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1 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano IV – n. 15 – janeiro / março, 2012 – www.flc.org.br RESENHAS Miguel Gustavo de Paiva Torres – O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, 208 págs Por Antonio Paim * A reconstituição dos primórdios da política externa do Brasil tornado independente permitiu ao Conselheiro Miguel Gustavo de Paiva Torres dar conta da contribuição relevante, para estabelecê-la, de Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai (1807/1866). Sua passagem, mais prolongada, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros tivera lugar em fins da década de quarenta do século XIX e começos da seguinte. Naquela altura já fora possível verificar o acerto do encaminhamento dado, pelo Regresso, à forma de constituição das instituições do governo representativo. Tenha-se presente que as duas décadas subsequentes à proclamação da Independência haviam sido despendidas em tentar solucionar, pelas armas, os inevitáveis conflitos de interesses, que os arranjos até então adotados não vinham permitindo resolver pacificamente. Contudo, em fins dos anos trinta, afirmaria Octávio Tarquínio de Sousa: “o certo é que o país, pela classe que ascendera à direção política, se apoderou de um cansaço de lutas tão ásperas, um grande desejo de ordem e estabilidade.” O caminho até então percorrido servira para evidenciar que a constituição do governo representativo --vale dizer: a transição da monarquia absoluta para a constitucional--requeria “engenho e arte”. Coube a Paulino José Soares conceber a maneira de fazê-lo e proclamar:

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 1   Revista  LIBERDADE  e  CIDADANIA  –  Ano  IV  –  n.  15  –  janeiro  /  março,  2012  –  www.flc.org.br  

RESENHAS

Miguel Gustavo de Paiva Torres – O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, 208 págs Por Antonio Paim *

A reconstituição dos primórdios da política externa do Brasil tornado independente permitiu ao Conselheiro Miguel Gustavo de Paiva Torres dar conta da contribuição relevante, para estabelecê-la, de Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai (1807/1866). Sua passagem, mais prolongada, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros tivera lugar em fins da década de quarenta do século XIX e começos da seguinte. Naquela altura já fora possível verificar o acerto do encaminhamento dado, pelo Regresso, à forma de constituição das instituições do governo representativo. Tenha-se presente que as duas

décadas subsequentes à proclamação da Independência haviam sido despendidas em tentar solucionar, pelas armas, os inevitáveis conflitos de interesses, que os arranjos até então adotados não vinham permitindo resolver pacificamente. Contudo, em fins dos anos trinta, afirmaria Octávio Tarquínio de Sousa: “o certo é que o país, pela classe que ascendera à direção política, se apoderou de um cansaço de lutas tão ásperas, um grande desejo de ordem e estabilidade.”

O caminho até então percorrido servira para evidenciar que a constituição do governo representativo --vale dizer: a transição da monarquia absoluta para a constitucional--requeria “engenho e arte”. Coube a Paulino José Soares conceber a maneira de fazê-lo e proclamar:

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1º) “Para copiar as instituições de um país e aplicá-las a outro, no todo ou em parte, é preciso, primeiro que tudo, conhecer o seu todo e o seu jogo perfeita e completamente”; e,

2º) “... não copiar servilmente como temos copiado, muitas vezes mal, mas sim acomodá-lo com critério, como convém ao país”.

O livro de sua autoria que acabou adotando apenas parte do seu título original --“Ensaio sobre o direito administrativo” (1862)-- na verdade intitulava-se “Ensaio sobre o direito administrativo com referência ao estado e instituições peculiares do Brasil”. Com efeito, trata-se da caracterização das instituições do governo representativo, no arranjo especial que a experiência permitiu atribuir-lhes.

Esse arranjo, ainda que extremamente complexo, não só mostrou ser de todo perfectível, como facultaria ao país meio século de estabilidade política --bem maior da convivência social-- feito que não mais se repetiu em nossa história.

O papel do Visconde de Uruguai na concepção e estruturação da primeira e melhor sucedida experiência de governo representativo, no Brasil, como destaca o livro ora entregue ao público, veio a ser fixado, basicamente, por João Camillo de Oliveira Torres (1916/1973)—no texto clássico “Os construtores do Império: idéias e lutas do Partido Conservador Brasileiro” (1968).

Dessa forma, a grande lacuna a preencher residia precisamente na plena fixação de seu papel na estruturação do Ministério e da política externa brasileira, mais tarde sucessivamente aprimorada, notadamente pelo Barão do Rio Branco (1845/1912).

Como terá oportunidade de verificar o leitor, Miguel Gustavo de Paiva Torres dá conta da tarefa de modo pleno. Não se furtou a registrar com generosidade, as contribuições daqueles que o precederam. Em que pese a elegância desse procedimento, salta às vistas o curso pioneiro que teria oportunidade de desbravar. Como se verá, as fontes primárias, consultadas no Arquivo Histórico do Itamaraty, fornecem o embasamento do texto e permitem apreender a sua originalidade. Não deixa de situar o tema no conceito mais amplo do enfrentamento da monumental tarefa de assegurar a sobrevivência da Nação, tornada independente do império português.

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Destaca: “Paulino, à luz de sua experiência, estabelece princípios e diretrizes para execução de uma política externa que resguarde os interesses nacionais do império no conturbado cenário regional, ao Sul.... (e) ao Norte...”. Enfatiza as dificuldades com que se defrontava. De um lado, no plano interno, tendo passado pela Pasta, entre 1831 e 1849, nada menos que 27 titulares, o país não contou, na matéria, com um mínimo de continuidade, para não falar, acrescento, da gravidade do quadro político, exigente de todas as energias. De outro lado, no plano externo, o intrincado que eram as nossas relações com os vizinhos, na ausência de uma regra que substituísse a diversidade do passado histórico. Caberia a Paulino José Soares de Sousa recuperar o entendimento que deu base ao Tratado de Madrid, isto é, o princípio da utis possidentis e dos limites naturais. Adicionalmente, coube-lhe estruturar a carreira diplomática e, por esse meio, dotar o Ministério de feição estável.

Deste modo, graças a este livro, passamos a contar com uma visão completa da obra do grande estadista que foi Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai.

* Miguel Gustavo Paiva Torres

Diplomata de carreira, Miguel Gustavo Paiva Torres exerceu funções no exterior e no Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Neste, entre outras atribuições, chefiou a Divisão África. No exterior, serviu em embaixadas na Europa (Bonn, Lisboa e Praga), na América (Santiago, México e Havana) bem como na Ásia.

Presentemente é Embaixador na República Togolesa (África).

Fonte

Revista LIBERDADE e CIDADANIA

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