MILAGRE DO POVO por V a n d e r l e i F e r n a n d e...

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MILAGRE DO POVO por V a n d e r l e i F e r n a n d e s

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MILAGRE DO POVOpor V a n d e r l e i F e r n a n d e s

AGRADECIMENTOS Ao grande amigo e companheiro, pesquisador de Literaturas Africanas, Ubiratã Souza, que apresentou os mais belos lugares desconhecidos para registro das fotografias e que esteve do meu lado em todas saídas de campo compartilhando sem medidas o conhecimento afro brasileiro e do candomblé.

Ao artista plástico, fotógrafo e educador Rogério Nakaoga, pela demon-stração de atenção diária e orientações que complementaram, do início ao fim, o desenvolvimento desse projeto fotografico pessoal. E também a cada integrante da turma de fotografia. Ao meu pai espiritual Luiz Katulemburange que me confiou a permissão de registrar através das lentes os rituais do tradicional candomblé jeje-angola do Asé Yle do Hozoouane. A todos o meu carinho.

São Paulo, 18 de Novembro de 2013Vanderlei Fernandes

ÍNDICE

Apresentação..............................................................................................................................7Objetivo........................................................................................................................................9Justificativa..................................................................................................................................13Milagre do Povo................................................................................................................................15Cronograma..............................................................................................................................21 Produto Final......................................................................................................................................21Bibliografia................................................................................................................................23Coletanêa de Fotografias..............................................................................................................25

APRESENTAÇÃO

O presente projeto busca realizar uma coleta de imagens de elementos da cultura afro-brasileira, amiúde aqueles que compõem a prática de entregas em locais públicos. Parte integrante da liturgia de diversas variedades de cultos afro-brasileiros, essas entregas oferecem uma rica e múltipla variedade de visualidades, que permitem a elaboração e captação de diversas possibilidades imagéticas e fotográficas. A prática de entregas está relacionada com diversos significados dentro da cultura afro-brasileira. Desde presentes e acréscimos, possíveis de serem oferecidos às divindades, até obrigações, deveres que cada componente da cultura tem de prestar. Há também a categoria do despacho, aquilo que é, urgentemente, descartado, levando consigo sua carga mítica de forças desfavoráveis. Toda esta variedade de práticas encontra-se no imaginário popular conhecida como a “macumba”, considerado sob um aspecto negativo.

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Entenda-se por divindades afro-brasileiras os minkisi das chamadas nações bantu (candomblé de angola, candomblé kongo, ou o kongo-angola, e nações cabinda), os orixás das chamadas nações nagô (ketu, ijexá, o xangô alagoano, entre inúmeras outras), e os voduns das nações de origem egbe-falantes (nação de jeje-mina, jeje-mahin, jeje-savalu, entre outras).

A imprecisão do termo utilizado, “divindades”, objetiva ampliar o escopo, abrangendo também todas as “entidades” e diversas formas de manifestações do divino em religiões como a umbanda, a quimbanda, e outras formas de culto de origem afro-brasileira, para além do universo estrito das nações do candomblé.

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OBJETIVO

Criar uma coletânea de imagens que construa referências concretas ao universo religioso afro-brasileiro, apresentando imagens coletadas de contextos de entregas rituais em locais públicos. Objetiva-se aglomerar uma grande quantidade de imagens que favoreça, posteriormente, a um trabalho de edição sobre as imagens, para que se crie a coletânea. Este trabalho de edição tem como finalidade estabelecer certa construção de sentido entre as imagens, de modo que uma linha lógica se estabeleça de forma clara tanto a um público inserido nos meios culturais afro-brasileiros, quanto para o público leigo no assunto.

O presente projeto busca relacionar-se com a vasta poética brasileira do universo religioso, estabelecendo, a priori, a meta de trabalhar com este universo justamente naquilo que se tem de mais acessível para qualquer transeunte: as entregas que podem ser vistas em locais públicos. Objetiva-se capturar imagens a partir da materialidade dessas entregas, evidenciando objetos e utensílios, bem como a tecnologia envolvida na produção e no depósito desta entrega.

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A ênfase neste aspecto objetivo da entrega tem duas faces: uma é a abordagem a partir da noção de cultura material que está implícita nestes conjuntos. Entende-se que a partir da composição material desses conjuntos, temos ensejo para uma reflexão a respeito das dinâmicas estruturantes desse tipo de cultura. Neste sentido, cada elemento acoplado à composição material das entregas rituais estará sublimando materialmente uma carga simbólica e mitológica única, que, mesmo explícita ao praticante, e oculta ao leigo, sedimenta a profundidade de significados do objeto. O objeto aqui é evidenciado como efeito de um evento simbólico, socialmente produtor de significados (TILLER, 2008: 11).

A outra face refere-se a certa característica dessas entregas que condiciona a fotografia a congelar um dos muitos aspectos dessa entrega ao longo do tempo. Composta, na maioria das vezes, de elementos orgânicos, o aspecto visual dessas entregas altera-se rapidamente conforme o ambiente e o clima a que estão expostas.

A fotografia dessas entregas, então, depende de um “momento decisivo”: caso o fotógrafo consiga encontra-las algumas horas após o depósito, terá uma imagem com a completa totalidade de seus aspectos visuais, se demorar alguns dias,

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nesse intervalo houver chuvas ou sol intenso, obterá uma imagem revelando ou a entrega em estado de decomposição, ou somente os suportes não orgânicos ainda conservados. Em muitas vezes, até mesmo os suportes já estão todos destruídos. Restará então ao fotógrafo uma imagem revelando como ruínas de algo que ali existiu, uma imagem do passado corrompido pela ação do tempo.

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JUSTIFICATIVA

As entregas em locais públicos consistem naquilo que talvez seja a faceta mais acessível dos cultos afro-brasileiros: distinguem-se de outra variedade de entregas, aquelas que precisam, necessariamente, ser feitas em locais sagrados e de acesso restrito. Encontradas em locais dos mais diversos, de ambientes naturais, como cachoeiras e locais de vegetação nativa, até espaços mais urbanizados, como encruzilhadas e linhas férreas, essas entregas são um componente central da cultura material brasileira. Manifestação concreta e pública de uma crença antiga que cruzou o Oceano e o tempo, resistindo à opressão e a toda a forma de desqualificação e deslegitimação racista e preconceito.

Pois, para refletir respeito desse tema, é preciso levar em consideração a espoliação cultural que serviu às finalidades econômicas a que o trabalho compulsório dos povos africanos se prestou. Quer dizer, para que se justificasse a escravização dos povos africanos, era preciso que se acreditasse que os negros eram seres inferiores, e, assim como o agente humano, toda a carga cultural da qual tomavam parte deveria

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ser considerada inferior, menor, chula. Decorre daí todo o preconceito e toda a demonização que caracteriza o imaginário diabólico que cerca esse tipo de prática cultural, por incrível que pareça, até os nossos dias, e com muita força.

A demonização a que sofreu essa cultura adquiriu características próprias: Exu, o orixá mensageiro, dono dos caminhos, foi aquele que foi considerado a própria personificação do diabo. O tridente que o caracteriza, instrumento carregado de simbologia, que aponta justamente para a intersecção de caminhos, foi considerado o próprio instrumento do diabo na cultura ocidental. O levante pentecostal da década de 1990, que granjeou multidões no Brasil, deixou uma herança de preconceito renovado contra essas culturais, ainda que, ironicamente, sobrevivam através de referências explícitas a esse universo.

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O MILAGRE DO POVO

O universo afro-brasileiro já foi retratado diversas vezes por fotógrafos na história da fotografia brasileira. Podemos citar um impulso inicial no fotojornalismo polêmico e sensacionalista de José Medeiros (2009), que já em 1951 produziu um debatido ensaio retratando rituais iniciáticos restritos para as páginas de O Cruzeiro, intitulado “As noivas dos deuses sanguinários”. Eivado do racismo e do preconceito fetichista que buscava o escândalo através do exótico, este ensaio, a despeito de tudo, consiste numa das primeiras tentativas sistemáticas de aproximação entre as lentes fotográficas e o universo dos orixás. Com o relativismo próprio da ciência, a obra de Pierre Verger (2000 e 1987), mais próxima do que poderíamos hoje chamar de etnofotografia, foi um passo a frente na representação fotográfica do universo afro-brasileiro. Buscando, sobretudo, compreender as relações de reciprocidade entre culturas africanas específicas (do universo ioruba e dos egbe-falantes) e a forma como essas culturas foram adaptadas e transformadas no contexto do Novo Mundo.

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O trabalho etnográfico construído através de imagens de contexto por Verger é um ponto basilar na pesquisa sobre religiões afro-brasileiras em quaisquer níveis. Posteriormente, Mario Cravo Neto abriu caminho para além das representações fotográficas mais naturalistas do universo afro-brasileiro. Intensamente criativo, Cravo Neto (2000) constrói uma linguagem artística singular que não se preocupa essencialmente no retrato de situações, mas empenha-se no desenho de uma sintaxe metafórica própria que mobilize referências a signos visuais do universo religioso afro-brasileiro. Trabalhando em estúdio, ou obtendo imagens externas, os principais trabalhos de Cravo Neto fazem referências, mesmo que veladas ao observador leigo, ao universo do candomblé. Já num tempo e numa linguagem bastante diversas de Verger ou do remoto Medeiros, não há como pensar, no entanto, num continuum entre essas obras fotográficas.

Esta linha inicial da fotografia sobre o elemento afro-brasileiro parece remontar ao surgimento de um cenário que hoje se vislumbra amplo e plural.

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A possibilidade do trabalho artístico, da criação de linguagens criativas próprias, aliada à referência possível ao elemento afro-brasileiro, condicionou poéticas fotográficas das mais variadas. Podemos citar Bauer Sá, Aristides Alves, ou Sabrina Pestana, nomes de peso na fotografia contemporânea, cujos trabalhos apresentam a constante afro-brasileira.

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PRODUTO FINAL

Após a captura das fotografias, houve o processo de edição. Foi criada uma coletânea de 19 (dezenove) fotografias. As fotografias foram impressas em papel fotográfico 20cm x 30cm e colocadas em placa de papel espuma preto tamanho A3 de 5mm de espessura, todas as placas serão afixadas com fita banana dupla face. A mesma coletânea foi impressa em papel fotográfico 15cm x 18cm, que compõe o catálogo. Essa coletânea pode estar relacionada a certos relatórios em que o contexto de captura foi descrito.

(Ver cronograma na página 19 deste catálogo).

BIBLIOGRAFIA

CRAVO NETO, Mário. Laróyè. Salvador: Áries, 2000.MEDEIROS, José. Candomblé. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2009.MOURA, Diógenes (coord.). Percursos e afetos: fotografias 1928 – 2011 – Coleção Rubens Fernandes Jr.. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2012.The Oxford handbook of material culture. Oxford: Oxford University Press, 2010.TILLER, Christopher. The handbook of material culture. Thousand Oaks: SAGE, 2008.VERGER, Pierre. Notas sobre o culto de orixás e voduns. São Paulo: EDUSP, 2000._____________. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos. Salvador: Corrupio, 1987.