Miguel Nogueira de Brito
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7/25/2019 Miguel Nogueira de Brito
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Verso Provisria 1
Introduo ao Estudo do Direito I
1. Ano Noite, 2010 / 2011
NDICE
I Noes e Problemas Elementares
Primeiros olhares; ideias geralmente associadas ao direito. A disciplina de
introduo ao estudo do Direito muitas vezes apresentada como uma disciplina vestibular
ou de iniciao ao Direito. sem dvida isso, mas -o em dois sentidos muito diferentes.
, antes de mais, uma disciplina de iniciao no sentido em vamos abordar aqui conceitos
que sero depois aprofundados em outras disciplinas. Assim sucede com o conceito de lei
que ser depois estudado mais aprofundadamente em direito constitucional ou com os
casos em que legtimo a cada um recorrer fora para defender o seu direito, que sero
depois abordados em outras disciplinas, como o direito penal. Mas a nossa disciplina ainda uma disciplina vestibular ou de iniciao num outro sentido muito diverso e mais
importante: com efeito, vamos aqui ocuparmo-nos do estudo dos conceitos e das regras de
mtodo que esto na base de qualquer argumentao jurdica, na realidade da argumentao
jurdica que cada um ser depois chamado a desenvolver em todas as outras disciplinas do
curso de direito e na sua vida profissional na medida em que sejam chamados a resolver
problemas jurdicos.
O que acaba de ser dito pode ser mais facilmente compreendido, se compulsarem o ndice
do vosso Cdigo Civil, comportamento que alis s tolerado, pelo menos abertamente, a
um aluno do primeiro ano. Verificaro que, como alis, prprio de um Cdigo as
matrias no esto ordenadas por acaso, mas atravs de uma ordem prpria, partindo do
mais geral para o mais particular. Na verdade, essa sequncia acompanhada pelo ensino
do direito. Assim, os dois primeiros captulos do Titulo I, sob a epgrafe Das Leis, sua
Interpretao e Aplicao, do Livro I, Parte Geral so a principal base normativa doobjecto do nosso estudo: vamos com efeito abordar nesta disciplina os dois primeiros
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captulo citados, dedicados, respectivamente, s Fontes do direito e Vigncia,
interpretao e aplicao das leis.
O terceiro captulo dedicado ao Direito dos estrangeiros e conflitos de leis. Esta amatria tratada na disciplina de Direito Internacional Privado, em que se procura apurar
qual a lei aplicvel quelas relaes estabelecidas entre pessoas que pertencem a ordens
jurdicas diferentes. Depois, sucessivamente, o Ttulo II da I Parte constitui o objecto da
disciplina de Teoria Geral do Direito Civil (como vamos compreender mais frente, o
direito civil a base do direito privado, enquanto a nossa disciplina serve qualquer ramo do
direito), e cada um dos livros seguintes do cdigo objecto de uma disciplina especfica do
curso.
Pois bem, nesta primeira parte da nossa disciplina no vamos tratar da iniciao neste
segundo sentido, mas no primeiro. Vamos procurar uma abordagem ao direito como se
tratasse da visita de algum, pela primeira vez, a uma cidade. Pode dizer-se que o direito
surge, a algum que pela primeira vez o toma como objecto de estudo, como uma cidade,
isto , como um labirinto de travessas e largos, casas antigas e modernas e casas com
reconstrues de diversas pocas; tudo isto rodeado de uma multiplicidade de novos
bairros perifricos com ruas regulares e as casas todas uniformizadas1. O nosso interesse
obter um mapa das principais artrias para uma visita breve a esta nova cidade. Passeios
mais prolongados e pormenorizados ficaro para mais tarde.
2. Distino entre direito e lei.A primeira dificuldade reside no nome desta nova cidade:
o direito ou a lei? esta, sem dvida, a primeira distino a ter em conta. muito
frequente confundir-se Direito e lei, com base sem dvida na importncia que a lei assumenas sociedades modernas. Mas no correcto reduzir aquele a esta. Se assim fosse,
considerando a conhecida prolixidade do legislador, seria impossvel conhecer o objecto do
nosso estudo. Foi isto que determinou a conhecida frase do jurista alemo von Kirchmann,
de 1847: Trs palavras de correco do legislador e bibliotecas inteiras transformam-se em
papel de embrulho. Esta frase verdade de muita produo jurdica, mas no de toda,
nem da melhor.
1Cfr. Wittgenstein, Investigaes Filosficas, 18.
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Verso Provisria 3
Na verdade reduzir o Direito lei significa ver o direito essencialmente como uma
manifestao do poder poltico. A esta luz, o direito antes criado do que descoberto a
propsito da soluo de cada caso concreto. Est aqui em causa uma das maiores
discusses em torno da natureza do Direito.
Com efeito, uma das pretenses do direito legislado, sobretudo na modalidade de legislao
codificada, a de oferecer o Direito todo, em termos de o jurista se poder limitar a aplic-
lo depois de o ter exactamente conhecido (interpretado, conceitualizado e sistematizado).
Mas a verdade que a prpria lei acaba por reconhecer a sua insuficincia normativa,
atravs da incluso de clusula gerais, conceito indeterminados, de valor etc., em que se
remete o julgador para critrios de deciso que s podero determinar-se para alm dela
(Relatrio, pp. 36-37). Exemplo: o artigo 334. do CC: ilegtimo o exerccio de um
direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa f, pelos bons
costumes ou pelo fim social ou econmico do direito.
3. Introduo distino entre as perspectivas externa e interna do direito.H uma
distino fundamental que surge nas obras do socilogo Max Weber e do filsofo do
direito Herbert Hart e que consiste na necessidade de perceber a diferena entre as
perspectivas externa e interna da normatividade. Na interna, afirma-se ou discute-se um
sentido normativo que se tenha por correcto. Fazem-se a qualificaes usando termos
normativos como certo, errado, vlido ou devido. Na externa, afirma-se ou discute-
se aquilo que factualmente afirmado ou discutido ou, em geral, vivido como (o correcto)
sentido normativo. A perspectiva externa regista o que de facto sucede quando h quem
adopte a perspectiva interna. O paradigma da perspectiva interna em direito a posio
assumida por um juiz quando decide e fundamenta a deciso. O paradigma de perspectiva
externa sobre o direito a posio assumida por um socilogo do direito. As perspectivas
externa e interna tratam problemas diferentes. E podem tambm ser encaradas de modo
muito diverso. Isto , podem ser entendidas de modo cumulativo, no sentido em que todos
os ramos do saber admitem, simultaneamente, uma perspectiva interna e uma perspectiva
externa. Podem tambm ser entendidas de modo alternativo, no sentido em que a
perspectiva interna exclusiva de alguns ramos do saber ou algumas reas do pensamento,
designadamente todo o pensamento normativo, seja ele o direito, a moral ou um jogo.
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Verso Provisria 4
De acordo com este ltimo modo de ver, o direito no admite uma exterioridade do sujeito
em relao ao objecto do seu conhecimento. O bilogo quer saber se a teoria est certa ou
errada, no sentido de saber se exprime adequadamente um estado de coisas que ocorre no
mundo. O jurista quer saber se a sua resposta a um problema justa, no sentido de saber se
no mundo algo deve ocorrer segundo ele pensa. Como diz Castanheira Neves, o jurista
assume a prpria inteno do direito, compreende, assimila e actua o direito por dentro; o
direito no tem no jurista to-s o sujeito cognitivo que o determina numa relao de
transcendncia meramente objectiva ou de pura exterioridade, mas o sujeito da sua prpria
manifestao consciente e explcita2.
De acordo com o primeiro modo de ver, dada uma qualquer pergunta que se compreenda
ou admita vir a compreender, assume a perspectiva interna quem lhe responda ou tente
faz-lo e quem aduza argumentos (razes) em favor da verdade ou falsidade de certa
resposta. Assume a perspectiva externa quem responda ou tente responder pergunta
sobre quais as respostas dadas ou os argumentos aduzidos na perspectiva interna. A
perspectiva externa depende de uma perspectiva interna, trata as respostas e os argumentos
como acontecimentos, e pode relacion-los entre si ou com outros acontecimentos, acima
de tudo atravs da ideia de causalidade. Para a perspectiva externa, as respostas da
perspectiva interna acontecem ou no, so mais ou menos provveis, so raras ou
frequentes, e podem ser previstas, mas irrelevante a sua verdade ou falsidade, ou mesmo
o seu sem sentido. A perspectiva externa tem uma preocupao com a verdade to grande
como a interna, mas s com a verdade das suas respostas, no com a verdade das respostas
dadas na perspectiva interna.
Seja qual for o entendimento que se adopte, percebe-se que a perspectiva que nos interessa
do Direito, no a do socilogo, mas a perspectiva interna que tem como modelo o juiz.
4. Introduo distino entre facto e direito.Directamente relacionado com o
que acabei de vos dizer surge a distino, fundamental no direito, entre facto e direito.
2Cfr. Relatrio, p. 21.
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Verso Provisria 5
O direito trata de situaes histrico-concretas com que nos deparamos e que exigem uma
especfica resposta jurdica: algum que mata outrem; algum que deixa de realizar uma
aco que prometeu realizar, etc.
Mas o facto no nos importa seno na relevncia que ele possa encerrar para o direito.
Apurar qual seja essa relevncia e demonstr-la (problema da prova) consiste naquilo que
se designa por questo de facto.
Uma vez apurada a questo de facto surge a determinao do direito, que envolve tambm
dois aspectos: encontrar o critrio jurdico que h-de constituir a base para a soluo do
caso; estabelecer o juzo concreto que h-de decidir esse caso3
.
5. Introduo discusso entre axiologismo e positivismo; a justia como ideia que
se impe ao direito ou se confunde com ele.Vemos muitas vezes associadas as ideias
de direito e justia. Mas a questo impe-se de imediato: uma determinada soluo para um
problema jurdico justa porque o direito a impe ou o direito impe-na porque ela
justa? Se admitirmos esta segunda soluo estaremos a adoptar uma viso de acordo com a
qual um direito que no sirva a justia um direito deficiente. Pelo contrrio, seadoptarmos a ideia de que o que justo aquilo que decidido no seio de uma ordem
jurdica estaremos a dizer que no existe ideia de justo que nos sirva para avaliar
criticamente o direito. este outro dos grandes debates que se travam entre os juristas.
6. Alguns princpios jurdicos (noes elementares).
6.1 A dignidade da pessoa humana.A pessoa ocupa um lugar privilegiado no Direito, na
medida em que apenas a pessoa, enquanto ser a quem as normas jurdicas se dirigem pode
ser sujeito de direito, titular de direitos e deveres, todos os outros seres so objecto do
direito. Em relao s pessoas nas sua relaes esses outros seres so na realidade coisas e,
nessa medida, objectos de disposio, surgindo nas relaes jurdicas como objectos de
direitos reais, como a propriedade e a posse. A pessoa, pelo contrrio, est no seu conjunto,
incluindo o seu corpo, subtrada possibilidade de disposio enquanto coisa. Entre as
3Cfr. Castanheira Neves,Metodologia Jurdica: Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, 1993, pp. 163 e ss.
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pessoas existe apenas a possibilidade de se estabelecerem relaes obrigacionais, no sentido
de deveres de agir ou de se abster de o fazer. A escravatura , pois, incompatvel com a
dignidade da pessoa humana.
O especial estatuto da pessoa no direito tem tambm como consequncia que, apesar de
todas as desigualdades fcticas entre os seres humanos, todos so iguais enquanto pessoas
perante o direito.
O que est aqui em causa , pois, a ideia de um valor inerente na pessoa humana, valor esse
que considerado intocvel. Formulao de Kant: trata o teu semelhante sempre como um
fim em si mesmo e nunca apenas como um meio.
Daqui resulta o reconhecimento dos direitos fundamentais.
Desafios especiais ao princpio da dignidade da pessoa humana: biotecnologia e biotica;
direitos dos animais, eutansia, aborto, etc.
6.2 O monoplio estatal da fora; casos de autotutela (remisso). Artigo 1. do
Cdigo de Processo Civil.
6.3 Rule of law e Estado de direito.Ideia fundamental: ningum pode ser juiz em causa
prpria. Ideia remonta a Aristteles quando afirma ser melhor serem as leis a governar do
qualquer um dos cidados, de modo a que mesmo os guardies das leis obedeam s leis.
Esta ideia desenvolve-se depois num conjunto de direitos: igualdade perante a lei; direitos
humanos, due process of law.
6.4 A autonomia privada.Uma das decorrncias fundamentais da dignidade da pessoa
humana o reconhecimento da autonomia privada. Em sentido amplo corresponde a um
espao de liberdade reconhecido a cada um dentro da ordem jurdica; em sentido estrito
corresponde ao espao de liberdade jurgena, isto , a rea reservada dentro da qual as
pessoas podem produzir os efeitos jurdicos que pretenderem (cfr. Menezes Cordeiro).
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7. Direito objectivo e direitos subjectivos. Distino entre Direito das Sucesses e
direito de suceder: o primeiro designa uma ordenao da vida social; o segundo refere-se
necessariamente a um determinado sujeito de direito para significar que ele goza de uma
certa posio favorvel.
Derivao do direito subjectivo em relao ao direito objectivo.
8. Ramos do direito.
Disciplinas do curso de Direito e ramos do direito; enumerao
Distino entre os ramos do direito e as especialidades das profisses jurdicas. O caso das
sociedades de advogados.
Direito pblico/direito privado/direito penal
A doutrina dominante apontaria claramente para trs tentativas de fundamentao da
distino: i)de acordo com a teoria do sujeito, o direito pblico o que regula as relaesjurdicas entre determinados titulares de situaes jurdicas entre si ou com outros (todos
ou alguns) sujeitos de direito; ii) segundo a teoria do interesse, conforme sejam pblicos ou
privados os interesses regulados, assim pertencero as correspondentes determinaes
normativas ao direito pblico ou privado, respectivamente; iii) para a teoria da sujeio ou
subordinao, o direito pblico existe sempre, e apenas, onde um titular de situaes jurdicas
se encontra submetido ao poder de autoridade de um outro e este pode alterar
unilateralmente a situao de direitos ou deveres entre ambos sem a interveno de um
juiz.
A teoria do sujeito circular: o titular de situaes jurdicas que est na base da
caracterizao do direito pblico como tal deve ser objecto de determinao, antes de
poder ser definida a qualidade direito pblico. Sucede, porm, que a determinao do
sujeito de direito pode apenas resultar de uma de duas alternativas: essa determinao
efectuada ad hocpor uma lei, que declara uma certa entidade como sendo sujeito de direito
pblico, o que significa que se a deciso do legislador livre no possvel desenvolver
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uma dogmtica da distino entre direito pblico e privado e a essa distino no pode,
consequentemente, ser atribudo qualquer significado fundamental no seio de uma ordem
jurdica; a determinao de um titular de situaes jurdicas como sujeito de direito pblico
decorre necessariamente da circunstncia de esse titular de situaes jurdicas ter a seu
cargo, de acordo com a Constituio, a realizao de certas tarefas, pertencendo assim ao
direito pblico todas as normas que protegem ou prosseguem as tarefas em causa, o que
por sua vez significaria que a teoria do sujeito, aproximando-se embora da teoria do
interesse, dela se distingue pela forma da realizao das tarefas do Estado atravs do
poder de autoridade. Deste modo, fechar-se-ia o vcio da circularidade no tocante teoria
do sujeito, mas pagando-se o preo de j no estarmos a falar do sujeito o Estado ou
outras entidades pblicas mas dos poderes ao abrigo dos quais actua.
Na verdade, a qualidade do sujeito em si no susceptvel de fundar qualquer qualidade de
direito pblico, uma vez que todas as pessoas colectivas de direito pblico so
simultaneamente titulares de relaes de direito pblico e de direito privado. Ningum
duvida que o Estado tanto pode actuar atravs da liquidao de um imposto, coisa que
nenhum particular pode fazer, como enquanto entidade que toma de arrendamento um
prdio, coisa que qualquer particular pode fazer.
A teoria do interesse, por seu turno, seria simplesmente errada, uma vez que no s as
pessoas colectivas de direito pblico perseguem interesses pblicos na forma do direito
privado, atravs do chamado direito privado da Administrao Pblica, como os privados
actuam tambm na prossecuo de interesses pblicos (prossecuo de servios de
interesse geral por privados) e as pessoas de direito pblico realizam ainda interesses
privados (enquanto locadoras, por exemplo).
Finalmente, a teoria da sujeio ou subordinao preconiza que pertencem ao direito
pblico todos domnios em que surgem relaes jurdicas sob a alada do poder de
autoridade ou em que tais relaes jurdicas so conformadas em termos de as mesmas
poderem ser submetidas ao poder de autoridade. Assim, mesmo as relaes de equiparao,
como as que decorrem dos contratos celebrados entre Administrao e privados, so
abrangidas pelo direito pblico na medida em que as mesmas podem ser sujeitas em algum
ponto do seu desenvolvimento aos poderes de autoridade de uma entidade pblica,
configurados como poderes de reserva.
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Desde logo, a grande vantagem deste critrio em relao aos dois anteriores consiste na sua
maior flexibilidade: no por o Estado intervir numa determinada relao jurdica
(suponhamos um contrato), ou por esta visar a prossecuo do interesse pblico, que esta
, necessariamente, regulada pelo direito pblico. preciso mais alguma coisa.
Todavia, a questo que se coloca, uma vez que se admita a existncia de relaes de
equiparao no direito pblico, a de saber se este no pode tambm ser configurado, pelo
menos em parte, como uma ordem de igualdade. Consequentemente, surge novamente, em
tal contexto, o problema de saber como estabelecer em bases seguras a distino entre
direito pblico e privado, sendo que o recurso ao critrio do interesse conduz, pela sua
indeterminao, a grandes dificuldades de ordem prtica.
verdade que tambm no direito privado ocorrem fenmenos de poder colocando
problemas semelhantes aos do direito pblico. Isto, alis, encontra um paralelo no
argumento desenvolvido por Menezes Cordeiro segundo o qual a figura do direito
potestativo documenta em zonas pacificamente reconhecidas como privadas, a erupo dos vectores da
autoridade e da competncia4. Mas o reconhecimento desta realidade no impediu Menezes
Cordeiro de sustentar correctamente, julga-se que a contraposio entre direito pblicoe direito privado, embora no opere em relao a cada situao jurdica individualmente
considerada, permanece como vlida no plano sistemtico. No direito pblico dominam a
autoridade e a competncia, enquanto no direito privado prevalecem a igualdade e a
liberdade, e se muitas situaes jurdicas se integram num ou noutro dos subsistemas por
razes contingentes isso no pe em causa essa mesma integrao5.
Esta tomada de posio remete para a importncia da distino entre direito pblico e
direito privado na medida em que procura salvaguardar a distino entre os valores
subjacente a cada um dos subsistemas. E quais so esses valores: distino entre Estado e
sociedade; distino entre justia distributiva e justia comutativa.
Quanto ao primeiro aspecto: nos primrdios do constitucionalismo, a partir dos finais do
sculo dezoito e incio do dezanove, a distino entre Estado e sociedade visava contrariar
4 Cfr. Antnio Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Portugus, I Parte Geral, tomo I, Almedina,Coimbra, 1999, p. 26.5Cfr. Cfr. Antnio Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Portugus, I Parte Geral, tomo I, cit., p. 26.
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o estado de coisas prprio do absolutismo, em que o Estado se arroga o poder de
promover o bem comum dos membros da sociedade em todas as reas, desde a econmica,
social at religiosa. Agora, pelo contrrio, reconhece-se uma esfera de actuao a das
relaes entre os particulares em que o Estado no deve em princpio imiscuir-se em
nome do respeito da liberdade individual. Alterao deste Estado de coisas a partir do
Estado social.
Quanto ao segundo aspecto: Radbruch; casos em que ocorrem no direito privado
manifestaes do princpio da justia distributiva: basta pensar, para alm da sucesso
legtima e legitimria, no arrendamento vinculstico, no condicionamento das rendas, nas
disposies do direito do trabalho que protegem o trabalhador em caso de gravidez,
doena, etc.
Direito penal muitas vezes apresentado como direito pblico, mas no h razo para isso,
uma vez que disciplina os deveres dos indivduos que atingem uma importncia
fundamental para a vida em sociedade.
A distino entre direito pblico e direito privado conhece ainda, na ordem jurdica
portuguesa, semelhana de outras, como a francesa e a alem, um relevo especial, aocontrrio do que sucede nos pases do Common law. Assim, no nosso Pas, as relaes
jurdico-administrativas, isto , grosso modo, os litgios nas relaes entre o Estado e os
particulares em que aquele surge investido de poderes de autoridade, so dirimidos por
uma classe especial de tribunais, os tribunais administrativos.
Direito privado comum e direito privado especial, entre os quais o direito comercial e o
direito do trabalho. A mesma distino faz sentido no seio do direito pblico. O direito
pblico comum o direito constitucional e o direito administrativo, dentro do qual se
encontram direitos administrativos especiais (ambiente, funo pblica, polcia, etc.).
Direito substantivo/direito processual. Direito adjectivo: disciplina a actividade dos juzes
na soluo dos casos que lhes so apresentados.
Direito comum/direito institucional. uma distino que pressupe o esclarecimento do
conceito de instituio que podemos definir abreviadamente como realidades objectivas,
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que no dependem dos estados psquicos dos seus membros, mas no tem existncia para
alm deles. Com base neste conceito, podermos dizer que o direito da famlia regula a
instituio familiar, tal como o direito das sucesses regula a instituio sucessria. Temos,
depois, o direito comum composto por normas que no surgem ligadas a nenhuma
instituio em particular, mas se aplicam independentemente delas. Assim sucede com o
direito das obrigaes, os direitos reais, as normas relativas Teoria Geral do Direito Civil.
As normas de direito comum fornecem o enquadramento das relaes entre os cidados
em geral, sendo depois adaptadas s finalidades especficas de cada instituio. Sobre o
conceito de obrigao estrutura-se a obrigao de alimentos (O. Ascenso).
Um quadro geral dos ramos do direito; normas fora dos ramos do direito.
II Direito e Ordem
9. Direito e sociedade. No vou aqui perder tempo com trivialidades sobre a relao
entre Direito e sociedade: toda a gente sabe que onde existe sociedade, existe direito e vice-versa.
Em vez disso, vamos comear por compreender a relao entre indivduos e sociedade, na
realidade caracterizada por uma polaridade entre auto-determinao e insero.
Comecemos por este ltimo aspecto. O indivduo actua num ambiente social que surge j
determinado por determinadas estruturas sociais: assim ele comporta-se como cidado,
muncipe, inquilino ou proprietrio, comprador ou vendedor. Sem dvida que o comoe o se
do seu comportamento social dependem em grande medida da sua deciso individual; ao
mesmo tempo esse comportamento no est dependente da sua livre vontade, mas pr-
determinado por uma ordem social que o antecede e que lhe apresenta comportamentos
tipificados.
Inadequao, nesta perspectiva, do modelo do contrato social.
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Ao mesmo tempo, temos de considerar o outro lado da relao entre indivduo e
sociedade: o da influncia do indivduo na prpria conformao da vida social. O indivduo
actua sobre a sociedade enquanto cidado, atravs do voto, mas tambm atravs do
desempenho de funes no aparelho de Estado.
Pois bem, estas duas perspectivas que se entrelaam, muito embora surjam em parte
espontaneamente na vida social, exigem uma ordem normativa que estabelea um
equilbrio entre a garantia de um espao de livre actuao do indivduo e a sua vinculao s
exigncias da vida social. O direito desempenha assim um importante papel na coeso da
sociedade.
O que acaba de ser dito pode ser compreendido mais facilmente se tivermos presente a
distino efectuada por Durkheim entre dois tipos de sociedade. O primeiro tipo discutido
por este socilogo consiste numa sociedade relativamente simples e tecnologicamernte
pouco desenvolvida; o segundo reporta-se a um tipo de sociedade mais complexa,
tecnologicamente mais desenvolvida. No primeiro tipo de sociedade todo o grupo existe e
actua colectivamente em direco a determinados objectivos e verifica-se uma tendencial
identidade entre as dimenses moral e jurdica da conscincia colectiva. No contexto desta
solidariedade mecnica, qualquer desvio em relao s normas do grupo tende a sersancionado atravs de leis penais repressivas, que servem no apenas para punir o
prevaricador, mas tambm para manter a conscincia colectiva atravs da manuteno e da
revivescncia das fronteiras entre comportamento aceitvel e no aceitvel. Os interesses
dos membros do grupo identificam-se com os dos grupos no seu todo, no havendo
espao para dissidncia.
O segundo tipo de sociedade caracteriza-se pela diviso do trabalho e no seu seio nenhum
indivduo ocupa uma posio auto-suficiente enquanto produtor e consumidor dos bens de
que necessita para a sua vida quotidiana. O direito j no aqui tanto repressivo e de ndole
essencialmente penal, mas exprime-se sobretudo na forma de regras compensatrias, que
visam no punir, mas colocar a vtima de uma agresso na posio em que se encontrava
antes de a mesma ser praticada. O direito civil assume aqui uma preponderncia em relao
ao direito penal.
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Verso Provisria 13
A anlise de Durkheim, embora til e profcua, no suficiente, as descurar o papel do
direito civil nas sociedades simples e do direito penal nas complexas. Ao mesmo tempo a
distino entre tipos ideais (com pontos de contacto entre a distino Gemeinschaft e
Gesellschaft, de Tnnies) permite compreender como a resoluo de disputas nas
sociedades mais simples tende a privilegiar o compromisso, uma vez que assenta na
existncia continuada dos vnculos sociais; pelo contrrio, nas sociedades mais complexas e
diferenciadas, em que no existem pontos de contactos entre os litigantes antes, nem
depois, da relao atravs da qual uma surge como lesada e outra como agressora, a
resoluo de disputas baseia-se num esquema winner-takes-all. Existem de facto
negociaes, mas estas visam to-somente poupar tempo e custos (Harris, pp. 9 e ss.).
No restam, pois, dvidas de que o Direito parte da ordem social. Isto mesmo dizia
Savigny: O direito no tem qualquer existncia em si mesmo, a sua essncia antes a
prpria vida das pessoas, vista a partir de uma determinada perspectiva (cit. em Henkel, p.
39). Podemos definir a ordem jurdica como o conjunto de normas jurdicas positivas de
uma sociedade, cuja unidade decorre da respectiva destinao ao espao territorial de uma
sociedade, da determinao temporal da respectiva validade pela sua referncia a um dado
momento dessa sociedade e finalmente pela reconduo dessas normas a determinados
princpios, como por exemplo a liberdade, a igualdade perante a lei, o Estado de Direito,etc.
Duas ideias fundamentais: sistema e normas de comportamento.
Esta noo de ordem jurdica aponta para uma ideia de sistema (Kelsen), isto , que o
direito positivo de uma sociedade apresenta uma estrutura escalonada, em que as normas
dos escales superiores condicionam a validade das normas e dos actos dos escales
inferiores. Nos escales superiores deparamos com a criao do direito e nos escales
inferiores prepondera a aplicao do direito.
Esta estrutura escalonada no nos pode fazer esquecer que no seu conjunto a ordem
jurdica apresenta-se como uma ordem de comportamentos, composta por regras que
visam orientar o comportamento dos seus destinatrios.
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Ordem jurdica como ordem imperativa, ao contrrio da norma jurdica, que no pode ser
caracterizada pela imperatividade (Oliveira Ascenso, p. 45; exemplo das normas
permissivas, isto , normas que no impem condutas, mas antes as permitem; normas sem
destinatrios directo, como as normas sobre normas ou revogaes).
Distino entre imperativo categrico (exigncia incondicionada de aplicao) e imperativo
hipottico (da regra tcnica).
Oliveira Ascenso (p. 44) d exemplos que aparentemente contrariam o que acaba de ser
dito: Se no perdoardes aos homens, to pouco o vosso Pai vos perdoar os vossos
pecados (S. Mateus, 6,5); Se a letra de cmbio contm assinaturas de pessoas incapazes de
se obrigarem, as obrigaes dos outros signatrios nem por isso deixam de ser vlidas
(artigo 7. da Lei Uniforme de Letras e Livranas). Reformulao, desvelando imperativo
oculto: imperativo perdoar as ofensas dos outros; a existncia de assinaturas que no
vinculam no prejudica a eficcia das restantes. O primeiro caso duvidoso, a no ser que
seja entendido como exprimindo a regra de ouro, na sua formulao positiva (trata os
outros como gostarias de ser tratado), ou negativa (no faas aos outros o que no gostarias
que te fizessem a ti).
Podemos dizer que o Direito existe numa certa dependncia das relaes sociais. Com
efeito, as relaes sociais constituem um dado que o Direito deve tomar em linha de conta
na conformao das suas regras.
Por outro lado, a sociedade depende tambm do direito: a este propsito cabe discutir a
funo desempenhada pelo direito no contexto da sociedade em que se insere. Cabe aqui
distinguir entre uma funo de ordenao social, uma funo antropolgico-pessoal e uma
funo ideolgica.
Funo de ordenao social: resoluo de conflitos; direco de comportamentos (direito
premial); funo de delimitao (permisses; delimitao de direitos reais); funo de
proteco de bens; funo de estabilizao ou segurana.
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Funo antropolgico-pessoal: a ordem jurdica confere ao indivduo enquanto pessoa um
estatuto especial no seio da sociedade, atravs designadamente da atribuio de direitos
subjectivos.
Funo ideolgica: o direito serve o bem estar de todos ou, pelo contrrio, promove os
interesses de uns em desfavor de outros?
Anlise de Marx: direito como instrumento ideolgico destinado a manter uma classe
dominante no poder.
Os valores da legitimidade, igualdade e justia podem ser vistos como construes
ideolgicas destinadas a manter as instituies e processos capitalistas. Ao mesmo tempo, a
prtica desses valores a nica que nos permite compreender se existe algum consenso
bsico numa sociedade sobre alguma questo, porque que ele surgiu, como e quando, e
como se mantm. A prtica desses valores permite-nos ainda averiguar se determinadas
reas de consenso escondem na realidade interesses parciais, que oprimem interesses de
outros grupos (Harris, p. 25).
10. Direito e outras ordens normativas.
10.1 Direito e moral.Insuficincia dos critrios tradicionais para distinguir entre direito e
moral em sentido amplo.
Critrio do mnimo tico: direito como o crculo concntrico menor, rodeado pelo maior,
que representa a moral. E isto porque o direito corresponde quele mnimo que
indispensvel para preservar a vida em sociedade. De acordo com uma crtica possvel
deste entendimento (O. Ascenso, p. 100), isto significa que toda a regra jurdica tem
carcter moral, o que no verdade (regras sobre uniformes).
Como afirma com razo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa (p. 232), esta crtica no
convence porque no considera o direito como um todo. A crtica outra: o critrio no
serve para explicar o que delimita as reas da moral e do direito.
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Critrio da coercibilidade: falha porque nem todo o direito coercvel. Regras sem sano
(direitos e deveres que ligam os membros de uma famlia; Presidente da Repblica no
promulga no prazo devido; obrigaes naturais a que se refere o artigo 402. do CC: A
obrigao diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo
cumprimento no judicialmente exigvel, mas corresponde a um dever de justia; caso
tpico as obrigaes do jogo).
Critrio da exterioridade: Direito atende ao lado externo e moral ao lado interno das
condutas. A moral no se basta com boas intenes, mas com a prtica do dever tico; ao
direito no indiferente a motivao do agente. Ao mesmo tempo, este critrio salienta um
aspecto importante e a reter: diferente o ponto de partida na medida em que o simples
pensamento de matar pode j ser moralmente reprovvel, enquanto o Direito aguarda pela
manifestao exterior da conduta.
Quatro esferas na moralidade, com base em Henkel, tambm seguido por Menezes
Cordeiro (Das Obrigaes Naturais: Direito ou Moral?):
Moral autnoma: bem como valor em si a realizar por imperativo de conscincia,
estritamente ligado pessoa singular:
tica dos grandes sistemas, religiosos ou profanos: preconizada para uma multiplicidade de
indivduos, assumindo vocao universal; embora interior, compreende elemento de
exterioridade, uma vez que requer actuaes susceptveis de apreciao supra-individual.
Moral social corresponde exigncia de comportamentos ticos posta pela sociedade aos
seus membros. Tem-se aqui em vista uma comunidade de valores morais, manifestada em
modelos de actuao que exprimem a adeso aos esquemas dominantes.
Moral humana: regras isoladas e aplicveis a toda a humanidade. Ao contrrio do que
sucede com a moral autnoma, sempre determinada pela conscincia do indivduo, e com
as normas da moral social, decorrentes uma determinada sociedade, no domnio da moral
humana no possvel destacar qualquer legislador
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Trs teses sobre as relaes direito moralidade: unidade, separao estrita, diferena
reconhecendo-se a existncia de relaes entre ambas.
Quanto relao entre moral autnoma e direito:
a) A tese da unidade ser apenas possvel para quem adopte a perspectiva do participante e
procure a obteno de solues jurdicas justas, de acordo com os princpios que
fundamentam a ideia do Direito em cada ordenamento jurdico.
b) Quanto tese da separao estrita, o que se disse a propsito do critrio da exterioridade
leva a duvidar que seja vivel este entendimento.
c) A tese da diferena aponta, por um lado, (i) para uma relao de apoio mtuo entre
direito e moral.
Do lado do direito, podemos dizer que este cria um espao protegido de liberdade que
propcio ao desenvolvimento da moral. Aqui revestem-se de especial relevo os direitos
fundamentais e sobretudo a liberdade de conscincia.
Do lado da moral, podemos dizer que nesta que encontramos a justificao para um
dever de obedincia, que no assente em meras razes de prudncia, das normas jurdicas.
Por outro lado, a tese da diferena explica tambm a existncia de verdadeiras situaes de
conflito entre direito e moral em que esta ter que ceder, em certos casos, s exigncias
daquele. Pense-se no conhecido caso de roubar aos ricos para dar aos pobres; nos limites s
luz dos quais a ordem jurdica reconhece o direito de resistncia (artigo 21. CRP) ou
mesmo a objeco de conscincia (artigo 41. CRP).
A perspectiva relao entre tica dos grandes sistemas e direito a tese da separao estrita
ganha maior peso, o que se reflecte, por exemplo, no princpio da separao das Igrejas do
Estado: artigo 41., n. 3. Mas tambm aqui so inegveis pontos de contacto, na medida
em que a ordem jurdica garante condies para o exerccio da liberdade religiosa.
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O que dizer, por ltimo, da relao entre direito e moral social? Parece existir uma
tendncia convergente entre ambas as ordens normativas, patente, por exemplo, em
disposies como as do artigo 281. do CC segundo qual nulo o negcio contrrio lei,
ordem pblica ou ofensivo dos bons costumes. Mas cada vez mais tende a entender-se que
Em todos estes casos, no est em causa, em normas como a citada, o apelo moral social,
mas a limitao da autonomia privada por princpios injuntivos em vigor na ordem jurdica,
muito deles com directa expresso constitucional. Podemos at afirmar que a expanso do
direito a reas cada vez mais numerosas da vida social, atravs do direito de contra-
ordenao social, tende a tornar intil a ideia de moral social.
10.2 Direito e Poder; Direito e Estado. J vimos anteriormente que uma das funes
desempenhadas pelo direito na sociedade consiste na resoluo de conflitos de interesses e
esta pressupe o exerccio do poder. Por outro lado, da comparao entre o Direito como
ordem normativa e a ordem normativa da moral resulta na verdade uma relao especial
entre o Direito e o poder.
Poder de influncia (condicionar condutas, sem as vincular, recorrendo recompensa e no
punio); poder de injuno (poder de determinar vinculativamente condutas alheias,
atravs da execuo forada e ainda atravs da punio ou ameaa de punio). Duasmatrizes do poder poltico: actuao em comum atravs da discusso e da deliberao
pblica; uso da fora.
Poder poltico: coercibilidade (predomnio da anlise de Weber sobre a anlise de Hannah
Arendt) como susceptibilidade do uso da fora, com duas manifestaes: execuo forada
das decises dos poderes pblicos, em especial dos tribunais, e aplicao de sanes em
caso de incumprimento das regras jurdicas.
Vemos assim que direito e poder mutuamente se implicam.
Trs relaes possveis (Heinrich Henkel)
a) Oposio: dois princpios avaliados segundo as categorias do bem e do mal Direito
como ordem de bons costumes; poder como expresso do mal, como sucede com a
concentrao do poder nas mos de um tirano ou de um dspota. Isto no pode estar
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certo, como resulta desde logo do carcter imprescindvel do poder mesmo nas relaes
entre privados.
b) Equiparao: quem tem o poder determina o direito, o direito sempre o direito do
mais forte. A este modo de encarar a relao falta a perspectiva da legitimao do poder
atravs do direito. Legitimidade de ttulo (modo de aceder ao poder segundo as regras do
direito vigente) e de exerccio (desempenho do poder segundo as categorias do direito e da
justia). Se se pretender afirmar que mesmo nas relaes privadas impera o poder do mais
forte (relao dos proprietrio com os desapropriados), esta perspectiva esquece que a
alternativa ao direito a anarquia (perspectiva de Hume sobre a origem do poder poltico e
da propriedade).
c) Complementaridade: o direito (pura ordem do dever ser) precisa do poder (ordem
efectiva do ser) para se impor; o poder carece do direito para se legitimar.
d) Interpenetrao: o direito no se apoia apenas no poder, como algo a ele externo, mas
no prescinde do poder na sua prpria estruturao. Confirmao disto no 2. semestre.
Quando falamos da relao entre Direito e poder no podemos deixar de incluir a anlisedo Estado, em que se concentra o exerccio do poder poltico nas nossas sociedades.
O que o Estado? Trs elementos integrantes do conceito de Estado: povo, territrio, e
poder poltico. Povo como conceito jurdico-poltico (conjunto de sbditos ou cidados de
cada Estado, a ele ligado por um vnculo jurdico de nacionalidade), distinto de populao
(de natureza econmico-demogrfica, indivduos residente num Estado, sejam cidados ou
no) ou de nao (conceito histrico-cultural, comunidade com razes histricas,
lingusticas e tnicas). Territrio como base espacial do Estado com tripla funo: condio
de independncia, limitao do mbito do poder, objecto de actuao poltica e econmica
do Estado. Poder poltico como faculdade de um povo se organizar politicamente numa
comunidade, instituindo rgos que exercem o poder.
Funes do Estado (poltico-legislativa; administrativa e jurisdicional): criao e aplicao
do direito.
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Relaes entre Estado e Direito
a) Prioridade do direito sobre o Estado: apenas possvel de estabelecer sobre o ponto de
vista histrico, no substancial, uma vez que no possvel derivar o Estado de um Direito
pr-existente, como o demonstrar a discusso do problema do direito natural.
b) Prioridade do Estado sobre o direito: o direito direito positivado pelo poder poltico
do Estado. Nem todo o direito positivo uma criao do Estado, isto , nem todo o direito
estadual.
Em primeiro lugar, existe direito internacional, ainda que no exista um poder poltico
organizado para impor sanes ao transgressor, sobretudo quando este seja uma
superpotncia. Por outras palavras existem regras reguladoras da sociedade internacional
dotadas de um carcter obrigatrio tal que a sua violao justifica o recurso coaco. Tese
contrria ignora a distino entre a problemtica das sanes e do uso da fora.
Em segundo lugar, existe direito infra-estadual. Por um lado, direito das comunidade
primitivas, em que no existe autoridade central nem tribunais. Em que no existe, para
alm disso, diferenciao entre ordens normativas. Por outro lado, direito das comunidadesautnomas, como poder legislativo das regies autnomas e posturas municipais ou
mesmo normas de associaes privadas. O Estado reconhece que a autonomia de certas
comunidades envolve uma competncia normativa prpria, ainda que a eficcia dessas
normas dependa, em ltima instncia, da sano do prprio Estado.
c) Identidade do Estado e Direito. Teoria pura do direito de Kelsen. No s no existe
direito fora do Estado, como o Estado: i) enquanto organizao poltica uma ordem
jurdica; ii) todas as funes do Estado se exprimem atravs do direito; iii) ao Governo
cabe criar e aplicar normas jurdicas s quais os sbditos se acham vinculados. No h
dvida que o Estado constitui uma ordem jurdica, mas h Estado para alm do direito e
direito margem do Estado.
d) Diferenciao: convergncias e divergncias.
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Convergncias: i) o direito permite ao Estado planificar e legitimar a sua actuao; o Estado
confere eficcia ao direito; ii) carcter comum dos fins ltimos do Estado e do Direito, a
que j a seguir se far meno.
Divergncias: i) Razo de Estado, actuao do Estado margem da lei, estado de
necessidade; ii) oposio entre Estado totalitrio e Estado de Direito.
Direito como ordem de justia e segurana
Segurana jurdica: a positivao do direito legislado pelas autoridades competentes e em
obedincia a procedimentos devidamente regulados, com base em regras gerais e
abstractas, a sua garantia pelo funcionamento do poder judicial e pelo poder coactivo do
Estado reforam a estabilidade da vida social e as expectativas em que cada um assenta as
suas decises e planos de vida. Importncia de tudo isto para o trfico econmico
moderno.
Justia: dificuldade em definir. Em sentido estrito, dizemos que a justia realizada quando
as regras jurdicas so aplicadas imparcialmente e correctamente aos casos que surgem. Em
sentido mais amplo, a justia vai para alm dos termos das regras jurdicas e questiona seum resultado juridicamente prescrito est certo, no sentido de ser realmente devido. Est
certo que uma pessoa seja punida por possuir drogas leves? Sabemos que esse o contedo
da lei, mas uma lei boa? Est certo que uma pessoa no possa ser despedida a no ser
com justa causa? Neste sentido amplo, a justia um padro moral que os juzes, na
medida em que lhes seja conferida margem de manobra, devem perseguir6.
Quer no sentido estrito, quer no sentido amplo aqui mencionados, a justia aponta aqui
para a noo bsica de que as pessoas da mesma categoria devem ser tratadas da mesma
forma7.
10.3 Direito e ordem do trato social.Para alm de ordens normativas mencionadas sob a
designao genrica de moral, importa ainda referir a ordem do trato social enquanto
6Estabelecendo esta distino entre justia em sentido estrito e justia em sentido amplo, cf. Jeremy Waldron,The Law, Routledge, Londres, 1990, pp. 178-179.7Cf. Joo Cardoso Rosas, Concepes da Justia, Edies 70, Lisboa, 2011, p. 15.
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ordenao social destinada a tornar a convivncia mais fluida e mais agradvel, mas que no
considerada indispensvel conservao dos laos sociais (Oliveira Ascenso).
Esto aqui em causa usos ou convenes sociais que se distinguem em sectores especficos,
como os relativos cortesia, moda, s prticas profissionais, etc.
Grande parte destes usos formam-se no interior de grupos ou crculos sociais, como sucede
com as prticas profissionais.
10.4. Concluso geral sobre ideias fora do direito como ordem normativa. A
concluso que extramos da exposio antecedente a de que o Direito uma ordem
normativa que regula as condutasdaqueles que a ela esto sujeitos, que o faz em termos
imperativos, tendo em vista preservar a prpria possibilidade de vida em sociedade, e
para isso recorrendo coercibilidade, e ainda que o material que constitui essa ordem
jurdica apresenta ordenado segundo uma ideia de sistemae em obedincia a determinados
princpios, como a justia e a segurana.
III Fontes do Direito
Primeira noo; a expresso fontes do direito
O problema das fontes de direito consiste em saber de que modo se constitui e manifesta o
direito positivamente vigente numa determinada comunidade histrica (Castanheira
Neves). Dito de outro modo, o problema das fontes de direito aquele que colocado pela
seguinte pergunta: como se constitui a normatividade jurdica vigente de uma certa
comunidade? (Bronze, p. 686). Ou dito ainda de outro modo, recorrendo a uma
terminologia muitas vezes usada nos manuais, esto aqui em causa os modos de criao
(constituio) e revelao (manifestao) do direito.
A expresso metafrica fontes de direito tema sua origem em Ccero (Das Leis, I, 5-6) e
dela se retiram vrias sugestes semnticas:
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- Fontes de conhecimento, isto , os modos de manifestao ou identificao do direito,
por exemplo os textos jurdicos. O que aqui interessa saber onde se manifesta o direito,
pressupondo-se, pois, que ele se acha j constitudo, muitas vezes de acordo com oscritrios que o prprio direito prescreve para a identificao das suas normas jurdicas, que
assim podem ser designados como fontes de qualificao.
Fontes do conhecimento do direito, no fontes do direito. isto que sucede com os
artigos 1. a 4. do Cdigo Civil. Perspectiva hermenutico-positiva, no aceitvel. Erro
comum dos alunos: costume no direito.
- Fontes genticas, isto , as foras ou factores que esto na origem do direito, os
elementos de ordem histrica, social, cultural, poltica, econmica que determinam o
contedo do direito e o explicam.
Fontes do contedo do direito, no fontes do direito. Perspectiva histrico-sociolgica.
- Fontes de validade, isto , princpios fundamentantes da normatividade jurdica. O
fundamento de validade do direito (a justia, a liberdade, a igualdade, etc.) no , s por si,
direito.
Fontes da validade do direito, no fontes do direito.
- Fontes de juridicidade, enquanto modos especficos graas aos quais uma certa
normatividade se constitui como normatividade jurdica. esta a perspectiva central. As
fontes no so apenas os modos de revelao do direito, mas tambm os modos de
formao do direito. Simplesmente, a este propsito no ser correcto entender que a
formao do direito incumbe sempre ao poder poltico organizado (perspectiva poltico-
constitucional).
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Verso Provisria 24
Segunda ambiguidade da expresso fontes do direito: o que devemos entender por direito
(fls. 130 e ss. do manuscrito): normas jurdicas dotadas de generalidade ou tambm normas
e actos jurdicos individuais? Precedncia das primeiras sobre os segundos, sem pr em
causa a sua existncia.
Enumerao tradicional
A teoria tradicional das fontes de direito assentava na atrs designada perspectiva
hermenutico-positiva. Mas a teoria tradicional aliava a esta viso estritamente tcnica do
problema uma viso prpria da constituio da juridicidade do direito, de acordo com a
qual o direito constitudo pelo poder do Estado e as fontes no so outra coisa seno as
formas ou modos pelos quais aquele poder se manifesta. Assim, a teoria tradicional alia a
perspectiva hermenutico-positiva perspectiva poltico-constitucional (Castanheira Neves,
p. 13). E dizemos perspectiva poltico-constitucional porque nos seus termos o direito
identifica-se com a lei: s lei cabe de acordo com a Constituio e com os princpios
constitucionais da separao de poderes (Monstequieu e Locke) e da supremacia da
vontade popular (Rousseau) , criar normas jurdicas obrigatrias (Castanheira Neves, p.
38).
Assim, de acordo com a teoria tradicional, s a lei pode criar direito: quer porque a lei (a lei
constitucional) est hierarquicamente no vrtice do sistema; quer porque s ela est
legitimada democraticamente, enquanto produto do parlamento.
Ora, se s a lei pode criar direito isso significa que quaisquer outras possveis fontes s osero se a lei o determinar. O costume (comportamento comunitrio estabilizado e
intersubjectivamente vinculante) s fonte se a lei o admitir como tal e na medida em que
o admita, o mesmo sucedendo com a doutrina (o resultado da reflexo dos juristas) e a
jurisprudncia (o conjunto das decises dos tribunais). Neste contexto, tende a distinguir-se
entre uma fonte imediata, a lei, e fontes apenas mediatas, todas as outras. fcil de ver que
esta teoria tradicional no pode proceder: no pode ser uma fonte a determinar o valor das
demais fontes.
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As fontes do direito como problema metodolgico ou dogmtico, e no terico. Baptista
Machado sustenta que o problema das fontes de direito no remete para uma questo
jurdica, mas antes para uma questo de segundo grau, uma questo de teoria do direito,
uma vez que, tambm a propsito das normas de um determinado sistema jurdico que
estabelecem quais as fontes de direito reconhecidas pelo sistema, se pe a questo de saber
como acederam elas positividade e vigncia jurdicas. Tratar-se-ia, portanto, de uma
questo que escapa capacidade regulamentadora do sistema jurdico. O primeiro captulo
do Cdigo Civil tem por epgrafe Fontes do direito, mas como evidente tambm em
relao a esta norma se coloca o problema de saber como se constituiu a sua normatividade
jurdica (ver tambm Bronze, p. 688). Neste sentido afirma Norberto Bobbio que no
problema das fontes no se trata de interpretar, mas de construir; no se trata de interpretar
e comentar o direito em vigor num determinado sistema jurdico, mas de teorizar os
fenmenos sociais e institucionais que do origem ao direito (La Consuetudine comme Fatto
Normativo, p. 16). Ainda no mesmo sentido, afirma Ricardo Guastini que a questo da
qualificao de um determinado acto como fonte de direito tem um sentido terico e no
prtico, no sentido em que se por exemplo suprimssemos normas como as do artigo 1. do
CC em nada mudaramos o regime jurdico das leis (Dalle fonti alle norme, p. 234 e nota 11).
As consideraes de Baptista Machado, Norberto Bobbio e Ricardo Guastini apenas
podem ser aceites parcialmente. Elas na verdade confundem o que atrs designmos como
as perspectivas externa e interna do direito. Para sabermos quais as fontes, em abstracto, de
um sistema com as caractersticas do nosso, aquelas observaes so correctas, mas
limitam-se a uma perspectiva externa. Aquelas observaes so ainda correctas porquanto a
teoria das fontes remete-nos, em grande medida, sobretudo a propsito das relaes entre
costume e lei, para um problema de articulao entre diferentes ordenamentos jurdicos.
Mas a perspectiva externa insuficiente: para sabermos se um costume vlido na nossaordem jurdica temos de o submeter Constituio (como de resto a lei).
A teoria tradicional no a correcta, como se viu. Mas no correcta, desde logo, porque
no est em causa encontrar uma teoria, divorciada de um concreto ordenamento jurdico,
que nos permita resolver em abstracto o problema das fontes. A resposta ao problema das
fontes no a mesma em diferentes ordens jurdicas.
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O problema no o de saber que formas pode mobilizar o poder poltico para prescrever
direito, mas o de saber de que modo se constitui a juridicidade vigente numa determinada
comunidade. A chave do problema das fontes do direito no o poder, mas a vigncia.
Isto significa duas coisas: i) tem de admitir-se a existncia de direito vigente sem que tenha
sido formalmente prescrito, como sucede com o costume e a jurisprudncia; ii) no a
imposio do poder poltico centralizado que determina a vigncia do direito, por outras
palavras, o direito no um exclusivo do poder poltico (Castanheira Neves, pp. 55-56).
Traos fundamentais da teoria tradicional: poder, hierarquia (com tendencial integrao da
hierarquia das fontes e das normas), perspectiva interna (da lei); traos fundamentais da
teoria revista: vigncia, viso no hierrquica das fontes (admisso apenas da hierarquia das
normas com origem na mesma fonte), distino entre perspectiva interna e perspectiva
externa na teoria das fontes.
Os tipos principais de experincia jurdica
Os tipos fundamentais de experincia jurdica so a consuetudinria, a legislativa e a
jurisprudencial, consoante o direito tenha a sua base constitutiva na tradio, atravs do
costume, na deliberao legislativa, atravs de prescries normativas formais, ou na
jurisdio, atravs de juzos concretamente normativos.
A) Experincia jurdica consuetudinria
O costume usualmente definido atravs de dois elementos: o corpus, ou elemento material,
isto , a prtica reiterada ou comportamento repetido e constante; o animus, ou elemento
espiritual, isto , a convico de obrigatoriedade. Mais adiante teremos oportunidade de
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criticar este modo de ver. Para j, interessa apenas salientar os traos essenciais da
experincia consuetudinria.
1) Unidade entre comportamento e juridicidade no h mediao institucional entre osdois aspectos, que se apresentam como indissociveis. Por isso se diz que o costume
exprime espontaneamente a ordem da sociedade (Oliveira Ascenso).
2) Carcter impessoal e annimo.
3) Sentido normativo do costume o da imanncia social.
4) Dimenso temporal
5) Oralidade
B) Experincia jurdica legislativa
1) Dissociao entre prescrio da norma e realidade social que constitui o seu objecto.
2) Voluntarismo e autoria.
3) Transcendncia social pressuposio de uma estrutura social organizatria prpria do
poder poltico.
4) Dimenso temporal futuro.
5) Carcter escrito.
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C) Experincia jurdica jurisdicional
1) Orientada para a resoluo de um concreto problema jurdico.
2) Mediao institucional.
3) Racionalidade de ndole problemtica-dialctica.
4. Dimenso temporal: presente (embora o tempo presente seja definido pelo prprio
direito).
Importncia relativa de cada uma destas experincias:
Importncia do costume: i) sociedades descentralizadas, por oposio s sociedades actuais
fortemente centralizadas e submetidas a um poder poltico organizado; ii) sociedades
homogneas e no sociedades plurais e conflituantes; iii) continuidade social e apego s
tradies e no mutao constante, assente no progresso tcnico e cientfico (exemplo da
famlia).
Importncia da jurisdio: sistema de common law assente no precedente; para alm disso:
legislador complementar e legislador negativo. O problema das sentenas aditivas do TC.
Importncia da legislao. Se no verdade que todo o acto legislativo exprime
necessariamente uma manifestao democrtica do poder poltico, sem dvida verdade
que a manifestao democrtica do poder se faz atravs da lei.
Costume
Para Oliveira Ascenso o costume ainda hoje a fonte privilegiada do direito enquantoexprime directamente a ordem da sociedade, sem necessidade de qualquer mediao
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institucional. Perante a objeco evidente de que nas sociedades actuais existe uma
tendncia diminuta para a formao de costumes e um predomnio do elemento voluntrio
que se encontra na base da lei sobre o elemento espontneo caracterstico do costume na
formao do direito, Oliveira Ascenso refere que a sua posio no se baseia numa anlise
quantitativa. Ainda que o costume intervenha com pouca frequncia nas sociedades actuais,
essa interveno no deixa de ser uma vlvula de segurana do sistema: impede a rigidez
prpria da lei, oposta adaptao automtica do costume e impede ainda o risco de
arbitrariedade da lei a qual, ao contrrio do costume, pode ser totalmente inadequada num
determinado contexto social. Assim para Oliveira Ascenso embora o costume tenha
escassa projeco nas zonas mais massificadas da sociedade, em que o direito
fundamentalmente de origem voluntria, naquelas zonas em que no se operou o corte
com as formas espontneas de vida a lei no ainda o elemento dominante, prevalecendo o
costume.
Esta posio no sustentvel: a relevncia, inequvoca, do costume no pode ser
estabelecida nos moldes preconizados por Oliveira Ascenso: na perspectiva externa
diferente a relevncia do costume consoante o tipo de sociedade em causa, como se viu; na
perspectiva interna, o costume tambm pode ser arbitrrio e tem de ser avaliado luz dos
valores fundamentais da comunidade expressos na Constituio. Os valores em que o
costume assenta no so por si ss decisivos.
Requisitos interno e externo do-nos diferente caracterizao do costume como fonte do
direito.
Requisito externo decurso do tempo; repetio de um comportamento por um
determinado perodo de tempo.
Lei da boa razo para que o costume fosse atendvel era necessrio que fosse conforme
boa razo, no contrariasse a lei e tivesse mais de 100 anos.
Requisitos de repetio: generalidade do comportamento (destinatrios); uniformidade ou
identidade do comportamento (objecto); continuidade (no interrupo); frequncia(repetio a espaos curtos); publicidade (no secretismo).
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Menor importncia no direito pblico e no direito internacional: agentes e destinatrios do
costume so rgos dotados de poder de imprio ou mesmo Estados soberanos.
Repetio de um comportamento no d lugar formao de uma regra; podem existir
regras de outras ordens normativas que resultem da repetio de comportamentos.
Elemento interno pressupe que a norma jurdica j esteja constituda (Bobbio; Finnis).
Duas sadas para esta dificuldade: convico de obrigatoriedade est fundada sobre um
erro; convico de obrigatoriedade no pertence ao momento da formao do costume,
mas da sua eficcia.
Bobbio d preferncia ao elemento externo, costume como facto social; dificuldade
como distinguir o costume jurdico dos comportamentos reiterado de outras ordens
normativas. Finnis e Nino: distino entre perspectiva externa e interna.
Para distinguir entre a prtica consuetudinria que d origem a norma jurdica e aquela no
d, temos de abandonar a considerao do costume na perspectiva das normas isoladas
para a encarar na perspectiva do ordenamento jurdico: 1) desencadear mecanismos
sancionatrios; 2) fornecer critrios para a resoluo de conflitos de interesses.
Fundamento do valor do costume: exprime a ordem espontnea da sociedade; exprime um
valor comunitrio, necessidade de o confrontar com os valores constitucionaisfundamentais.
Importncia do artigo 7. da Const. Angolana de 2010.
Uso: prticas sociais susceptveis de juridicidade mas destitudas de convico de
obrigatoriedade (Oliveira Ascenso). Artigo 3., n. 1, CC: os usos que no forem
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contrrios aos princpios da boa f so juridicamente atendveis quando a lei o determine.
Racionalidade; carcter mediato.
Inexistncia de apelo genrico aos usos: no se recorre a eles na interpretao ou integraodos negcios jurdicos (artigos 236. e 239. CC).
Artigo 234. - dispensa da declarao de aceitao de uma proposta contratual de acordo
com os usos, tendo-se o contrato por concludo logo que a conduta da outra parte mostre a
inteno de aceitar a proposta; artigo 560., n. 3 admissibilidade de os juros vencidos
produzirem juros segundo os usos; artigo 763., n. 1 realizao por partes da prestao
se for esse o regime imposto pelos usos; artigo 777., n. 2 estabelecimento de um prazo
para o cumprimento da obrigao segundo os usos; artigo 885., n. 2 no pagamento do
preo no momento da entrega da coisa vendida por fora dos usos; artigo 921.
obrigao de garantir o bom funcionamento da coisa por fora dos usos; artigo 1158.
retribuio do mandato segundo os usos. Etc.
Relao costume e lei
Vantagens da lei: certeza; rapidez de produo. Desvantagens: rigidez; voluntarismo, logo
perturbao.
Vantagens do costume: flexibilidade; estabilidade; desvantagens: lentido; incerteza.
Costume contra legem; secundum legem, praeter legem
Costume superior lei; costume inferior lei: artigo 3., artigos 1400. (costumes na diviso
de guas) e 1401. (costumes abolidos). Viso incorrecta uma fonte de direito disciplina o
valor de outras; viso correcta: regra de remisso entre dois ordenamentos jurdicos
distintos. Costume no pode ser admitido quando viole direitos, liberdades e garantias; lei
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Verso Provisria 32
cede perante o costume quando deixe de ser praticada; distino entre costume negativo,
desuso e mera tolerncia.
Lei
A lei a fonte intencional do direito por excelncia. Enquanto tal constitui o modo
paradigmtico da constituio do direito no Estado actual e abrange a Constituio, a lei
ordinria e o regulamento.
Podemos dizer que h uma perspectiva constitucional da lei: a lei exprime a vontade geral
dos cidados e dotada de uma legitimidade democrtica que lhe assegura um lugarespecial no contexto das fontes de direito. Ao mesmo tempo, h uma perspectiva
metodolgica da lei: a lei permite um conhecimento privilegiado do direito e permite uma
sistematizao do material jurdico, atravs dos cdigos, que mais nenhuma outra fonte
permite.
O CC define lei no artigo 1., n. 2, como as disposies genricas provindas dos rgos
estaduais competentes. Mas como observa Oliveira Ascenso as leis no so disposies ouregras, mas fontes de regras.
Pressupostos: i) autoridade competente para estabelecer critrios normativos de soluo de
casos concretos; ii) a observncia de formas eventualmente estabelecidas para essa
actividade; iii) o sentido de alterar a ordem jurdica pela introduo de um preceito
genrico.
Conceito, segundo Oliveira Ascenso: lei o texto ou frmula significativo de uma ou mais
regras jurdicas emanado, com observncia das formas estabelecidas, de uma autoridade
competente para pautar critrios jurdicos de soluo de situaes concretas.
A primeira manifestao, no necessariamente no sentido cronolgico, mas no sentido de
fundamento de validade jurdica de um ordenamento, da experincia jurdica legislativa a
Constituio.
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Quando me refiro a constituio no estou a pensar em qualquer constituio. A
constituio ser na maior parte dos casos uma manifestao da experincia jurdica
legislativa quando puder ser definida como uma constituio em sentido formal, isto ,
como aquele conjunto de normas contido num documento especificamente como
constituio cuja produo se encontra submetida a condies reforadas relativamente aos
modos de produo das normas de grau inferior. Pelo contrrio, a constituio em sentido
material, isto , a perspectiva da constituio que atende ao respectivo objecto, contedo e
funo, a um conjunto de matrias relativamente estabilizado (regulamentao do poder
poltico e direitos fundamentais) no necessariamente uma manifestao da experincia
jurdica legislativa.
Exemplo disto mesmo a experincia constitucional britnica: existe uma constituio em
sentido material, mas no em sentido formal, uma vez que as normas constitucionais no
esto sujeitas a condies reforadas de produo relativamente s demais normas do
sistema e a cessao da respectiva vigncia pode, em princpio, ser obra da legislao
ordinria (tal como a respectiva adopo).
Assim, uma constituio material desacompanhada de uma constituio em sentido formal
ser normalmente uma constituio no escrita, assente no direito consuetudinrio, comoacontece no caso britnico. certo que tal poder no acontecer. Por existir uma
constituio material que simultaneamente uma constituio escrita mas no uma
constituio formal. Para tal bastar que as normas constitucionais escritas possam ser
livremente alteradas pelo poder legislativo (como acontecia parcialmente, com as normas
da Carta Constitucional de 1826).
Mas o que agora importa reter que a existncia de uma constituio escrita e de uma
constituio formal tem implicaes necessrias ao nvel do sistema de fontes prprio do
ordenamento jurdico em causa, implicaes essas diferentes das que tem a existncia de
uma constituio material de origem consuetudinria sobre o sistema de fontes do
ordenamento respectivo (sobre as implicaes do tipo de constituio no sistema de fontes,
cfr. Miguel Galvo Teles).
De acordo com este autor, o sistema de fontes pode ser estruturado com base num
paradigma fundacional em que existe um nico fundamento de validade jurdica das
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normas do sistema, ou pode ser estruturado com base num paradigma no-fundacional,
em que as normas do sistema no tm essa origem e ponto de referncia comuns (Raz).
Exemplo de paradigma fundacional seria o ordenamento portugus em que existe uma
hierarquia de normas fortemente estruturada e tendencialmente centralizada a partir de uma
constituio escrita e formal; exemplo de paradigma no-fundacional de fontes de direito
seria o britnico em que as normas no uma origem comum, pois a validade das normas do
common lawno deriva do Parlamento e, inversamente, a validade das normas do statute law
no decorre dos tribunais.
Crtica deste modo de ver: prende-se com as relaes entre lei e jurisprudncia. Em relao
ao costume as coisas so diferentes: na perspectiva externa nunca existe um paradigma
fundacional, pois mesmo no caso portugus no se pode dizer que as normas
consuetudinrias assentem a sua validade na lei; na perspectiva interna existe sempre um
paradigma fundacional, pois todo o direito, mesmo o de origem consuetudinria, deve ser
conforme aos princpios e valores constitucionais.
O nosso sistema de fontes de direito tendencialmente fundacional, pois assenta numa
constituio em sentido formal. A constituio formal, alm de ser ela prpria umamanifestao da experincia jurdica legislativa, tem tambm como funo, enquanto
norma primria sobre a produo jurdica, identificar as fontes do nosso ordenamento que
se integram na experincia legislativa.
Esta funo de identificao encontra-se plasmada nos seguintes artigos:
- artigo 8. - direito internacional;
- artigo 112. - actos normativos;
- artigos 161., 164. e 165. - leis da Assembleia da Repblica;
- artigo 198. - competncia legislativa do Governo;
- artigo 199., alnea c) competncia regulamentar do Governo;
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Verso Provisria 35
- artigo 227., alneas a) a c) competncias legislativas das Regies Autnomas;
- artigo 227., alnea d) competncias regulamentares das Regies Autnomas;
- artigo 241. - poder regulamentar das autarquias locais;
- artigo 56. - convenes colectivas de trabalho.
Enquanto norma primria sobre a produo jurdica, a Constituio tem ainda uma outra
funo, explicitada no artigo 112., n. 2, a 6, e que consiste na determinao dos critrios
de validade de cada um dos actos normativos, isoladamente considerado e nas relaes
com os demais. Ideia de hierarquia.
Trs princpios
I O artigo 112., n. 6, consagra um princpio do sistema de normas sobre produo
jurdica que consiste no seguinte: nenhum acto pode criar actos normativos com fora igual
ou superior dele prprio, tal como definido na Constituio; pode apenas criar actos deeficcia inferior.
Este princpio pode ser desdobrado:
1. Nenhum acto normativo pode atribuir a um outro um valor de que ele prprio no
dispe (por exemplo, criao de leis com valor supralegislativo).
2. Nenhum acto pode atribuir a outro um valor idntico ao seu, nem to pouco atribuir a
actos de diferente natureza o poder de o interpretar, modificar ou suspender.
3. Nenhum acto pode dispor do prprio valor jurdico, aumentando-o ou diminuindo-o
(regulamento derrogatrio da lei, segundo previso expressa desta).
4. Nenhum acto pode transferir para actos de outra natureza o seu prprio valor (proibio
de regulamentos com valor de lei).
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este princpio, consagrado no artigo 112., n. 6, que esteve na base da
inconstitucionalidade do artigo 2. do CC, sobre os assentos.
II Princpio da competncia
Atribui a certas entidades a regulao de certas matrias especficas: por exemplo, s s
Regies Autnomas cabe legislar no mbito regional sobre as matrias enunciadas no
respectivo estatuto. Este princpio aponta para uma viso plural do ordenamento jurdico.
Alm do ordenamento estadual, existem ordenamentos regionais e autnomos (autarquias
locais e ordens profissionais).
III Princpio da hierarquia
Os actos normativos no tm todos o mesmo valor hierrquico, isto , no se situam num
plano de horizontalidade uns em relao aos outros, mas sim num plano de verticalidade:
no topo est a constituio e as leis constitucionais, depois os actos legislativos, a seguir os
actos regulamentares e finalmente as normas estatutrias.
Pode evocar-se tambm a ideia de uma pirmide, mas ao contrrio da teoria de Kelsen, essa
pirmide no pretende dar conta de todas as fontes, mas apenas da experincia jurdica
legislativa. Por outro lado, no se trata de derivao, mas de subordinao na perspectiva
do ordenamento jurdico estadual.
O princpio da hierarquia desdobra-se nos seguintes subprincpios:
1. Princpio da preeminncia ou superioridade dos actos legislativos relativamente aos actos
normativos regulamentares ou estatutrios (artigo 112.).
2. Princpio da tendencial igualdade ou paridade entre leis e decretos-leis (artigo 112., n.
2).
3. Princpio da tendencial paridade entre leis e decretos-leis, de um lado, e decretos
legislativos regionais, do outro (artigo 112., n. 4). Anteriormente, os decretos legislativos
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regionais no podiam dispor contra as leis gerais da repblica ou, a partir de 1997, dos seus
princpios.
4. Princpio da superioridade ou preeminncia das normas de enquadramento sobre as
normas complementares. De acordo com este subprincpio existem relaes de supra- e
infra-odenao entre vrios actos com valor legislativo.
4.1 As leis da AR tm valor paramtrico em relao aos decretos-leis (ou decretos
legislativos das Regies Autnomas) de desenvolvimento de bases gerais e aos decretos-leis
(ou decretos legislativos das Regies Autnomas) emitidos pelo Governo ao abrigo de
autorizao legislativa. As leis de bases e as leis de autorizao tm valor paramtrico em
relao a decretos-leis e decretos legislativos.
4.2 Certas leis tm valor reforado, por beneficiarem de forma e procedimentos especiais e
regularem a produo de outras leis:
- Leis de bases (artigo 112., n. 3, parte final);
- Leis de autorizao (artigo 112., n. 3, parte final);
- Lei de enquadramento do oramento (artigo 106.);
- Lei do oramento (artigo 106.);- Lei da modificao dos municpios [artigo 249., 164., alnea n)];
- Leis orgnicas (artigos 112., n. 3);
- Leis que carecem de aprovao por maioria de dois teros dos deputados presentes, desde
que superior maioria absoluta dos deputados em efectividade de funes (artigo 168., n.
69.
5. Princpio da preferncia de lei sendo a lei o acto estadual juridicamente mais forte
prevalece sobre todos os actos do poder executivo (regulamentos e actos administrativos).
6. Princpio da precedncia de lei no existe regulamento sem fundamento em lei prvia
anterior (artigo 112., n. 8).
7. Princpio da reserva de lei reserva de matria para a lei; existe sempre que a
Constituio prescreve que o regime jurdico de determinada matria seja regulado por lei.
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Dimenso negativa nas matrias reservadas lei est proibida a interveno de outra
fonte de direito diferente da lei, a no ser que se trate de normas executivas da
administrao).
Dimenso positiva nas matrias reservadas lei, esta deve estabelecer ela prpria o
respectivo regime jurdico, no podendo declinar a sua competncia normativa a favor de
outras fontes especial incidncia no domnio dos direitos fundamentais. Artigo 18., s a
lei pode restringir direitos, liberdades e garantias nos limites da Constituio.
H aqui um conceito simultaneamente formal e material de lei, alis em termos
excepcionais no que diz respeito disciplina da Constituio.
Lei em sentido material todo o acto que tenha a substncia, embora no tenha a forma de
lei; lei em sentido formal o acto que tiver a forma desta, ainda que no a respectiva
substncia. E qual essa substncia? lei em sentido material toda a norma jurdica,
decretada com observncia das formas eventualmente estabelecidas, emanada de uma
autoridade competente para o efeito, ainda que tal autoridade no detenha o poder
legislativo propriamente dito. lei em sentido formal todo o acto ou resoluo emanado e
decretado, com observncia das formas prescritas, pelo rgo legislativo, mesmo que talacto ou resoluo no contenha uma norma jurdica, mas apenas disposies de carcter
concreto e particular.
Artigo 1. CC conceito material de lei; artigo 112. CRP conceito formal de lei; artigo 18.,
n. 3, conceito formal e material de lei.
Funes desempenhadas pela lei:
a) Cabe lei a definio jurdica do programa social pois s lei possvel uma interveno
jurdica de sentido estrutural e transformador e por isso a lei desempenha uma funo
poltica social e reformadora.
b) S a lei tem capacidade institucionalizadora e organizatria, criando rgos a que atribui
poderes, delimitando atribuies e competncias, e por isso a lei desempenha uma funo
instituinte e planificadora.
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c) A lei a forma jurdica mais adequada para impor solues jurdicas, gerais e
pacificadoras nas condies de pluralismo poltico e social das sociedades actuais e por isso
a lei desempenha uma funo jurdica de integrao.
d) A objectividade e a certeza asseguradas pela lei permitem que nela se veja a manifestao
do direito que melhor permite o seu conhecimento e promove a segurana dos seus
destinatrios, sendo estas, alis, as garantias visadas pelo princpio da legalidade e por isso a
lei desempenha uma funo jurdica de garantia.
As duas primeiras so funes polticas; as duas ltimas so funes jurdicas; sendo certo
que as primeiras carecem das segundas para a respectiva realizao.
Coloca-se tambm o problema de saber se o referendo, introduzido na reviso de 89 e
alterado na reviso de 97 uma fonte de direito. Ora, o referendo em Portugal, previsto no
artigo 115. da CRP, no tem por objecto actos normativos (como acontece em Itlia, em
que o referendo pode revogar actos normativos em vigor), nem projectos de actos
normativos (como sucede com os projectos de leis referendrias do direito francs).
O referendo acto poltico do PR, embora precedido de propostas da AR e do Gov.
Assim sendo, o referendo um complexo de questes formuladas em termos dilemticos
(resposta atravs de sim ou no artigo 115., n. 6) que tem carcter vinculativo. O
referendo uma deciso poltica que dever ser objecto de lei ou conveno internacional.
E se o legislador no der andamento: sem prejuzo de responsabilidade penal e poltica dos
titulares dos cargos polticos envolvidos (artigo 117.), poder-se-ia tambm descortinar um
novo campo de actuao para a inconstitucionalidade por omisso, se o legislador da
reviso tivesse alterado a norma do artigo 283. da CRP.
Regulamentos
Regulamentos como conceito material, abrangendo todas as fontes que se destinam a dar
execuo s normas contidas nos actos legislativos.
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Verso Provisria 40
Nesta matria, para alm dos princpios constitucionais j atrs referidos, importa averiguar
a questo de saber se podem existir regulamentos autnomos, margem de qualquer
norma legal habilitadora.
So pacificamente admitidos:
a) Os regulamentos de execuo necessrios para a boa execuo das leis e que a
Administrao deve adoptar por iniciativa prpria;
b) Os regulamentos complementares referidos genericamente a uma lei cujos fins e
sistema normativo vo desenvolver;
c) Os regulamentos independentes a lei indica a entidade que poder ou dever emitir o
regulamento e a matria sobre que incide (artigo 112., n. 7).
Artigo 112., n. 8, exclui regulamentos autnomos no sentido atrs mencionado. A
existncia de regulamentos autnomos, ainda que fundados directamente na constituio,
significaria uma governamentalizao do sistema de governo, subtraindo ao parlamento a
fiscalizao de actos com valor paralegislativo. Por isso, ainda que no se exija umaautorizao legislativa caso a caso para a emisso de um regulamento ser necessrio a
existncia de uma lei a conferir competncia regulamentar para a prossecuo dos
objectivos fixados na Constituio ou na prpria lei, como decorre do artigo 9., n. 5, da
Lei n. 74/98, com o seguinte texto: Os regulamentos devem indicar expressamente as leis
que visam regulamentar ou que definem a competncia subjectiva e objectiva para a sua
emisso.
Formas de regulamentos:
- Decretos regulamentares, previstos nos artigos 112., n. 7, e 134., alnea b). distinguem-
se dos decretos simples do Gov., que no so actos normativos, e carecem apenas de
assinatura do PR e no de promulgao. So assinados pelo PM e demais ministros em
razo da matria.
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Verso Provisria 41
- Portaria so regulamentos que incidem sobre aspectos exteriores reserva de lei,
integrando os regimes constantes da lei. No so objecto de promulgao ou assinatura
pelo PR, nem referenda ministerial, sendo muitas vezes assinados pelos ministros
competentes em razo da matria.
Os regulamentos complementares ou independentes assumem a forma de Decreto
Regulamentar; os regulamentos de execuo assumem a forma de portaria a no ser que a
lei exija uma forma mais solene.
- Despacho normativo s pode ser usado quando a lei o prev.
- Instrues e circulares regulamentos internos.
Jurisprudncia (Freitas do Amaral)
A jurisprudncia, entendida enquanto conjunto das decises dos tribunais, , ou no fonte
de direito? Trs respostas possveis: i) no; ii) sim; iii) jurisprudncia no fonte de direito
na generalidade dos casos, mas apenas actividade criativa de solues jurdicas concretas,salvo certas situaes especiais e bem definidas.
i) A primeira concepo tem a sua origem na ideia do juiz autmato e est ligada teoria
tradicional das fontes de direito.
ii) Segunda concepo v a jurisprudncia como fonte de direito por excelncia, acima da
lei e do costume. Concepo sustentada pelo jurista e juiz americano Oliver Wendel
Holmes (1841-1935): s quando o juiz decidir que se saber ao certo o que o Direito
sobre uma determinada questo. Holmes chegava mesmo ao extremo de afirmar que as leis
so profecias sobre o que os tribunais faro na realidade.
As consequncias desta concepo para a certeza do direito so facilmente compreensveis.
Os tribunais devem tanto obedincia lei como os cidados.
iii) Terceira concepo a mais genericamente seguida pelos autores.
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Verso Provisria 42
Jurisprudncia no fonte de direito na medida em que os tribunais dizem o direito no
caso concreto. Mas quase nunca os juzes se limitam a aplicar o direito ao caso concreto,
sem que isso envolva qualquer actividade criativa por si desenvolvida. Assim sucede
quando os juzes procedem integrao de lacunas, concretizao de conceitos
indeterminados (conceitos sem um sentido preciso) ou naqueles casos em que o critrio de
deciso directamente conferido pela lei ao juiz.
No existe precedente obrigatrio, mas apenas precedente persuasivo.
Dois casos em que a jurisprudncia pode ser considerada como fonte de direito: a) nos
casos em que os tribunais proferem deciso dotadas de fora obrigatria geral, isto ,
decises judiciais que revestem carcter geral e abstracto e so obrigatrias para todos os
cidados ou, pelo menos, uma categoria genericamente delimitada de cidados; b) a
jurisprudncia tambm fonte de direito nos casos em que os tribunais proferem decises
que constituem correntes uniformes de interpretao ou integrao de uma mesma norma
jurdica, isto , em que h uma corrente jurisprudencial uniforme.
Os dois casos em que a jurisprudncia pode ser fonte de direito aproximam-se da lei(decises judiciais com fora obrigatria geral) e do costume (corrente jurisprudencial
uniforme). Por essa mesma razo dir-se- que, afinal, a jurisprudncia no fonte de
direito, mas aquilo que constitui a positividade de uma certa normatividade afinal a lei ou
o costume, ambos de origem judicial.
Repare-se que na teoria clssica ou tradicional se entendia de modo diverso: quanto s
decises com fora obrigatria geral, essa fora decorria da lei; quanto s correntes
jurisprudenciais as mesmas s se admitiam no modelo do juiz autmato. Mas mesmo
superando a teoria tradicional, temos de concordar que no o correcto o entendimento
segundo o qual a jurisprudncia, para ser fonte de direito, se reconduz a uma das duas
fontes primrias, a lei ou o costume. Assim, no que toca distino entre decises com
fora obrigatria geral e lei cabe salientar os seguintes traos distintivos: iniciativa, liberdade
conformadora e auto-revisibilidade. A lei , em regra, adoptada por iniciativa do legislador,
o que no sucede com os casos de decises judiciais com fora obrigatria geral. Tais
decises, como quaisquer decises judiciais, nunca so adoptadas por iniciativa do tribunal.
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7/25/2019 Miguel Nogueira de Brito
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Verso Provisria 43
o que decorre do princpio do pedido, com consagrao no artigo 3. do CPC. Depois o
tribunal no pode decidir livremente, mas com base na lei e na Constituio (artigo 203.
CRP). Finalmente, os tribunais no podem livremente revogar as decises com fora
obrigatria geral que venham a produzir.
No que toca distino entre corrente jurisprudencial e costume, cabe referir que a
repetio do contedo das decises anteriores no assenta numa convico de
obrigatoriedade, mas apenas no seu contedo persuasivo, isto , na fora dos argumentos.
Segundo Freitas do Amaral, a partir da considerao inicial de jurisprudncia com fora
obrigatria geral e correntes uniformizadoras, haveria que distinguir quatro casos:
a) Nas decises judiciais com fora obrigatria geral que declara