopesará a expectativa de vida do participante naquela data – que, ressalte-se, pode

não ser similar àquela considerada na simulação do benefício no momento de

adesão do participante ao plano228.

O cálculo do benefício é feito individualmente, avaliando as particularidades

de cada participante: saldo acumulado, expectativa de vida, risco protegido, forma

de pagamento do benefício etc.

O valor dos benefícios varia conforme o nível e o tempo de contribuição,

oscilando de acordo com a idade do participante. Quanto maior o tempo e o valor da

contribuição, maior o valor do benefício futuro. A premissa inversa também é

verdadeira. Dessa forma, participantes que não contribuem no início de suas

carreiras, ou vertem baixas contribuições, constituirão baixa acumulação de recursos

nas contas de aposentadoria.

Quando o fato gerador do benefício se concretizar (na forma prevista no

regulamento do plano), será definido monetariamente o seu valor. No momento do

requerimento do benefício, a entidade de previdência privada fará o cálculo e retirará

o montante necessário para o pagamento da provisão matemática de benefícios a

228

Levando em conta que estamos tratando de contratos de longa duração (20 ou 30 anos, pelo menos).

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133

conceder229, transferindo-o para a conta do participante provisão matemática de

benefícios concedidos230, se o benefício for pago na forma de renda continuada

(vitalícia ou por prazo determinado), ou o entregando ao participante, se o benefício

se revestir da forma de pagamento único.

No plano de contribuição definida os riscos são assumidos pelo participante,

uma vez que, tecnicamente, não há de se falar em déficit ou superávit, mas apenas

em saldo de conta (maior ou menor do que o esperado para a concessão do

benefício que efetivamente garanta a qualidade de vida do participante no momento

do seu usufruto).

Sobre o assunto, ensina Ivy Cassa231:

É comum, ainda, um modelo de plano CD misto, chamado também de “CB com target”, em que o participante define o valor de sua contribuição, mas sempre tomando por base um determinado patamar de benefício que pretende atingir. Também nessa modalidade não há mutualismo e a obrigação da entidade continua sendo de meio. O fim é uma obrigação do participante consigo mesmo, uma meta que ele estabelece para si mesmo, e não para a entidade.

Considerando que o valor do benefício somente será apurado no momento

da concretização do fato gerador e de acordo com o fundo acumulado, devem ficar

claras para o participante as regras de cálculo do benefício, de forma que lhe

permita simular o valor do benefício a que faz jus em qualquer momento de vigência

do contrato previdenciário232.

229

A provisão matemática de benefícios a conceder consiste em uma reserva constituída mensalmente em cada plano de benefícios, com valor correspondente aos compromissos assumidos pela entidade em relação aos participantes inscritos em cada um. Nessa reserva, os valores são acumulados durante o tempo de contribuição. 230

A reserva matemática de benefícios concedidos é constituída mensalmente e corresponde ao valor atual dos compromissos da entidade em relação aos participantes em gozo de benefício da aposentadoria. Quando essa reserva é constituída em relação a um participante, é cancelada a reserva matemática de benefícios a ser concedida a ele. Em princípio, essa reserva deve ser idêntica à reserva matemática de benefícios a conceder. 231

CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP Ed., 2009, p.159. 232

As regras devem ser definidas na data de adesão do participante ao plano de benefícios e constar na proposta de inscrição, no certificado do participante e no regulamento do plano do plano de benefícios.

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Essa modalidade de plano proporciona benefícios de risco programado e por

prazo determinado. Considerando que os benefícios advêm do saldo acumulado233

da conta individual de cada participante, em regra, não oferece benefícios de risco.

No caso dos planos contributários, em que o patrocinador, os participantes

e/ou os assistidos contribuem para o plano, caso haja a saída prematura do

participante do programa, este terá direito à devolução integral, atualizada e

imediata dos aportes que verteu para o seu custeio, por meio do exercício do

resgate. Nessa situação (resgate), existindo contribuições do patrocinador, o

regulamento deverá especificar as hipóteses em que o participante poderá ter direito

a esses recursos ou sua destinação dentro do plano de benefícios.

Os recursos vertidos pelo patrocinador ao plano serão disponibilizados aos

participantes no momento da opção pela portabilidade ou pelo benefício proporcional

diferido. No caso de opção pelo autopatrocínio, o participante terá direito à utilização

dos aportes efetuados pelo patrocinador no momento do cálculo do benefício

previdenciário.

7.3 PLANOS DE CONTRIBUIÇÃO VARIÁVEL

Os planos de contribuição variável ou planos mistos são aqueles que

adotam o modelo de contribuição definida no período de acumulação de recursos e

o modelo de benefício definido na fase de pagamento de benefícios.

O valor do benefício é determinado a partir do saldo da conta individual

constituída pelas contribuições vertidas ao plano e poderá ser pago sob a forma de

renda vitalícia, a ser reajustada periodicamente conforme índice preestabelecido no

regulamento do plano.

233

O saldo acumulado é constituído a partir das contribuições vertidas ao plano pelo participante e/ou pelo patrocinador e da respectiva rentabilidade obtida durante a fase de acumulação.

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Também pode apresentar cobertura para os benefícios de risco por meio de

estrutura de benefício definido e de contribuição definida para os benefícios de prazo

programado.

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136

CAPÍTULO VIII – PATRIMÔNIO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS

Tema de fundamental importância a este estudo é a questão da propriedade

dos recursos vertidos ao plano de benefícios: pertencem ao grupo protegido ou às

pessoas físicas e jurídicas individualmente consideradas que efetuaram aportes?

O patrimônio do plano de benefícios gerido por entidade fechada de

previdência complementar é composto por contribuições devidas pela totalidade de

participantes (ativos e assistidos, conforme determinado pelo regulamento) e/ou

pelos patrocinadores (se assim previr o regulamento), bem como pelas demais

receitas decorrentes da aplicação do patrimônio coletivo.

A gestão desses recursos pela entidade de previdência privada será

acompanhada pelos órgãos regulador e fiscalizador, com a finalidade de ver

preservado o equilíbrio financeiro e atuarial dos planos.

As fundações são constituídas mediante aporte inicial234 ao fundo

previdenciário, ou seja, mediante a destinação de um patrimônio personalizado

destinado a um fim. Por essa razão, o patrimônio da entidade de previdência privada

é vinculado à realização de sua finalidade social legalmente definida e

estatutariamente designada.

Pronuncia Wagner Balera235 sobre o assunto:

O fundo que se forma com o ingresso dessas receitas em si mesmo considerado não é pessoa jurídica, mas tão-somente “concentração de recursos financeiros destinados a um determinado fim” (Silva, Manoel do Carmo Neves. Apontamentos de Legislação Social. São Paulo: Saraiva, 1986, p.149).

234

“A justificação dessa dotação é essa mesma, isto é, a necessidade de prover a entidade com os meios indispensáveis para, nos primeiros tempos de existência, socorrer à eventual ou prevista materialização dos riscos iminentes, que é, sem dúvida, uma constante em todas as entidades fechadas [...].” PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada – Planos empresariais. Vol.1. Rio de Janeiro: Fundação Escola Nacional de Seguros, 1990, p.231. 235

BALERA, Wagner. Parecer – A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. Revista de Direito Social. Porto Alegre, nº.8, Notadez, 2002, p.92.

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137

O patrimônio da entidade de previdência privada é composto pela dotação

inicial e pelas contribuições vertidas aos planos de benefícios pelos participantes

(ativos e assistidos, conforme previsto no regulamento) e/ou pelo(s)

patrocinador(es).

Após a criação da entidade de previdência privada236 e a obtenção da

concordância da autoridade pública, o patrimônio que lhe foi destinado pela

provedora (dotação inicial) passa a constituir um bem previdenciário pertencente ao

grupo protegido.

Já as contribuições mensais serão efetuadas pelos participantes e/ou pelos

patrocinadores. Os participantes, ao aderirem livremente ao plano de benefícios, na

forma prevista pelo regulamento, indicarão os valores dos aportes que verterão

mensalmente ao plano de benefícios, sendo viável, da mesma forma, a estipulação

de contribuições espontâneas conforme a possibilidade e a conveniência de cada

indivíduo. Os parâmetros dos valores das contribuições serão definidos com base no

estudo atuarial elaborado quando da criação do plano de benefícios.

Também integrarão o patrimônio do plano os valores vertidos a título de joia.

A joia237 é devida pelo participante que não ingressou desde logo no plano, seja em

razão da sua idade ou do seu tempo de vinculação ao patrocinador.

A joia238 equivale ao valor atuarialmente calculado da série de contribuições

que deveriam ter sido capitalizadas durante o período anterior à adesão do

participante ao plano e que não o foram, seja em razão da sua idade ou do tempo

236

As orientações operacionais para a formalização dos processos de constituição e funcionamento das EFPP estão previstas na Resolução CGPC n.º 8, de 19/02/2004. 237

O Ministério da Previdência Social, por meio de sua Secretaria de Políticas de Previdência Complementar, conceituou “jóia” como “o custo que pode ser cobrado na adesão de novo participante quando esta incorrer em idade superior a média relativa aos parâmetros da massa atual”. BRASIL. Ministério da Previdência Social. Secretaria de Políticas de Previdência Social. Conceitos mais aceitos no Regime de Previdência Complementar. Brasília, 2011, p.34. 238

Gushiken conceitua que “a „jóia‟ nada mais é do que o valor atuarialmente calculado, correspondente às contribuições passadas anteriores à filiação ao plano e não vertidas [...] de responsabilidade do segurado, pelo fato do mesmo ingressar no plano posteriormente à sua criação”. GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.55.

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138

que permanecerá vinculado ao plano até o adimplemento das condições para

usufruto do benefício contratado.

Da mesma forma decorre a obrigação do patrocinador que formalmente

estipulou um plano de benefícios em prol de seus empregados. O patrocinador

verterá contribuições ao plano de benefícios na forma estipulada pelo regulamento,

também alicerçadas nas premissas atuariais. O patrocinador assume, em seu

próprio nome, a obrigação social perante a entidade de previdência privada239.

No momento da constituição da relação jurídica previdenciária, há a

estipulação formal da responsabilidade financeira de cada uma das partes

integrantes do contrato.

A prossecução do contrato no decorrer do tempo poderá impor a alteração

dos custos contratuais, de acordo com a variação do cenário econômico-financeiro e

atuarial. Nessa situação, propugna-se a manutenção da proporção de

responsabilidade financeira assumida para o custeio do plano240241 ao longo da

execução do contrato.

Os recursos direcionados ao plano serão investidos de acordo com as

possibilidades legais e regulamentares, e os respectivos rendimentos retornarão ao

patrimônio do plano.

239

“Aquilo que resultou adrede pactuado [...] é exigível de modo cogente.” BALERA, Wagner. Parecer – A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. Revista de Direito Social. Porto Alegre, nº. 8, Notadez, 2002, p.96. 240

Não é razoável supor que, em sendo silente o regulamento, os custos decorrentes de alterações econômico-financeira e atuarial originalmente projetadas ao plano sejam assumidas exclusivamente pelo patrocinador. Na interpretação do contrato deve-se preservar o equilíbrio entre as partes, com distribuição proporcional entre as obrigações assumidas pelas partes na razão de seus interesses. 241

Na situação de déficit, a própria Lei Complementar n.º 109, em seu artigo 21, impõe a distribuição proporcional do ônus entre participantes, assistidos e patrocinadores: “O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.”

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139

Assim se constituirá o patrimônio previdenciário do plano de benefícios, que

será orientado e monitorado constantemente por seus gestores e pelos atuários, a

fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, sempre sob invariável

supervisão e acompanhamento do Poder Público.

Wagner Balera242 aprofunda o assunto comparando-o à figura do

condomínio, vejamos:

Para nós, aproxima-se a definição do fundo de pensão da figura jurídica do condomínio, por intermédio do qual acaba se estabelecendo a propriedade de cada condômino sobre a totalidade da coisa que, como bem coletivo, lastreia específicos direitos previdenciários. De fato, esse “condomínio social” foi sendo gestado com as contribuições sociais de todos: participantes e patrocinadores e, também, receitas financeiras e patrimoniais geradas pela aplicação dos recursos. Receitas que geram, devidamente capitalizadas, riquezas outras a serem, depois, repassadas à comunidade protegida.

Recolhidas ao plano de benefícios, as contribuições vertidas individualmente

pelos participantes e pelo patrocinador passam a satisfazer direitos da coletividade

protegida, perdendo a sua identidade originária. Esses valores, considerados

globalmente, devem ser suficientes para honrar a manutenção presente e futura do

plano de previdência privada243. A cota de cada participante será distribuída em

reservas diversas, existindo a possibilidade de individualização (que somente será

concretizada no momento contratualmente previsto para tanto).

Ao participante deve ser garantido exatamente o que lhe é devido, evitando

situações que o prejudiquem ou que o beneficiem em relação aos demais

participantes do plano de benefícios, sendo intolerável a existência de qualquer

espécie de discriminação ou de favorecimento entre os sujeitos.

242

BALERA, Wagner. Parecer – A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. Revista de Direito Social. Porto Alegre, nº. 8, Notadez, 2002, p.94. 243

“Fundos dessa natureza não podem conviver com desequilíbrio financeiro, patologia incompatível com a finalidade intrínseca do sistema: conferir seguridade social, vale dizer, segurança financeira na cobertura dos eventos que geram necessidades para os participantes.” Ibidem, p.95.

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Os participantes e os patrocinadores dispõem da avaliação atuarial244

periódica para acompanhar o perfil financeiro da entidade, realizada sempre com o

balanço do plano de benefícios, no mínimo uma vez ao ano. Por meio desse estudo,

os gestores obtêm elementos objetivos suficientes para definir as providências

necessárias245 para garantir o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial246 do plano.

O patrimônio do plano de benefícios somente poderá ser utilizado em estrita

observância das normas legais e regulamentares, uma vez que resta rigorosamente

destinado ao adimplemento dos benefícios previstos no regulamento. Os recursos

são constituídos na exata medida da necessidade imposta pelos compromissos

assumidos no contrato previdenciário.

São obrigações da entidade de previdência:

(i) dispor, nos regulamentos dos planos de benefícios, com precisão, as

condições e o regime de custeio, bem como as regras pertinentes aos

benefícios contratados com os participantes;

(ii) apurar, no mínimo uma vez ao ano, por meio de avaliação atuarial, os

custos do plano de benefícios conforme a massa de participantes e as

espécies de benefícios oferecidas; e

(iii) atribuir, no âmbito de cada plano individualmente considerado, os

correspondentes direitos e obrigações – ativos e passivos previdenciais.

244

A avaliação atuarial consiste em um estudo efetuado por um atuário, fundamentado em dados estatísticos da população e em bases técnicas atuariais, com a finalidade de mensurar os recursos necessários para garantir o pagamento dos benefícios contratados. A cláusula 9ª do Regulamento anexo à Resolução CGPC n.º 18, de 28/03/2006, dispõe que “entende-se por avaliação atuarial o estudo técnico desenvolvido por atuário, que deverá ter registro junto ao Instituto Brasileiro de Atuária. Este estudo terá por base a massa de participantes, de assistidos e de beneficiários do plano de benefícios de caráter previdenciário, admitidas hipóteses biométricas, demográficas, econômicas e financeiras, e será realizado com o objetivo principal de dimensionar os compromissos do plano de benefícios e estabelecer o plano de custeio de forma a manter o equilíbrio e a solvência atuarial, bem como o montante das reservas matemáticas e fundos previdenciais”. 245

Como já registrado, o contrato previdenciário envolve a administração de um plano de benefícios de longo prazo, de forma que as premissas atuariais que basearam a instituição do plano podem ser alteradas ou desconfirmadas com o passar do tempo. 246

O equilíbrio técnico atuarial denota a equivalência entre o total dos recursos garantidores de um plano de benefícios, acrescido das contribuições futuras, e o total de compromissos atuais e futuros do plano.

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Assim, o patrimônio previdenciário do plano de benefícios pertence ao grupo

de participantes do fundo de pensão coletivamente considerado, e não a quem

individualmente verteu contribuição.

Nesse mesmo sentido, expõe Flávio Martins Rodrigues247:

Veja-se que, no caso dos fundos de pensão, a universalidade de valores alocada junto aos planos de benefícios pertence não à entidade de previdência, mera administradora, mas ao conjunto de participantes e beneficiários abrangidos pelo plano. A relação, ainda que intermediada pela entidade de previdência fechada, se dá entre pares, no caso trabalhadores e seus dependentes, todos igualmente destinatários de prestações previdenciárias.

E Maria da Glória Chagas Arruda ratifica248:

[...] Os recursos vertidos ao fundo previdenciário pertencem ao grupo protegido. No caso dos planos de benefícios, a propriedade do fundo é comum e pertence ao grupo de participantes que aderiram ao plano previdenciário. A EFPC nada mais faz do que administrar os recursos de terceiros.

O patrocinador pode contribuir para a formação das reservas do plano de

benefícios, mas nunca receberá, em contrapartida, qualquer transferência de riqueza

dos participantes ou do plano de benefícios. Conforme ensina Cazetta249, o

patrocinador apenas fará jus a valores oriundos dos planos de benefícios quando

ocorrer a distribuição de superávits. E, ainda nessa situação, quando o patrocinador

tiver direito ao proveito de sua parcela do desempenho positivo do plano, apenas

podendo utilizá-lo em regime de redução de suas contribuições, sempre em prol do

grupo protegido. E destaque-se, não se trata de contraprestação devida ao

patrocinador, mas de repetição de valores tecnicamente excedentes àqueles

necessários para a execução do plano que foi instituído em favor dos participantes.

247

RODRIGUES, Flávio Martins. A contratualidade e a independência patrimonial dos planos de benefícios. In: ASPECTOS jurídicos fundamentais dos fundos de pensão. Anais do Seminário. São Paulo: TJRJ, CEDES - Centro de Estudos e Debates, 2005, p.75. 248

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.20. 249

CAZETTA, Luís Carlos. Previdência privada: o regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p.113.

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Também se faz necessário ressaltar a independência patrimonial do plano

de benefícios em relação à entidade que o administra. Uma única entidade pode

administrar um plano singular de benefícios ou vários planos de benefícios

vinculados250 a um ou a diversos patrocinadores251, todos com patrimônios

individualizados e incomunicáveis entre si.

A gestão individual de cada plano de benefícios pelas entidades de

previdência privada gera a possibilidade de segregação de riscos de investimentos,

bem como acarreta proteção aos participantes, que ficam vinculados aos seus

próprios planos e respectivos patrimônios, possibilitando, inclusive, a diluição de

custos.

O patrimônio de um plano de benefícios somente pode ser utilizado para

honrar os compromissos oriundos daquele plano específico, não respondendo por

dívidas e obrigações originadas em outros planos de benefícios, ainda que

vinculados ao mesmo patrocinador e à mesma entidade de previdência privada.

Mesmo quando se trata das entidades fechadas multipatrocinadas, estamos

diante de empresas vinculadas por solidariedade pactuada expressamente em

relação a um plano de benefícios adotado em conjunto, para a totalidade de seus

empregados, plano este também autônomo em relação aos demais planos

administrados pelo fundo e atinentes aos outros patrocinadores.252

O mesmo se observa quando analisamos a situação de uma entidade de

previdência privada fechada que administra planos ou conjunto de planos de

benefícios acessíveis a diversos grupos de participantes (multiplano). Os referidos

planos têm independência patrimonial entre si, não se misturando direitos e

obrigações de cada um.

250

Vide artigo 34, inciso I, alínea “b”: “Artigo 34. As entidades fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma [...]: I - de acordo com os planos que administram: [...] b) com multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial; [...]” 251

Vide artigo 34, inciso II, alínea “b”: “Artigo 34. As entidades fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma [...]: II - de acordo com seus patrocinadores ou instituidores: [...] b) multipatrocinadas, quando congregarem mais de um patrocinador ou instituidor.” 252

AGUIRRE, Rogério. A solidariedade nos fundos múltiplos. In: REIS, Adacir (Org.). Fundos de Pensão em Debate. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.81.

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A Resolução MPS/CNPC n.º 8, de 31/10/2011, em seu anexo C (normas

gerais), no item 4, dispõe que:

A contabilidade da EFPC deverá ser elaborada respeitando a autonomia patrimonial dos planos de benefícios de forma a identificar, separadamente, os planos de benefícios previdenciais e assistenciais administrados pela EFPC, bem como o plano de gestão administrativa, para assegurar um conjunto de informações consistentes e transparentes. (grifo nosso)

Consolidando a identidade e independência de cada plano de benefícios, foi

publicada a Resolução MPS/CGPC n.º 14, de 01/10/2004, que criou o Cadastro

Nacional de Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência

Complementar - CNPB, prevendo, em seu artigo 3º:

Artigo 3º. Cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios, bem como identidade própria quanto aos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos. § 1º Os recursos de um plano de benefícios não respondem por obrigações de outro plano de benefícios operado pela mesma EFPC.

Outro aspecto que merece destaque neste tópico diz respeito ao número de

participantes vinculados ao plano de benefícios. Cabe aos órgãos regulador e

fiscalizador estabelecer o número mínimo de participantes para viabilizar a

existência de um plano de benefícios, em cada uma de suas modalidades253.

8.1 SEGURANÇA NO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

O regime de previdência privada, previsto no artigo 202 da Constituição

Federal, foi regulamentado pelas Leis Complementares nos. 108 e 109, ambas de

29/05/2001. A Lei Complementar n.º 108 possui âmbito de aplicação específico,

dirigindo-se apenas às entidades fechadas de previdência privada patrocinadas pela

253

Lei Complementar n.º 109/01, artigo 13, § 2o. - “O órgão regulador e fiscalizador, dentre outros

requisitos, estabelecerá o número mínimo de participantes admitido para cada modalidade de plano de benefício.”

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União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, bem como por suas

autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas.

Já a Lei Complementar n.º 109 dispõe sobre o regime previdenciário privado, sendo

conhecida como sua lei básica, com aplicação subsidiária nas relações regidas pela

Lei Complementar nº. 108.

Após a regulação do regime de previdência privada, em atendimento ao

disposto no artigo 202 da Constituição Federal, restaram firmadas as premissas de

transparência e segurança em relação aos participantes e assistidos dos planos de

benefícios de previdência complementar:

Artigo 3º. A ação do Estado será exercida com o objetivo de: [...] III - determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades; IV - assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios; [...] VI - proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.

Não resta dúvida alguma quanto à relevância dessas premissas no

ordenamento jurídico, garantindo o acesso à informação aos participantes do plano

de benefícios, assim como a segurança, ou seja, a proteção que lhes deve ser

conferida, postulados garantidos por meio de ações estatais.

Para que o participante possa exercer plenamente seus direitos a partir das

informações recebidas da entidade, é imprescindível que conheça, ainda que

minimamente, os aspectos contábeis envolvidos na administração de uma entidade

fechada de previdência privada.

A contabilidade se constitui em uma ciência que estuda e exercita as

funções de orientação, controle e registro de fenômenos que afetam situações

patrimoniais, financeiras e econômicas de qualquer ente, público ou privado, assim

como de pessoas físicas.

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Roberto Eiras Messina254 utiliza-se do seguinte conceito:

A contabilidade constitui-se em ciência metodológica que busca continuamente desenvolver a formatação de registros numéricos que espelhem a exata situação econômico-financeira envolvida em uma ou mais relações jurídicas em referência a um determinado patrimônio.

Atualmente, a Resolução MPS/CGPC n.º 28, de 26/01/2009255, disciplina a

planificação contábil das entidades fechadas de previdência privada, considerando

os princípios introduzidos pela orientação constitucional.

As normas vigentes são explícitas ao identificar as universalidades distintas

entre os planos de benefícios administrados por uma mesma entidade de

previdência privada. Assim, as normas contábeis identificam e segregam o

patrimônio correspondente aos compromissos assumidos por cada plano em relação

ao seu grupo de participantes.

Relevante consignar que a Lei n.º 6.435/77 enfatizava a figura da entidade

de previdência privada como foco normativo, ao passo que a nova legislação reflete

como primordial a proteção do participante no âmbito do plano de benefícios.

O participante é proprietário das reservas técnicas que formam parte do

patrimônio previdenciário comum a ele e ao grupo protegido, sendo-lhe garantida

proteção jurídica sobre seu interesse em tal patrimônio.

Vale ressaltar a reflexão de Wagner Balera256:

O interesse do participante ativo não é futuro, como se poderia supor, sob o argumento de ser tão somente exigível no

254

MESSINA, Roberto Eiras. Independência Patrimonial dos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar: uma realidade! In: REIS, Adacir (Org.). Fundos de pensão – Aspectos jurídicos fundamentais. São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2009, p.140-141. 255

Referida norma substituiu a Resolução MPS/CGPC nº. 5, de 30/01/02, que, com as posteriores alterações impostas pelas Resoluções n.º 10, de 05/07/02, 01, de 24/01/03, e 13, de 01/10/04, regrava o tema. 256

BALERA, Wagner. Parecer – A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. Revista de Direito Social. Porto Alegre, nº. 8, Notadez, 2002, p.100-101.

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momento em que a prestação previdenciária complementar se tornasse devida pela conversão em sinistro do risco coberto (a idade, o tempo de contribuição, a invalidez, etc.), mas atual e efetivo. Tal interesse começa com o ingresso do participante no plano e dura durante todo o período em que o mesmo se ache vinculado à entidade previdenciária e, se é que assim poderíamos sustentar, prossegue para além de sua vida, com a proteção assegurada aos seus beneficiários. A adequada aplicação das reservas técnicas e a garantia da respectiva intangibilidade integram esse interesse. Sem esses naturais cuidados, as reservas se esgotariam e, ao fim e ao cabo, a proteção previdenciária privada se esvairia.

Ainda que o participante seja titular de apenas uma parte das reservas

técnicas257, tem interesse legítimo de que seu patrimônio não sofra nenhuma

espécie de limitação ou diminuição (muito menos decorrente de obrigações de

planos distintos daquele ao qual pertence).

É possível perceber que a legislação vigente estabeleceu nítida autonomia

dos planos de benefícios258, respeitando a integridade e a incomunicabilidade entre

eles, por regra.

8.2 INDIVIDUALIZAÇÃO DOS PLANOS DE BENEFÍCIO

Não é atual a exigência de maior proteção aos participantes e aos ativos do

plano de benefícios de natureza previdenciária. Almejando garantir maior segurança

aos planos e aos participantes e assistidos, a legislação impôs a necessidade de

independência e segregação patrimonial entre os planos259, que são contabilizados

individualmente.

257

Wagner Balera, no estudo retro citado, trata desse quinhão como “cota”, ao referir-se adequadamente à semelhança do plano com um condomínio social. 258

Ressalta-se, uma vez mais, a Resolução MPS/CGPC n.º 14, de 01/10/04, que criou o CNPB (Cadastro Nacional de Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), ou seja, impôs um código que identifica e individualizada cada plano de benefícios perante a entidade que o administra, seus participantes e terceiros, e a Instrução Normativa SPC n.º 04, de 05/11/04, que complementou a citada Resolução, definindo que o CNPB será um número identificador único e intransferível que acompanhará o plano de benefícios desde sua autorização pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) até a sua extinção. 259

Vide, entre outros, os arts. 34, inciso I, alínea “b”, 22, 23, parágrafo único, e 31, inciso II, parágrafo 3º, da Lei Complementar nº. 109/01.

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147

A referida proteção tem o escopo de prevenir a oneração de um plano de

benefícios em decorrência de obrigações assumidas por plano vinculado a outra

massa de participantes, com realidades fáticas e econômicas distintas, mas

administrado pela mesma entidade de previdência privada. Trata-se da imposição de

segurança jurídica a todos os sujeitos da relação jurídica.

Baseado nesse princípio, o CGPC - Conselho de Gestão da Previdência

Complementar (atualmente substituído pelo CNPC - Conselho Nacional de

Previdência Complementar), órgão normativo das entidades fechadas, expediu a

Resolução n.º 14, de 01/10/2004, criando o CNPB - Cadastro Nacional de Plano de

Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Por sua vez, a

Instrução Normativa SPC n.º 4, de 5/11/2004, impôs a obrigatoriedade de as

entidades fechadas inscreverem seus planos no Cadastro Nacional de Plano de

Benefícios, e a Portaria SPC n.º 177, de 15/02/2005, promoveu a identificação de

cada plano por meio de um código atribuído pelo órgão fiscalizador (número de

inscrição no Cadastro Nacional de Plano de Benefícios - CNPB). Tais medidas

permitiram a necessária publicidade relacionada aos planos de benefícios, uma vez

individualizados (bem como aos seus respectivos patrimônios), além da garantia de

transparência e da possibilidade de acesso e controle das informações de cada

entidade fechada de previdência privada.

É imprescindível que haja amparo normativo estabelecendo a distinção do

patrimônio das entidades de previdência privada, abertas ou fechadas, e dos

recursos dos planos de benefícios.

Como já visto, existem normas estipulando a contabilização individual e

segregada dos planos geridos por entidades fechadas260. A Resolução CGPC nº. 14,

de 01/10/2004, prevê expressamente, em seu artigo 3º, que:

Artigo 3º. Cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios, bem como identidade própria quanto aos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos.

260

Especialmente dirigidas pelo artigo 18 da Lei Complementar n.º 109/01, pela Resolução MPS/CGPC n.º 14, de 01/10/04, e pela Resolução MPS/CNPC n.º 8, de 31/10/11.

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§ 1º. Os recursos de um plano de benefícios não respondem por obrigações de outro plano de benefícios operado pela mesma EFPC. (grifo nosso)

É possível verificar que a legislação permite a individualização do plano,

diferenciando-o dos demais e evitando confusão patrimonial entre eles.

Os planos de benefícios administrados por entidades abertas de previdência

privada, por serem mais maleáveis e fundados em regime financeiro de

capitalização, não possuem exigências técnicas análogas àquelas previstas para o

segmento fechado. Entretanto, a segregação de patrimônio também se impõe,

conforme dispõe a Lei n.º 11.196, de 21/11/05:

Artigo 76. As entidades abertas de previdência complementar e as sociedades seguradoras poderão, a partir de 1º de janeiro de 2006, constituir fundos de investimento, com patrimônio segregado, vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contribuição variável, por elas comercializados e administrados. [...] Artigo 78. O patrimônio dos fundos de investimento de que trata o artigo 76 desta Lei não se comunica com o das entidades abertas de previdência complementar ou das sociedades seguradoras que os constituírem, não respondendo, nem mesmo subsidiariamente, por dívidas destas. § 1º. No caso de falência ou liquidação extrajudicial da entidade aberta de previdência complementar ou da sociedade seguradora, o patrimônio dos fundos não integrará a respectiva massa falida ou liquidanda. § 2º. Os bens e direitos integrantes do patrimônio dos fundos não poderão ser penhorados, sequestrados, arrestados ou objeto de qualquer outra forma de constrição judicial em decorrência de dívidas da entidade aberta de previdência complementar ou da sociedade seguradora. (grifo nosso)

Verifica-se que a segregação do patrimônio implica a proteção dos recursos

engendrados em face dos riscos que não sejam inerentes ao plano de benefícios.

Cada plano de benefícios vigente gera a acumulação de recursos que

constituem sua reserva matemática, sendo regulado por critérios específicos de

custeio (que virão a determinar o valor futuro dos benefícios contratados), que

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constituirão um patrimônio autônomo e independente daqueles que suportam os

demais planos de benefícios geridos pela mesma entidade fechada de previdência

privada261.

As entidades de previdência privada estão expostas aos riscos próprios de

suas atividades. Busca-se, no entanto, afastar o risco de contaminação oriundo de

obrigações de planos de benefícios distintos, relacionados a diversas massas de

participantes e patrimônios garantidores.

Assim, o patrimônio da entidade de previdência privada estará atrelado ao

seu CNPJ262263, conforme os registros contábeis da pessoa jurídica, estranho ao(s)

patrimônio(s) do(s) plano(s) de benefícios por ela conduzidos. E, nesse contexto,

não há de se alegar prejuízo em razão da despersonificação do plano de benefícios,

conforme ensina Roberto Eiras Messina264:

Não há prejuízo na despersonificação do plano de benefícios. A regra do artigo 988 do vigente Código Civil Brasileiro aplica-se por analogia e considerando-se a existência do grupo fechado de participantes solucionada está a questão ao dispor, para uma sociedade não personificada: “Artigo 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum.”

Apesar de se tratar de ente abstrato, o plano de benefícios é identificável por

meio do Cadastro Nacional de Plano de Benefícios (CNPB) e do arcabouço de

regras formais que definem seus direitos e obrigações.

261

Ivy Cassa cita ensinamento de Rafael la Casa Garcia: “Asimismo, há de darse por supuesto, em consonância com lo antes señalado, que, aunque la LPFP no lo formule nitidamente y com independencia de la existencia de deudas comunes a todos los Planes, los elementos patrimoniales de cada Plan de Pensiones tienen una separación no puramente contable, sino también de responsabilidade.” CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP Ed., 2009, p.162. 262

Lei n.º 6.404/76, artigo 177 - “A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.” 263

Lei n.º 11.406/02 (Novo Código Civil), artigo 1.179 - “O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.” 264

MESSINA, Roberto Eiras. Independência Patrimonial dos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar: uma realidade! In: REIS, Adacir (Org.). Fundos de pensão – Aspectos jurídicos fundamentais. São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2009, p.153, nota 26.

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150

A definição dos ativos do plano de benefícios como montante destinado ao

pagamento futuro dos benefícios assumidos vai ao encontro da norma constitucional

disposta no caput do seu artigo 202: “O regime de previdência privada [...] será [...]

baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado [...].” É

direta, portanto, a relação estabelecida entre o benefício contratado e as reservas

constituídas no plano de benefícios para o seu cumprimento.

As reservas técnicas de hoje equivalem às prestações futuras dos benefícios

de previdência privada265, configurando direito adquirido dos participantes.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.º

4.657/42) dispõe, em seu artigo 6º e §2º, que:

Artigo 6º. A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957) [...] § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

Embora o direito do participante dependa da verificação do risco protegido,

ele existe desde o momento em que se instaurou a relação jurídica por meio da

formalização do contrato previdenciário privado.

A finalidade dessa segregação de patrimônio é tornar viável a averiguação

do equilíbrio econômico financeiro e atuarial de cada plano de benefícios, permitindo

sua adequada gestão pela entidade de previdência privada, que terá condições de

dimensionar seus eventuais déficits e superávits atuariais com base em dados

265

“O primeiro aspecto decorre do fato de a operação de planos previdenciários corresponder, conceitual e juridicamente, à contínua administração das projeções e realidades atuariais e econômico-financeiras dos planos, com vistas à permanente obtenção de equilíbrio entre os recursos que lhe são afetados e as suas responsabilidades presentes e projetadas, calculadas a partir de premissas e hipóteses de evolução econômico-financeira dos respectivos ativos e do comportamento sócio-demográfico da massa de participantes de cada plano.” CAZETTA, Luís Carlos. Previdência privada: o regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p.98-99.

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concretos ou potenciais, atribuindo aos respectivos sujeitos de direitos e obrigações

seus correspondentes bônus e encargos.

Pelo exposto, resta constatado que o patrimônio de determinado plano de

benefícios não se confunde com o patrimônio de outros planos de benefícios, ou

com o patrimônio da entidade de previdência privada, gozando de independência e

individualidade asseguradas pela legislação em vigor. A entidade é responsável pela

administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária,

sendo esse seu objeto social.

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CAPÍTULO IX – RETIRADA DE PATROCÍNIO

Como já demonstrado, o regime de previdência privada é marcado pela

premissa da facultatividade, não havendo de se falar em imposição aos empregados

e aos patrocinadores para sua adesão e, consequentemente, continuidade e

permanência no plano de benefícios no decorrer do tempo.

A assunção da posição de patrocinador é um ato de natureza voluntária e

contratual pelo qual uma empresa avoca essa condição e passa a contribuir para a

formação do patrimônio do plano de benefícios em favor dos seus empregados e

dirigentes.

Princípio básico do direito contratual de relações continuativas é que

nenhum vínculo é eterno, não podendo nem mesmo o Poder Judiciário impor a sua

continuidade quando uma das partes manifesta vontade contrária, sendo certo que,

eventualmente caracterizado o abuso da rescisão, por isso responderá quem tiver

praticado.266

Ademais, o papel do patrocinador é imprescindível apenas no momento da

instituição do plano de benefícios, uma vez que o oferecerá a todos os seus

empregados. A partir de então, essa necessidade não mais ocorre, sendo possível

ao participante que tenha encerrado sua relação de emprego com o patrocinador se

manter vinculado ao plano de benefícios na qualidade de autopatrocinado267 ou

optar pelo benefício proporcional diferido268.

266

Item 9 da Exposição de Motivos da Minuta de Resolução MPS/CNPC, acerca da retirada de patrocinador ou de instituidor de plano de benefícios administrado por entidade fechada de previdência complementar, datada de 13 de abril de 2012. 267

“Autopatrocínio. Instituto que faculta ao participante que sofrer perda parcial ou total de remuneração, a manutenção da sua contribuição anterior e a assunção da contribuição do patrocinador em relação à parcela reduzida, de modo a permitir a percepção futura de benefício nos níveis anteriormente praticados, observado o Regulamento do Plano de Benefícios.” BRASIL. Ministério da Previdência Social. Secretaria de Políticas de Previdência Social. Conceitos mais aceitos no Regime de Previdência Complementar. Brasília, 2011, p.10. 268

“Benefício proporcional diferido (BPD). Instituto que faculta ao participante, em razão da cessação do seu vínculo empregatício com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, antes da aquisição do direito a benefício pleno programado, a interrupção de suas contribuições para o custeio de benefícios previdenciários, optar por receber, em tempo futuro, um benefício programado, quando do preenchimento dos requisitos regulamentares. Nessa hipótese o participante, classificado como

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A retirada de patrocínio consiste na possibilidade de a empresa deixar de

patrocinar um plano de previdência privada, rompendo unilateralmente com seus

compromissos e passando a não aportar valores (contribuições), podendo levar o

plano à extinção.

É possível ao patrocinador optar pela retirada de patrocínio desde que

preserve os interesses dos participantes e assistidos, bem como a própria

estabilidade do plano de benefícios, garantindo a proteção previdenciária.

O bem da comunidade protegida possui amparo integral da ordem jurídica,

motivo pelo qual se encontra em discussão, no âmbito do Ministério da Previdência

Social, uma minuta de nova regulamentação269 sobre a retirada de patrocínio.

Enquanto não aprovada a nova norma, permanece vigente e disciplinando

rigidamente o assunto a Resolução MPAS/CPC n.º 06, de 07/04/1988270, que

regulamentava a Lei n.º 6.435/77, publicada antes da nova ordem constitucional e da

lei complementar que normatiza o regime de previdência privada.

Antes da avaliação do direito de retirada do plano de benefícios, o

patrocinador deve ser submetido a uma auditoria atuarial (item 2, alínea “h”, do

Anexo da Resolução MPAS/CPC n.º 06/88), que demonstrará se o plano se

encontra equilibrado sob a ótica econômico-financeira e atuarial, ou se há

necessidade de aporte de valores pelo patrocinador que pretende se retirar. Nos

termos da citada Resolução, as insuficiências financeiras devem ser cobertas pelo

patrocinador.

remido, deixa de contribuir para o plano arcando exclusivamente com o pagamento do custeio administrativo até a data do recebimento do benefício.” BRASIL. Ministério da Previdência Social. Secretaria de Políticas de Previdência Social. Conceitos mais aceitos no Regime de Previdência Complementar. Brasília, 2011, p.12. 269

Os principais pontos da proposta de resolução em debate para regular a retirada de patrocínio são: (i) repartição de déficit ou superávit na proporção contributiva quando houver extinção do plano; (ii) manutenção de plano de benefícios sem patrocinador ou instituidor; (iii) manutenção das hipóteses e métodos de financiamento utilizados na última avaliação atuarial; (iv) momento da suspensão das contribuições; (v) opções para participantes e assistidos; e (vi) contratação de renda vitalícia em seguradora para assistidos que já se encontram nesse tipo de benefício. 270

Resolução publicada no DOE de 06.05.1988, alterada pela Portaria MPAS n.º 4.714, de 28/08/1998, e pela Resolução MPAS/CPC n.º 2, de 19/12/2001, que dispõe sobre os procedimentos relativos à retirada de patrocinador de entidades fechadas de previdência privada.

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A auditoria atuarial deverá constatar a manutenção em reservas de

montante que atenda: (i) à cobertura dos benefícios concedidos para assistidos e

pensionistas; e (ii) ao valor do resgate ou aposentadoria para os participantes que já

adquiriram o direito ao benefício, bem como às quantias necessárias para o

cumprimento dos respectivos encargos.

No processo de retirada de patrocínio, os participantes e os assistidos terão

segregados e garantidos os valores dos benefícios conquistados (direito adquirido

financeiro271), nos termos do regulamento que os sustentou, até o momento em que

o processo se torne efetivo.

Luís Carlos Cazetta272 leciona:

No caso da extinção de plano, o fenômeno é um pouco diverso, mas também característico da instabilidade jurídica própria à manifestação de vontade a que corresponde à assunção da qualidade de patrocinador de plano de benefícios. Por seu intermédio, pode o patrocinador restringir o alcance de determinado plano aos que a ele formalizaram adesão até o momento da sua extinção, impedindo novas filiações por parte daqueles que, conquanto detenham a mesma qualidade jurídica que autorizou aos demais a associação à entidade de previdência, não manifestaram a sua opção na oportunidade própria (por decisão pessoal ou por não ostentarem na época própria o vínculo que a autorizava). Pelos mesmos fundamentos, a retirada de patrocínio também configura o exercício de direito potestativo por parte do patrocinador, cuja iniciativa não se condiciona a qualquer fato oriundo da formalização da relação jurídica com a entidade e o participante. A despeito da possibilidade plena e permanente do exercício do direito de retirada de patrocínio, todas as obrigações assumidas até a correspondente decisão devem ser rigorosamente cumpridas pelo patrocinador, delas se excluindo apenas os valores das obrigações de natureza projetada não

271

E é financeiro justamente porquanto é alçada como possível a condição de antecipação do pagamento de benefícios para o momento em que se dá a retirada do patrocínio, implicada pela liquidação do plano de benefícios, e, portanto, a extinção igualmente antecipada da obrigação contratada, levando-se em consideração, evidentemente, o caminho inverso da acumulação dos recursos, com a transformação, nesse processo, de premissas antes admissíveis para o caso de extinção natural da obrigação. Cf.: MESSINA, Roberto Eiras. Direito adquirido e direito acumulado em processos de retirada de patrocínio, fusão, cisão, incorporação e transferência de gestão de planos de benefícios da previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.163. 272

CAZETTA, Luís Carlos. Previdência privada: o regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p.108.

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atinentes ao cálculo dos benefícios (e das reservas) proporcionais, como ocorre, por exemplo, com as hipóteses de elevação de salários insertas nos cálculos atuariais.

Os cálculos efetuados pela entidade para individualizar o direito de cada

participante devem trazer a valor presente o montante dos compromissos assumidos

pelo plano em relação a cada participante273. Concluída a individualização dos

direitos, será conhecida a base de cálculo prévia do benefício futuro que, potencial e

proporcionalmente, será devido ao participante daquele plano de benefícios.

De acordo com o item 7 do Anexo relativo às Normas Reguladoras para a

Saída de Patrocinadoras da Resolução MPAS/CPC n.º 06/88, o patrocinador e a

entidade podem optar por: (i) manter os participantes assistidos e os pensionistas na

entidade, sustentando o plano de benefícios sem patrocinador; (ii) transferir os

participantes assistidos e os pensionistas para outra entidade fechada ou aberta; ou

(iii) pagar o valor presente do benefício mensal quando não for possível a

manutenção do benefício nas mesmas condições vigentes.

Se o patrocinador, de comum acordo com a entidade, optar pela

transferência para entidade fechada ou aberta, ou pelo pagamento do valor presente

do benefício, será assegurado ao assistido e/ou aos pensionistas permanecer na

entidade fechada, desde que manifeste sua vontade no prazo de 90 (noventa) dias,

273

Vide item 2 do Anexo da Resolução MPAS/CPC n.º 6/88: “A entidade deverá encaminhar à Secretaria de Previdência Complementar a seguinte documentação: [...] h) Avaliação atuarial procedida pelo Atuário Responsável pela entidade, com as seguintes características: [...] reservas avaliadas individualmente, incluindo o benefício mínimo previsto. A reserva matemática referente aos Participantes da Patrocinadora que se retira deverá ser calculada sem considerar crescimento salarial e será igual ao valor presente do benefício das seguintes categorias: I - assistidos e pensionistas - os benefícios concedidos aos mesmos; II - ativos que já adquiriram o direito ao benefício ou ao valor de resgate dos valores que seriam pagos aos participantes ativos elegíveis na data da saída da Patrocinadora a um benefício pelo plano (resgates ou aposentadorias). [...] III - Ativos (riscos não expirados) - o benefício proporcional correspondente ao tempo de vinculação à entidade, sendo esta proporção determinada dividindo-se o tempo de vinculação do Participante na entidade pelo tempo de vinculação que teria na data da aposentadoria normal. Do benefício assim determinado deverá ser deduzido qualquer valor, relacionado ao participante, garantido pelos incisos I e II. A reserva calculada considerando o benefício deste inciso III deverá ser acrescida da reserva referente ao serviço passado. IV - Ativos (riscos não expirados) - o benefício correspondente à diferença entre o benefício proporcional correspondente ao tempo de serviço do Participante na data da saída da Patrocinadora (sendo a proporcionalidade determinada dividindo-se o tempo de serviço na data da saída da Patrocinadora pelo tempo de serviço que teria na data da Aposentadoria Normal) e os benefícios determinados nos incisos I, II e III. V - As despesas administrativas deverão ser levadas em consideração no cálculo atuarial sempre que for considerada necessária para o atendimento dos itens 7 e 8.”

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a partir da data de comunicação aos participantes, e concorde com as condições de

permanência no plano impostas pela entidade fechada de previdência privada.

No caso dos participantes ativos, de acordo com o item 8 do mesmo anexo

da citada Resolução MPAS/CPC, o patrocinador, de comum acordo com a entidade,

poderá: (i) manter os participantes ativos na entidade; (ii) transferir os participantes

ativos para outra entidade fechada ou aberta; ou (iii) pagar à vista os fundos

correspondentes, calculados individualmente.

Se o patrocinador e a entidade optarem por manter os participantes na

entidade ou por transferi-los para outra entidade aberta ou fechada, o participante

ativo, caso se desligue da entidade, a qualquer tempo, poderá optar por receber o

valor presente das contribuições feitas por ele para o plano de benefícios,

descontados os riscos decorridos, corrigido monetariamente até a data do efetivo

pagamento, em conformidade com o previsto no regulamento do plano.

Ocorrendo o encerramento do plano, os recursos acumulados serão

devolvidos aos participantes ou transferidos de entidade gestora, em outro plano de

benefícios, com regras e premissas distintas do plano originário.

Como bem conclui Ricardo Pena Pinheiro274:

A migração dos planos de benefício definido para os planos de contribuição definida tem exigido o abandono do princípio previdenciário e solidário do financiamento, de forma a adotar o princípio puramente financeiro e individualista em que não se agrega fator de desconto atuarial ou fator de probabilidade de sobrevivência, quando se calcula o valor do encargo necessário para pagar a renda no futuro.

Não há regra expressa concernente ao destino dos recursos vertidos pelo

patrocinador. Entretanto, de alguma forma, esses valores terão de ser revertidos em

favor do grupo protegido.

274

PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas da Previdência Social, 2007, p.102.

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De acordo com todo o exposto, destaca-se a previsão inserta no artigo 25 da

Lei Complementar n.º 109/01, que trata da hipótese de retirada de patrocínio:

Artigo 25. O órgão regulador e fiscalizador poderá autorizar a extinção de plano de benefícios ou a retirada de patrocínio, ficando os patrocinadores e instituidores obrigados ao cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos com a entidade relativamente aos direitos dos participantes, assistidos e obrigações legais, até a data da retirada ou extinção do plano. Parágrafo único. Para atendimento do disposto no caput deste artigo, a situação de solvência econômico-financeira e atuarial da entidade deverá ser atestada por profissional devidamente habilitado, cujos relatórios serão encaminhados ao órgão regulador e fiscalizador.

Existindo a previsão legal no artigo supramencionado, ratifica o Código Civil

vigente a possibilidade da retirada de patrocínio: “Artigo 473. A resilição unilateral,

nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante

denúncia notificada à outra parte.”

Importante ressaltar que o processo de retirada de patrocínio somente

poderá ser efetivado pelo patrocinador se houver autorização do órgão fiscalizador

das entidades fechadas, qual seja, a PREVIC (Superintendência Nacional de

Previdência Complementar).

Sobre o tema, conclui Roberto Eiras Messina275:

O direito adquirido e o direito acumulado não são empecilhos a que se descontinue tal relação jurídica. O que se faz necessário é apurar, dentro das premissas técnicas atuariais usualmente aceitas, a conversão desses direitos em grandezas financeiras que propiciem a aquilatação das obrigações e a correspondente quantificação dos recursos para o seu cumprimento, disponibilizando-se aos participantes ativos, assistidos e pensionistas o que cabe a cada qual.

275

MESSINA, Roberto Eiras. Direito adquirido e direito acumulado em processos de retirada de patrocínio, fusão, cisão, incorporação e transferência de gestão de planos de benefícios da previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.167-168.

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Por todo o exposto, é possível concluir que as obrigações do patrocinador

que se retira do plano de benefícios gerido por entidade fechada de previdência

privada estendem-se até o momento da concretização da retirada, deixando ele de

se responsabilizar pela sobrevida ou pelos infortúnios que possam acometer os

participantes do plano após esse marco temporal.

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CAPÍTULO X – MIGRAÇÃO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS

Antes de verificar os aspectos específicos relativos à migração entre planos

de benefícios privados geridos por entidades fechadas, mister se faz entender o

contexto da sua imposição no âmbito da proteção previdenciária.

O contrato previdenciário privado se perpetua no tempo. Um participante que

adere a um plano de benefícios tem potencial para contribuir por toda a sua trajetória

laborativa (algo em torno de 30 ou 35 anos, pelo menos, na atual conjuntura

normativa). Após o período contributivo, o contrato permanecerá ativo em fase de

pagamento de benefícios ao participante (agora assistido) e ainda, eventualmente,

existirá o período em que seus beneficiários farão jus à cobertura do contrato

previdenciário.

Especialmente considerando os custos e o período de duração dos planos

de benefício definido atualmente vigentes, podemos afirmar que a maioria desses

planos foi declarada em extinção276 nos últimos anos, encontrando-se fechados para

novas adesões de participantes.

A estatística trimestral divulgada pela Superintendência Nacional de

Previdência Complementar - PREVIC em setembro de 2012277 indica os 10 (dez)

maiores planos brasileiros de benefício definido - BD, que, juntos, equivalem a

69,01% (sessenta e nove por cento) dos ativos totais dessa modalidade de proteção

previdenciária, sendo certo que 9 (nove)278 desses planos encontram-se fechados a

novas adesões de participantes. Os planos de benefício definido, ao menos em sua

significativa maioria, são pretéritos à Lei Complementar n.º 109/01 e eram

276

Os planos em extinção são aqueles que não aceitam novos participantes desde a data da declaração da extinção do plano de benefícios, sem alteração alguma dos direitos e das obrigações dos participantes já inscritos. 277

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC. Estatística Trimestral - setembro 2012. Disponível em: <http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/1_121218-095108-545.pdf>. Brasília, 2012. Vide tabela 2.2.14, p. 24. 278

São eles: Plano de Benefícios I (PREVI/BB); Plano Petros do Sistema Petrobrás (PETROS); REG/REPLAN (FUNCEF); PBS-A (SISTEL); Plano BD (Real Grandeza); Plano BD (VALIA); PBB (FAPES); PSAP/Eletropaulo (FUNCESP); e Plano A (FORLUZ).

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estruturados em regime financeiro de repartição, de forma que estabeleciam

obrigações intergeracionais, comprometendo a geração atual com as futuras, de

maneira sucessiva. Em setembro de 2012 existiam 338 planos de benefício definido,

os quais representavam 31,01% dos planos de previdência privada vigentes, ou

seja, espécie minoritária se comparada com os planos de contribuição definida ou de

contribuição variável279.

A Lei Complementar n.º 109/01, em seu artigo 18, parágrafo 1º, estabeleceu

que o regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de

pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas. Em se tratando

de planos de benefício definido, deve ser ponderado o aumento contínuo da

expectativa de vida, de modo que, cada vez mais, torna-se extremamente onerosa

essa espécie específica de plano de benefícios se considerado o financiamento

fundado em regime financeiro de capitalização, tornando-o inviável para o

participante e para o patrocinador, em razão dos custos envolvidos na fase de

acumulação de recursos.

Ademais, durante toda a vigência do contrato previdenciário são

consolidadas modificações sociais, políticas e econômicas que desencadeiam

mudanças nas premissas firmadas no momento da criação do plano previdenciário,

a exemplo de alterações da expectativa de sobrevivência, realidades advindas do

mercado de trabalho, inovações legislativas e imposições judiciais.

Para fazer frente a essa tendência de transformação estrutural, no final do

século XX houve uma profunda modificação na política previdenciária adotada pelas

empresas patrocinadoras de planos de previdência complementar, em razão do

aumento da expectativa de vida da população em geral, da globalização, da inflação,

da automação e informatização dos processos, bem como do acirramento da

concorrência no mercado de trabalho e evolução das relações de trabalho,

279

Existem 399 planos de contribuição definida e 353 planos de contribuição variável, que equivalem, respectivamente, a 36,6% e 32,39% dos planos de benefícios vigentes em setembro de 2012. BRASIL. Ministério da Previdência Social. Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC. Estatística Trimestral - setembro 2012. Disponível em: <http://www.mpas.gov.br/ arquivos/office/1_121218-095108-545.pdf>. Brasília, 2012. Vide tabela 2.1.2, p.18.

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resultando na aversão ao alto custo e aos riscos pouco previsíveis presentes em

planos de benefício definido.

Os planos de benefício definido eram até então instituídos pelas entidades

fechadas de previdência privada – empresas ou grupo de empresas – em favor de

seus empregados e dirigentes com a finalidade de reter a mão de obra qualificada,

como forma de incentivo à permanência desses profissionais nas empresas

patrocinadoras. Era comum, nesses planos de benefício definido, que os aportes

fossem efetuados exclusivamente pelos patrocinadores ou divididos entre

patrocinadores e participantes.

Normalmente esses planos eram concebidos com características

mutualistas, sendo estruturados com base nos salários (ou remunerações) dos

participantes, nos benefícios pagos pelo INSS e na performance patrimonial dos

investimentos do plano, ou seja, do retorno esperado dos investimentos que

compõem o ativo patrimonial do plano. O montante acumulado pelas contribuições

dos participantes e do patrocinador para o plano de benefícios nem sempre

alcançava o custo dos benefícios previdenciários necessários à garantia do

cumprimento das obrigações previstas no regulamento do plano.

Não se pode ignorar que a entidade de previdência deve envidar todos os

seus esforços para obter a estrita correspondência entre o passivo (que é estimado

atuarialmente a partir das características e das necessidades do grupo protegido

pelo plano de benefícios) e as reservas do plano, de forma a lhe conferir solvência e

liquidez, imprescindíveis ao pagamento dos benefícios no tempo, forma e valor

pactuados.

Ante todas as dificuldades envolvidas na gestão e na manutenção dos

planos de benefício definido, passou-se a valorizar a instituição de planos de

contribuição definida ou variável. Assim, as empresas patrocinadoras dos planos de

benefício definido adotaram novas estratégias, de forma a não absorverem

integralmente os riscos alheios à sua atividade econômica principal.

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A partir dessa percepção, os planos de benefício definido passaram a ser

revistos pelos patrocinadores, que, em sua maioria, optaram por fechá-los a novas

adesões280, disponibilizando aos seus empregados281 planos de contribuição

definida ou variável. Sobre esse aspecto em particular, comenta Ricardo Pena

Pinheiro282283:

A título de ilustração, nos Estados Unidos, segundo dados o U. S. Department of Labor, num intervalo de vinte anos, ocorreu uma mudança gradual dos planos de benefício definido para os planos de contribuição definida, sendo que, em 1980, mais de 80% dos planos eram de benefício definido e, em 2001, essa participação tinha caído para menos de 40%. Além disso, nessas últimas duas décadas, 97% das novas companhias, independentemente do tamanho, têm preferido constituir planos de contribuição definida para seus empregados.

280

Planos “fechados a novas adesões” ou “em extinção” são planos que não admitem o ingresso de novos participantes a partir de determinada data a ser expressa no regulamento. O fato de o plano se encontrar em extinção não o exime da obrigação de cumprir com todos os deveres assumidos, de modo que deverá permanecer ativo, computando as contribuições recebidas e honrando o pagamento dos benefícios até a última prestação do seu último assistido. 281

Entenda-se por “seus empregados” aqueles novos empregados contratados pela empresa patrocinadora após a disponibilização do plano de contribuição definida, bem como os antigos empregados ativos que não aderiram ao plano de benefício definido. A finalidade do plano de benefícios é garantir qualidade de vida aos seus participantes, devendo, no âmbito das entidades fechadas, ser oferecido a todos os empregados do patrocinador ou a todos os associados do ente profissional classista ou setorial em caso de previdência associativa. 282

PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas da Previdência Social, 2007, p.90. 283

No mesmo artigo, Ricardo Pena Pinheiro apresenta a análise de Ross e Wills (2002), que apontam três teorias que explicam a preferência entre tipos de benefícios. No estudo, a primeira explicação está baseada na mobilidade que os trabalhadores têm no mercado de trabalho, de forma que a aposentadoria na mesma empresa em que começou sua carreira é pouco provável, sendo que nem mesmo as empresas empregadoras enxergam seus empregados como trabalhadores vitalícios. Por essa razão, os trabalhadores necessitam redirecionar suas contas de aposentadoria para planos de benefícios que lhes permitam portar seus recursos acumulados. Outra explicação está vinculada à teoria das finanças: nos planos de benefícios definidos o valor dos benefícios está vinculado à evolução salarial do participante, independentemente do preço dos ativos do mercado de capitais que fundamentam os planos de contribuição definida. Assim, o valor projetado dos benefícios está exclusivamente baseado na escala individual de mérito e progressão na carreira funcional dos participantes. Durante as últimas décadas, a economia americana tem apresentado taxas muito baixas de crescimento do salário real e taxas de retorno do capital mais elevadas em relação ao produto interno bruto. Visualiza-se um declínio relativo na importância dos salários para a renda nacional, reduzindo, da mesma forma, a atratividade dos planos de benefício definido. Por fim, o estudo avulta a importância das alterações da legislação previdenciária americana, que, na tentativa de assegurar as contribuições para o plano de aposentadoria, tem envolvido restrições fiscais de dedutibilidade nas contribuições dos empregadores, requerimento de fundos adicionais e limites de solvência, assim como o regramento de tipos de ativos financeiros que serão incluídos nos planos de benefícios. Essas regulamentações introduzem indevida complexidade e aumento do custo administrativo de manutenção dos planos de benefício definido, incentivando a adoção de planos de contribuição definida. Cf.: Ibidem, p.90-92.

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O texto constitucional e a Lei Complementar n.º 109/01 não trataram

especificamente da migração entre planos de benefícios, inexistindo parâmetros

legais que regulamentem as condições dessa transferência de participantes e

patrimônios previdenciários.

Diante da inexistência de orientação legislativa, é possível a migração entre

todas as modalidades de planos de previdência privada. No caso de migração entre

planos de contribuição definida, não haverá obstáculos nem prejuízo aos

participantes, uma vez que ambos os planos operam por meio de contas

individualizadas para cada participante do grupo protegido. Nessa situação, haverá

apenas a alteração das regras que regem o plano no que tange ao custeio e à

concessão dos benefícios. No processo de migração, o participante optante estará

sujeito às regras do novo plano, tornando sem efeito as regras do plano substituído.

Já na hipótese de migração de plano de contribuição definida para plano de

benefício definido, poderão existir dificuldades. O participante, ao aderir ao novo

plano, carrega consigo sua reserva matemática individualizada (e conhecida).

Entretanto, o ingresso desse direito no plano de benefício definido (mutualista)

poderá ser insuficiente para integralizar o valor do aporte inicial no plano, fazendo-se

necessário o pagamento de joia ou de serviço passado, sob pena de redução do

valor do benefício contratado a ser recebido futuramente.

A migração entre planos de benefício definido é possível teoricamente, mas

de difícil consecução na prática. É viável apenas entre planos idênticos entre si (e

nesse caso não faria nenhum sentido operacionalizar um complexo processo de

migração). Isso porque, além de ser necessário o cálculo do valor do direito

acumulado de cada participante, ao ingressar no novo plano poderiam ser

constatadas sobras financeiras no plano originário ou insuficiência de valores para

integralizar o aporte inicial do plano novo, com as mesmas consequências retro

apresentadas.

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Por fim, a migração de planos de benefício definido para planos de

contribuição definida é a mais comum. Nessa situação, ensina Maria da Glória

Chagas Arruda284:

[...] Na grande maioria dos casos, é simulada a liquidação do plano para se estabelecer qual é o direito acumulado do participante (reservas individualizadas) e em seguida a tal apuração o valor é transferido, após a anuência do participante, para conta individualizada mantida em nome do participante, conforme as regras insertas no plano do tipo contribuição definida. Nesse caso, os participantes que não quiserem migrar para o outro plano continuarão vinculados ao plano de benefício definido. Outra forma de migração de plano de benefício definido para contribuição definida é a hipótese em que o plano de benefício definido é integralmente liquidado, calcula-se o valor da reserva de todos os participantes e tal plano é transformado em plano do tipo contribuição definida, em que todos os participantes que eram vinculados ao plano originário partem com determinado valor nas suas reservas matemáticas de benefícios a conceder. Não há continuidade do plano de benefício definido, o plano é extinto e todos os participantes são obrigatoriamente alocados no novo plano.

A migração entre planos de benefícios normalmente resulta da retirada de

patrocínio285 por parte do patrocinador (e consequente extinção do plano originário

na forma em que foi constituído) ou da cisão parcial do plano de benefício definido

(se for intenção do patrocinador manter vigente o plano original), que resultará na

criação de um plano de contribuição definida ou variável286.

Havendo a retirada de patrocínio, ocorrerá novação contratual, ou seja, será

criada uma nova obrigação jurídica contratual, substituindo a anterior e originária, 284

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.108. 285

Conforme previsto nos artigos 25 e 33 da Lei Complementar n.º 109/01: “Artigo 25. O órgão regulador e fiscalizador poderá autorizar a extinção de plano de benefícios ou a retirada de patrocínio, ficando os patrocinadores e instituidores obrigados ao cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos com a entidade relativamente aos direitos dos participantes, assistidos e obrigações legais, até a data da retirada ou extinção do plano. Parágrafo único. Para atendimento do disposto no caput deste artigo, a situação de solvência econômico-financeira e atuarial da entidade deverá ser atestada por profissional devidamente habilitado, cujos relatórios serão encaminhados ao órgão regulador e fiscalizador.” “Artigo 33. Dependerão de prévia e expressa autorização do órgão regulador e fiscalizador: [...] III - as retiradas de patrocinadores; [...]” 286

Não há óbice algum na criação de novo plano também na modalidade de benefício definido, entretanto, não faz nenhum sentido cindir um plano com a finalidade de criar outro modelo protetivo que terá características semelhantes ao plano originário. Por essa razão, partimos da premissa de que o plano de benefício definido poderá ser cindido com a criação de um novo plano de contribuição definida ou variável.

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que restará extinta. Nessa circunstância, como já visto, a empresa patrocinadora

deixará de verter contribuições ao plano de previdência privada, devendo honrar

com a integralidade das obrigações assumidas até a data da retirada de patrocínio

ou da extinção do plano de benefícios.

No caso de cisão do plano de benefício definido, haverá a segregação do

grupo de participantes, identificando-lhes as correspondentes reservas matemáticas

e a respectiva proporção dos ativos garantidores daquele plano.

Diante da ausência de regulamentação específica no âmbito das entidades

fechadas em relação à cisão do plano de benefícios, poderá ser utilizada, por

analogia, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/76), especificamente em

seu artigo 229, que dispõe:

Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. Parágrafo 1º. Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

Ao criar um plano de contribuição definida ou de contribuição variável, a

empresa patrocinadora normalmente faculta aos participantes do plano de benefício

definido a possibilidade de migrar para o novo plano previdenciário privado,

oferecendo vantagens na mudança, como, por exemplo:

- créditos de migração287;

287

Os créditos de migração podem ser entendidos como uma vantagem econômica adicional a ser paga pelo patrocinador a cada um dos participantes que optarem pela migração como forma de estimulá-los a fazer essa opção. Apesar do desencaixe financeiro imediato, o patrocinador ganha com a opção pela migração a longo prazo, pois garante a minimização dos riscos outrora assumidos nos planos de benefício definido, que podem gerar custos adicionais futuros incalculáveis por décadas.

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- concessão do benefício previdenciário privado independentemente do

pagamento do benefício básico pelo INSS;

- desvinculação da folha de salários do patrocinador como referência para a

determinação do valor do benefício (e de seus reajustes), existindo a

possibilidade de o participante verter contribuições extraordinárias ao plano

que permitam que seu benefício seja superior ao montante auferido como

última remuneração na empresa;

- o saldo de conta do participante será corrigido pela rentabilidade do fundo

previdenciário (que será utilizado no pagamento dos benefícios futuros),

desobrigando o participante e o patrocinador do risco de ter de integralizar

recursos para cobrir eventual déficit do plano para o custeio dos benefícios

contratados;

- possibilidade de ampliação do rol de benefícios oferecidos288, inclusive para

os dependentes do participante;

- possibilidade de ampliação do custeio para o plano289, a critério do

participante;

- delimitação dos riscos atuariais e possibilidade de maior controle dos níveis

de contribuição dos participantes e dos patrocinadores, uma vez

desvinculados de valor predeterminado de benefício futuro; e

- mitigação significativa do potencial de risco de passivo judicial, pois a

desvinculação dos benefícios complementares da folha de pagamento do

empregador/patrocinador minimiza os riscos de discussão acerca das

parcelas que integram a base de cálculo das contribuições ao plano,

normalmente alegando omissão do regulamento do plano.

Dessa forma, existe a possibilidade de o participante, ao seu talante e

mediante manifestação formal de vontade, migrar do plano de benefício definido

para o plano de contribuição definida levando consigo sua reserva matemática. Ao

assinar o termo de opção pela migração (para adesão ao novo plano de contribuição

288

Muitos dos planos de benefício definido oferecidos antigamente garantiam apenas o pagamento de complementação de aposentadoria aos seus participantes, sem possibilidade de extensão de qualquer prestação aos dependentes ou herdeiros, como pensão por morte ou pecúlio, independentemente do período de filiação ao plano ou do tempo de gozo de benefício complementar. 289

Como o plano não continuará sendo mutualista, possivelmente não serão estipulados tetos para as contribuições dos participantes.

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definida), o participante também deverá outorgar quitação específica ao patrocinador

em relação ao plano de benefício original.

Os participantes que optarem pela migração deverão assinar um “Termo de

Opção e Transação com Quitação Geral”, sendo recomendável que o patrocinador e

a entidade de previdência privada também intervenham no documento. Já os

participantes que decidirem permanecer no plano original deverão assinar

documento específico juntamente com o patrocinador e a entidade fechada de

previdência privada, dispondo que, apesar da possibilidade de migração, decidiram

permanecer no plano originário, relacionando-se individualmente com a entidade

fechada, salvo se o patrocinador decidir dar continuidade ao plano de benefício

definido.

A expressa manifestação de vontade do participante no sentido de se

submeter às disposições contratuais dispostas no regulamento do novo plano de

benefícios aperfeiçoará a alteração daquela relação jurídica original, que será extinta

no que se refere ao participante a partir da sua substituição por aquela estabelecida

sob a égide do novo plano de benefícios.

A migração consiste na transferência de participantes, e de suas respectivas

reservas, de um plano de benefícios para outro, ambos patrocinados pela mesma

empresa. Ao formalizar a opção pelo novo plano de benefícios, o participante estará

aceitando novos direitos e obrigações previstos no respectivo regulamento

(conhecido previamente pelos participantes), que comporão um diferente arcabouço

de proteção social se comparado com o plano originário.

Não há exigência, nem vedação290, que imponha, ou vete, a migração entre

planos geridos pela mesma entidade de previdência privada, de forma que é

possível o movimento entre entidades fechadas, entre entidades abertas ou entre

entidades fechadas e abertas e vice-versa.

290

O artigo 33, inciso IV, da Lei Complementar n.º 109/01 possibilita a interpretação de vedação de transferências diretas de planos de benefícios entre entidades fechadas e abertas, sendo permitidas apenas as transferências de planos entre entidades fechadas. Considerando essa interpretação, a vedação legal não impede a hipótese de transferência de participantes para qualquer espécie de entidade de previdência privada decorrente do processo de retirada de patrocinador, conforme dispõem os itens 7 e 8 do Anexo da vigente Resolução MPAS/CPC n.º 06/88.

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Independentemente de o processo de migração ter sido originado pela

retirada de patrocínio ou pela cisão de plano de benefícios, é necessária a obtenção

de aprovação prévia da PREVIC - Superintendência Nacional de Previdência

Complementar. É desejável que a possibilidade de transferência entre planos de

benefícios (migração) seja oferecida a todos os participantes ativos do plano291,

incluindo nesse rol os autopatrocinados e os optantes pelo benefício proporcional

diferido292. Apenas os assistidos e os participantes que já adimpliram as condições

de elegibilidade às prestações previstas no regulamento do plano não terão opção

de migração nessas situações, pois já adquiriram o direito à percepção da proteção

previdenciária contratada, ou seja, o recebimento de benefícios previdenciários

privados.

A discussão de qualquer processo de migração deve ser prévia e

amplamente divulgada a todos os participantes do plano de benefícios. O processo

deve se firmar no princípio da transparência, que exige que os deveres e direitos do

novo plano sejam apresentados de forma simples, objetiva e precisa a todos os

interessados.

Antes da formalização do processo de migração, o patrocinador poderá

requerer à entidade fechada de previdência privada o fechamento do plano de

benefício definido, colocando-o em extinção. Para que seja possível o fechamento

do plano de benefícios, é necessária a inclusão de cláusula no seu regulamento

vedando o ingresso de novos participantes, sem alteração dos direitos e obrigações

dos participantes e assistidos já inscritos.

291

Ressalte-se que a solicitação de ingresso no novo plano de benefícios deve ser efetuada de forma voluntária pelos participantes do plano original. 292

Os participantes denominados autopatrocinados são aqueles que sofreram perdas parciais ou totais de remuneração e que optaram por manter suas contribuições ao plano de previdência privada, assumindo conjuntamente o pagamento da contribuição vertida pelo patrocinador em relação à parcela reduzida, tornando possível a percepção futura de benefício nos níveis anteriormente praticados, observado o regulamento do plano de benefícios. Já os optantes pelo benefício proporcional diferido são aqueles participantes que, em razão da cessação do seu vínculo empregatício com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, antes da aquisição do direito ao benefício pleno programado, interrompem suas contribuições para o custeio do plano de benefícios, optando por receber, quando preencherem futuramente os requisitos de elegibilidade do benefício contratado, um benefício programado.

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O plano de benefícios somente será considerado em extinção após a

aprovação, pela PREVIC - Superintendência Nacional de Previdência

Complementar, da alteração do regulamento proposta para seu fechamento.

Quando um participante se manifesta prévia e expressamente favorável à

migração entre planos de benefícios, se opera uma transação de novação293294

contratual inequívoca, que se revela perfeitamente jurídica e eficaz, apta à produção

de todos os efeitos desse complexo negócio jurídico, restando extinta a relação

jurídica anteriormente assumida no plano de benefício definido, constituindo-se uma

nova relação com o plano de contribuição definida ou de contribuição variável.

Àqueles participantes que optaram pela transferência para o plano de

contribuição definida ou de contribuição variável deve ser assegurado o cômputo do

tempo de vinculação no plano original para fins de totalização do tempo de

vinculação ao plano, parâmetro que servirá para a determinação de carência para

elegibilidade aos benefícios oferecidos pelo novo plano.

É possível (e comum) que nem todos os participantes do plano originário

optem pela migração ao novo plano de benefícios oferecido pelo patrocinador. Os

participantes que permanecem no plano de benefício definido ficam expostos, em

maior proporção, aos riscos inerentes a esse negócio jurídico, considerando-se a

diminuição da massa de participantes protegidos e, consequentemente, da força

contributiva do plano. Não se pode esquecer que, se o processo de migração

decorrer da retirada de patrocínio, os participantes que optarem por permanecer no

plano original ficarão vinculados diretamente à entidade de previdência privada,

submetidos às condições impostas ante a nova realidade que se configura.

293

A novação é uma operação jurídica do direito das obrigações (Parte Especial, Livro I, Título III, Capítulo VI, arts. 360/367, do Código Civil) que consiste em criar uma nova obrigação, substituindo e extinguindo a obrigação anterior e originária. 294

A formalização da opção pela migração, promovendo a novação contratual, em caráter irrevogável e irretratável, deve se dar em um ambiente no qual todas as informações necessárias à formação da convicção do participante tenham sido disponibilizadas, de forma clara e simples, a fim de evitar a alegação futura de vícios que possam comprometer a validade e eficácia do negócio jurídico ajustado. Não é demais lembrar o entendimento jurisprudencial vigente consolidado na Súmula n.º 321 do Supremo Tribunal de Justiça: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.”

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Outras desvantagens podem comprometer a manutenção e o bom

andamento do plano de benefício definido dependendo do percentual de adesão de

participantes à migração entre planos, uma vez que um contingente muito pequeno

de participantes poderá inviabilizar o custo de sua operação ou poderá elevar

deveras o valor das contribuições necessárias para o adimplemento dos

compromissos assumidos, encarecendo seu custo normal. Cabe notar ainda que os

próprios participantes que não aderiram em um primeiro momento à migração

podem requisitar a abertura de novos prazos para tanto.

Por outro lado, se a adesão contar com inexpressiva parcela da massa de

participantes protegida no plano originário, restará inviável a migração em

decorrência dos custos de gestão do novo plano. Quando não for conveniente ao

participante manter o vínculo com o plano originário nem migrar para o novo plano,

poderá exercer seu direito de resgate295.

Gushiken296 ensina que o procedimento metodológico da migração entre

planos de benefícios resulta em um norte estratégico que deve ser assentado nas

seguintes premissas básicas:

- garantir a preservação do patrimônio individual dos participantes;

- garantir a preservação do patrimônio do Fundo de Pensão;

- garantir transparência do plano;

- garantir uma contribuição mínima do patrocinador; e

- garantir gestão, no mínimo, paritária.

Considerando a complexidade do processo de migração, faz-se

imprescindível a criação de comissão paritária entre representantes dos

trabalhadores (e participantes) e do patrocinador para a definição de todas as

condições do novo plano de benefícios. Seria desejável que a discussão fosse

295

O instituto do resgate está previsto nos artigos 14 e 27 da Lei Complementar n.º 109/01, e consiste na possibilidade de o participante restituir a totalidade das suas contribuições vertidas ao plano, descontadas as parcelas do custeio administrativo. O regulamento poderá prever hipóteses em que o participante também receberá percentual do montante oriundo das contribuições do patrocinador, situação não prevista na legislação. 296

GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.149.

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estendida a todos os participantes do plano de benefícios, interessados diretos nas

decisões que serão tomadas. Infelizmente, raramente os participantes participam

dessa etapa de negociação.

Definidos os parâmetros do novo plano de benefícios (contribuição definida

ou variável), este terá sua existência e validade jurídica condicionadas à aprovação

pelo órgão fiscalizador297. Primeiramente o regulamento do novo plano de benefícios

e o convênio de adesão devem ser aprovados pela PREVIC - Superintendência

Nacional de Previdência Complementar 298. Regularmente constituído o novo plano

de benefícios, a entidade fechada de previdência privada requererá à PREVIC

autorização para proceder à migração de participantes entre os planos de

benefícios. A PREVIC terá 35 (trinta e cinco) dias úteis299 a partir do protocolo da

demanda para analisá-la, aprovando ou cancelando o pedido de migração entre

planos de benefícios.

Sendo aprovada a migração, deverá ser comunicada a todos os empregados

a disponibilização do novo plano de benefícios aberto a adesão, facultando aos

participantes do plano de benefício definido a possibilidade de migrar para o plano

de contribuição definida ou de contribuição variável. No processo de migração deve

ser garantida a transferência da totalidade dos direitos acumulados pelo participante

migrado.

Cabe ao plano de benefício definido extinto individualizar o patrimônio de

cada participante para que seja possível a sua transferência para o novo plano de

benefícios em decorrência da opção pela migração. Após a apuração dos valores

dos participantes que consentiram a migração, há de se apurar todos os ativos que

garantirão as reservas matemáticas transferidas para o plano CD. Devem ser

transferidos recursos suficientes para a garantia dos valores transportados para o

novo plano. Ativos com problemas de preço, liquidez, rentabilidade ou em relação

297

Vide artigo 33 da Lei Complementar n.º 109/01: “Artigo 33. Dependerão de prévia e expressa autorização do órgão regulador e fiscalizador: I - a constituição e o funcionamento da entidade fechada, bem como a aplicação dos respectivos estatutos, dos regulamentos dos planos de benefícios e suas alterações; [...] e IV - as transferências de patrocínio, de grupo de participantes, de planos e de reservas entre entidades fechadas. [...]” 298

Procedimentos regulamentados pela Resolução CGPC n.º 08, de 19/02/2004, e pela Instrução PREVIC n.º 4, de 26/08/2011. 299

Vide artigo 21, III, “d”, da Instrução PREVIC n.º 4, de 26/08/2011.

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aos quais haja qualquer pendência precisam ser equalizados, pois somente os

ativos já regularizados podem ser transferidos para o novo plano.300 Ou seja, é

fundamental que todas as dívidas e compromissos do patrocinador estejam quitados

com o plano de benefício definido, permitindo sua constatação de forma clara e

inequívoca nos documentos formais do plano.

Assim, deve-se proceder ao cálculo do justo direito adquirido por cada

participante no plano vigente, o qual será denominado de benefício proporcional

saldado. Gushiken ensina que a definição do benefício proporcional saldado deve

representar a proporcionalidade que já foi atingida em relação ao benefício integral,

sendo calculada dividindo-se o tempo do plano até o momento da migração pelo

tempo total de plano que seria exigido para a obtenção do benefício integral.

A Reserva Matemática Individual (ou Reserva Matemática de Benefício Saldado) deverá consistir no montante de recursos financeiros garantidores do Benefício Proporcional Saldado, considerando a reversão em pensão, apurado atuarialmente para a data projetada para sua concessão, trazida ao valor presente, para a data do crédito no novo Plano, utilizando-se apenas o desconto da taxa de juro atuarial, desprezando, assim, qualquer outro valor. Dita de outra maneira, a Reserva Matemática Individual deverá corresponder ao montante equivalente ao valor presente proporcional, atuarialmente calculado, de todos os benefícios do plano de origem, avaliados na data de crédito do novo plano.301

Uma vez calculado o benefício proporcional e a reserva matemática

individual de cada participante do plano de benefício definido, deve-se oferecer ao

participante a oportunidade de permanecer vinculado ao plano originário (a partir de

então sem patrocinador) ou migrar para o plano de contribuição definida ou

contribuição variável.

O mecanismo adotado para individualizar os direitos dos participantes do

plano de benefício originário deverá proteger tanto aqueles que migrarão para outros

planos de benefícios como os que permanecerão no plano de benefício definido. O

300

ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008, p.111. 301

GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.151.

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valor das reservas dos participantes que permanecerão no plano de origem deve ser

suficiente para honrar o pagamento (presente e futuro) dos benefícios outrora

contratados, sendo que o plano permanece com suas características originais.

Se o plano de benefício definido tiver sido saldado e o participante optar por

lá permanecer, terá direito ao recebimento futuro (quando do cumprimento de todos

os requisitos de elegibilidade do benefício contratado) de benefício proporcional

diferido, de acordo com seu direito acumulado302. Aos assistidos, titulares da

percepção de benefício previamente contratado em razão do preenchimento de

todos os requisitos de elegibilidade previstos no regulamento do plano, deve ser

garantida a manutenção no plano originário, em todas as condições negociadas. Se

for inviável a manutenção do plano originário, é possível a transferência desses

assistidos para um terceiro plano de benefícios, desde que garantidos idênticos

direitos àqueles previstos no plano de origem. A alteração da forma ou do valor do

benefício pago aos assistidos fere o ato jurídico perfeito e o direito adquirido,

garantidos constitucionalmente.

As alternativas devem ser exaustivamente discutidas303, pois a

complexidade da individualização do patrimônio dessa população é ainda maior que

no caso dos participantes ativos, mormente se tomarmos a situação de um assistido

que entrou em fase de recebimento de benefícios e possui idade superior àquela

considerada na tábua biométrica do plano. Nessa hipótese, em tese, sob o ponto de

vista atuarial, inexiste direito para o assistido, pois toda a sua reserva já teria sido

utilizada, beneficiando-se, quanto aos recursos para pagamento de seu benefício

atual, da mutualidade ínsita aos planos de benefício definido.

302

Gushiken doutrina que devem ser adotados procedimentos protetivos aos participantes que optaram por permanecer no plano de origem, pois seus interesses não podem ser ofendidos. As reservas que restaram no plano foram calculadas no bojo de um conjunto de participantes e suas relações de solidariedade foram quebradas por meio do processo migratório. Os participantes que optaram por não migrar não podem ser penalizados, de forma que o processo de migração deve ser verdadeiramente facultativo. GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.152. 303

Podem, por exemplo, ser contratados planos com as mesmas características do plano encerrado (situação que não faz nenhum sentido considerando o desejo ou a necessidade de extinção do plano originário) ou o patrocinador poderá contratar seguros de renda ou planos de previdência aberta que garantam o caráter vitalício do pagamento do benefício. Essas situações, na prática, equivaleriam à manutenção do patrocínio.

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Já os assistidos que ainda não atingiram a idade considerada sob o ponto de

vista atuarial no plano de benefícios, correm o risco de lhes serem atribuídos direitos

que honrariam o valor do benefício previdenciário por alguns anos, não

necessariamente suficientes para atender à característica da vitaliciedade do

benefício. Cumpre lembrar que aos assistidos é garantida a utilização das regras

vigentes no momento do preenchimento dos requisitos que os tornaram elegíveis ao

percebimento do benefício, conforme previsto no parágrafo único do artigo 17 da Lei

Complementar n.º 109/01304.

Também é possível que o plano de beneficio definido seja mantido com

todas as suas condições de custeio e de benefícios pelo patrocinador, de forma que

será permitido ao participante mensurar as vantagens e desvantagens de cada

plano, podendo permanecer, sem alteração de vínculo, com o plano de benefícios

original305. Por outro lado, sendo concretizada a migração do participante para o

plano de contribuição definida ou de contribuição variável, deverá ser efetivada a

transferência da sua reserva matemática individual, de forma que o sujeito assumirá,

a partir de então, todos os direitos e obrigações inerentes ao novo plano de

benefícios.

Nesse aspecto, ensina Gushiken306:

Caso seja feita a transferência da reserva matemática para o novo plano, todos os cuidados quanto aos ativos que a acompanharem devem ser tomados, uma vez que, no plano de origem, o modelo é mutualista e, no novo plano, é individualista. Ou seja, ativos com problemas de rentabilidade, preço e liquidez, que no plano de origem não afetariam o benefício dos participantes, caso sejam transferidos para o novo plano de “CD”, poderão depreciar esse benefício.

304

“Artigo 17. [...] Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.” 305

Oportuno lembrar que, nessa hipótese, tendo sido alto o índice de adesões dos participantes ao processo de migração do plano de benefício definido para o plano de contribuição definida ou contribuição variável, há a diminuição da massa de participantes protegidos pelo plano e, sendo fundado em regime financeiro de repartição, são maiores os riscos de necessidade de aumento do valor das contribuições (participante e/ou patrocinador) para manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do plano para honrar o adimplemento dos benefícios contratados. 306

GUSHIKEN, Luiz; FERRARI, Augusto Tadeu; FREITAS, Wanderley de. Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba, SP: Instituto Integrar Integração, 2002, p.152.

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Ativos sobre os quais pesem qualquer dúvida devem, portanto, ser objeto de contrato adicional, onde as patrocinadoras se responsabilizem claramente pelo tripé rentabilidade, preço e liquidez, ou recusados e substituídos por outros que apresentem maiores garantias.

Outro aspecto fundamental relacionado a esse assunto é a constatação de

déficit ou de superávit no plano de benefícios no momento da individualização do

patrimônio previdenciário.

10.1 DÉFICIT

O déficit dos planos de benefício definido poderá ser resultante da má

gestão do plano ou de fatores externos que fogem ao controle imediato da entidade

de previdência, como, por exemplo: a) aumento ou imposição de novos tributos

(obrigações) não previstos no orçamento do plano, gerando perda patrimonial

significativa; b) instituição do fator previdenciário pelo regime geral de previdência

social, levando a significativa redução dos benefícios básicos e, consequentemente,

ao aumento do valor pago pelos planos de complementação de aposentadoria na

modalidade de benefício definido; e c) premissas atuariais iniciais não concretizadas

durante a vigência do plano, como redução da rotatividade dos empregados do

patrocinador e o aumento da expectativa de vida dos participantes, restando

majorados os prazos de pagamento dos benefícios sob renda vitalícia

(diferentemente daqueles inicialmente estimados).

O déficit técnico é constatado quando o valor das obrigações do plano de

benefícios (provisões matemáticas) é maior que o valor do patrimônio já constituído

(ativo garantidor). Ou seja, o plano de benefícios apresenta mais obrigações com

seus participantes do que reservas para honrar o pagamento dos benefícios

contratados. Quando essa situação é identificada, de acordo com a legislação, o

desequilíbrio precisa ser equacionado para que contas voltem a ser equivalentes.

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O equilíbrio técnico somente poderá ser restabelecido por meio do aumento

do valor das contribuições, pela imposição de contribuição adicional ou, ainda, pela

redução do valor dos benefícios. A estratégia normalmente utilizada para equacionar

o desequilíbrio econômico-financeiro do plano de benefícios consiste no aumento

proporcional das contribuições dos patrocinadores, dos participantes e dos

assistidos, nos termos dispostos no artigo 21 da Lei Complementar 109/01:

Artigo 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar. §1º. O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador. §2º. A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano. §3º. Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em conseqüência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou em melhoria dos benefícios.

Não há previsão legal que imponha qualquer espécie de distinção que

confira responsabilidade maior ou menor a cada um dos sujeitos da relação jurídica

previdenciária no ajustamento do déficit, independentemente do motivo que originou

o desequilíbrio técnico. Assim, se constatado o desequilíbrio do plano de benefícios,

será necessário o aumento imediato das contribuições vertidas ao plano, de forma

proporcional aos aportes direcionados por cada um dos sujeitos da relação

previdenciária, ou a diminuição dos benefícios contratados para os participantes que

ainda não preencheram os requisitos de elegibilidade. Cumpre lembrar que não há

de se falar em redução do valor dos benefícios percebidos pelos assistidos, que são

resguardados pelo ato jurídico perfeito e pelo direito adquirido.

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A elevação de aportes será devida pelos participantes que optaram por

permanecer no plano de origem (BD - benefício definido) e pelo patrocinador307 (se

não tiver havido retirada de patrocínio), por meio de contribuições extraordinárias308.

No caso da constatação do déficit no momento da migração entre planos, cada parte

deverá arcar com o seu montante proporcional de responsabilidade, sendo que o

participante poderá migrar, juntamente com o seu patrimônio previdenciário

individual, o importe de suas obrigações309.

10.2 SUPERÁVIT

Na realização da avaliação atuarial do plano de benefícios originário (a ser

extinto, mantido sem patrocínio ou cindido para o processo de migração entre

planos) também poderá ser constatada a existência de superávit.

O superávit310 revelará que as contribuições vertidas ao plano pelos

participantes e/ou pelo patrocinador até então foram superiores às necessárias para

adimplemento dos compromissos firmados no plano. Apesar de se tratar de “sobra

financeira”, que não impacta negativamente os participantes nesse momento

(outrora o valor da contribuição poderia ter sido reduzido), ainda estar-se-á diante de

um cenário de desequilíbrio econômico-financeiro e atuarial decorrente de

financiamento desproporcional.

307

No estudo em questão não estamos tratando dos planos de benefícios patrocinados por entes públicos. Ressaltamos que os planos de benefícios que não estão sujeitos às disciplinas da Lei Complementar n.º 108/2001 não estão obrigados a seguir o conceito da paridade contributiva entre participantes, assistidos e patrocinadores. 308

Vide artigo 19 da Lei Complementar n.º 109/01: “Artigo 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar. Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em: I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.” 309

Em razão da individualização do patrimônio para o processo de migração, o participante terá delineado os valores do seu direito e do seu débito, de forma que, na conta individualizada, ele será devedor e credor de si mesmo, cabendo exclusivamente a ele integralizar sua reserva matemática. 310

O superávit também poderá ser verificado durante a vigência do plano de benefícios, que passa por avaliações atuariais periodicamente.

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Sendo constatada a existência de superávit, os valores excedentes serão

revertidos ao plano, em prol da massa de participantes (ativos e assistidos)311. Em

se tratando de retirada de patrocínio, o destino desse superávit está delineado no

item 6 do Anexo da Resolução MPAS/CPC n.º 6/88:

6. Se o Ativo do Fundo correspondente à Patrocinadora for superior ao total das reservas matemáticas correspondentes à alínea h do item 2, o excedente, após deduzidas as despesas administrativas correspondentes à saída da Patrocinadora, será novamente rateado entre os participantes, cabendo a cada um parte proporcional ao total recebido na distribuição já efetuada. A Receita Federal será informada da devolução, quando da homologação pela Secretaria de Previdência Complementar312, para as providências cabíveis.

Conforme previsão legal vigente, no processo de individualização das

reservas do plano, far-se-á necessária a distribuição proporcional do superávit entre

os participantes do plano de benefícios.

10.3 DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO ACUMULADO

É fundamental abordar a questão do direito adquirido e do direito acumulado

pelos participantes nesse contexto, pois se trata da aquisição e manutenção dos

direitos vinculados à formação e à percepção dos compromissos assumidos pelos

planos de benefícios.

311

Vide artigo 20 da Lei Complementar n.º 109/01, Resolução CGPC n.º 26, de 29/09/2008, e Instrução SPC n.º 28, de 30/12/2008. 312

Vale lembrar que a SPC - Secretaria de Previdência Complementar foi definitivamente substituída pela PREVIC - Superintendência Nacional de Previdência Complementar nas funções de órgão fiscalizador e de supervisão das entidades fechadas de previdência privada e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado por entidades fechadas, a partir da vigência da Lei n.º 12.154, de 23/12/09, conforme seu art. 55. “As competências atribuídas à Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, por meio de ato do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, do Conselho Monetário Nacional e de decretos, ficam automaticamente transferidas para a Previc, ressalvadas as disposições em contrário desta Lei.”

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O direito adquirido e o direito acumulado constituem limitações às propostas

de alteração dos planos previdenciários. Rubens Limongi França313 conceitua direito

adquirido como “a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato

idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral

do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto”. Já

José Afonso da Silva314 tem o seguinte entendimento:

Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava). P. ex., quem tinha o direito de casar de acordo com as regras de uma lei, e casou-se, seu direito foi exercido, consumou-se. A lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada. A lei nova não pode descasar o casado, porque estabeleceu regras diferentes para o casamento. Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando convier. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes.

O direito adquirido preserva a segurança jurídica e a estabilidade das

relações sociais, estando garantido no artigo 5º, XXXVI315, da Constituição Federal,

no artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro316317 e nos artigos

17 e 68 da Lei Complementar n.º 109/01. Sendo proposta mudança no regulamento

do plano de benefícios que afete o participante, este terá garantida a aplicação da

313

FRANÇA, Rubens Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 3ª ed. São Paulo: RT, 1982, p.208. 314

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1993, p.379-380. 315

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; [...]” 316

Decreto-lei n.º 4.657, de 04/09/1942, antiga LICC - Lei de Introdução ao Código Civil, cujo objeto foi alterado pela Lei n.º 12.376/2010. 317

Decreto-lei n.º 4.657/42, artigo 6.º: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”

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norma vigente no momento em que se tornou elegível ao benefício ou ao usufruto de

direito garantido antes da alteração regulamentar.

Por sua vez, a figura do direito acumulado não encontra definição jurídica

objetiva na legislação vigente. O parágrafo único do artigo 15 da Lei Complementar

n.º 109/01 estabelece um conceito financeiro:

Artigo 15. [...] Parágrafo único. O direito acumulado corresponde às reservas constituídas pelo participante ou à reserva matemática, o que lhe for mais favorável.

O direito acumulado seria identificado a partir de uma das equivalências

financeiras possíveis: as reservas constituídas pelo participante ou a reserva

matemática, o que lhe for mais favorável. Define Roberto Eiras Messina318:

O direito acumulado corresponde à identificação de uma situação transitória que um participante ostenta perante um plano de benefícios previdenciários em um determinado instante em que se visualiza sua condição à caminho de uma consolidação futura do direito adquirido à percepção do benefício contratado, observadas as premissas estabelecidas para a construção da base de financiamento do referido plano.

Assim, tem-se que o direito acumulado e o direito adquirido são distintos

entre si (Messina319 refere-se a valores de segurança jurídica distintos). O direito

acumulado se refere a uma conquista parcial obtida pelo participante em relação ao

contratado no plano de benefícios, aferível até o momento da alteração do

regulamento. Já o direito adquirido constitui garantia de pagamento da obrigação

contratada com o plano após o preenchimento dos requisitos de elegibilidade

previstos no regulamento, que somente poderiam ser alterados em situações

excepcionais como déficit do plano ou descontinuidade do patrocínio.

318

MESSINA, Roberto Eiras. Direito adquirido e direito acumulado em processos de retirada de patrocínio, fusão, cisão, incorporação e transferência de gestão de planos de benefícios da previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.) Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.161. 319

Ibidem, p.161.

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No caso de cisão de plano de benefícios e constituição de outro plano com

possibilidade de migração do plano original para o novo, deve restar preservado o

direito adquirido. Já quando se trata de retirada de patrocínio, há de se analisar com

cautela a figura do direito adquirido, uma vez que poderá existir redução significativa

dos aportes que serão vertidos ao plano de benefícios, considerando o tempo de

vinculação ao plano por cada participante. Na situação de retirada de patrocínio

avoca-se o conceito de direito acumulado, já que não se discutem direitos estranhos

à reserva financeira constituída até o momento em que se dá a retirada.

10.4 SALDAMENTO

Não há de se confundir o processo de migração entre planos de benefícios

com a figura do saldamento. Diferentemente do processo de migração, cuja adesão

é facultativa ao participante, o saldamento tem por característica a universalidade de

sua abrangência, ou seja, atingirá a todos os participantes ativos do plano de

benefícios.

Na migração há a transferência de participantes e das respectivas reservas

de um plano de benefícios para outro distinto. Já na situação de saldamento há o

dimensionamento dos direitos proporcionais acumulados por cada participante do

plano de benefícios, sendo certo que o processo é encerrado no mesmo plano,

inexistindo transferência de direitos e obrigações de um plano de benefícios para

outro.

O saldamento é um processo de transição que determina ao participante

ativo a percepção futura de benefício equivalente ao direito proporcional acumulado

no plano de benefícios. Por meio do saldamento, será garantido a cada participante

ativo do plano, na data prevista para a concessão do seu benefício programado, um

valor de benefício proporcional ao inicialmente previsto no regulamento.

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Após o saldamento não haverá mais contribuições dos participantes e do

patrocinador ao plano durante a fase de acumulação, ou seja, os participantes e o

patrocinador param de verter suas respectivas contribuições a partir da data de

saldamento. É importante destacar que o saldamento do plano de benefícios não

gera reflexos nos benefícios percebidos pelos assistidos.

O saldamento é calculado considerando-se, para cada participante ativo320,

o valor do benefício previdenciário privado a que teria direito caso já tivesse

cumprido todos os requisitos exigidos para sua concessão. Sobre esse montante

será aplicado um redutor proporcional ao tempo de contribuição que o participante

detém. O novo valor do benefício, que é chamado de Benefício Proporcional

Acumulado (BPA), será atualizado pelo índice estabelecido no regulamento até a

data em que o participante se tornar elegível ao benefício previsto no plano.

Há a opção de o patrocinador criar outro plano de benefícios

(denominaremos de plano B) concomitantemente ao saldamento do plano inicial

(chamaremos de plano A), existindo a possibilidade de os participantes do plano

saldado A ingressarem no plano B a fim de continuarem acumulando direitos para o

percebimento de um valor melhor de benefício programado no futuro. O plano B

também poderá garantir maior segurança aos seus participantes se assegurar a

concessão de benefícios de risco.

Da mesma forma que ocorre para a concretização de um processo de

migração entre planos de benefícios, para a implementação das regras de

saldamento faz-se necessária a alteração das regras previstas no regulamento do

plano, impondo sua validação pelos membros do Conselho Deliberativo321, a

aprovação da PREVIC322 - Superintendência Nacional de Previdência

320

Entende-se por participante ativo aquele vinculado por meio de contrato de trabalho com o patrocinador, o autopatrocinado ou o participante que optou pelo benefício proporcional diferido que ainda não implementaram as condições de elegibilidade para recebimento do benefício programado. 321

O conselho deliberativo da entidade fechada de previdência privada é órgão obrigatório na estrutura operacional da entidade e deve garantir a representação dos participantes e dos assistidos em, no mínimo, um terço das vagas, conforme dispõe o artigo 35 e parágrafos da Lei Complementar n.º 109/01. No caso das entidades multipatrocinadas, a composição do conselho deliberativo deverá considerar o número de participantes vinculados a cada patrocinador, bem como os respectivos patrimônios. 322

Vide Resolução MPS/CGPC n.º 08, de 19/02/2004.

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Complementar, bem como a observância do direito acumulado (a que o participante

ativo faz jus) e do direito adquirido (a que o assistido é titular), sendo válida para

todos os participantes do plano323.

É garantida aos participantes que já completaram os requisitos de

elegibilidade aos benefícios previdenciários previstos no plano a adoção do

regulamento vigente na data em que se tornaram aptos a pleitear o benefício

contratado324. Por tal razão, o saldamento não será aplicado aos aposentados e aos

pensionistas existentes no plano na data do saldamento.

A partir do saldamento, considerando apenas os participantes ativos, temos

que os benefícios previstos no plano saldado serão concedidos de acordo com os

direitos acumulados individualmente.

Existindo a previsão de cobertura de benefícios de risco no plano saldado,

durante toda a fase de diferimento (que abrange o período entre a data do

saldamento e a data de início de recebimento do benefício saldado), as coberturas

de invalidez e falecimento do participante ativo se darão em função do cálculo

individual da reserva de poupança de cada participante. Ou seja, os benefícios

programados serão pagos de forma proporcional, sendo calculados em função do

direito proporcional acumulado pelo participante.

Percebe-se que o pagamento dos benefícios no plano saldado é diferente

daquele ocorrido em situações de migração de planos, já que nesta situação o

benefício poderá ser pago em seu valor originalmente contratado, com possíveis

variações a maior ou a menor, conforme as contribuições vertidas pelo participante

e/ou pelo patrocinador.

323

Vide artigo 17 da Lei Complementar n.º 109/01: “Artigo 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.” 324

Vide artigo 17 da Lei Complementar n.º 109/01: “Artigo 17. [...] Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.”

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184

10.5 CONSEQUÊNCIAS PARA OS PARTICIPANTES E PARA O PATROCINADOR

A relação jurídica contratual previdenciária, fundada em contrato de adesão,

é baseada no risco contratado. Na migração de um plano de benefício definido para

outro plano de contribuição definida ou de contribuição variável, a relação passa a

ser sustentada mais pelo fator econômico que pelo fator social.

No processo de migração, é patente a preservação dos interesses do

patrocinador, que se desincumbe dos riscos da manutenção de um plano, muitas

vezes constituído sob o regime financeiro de repartição, mutualista e solidário, com

consequências econômicas imprevisíveis em curto prazo, repassando ao

participante a assunção do risco.

No plano de benefício definido, o risco da mortalidade, por exemplo, é

dividido por todos os participantes, de modo que as entidades de previdência

privada têm condições de determinar o tempo médio de expectativa de vida dos

participantes da comunidade protegida. Nesses planos, se a sobrevida dos

participantes exceder o limite calculado pelo atuário, restará ao patrocinador o

encargo de verter contribuições adicionais para garantir o benefício vitalício

contratado325 (situação normalmente não garantida em planos de contribuição

definida).

A migração evita que o patrocinador assuma qualquer impacto financeiro

decorrente do aumento do custo atuarial dos seus planos de benefício definido,

muitas vezes majorado em decorrência de alterações que fogem ao seu controle ou

previsão, como, por exemplo, as alterações dos benefícios concedidos no âmbito do

regime geral de previdência social.

Para que tenha êxito um processo de migração, o patrocinador deve

oferecer vantagens ao participante para estimulá-lo a deixar um plano confortável e,

em tese, menos oneroso.

325

Vide tópico anterior que aborda a questão do déficit nos planos de benefícios.

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185

A assunção do risco pelo participante ocorrerá em razão de diversas outras

possibilidades de segurança que o novo plano deve disponibilizar, como um

incentivo financeiro, novos benefícios, a possibilidade de outras formas de

contribuição, a exclusão de limites de teto para concessão de benefícios, a proteção

aos dependentes etc.

No novo plano, o participante deverá ter garantida, no mínimo, a

transferência da integralidade do direito acumulado no plano de origem,

descontadas apenas as despesas operacionais. Eis outro aspecto que onerará o

participante na migração: as taxas de administração cobradas em planos que

possuem contas agregadas são menores que as taxas exigidas de planos com

contas individualizadas.

Afirma Ricardo Pena Pinheiro326:

A migração dos planos de benefício definido para os planos de contribuição definida tem exigido o abandono do princípio previdenciário e solidário do financiamento, de forma a adotar o princípio puramente financeiro e individualista em que não se agrega fator de desconto atuarial ou fator de probabilidade de sobrevivência, quando se calcula o valor do encargo necessário para pagar a renda no futuro.

Embora reste reconhecido que tanto o plano de benefício definido como o

plano de contribuição definida ou de contribuição variável possuem natureza

previdenciária, ressaltando principalmente as características da mutualidade e da

solidariedade presentes nos planos originários aqui tratados no processo de

migração, temos que os planos de benefício definido são verdadeiros planos de

aposentadoria, na acepção apreendida pela previdência social em seu sentido lato.

Por sua vez, os planos de contribuição definida não apresentam nenhuma

hipótese atuarial a ser considerada, já que o benefício resultará da reserva individual

de cada participante, utilizando as fórmulas e regras de cálculo previstas no

regulamento do plano. Nesses planos, participantes e patrocinadores (se for o caso)

326

PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas da Previdência Social, 2007, p.102.

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186

só contribuem para o plano se suas condições econômicas permitirem, além de não

existir possibilidade de constituir déficit ou superávit.

Os planos de contribuição definida, considerando a flexibilidade que lhes é

inerente, possuem feição não atuarial, inexistindo a repartição do risco entre o grupo

protegido, podendo ser considerados como planos de poupança. Como bem conclui

Eliane Romeiro Costa327:

Para os defensores dos planos BD, a solidariedade mutual se expressa nas reservas acumuladas, nos riscos. Por sua vez, os planos CD são de maior custo considerando não o conjunto de mutuários, mas a reserva individualizada [...]. Há uma tendência em constatar a “natureza previdenciária dos planos BD” e a “poupança previdenciária de capitação independente” dos planos CD.

Por todo o exposto, verifica-se que a migração de planos de benefício

definido para planos de contribuição definida altera a proteção do risco social fixada

no momento da adesão original do participante ao plano de previdência privada,

fragilizando-a ao assumir tal responsabilidade.

10.6 O CONTEXTO SOCIAL E A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA NA MIGRAÇÃO

ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS

Os planos de benefícios previdenciários privados foram criados com a

finalidade de garantir segurança e manutenção do padrão de vida aos seus

participantes nos períodos de insegurança oriundos da concretização de

contingências sociais legalmente protegidas, assegurando-lhes condições de prover

o seu próprio sustento.

A sociedade cobra o aumento da cobertura previdenciária sem atentar para

a evidente, e crescente, mutação da realidade demográfica mundial. Os riscos

futuros tornam-se presentes a cada dia, gerando dificuldades novas e complexas

327

COSTA, Eliane Romeiro. Previdência Complementar - tipos de planos. Revista de Previdência Social. São Paulo, ano XXVIII, nº. 285, ago. 2004, p.703.

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187

que deveriam ser consideradas principalmente nas questões de proteção

previdenciária.

Historicamente, é importante a análise do contexto social que gerou o atual

estágio de proteção social. A Revolução Francesa trouxe consigo o liberalismo

econômico e político, que resultou em significativo impacto social, uma vez que

destruiu o equilíbrio econômico e social até então existentes.

No final do século XVIII e início do século XIX, a população abandonou a

estrutura familiar estável presente na vida rural em busca de sonhos vinculados à

urbanização e à industrialização. Nesse processo, a busca incessante pelos lucros e

a exploração da mão de obra desprotegiam cada vez mais o trabalhador e sua

família, que eram oprimidos pela economia. Surgiram então as primeiras

reivindicações inerentes às relações trabalhistas, principalmente vinculadas à

jornada de trabalho e sua remuneração, bem como à exploração do trabalho da

mulher e da criança.

A legislação trabalhista incipiente almejava melhorar a situação dos

trabalhadores, ao passo que a segurança previdenciária se diluía juntamente com as

estruturas e vínculos familiares no processo de urbanização e industrialização no fim

do século XIX, oportunidade em que crescia o aparato estatal. Nesse contexto,

houve o enfraquecimento das relações sociais tradicionais, gerando a necessidade

de constituição de outras formas de solidariedade entre os membros da

sociedade328.

Antes dessa alteração social, as famílias e os pequenos agrupamentos

sociais uniam-se reciprocamente com a finalidade de amparar aqueles indivíduos

que se encontravam em estado de necessidade social, provendo-lhes a subsistência

enquanto perdurasse tal condição. Na nova conjuntura, começaram a ser

constituídos grupos mais amplos que buscavam a proteção de seus integrantes.

328

Vide: SILVEIRA, Silvio Renato Rangel. Previdência social na sociedade de risco: o desafio da solidariedade com sustentabilidade. São Paulo: ABRAPP, 2010, p.20.

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O desenvolvimento da sociedade, conjugado com os processos de

urbanização e industrialização, tornou imprescindível a intervenção estatal voltada

ao amparo dos necessitados, de forma geral. Era o Estado garantindo a proteção da

coletividade. O papel do Estado evoluiu em relação à proteção previdenciária, de

forma que passou a responsabilizar-se pelo mínimo necessário à sobrevivência do

cidadão, cabendo a cada indivíduo a busca de algo acima desse patamar.

Em meados do século XIX, nasceu o Estado de Bem-Estar, sem caráter

assistencial. A seguridade social apresentava-se como uma instituição formada a

partir do processo de industrialização e da formação das classes trabalhadoras, que

introduziam novos riscos sociais a serem protegidos pelo Estado, como, por

exemplo, o desemprego e os acidentes de trabalho.

Como já referido, o sistema de proteção foi estruturado primeiramente por

trabalhadores, universalizando-se posteriormente com a finalidade de garantir

segurança em face dos fatos que impossibilitam a obtenção do sustento do

trabalhador e de sua família por meio do trabalho. Tratava-se de precário sistema de

seguro privado. As necessidades sociais cada vez mais prementes determinaram a

evolução do Sistema de Seguridade Social em todos os seus aspectos.

Os regimes previdenciários, em seu todo considerado, estão diretamente

relacionados com o desenvolvimento econômico e social do país. Em franca

evolução, a proteção previdenciária foi diversificada, de forma que, além do amparo

básico e obrigatório, estruturou-se para atuar como importante instrumento de

política de recursos humanos na retenção de talentos, bem como para servir de

fonte de financiamento do desenvolvimento econômico e social.

Nesse contexto se disseminaram os planos de benefício definido do regime

de previdência privada. O patrocinador contratava o plano privado com a finalidade

de reter a mão de obra qualificada. Os referidos planos eram mutualistas e

solidários, fundados em regime financeiro de repartição, sendo custeados, se não

integralmente, em grande parte pelos patrocinadores. Nesses planos de benefícios

não há relação direta entre as contribuições vertidas ao plano pelo participante e os

benefícios que ele receberá no futuro.

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189

Em um primeiro momento, eram poucos os assistidos desses planos de

benefícios e muitos os participantes ativos, de forma que suas prestações tornavam-

se mais generosas e as contribuições, mais modestas. Posteriormente, mormente

em razão das alterações demográficas e das restrições econômicas latentes, a

tendência ao desequilíbrio financeiro e atuarial dos planos de benefícios levou ao

questionamento do regime.

Nos planos de benefício definido, a geração atual tinha o poder de impor

obrigações para a geração futura, atribuindo-lhe a responsabilidade de tornar tais

deveres exequíveis. Em caso de a geração atual não possuir capacidade

contributiva para tanto, caberia ao patrocinador arcar com os custos decorrentes do

desequilíbrio financeiro, tornando o plano inviável ante a imprecisão do valor futuro

devido, principalmente se considerados o aumento da expectativa de vida e a

melhoria do padrão de consumo da população em geral.

Não podemos deixar de sopesar que os planos previdenciários são

marcados por incertezas, pois se fundam em dados estatísticos que podem se

alterar no correr do tempo. Os contratos previdenciários têm vigência indeterminada

no momento da adesão e são contratos de longuíssimo prazo.

O patrocinador, quando decide pela cisão ou pela extinção de um plano de

benefício definido, manifesta-se, ainda que indiretamente, para afirmar que não

dispõe de fonte ilimitada de recursos. A intenção do patrocinador nessas

circunstâncias não é meramente descumprir o contrato previdenciário anteriormente

firmado, uma vez que disponibiliza outro plano de benefícios329 para os participantes

que tiverem intenção de migrar na situação de cisão do plano originário, ou cumpre

com todas as suas obrigações assumidas no caso da declaração de extinção do

plano de benefícios original.

A contratação de um plano de contribuição definida ou de contribuição

variável fundado em regime financeiro de capitalização também garante a proteção

previdenciária de seus participantes, além de possibilitar maior estabilidade

329

Plano de benefícios que pode receber aportes normais ou extraordinários do patrocinador, conforme determinado em seu regulamento.

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institucional do regime de previdência privada. Como já referido neste estudo, nos

planos de contribuição definida ou de contribuição variável o valor dos benefícios

está atrelado especificamente às reservas individuais de cada participante, que não

necessariamente cobrirão satisfatoriamente as necessidades do assistido de forma

vitalícia a partir do momento da concretização do risco social. O valor do benefício

do participante nessa situação poderá ser maior ou menor que o previsto

inicialmente, dependendo do montante das contribuições vertidas pelo participante

e/ou pelo patrocinador durante a fase de acumulação de recursos, bem como dos

resultados oriundos da aplicação desses valores no mercado financeiro.

Apesar de os planos de benefício definido traduzirem efetivamente o que se

espera de um plano de aposentadoria previdenciária (solidário, mutualista, com

concessão de benefício que garanta vitaliciamente a manutenção do padrão de vida

do participante), podemos afirmar que os planos de contribuição definida ou de

contribuição variável cumprem com o seu papel de proteção previdenciária se

utilizados conforme as premissas que lhes foram impostas, pois possibilitam o

usufruto de benefício no momento da aposentadoria do participante.

Na situação de migração de participantes de um plano de benefício definido

para um plano de contribuição definida, é possível afirmar se mantém a proteção

previdenciária privada do grupo protegido, ainda que diferente dos parâmetros

originalmente contratados, somente se:

1. For possível a individualização dos exatos direitos de cada participante do

plano de benefício definido, de modo que nenhum seja prejudicado ou

beneficiado em face do grupo em seu todo considerado.

2. Restar garantida a migração integral dos direitos acumulados ou da reserva

matemática individual (o que for mais favorável) de cada participante do

plano de benefício definido para o plano de contribuição definida ou variável.

3. O patrocinador continuar vertendo contribuições ao novo plano de

benefícios, nos mesmos moldes apresentados no plano originário ou a

maior.

4. Permitido ao participante que verta contribuições ao novo plano de

benefícios, sem estabelecimento de teto contributivo, de modo que,

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assumindo o risco da proteção previdenciária, o participante individualmente

considerado possa acumular recursos que serão transformados em

benefícios no futuro, conforme suas necessidades.

5. A assunção dos riscos pelo participante no processo de migração entre

planos de benefícios deve ser compensada com vantagens oferecidas pelo

patrocinador no novo plano de benefícios (e não apenas pelo afastamento

do risco de insolvência do plano de benefícios em razão da impossibilidade

de aporte extraordinário de recursos pelo patrocinador), como, por exemplo,

a) disponibilização de incentivo financeiro com o intuito de majorar os

recursos acumulados até então em nome do participante individualmente

considerado; b) disponibilização de novos benefícios previdenciários para

cobertura de outros riscos sociais, aumentando a proteção individual dos

participantes; c) possibilidade de outras formas de contribuição que

permitam a majoração do valor acumulado individualmente por cada

participante; d) extensão da proteção previdenciária aos dependentes

(beneficiários) do participante, que poderão ser titulares de benefícios como

pensão por morte ou poderão receber o valor remanescente existente na

conta individualizada do participante quando do seu falecimento.

Ademais, a manutenção da contribuição do patrocinador em favor dos

participantes no novo plano de benefícios implica socialização do capital da empresa

patrocinadora, situação que pode ser entendida como a realização do princípio da

solidariedade na busca do bem-estar e da justiça sociais.

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CONCLUSÕES

Os impactos do contexto da migração entre planos de benefícios privados

estão intrinsecamente vinculados às finalidades da seguridade social e à proteção

do indivíduo e de sua família.

Muitos segurados do regime geral de previdência social têm se socorrido da

previdência privada para complementar seu benefício no momento da

aposentadoria, entendendo que o benefício estatal não lhes permitirá gozar de

condições mínimas de bem-estar social, obrigando-os a buscar outras fontes de

renda provenientes de trabalho remunerado após a aposentadoria, muitas vezes

obstado pela idade avançada, por doenças e/ou limitações físicas decorrentes da

idade, além da assídua concorrência com jovens por escassas vagas disponíveis no

mercado de trabalho.

O regime de previdência privada enseja a possibilidade de obtenção de

melhor condição financeira no momento da aposentadoria, estando disciplinado no

artigo 202 da Constituição Federal de 1988, inserto no Título VIII, Capítulo II, Seção

III, que trata especificamente do Sistema de Seguridade Social.

O Sistema de Seguridade Social é sustentado por três pilares, a Assistência

Social, a Saúde e a Previdência Social, almejando o atingimento do bem-estar e da

justiça sociais, que, alcançados, celebram a realização dos objetivos fundamentais

constitucionais do Estado Social (art. 3º, inciso I), uma vez constituída uma

sociedade livre, justa e solidária.

O regime de previdência privada encontra-se subordinado ao pilar da

Previdência Social, embora seja estruturalmente distinto do regime geral de

previdência social. É facultativo, possui caráter complementar e é organizado de

forma autônoma em relação ao regime público oficial. O referido regime privado

também é baseado na constituição de reservas que garantam o benefício

contratado, sendo regulado e fiscalizado pelo Estado, encontrando-se

regulamentado pela Lei Complementar n.º 109/01.

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193

As entidades fechadas integram o regime de previdência privada e têm por

função instituir e gerir planos de benefícios destinados exclusivamente aos

empregados de uma empresa (ou grupo de empresas) ou a associados de uma

pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial, respectivamente

contratados por patrocinadores ou instituidores.

Especificamente em relação aos planos de benefícios geridos por entidades

fechadas, tem-se a aplicação dos princípios do Sistema da Seguridade Social, quais

sejam: princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (o plano de

benefícios deve ser oferecido a todos os empregados ou associados da pessoa

jurídica contratante); princípio da seletividade e distributividade na prestação dos

benefícios e serviços (o contrato de previdência privada relacionará os riscos

cobertos pelo plano, de acordo com as necessidades do grupo protegido); princípio

da irredutibilidade do valor dos benefícios (manutenção do valor do benefício

concedido e respeito ao direito adquirido do assistido); princípio da equidade na

forma de participação no custeio (as contribuições são instituídas considerando a

capacidade financeira das partes contratantes); princípio do caráter democrático e

descentralizado da administração (garantia de 1/3 das vagas dos Conselhos

Deliberativo e Fiscal a serem preenchidas por representantes dos participantes e

assistidos); e regra da contrapartida (princípio da preservação do equilíbrio

econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios).

Também há a incidência de princípios específicos do regime de previdência

privada, quais sejam: princípio da contratualidade (a relação previdenciária é

formalizada por contrato, regido pela autonomia da vontade); princípio da

facultatividade (liberdade de contratar exercida pela pessoa jurídica contratante e

pela pessoa física que adere ao plano de benefícios); e princípio da publicidade ou

da transparência (pleno acesso dos participantes às informações relativas à gestão

dos planos de benefícios).

O objeto da relação previdenciária privada é o cumprimento do plano de

benefícios, que deve ser estruturado conforme as normas impostas pelos órgãos

regulador e fiscalizador.

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194

Os planos de benefícios devem constituir reservas técnicas que garantam os

benefícios contratados e podem ser classificados em três espécies: planos de

benefício definido (o valor do benefício é conhecido no momento da contratação do

plano e as contribuições variam no período de acumulação de reservas conforme as

necessidades do plano); planos de contribuição definida (no momento da

contratação do plano de benefícios é determinada a forma de custeio do plano, ao

passo que o valor e a forma de pagamento do benefício somente serão conhecidos

quando preenchidos seus requisitos de elegibilidade); e planos de contribuição

variável (possuem características de planos de contribuição definida na fase de

acumulação de reservas e de planos de benefício definido na fase de fruição das

prestações).

A maioria dos primeiros planos de benefícios geridos por entidades fechadas

foi constituída antes da promulgação da Lei Complementar n.º 109/01, sob a forma

de benefício definido, fundados em regime financeiro de repartição, em que o

patrocinador assumia o risco decorrente da eventual insuficiência de reservas

financeiras para o adimplemento dos benefícios contratados. Era comum que o

custeio ordinário desses planos de benefícios fosse efetuado predominantemente

pelos patrocinadores. Esses planos de benefícios, no entanto, tornam-se

demasiadamente onerosos em razão das alterações sociais, políticas e econômicas

que modificam sensivelmente as premissas atuariais fixadas no momento da

contratação do plano.

Como anteriormente referido, no final do século XX houve uma profunda

modificação na política previdenciária adotada pelos patrocinadores de planos de

previdência complementar, em razão do aumento da expectativa de vida da

população em geral, da globalização, da inflação, da automação e da informatização

dos processos, bem como do acirramento da concorrência no mercado de trabalho e

da evolução das relações de trabalho, resultando na aversão ao alto custo e aos

riscos pouco previsíveis presentes em planos de benefício definido.

Considerando a alteração constante e crescente do cenário inicial que

motivara a criação dos planos de benefício definido, ganhou destaque a instituição

de planos de contribuição definida ou variável, em que os participantes assumem os

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riscos pela insuficiência dos recursos para os benefícios pretendidos. Nesse cenário,

os planos de benefício definido vigentes começaram a ser declarados em extinção,

sendo certo que os patrocinadores passaram a oferecer planos de contribuição

definida ou variável indistintamente aos seus empregados. Especialmente no plano

de contribuição definida, é patente a limitação dos riscos atuariais assumidos pelas

partes, uma vez que os benefícios ofertados não apresentam valor futuro

predeterminado.

Os assistidos e os participantes que já preencheram as condições de

elegibilidade aos benefícios oferecidos pelo plano de benefício definido não podem

desvincular-se do plano, pois são titulares de recebimento de benefícios

previdenciários privados.

Já os participantes do plano originário, bem como os autopatrocinados e os

optantes pelo benefício proporcional diferido, podem migrar dos planos de benefício

definido para os planos de contribuição definida ou de contribuição variável. A

referida migração normalmente resulta da retirada de patrocínio por parte do

patrocinador (e consequente extinção do plano originário) ou da cisão parcial do

plano de benefício definido (se mantido vigente o plano original), que resultará na

criação de um plano de contribuição definida ou de contribuição variável.

Ocorrendo a retirada de patrocínio, o patrocinador deixa de contribuir para o

plano de previdência privada originário, devendo integralizar suas obrigações até a

data da retirada de patrocínio ou da extinção do plano de benefícios.

Se a opção do patrocinador for pela cisão do plano de benefício definido, os

participantes terão segregadas as suas respectivas reservas matemáticas, podendo

optar por mantê-las no plano de benefício definido ou transferi-las para o novo plano

de contribuição definida ou contribuição variável, normalmente mediante a oferta de

algum atrativo adicional por parte do patrocinador.

A adesão do participante ao processo de migração implica renúncia das

condições firmadas em relação ao plano de benefício definido e aceitação de novos

direitos e obrigações previstos no regulamento do plano de contribuição definida ou

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de contribuição variável. Nessa situação, é evidente a alteração da proteção

previdenciária contratada originalmente pelo participante, mormente em razão da

alteração do valor do benefício futuro e de sua duração, preservando os interesses

do patrocinador, que se afasta dos riscos inerentes ao desequilíbrio financeiro e

atuarial de um plano de benefícios que poderia ser fundado em regime de

repartição, mutualista e solidário.

O processo de migração protege o patrocinador em relação a eventual

aumento de custo financeiro do plano de benefício definido motivado pelo desvio do

custo atuarial decorrente de fatores que fogem ao seu controle (muitas vezes

exógenos à relação jurídica previdenciária ou trabalhista), como, por exemplo, o

aumento da expectativa de vida dos participantes protegidos. Seria

irresponsabilidade do patrocinador insistir na manutenção de patrocínio de plano de

benefício definido cujos custos fogem ao seu controle.

Importante ressaltar que o patrocinador não age de má-fé na relação jurídica

de migração entre planos de benefícios, uma vez que esta deve ser previamente

autorizada pelo órgão fiscalizador estatal. Ademais, é comum que o patrocinador

mantenha, no novo plano de proteção previdenciária, o aporte de valores aos

participantes que optaram pela migração entre planos de benefícios.

Ao assumir o risco da proteção previdenciária no processo de migração, o

participante perseguirá outras formas de segurança presentes no novo plano de

benefícios, como, por exemplo, a) a majoração de sua reserva matemática em razão

do incentivo financeiro disponibilizado pelo patrocinador aos participantes que

optaram pela migração; b) o acesso a novos benefícios não previstos no plano

originário, aumentando a proteção individual dos participantes; c) a possibilidade de

outras formas de contribuição que permitam a majoração do valor acumulado

individualmente por cada participante; d) a exclusão de limites de teto para

concessão de benefícios, de forma que cada participante terá opção de receber

benefícios vinculados intimamente à sua poupança acumulada; e e) extensão da

proteção previdenciária aos seus dependentes (beneficiários), que poderão ser

titulares de benefícios privados, como a pensão por morte, ou receber o valor

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remanescente existente na conta individualizada do participante quando do seu

falecimento.

Nesse processo de migração há nítida alteração da proteção previdenciária

do participante, que passa a assumir diretamente os riscos de sua opção.

Entretanto, deve ser considerado o fato de que o plano de contribuição definida ou

de contribuição variável também possui natureza previdenciária, perseguindo os

mesmos objetivos de proteção previdenciária do plano de benefício definido, de

forma que a alteração não necessariamente implicará prejuízo ao participante.

Pode-se afirmar que os planos de benefício definido, fundados

principalmente nas características da mutualidade e da solidariedade, representam

verdadeiros planos de aposentadoria, na acepção utilizada pela previdência social

em seu sentido lato. Por outro lado, os planos de contribuição definida, sobretudo

em razão da inexistência de flagrante solidariedade entre os participantes,

propriedade esta ínsita aos regimes previdenciários, aproximam-se mais

intimamente dos planos de poupança. Apesar de seus benefícios resultarem das

reservas individuais de cada participante, é manifesto que a proteção oferecida por

essa modalidade de plano de benefícios poderá ser estendida se comparada com o

plano de benefício definido.

No plano originário, em seu modelo ideal, o valor do benefício concedido ao

participante manterá o seu padrão de vida vitaliciamente. Entretanto, se o

participante vier a falecer precocemente, não atingindo o patamar etário esperado

com base na tábua de mortalidade, os recursos acumulados em seu nome serão

destinados conforme previsto no regulamento do plano de benefícios mutualista e

solidário, nem sempre sendo direcionados à família do participante falecido,

desprotegendo-a no momento de infortúnio (possibilidade de o risco não estar

previsto nessa modalidade protetiva contratual).

No plano de contribuição definida, embora não haja garantia da efetiva

manutenção do padrão de vida vitalício do participante com base no benefício

auferido em razão direta de suas reservas financeiras individuais, há a possibilidade

de o participante aumentar seus aportes sem limitação de teto contributivo, bem

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como de expandir a cobertura previdenciária aos seus dependentes, em evidente

adesão às finalidades protetivas do regime privado.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

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→ Lei n.º 6.404 de 15/12/1976;

→ Lei n.º 6.435 de 15/07/1977;

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→ Lei n.º 8.212 de 24/07/1991;

→ Lei n.º 8.213 de 24/07/1991;

→ Lei n.º 10.406 de 10/01/2002;

→ Lei n.º 11.196, de 21/11/2005;

→ Lei n.º 11.406 de 15/12/2006;

→ Lei n.º 12.376 de 30/12/2010.

Decretos

→ Decreto-Lei n.º 4.657 de 04/09/1942;

→ Decreto-lei n.º 73, de 21/11/1966;

→ Decreto n.º 77.077 de 24/01/1976;

→ Decreto n.º 89.312 de 23/01/1984;

→ Decreto n.º 4.942 de 30/12/2003.

Leis Complementares

→ Lei Complementar n.º 108 de 29/05/2011;

→ Lei Complementar n.º 109 de 29/05/2011.

Resoluções

→ Resolução MPAS/CPC nº 6 de 07/04/1988;

→ Resolução MPAS/CPC nº 2 de 19/12/2001;

→ Resolução CGPC nº 01 de 24/01/2003;

→ Resolução CGPC nº 5 de 30/01/2002;

→ Resolução CGPC nº 8 de 19/02/2004;

→ Resolução CGPC nº 10 de 05/07/2002;

→ Resolução CGPC nº 13 de 01/10/2004;

→ Resolução CGPC nº 14 de 01/10/2004;

→ Resolução CGPC nº 16 de 22/11/2005;

→ Resolução CGPC nº 18 de 28/03/2006;

→ Resolução CGPC nº 23 de 06/12/2006;

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→ Resolução CGPC nº 26 de 29/09/2008;

→ Resolução CNPC nº 8 de 31/10/2011.

Instruções Normativas

→ Instrução SPC n.º 28 de 30/12/2003;

→ Instrução SPC n.º 4 de 05/11/2004;

→ Instrução PREVIC n.º 4 de 26/08/2011.

Portaria

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