Miguel Attie Filho · Uma menina síria de doze anos, colocada pelo pai dentro de um navio com ......
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Miguel Attie Filho
MEMORIAL
Apresentado para o Concurso Público de Títulos e Provas
para a obtenção do Título de Livre-Docência
Departamento de Letras Orientais Área de Língua e Literatura Árabe
Disciplina de Cultura Árabe
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Edital FFLCH nº 012/2010
São Paulo 2010
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Miguel Attie Filho
MEMORIAL
Quem disse que eu me mudei? Não importa que a tenham demolido:
a gente continua morando na velha casa em que nasceu.
Mário Quintana
I – Origem
A história dos imigrantes na virada do século XIX, comum a tantos de
nós brasileiros, é o pano de fundo sob o qual meus avós instalaram-se em São Paulo.
Enredados na visão da segunda pátria, no ícone talvez já perdido do Brasil como a
terra da benção, esticaram o mar, num longo braço, Atlântico, do Mediterrâneo às
Américas. Uma menina síria de doze anos, colocada pelo pai dentro de um navio com
destino ao Brasil, trazendo algumas jóias e um pouco de ouro costurados por dentro
da roupa, é o retrato mais contundente que tenho de minha avó, mãe de minha mãe.
Seu nome era Nãssra. Aqui, ela conheceu Antun e casou-se com ele, um rapaz sírio
que em sua viagem de navio, saltara no mar para salvar um homem que se afogava.
Antun, tornou-se carpinteiro, lia bem o árabe, e as cartas chegadas da Síria para boa
parte da comunidade que aqui convivia. Conta-se que, à noite, lia romances da
literatura universal, em árabe, para os conterrâneos.
Pelo lado paterno, minha avó chamava-se Maria e meu avô, Elias.
Ambos, também, imigrantes sírios. Elias tinha uma carroça e um burro. Vendia frutas
pelas ruas de São Paulo, na época da inauguração do Mercado Central na Rua da
Cantareira. Seu ajudante era um garoto de doze anos, meu pai, Miguel, que corria
pelas casas a anunciar e a entregar as compras das manhãs. Inúmeras vezes, em meu
trajeto de estudos árabes, reencontro meus avós das maneiras mais diversas. Ora, em
poemas, ora em provérbios, ora nas canções, ora no silêncio. Ora nos alefs, ora no
cheiro da madeira, ora em infantis correntes de ouro, ora no sabor das frutas. De todo
modo, meu pouco contato com eles, deixou reservado em mim, imprecisas memórias
infantis de nossa convivência, suficientes, porém, para que eu os alçasse a um lugar
idealizado, comum às crianças, um lugar, assim, mítico e originário, de onde vim.
Não a passeio, mas a trabalho.
Meus pais, Miguel e Maria, conheceram-se em São Paulo. A família
deles era grande: meu pai tinha nove irmãos, e minha mãe onze. Os dois, na
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juventude, tiveram pouca chance de estudar. Casaram-se na década de 40 e tiveram
três filhos: Solange, Sonia e, fui eu o último, temporão. Quando nasci, meu pai já
havia se estabelecido comercialmente na Rua Cavalheiro Basílio Jafet, n. 170, na
região da 25 de março, tornando-se um respeitado comerciante. O velho Elias, que
não falava muito bem o português, permaneceu com ele durante 40 anos, sentado em
um banquinho de madeira, contando histórias, em árabe, ao meu pai. Os tempos mais
difíceis da família pareciam ter se amenizado.
II – Os anos escolares e o trabalho
Minha família morava no bairro de Santana, próximo ao quartel. Na
década de sessenta, pré-escola não era coisa comum. Meu maternal foi, assim, a rua e
o quintal e, como a revolução dos horários maternos demoraria ainda alguns anos, nos
anos escolares, fui acompanhado de perto por minha mãe, sempre zelosa e presente.
Dos sete aos dezessete, estudei com os salesianos. Colégio de padre, diziamos. Tive
eu, pois, no início, uma infância segura e sadia. No final de minha primeira infância,
contudo, houve uma mudança que apenas na idade adulta eu poderia avaliar com mais
precisão. Aos doze anos, “com carteira registrada”, comecei a trabalhar na loja de
meu pai. No início parecia divertido, mas, com o tempo, senti que sobre minhas costas
começava a pesar uma imensa responsabilidade. As dificuldades, hoje vejo,
espelharam-se nas notas de boletim. No primário eu ia muito bem, mas no ginásio,
comecei a fracassar. Com a obrigação do trabalho, as coisas iam tornando-se cada vez
mais tensas e difíceis. No primeiro ano colegial, fui obrigado a estudar à noite para
poder trabalhar durante o dia e a conclusão foi que acabei por desistir no primeiro ano
colegial. Apesar de minha curiosidade e desejo de estudar, eram praticamente
incompatíveis os afazeres do trabalho com os estudos. Mesmo assim, diziam que eu
tinha sorte, pois podia freqüentar a “faculdade da vida”, nome com o qual os mais
velhos se referiam aos anos de ouro do tradicional comércio da rua 25 de março.
Assim, fui eu aos trancos e barrancos, ultrapassando os anos do
colégio, escapando de servir exército, até que concluí o terceiro colegial. Os cinco
anos do primário, os quatro do ginásio e os dois primeiros do colegial foram feitos no
Colégio Salesiano Externato Santa Terezinha, no bairro onde morava. O último ano
foi concluído no Colégio Salete, em 1979, quando eu contava dezenove anos. Durante
os três anos do colegial, eu escrevia algumas boas redações, poesias e letras de
música. Nesse mesmo período, ingressei no conservatório musical Antonino Simalha,
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fui iniciado à prática do violão e, nos anos finais da ditadura militar, me ombreava na
arte musical a compor e a entoar canções pela liberdade política. Coisa da época. De
todo, modo, era preciso decidir qual carreira eu deveria seguir. Na difícil fase
adolescente de descobrir vocações, numa época em que rareavam dados de
orientações profissionais, eu, talvez entusiasmado com meus primeiros escritos, pelo
incentivo de alguns professores, decidi prestar vestibular para o curso de Jornalismo
na PUC-SP. Hoje sei que me enganei, pois, naquela época, talvez meu desejo fosse
melhor saciado se eu houvesse ingressado na Faculdade de Letras, mas a falta de
informações não me auxiliou sequer a comparar os dois cursos.
III – Os tempos dos cursos incompletos
A década de oitenta, poderia ser definida para mim como a década dos
cursos aparentemente perdidos. Eu ingressei no curso de Jornalismo na PUC-SP em
1980, quando contava dezenove anos. Tratava-se de um curso novo, que naquele ano
formaria a primeira turma, configurando-se como um curso que fazia frente ao
tradicional curso da Faculdade Cásper Líbero. O Jornalismo da PUC era ministrado
no campus Monte Alegre pela manhã. Eu sentia, nessa época, muita estranheza, pois
os onze anos seguros e protegidos no colégio salesiano, haviam se esfumaçado.
Agora, as coisas na faculdade eram bem diferentes. Eu tive muitas dificuldades de
adaptação. Fora somente no colegial que eu passara a freqüentar classes mistas e senti
ter de enfrentar obstáculos inusitados com os novos e as novas colegas da PUC. De
todo modo, mantive-me impulsionado pela leitura das crônicas publicadas no jornal
escritas por Lourenço Diaféria, Flávio Rangel e outros.
No campo do trabalho, as coisas continuavam bem tensas. Por volta de
uma hora da tarde, quando chegava à loja de meu pai, ficava claro que eu vivia, a
partir de então, em dois mundos bem diversos. O choque das duas realidades, em
mim, era muito grande. Eu sabia que meu pai precisava de meus braços, o único filho
homem, mas já não me nutriam tanto aquelas repetições das estratégias de astúcia e
milongas dos negócios. Comecei a viver um conflito entre o curso de Jornalismo e o
trabalho no comércio. Por outro lado, também o curso não me satisfazia totalmente,
devido à excessiva agitação na PUC por conta de questões políticas com o final do
regime militar. Nessa época, o curso de Jornalismo era muito visado e não
conseguíamos estudar adequadamente. As aulas eram constantemente interrompidas,
havia muitas manifestações estudantis e tudo concorria para desmotivar meu estudo.
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Meu desejo incessante de escrever, enfim, não era saciado adequadamente. Ao ler as
crônicas de Diaféria e outros, eu mesmo passei, então, a escrever quase que
diariamente minhas próprias crônicas, fantasiando que isso poderia ser uma saída para
minha situação profissional. No entanto, uma aula pouco simpática com o escritor
Ignácio de Loyola Brandão, cronista de uma revista famosa da época, frustrou meu
sonho juvenil.
Faltando um ano para terminar o curso de Jornalismo, pressionado por
alguns conselhos para me dedicar inteiramente ao comércio, pedi transferência para o
curso de Administração de Empresas na própria PUC-SP. Bem, não precisou mais do
que um ano para que essa escolha se mostrasse totalmente fora de meus reais e
íntimos anseios. Cursei seis meses pela manhã, transferi-me para o período noturno e,
naquele mesmo ano, tranquei definitivamente a matrícula. Acreditei, então, que talvez
fosse melhor esquecer o estudo e me dedicar somente ao trabalho. Essa idéia, porém,
também não durou muito tempo. No ano seguinte, de março a junho de 1983, fiz um
curso de Introdução à Astronomia na Escola Municipal de Astrofísica, junto ao
Planetário Municipal. O curso, para principiantes, era ministrado à noite. Para minha
surpresa, eu havia me saído muito bem. Em 15 de agosto de 1983 recebi meu
certificado, com aproveitamento 9,7. O diretor da Escola na época, Elias Tyrrel,
chegou a convidar-me para trabalhar junto com eles, monitorando os novos cursos e
auxiliando na elaboração de materiais. Aquilo soou como um sinete a me chamar para
as coisas do conhecimento. Tentei, mas meu trabalho na loja não permitiu que eu
passasse as tardes na Escola, fazendo aquilo que eu gostava. Lamentei
profundamente, mas ao menos senti um novo alento para voltar aos estudos. No final
daquele 1983, motivado pela Astronomia, voltei a PUC e pedi transferência para o
curso de Física, que era ministrado na unidade Marquês de Paranaguá, mas,
infelizmente as disciplinas não tinham equivalência e não pude cursar a faculdade.
De todo modo, o curso de Astronomia havia resultado em duas coisas
importantes: a primeira foi que descobri que a experiência do curso livre, de curta
duração, poderia dar conta de meu desejo de estudar. Assim, se eu pudesse seguir por
um caminho autodidata mesclado de cursos de curta duração, eu não aumentaria o
meu complexo de sempre desistir quando o percurso fosse muito longo. A segunda
coisa que resultou do curso de Astronomia foi que, ainda que não soubesse, fui atirado
definitivamente à reflexão filosófica. As questões cosmogônicas, ligadas ao
surgimento do homem e seus desdobramentos sociais e psicológicos, atraíram minha
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atenção de maneira mais intensa. Assim, criei eu mesmo, dentro de meus modestos
limites, um método próprio de estudo que ousava contemplar o conhecimento, ao
menos dos princípios, de todas as áreas do conhecimento humano. Desenhei isto com
muito cuidado e capricho numa grande mandala com círculos concêntricos, divididos
em áreas, setores e seções. Naqueles dias eu não imaginava que buscava a filosofia e
sequer tinha conhecimento que havia um curso sobre isso. Assim, passei a fazer
estudos, resumos, slides e textos sobre o surgimento do universo, do homem, a
classificação das ciências,etc, pensando em me valer de cursos livres para o meu
propósito. Curiosamente, contudo, meus estudos sobre o céu, os movimentos dos
planetas havia me levado à prancheta de desenho, sobre a qual passei a desenhar
muitas mandalas. Naturalmente, a astrologia chamou minha atenção e passei, também,
a estudá-la com afinco. Sobre a prancheta de desenho, talvez eu aliasse o prazer
esotérico dos mistérios da ciência dos astros com o prazer da extrema concentração
que os traços, retas, curvas e cores dos mapas astrológicos me proporcionavam.
No início de 1984, decidi aprimorar meus traços e, enquanto seguia
com minhas pesquisas pessoais, ingressei na Escola de Arte Cândido Portinari e
completei os cursos de Desenho básico, Desenho Artístico e Pintura a óleo. Em 1986
fui convidado a ministrar aulas de desenho básico e desenho artístico na própria
escola. O contato com a arte parecia cumprir bem o sentido universalista que eu
também havia encontrado nos estudos de Astronomia. Meu professor na Escola
Cândido Portinari foi o, hoje, artista plástico Elias Muradi. Junto com ele e com
outros colegas, os longos diálogos sobre arte, ciência e sabedoria pareciam que
poriam rota segura em meu caminho. Nesse período, as coisas pareciam ir muito bem,
a ponto de eu pensar em voltar para a faculdade. Eu e Elias, então decidimos entrar no
curso superior em artes plásticas. Para mim, essas curvas da vida eram a certeza de
que finalmente eu encontrara meu caminho.
Em 1987 prestei vestibular novamente na FMU e entrei na faculdade
de Educação Artística. O curso me era familiar, tanto pela pintura e desenho, como
pela música que, mais uma vez, tinha certo espaço na minha vida. Mas meu interesse
era mesmo pelos traços, formas e cores. O curso era ministrado todas as manhãs, e
passei a dividir meu tempo entre a loja e as artes plásticas. Nesse período das artes,
tive a grata oportunidade de fazer parte de um grupo de artistas plásticos bastante
experientes, resultando disso, uma série de exposições em salões oficiais, prêmios,
medalhas, indicações para exposições individuais e uma série de outros eventos. Eu e
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meu pai, nesse tempo, ficávamos em duas lojas separadas. Para aliar as duas áreas de
minha vida, dividi a loja na qual eu ficava em duas partes: da metade pro fim,
separada por um tablado, eu e Elias Muradi montamos um ateliê, no qual fazíamos
nossas próprias telas, as vendíamos a outros artistas e pintávamos nossos quadros para
exposições. Elias conheceu muito bem meu pai, nossas conversas sobre sabedoria
eram constantes. Ingenuamente acreditei, assim, que meu caminho estava traçado para
que as artes plásticas fossem o objeto de minha dedicação integral. Bastava que eu
concluísse o curso. Afinal, eu tinha um emprego na área de desenho, cursava e
gostava da faculdade, participava ativamente de salões e exposições e, além de tudo,
dava conta do trabalho no comércio.
Cursei a faculdade de Artes durante o ano de 1987 até agosto de 1988.
Em 14 de agosto de 1988 houve uma fatalidade: meu pai faleceu. O choque foi
indescritível. Em meio à aflição de ter que suspender aquelas portas de aço, dia após
dia sem meu pai, tentei manter meu interesse no estudo. Depois de algumas semanas,
procurei transferir meu curso para o período noturno, mas não havia condições para
seguir em frente. A família havia depositado a responsabilidade da condução dos
negócios em minhas mãos, e muitas pessoas dependiam de minha capacidade para
resolver problemas. Logo, eu não podia falhar. Sem condições psicológicas para
pensar em minha carreira, senti minha vida arrancada das artes e mergulhar naquele
mundo do qual eu sempre quis escapar. Permaneci nessa amargura durante alguns
anos.
Antes que eu voltasse aos estudos acadêmicos, houve, porém um
interlúdio músico-teatral em minha vida, talvez bem explicado pelas vias freudianas.
Eu devo ter pensado, afinal, qual seria o valor do conhecimento e da sabedoria, se a
morte parecia soberana? Procuro entender hoje o que deve ter acontecido comigo
naqueles três anos que se seguiram ao desaparecimento de meu pai. Eu andava
desinteressado pelas coisas do conhecimento, numa vida fugaz, sem muita
profundidade e conjecturo que, talvez, tenha sido esse desinteresse por coisas ditas
sérias que me motivou a ir para o outro extremo, embarcando num projeto que aliava
música, teatro e humor. De 1989 a 1992, retomei os estudos de meu instrumento e
passei a me dedicar aos arranjos, harmonização e algumas apresentações em grupo
com alguns amigos da época, rendendo dezenas de apresentações ao vivo. Bem, para
nós, também o sonho acabou, mas guardo com muito carinho esse circense período de
minha vida, o qual funcionou como um certo antídoto contra a tristeza.
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Aos poucos, o tempo trouxe de volta meu desejo pela sabedoria e sei,
hoje, que meu trajeto pela Filosofia estreita-se com as memórias da convivência que
meu pai tinha com ela, a primeira. É inegável que a passagem dele para um oriente
eterno foi um marco em meus caminhos e decisões. Voltar a buscar a sabedoria,
talvez fosse como sentir ecoar as palavras mais sábias dele e o calor de sua presença,
ou ao menos desconfiar que se ele se encaminhara naquela direção, por que não segui-
lo?
IV – O caminho da Filosofia
Passados quatro anos da morte de meu pai, em 1992, eu encerrei as
atividades da loja e do comércio. Ñão havia mesmo mais porque continuar. O
comércio havia se transformado, era o fim da fase de ouro e gloriosa da rua 25 de
março. Eu não escutava mais pessoas falando com a magia da sabedoria. Não havia
mais, nem meu avô, nem meu pai e nem os velhos para apontar, de lá, o caminho do
que realmente poderia valer a pena. Restavam apenas as trocas de mercadorias. Mas,
afinal, devo ter sentido, de que valiam aquelas prateleiras cheias de pacotes de lãs, de
zíperes, de botões, de agulhas e de linhas se elas não eram capaz de costurar o que, em
mim, havia se rasgado. Houve uma cena exemplar que me moveu a cerrar
definitivamente as portas daquele lugar: numa tarde eu fui até o cofre da loja, aqueles
cofres de móvel de um metro e oitenta de altura, com duas pesadas portas que abrem
lateralmente, e o abri: os negócios não iam bem, no cofre não havia dinheiro, mas
debaixo de uma caixa de moedas encontrei um pequeno papelote dobrado, escrito
com minha própria letra miúda, assim: “o jantar dos amigos; história da moeda de
ouro, o mendigo e o rei, etc.etc.” Eram lembretes de histórias que meu pai me contava
em meio às caixas de mercadorias, dizendo “venha cá, o que vou te contar é mais
importante do que tudo isso, e não vás chorar, seu fraco!” Na frente de um cofre vazio
de dinheiro, segurando aquele papelote, entendi que se houvesse tesouro, seria ele de
outra ordem. A sabedoria que desbordava de suas histórias, ele as ouvira do velho
Elias, as modificava, inventava e recriava. Mais, eu havia descoberto que nenhum
familiar as conhecia. Algumas delas compuseram parte de minha primeira publicação:
o singelo livro chamou-se O legado da sabedoria, editado em São Paulo pelo Editora
Edicon em 1995, quando eu já estava cursando a faculdade de Filosofia.
Mas, voltemos aos caminhos da Filosofia. Com o fechamento da loja,
eu senti forte desejo de voltar aos estudos. Resolvidos os problemas mais graves
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deixados com o desaparecimento de meu pai, eu passei a ter mais tempo para me
dedicar a isso. Mas em quê? Não era fácil me arriscar novamente, pois os
desencontros dos cursos anteriores, as fatalidades e tudo o mais, haviam me deixado
desconfiado de que algo viesse a atropelar meus planos e eu não terminasse
novamente o curso escolhido. De todo modo, passei a consultar pessoas próximas e
fui ganhando confiança em minha decisão de voltar. Um velho amigo de meu pai,
Joaquim da Silva Pires, minha mãe e minha irmã mais nova incentivaram-me nesse
retorno. Depois de muito meditar, decidi buscar informações sobre algum curso que
fosse mais abrangente e que, de certo modo, me fizesse retornar àquele projeto
autodidata de um conhecimento mais completo. Numa das tentativas, fui até a
secretaria das Faculdades Associadas do Ipiranga me informar a respeito do curso de
História. A atendente ao me passar a grade de disciplinas do curso, passou-me
também a do curso de Filosofia, surpreso verifiquei disciplinas que eu havia cursado
nos cursos perdidos anteriormente: “cosmologia, estética, filosofia, etc”. Meus olhos
pularam, como a ver um meio de reunir as diversas coisas inacabadas perdidas pelo
caminho. Decidi-me, então, pela filosofia. No final de 1993, prestei novo vestibular e,
para minha surpresa entrei em quarto lugar. Desta vez, a história dos inacabados não
se repetiu. Conclui a faculdade de Filosofia em 1996 e, talvez, minha vontade de
acertar era tanta que terminei com um dos melhores aproveitamentos da minha
querida e saudosa turma.
V – A Graduação na FAI – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras das
Faculdades Associadas do Ipiranga.
É certo que no curso de graduação da FAI, iniciou-se meu trajeto mais
consistente no meio acadêmico. Foi o fim daquelas velhas incertezas. Algumas
disciplinas que eram oferecidas, eu pude eliminar devido aos cursos que eu havia feito
na PUC. O curso de Filosofia da FAI era construído para ser um curso panorâmico,
uma introdução geral aos temas da filosofia e aos seus autores. Eu senti que estava no
lugar certo, meus anseios universalistas, plurais, perdidos e encontrados mesclavam-
se todas as manhãs na convivência com meus colegas e professores. Não havia nada
que eu houvesse estudado no passado que não se refletisse de alguma maneira nas
reflexões e trabalhos que realizávamos. A lógica da música, a teleologia da geometria,
a estética das plásticas, a cosmologia da astronomia, a construção de textos do
jornalismo, eram, assim, como se meus mins se reunissem nos braços da filosofia.
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O curso incluía a licenciatura em filosofia e permitia, além disso, um
adendo aos sábados para que nos licenceássemos em História, coisa que prontamente
fiz. Assim, dentre as opções legais que deveríamos escolher, ao final do curso,
licenciei-me em Filosofia, História e Psicologia. Meu interesse durante a graduação
foi muito grande, minha participação intensa e, os resultados, os melhores que eu
poderia conseguir dentro de minhas limitações. Na época, o quadro de professores era
extremamente competente. Dentre eles, destaco três nomes que tiveram relação com a
continuidade de minhas pesquisas: Prof. Dr. Porphírio Aguiar de Souza Neto, Prof.
Dr. Ênio José da Costa Brito e Prof. Dr. Alberto Ribeiro de Barros. Apesar de meu
grande aproveitamento, meu objetivo não era outro que poder concluir um curso
superior. Não havia para mim, na época, um horizonte além desse. Mesmo com o
nascimento de meus dois filhos Paula e Mateus, eu pude terminar a graduação com
relativa tranqüilidade. Era como se o presente houvesse dado um novo arranjo ao meu
passado.
Embora não pretendesse dar seguimento acadêmico aos meus estudos,
alguns fatos, porém, me direcionaram para isso e foram decisivos para que eu me
encaminhasse ao mestrado. O primeiro deles ocorreu durante o curso de História da
Filosofia Medieval: não houve menção alguma aos filósofos árabes. Embora o
professor responsável pela disciplina houvesse programado aulas sobre Avicena e
Averróis, seu substituto, ignorou quinhentos anos como se fossem nada, e passamos
de Agostinho a Tomás de Aquino, como se estivéssemos montados num raio. Na
época, achei que seria preconceito, depois pensei tratar-se de falta de material. Hoje
sei que foi preconceito. Bem, numa outra disciplina temática, tive a oportunidade de
apresentar trechos de Averróis, Al-Gazali e Avicena que estavam estreitamente
ligados aos temas de filosofia que estudávamos na faculdade. Eu perguntava,
ensandecido, por que aquilo não nos fora dito? Esse episódio, no segundo ano, não
pareceria ter maiores conseqüências, mas teve.
Na verdade, um fato importante foi a iniciativa do Prof. Ênio José da
Costa Brito de reunir alguns alunos que ele julgava terem boa escrita e bom
aproveitamento, propondo que nos dedicássemos a continuar o estudo ingressando no
mestrado. Pediu ele que fossemos semear idéias a respeito de temas e autores com o
velho mestre Porfhírio. Porphírio Figueira de Aguiar Neto, é figura cinematográfica,
perfil que lembra Nelson Rodrigues, próximo dos setenta, óculos escuros, quase sem
audição, a usar sobretudo negro. Um homem sábio. Quando eu disse a ele que
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tencionava estudar Descartes, em poucos minutos ele soube desconstruir essa idéia e
arrancar de mim o desejo mais vivo e inconsciente que talvez eu pudesse ter: “ora,
seo, Miguel isto sim (estudar os árabes) é coisa que vale a pena, e eu te ajudo no
começo.” E o fez. Assim, pela mão de ambos, Ênio e Porphírio, eu iniciei a confecção
de meu projeto de mestrado para ser apresentado no Departamento de Filosofia da
PUC-SP. Antes, porém, aos 36 anos, levado pela minha filha-madrinha de formatura
Paula de dez anos, tive a alegria puramente adolescente de subir na tribuna do
auditório da FAI e, numa retórica quase desmedida, discursar em nome da turma de
formandos de 1996. O destino, dessa vez, havia permitido que eu chegasse àquilo que
um velho eu pensava ser o fim, quando, na verdade, para um novo mim, era outro
começo.
VI – O Mestrado na PUC-SP – Programa de Estudos Pós-Graduados em
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Em 1996, comecei a estudar a língua francesa, pois as melhores
traduções de Avicena estavam nessa língua. Em 20 de Julho de 1996 recebi da
Secretaria Geral de Registro Acadêmico do Departamento de Francês da Pontifícia
Universidade de São Paulo o certificado do curso de Francês Instrumental para Pós-
graduandos nível I, com nota 10,0 (dez); e em 27 de setembro do mesmo ano, recebi o
certificado do nível II, com nota 10,0 (dez). O inglês, aproveitado dos cursos juvenis
na Cultura Inglesa eram de menor serventia. Quanto ao tema, havia dúvidas. Em
diálogos com Porphírio eu já me decidira a estudar Avicena, mas não sabia muito bem
qual deveria ser o assunto. Pensávamos em pesquisar a alquimia em Avicena, sob o
ponto de vista da alma. Fiz, assim, um pequeno projeto de mestrado e apresentei-o ao
Departamento de Filosofia da PUC. Para minha surpresa, porém, a coordenadora do
Programa na ocasião, Profa. Salma Tannus disse-me que o programa não poderia
acolher meu projeto porque não havia nenhum professor que pudesse orientar tal
estudo. Bem, desilusões, eram coisas conhecidas em meu trajeto. Insisti, e depois de
falar com alguns professores da Pós-Graduação, fui informado que havia um grupo de
estudos medievais que se reunia na PUC, onde eu deveria procurar o Prof. Dr. Carlos
Arthur Ribeiro do Nascimento. Esse encontro, sem dúvida, foi um dos mais
determinantes na minha carreira. Como todo neófito, eu imaginava que seria este
homem uma pessoa quase inacessível, de difícil trato. A surpresa foi desconcertante.
Os modos respeitosos, jeito humilde não combinavam com o tanto que conhecia a
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respeito de filosofia, ciência, e de tantas outras coisas que se pode pensar em estudos
medievais. Sua postura cordial e humana segue contrastando com a arrogância
acadêmica dos quase sempre ignorantes do que ignoram.
Inicialmente, o Prof. Carlos Arthur indicou-me a Profa. Dra. Anna
Maria Alfonso-Goldfarb, visto que eu me encaminhava para o tema da alquimia e
para questões ligadas a História da Ciência, porém, acabamos definindo que a questão
da alma, do modo como se configurava era mesmo assunto que ele poderia
acompanhar. Refizemos, então, o projeto e voltamos a apresentá-lo ao Departamento
de Filosofia da PUCSP. Dessa vez, o projeto foi aceito e considerado o mais completo
daquele ano, sendo pleiteado por uma bolsa de mestrado do CNPQ, possibilitando
minha pesquisa. Assim, nos anos de 1997, 1998 e 1999 cursei as oito disciplinas do
mestrado, tive bom aproveitamento, apresentei e defendi minha dissertação intitulada
“Os sentidos internos em Ibn Sina (Avicena)” junto à banca julgadora e obtive o título
de Mestre em Filosofia. A dissertação foi premiada, ainda, como a melhor dissertação
do ano naquele departamento e recebeu indicação para publicação junto à editora da
PUC-SP.
Nesse mesmo período do mestrado, vivi um momento de certo
entusiasmo com as coisas da filosofia. Encontrei tempo para uma série de atividades
de exposição, ciclo de palestras, seminários, etc. tais como o work-shop “A História
da Filosofia” no Centro Jung-Corpo e o work-shop junto ao Curso de Saúde Mental
da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura do Município de São Paulo em 14 de
fevereiro de 1996 sob o título Introdução à História da Filosofia – O pensamento
filosófico e científico. Nos dois anos seguintes ministrei dois cursos de História da
Filosofia na Eppa – Escola Paulista de Psicologia Avançada – com carga horária de
32 horas cada um deles. O primeiro de março à maio de 1997 e, o segundo de maio a
junho de 1998. O curso, para recém-formados na área de psicologia, obrigava-me a
rever de maneira mais consistente as etapas do pensamento filosófico, recolhidas por
mim na faculdade, terminando por se constituir num sólido amálgama, num
acabamento à minha visão própria dos movimentos de transformação da história do
pensamento. Nos anos de mestrado, eu passei a entrar em contato com os primeiros
eventos de filosofia, principalmente na PUC. No início de 1997, em maio mais
precisamente, tive uma modesta participação no IV Simpósio Interdisciplinar de
Estudos Greco-Romanos, patrocinado pelo Centro de Estudos da Antiguidade Greco-
Romana do Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia da PUCSP.
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Voltemos, porém à pesquisa de mestrado propriamente dita. O trabalho
de pesquisa fez-se sobre uma tradução francesa do Livro da Alma de Avicena. No
início de 1997 eu decidira continuar o estudo da língua francesa e já concluíra o curso
de língua francesa de Extensão cultural – Fale Francês Intermediário 2 promovido
pelo Departamento de Francês , tendo recebido em 08 de julho de 1997, o referido
certificado, com nota 10,00 (dez). Motivado pela empatia com o novo idioma, obtive
uma bolsa de estudos do Institute Catholique de Paris para estudar língua francesa
naquele país. A experiência parisiense de aproximadamente dois meses foi muito
importante. Todas as manhãs, eu freqüentava o curso de línguas. Durante a tarde, eu
investigava as obras que poderiam ser trazidas ao Brasil para impulsionar o estudo da
Filosofia em Árabe. Acredito que nesse período, eu estava imbuído não apenas de
continuar meus estudos, mas sentia que eu poderia tomar meu caminho como parte de
um movimento mais amplo para desenvolver estudos árabes no Brasil. Assim, entrei
em contato com o Centre d’histoire des sciences et des philosophies arabes et
médiévales – CNRS – por meio dos pesquisadores Ahmad Hassnaoui e Maroun
Aouad, que trabalhavam juntos a Roshdie Rashed e recolhi importantes obras, artigos
e contatos para meu trabalho. Nesse mesmo mês filiei-me a Society for the history of
arabic and islamic science and philosophy – SHISPAI . Obtive acesso à Biblioteca da
Sourbonne e, assim, voltei ao Brasil, com a mala repleta de cópias xerográficas e
livros sobre Avicena e sobre a Filosofia em Árabe.
Depois de retornar ao Brasil, dediquei-me quase exclusivamente à
confecção da dissertação. Simultaneamente, porém senti a necessidade de mergulhar
no estudo da língua árabe. Já no primeiro ano de mestrado eu procurara me
aperfeiçoar no idioma, mas não encontrara um caminho seguro. Eu sabia que iria
persistir, pois a sonoridade e a dança das letras me faziam lembrar os tempos da
infância, quando brincávamos ao som de ‘ains. Lilian, uma libanesa que trabalhava na
Embaixada do Líbano, aqui em São Paulo, deu acabamento às minhas pálidas noções
gramaticais e eu passei a estudar regularmente a língua árabe. Eu ria de mim mesmo
ao lembrar de meu pai tentando nos reunir para ensinar o árabe enquanto corríamos
para jogar bola na rua. O mundo dava lá suas voltas e eu, de certo modo, sentia sua
calorosa presença. Depois de um ano, Lilian viajou para a América Central, eu troquei
de professores por um tempo até que cheguei a um porto seguro: o Departamento de
Letras Orientais da USP.
15
No primeiro semestre de 1997, o Departamento dava início a um curso
inédito intensivo de língua árabe que duraria de 02 de abril a 18 de junho de 1997.
Concluí o curso de Árabe Instrumental I do Departamento de Línguas Orientais da
Universidade de São Paulo em 25 de agosto de 1997. A seqüência de estudos de
língua árabe deu-se naturalmente: em primeiro lugar porque a metodologia proposta
no curso era adequada às minhas expectativas e, em segundo lugar, eu encontrara
interlocução sobre textos científicos que, até então, havia sido minha maior
dificuldade. Cursei o segundo semestre de 1997 na disciplina de língua árabe no curso
de graduação. Contudo, devido às particularidades dos textos de Avicena e da
linguagem empregada pelos falásifa, passei a estudar a língua árabe de modo
autodidata, com auxílio da Profa. Safa Jubran que, desde esse período, tem
acompanhado meus estudos nessa área. Dediquei-me com mais afinco aos estudos de
língua árabe que se direcionassem para a tradução de textos de filosofia, incentivado
pelo Prof. Dr. Mamede Mustafa Jarouche que abriu portas para minhas publicações.
Durante o período do mestrado participei, também, intensamente das
reuniões de um grupo de filosofia medieval que havia sido fundado anos antes pelo
Prof. Carlos Arthur e por mais alguns professores. O Cepame propunha-se, na época,
a ser o Centro de Estudos de Filosofia Patrística e Medieval de São Paulo. Um grupo
de especialistas, extra-muros, a interligar professores de filosofia medieval da PUC da
USP e da UNICAMP. Com minha volta da França, me foi oferecida a oportunidade
de capitanear um núcleo de estudos de filosofia árabe como parte das atividades do
Cepame. Tal núcleo era, carinhosamente, chamado “Grupo das arábias.” O terreno
para a difusão dos estudos árabes era frutífero. De certo modo, monopolizamos as
atividades do setor naquele ano e, talvez, por excesso de atividade, o grupo passou a
sofrer restrições por parte de alguns dirigentes do próprio Cepame. De todo modo, os
resultados não deixariam de ser importantes. À frente do núcleo de estudos árabes,
coordenei seminários mensais ao longo daquele ano. Dos encontros participaram
colegas graduandos, mestrandos e professores da área, como atividades regulares
dentro do referido Grupo, em reuniões mensais que se realizaram ora no caloroso
prédio velho da PUC-SP, ora nas gélidas salas de filosofia da USP. Um dos resultados
desse período foi a confecção de um número especial da série “Cadernos do Cepame”
que continha cinco artigos e uma tradução do árabe para o português de uma epístola
de Avicena. Tive a oportunidade de ingressar no conselho editorial do referido grupo,
participei com outros colegas da criação, diagramação, revisão e edição do referido
16
número. Em 2004 deixei de fazer parte do Cepame, por entender que o princípio de
reunião extra-muros fora abandonado e a sigla cooptada por alguns professores do
Departamento de Filosofia da USP para realizarem apenas encontros locais. Consta
que o caderno especial sobre filosofia árabe permanece no prelo mas, dada a extinção
do Cepame em seus propósitos iniciais de fundação, há o risco de que tal publicação
venha e ser retardada ainda mais, e mesmo, por questões menores, ser engavetado, o
que seria de se lamentar.
Durante o mestrado fui convidado a proferir outras palestras,
conferências e participei de congressos e simpósios ligados à filosofia. Em maio de
1998, participei de modo mais consistente no V Simpósio Interdisciplinar de Estudos
Greco-Romanos, sob o tema “Technê –estudos sobre a técnica, patrocinado pelo
Centro de Estudos da Antiguidade Greco-Romana do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Filosofia da PUCSP, apresentando a comunicação intitulada “Avicena:
as duas faces da alma” . Essa participação gerou a publicação do artigo “Avicena: as
duas faces da alma”na Revista Hypnos, n. 4. No semestre final de meu mestrado
realizei dois trabalhos muito importantes, na medida em que me dirigi a outros
núcleos de estudo que não o da filosofia medieval. O primeiro foi a palestra “Os
sentidos internos em Avicena”, apresentado aos alunos de Filosofia da UNICAMP,
num encontro patrocinado pelo CPA - Centro de Estudos e Documentação sobre o
Pensamento Antigo Clássico, Helenístico e sua Posteridade Histórica – dirigido pelo
Prof. Dr. Hector Benoit. Esse seminário foi praticamente o resumo e síntese de minha
pesquisa de mestrado. Não obstante o constante mau-humor dos antigos em relação
aos medievais, pude colocar inúmeras questões perturbadoras em torno da
importância da filosofia em árabe. O segundo evento ocorreu em 20 de outubro de
1999, ocasião em que, a convite da Área de Árabe da USP, proferi a palestra
“Filosofia Árabe” aos alunos de Cultura Árabe II.
Defendi a dissertação de mestrado em 1999. Da Banca fizeram parte o
Prof. Dr. Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, o Prof. Dr. Jamil Ibrahim Iskandar e o
Prof. Dr. José Carlos Estêvão. A dissertação teve a felicidade de ser aprovada com
nota máxima, sendo recomendada para publicação. Em 1999, foi editada pela Editora
da PUC do Rio Grande do Sul.
Nessa mesma época, tornei-me membro de outra entidades ligada à
filosofia e ao mundo árabe: o Institute du Monde Arabe. De toda maneira, o
derradeiro capítulo do período final de meu mestrado foi o convite de um dos
17
professores da Banca para a continuidade de minhas pesquisas em nível de doutorado
no Departamento de Filosofia da USP, pois, na época a PUC não tinha instaurado,
ainda, o curso de doutorado. Havia questões políticas controversas nessa mudança e
eu, embora não pudesse detectar o alcance de todas elas, acabei aceitando o convite.
VII – O Doutorado na USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo
Os quatro anos de doutorado na USP foram marcados por uma grande
diferença no tratamento da pesquisa: agora o trabalho se dava diretamente com o texto
árabe. Nesse período, tive maior aproximação com a área de árabe e as direções de
minha vida acadêmica já apontavam para resultados simultâneos, isto é, tanto na
filosofia como no conjunto de escritos que visavam renovar a visão da cultura árabe
no Brasil. Vale ressaltar que, durante o mestrado, meu trabalho dirigiu-se mais à
discussão filosófica de Avicena no trajeto da História da Filosofia, isto é, a ênfase
recaia mais sobre as questões filosóficas e não propriamente sobre os estudos árabes.
A partir do contato com a Área de Árabe da USP, meu trabalho ganhou uma outra
face. Senti que a aplicação de minhas pesquisas dava-se em duas frentes promissoras:
a primeira era colocar uma cunha em língua portuguesa na História da Filosofia e
pleitear uma nova leitura dos engates e das passagens dos momentos mais
importantes, a partir da falsafa. A outra face dizia respeito ao conjunto de trabalhos e
publicações patrocinadas pela Área de Árabe da USP.
Foi nesse período de aproximação de interesses na difusão e resgate
acadêmico de textos e temas da cultura árabe, que tive a oportunidade de conhecer o
Prof. Dr. Michel Sleiman que deu novo impulso à minha participação no Cearusp, o
Centro de Estudos Árabes da USP.Dentro das atividades propostas, estava a criação,
edição e publicação de uma revista anual de estudos árabes, e coube a mim criar uma
seção de fontes árabes da falsafa. O resultado desse projeto foi a elaboração de Tiraz,
Revista de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio, contendo uma seção de
falsafa, o que foi foi um passo importante para a superação de textos bilingües. Nesse
primeiro número, publiquei uma tradução da seção V do capítulo V do Livro da alma
de Avicena, com notas e comentários ao texto, acompanhado da tradução latina
medieval. Esse era, pois, o padrão que eu imaginava para os estudos de falsafa no
Brasil, pois pouco valem traduções pura e simples – que não estejam acompanhadas
do texto árabe e da respectiva tradução latina – quando o objetivo é reconstruir
18
itinerários de idéias, termos e conceitos no período medieval e na formação do
pensamento da Europa moderna. Esse ensaio proporcionou-me certo alívio e deu-me
impulso para continuar nesse caminho.
Todas essas ligações com a língua árabe e com a cultura árabe alçaram
minha pesquisa de doutorado a um novo patamar. Os textos franceses, embora
insuficientes, continuavam a ser bons interlocutores. Durante esse período inicial,
pleiteamos uma bolsa de doutrado na FAPESP, que foi concedida por todo o período
em questão. Cursei os créditos obrigatórios, consegui nota máxima na disciplina
cursada e dediquei-me à confecção da tese. Meu estudo era, de certo modo, uma
continuidade do estudo anterior feito em nível de mestrado e versava sobre a questão
do intelecto no Livro da alma. Logo na abertura de minhas atividades no doutorado
tive a oportunidade de participar do IX Encontro Nacional de Filosofia, promovido
pela ANPOF – Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia. O encontro
realizou-se em Poços de Caldas, MG, entre 03 3 08 de outubro de 2000. Apresentei o
trabalho “O intelecto sagrado no Kitab al-nafs de Ibn Sina (Avicena)”. O texto era
uma continuação dos seminários que eu havia coordenado no Cepame e servia como
introdução para o longo caminho que eu seguiria no doutorado. No ano de 2000 eu já
havia apresentado um seminário sobre “O intelecto em Avicena”na PUC-SP por
ocasião dos Seminários do Cepame. Ainda nesse mesmo ano, fui convidado pela
Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade de São Paulo – Campus
Ribeirão Preto – e proferi a palestra “Falsafa –A filosofia entre os árabes.”
Em 04 de setembro de 2001, a convite da Embaixada da República
Islâmica do Irã, estive na Universidade Católica de Brasília para participar do Evento
“Diálogo entre civilizações”. Lá, apresentei a comunicação “Falsafa, uma herança
esquecida”. Em dezembro de 2001 escrevi um artigo publicado na Cult Revista
Brasileira de Literatura, n. 53, denominado “Falsafa, ou epístola de uma filosofia.”
Vale, ainda, destacar um outro fato ocorrido no início do doutorado e
que resultou numa outra publicação: trata-se de um curso que eu havia ministrado
sobre filosofia árabe na Associação Palas Athena. Até onde se tem notícia, foi o
primeiro curso sobre falsafa no Brasil e um de seus resultados foi minha terceira
publicação: Falsafa, a filosofia entre os árabes, editado pela editora Palas Athena. O
impacto do livro foi muito positivo pois se tratava da primeira obra em português que
versava diretamente sobre o assunto, tornando-se uma referência para muitos alunos
que iniciavam o estudo em filosofia árabe. Nesse tempo eu já achava que a vida havia
19
me dado muito mais do que eu esperava, quando vendia botões atrás de um velho
balcão de madeira. O curso na Palas Athena havia sido um desdobramento da palestra
“A psicologia de Ibn Sina (Avicena) que eu havia ministrado lá mesmo no ano de
1999. Eu ainda voltaria uma última vez a Associação Palas Athena para proferir
minha derradeira palestra aos alunos daquela escola: “Al-Gazali, filósofo, teólogo ou
místico?”.
O primeiro semestre de 2002, contou com algumas atividades. Em 26
de abril de 2002 coordenei a Mesa “Metafísica e predicação”no VI Encontro de
Pesquisa da Graduação em Filosofia, organizado pelo Departamento de Filosofia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. A convite do
Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência
Humanas da USP a proferir Aula Magna “Introdução à Falsafa”aos alunos de Cultura
Árabe II. Devo mencionar, também, que nos dois primeiros anos do doutorado, me
mantive ligado à memória dos cursos de introdução à filosofia que eu havia
ministrado anos antes com o objetivo de despertar o amor pela sabedoria. Essas idéias
me acompanhavam insistentemente e, assim, decidi criar um núcleo que organizasse
meu desejo de despertar o interesse dos mais jovens pela filosofia. Essa foi a criação
do “…Filosofando… Grupos de Reflexão e Consultas à Filosofia.” A idéia era
oferecer grupos de estudo que estimulassem a introdução ao pensamento filosófico e
acompanhar e auxiliar pessoas interessadas em determinados temas da filosofia, tais
como “O que é verdade?”; “O destino”; “O eterno retorno”; etc. A estratégia que
adotei foi veicular as atividades do núcleo pela Internet. Desse modo, publiquei
alguns artigos em revistas eletrônicas tais como os artigos sobre introdução ao
pensamento filosófico na “Revista Artística” em www. artistica.com br/revista e os
artigos de Introdução à Filosofia publicados no sítio “Futuras Gerações” em www.
futurasgeracoes.com.br. Também autorizei a publicações de meus contos de O
Legado da Sabedoria no sítio do Instituto Hypnos que podem ser encontrados no
endereço www. institutohypnos.org.br/artigos.Tenho desejo de reunir esses artigos em
um único livro sobre introdução aos temas da filosofia.
Em 2002 filiei-me a AFHIC – Associação de Filosofia e História da
Ciência do Cone Sul – e participei do III Encontro de Filosofia e História da Ciência
do Cone Sul, realizado em maio de 2002 em Águas de Lindóia, em São Paulo.
Apresentei uma primeira versão de meus estudos a respeito do intelecto denominado
“Notas a respeito da inteligência agente no Kitab-al nafs de Ibn Sina.” Tais notas
20
eram compostas de inúmeras questões que iam surgindo à medida que eu procurava
interpretar o funcionamento da questão do intelecto no Livro da alma. Eu buscava
saber se o paradigma epistemológico do autor guiava-se pelos paradigmas da teoria da
luz e da visão, apresentado em capítulos anteriores. A questão não era menor, afinal,
se eu pudesse estabelecer a real relação entre os paradigmas, poderia responder qual
era a relação entre física, psicologia e metafísica. Nesse quadro, meu trabalho ia ao
encontro de alguns temas que pesquisadores em História da Ciência se propunham a
realizar. Apesar da solidária receptividade de meu trabalho por parte da Profa. Dra.
Ana Maria Alfonso-Goldfarb, Profa. Dra. Vera Cecília Machline e outros professores
e colegas, eu senti que precisava de uma interlocução propriamente aviceniana para
confrontar minhas questões. Isso só aconteceu quando saí do Brasil.
Trabalho de especulação, apontamentos e heterodoxas hipóteses, foi
também o que apresentei no X Encontro Nacional de Filosofia, promovido pela
Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia. O encontro, de 29 de setembro
a 3 de outubro de 2002 ocorreu na cidade de São Paulo. Na ocasião, apresentei a
comunicação “A inteligência agente no Kitab al-nafs de Ibn Sina”. A oportunidade foi
importante pois me confrontou diretamente com alguns experientes filósofos do
Brasil, dentre eles o Prof. Carlos Arthur e o Prof. Alfredo Storck. Já nesse período,
senti que minha tese tocava em questões desafiadoras, mas era necessário um embate
mais sistemático com outros estudiosos de Avicena.
Em 2002, filiei-me a SIEPM, Societe Internationale pour L’Étude de
la Philosophie Médeivale. No mesmo ano era anunciado um Congresso Mundial de
Filosofia Medieval, patrocinado pela SIEPM, sobre o tema do intelecto e da
imaginação. Ora, eu não poderia perder a chance de me encontrar com especialistas
em Avicena reunidos para falar exatamente sobre o tema do meu doutorado. É
importante registrar que, no início do doutorado, meu orientador já havia viajado para
Paris e, por lá, permaneceu por um ano. Na época, esboçou-se minha ida para lá, para
que eu o Prof. Ahmad Hassnaoui acompanhasse meu trabalho. Preparei-me, chegando
a enviar parte de minha tese em francês para o professor Hassnaoui por intermédio de
meu orientador. Acredito que esse texto não tenha chegado às suas mãos. De todo
modo, eu havia conseguido a aprovação no exame de proficiência em língua francesa
para estudar naquele país. Em 11 de outubro de 2002, recebi da Ambassade de France
au Brésil, por meio da Délégation Générale da l’Alliance Française au Brésil a
aprovação no teste de proficiência o equivalente ao quinto ano da Aliança Francesa –
21
Nancy – ou 800 horas de estudo em francês.com aproveitamento 8,6 seguido do
comentário “nível muito bom de francês, tanto na parte oral como na escrita”. O
resultado desse episódio é que nunca fiquei sabendo porque as negociações de minha
ida a Paris se interromperam. Eu sabia que era importante sair do Brasil para testar
minhas hipóteses com outros pesquisadores, visto que aqui minha interlocução havia
se esgotado. Por essa razão, quando surgiu o anúncio do Congresso mundial de
filosofia medieval na cidade do Porto, em Portugal, eu sabia que deveria fazer tudo
para estar lá, e estive.
O Congresso foi decisivo para minha tese: tive a oportunidade de
conhecer e testar minhas hipóteses junto a importantes pesquisadores, tais como
Dimitri Gutas, Rafael Ramón Guerrero, Puig Montada e outros. Mais do que tudo
levei para minha apresentação uma leitura assaz heterodoxa de uma das passagens
mais cruciais da doutrina do conhecimento de Avicena. O debate e a reação que
encontrei subsidiaram os principais capítulos de minha tese. O resultado disso, foi que
meu trabalho acabou propondo uma revisão da teoria do conhecimento de Avicena,
partindo da tradução direta do texto árabe. A tese era desafiadora para uma visão
tradicional, mas que se mostrou sólida o suficiente para fazer frente aos argumentos
correntes em contrário. Ficou, assim, registrada minha participação no XI Congrès
International de Philosophie Médiévale da Société Internationale pour l’étude de la
Philosophie Médiévale realizado na Cidade do Porto – Portugal com o trabalho “O
intelecto no Kitab al-Nafs de Ibn Sina (Avicena). A publicação do referido artigo nas
Atas do Congresso está no prelo e tem previsão de publicação até o final do corrente
ano.
Em 19 de agosto de 2003, tive a oportunidade de proferir uma palestra
no curso de Filosofia – Licenciatura Plena da Unifai – Centro Universitário Assunção
– sob o título: Falsafa, a filosofia entre os árabes e a teoria do conhecimento em
Avicena. No mesmo ano, no segundo semestre, houve um congresso muito
gratificante na cidade de Marília. Assim, de 14 a 16 de outubro de 2003, participei da
XXVI Jornada de Filosofia e Teoria das Ciências Humanas – História da Filosofia
Antiga e Medieval realizado pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, campus
Marília. Apresentei a comunicação “Notas a respeito da inteligência agente no Kitab
al-Nafs de Ibn Sina” e participei da mesa-redonda “História da Filosofia em Árabe:
Ibn Sina e Ibn Rushd”. Embora esse trabalho fosse homônimo à primeira versão
apresentada no encontro da AFHIC, a diferença fundamental é que entre os dois
22
houve o Congresso do Porto. Em Marília, senti que minhas teorias a respeito dos
paradigmas científicos de Avicena usados para construir sua doutrina do
conhecimento, haviam se solidificado. Minha nova leitura apontava nuances de
tradução negligenciadas anteriormente que poderiam alterar o núcleo central de sua
doutrina. Assim, minha tese de doutorado ganhou força para desafiar leituras
tradicionais de Avicena.
Quando chegou o momento da defesa da tese, reuniu-se a Banca de
Doutorado formada pelos seguintes membros: Prof. Dr. José Carlos Estêvão, Prof. Dr.
Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, Prof. Dr. Alfredo Storck, Prof. Dr. Moacyr
Novaes e Prof. Dr. Jamil Ibrahim Iskandar. Naquela manhã, senti meu trabalho ser
avaliado sob os principais pontos de uma tese que, com um único autor, acabava
fazendo ponte entre dois momentos históricos da filosofia. Explica-se: afinal, entre
Ibn Sina e Avicena havia, às vezes, tantas diferenças que, na verdade, era como se
fossem dois autores distintos. Dentre outras, as argüições da Banca levaram em conta
o conhecimento da língua árabe, a prática de tradução dos textos filosóficos, o
conhecimento da língua latina, a rigidez da leitura estrutural do texto, o conhecimento
do Avicena latino e de suas ligações com Aristóteles e relações da doutrina de
Avicena na formação dos pensadores do ocidente medieval latino e da modernidade.
Pode se dizer que,em seus limites, a tese foi vasculhada em cada
escaninho. Tudo correu bem. Depois de exaustivas cinco horas de argüição, me foi
concedido o título de Doutor em Filosofia pelo Departamento de Filosofia da USP.
Nosso trabalho fora, assim, reconhecido em seus mais recônditos detalhes. A tese foi
aprovada, ainda, com distinção e louvor.
Era como se eu tivesse dado um grande e apertado abraço naqueles
velhos árabes.
VIII – O Pós-doutorado na PUC-SP – Programa de Estudos Pós-Graduados em
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Em 2004, voltei a PUC, pretendendo dar continuidade às minhas
pesquisas passando do estudo do intelecto no Livro da alma ao estudo do intelecto na
Metafísica. Minha volta ao campus que acolheu minha dissertação de mestrado fez-se
com uma participação no dia 20 de maio de 2004 da comunicação Alma e intelecto em
Ibn Sina (Avicena) e participação na mesa-redondano subseqüente Sobre a alma no XI
23
Simpósio Interdisciplinar de Estudos Greco-Romanos da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo por meio do Departamento de Programa de Estudos Pós-
graduados em Filosofia. Ainda no início de 2004, elaborei a transliteração do
apêndice bilíngüe árabe/português que contém 230 termos filosóficos do vocabulário
de Avicena em A origem e o retorno, com tradução do Prof. Jamil Iskandar, editada
pela Martins Fontes em 2005.
Em 20 de setembro de 2004 ministrei duas conferências no curso de
Filosofia – Licenciatura Plena da Unifai – Centro Universitário Assunção – sob os
títulos: Teoria do Conhecimento em Ibn Sina (Filosofia árabe) e A metafísica de Ibn
Sina (Filosofia árabe. Ainda, no final de 2004, mais precisamente, em 27 de outubro
de 2004, tive a grata satisfação de apresentar o trabalho “A teoria do conhecimento de
Ibn Sina (980-1037)” a alunos e professores do Programa de Estudos Pós-Graduados
em História da Ciência e do Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência
da PUCSP.
De todo modo, defini o título de meu pós-doutorado como sendo A
inteligência ativa na Metafísica da Al-shifa de Ibn Sina (Avicena). As possibilidades
de elo entre psicologia, metafísica e cosmologia eram caminhos que atiçavam minha
curiosidade. A esse tempo, o núcleo de estudos de filosofia em árabe do Cepame que
eu conhecera no início do Mestrado já se esfacelara por completo devido a questões
de política universitária dos professores que o haviam formado. Sendo assim, eu e o
Prof. Carlos Arthur pensamos em anexar ao meu projeto de pós doutorado, a criação
de um núcleo de pesquisa de filosofia árabe ligando-o ao Departamento de Filosofia
da PUC-SP. Em 2005 foi fundado o Grupo de Pesquisas de Filosofia Medieval Latina
e de Filosofia Medieval em Árabe – Falsafa que consta da base Lattes dos Grupos de
Pesquisa do CNPQ, certificado pela instituição, mantendo atividades dentro do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia da PUC-SP.
No início de 2005, tive dois importantes encontros com os alunos de
filosofia da PUC-SP. No primeiro, ministrei quatro aulas para o curso de graduação
em Filosofia na disciplina História da Filosofia III sobre o tema “A divisão e a
classificação das ciências na filosofia em árabe” e, no segundo encontro, ministrei três
aulas para os alunos de pós-graduação em Filosofia na disciplina, Seminário de
Pesquisa II sobre o mesmo tema. Outro encontro que mobilizou parte de meu
tempo foi o convite oficial do Itamaraty - Ministério das Relações Exteriores – feito
em março de 2005 por meio do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, para
24
que eu participasse da Cúpula América do Sul – Países Árabes, quanto à criação e
organização de uma Biblioteca Básica América do Sul – Países Árabes. A pedido da
embaixadora Heloísa Vilhena de Araújo, participei da primeira reunião preparatória
na qual foi elaborado as diretrizes básicas para a criação da biblioteca. Ademais, tal
encontro resultou em propostas de traduções de obras árabes para o português e para o
espanhol, e vice-versa; a criação de um acervo em bibliotecas universitárias, e a
integração dos principais centros de estudos e pesquisas entre os países da América do
Sul e dos países árabes. Vale lembrar que este projeto foi entregue às autoridades do
Itamaraty, responsáveis pela agenda de negociações entres os diversos representantes
dos países árabes e dos países da América do Sul por ocasião do evento mundial
realizado em Brasília em maio de 2005. A implementação e a manutenção das
diretrizes apontadas na ocasião, como sendo os principais meios de difusão e
integração de ambos os blocos de países, devem, em breve, gerar resultados positivos.
Ainda no primeiro semestre, em 29 de junho de 2005, participei
juntamente com o Prof. Michel Sleiman e com a Profa. Safa Jubran do Debate sobre o
filme “O destino”, de Youssef Chahine, patrocinado pelo Instituto de Cultura Árabe e
o Centro Cultural São Paulo. O filme, que trata da vida de Averrróis, foi uma ótima
oportunidade para inserir minha formação em filosofia juntamente com o perfil
histórico, literário, artístico e lingüístico representado pelos meus colegas de mesa. O
evento foi muito positivo, pois delineava as infinitas possibilidades de efetuação da
filosofia como organizadora dos diversos ramos que desbordam da vastidão referida
pelo termo “cultura árabe”. Tanto essa participação num evento cultural de caráter
geral, como minha participação na elaboração do projeto da Biblioteca América do
Sul – Países Árabes, conferiram uma nova perspectiva de aproximação ao mundo
árabe. Os caminhos da filosofia ampliaram-se, assim, em outros horizontes apontando
para outras manifestações culturais, incluindo aspectos artísticos, literários e sociais, o
que não deixa de se configurar num novo desafio.
Também no início de 2005, o CNPQ concedeu uma bolsa para o
projeto de pós-doutorado. Nesse mesmo ano, a criação, administração e manutenção
das atividades do Grupo tomou boa parte do meu tempo. Mesmo assim, dediquei-me
ao primeiro capítulo de meu trabalho de pós-doutorado, que pretendo terminar até
meados de 2006. As atividades do Grupo mostraram-se surpreendentes. Inicialmente,
realizamos uma oficina de leitura da Metafísica de Avicena. Alguns alunos passaram
a freqüentar as reuniões e, em menos de três meses, as oficinas se multiplicaram em
25
três: líamos, Al-Farabi, Averróes e Ibn Khaldun, de acordo com o interesse dos alunos
que pretendiam aprofundar seus estudos em falsafa. As atividades do Grupo em 2005
envolveram tanto as oficinas de leitura como seminários dos pesquisadores e dos
alunos. Dentre os resultados obtidos, estão os projetos de mestrado de duas alunas que
ingressaram no Programa de Língua, Literatura e Cultura Árabe da FFLCH USP:
Jacqueline Beyrouti del Nero em “A felicidade na cidade virtuosa de Al-Farabi” sob a
orientação da Profa. Dra. Safa Abou Chahla Jubran; e o de Anna Covelli sob o título
de “O conceito de Tawil no Fasl Maqal de Averróes”. Comprometi-me com os dois
professores do Programa, responsáveis pela orientação, a co-orientar ambas as alunas.
Esse fato não é de pouca monta, pois se trata dos dois primeiros projetos de mestrado
em falsafa de uma segunda geração de pesquisa a serem desenvolvidos.
Paralelamente a isso tudo, incluindo sugestões que me haviam sido
feitas por ocasião da defesa, passei a corrigir minha Tese de Doutorado para ser
publicada pela editora Ateliê no primeiro semestre de 2006 sob o título O intelecto no
Livro da alma de Ibn Sina (Avicena). Um outro fato importante foi o interesse da
editora Globo pela publicação de uma tradução do Livro da alma de Avicena, que até
meados de 2005 já contava com uma parte da tradução programada para ser finalizada
em junho de 2006. Em 08 de novembro de 2005 ministrei, ainda, duas conferências
no curso de Filosofia – Licenciatura Plena da Unifai – Centro Universitário Assunção
– sob os títulos: A importância da filosofia árabe na História da Filosofia e A
doutrina do conhecimento em Avicena. Essa foi, naquele ano, minha última atividade.
IX – Os caminhos de pesquisa no final do pós doutorado – 2006.
No horizonte das pesquisas, ao final do pós-doutorado, eu já procurava
manter atividades complementares que, em sua pluralidade, pudessem se combinar
para formar, em uníssono, aquilo que acredito ser uma contribuição nas duas áreas em
que minha pesquisa se desdobrava: Filosofia e Cultura Árabe. Naquele período, o
precípuo de meus objetivos foi aprofundar a discussão a respeito do intelecto, já
presente em minha tese de doutorado, rumo à conclusão do projeto de Pós-doutorado
A inteligência ativa na Metafísica da Al-Shifa de Ibn Sina (Avicena). Os resultados
que obtive no ano de 2004 e no ano de 2005 em meio às oficinas de leitura que
desenvolvemos no Grupo de Pesquisa de Filosofia Medieval Latina e de Filosofia
26
Medieval em Árabe – Falsafa na PUC-SP foram amplamente satisfatórios diante das
hipóteses que havíamos levantado em nosso projeto. Em suma, havíamos
conjecturado que a teoria do conhecimento de Avicena, conforme apresentada pelo
autor em seu Livro da alma só poderia ser compreendida em toda sua extensão se
fizéssemos uma leitura – melhor, uma nova leitura – de sua Metafísica. Essa hipótese
de complementação entre os dois livros não se constituiu a partir de ligações
arbitrárias de nossa parte, mas ancorou-se no fato de que ambas, eram partes
constitutivas de uma obra maior: a Al-Shifa’. Desse modo, questões levantadas no
Livro da alma só poderiam ser compreendidas à luz da leitura da Metafísica. A
questão da relação entre o intelecto humano e as inteligências separadas,
particularmente a inteligência ativa, configurou-se, assim, como o pano de fundo
responsável pelo conjunto de explicações entabuladas pelo nosso autor para o
conjunto dos existentes.
A leitura que propusemos de passagens da Metafísica foram
surpreendentemente satisfatórias com passagens problemáticas do Livro da alma.
Quase sempre que falamos de novas interpretações, estamos, na verdade, nos
referindo a problemas de tradução. A reforma da tradução de algumas passagens
referiu-se a três níveis: o primeiro foi a escolha mais adequada do termo em si, a
segunda a compreensão mais adequada para o conceito em questão e a terceira, o
sentido mais adequado para passagens obscuras. Assim, termo, conceito e sentido
foram os itens que as oficinas de leitura mais contribuíram. Os resultados desses
encontros foram minhas anotações no texto de Avicena, que passei a organizar num
texto coeso. Nessa perspectiva, o trabalho de Pós-doutorado caminhou bem, dentro do
cronograma previsto, tendo ultrapassado a fase mais difícil de conceituação, criação
de vocabulário e tradução das passagens mais difíceis, fixando-se em elaboração de
texto final para publicação. Assim, em 2006 a Conclusão do Pós-Doutorado na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo encerrou-se com a entrega da
monografia A inteligência ativa na Metafísica da Al-Shifa de Ibn Sina (Avicena) e
com a fundação do Grupo de Tradução e Pesquisa de Filosofia Medieval Latina e de
Filosofia Medieval em Árabe – Falsafa.
Um trabalho que me ocupou bastante foi a tradução, ainda em 2006, do
Livro da alma. Bem sabemos que esse trabalho de Avicena envolve um conjunto de
conceitos e categorias aristotélicas – e da filosofia grega em geral – prontamente
adaptado à língua árabe, na época das traduções da Casa da Sabedoria. Se por um
27
lado é bem plausível supor que uma tabela de equivalências pudesse, nesse caso, ser
conveniente; por outro lado, insistir no horizonte dos termos gregos, em alguns casos,
podia descaracterizar a força própria do vocabulário em língua árabe para expressar a
filosofia. Nesse cenário de dificuldades, vi meu trabalho de tradução evoluir
lentamente, com muita reflexão, manifesta nas anotações que acompanharam a
tradução. É oportuno lembrar que O Livro da alma é dividido em cinco capítulos. No
primeiro há considerações gerais a respeito da alma e de seus tipos de percepção; o
segundo é dedicado aos sentidos externos, com exceção à visão; o terceiro é um
capítulo exclusivo ao estudo da luz e da visão; o quarto dedica-se ao estudo dos
sentidos internos e, o quinto, estuda a questão da alma humana e do intelecto. O
quarto e o quinto, respectivamente foram objeto de estudo de meu mestrado e de meu
doutorado. É verdade que os outros capítulos tiveram relevância, mas o enfoque
principal recaiu nesses dois últimos. Ora, o vocabulário destes dois últimos me era
mais familiar. Os três primeiros capítulos, que constituem praticamente um pouco
mais da metade da obra, portanto, foram os mais difíceis. Felizmente, porém, terminei
a tradução do Livro da alma de Ibn Sina (Avicena) no ano de 2006, assinando um
contrato para a publicação pela Editora Globo. As primeiras provas já chegaram às
minhas mãos e a previsão para o lançamento é para o segundo semestre de 2010.
Minha terceira ocupação no ano de 2006, interligada com esses dois
trabalhos que descrevi, foi a tarefa de manter as edições da falsafa em Tiraz, Revista
de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio em cujo segundo número, foi
publicada uma tradução de uma epístola de Al-Farabi feita pelo Prof. Jamil Iskandar.
A partir do terceiro número, sem interrupção, retomei os estudos mais aprofundados
das traduções, com introdução, notas e comentários, seguindo pelos números IV, V, e
VI, até o final de 2009.
Naquele ano de 2006 mantive, ainda, a coordenação dos trabalhos do
Grupo de Pesquisa de Filosofia Medieval Latina e de Filosofia Medieval em Árabe –
Falsafa, é dando seguimento às oficinas de leitura e aos seminários semanais do
grupo. Os pesquisadores doutores preparam um curso de extensão de 32 horas a ser
ministrado na campus Monte Alegre que deveria interligar os dois mundos da
filosofia – árabe e latino – durante o período histórico ao qual nos dedicávamos.
Todas essas atividades de pesquisa, traduções, publicações e de inserção
acadêmicas que eu mantinha em ritmo crescente em 2006, tiveram um novo impulso
com a abertura do Concurso Público para a Área de Cultura Árabe na Faculdade de
28
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. A Banca
Examinadora foi presidida pela Profª Drª Safa Alferd Abou-Chahla Jubran, tendo
como examinadores Prof. Dr. Michel Sleiman, Prof. Dr. Alexander Jovanovic, Prof.
Dr. Marco Lucchesi e Profª Drª Ana Maria Alfonso-Goldfarb. As provas realizaram-
se nos dias 18,19 e 20 de abril de 2010. O resultado final agraciou-me com a
possibilidade de ocupar a cadeira de Cultura Árabe do referido curso,
responsabilidade que, desde logo, ampliaria meus horizontes de pesquisa, tanto na
filosofia como na história do pensamento. O ingresso no Curso de Árabe seguiu os
trâmites normais ocupando boa parte do segundo semestre de 2006. Meu ingresso foi
oficializado no dias 19 de setembro de 2010 e, em 1º de outubro de 2010, fui
nomeado Professor Efetivo de Cultura Árabe da Universidade de São Paulo. O início
de minhas atividades não incluíram, de imediato, a entrada em sala de aula, mas a
participação em reuniões administrativas, plantão de atendimento aos alunos,
participação em concursos para ingressos de funcionários, manutenção da produção
em pesquisa e, principalmente, a elaboração do Programa para a disciplina de Cultura
Árabe. Os cursos propriamente ditos tiveram início no Iº semestre de 2007 e, ali,
muitas outras vertentes também se iniciariam em minhas pesquisas, levando-me a
novos e plurais caminhos, complementares, além da tríade da história da filosofia
grega, árabe e latina. Essas, é bem verdade, eu tentava recosturar com os instrumentos
que tinha, mas o contato com outras correntes de pensamento presentes nas áreas de
Línguas Orientais, demandariam novas sínteses, numa teoria mais geral que as
abarcasse.
X – O período universitário - 2007
Assim, no primeiro e segundo semestres de 2007 ministrei as
disciplinas de Cultura Árabe I e Cultura Árabe II tanto como matéria obrigatória para
os alunos de Árabe como matéria optativa para os alunos de outras faculdades. Minha
experiência resumiu-se no seguinte: o programa existente era voltado mais para
cultura no sentido das diversas manifestações produtivas dos árabes: arquitetura,
música, dança, literatura, religiosidade etc. A coordenação do Curso deu liberdade
para que eu construísse um novo patamar de reflexões sobre o tema. Ora, professores
de cultura não tem formação em cultura, mas em alguma área específica e, portanto,
acabam focalizando, na cultura, aquela tal formação que possuem. Assim, um
historiador colocará o foco na história, um literato na literatura e assim por diante. No
29
meu caso, pensei que o foco que eu deveria privilegiar era a evolução ou a
transformação que o pensamento árabe havia sofrido desde os primórdios até o
momento presente. Assim, o curso de Cultura Árabe, naquele ano versou sobre as
etapas do pensamento árabe, formação, desenvolvimento e evolução.
Tive a oportunidade de, ainda em 2007, criar um novo curso intitulado
Introdução à Filosofia Árabe I e Introdução à Filosofia Árabe II. Ambos foram
matérias optativas. Nesses cursos, passei a focalizar não o pensamento árabe em toda
sua extensão, mas apenas a falsafa, em leitura direta dos textos. Em ambas
disciplinas tive uma dificuldade básica de ministrar aulas de filosofia e pensamento
para estudantes de outras áreas. Embora em alguns casos houvesse estudantes de
filosofia, o tom dos cursos acabou sendo simultaneamente um exercício de
horizontalidade e verticalidade analíticas. Ora, privilegiando o panorama e as
circunstâncias em que se dava determinado pensamento, ora, aprofundando-se nos
textos. A experiência em 2007 levou a reestruturar as disciplinas para 2008.
No campo da pesquisa, depois de ter trabalhado sobre a Metafísica de Ibn
Sina, as questões de vocabulário ainda não me pareciam satisfatórias. Decidi buscar as
fontes da metafísica árabe em seus primeiros intérpretes. Uma das obras de Al-Kindi,
o primeiro filósofo árabe, pareceu ser importante: A Filosofia Primeira. Juntamente
com a Profª Safa Alferd Abou-Chahla Jubran, iniciamos a tradução dessa obra,
publicada na íntegra na Revista Tiraz, em três números consecutivos. Assim, no ano
de 2007 tive os seguintes artigos publicados: * ATTIE Fº, M./ JUBRAN, S. “A
Filosofia Primeira – Alkindi” in Tiraz, Revista de Estudos Árabes e das Culturas do
Oriente Médio. Orientais, v.03, pp. 129-159, 2006. * ATTIE Fº, M. “Aspectos da
metafísica em Ibn Sina (Avicena)”. in Poesia Sempre, v.24, pp. 09-19, 2006. * ATTIE
Fº, M. “A Filosofia Primeira – Alkindi (terceira parte do primeiro segmento)”. in
Tiraz, Revista de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio, v.04, pp. 107-135,
2007.* ATTIE Fº, M. “Ibn Sina (Avicena): o intelecto e a cura da alma” in
VERITAS, Revista de Filosofia da PUCRS, v. 52, pp. 47-54, 2007.
Na área administrativa, participei como examinador da Banca de
Processo Seletivo para monitor do Departamento de Letras, tendo como 1º lugar
Patrícia Regina Signer Azevedo. Um outro evento que viria a alterar minha posição
junto às disciplinas no Curso de Árabe foi a abertura de uma nova vaga para professor
na área de Cultura. Ainda em 2007, tive participação em Banca de Comissão
Julgadora para provimento de cargo de Professor Doutor do Depto de Letras Orientais
30
para a área de Língua e Literatura Árabe – Cultura árabe – tendo como resultado em
1º lugar Profa. Dra Arlene Elizabeth Clemesha e em 2º lugar Profa. Dra. Samira Adel
Osman.
Na área de Pós-Graduação iniciei a construção de uma Disciplina Nova: Os
Filósofos Árabes. Tive a oportunidade de participar do exame de Qualificação para
Banca de Mestrado de Sandra Regina Benato: “O Coração do si mesmo, identidade
essencial no pensamento de Ibn Arabi” Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Ainda em 2007 realizei uma Palestra no Instituto Pólis: “Os artistas
tomam café com Miguel Attie Filho – A contribuição da Cultura Árabe nos novos
paradigmas da humanidade e participei da Mesa-Redonda de lançamento da
Revista Tiraz: Casa do Saber. “Desdobramentos do arabismo no Brasil
Todas essas atividades realizadas em 2007 foram, paulatinamente, abrindo
novas perspectivas de pesquisa e constituição de disciplinas concretizadas no ano de
2008.
XI – O período universitário - 2008
Na graduação, iniciei o ano de 2008 implementando duas novas
disciplinas, obrigatórias para os alunos do curso de árabe, extensiva, numa outra
turma, como optativa para alunos de outras faculdades. As novas disciplinas criadas
em 2008 denominaram-se História do Pensamento Árabe I e História do Pensamento
Árabe II. Além dessas duas, continuei ministrando as disciplinas optativas Introdução
à Filosofia Árabe I e Introdução à Filosofia Árabe II. Entretanto, essas duas últimas
acabariam por ser substituídas por duas outras novas disciplinas implementadas em
2009, às quais farei referência mais à frente. No campo da organização dos
conhecimentos que estavam incluídos nesse conjunto de quatro disciplinas de
graduação, houve uma alteração na perspectiva que eu tinha a respeito da formação do
pensamento árabe. As disciplinas de Cultura Árabe que, agora, estavam a cargo da
Profª Drª Arlene Elizabeth Clemesha, deixaram de me ocupar com as questões
primeiras e históricas da formação dos povos árabes, deixando-me mais espaço para
ambientar e centrar meus cursos na formação, evolução e desdobramentos dos povos
árabes.
Nesse sentido, um primeiro desafio foi alias a formação do pensamento
baseado na cronologia fornecida pela história e esta amparada nas alterações
31
geográficas dos povos árabes. Assim, aliei pensamento, história e geografia como
uma tríade indissolúvel para a compreensão daquilo que me propus chamar de
História do Pensamento Árabe. Assim, “história” ganhou o sentido de cronologia,
“árabe” ganhou um sentido móvel dado pela cronologia que arrastava em si expansões
e contrações geográficas; e “pensamento” ganhou o sentido mais geral do que
filosofia, incluindo outras manifestações. Desse modo, pude constituir uma linha
evolutiva do pensamento árabe que se desdobrava conforme expandia-se na linha
cronológica a presença árabe em outras culturas. Porém, a recíproca era verdadeira,
pois outras culturas, outras línguas e etnias entravam na formação do pensamento
árabe. Desse modo, fui lançado a conhecer as bases dessa intrínseca troca lingüística,
étnica e cultural que se apresentava. No que concerne à formação do pensamento
árabe, dirigi-me aos cinco principais focos de cultura com os quais os árabes tinham
tido contato direta ou indiretamente: Egito, Mesopotâmia, Grécia, Indo-Persa e China.
Acabei, assim, criando uma disciplina de amplo alcance que procurava situar a
formação do pensamento árabe entre as fontes da civilização da antiguidade e sua
refundição como preparativo para a modernidade, a partir do séc. XII d.C. Nesse
sentido, ao longo do ano de 2008, acabei por finalizar as linhas mais evidentes desse
tipo de abordagem, mantidas até hoje, apenas aprofundando os estudos em cada uma
delas.
Na outra ponta, ou seja, nos cursos de Introdução à Filosofia Árabe,
mantive a perspectiva de leituras verticalizadas a partir de determinados textos dos
principais autores da falsafa. Assim, pude rastrear a motivação e completude que
muitos alunos tem quando participam das duas disciplinas: a primeira fornece as
linhas panorâmicas e situam o pensamento árabe na história do pensamento universal,
com suas diversas correntes e tendências; enquanto a segunda, deixa de lado o
panorama e mergulha nos textos, procurando-se a compreensão direta e objetiva dos
conceitos e de sua arquitetura intrínseca. Essa dupla atuação, me pareceu muito
adequada às necessidades do Curso de Árabe como um todo e deu resultados tão logo
foi implantada.
Em 2008, em nível de Pós-Graduação criamos uma disciplina nova,
que ministrei no primeiro semestre: Os Filósofos Árabes. A estratégia que usei foi
aprofundar as leituras de textos bilíngües dos principais filósofos, utilizando,
principalmente as traduções que eu havia acumulado ao longo de todo o percurso
dentro de meus estudos na falsafa. Além do material que eu já dispunha, mantinha a
32
tradução do Livro da alma de Ibn Sina (Avicena), ao mesmo tempo em que
continuava a tradução do livro A Filosofia Primeira de Alkindi em conjunto com
Profa. Dra. Safa Jubran. Entretanto, o vocabulário metafísico de Al-Kindi, nesse
último período já estava catalogado e, procurei intensificar a pesquisa em Al-Farabi,
um autor intermediário entre Al-Kindi e Ibn Sina que, talvez, pudesse completar o
quadro do vocabulário metafísico da falsafa. Assim, teve início a tradução do livro A
Cidade Excelente de Alfarabi.
Em 2008, foi publicado Publicação de livro: ATTIE Fº, M. O Intelecto
em Ibn Sina (Avicena). São Paulo: Ed. Ateliê: 2007. (296 pgs) ISBN 978-85-7480-
382-1. O cuidado editorial conferiu extrema importância para os estudos da falsafa
no Brasil. Tínhamos a oportunidade de ter algumas traduções inéditas da Al-Shifa e do
Livro da alma, em particular, em confronto com as mesmas passagens na tradução
latina do séc. XII. Essa possibilidade, por si só, derrubava muitas teses equivocadas
da leitura da maior parte dos latinos frente ao texto árabe de Ibn Sina. A urgência da
correção de perspectivas, a muitos historiadores da filosofia, pareceu inevitável
embora, nem sempre tenha sido levada à frente, ou por ignorância dos textos ou por
ignorância ideológica. A segunda tem sido, infelizmente, mais constante.
Ainda, em nível de pós-graduação tive a oportunidade de participar da
Banca de Defesa de Mestrado de Sandra Regina Benato: “O Coração do si mesmo,
identidade essencial no pensamento de Ibn Arabi” na Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR). Paralelamente a isso, duas alunas da PUCSP que eu
havia orientado no Grupo de Filosofia da PUC seguiam com suas dissertações de
mestrado. Participei, assim, da Banca de Qualificação de Mestrado de Jacqueline
Bayrouti Del Nero: “A Busca da Felicidade na Cidade Virtuosa de Al-Farabi” USP/
FFLCH/ Depto de Letras Orientais. Alguns meses depois, participei da Banca de
Qualificação de Mestrado de Anna Rosa Martino Covelli: “O conceito de ta’wil no
Fasl Al-Maqal de Ibn Rushd”. USP/ FFLCH/ Depto de Letras Orientais.
No campo administrativo, fui nomeado Diretor do CENTRO DE ESTUDOS
ÁRABES, núcleo de pesquisas da Área de Árabe do Depto de Letras Orientais
FFLCH/ USP, permanecendo por dois anos. Além disso, fui indicado para Suplente
em Banca de Comissão Julgadora para provimento de cargo de Professor Doutor do
Depto de Letras Orientais para a área de Língua e Literatura Árabe – Literatura árabe
– tendo como candidato: Prof. Dr. Paulo Daniel Elias Farah.
33
No campo do fomento às pesquisas, ainda mantive certo contato com o
GRUPO DE PESQUISA DE FILOSOFIA MEDIEVAL LATINA E DE FILOSOFIA
MEDIEVAL EM ÁRABE -FALSAFA . PUC/SP. Contudo, nesse ano já havia um
número suficiente de alunos que tinham necessidade de um tipo de trabalho fora das
salas de aula e fora das orientações pessoais que eu mantinha durante o ano. Por essa
razão decidi criar um Novo Grupo de Pesquisa, com sede na USP. Assim, fundei em
2008 o GRUPO DE TRADUÇÃO E PESQUISA DE FILOSOFIA E HISTÓRIA DO
PENSAMENTO ÁRABE. USP/ - Certificado pela Instituição. FFLCH/ Depto de
Letras Orientais/ Área de Árabe. Linha de Pesquisa: História do Pensamento Árabe.
No início tivemos poucas atividades, mas no segundo semestre e, a partir de 2009 até
agora, as atividades de oficinas de leitura tem sido fundamentais para as pesquisas de
iniciação científica e mestrado. Além disso, em conjunto com os outros professores do
Curso de Árabe, fui participante da Comissão Organizadora da Semana dos Estudos
Árabes. Realização do Programa de Pós Graduação em Língua, Literatura e Cultura
Árabe. 22 a 26 de setembro de 2008. Nesse evento, tive a oportunidade de ser o
Coordenador de Mesa de Conferência: “A Falsafa e a Philosophia”, Prof. Dr. Carlos
Arthur Ribeiro do Nascimento.
No campo das publicações avulsas, publiquei ATTIE Fº, M.
“Indicação a respeito da divisão das ciências em Ibn Sina (Avicena)”. in Revista de
Estudos Orientais, v.06, pp. 31-37, 2008. Essa revista do departamento de orientais
acumulava artigos das diversas áreas às quais estávamos ligados. Por outro lado,
mantive a publicação parcial de minhas pesquisas em nossa revista: e ATTIE Fº, M.
“A Filosofia Primeira – Alkindi (quarta parte do primeiro segmento)”. in Tiraz,
Revista de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio, v.05, pp. 119-145, 2008.
Na área de exposições em palestras, seminários, etc. obtive alguns
resultados. Participei dos Seminários Especiais do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História da Ciência: PUCSP. “Avicena e o Livro da Alma” e, na
sequência dessa atividade, encerramos nossa participação com a Palestra no
Centenário Simão Mathias, documentos, métodos e identidade em História da
Ciência. “O Livro da alma de Ibn Sina”. Devo destacar que, em todo meu trajeto,
depois que terminei o Pós- Doutorado da PUCSP, sempre mantive um contato muito
produtivo e de diálogo com o curso de Filosofia da PUCS por intermédio do Prof. Dr.
Carlos Arthur, o que resultou, nesse ano, na Aula Magna: “Os conceitos fundamentais
34
da filosofia primeira de Ibn Sina”. Curso de Pós- graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 08 de outubro de 2008. Tive, também, a chance
de participar das comemorações dos 30 anos da publicação do livro Orientalismo de
Edward Said, com a palestra “Reflexões sobre Oriente e Ocidente”. Orientalismo 30
Anos. Organização: Instituto de Cultura Árabe, Programa de Pós Graduação de
Língua, Literatura e Cultura Árabe (USP) e Centro Maria Antonia (USP). São Paulo,
2- a 31 de outubro de 2008.
Por fim, fui surpreendido com um convite de um grupo de alunos
formandos de Filosofia na UNIFAI, para que eu fosse o patrono de sua turma. Eu não
conhecia nenhum deles, mas o livro Falsafa havia sido motivo de um de seus
trabalhos de final de curso e causa do convite. Para mim, foi tudo muito emocionante,
afinal, eu voltava ao mesmo lugar de onde iniciei meus caminhos na filosofia.
Procurei rostos conhecidos, mas houve poucos, eu os carregava no coração, no
pensamento e nas palavras, lá deixadas com os nomes gravados de todos meus
mestres e amigos. Assim, em novembro de 2008 fui o Patrono da turma de
Formandos em Filosofia da UNIFAI.
XII – O período universitário - 2009
O ano de 2009 pode ser considerado como o período de consolidação
das novas disciplinas de graduação e pós-graduação que criamos nos dois anos
anteriores. As duas disciplinas de filosofia, propriamente ditas, acabaram sendo
substituídas por duas outras que criei com base nas anteriores. Assim, em 2009 criei e
consolidei duas disciplinas novas: Falsafa – Filosofia Árabe Através dos Textos e
Falsafa – Estudos de Filosofia Árabe, respectivamente como substituição das
disciplinas Introdução à Filosofia Árabe I e Introdução à Filosofia Árabe II. Com isso,
dividi minha inserção na graduação com dois blocos de disciplinas bem distintos: em
História do Pensamento Árabe mantive o desenvolvimento de minhas pesquisas,
atualizadas a cada curso, na formação, evolução e desdobramentos do pensamento
árabe, como já explicitei anteriormente levando em conta as intersecções dos árabes
com as civilizações antigas, ou seja, notadamente, Egito, Mesopotâmia, Indo-Persa,
China e Grécia. O quadro dessas relações levou-me às línguas de cada uma dessas
fontes. Nesse ano, procurei me alfabetizar para, ao menos, poder me mover com
consciência nos textos em siríaco, sânscrito, farsi e hebraico, em complementação à
35
inserção nos textos em árabe, grego e latim que me eram familiares. Fiz algumas
traduções de textos nesses novos idiomas, notadamente no que concernia à
cosmogonia dessas civilizações, tal como o Canto da Criação contido no Rig-Veda e o
Gênesis tal como aparecia na Torah e, dessa maneira, ampliaram-se as perspectivas
linguísticas e conceituais que eu tinha a respeito da formação do pensamento árabe.
Sigo, até o momento, nessa mesma rota de interpenetração das antigas civilizações na
formação do pensamento árabe, a evolução, por etapas e modo de pensamento
ocorridas entre os árabes até o séc. XIV d. C. e, por fim, seus desdobramentos como
uma das bases de formação de novas correntes modernas seja no que costumou-se
chamar de Oriente, seja no que se costumou chamar de Ocidente. Pretendo, se for
possível, registrar tais teorias num novo estudo, como um tipo de prolegômeno para
uma História do Pensamento Árabe que auxiliasse os alunos na introdução a esse
estudo.
Estabelecidas, assim, as bases de consolidação das disciplinas de
graduação e o rumo de minhas pesquisas nesse campo, procurei me ocupar em 2009
da consolidação do Grupo de Tradução e Pesquisa de Filosofia Árabe e História do
Pensamento por meio de reuniões semanais de oficinas de leitura. Minha idéia foi
abrir espaço para que os alunos que estivessem em via de ingresso no mestrado,
pudessem apresentar trechos de seus textos para leituras em conjunto e discussão
posterior, com vistas à produção de pré-projetos de pesquisa de mestrado. Dessa
maneira, os participantes do Grupo se revezaram em blocos de quatro sessões de
oficina cada um ao longo do ano de 2009. Os resultados foram inseridos nas próprias
produções dos alunos com dissertações em andamento ou na confecção de projetos a
serem apresentados ao Departamento para o ingresso no mestrado. Assim como no
caso das disciplinas de graduação, o ano de 2009 mostrou-me que era possível criar
um grupo de pesquisa que tivesse resultados concretos nessa área que acabávamos de
fomentar. Poderia parecer pouco, mas ao me lembrar da inexistência total de
pesquisas nessa área, os resultados obtidos em pouco mais de dois anos me pareceram
muito promissores. Afinal, por via do Grupo de Pesquisas havíamos obtido: duas
defesas de mestrado uma sobre Al-Farabi com Jacqueline Beirouty del Nero e outra
sobre Averróis com Anna Covelli, um novo projeto de mestrado com Mateus
Domingues da Silva; e dois novos pré-projetos a serem apresentados no IIº semestre
de 2010, um sobre Ibn Arabi com Ana Carolina Pinheiro e Castro e outro sobre Ali
Shariati com Nathalia Novaes. Além desses resultados oficiais na pesquisa desses
36
alunos, os demais participantes do grupo, isto é, Christiane Damien Codenhoto,
Daniel Albuquerque de Freitas, Daniel Alonso de Araujo, Edson Leopoldino da Silva,
Francine Derschner, Gustavo de Melo Ribeiro e Vanessa de Almeida Pereira estão
enquadrados em novos projetos de mestrado e doutorado, a serem desenvolvidos
oportunamente.
No campo das traduções dei continuidade à tradução do livro
Princípios das opiniões dos habitantes da cidade excelente de Al-Farabi e tive a
oportunidade de publicar os seguintes artigos: ATTIE Fº, M. “A Al-Shifa e a
substancialidade da alma – Ibn Sina – Livro da Alma I-3. in Scintilla (FFSB), v.6, p.
147-156, 2009 e ATTIE Fº,M. Documentação para a tradução do Livro da alma de
Ibn Sina (Avicena) in; Centenário Simão Mathias: Documentos, Métodos e identidade
da História da Ciência, 2010. São Paulo: PUC SP – Imprensa Oficial, v. 01 pp.237-
242 e ATTIE Fº, M. “A Cidade Excelente de Alfarabi” (I a VI) in ” in Tiraz, Revista
de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio, v.06, pp. 76-105, 2009. Também
foi publicado, nesse ano, o resumo do encontro de Franca em ATTIE F, M.
“Tradução e tradição do Livro da alma de Ibn Sina (Avicena) in XI Ciclo de Estudos
Antigos e Medievais. Leituras Sobre a Antiguidade e a Idade Média, v. 01, p. 17,
2009 - UNESP – Franca.
No campo da pós-graduação, tive duas oportunidades que tiveram uma
importância muito grande nos trajetos dos estudos árabes no Brasil. A primeira foi a
oportunidade de estar na Banca de Defesa de Mestrado de Anna Rosa Martino
Covelli. “Ibn Rushd: a noção de ta’wil no Fasl al Maqal”. Mestrado em Língua,
Cultura e Literatura Árabe. USP/ FFLCH/ Depto de Letras Orientais. Acompanhei o
trabalho de Anna por muitos anos, antes mesmo de estarmos na USP, desde o ano
2000, quando dei meu primeiro curso de Falsafa, na Associação Palas Athena, e que
resultou na publicação do livro homônimo. Anna era uma das alunas. Alegrou-me
muito ter sido co-orientador de seu projeto e vê-lo concretizado. A segunda
oportunidade foi a de presidir a Banca de Mestrado. Jacqueline Bayrouti Del Nero:
“Da Felicidade na Cidade Excelente de Al-Farabi”. Mestrado em Língua, Cultura e
Literatura Árabe. USP/ FFLCH/ Depto de Letras Orientais. Nesse caso, Jacqueline
aproximou-se dos estudos árabes quando fundei o Grupo de Pesquisa na Puc e, após
alguns anos de muita leitura e trabalho, vi o resultado gratificante de sua dissertação
37
aprovada no Curso de Árabe. Ambas, aguardam a abertura do doutorado no Curso de
Árabe para darem continuidade às suas pesquisas.
No campo das exposições em palestras, destaco a Palestra no
Congresso de Franca “Tradução e tradição do Livro da Alma de Ibn Sina (Avicena)”.
XI Ciclo de Estudos Antigos e Medievais. UNESP. Franca, 2009. Além disso, houve
uma iniciativa muito importante no ano de 2009 que culminou com a Fundação da
Associação de Arabistas Luso-Brasileiros, passando a integrar professores das
Universidades Brasileiras USP E UFRJ e de Universidades Portuguesas. A iniciativa,
saída dos professores do Curso de Árabe da USP e da UFRJ resultou num primeiro
congresso internacional realizado no Rio de Janeiro. Nesse encontro tive duas
participações: uma como Presidente de Mesa: “Tradução Árabe-Português e
Português-Árabe”. Iº Simpósio de Arabistas Luso-Brasileiro. Rio de Janeiro, 2009. E,
a segunda como Palestrante de Mesa: Vertentes do Pensamento Árabe”. ” Iº Simpósio
de Arabistas Luso-Brasileiro. Rio de Janeiro, 2009.
Uma última referência no ano de 2009 foi a grata surpresa de participar do
concurso para a cadeira de filosofia árabe da UNIFESP. Projeto idealizado pela Profª
Drª Olgária Ferez Chain Matos e pela Profª Drª Marilena de Souza Chauí, foi este o
primeiro curso de Filosofia a abrir não só uma cadeira exclusiva para os estudos de
filosofia árabe mas também para os estudos de filosofia judaica.Registro, pois, em
2009 a Participação como Examinador em Concurso Público para Professor da
Cadeira de Filosofia Medieval Árabe. UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
– Guarulhos tendo como resultado a primeira colocação do Prof. Dr. Jamil Ibrahim
Iskandar.
XIII – O período universitário - 2010
O ano de 2010 corre enquanto escrevo. Refiro-me, pois, apenas às
atividades do primeiro semestre. No campo da graduação ministrei a disciplina de
História do Pensamento Árabe I, enquanto na pós-graduação ministrei a disciplina Os
Filósofos Árabes. Em ambas, sigo com os mesmos projetos estabelecidos nos anos
anteriores. A estrutura dos cursos se mantém, possibilitando aprofundamentos em
determinados pontos que julgo importantes em cada semestre. Cada um desses
pontos, tal como, um grande mosaico, estimula a construção de uma teoria mais geral
38
da História do Pensamento Árabe que, aos poucos, parece sendo erigida ao longo dos
cursos.
No campo da pós-graduação, há três projetos de mestrado que estão bem
encaminhados. Um dos projetos de mestrado já foi apresentado e aceito pelo
Programa, estando a cargo de Mateus Domingues da Silva com o título de
“Suhrawardi: o conhecimento pela iluminação”. A pesquisa que Mateus desenvolve
está amplamente inserida em minha teoria da História do Pensamento Árabe. Não
temos notícia que houve, até agora, qualquer trabalho de mestrado com referência a
esse autor. A perspectiva é muito positiva, pois Suhrawardi é um dos elos do
pensamento árabe com o pensamento iraniano moderno. Outro projeto de mestrado
que está pronto e será apresentado no IIº semestre está a cargo de Nathalia Novaes
Alves, denominado “Ali Shariati e o verdadeiro xiismo”. O projeto de Nathalia está
alinhado, também com minha teoria sobre a História do Pensamento Árabe,
encaixando-se nos desdobramentos posteriores ao sécs. XIV. Seu projeto está na
mesma sequência da pesquisa de Mateus. Suhrawardi reorienta a filosofia, partindo de
Avicena, Mulla Sadra aprofunda Suhrawardi, e Ali Shariati procura complementar a
filosofia de ambos com uma teoria política e social, imersa no marxismo, resultando
nos princípios da revolução iraniana e no regime atual do Irã. Outro projeto de
mestrado que também está pronto e será apresentado no IIº semestre está a cargo de
Ana Carolina Pinheiro e Castro, denominado “A sabedoria dos profetas na
hermenêutica de Ibn ‘Arabî em Fusûs al-Hikam”. Nesse caso, o autor, sempre lido em
chave mística, recebe um tratamento hermenêutico pelas lentes da filosofia. Com isso,
procuramos recobrar as idéias de Ibn Arabi dentro do universo que lhe é próprio,
procurando afastar lentes e estratagemas esotéricos e místicos na abordagem de seus
textos. O trabalho de Ana alinha-se, também,, em minha teoria da História do
Pensamento Árabe, sendo um complemento essencial às pesquisas de Mateus e de
Nathalia, na medida em que o xiismo tem como dois pilares conceituais importantes
Ibn Arabi e Suhrawardi. Todas essas produções estiveram ligadas ao do GRUPO DE
TRADUÇÃO E PESQUISA DE FILOSOFIA E HISTÓRIA DO PENSAMENTO
ÁRABE. USP/ - Certificado pela Instituição. FFLCH/ Depto de Letras Orientais/
Área de Árabe. Linha de Pesquisa: História do Pensamento Árabe. Junto ao DLO,
decidi criar uma página de referência na internet http://www.fflch.usp.br/dlo/falsafa/
que apresentasse as linhas de pesquisa do grupo.
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Uma das grandes dificuldades que senti junto às disciplinas que
ministrei foi a dificuldade constante de bibliografia a respeito dos temas que
ministrava. Digo, para ser mais preciso, a respeito de bibliografia disponível
rapidamente para consulta. Minha preocupação sempre foi os alunos que se iniciam
nos estudos árabes, seja na história do pensamento, seja na filosofia. Para resolver
esse problema iniciei, em 2010, a criação de um site na rede da Internet, denominado
FALSAFA – FILOSOFIA ÁRABE E HISTÓRIA DO PENSAMENTO no endereço
eletrônico. http://www.falsafa.com.br Um de meus objetivos foi tornar acessível a
bibliografia básica que eu utilizava nos cursos. A maior parte da bibliografia era
mesmo de minha produção e isso facilitou o acesso dos alunos a tudo aquilo que eu
havia produzido nesses anos de pesquisa. Assim, nesse site, encontram-se disponíveis
para consultar e baixar todas as minhas publicações, todos os artigos, todos os livros,
todas as teses e dissertações. A segunda coisa, foi que a divisão das páginas do site,
segue as bases de uma possível teoria geral do pensamento árabe e, assim, pude
esquematizar as fontes, a formação e os desdobramentos do pensamento árabe. Incluí,
em cada um desses itens, um artigo de referência geral ao assunto e conexões virtuais
para outros sites ou para outros artigos de aprofundamento. Assim, o site acabou se
transformando, entre outras coisas, num portal para os temas em questão.
Paulatinamente, o site é alimentado com as dissertações dos alunos, minhas novas
produções e outros materiais que julgo procedentes. Com isso, além de facilitar a
pesquisa para os alunos iniciantes, ganhei mais tempo para projetar minhas pesquisas
futuras.
Ainda no primeiro semestre de 2010, retornei ao Curso de História da
Ciência e proferi a Conferência “Localização corporal dos sentidos externos e
internos em Ibn Sina (Avicena)” in Seminários Especiais – Centro Simão Mathias –
História da Ciência – PUCSP, 2010 e uma Aula Magna “ A metafísica de Ibn Sina
(Avicena) no curso de graduação de Filosofia da PUCSP.
Na área de tradução, finalizei o trabalho Princípios das opiniões dos
habitantes da cidade excelente de Al-Farabi, incluindo notas explicativas, introdução,
glossário e aparato crítico complementar.
XIV- Desafios presentes e visões de futuro
No momento atual, penso em consolidar ainda mais algumas coisas já
conquistadas para poder iniciar novas inserções no campo da pesquisa. No campo da
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graduação, penso em utilizar as facilidades de inserção na pesquisa dadas pelo site
Falsafa- Filosofia Árabe e História do Pensamento como um instrumento que apresse
o aluno a entrar no universo dos temas propostos. Penso que este segundo semestre de
2010 será fundamental para testar as mudanças que o acesso ao site pode gerar no
andamento do curso. Isso porque, no primeiro semestre os alunos só tiveram acesso
ao site no final do curso, como um suporte para os trabalhos finais, mas não para a
visão geral dos temas que tratávamos. Essa visão geral do universo do pensamento
árabe geralmente é dada por mim, paulatinamente durante as aulas, mas pode ser
apressada pelo acesso ao site. Minha perspectiva é que isso deve ocorrer e, assim,
ampliamos as bases de discussão, elevando o nível do curso já no módulo I.
Na área de pós-graduação, estão as maiores expectativas. A primeira
delas depende dos trâmites burocráticos em curso na CAPES para a concretização da
fusão dos cursos de pós-graduação da área árabe e da área hebraica, possibilitando
que os alunos possam ingressar no doutorado num novo programa em conjunto. Nessa
situação já há alunos potencialmente em nível de serem orientados em nível de
doutorado. Enquanto isso não ocorre, penso em dar sequência aos projetos em
andamento que já foram aqui citados e, em segundo lugar, integrar os alunos de
graduação nas oficinas de leitura do Grupo de Pesquisa. Nesse cenário, entre a
graduação e a pós-graduação, o elemento mediador das oficinas de leitura realizadas
no interior do Grupo de Tradução e Pesquisa de Filosofia Árabe e História do
Pensamento é um modo produtivo de fomentar a pesquisa dentro das áreas em
questão. Assim sendo, o IIº semestre de 2010 segue com novas oficinas de leitura,
ferramenta de suporte para os projetos em andamento e os novos projetos a surgir.
Essas três frentes de trabalho – graduação, pós-graduação e grupo de
pesquisa – são realidades que devem ser mantidas em funcionamento,
interpenetrando-se, com o objetivo de solidificar a estrutura criada nos últimos anos.
A elas soma-se a consolidação do site Falsafa – Filosofia Árabe e História do
Pensamento, como um suporte às três realidades mencionadas.
Com esses elementos em mãos, ou seja, a consolidação das disciplinas
de graduação e pós-graduação e suas respectivas instâncias conceituais; a
consolidação do Grupo de Tradução e Pesquisa da USP; as defesas de mestrado já
realizadas e o fluxo de projetos de mestrados em curso, minha perspectiva de pesquisa
encaminha-se, cada vez mais, no estabelecimento dos principais pontos que apontem
para uma teoria geral da História do Pensamento Árabe. Nesse sentido, incluem-se as
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forças formadoras procedentes de outras civilizações e de outras línguas, os modos de
pensamento em suas diversas manifestações no mundo árabo-islâmico e, por fim, os
desdobramentos desse novo conjunto de ciências e saberes em várias direções, a partir
do séc. XIV. Em que medida, o paradigma de princípios para uma teoria geral da
História do Pensamento Árabe poderá se converter em paradigma de princípios para
uma teoria geral da História do Pensamento é coisa que ainda não tenho como avaliar,
ainda que me incline a uma resposta positiva. Pretendo, pois, iniciar o quanto antes a
escrita de tais paradigmas e princípios como um preâmbulo a novas reflexões a
respeito da História do Pensamento.
No campo das publicações, a tradução do Livro da alma de Ibn Sina
(Avicena); A filosofia primeira de Al-Kindi e de Princípios das opiniões dos
habitantes da cidade excelente de Al-farabi são pontos importantes na divulgação dos
estudos do pensamento árabe em língua portuguesa. O desafio atual é acompanhar as
edições dessa obras, como mais uma ferramenta que pode adiantar e elevar o nível de
discussão atual dos temas em pauta. Entretanto, ainda que tais publicações devam
alterar parte da fisionomia dos estudos de filosofia árabe em língua portuguesa, sua
insuficiência é latente. Em minhas visões de futuro, vislumbro projetos de tradução
trinlingües dos textos de filosofia em árabe. Talvez estejamos a dois passos para trás
dessa realidade. Isso porquê os editores de obras de filosofia ainda resistem a publicar
o texto original juntamente com a tradução. Eu mesmo tenho experimentado essa
triste realidade. Não deixa de ser uma conquista, é verdade, que o mercado editorial
brasileiro passe a contar com uma e outra publicação de textos que se refiram à
filosofia e à cultura árabes. Mas isso não pode ser uma conquista a qualquer preço. No
caso estrito dos textos de filosofia, a publicação da tradução em língua portuguesa é
importante na medida em que é um veículo de divulgação que pode despertar o
interesse dos alunos para o estudo dos filósofos árabes, tal como se dá com as
traduções de Platão, Aristóteles com relação ao interesse pela filosofia grega. Sabe-se
que as primeiras abordagens ao texto são feitas, na maioria das vezes, por meio de
traduções, às vezes até de segunda mão, mas que funcionam como meio de trazer as
temáticas daquele determinado autor. É, pois, também através da tradução pura e
simples, que textos de filosofia árabe podem entrar no meio universitário. No caso da
filosofia, pretendo, pois, realizar e incentivar outros que tenham condições de trazer à
língua portuguesa novas traduções das obras de filosofia em árabe.
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Num segundo nível, publicações em formato bilingüe faz-se
necessário. Para o pesquisador, isso é o mínimo que se espera de um texto de
filosofia. Afinal, são os termos, e somente os termos, que podem nos guiar na
construção, interpretação ou reconstrução de qualquer teoria filosófica. Dessa
maneira, o retorno ao texto original é de importância capital. A dificuldade de se
conseguir os textos em árabe da filosofia é forte justificativa para que as traduções
sejam acompanhadas da fixação do texto base. Qualquer aluno de mestrado tem
imensa necessidade de reconhecer ao menos, os termos na língua original de seu
autor. Já seria, portanto, um enorme ganho publicar no Brasil, traduções
acompanhadas do texto original. No caso da filosofia, teríamos, portanto, edições
árabe-português. Mas isso não seria, ainda, tudo o que podemos conseguir.
É oportuno lembrar que devemos levar em consideração que uma das
repercussões da filosofia em árabe foi sua presença na base de formação de inúmeros
pensadores do ocidente medieval latino. Ora, nesse caso, muitos desses autores que
fomentaram a modernidade – da qual o chamado mundo pós-moderno por mais que se
mova parece não conseguir se livrar – leram traduções latinas de obras de filosofia
árabe. Muito bem, dada as condições das traduções do árabe para o latim, muito se
perdeu, se torceu ou foi compreendido à luz de doutrinas cristãs que circulavam na
época. Portanto, a recuperação desse espelho bilíngüe árabe-latim, é de fundamental
importância porque insere definitivamente a filosofia árabe dentro da moldura da
história da filosofia em seu conjunto. O perigo que vejo nos textos meramente
bilíngües árabe-português é o da manutenção do preconceito que trata esta filosofia
como “exótica”, desconectada da tradição costumeiramente denominada “ocidental”.
Não tenho a menor dúvida que o melhor serviço que podemos prestar aos leitores,
quer sejam alunos, pesquisadores ou professores de filosofia, assim como ao homem
culto sem formação na área é fornecer nessas publicações, a tradução do português
direta do árabe, e o espelho bilíngüe árabe-latino da referida obra. Esse me parece ser
o melhor a fazer. No meu horizonte futuro, pretendo, pois, encontrar e criar espaço
junto a universidade e às editoras para fazermos isto, com qualidade. Nessa mesma
perspectiva, entendo que o trabalho na revista Tiraz é de fundamental importância
pois é o meio mais qualificado que temos atualmente para realizar esses ensaios
editoriais.
Assim, encerram-se minhas considerações acadêmicas e profissionais
desde meu ingresso como professor da Universidade de São Paulo até os dias atuais.
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XV – Retorno
As primeiras linhas deste meu memorial, encheram-se de memórias.
Aquelas, pouco nítidas de meus avós; outras, felizes de minha infância e de minha
família, duras memórias de minha adolescência, e um quase-relato psicológico de
minha forte ligação com meu pai. Primeiros passos de minha busca pelo saber e tudo
o que a vida me proporcionou, coisas que há vinte anos passados, atrás de um velho
balcão de madeira, eu não poderia imaginar. Apesar de tudo, não me vi saudosista, a
chorar a perda de anos passados. Antes, se algo do passado me guia, é o desejo de
encontrar, criar, inventar, realizar de novo tudo aquilo que tem guiado tantos
pensadores na busca pela sabedoria. Aquilo que também guiou meu pai e seus velhos
amigos. Meu retorno a eles, se houver, não é pelo passado, mas pelo futuro. Por essa
razão, são os jovens, também, meu próprio caminho. Aprendi a ver, em cada final, um
outro começo e, por isso, imagens e afetos passados são, em minha alma, força
presente. Desse modo, minhas íntimas motivações, associadas e amparadas por
motivações semelhantes dos bons companheiros que tenho encontrado pelo caminho,
tem sido a razão maior que tem produzido concretamente os resultados que aqui
apresentei, alguns dos quais auxiliarão futuras gerações. Em que medida e por quanto
tempo isso nos será possível, não é questão que nos cabe avaliar, antes, nos cabe
afirmar o desejo de continuar a trilhar esse duplo caminho de realizações: interno e
externo, da alma e do mundo.
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Miguel Attie Filho
São Paulo, agosto de 2010