Mikhail Vai às Compras: Aplicação dos Conceitos ... · desenvolvendo uma análise semiótica da...

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1 Mikhail Vai às Compras: Aplicação dos Conceitos Bakhtinianos em Análise sobre o Consumo Infantil. Autoria: Flávia Meneguelli Ribeiro Setubal, Moema Lúcia Martins Rebouças Resumo: a proposta do artigo é contribuir no âmbito educacional e dos estudos do consumo, desenvolvendo uma análise semiótica da revista em quadrinhos Turma da Mônica Jovem (TMJ), dentro dos pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin, tendo como pano de fundo a sociedade de consumo atual. Para isso, foi realizada a análise da edição de nº 57 – Veneno Virtual – de TMJ, a partir de categorias de consumo pré-definidas: consumo conspícuo, consumo consciente e consumo moralista. Os resultados apontam para a existência de múltiplas vozes no discurso da revista, bem como para um dialogismo marcante na constituição de sua trama. Palavras-chaves: Turma da Mônica Jovem; Bakhtin; Consumo. 1. Introdução Um dia eles teriam que crescer, como aconteceu com seus leitores que, desde o ano de sua criação, em 1963, acompanham as aventuras da famosa turma. Hoje, Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e outros personagens, são adolescentes que namoram, se preocupam com sua aparência, com seu futuro, dentre outros questionamentos típicos da fase que atravessam. Criada em agosto de 2008, a revista em quadrinhos “Turma da Mônica Jovem” tem estilo mangá (referência aos quadrinhos japoneses) e traz os mesmos personagens, mas com características bem distintas da antiga turma: Mônica não é mais baixinha e gorducha; Magali come moderadamente e tem uma alimentação saudável; Cebolinha foi à fonoaudióloga e só fala errado quando está nervoso e, por fim, o Cascão toma banho, periodicamente. Após cinco anos de seu lançamento, a TMJ, como é conhecida, possui alta vendagem – o primeiro exemplar da revista teve 60% da tiragem inicial esgotado, na primeira semana de lançamento, fazendo com que a editora Panini Comics aumentasse sua tiragem de 80.000 para 230.000 exemplares - e já tem edições especiais lançadas, esporadicamente, como as revistas “Cebola Jovem”, “Magali Jovem”, Cascão Jovem” e, a mais recente, “Chico Bento Jovem”. A edição número 4 – Fortes Emoções – em que ocorre o primeiro beijo sério entre Mônica e Cebolinha vendeu, aproximadamente, 500 mil exemplares. As vendas mensais, em 2013, giravam em torno de 400.000 revistas. Antenada, a revista apresenta símbolos do universo adolescente contemporâneo, que vão desde o uso de celulares e ringtones 1 , à incorporação de gírias e cultura de gueto pela classe média (WIKIPEDIA, acesso em 15 agosto 2013).

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Mikhail Vai às Compras: Aplicação dos Conceitos Bakhtinianos em Análise sobre o Consumo Infantil.

Autoria: Flávia Meneguelli Ribeiro Setubal, Moema Lúcia Martins Rebouças

Resumo: a proposta do artigo é contribuir no âmbito educacional e dos estudos do consumo, desenvolvendo uma análise semiótica da revista em quadrinhos Turma da Mônica Jovem (TMJ), dentro dos pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin, tendo como pano de fundo a sociedade de consumo atual. Para isso, foi realizada a análise da edição de nº 57 – Veneno Virtual – de TMJ, a partir de categorias de consumo pré-definidas: consumo conspícuo, consumo consciente e consumo moralista. Os resultados apontam para a existência de múltiplas vozes no discurso da revista, bem como para um dialogismo marcante na constituição de sua trama.

Palavras-chaves: Turma da Mônica Jovem; Bakhtin; Consumo.

1. Introdução Um dia eles teriam que crescer, como aconteceu com seus leitores que, desde o ano de

sua criação, em 1963, acompanham as aventuras da famosa turma. Hoje, Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e outros personagens, são adolescentes que namoram, se preocupam com sua aparência, com seu futuro, dentre outros questionamentos típicos da fase que atravessam.

Criada em agosto de 2008, a revista em quadrinhos “Turma da Mônica Jovem” tem estilo mangá (referência aos quadrinhos japoneses) e traz os mesmos personagens, mas com características bem distintas da antiga turma: Mônica não é mais baixinha e gorducha; Magali come moderadamente e tem uma alimentação saudável; Cebolinha foi à fonoaudióloga e só fala errado quando está nervoso e, por fim, o Cascão toma banho, periodicamente.

Após cinco anos de seu lançamento, a TMJ, como é conhecida, possui alta vendagem – o primeiro exemplar da revista teve 60% da tiragem inicial esgotado, na primeira semana de lançamento, fazendo com que a editora Panini Comics aumentasse sua tiragem de 80.000 para 230.000 exemplares - e já tem edições especiais lançadas, esporadicamente, como as revistas “Cebola Jovem”, “Magali Jovem”, Cascão Jovem” e, a mais recente, “Chico Bento Jovem”. A edição número 4 – Fortes Emoções – em que ocorre o primeiro beijo sério entre Mônica e Cebolinha vendeu, aproximadamente, 500 mil exemplares. As vendas mensais, em 2013, giravam em torno de 400.000 revistas. Antenada, a revista apresenta símbolos do universo adolescente contemporâneo, que vão desde o uso de celulares e ringtones1, à incorporação de gírias e cultura de gueto pela classe média (WIKIPEDIA, acesso em 15 agosto 2013).

 

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Como estudiosa dos processos de consumo, o interesse da pesquisadora deste projeto surgiu, a partir da leitura da TMJ nº 19 – intitulada “Surge uma estrela”. Na edição, Magali se via às voltas com o mundo do sucesso, ao ser selecionada para compor o casting da banda Star Stars, derrotando sua melhor amiga, Mônica. Na história, Magali enfrenta o dilema entre ter “glamour e fãs, brilho e magia, o sonho de toda garota” (SOUSA, 2010, p. 5-6) e a amizade de Mônica, ressentida com a mudança de comportamento de Magali. A partir daí, o desenrolar da trama apresenta o que seria o mundo ideal de uma estrela: namorados famosos, descolados, boa pinta, produzidos; alface e tomate no almoço, para melhorar a performance e a silhueta; problemas na escola decorrentes do sono, durante as aulas; dentre outras pistas que representam a sociedade de consumo contemporânea.

Essa denominação, utilizada por estudiosos da área, se justifica a partir do momento em que se identifica que a cultura material e o consumo são aspectos fundamentais de qualquer sociedade, porém somente a sociedade moderna contemporânea tem sido caracterizada como uma sociedade de consumo. Isso porque o consumo está preenchendo, para os indivíduos desta, uma função acima e além daquela de satisfação das necessidades materiais e de reprodução social comum aos demais grupos sociais (BARBOSA, 2004).

Assim, a proposta deste artigo é contribuir no âmbito educacional e dos estudos do consumo, desenvolvendo uma análise semiótica da revista em quadrinhos Turma da Mônica Jovem, dentro dos pressupostos teóricos dos estudos de Mikhail Bakhtin, tendo como pano de fundo a sociedade de consumo atual.

Deste modo, o corpus da pesquisa aqui proposta é formado por uma edição da revista TMJ que possui como tema principal problemática relacionada à sociedade de consumo contemporânea. A revista selecionada é a de número 57, publicada em Maio de 2013, intitulada “Veneno Virtual”. Foram analisados capa, bem como fragmentos/quadros da história, tendo como critério de seleção a temática do consumo, a partir de categorias pré-definidas: consumo consciente (sustentável), consumo conspícuo (ostentatório) e consumo moralista (repressão). Ainda, foi analisada a sessão “Fala Maurício”, em que o próprio autor faz uma reflexão/explanação em relação à temática da história.

Segundo Machado (2008), os estudos de Bakhtin mudaram a rota dos estudos sobre gênero. Ele afirma a necessidade de um exame circunstanciado não apenas da retórica, mas das práticas prosaicas que diferentes usos da linguagem fazem do discurso, oferecendo-o como manifestação da pluralidade. Graças a essa abertura conceitual é possível considerar as formações discursivas do amplo campo da comunicação mediada, seja a processada pelos meios de comunicação de massa, como as histórias em quadrinhos (HQ), como das modernas mídias digitais.

As categorias conceituais aqui utilizadas para analisar a linguagem da revista TMJ englobam as definições de polifonia, dialogismo, enunciado, enunciação, significação e tema, propostas por Bakhtin.

Na perspectiva Bakhtiniana, o discurso representa a língua em sua integridade concreta e viva (existe no social, envolve signo ideológico e, portanto, não é um sistema abstrato). Assim, a verdadeira substância da língua é constituída nas relações sociais, via interação verbal realizada por meio da enunciação ou enunciações. Esse discurso se constrói entre pelo menos dois interlocutores, como uma espécie de diálogo entre discursos, mantendo relações com outros discursos que o precederam.

Segundo Yaguello (2006), em prefácio à obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Bakhtin, qualquer enunciação, fazendo parte de um processo de comunicação ininterrupto, é um elemento do diálogo, no sentido amplo do termo, englobando as produções escritas. Assim, a enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social é a unidade de base da língua, ou seja, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ainda, é de natureza social, portanto ideológica, não existindo fora de um contexto social. Há sempre

 

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um interlocutor, ao menos potencial, uma vez que o locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido.

A autora afirma que a comunicação verbal, inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, bem como utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu poder.

Nesse contexto, Rosemberg (1984) afirma que as reflexões sobre o conteúdo da literatura infanto-juvenil colocam como foco de atenção o impacto do material impresso sobre o jovem leitor. A autora questiona o significado da própria existência de um discurso proferido por adultos para crianças. Para ela, “o exercício do poder adulto sobre a criança é mediatizado pela educação formal e informal que, além de manter a relação de dependência da criança, tende a prolongá-la cada vez mais” (ROSEMBERG, 1984, p. 24).

Ainda dentro do raciocínio das relações influenciadoras e de poder, a cultura midiática, intimamente relacionada ao universo das HQ, incita reflexões sobre o seu papel na sociedade de consumo contemporânea.

Hoje, mais que nunca na história, os agentes privilegiados no processo de (re)criação e difusão de valores, comportamentos, gostos, idéias, personagens virtuais e ficção são as grandes empresas transnacionais da mídia, da publicidade e do entretenimento (MOREIRA, 2003, p. 1207).

Essas corporações, que reúnem televisão, vídeo, cinema, computadores, Internet, aparelhos de diversão eletrônicos e, ainda, rádios, revistas, jornais, outdoors, banners e diversas formas de comunicação imagética, sonora e/ou virtual, são agentes sociais poderosos.

É neste âmbito das crenças e da elaboração do sentido, da visão de mundo como uma atitude fundamental perante o real que, tradicionalmente, foi um espaço ou uma função próprios da família, da escola, das religiões e filosofias que está, hoje, em grande parte, concentrado nas mãos dos agentes midiáticos. As crianças, sobretudo nos grandes centros, antes de serem alfabetizadas pela escola, já foram alfabetizadas pelas marcas e pelos logos. Antes mesmo de aprenderem a falar, já começam a ler o mundo por meio dos ícones do consumo. A propaganda e o marketing mostram às crianças o que é agradável, atraente, criativo e, ainda, desejável. Assim posto, algumas questões urgentes e de fundo vão ocupar cada vez mais o esforço de pais, educadores e agentes pedagógicos, nos próximos anos. Como trabalhar pedagogicamente o impacto de uma cultura calcada na exteriorização mercadológica compulsiva? Como pensar a educação infantil em um contexto dominado pelo sistema midiático-cultural? Que estratégias pedagógicas e reservas de sentido podem ser acionadas para resistir produtivamente a este modo de ser orientado à exteriorização publicitária, ao espetáculo e ao descartável? (MOREIRA, 2003).

Lisbôa (2008) considera que, além da escola e dos processos formais de escolarização, a cultura e, dentro dela, a mídia, é importante ferramenta que “constitui e desconstitui, que formula e reformula, que produz e reproduz, modos de ser e de pensar, modos de agir e se posicionar, modos de estar e de viver” (LISBÔA, 2008, p. 14). Segundo a autora, a importância dos quadrinhos como veículo de comunicação está no fato de que: a) são um material dinâmico, que pode tratar, a cada edição, de um novo tema (diferente dos livros didáticos, que trazem conteúdos estáticos, por vários anos); b) possuem um poder de alcance muito grande, por meio de comunicação direta e de fácil compreensão; c) são mais especificamente voltadas para o público infanto-juvenil, sendo essa a etapa do desenvolvimento social e cognitivo em que a pessoa assimila a maior parte dos conceitos que levará para o resto da vida.

Sobre a especificidade das histórias em quadrinho e sua relação com as análises semióticas, Cirne (1982, p. 18) propõe que “embora menos do que no cinema, a linguagem

 

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quadrinizada resulta da soma de diversos códigos (o desenho, a “fala” dos personagens, a articulação das imagens na página ou na tira etc.)”. Ainda, “f) o discurso quadrinizado deve ser entendido como uma prática significante e, mais ainda, como uma prática social que se relaciona com o processo histórico e o projeto político de uma dada sociedade”.

Na perspectiva Bakhtiniana, as HQ se enquadram em determinado gênero do discurso, relacionado a uma situação de comunicação específica, totalmente vinculada à atividade humana. Possuem um conteúdo temático, um estilo próprio que as fazem ser reconhecidas como quadrinhos, bem como uma construção composicional. Neste caso específico, o gênero HQ transpôs seus limites de literatura infanto-juvenil de entretenimento, figurando em outros territórios como os livros didáticos, avaliações escolares, campanhas publicitárias, dentre outros materiais que buscam, por meio de uma linguagem atrativa, maior poder de apreensão de seus conteúdos.

Dentro do contexto apresentado, o problema do presente artigo é: que vozes permeiam o discurso inscrito na revista TMJ, tendo como pano de fundo a sociedade de consumo contemporânea? 2. Revisão de Literatura 2.1 Sociedade de Consumo e consumo infantil

Caracteriza-se como “Sociedade de Consumo” a sociedade em que o consumo desempenha papel central nas inter-relações de seus membros. Nessa sociedade, ele é o modo dominante, porém não o único, de reprodução social e está relacionado a valores, práticas e instituições, tais como escolhas e relações de mercado (BARBOSA, 2004).

Neste contexto, sujeitos e objetos se relacionam, não apenas no sentido funcional de apropriação e utilização dos bens, mas, principalmente, com propósitos simbólicos que refletem, a partir desta interação, uma infinidade de motivações, valores e percepções que podem ser compartilhados ou não com o mundo externo. O consumo é usado simbolicamente tanto para criar e manter a individualidade como para localizar as pessoas na sociedade, pois esses significados carregados pelos bens podem ter caráter idiossincrático ou compartilhado com os demais. Ainda, segundo Barbosa (2004, p. 7) “Sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utilizados por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e profissionais de marketing para se referir à sociedade contemporânea”.

Nesse contexto atual da sociedade de consumo, vários grupos de consumidores se formam, fazendo com que suas escolhas tenham um sentido simbólico próprio, compreendido e compartilhado por seus seguidores. Um grupo de consumidores que, nas últimas décadas, vem despertando o interesse dos mais variados tipos de empresas, é o consumidor infantil. As crianças estão desempenhando um papel na sociedade de consumo que muito interessa à indústria, ávida por conquistar e fidelizar esse tão pequeno cliente.

Assim, o estudo sobre o comportamento desse consumidor também acaba despertando o interesse da academia. As primeiras pesquisas sobre o consumo infantil datam da década de 1950, quando estudos isolados foram publicados sobre lealdade das marcas e consumo conspícuo. Um reconhecimento adicional das crianças como consumidores veio na década de 60, quando pesquisadores estudaram a compreensão das mesmas sobre as funções do marketing e das vendas, e sua influência nas decisões dos pais. Esses artigos foram muito importantes no sentido de introduzir o assunto, apresentando métodos empíricos e informações específicas sobre as crianças (JOHN, 1999).

Segundo McNeal (2000), alguns elementos que fomentam o poder das crianças como consumidores são: a entrada da mulher no mercado de trabalho e consequente aumento da renda familiar; diminuição do índice de fertilidade, havendo mais dinheiro para gastar com os

 

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filhos; o retardamento na decisão de ter filhos, quando a situação financeira da família já está mais estabelecida e o desejo de ter filhos é maior; lares separados e aumento de enteados, que acabam recebendo dinheiro de ambas as famílias; famílias de mães ou pais solteiros, em que os filhos passam a participar, mais cedo, do processo de consumo, para ajudar em casa; a importância dos avós na criação e provimento das necessidades financeiras dos netos; o crescimento do fator culpa, devido à falta de tempo dos pais; preocupação dos pais em relação ao futuro das crianças, uma vez que não podem mais contar somente com o Governo para prover necessidades elementares dos filhos.

O período que vai do nascimento à adolescência traz um desenvolvimento dramático do funcionamento cognitivo e maturidade social. As crianças desenvolvem habilidades além da percepção aparente, pensando de forma mais abstrata sobre o meio em que vivem, adquirindo informações e processando maneiras de organizar o que aprendem sobre esse meio, e desenvolvendo um grande entendimento das relações interpessoais, o que os permite ver o mundo sob múltiplas perspectivas. O desenvolvimento cognitivo e social, nesse período, fornece um pano de fundo para o crescimento da sofisticação que as crianças exibem em entender e desempenhar o papel de consumidor. Essas habilidades facilitam o processo de avaliação de produtos, comparando-os entre as alternativas disponíveis, e comprando o produto escolhido no ponto de venda (JOHN, 1999).

Wolfman (2005) afirma que é sempre uma surpresa começar a trabalhar com crianças. No começo, elas parecem tão jovens e inocentes, mas acabam por demonstrar serem extremamente conscientes da influência da mídia. A autora afirma que crianças menores de oito anos possuem hobbies como brincar de DJ (disc jokey) e baixam músicas que, a princípio, parecem ser destinadas apenas aos adolescentes. Eles são bastante conscientes sobre as marcas que vestem e sobre o que elas dizem sobre eles, como indivíduos. As crianças são capazes de se compararem às outras não só fisicamente, como também pelos bens que possuem. Essa tendência pode ser uma das evidências para o aumento atual de doenças relacionadas a esses pequenos indivíduos, como distúrbios alimentares. Isso porque as crianças estão crescendo em um mundo adulto de consumismo e, com três ou quatro anos, já são capazes de ter preferências de marca. Sua exposição à propaganda, por meio de uma infinidade, ainda crescente, de canais televisivos, faz com que eles possam identificar as diferenças entre o conteúdo editorial e os anúncios comerciais, por volta dos sete anos. As crianças de hoje não só determinam escolhas de consumo entre os membros de sua própria geração, como também influenciam seus pais.

Como a televisão, as HQ são produtos consumidos por crianças e adolescentes e, por meio de suas mensagens, disseminam valores, influenciando atitudes e comportamentos. Nesse sentido, uma análise crítica do discurso produzido e vendido por esses produtos é de grande relevância para os estudos da educação.

2.2 A concepção de linguagem e o pensamento Bakhtiniano

Em seus estudos sobre ideologia, Bakhtin (2006, p. 29) afirma que um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo. Entretanto, ao contrário destes, ele também reflete e refrata outra realidade, que lhe é exterior. “Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia”. Qualquer produto de consumo pode ser transformado em signo ideológico, adquirindo um sentido que ultrapassa suas próprias particularidades. O signo pode distorcer a realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio

 

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do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. “Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico” (BAKHTIN, 2006, p.30).

Os signos emergem a partir do processo de interação entre uma consciência individual e outra. A própria consciência individual está repleta de signos, uma vez que ela só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e isso se dá no processo de interação social. Para o autor, os signos só podem aparecer em um terreno interindividual e, este, não pode ser chamado de “natural” no sentido comum da palavra: não basta colocar dois sujeitos quaisquer face a face para que os signos se constituam. Esses dois indivíduos precisam estar socialmente organizados, formando um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode ser constituído (BAKHTIN, 2006, p. 34). Esse pressuposto bakhtiniano se relaciona com o conceito de sociedade de consumo, em que se compreende o consumo como uma linguagem compartilhada que atribui valor aos objetos e ações, a partir da interação entre seus sujeitos. Assim, um signo de consumo só pode ser compreendido dentro de um contexto específico, de uma comunidade distinta. Cereja (2008) afirma que, na produção teórica do Círculo de Bakhtin, há uma preocupação constante de lidar com as questões do sentido de forma ampla, pensando não somente os sentidos do signo, mas do signo ideológico; pensar o signo não apenas no domínio da língua, mas também no domínio do discurso e, portanto, da vida. Assim, considera que a significação é um dos problemas mais complexos da linguística.

A significação existe como capacidade potencial de construir sentido, próprias dos signos linguísticos e das formas gramaticais da língua. É o sentido que esses elementos historicamente assumem, em virtude de seus usos reiterados. É um estágio mais estável dos signos e dos enunciados, já que seus elementos, como fruto de uma convenção, podem ser utilizados em diferentes enunciações com as mesmas indicações de sentido (CEREJA, 2008, p. 202).

Assim, enquanto a significação é um estágio inferior da capacidade de significar, o tema é um estágio superior da mesma capacidade. Por outro lado, o tema é indissociável da enunciação, pois, assim como esta, é a expressão de uma situação histórica concreta. Como decorrência, é único e não pode se repetir. Estão presentes na construção do tema não só os elementos estáveis da significação, mas também os elementos extraverbais, que integram a situação de produção, de recepção e de circulação. Desta forma, a significação pode ser entendida como abstrata e tende à permanência e estabilidade; já o tema é “concreto, histórico e tende ao fluido e dinâmico, ao precário, que cria e recria e renova incessantemente o sistema de significação, ainda que partindo dele” (CEREJA, 2008, p. 202).

Em relação à língua, Bakhtin (2006) pontua que todo sistema de normas sociais encontra-se numa posição análoga, ou seja, somente existe relacionado à consciência subjetiva dos sujeitos que participam da coletividade regida por essas normas. São assim os sistemas de normas morais, jurídicas, estéticas, etc. A língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. “Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (BAKHTIN, 2006, p. 109).

Da mesma forma se dá o nascimento de um consumidor. À medida que a criança vai se desenvolvendo e tendo contato com os objetos de consumo, vai se formando um repertório em sua mente, composto por signos que fazem sentido perante seus diferentes grupos de referência: família, amigos, escola.

 

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Desta forma, o ato de fala, ou, mais especificamente, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. “A enunciação é de natureza social” (BAKHTIN, 2006, p. 111).

A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados. Nesse contexto, a palavra dirige-se a um interlocutor, podendo variar conforme a origem da pessoa (se do mesmo grupo social ou não), a hierarquia social, os laços sociais (pai, mãe, marido, etc).

Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 2006, p. 115).

Brait e Melo (2008) afirmam que as noções de enunciado/enunciação têm papel

central na concepção de linguagem que rege o pensamento Bakhtiniano, justamente porque a linguagem é concebida como um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de análise e compreensão, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos.

Nesse contexto, a noção de enunciado compreende muito mais do que está inserido nos fatores estritamente linguísticos, solicitando um olhar para outros elementos que o constituem. O enunciado compreende três fatores: 1) o horizonte espacial comum dos interlocutores (a unidade do visível, o local em que se encontram no momento da comunicação); 2) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores; 3) sua avaliação comum dessa situação (BRAIT; MELLO, 2008).

O enunciado e as singularidades da enunciação compreendem o processo interativo, o verbal e o não verbal que integram a situação e, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior histórico, tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, discursos, sujeitos, etc.) que antecedem esse enunciado específico, quanto ao que ele projeta adiante.

Segundo as autoras, nos pressupostos bakhtinianos, um enunciado concreto como um todo significativo compreende duas partes: a parte percebida ou realizada em palavras e a parte presumida. A característica distintiva dos enunciados concretos consiste no fato de que eles estabelecem uma miríade de conexões com o contexto extraverbal da vida e, separados desse contexto, perdem quase toda a sua significação.

Machado (2008) afirma que, quando considera a função comunicativa, Bakhtin analisa a dialogia entre ouvinte e falante como um processo de interação ativa, não estando no horizonte de sua formulação o clássico diagrama espacial da comunicação fundado na noção do transporte da mensagem de um emissor para um receptor, bastando, para isso, um código comum. Isso porque esse pensamento desconsidera o papel ativo de ambos, sem o qual a interação não aconteceria.

Nesse sentido, outros pressupostos bakhtinianos entram em cena: o dialogismo e a polifonia. Bezerra (2008) afirma que dialogismo é o procedimento que constrói a imagem do homem num processo de comunicação interativa, no qual eu me vejo e me reconheço por meio do outro, na imagem que o outro faz de mim. Eu me projeto no outro que, por sua vez, também se projeta em mim.

Segundo o autor, a polifonia se define pela convivência e pela interação, em um mesmo espaço, de uma multiplicidade de vozes e consciências independentes e que não se misturam, vozes plenivalentes e consciências de igual poder, todas representantes de um

 

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determinado universo e marcadas pelas peculiares deste. Essas vozes e consciências não são objeto do discurso do autor, são sujeitos de seus próprios discursos.

O que define a polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico. Rege vozes que ele cria ou recria, mas deixa que se manifestem com autonomia e revelem no homem um outro “eu para si” infinito e inacabável (BEZERRA, 2008, p.194).

Desta forma, a partir dos pressupostos bakhtianos aqui abordados, segue-se a análise

da revista em quadrinhos Turma da Mônica Jovem, buscando a aplicação dos conceitos apresentados na revisão de literatura ao discurso inscrito na revista, tendo como pano de fundo a sociedade de consumo atual. 3. Análises

Iniciando a análise da revista TMJ nº 57 – Veneno Virtual – pela descrição de sua capa, tem-se uma figuração intencional em que um grupo de amigos, portando celulares modernos, ri da personagem principal, Mônica. A figura da Mônica está em primeiro plano, enquanto o grupo de alunos se encontra no fundo do desenho, junto a uma parede com um quadro negro, em um ambiente de sala de aula. A atmosfera da cena é movimentada e sugere barulho de sala de aula, burburinho e gargalhadas.

Partindo para a análise e tendo como referência os pressupostos bakhtinianos, percebe-se que a personagem principal, Mônica, está preocupada com o que os colegas estão comentando, pois, a princípio, o assunto parece ser ela. Esse movimento de “fofoca” constitui um signo, que Bakhtin afirma emergir do processo de interação entre uma consciência individual e outra, uma vez que os sujeitos estão socialmente organizados. Assim, a ação de comentar sobre a vida alheia só se faz relevante à medida que esses não são sujeitos quaisquer, mas possuem uma consciência compartilhada, a partir do momento em que formam um grupo, nesse caso, são amigos, colegas de classe, estudam no mesmo colégio.

Figura 1. Capa Veneno Virtual

Fonte: SOUSA, 2013.

 

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No contexto não verbal do enunciado, a situação faz sentido a partir do momento em que o outro, a quem a mensagem se destina (leitor), reconhece os elementos da cena, ou seja, celulares com acesso à internet e que trazem alguma notícia de interesse geral, nesse caso, uma fofoca. Isso porque, conforme afirma Bakhtin, toda enunciação é de natureza social.

O próprio título da edição em questão – Veneno Virtual – potencializa o sentido da ação, uma vez que “veneno” possui significação negativa, que representa uma substância que fere e pode até matar, enquanto que o adjetivo virtual confere amplitude ao efeito do veneno, que se espalha rapidamente, utilizando o ambiente sem fronteiras da internet, tomando proporções inimagináveis. Assim, o tema da revista analisada, refletido em seu título, trata da “fofoca”, muitas vezes, crimes de comunicação, como a injúria, calúnia ou difamação (figura 2), que são disseminados de maneira irresponsável ou maldosa, pelo meio de comunicação de maior alcance, na atualidade: a internet. Assim, o que, muitas vezes, parece uma “piada” inofensiva, pode causar sérios danos à imagem ou, ainda, à reputação das pessoas.

Figura 2. O poder da informação

Fonte: SOUSA, 2013, P. 27

O poder de informação da internet e, ainda, por meio de dispositivos móveis, é muito maior do que o dos tradicionais meios de comunicação de massa. Pesquisas recentes apontam que um grande número de pessoas acessa a internet, por meio de seus celulares, antes mesmo de sair da cama, pela manhã. Outras, falam mais online com as pessoas do que na “vida real”.

Na categoria de consumo conspícuo, a figura 2 ilustra a interação da Mônica, por meio de seu celular, com o blog “O Castelo do Troll”. Ela se diverte com as notícias publicadas, sem se importar com a veracidade e consequência das mesmas. É importante lembrar que Mônica é considerada a personagem mais séria da trama, que não gosta de brincadeiras de mau gosto, etc. Entretanto, a história mostra que o poder de atração da informação pode “corromper” até o mais correto dos personagens.

Levando a análise para o âmbito do consumo, um signo típico desta geração que aparece na imagem e em diversas outras páginas da revista é o celular. Pelo desenho, são modelos modernos, caros, smartphones como Iphone e Galaxy, que custam entre R$ 1.000 a

 

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R$ 3.000 e possuem acesso a internet, redes sociais, dentre outros gadgets próprios dessas tecnologias como Whats Up (programa de mensagens online por dispositivos móveis), etc.

Figura 3. Signos de consumo – dispositivos móveis

Fonte: SOUSA, 2013, p. 32

Esse signo deixa pistas sobre o leitor inscrito na revista, ou seja, adolescentes e pré-adolescentes (a revista é aconselhada para maiores de 10 anos), de classe média e alta, com poder de consumo de dispositivos móveis com acesso à internet (celulares, tablets, notebooks, etc.), como também demonstram os quadros da página 32 (figura 3). São eles que fazem a decodificação do signo apresentado na revista e se identificam com a situação apresentada. Ainda, a página se enquadra na categoria de consumo conspícuo, uma vez que mostra o consumo de aparelhos eletrônicos modernos, caros e sugere que todos devam ter um para se manterem atualizados. Estão presentes, nesse discurso, várias vozes, dentre elas a das empresas produtoras e revendedoras de equipamentos (celular, tablet, notebook, etc.), bem como das provedoras de internet móvel, por meio de estratégias promocionais (campanhas de propaganda, marketing direto, etc.); a dos grupos de referência (familiares, amigos, colegas de escola) que possuem tais aparelhos e disseminam seu consumo aos demais (é preciso possuir para pertencer ao grupo, para participar das conversas, acompanhar a postagem de fotos).

O enredo da história começa com a descoberta, durante uma aula de informática, de um blog “O Castelo do Troll”, responsável por publicar as “notícias” sobre a turma do Limoeiro (bairro dos moradores da trama). No último quadro da página 11 (figura 3), enquanto Marina, uma das personagens, comenta que parece apenas um blog com fotos e fofocas, a personagem Denise, com semblante de encantamento (olhos em formato de estrelas, balão de diálogo em formato de nuvem) afirma que o blog é um “tesouro”. Ainda, as palavras blog e tesouro estão em negrito, conferindo destaque ao produto apresentado. Essa situação se enquadra na categoria de consumo conspícuo, por enaltecer, nesse caso, o consumo de informações.

 

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Figura 4. O Castelo do Troll Fonte: SOUSA, 2013, p. 11

O título do blog levanta outra questão, que será revelada durante a trama: as reais

intenções do autor do blog. Uma vez que Troll representa um monstro típico da literatura nórdica, como explica o personagem Cebola, na página 13, confere-se um signo negativo ao mesmo, associando-o a figura de um monstro, o que poderia ser considerado um exemplo de consumo moralista, ou seja, é errado, ruim consumir as informações desse blog. Analisando o diálogo entre Denise e Magali, na página 19 (figura 4), pode-se considerar o conceito de enunciado e enunciado concreto, proposto por Bakhtin. Denise “qualifica” o blog como essencial, no momento em que a professora de informática, desnorteada com uma informação divulgada no blog a seu respeito, dispensa a classe mais cedo. Assim, o significado de essencial que, no enunciado, seria indispensável, importante, necessário, traz, no enunciado concreto apresentado, a noção de algo providencial para aqueles que, naquele momento, não queriam mais assistir a aula, ou seja, passa de signo positivo para signo negativo, uma vez que estimula um comportamento desaprovado pelas normas sociais (de “matar” aula). A partir do diálogo travado com Magali, a categoria de consumo moralista, novamente, aparece na história, uma vez que a personagem questiona o sentido de “essencial” conferido ao blog por Denise, pontuando os malefícios do mesmo para os envolvidos na informação.

 

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Figura 5. O blog essencial Fonte: SOUSA, 2013, p. 19

A linguagem utilizada no contexto verbal também remete ao leitor pré-adolescente e

adolescente inscrito na revista. O verbo “favoritar” usado pela personagem, que é uma apropriação do termo “curtir” usado nas redes sociais (recurso utilizado, ao longo de todas as revistas TMJ, para recorrer a termos gerais, porém com certa estilização) como o Facebook, é típico do vocabulário desse grupo.

Outro exemplo que ilustra muito bem a ligação entre os conceitos de polifonia e dialogismo de Bakhtin aos estudos sobre a sociedade de consumo, está na página 92 (figura 5), quando a personagem Carmem, apresentada como a mais fútil do grupo, ao longo das histórias de TMJ, tem um de seus segredos revelados pelo “Castelo do Troll”.

 

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Figura 6. Carmem

Fonte: SOUSA, 2013, p. 92 No caso, a fofoca divulga que Carmem usa roupas de grife falsificadas – Xanéu – e,

como a própria personagem afirma, sua reputação foi pelo ralo e nada pior pode lhe acontecer. Nesse contexto, a polifonia se faz presente a partir do discurso da indústria da moda, da propaganda, que constroem imagens de marca e as vendem como função diferencial, na sociedade, acessíveis apenas a uma pequena parte da população que, por ter esse poder de compra, se considera superior aos demais. Ainda, há as vozes dos grupos de referência, aqui representados por amigos, colegas de escola, que admiram e aprovam o uso dessas marcas, desejando pertencer ao grupo dos que vestem Channel. É, conforme Bakhtin, a convivência e interação, em um mesmo espaço, de uma multiplicidade de vozes e consciências independentes e que não se misturam. Vozes plenivalentes e consciências de igual poder, todas representantes de um determinado universo e marcadas pelas peculiares deste.

Também, o conceito de dialogismo está presente, uma vez que a personagem considera a opinião dos outros muito importante, ou seja, ela, sujeito, só existe em função do outro. Assim, ela não usa apenas as roupas de que gosta, mas as que lhe conferirão aceitação social, reconhecimento, prestígio, ao ponto de ela considerar trocar todo o seu guarda-roupa, após a revelação do seu segredo. Conforme afirma Bakhtin, o dialogismo é o procedimento que constrói a imagem do sujeito em um processo de comunicação interativa, no qual eu me vejo e me reconheço por meio do outro, na imagem que o outro faz de mim. Eu me projeto no outro que, por sua vez, também se projeta em mim.

Do ponto de vista do consumo, é o sentimento de diferenciação que está presente na atitude de Carmen, mesmo que para consegui-lo ela precise recorrer a artifícios (usar roupas falsas, pirateadas). Essa diferenciação só é percebida por seus grupos de referência, que compreendem a linguagem do consumo presente nessa situação e apreendem o sentido de se usar uma roupa de marca. A página selecionada também pode ser enquadrada na categoria de consumo moralista, pois condena, castiga quem tenta “burlar” as normas sociais em nome do consumo.

 

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Já chegando ao final da história, a categoria de consumo consciente aparece, no desfecho da trama, compondo a mensagem de “moral e bons costumes” que as revistas da Turma da Mônica procuram trazer. Ao descobrir o responsável pela criação e alimentação do blog de fofocas (figura 6), Mônica o alerta sobre a ilegalidade de suas ações, que podem configurar como crime virtual e gerar consequências para os pais ou responsáveis do rapaz (que é menor de 18 anos).

Figura 7. A revelação

Fonte: SOUSA, 2013, p. 120 Concluindo, a última voz presente no discurso de TMJ, a que faz o fechamento de

todas as histórias, é a do próprio autor, Maurício de Sousa, em uma coluna intitulada “Fala Maurício”. Uma enunciação enunciada repleta de marcas e intencionalidades. Nesta edição específica, o autor faz um alerta ao mau uso da internet, bem como aos indivíduos que gostam de semear a discórdia e que podem estar mais perto do que se imagina – nesse caso, o vilão da história. Ainda, ele pontua as formas de se defender desse vilão, como a indiferença, e afirma que as pessoas nem sempre estão prontas para lidar com essas situações, não tendo a paciência necessária para “ignorar as trollagens”. O autor fala de ética, de moral e chama seus leitores a “amaciarem suas reações” e “fugir da raia”, dizendo que ousadia não é covardia. Fazendo uma relação com a palavra Troll, pede aos leitores que “controllem” a fera e que vivam de bem com a vida.

 

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Figura 8. Fala Maurício

Fonte: SOUSA, 2013, p. 125 A mensagem está diretamente relacionada às características da sociedade de consumo

atual, em que as pessoas são imediatistas, pouco pacientes, “esquentadas” e violentas. Assim, por meio de um exemplo de crime virtual (sem sangue aparente), deixa o recado intencional da história, na visão do autor. 4. Considerações finais A partir da análise da revista nº 57 da Turma da Mônica Jovem – Veneno Virtual – foi possível identificar, a partir dos pressupostos Bakhtianos à luz da sociedade de consumo contemporânea, a existência de múltiplas vozes no discurso de TMJ, dentre elas: as vozes das empresas produtoras e revendedoras de produtos e serviços de consumo (celulares, tablets, notebooks, internet); as vozes dos grupos de referência dos leitores da revista (amigos, colegas de escola, pais); a voz da indústria da moda e dos meios de comunicação de massa; a voz do próprio autor da revista em quadrinhos – Maurício de Sousa; a voz da justiça, da lei; dentre outras com menor destaque na trama. Assim, sendo um produto da indústria cultural inserido em uma sociedade de consumo distinta, a revista TMJ existe dentro e para um contexto específico, mostrando um dialogismo explícito entre seu discurso e o público leitor a que se destina. Seu tema, seus enunciados, tudo está relacionado à interação verbal que ela mantém com a realidade do leitor, nesse caso, uma criança ou adolescente que compartilha de uma linguagem de consumo própria de sua geração e do momento que está vivendo.

 

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Por meio dos enunciados concretos presentes no discurso, foi possível verificar uma série de signos típicos da sociedade de consumo atual, bem como seus questionamentos e preocupações.

Assim, os pressupostos Bakhtinianos foram de grande importância para a identificação e apreensão desses significados. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006. BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: BRAIT, Beth (org.) Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed São Paulo: Contexto, 2008. BRAIT, Beth; MELO, Rosineide. Enunciado / enunciado concreto / enunciação. In: BRAIT, Beth (org.) Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2008. CEREJA, William. Significação e tema. In: BRAIT, Beth (org.) Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed São Paulo: Contexto, 2008. CIRNE, Moacy. Uma introdução política aos quadrinhos. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982. JOHN, Deborah Roedder. Consumer socialization of children: a retrospective look at twenty-five years of research. Journal of Consumer Research. v. 26. p. 183-213, 1999. LISBÔA, Lívia Lüdke. História em quadrinhos como local de aprendizagem: saberes ambientais e a formação de sujeitos. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação de Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande Sul. Orientador: Prod. Dr. José Claúdio Del Pino. 98 p. Porto Alegre, 2008. MACHADO, Irene. Gêneros Discursivos. In: BRAIT, Beth (org.) Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed São Paulo: Contexto, 2008. MCNEAL; James U. Children as consumers of commercial and social products. Janeiro. 2000. Paper apresentado na conferência Marketing health to kids 8 to 12 years of age. Outubro, 1998. Disponível em: <www.paho.org/English/hpp/hpf/adol/childcons.pdf> Acesso em: 20 Mar. 2010 MOREIRA, Alberto da Silva. Cultura midiática e Educação Infantil. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v24n85/a06v2485>. Acesso em: 10 agosto 2010. ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1984. SOUSA, Maurício de. Surge uma estrela. Revista Turma da Mônica Jovem. n. 19. São Paulo: Panini Comics, 2010. ______. Veneno Virtual. Revista Turma da Mônica Jovem. n. 57. São Paulo: Panini Comics, 2013. TURMA da Mônica Jovem. Wikipédia. Disponível em <http://pt.wikipedia.org /wiki/Turma_da_M%C3%B4nica_Jovem> Acesso em 15 agosto 2013. WOLFMAN, Anuska; Kids research meets reality TV. Young Consumers. Quadrimestre 1, p. 60-62, 2005. YAGUELLO, Marina. Introdução. In: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.                                                             1 Ringtones são toques de chamada de celular em forma de músicas, efeitos, dentre outros.